ADERNOS DO ERCADO DE ALORES OBILIÁRIOS FUTUROS … · O cumprimento das obrigações que decorrem...

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40 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS 1. ENQUADRAMENTO DO TEMA, DELIMITAÇÃO DO OBJETO E NOÇÕES PRELIMINARES. METODOLOGIA I. O presente estudo pretende analisar, através do método comparativo, o regime jurídico dos contratos de futuros sobre ações nos ordena- mentos jurídicos português e espanhol, bem como nos respetivos mercados onde os mesmos são operados. II. O princípio básico de contratação, no presen- te, do preço e da quantidade de um determinado bem a trocar, no futuro, permitindo aos agentes económicos mitigar os efeitos decorrentes de uma eventual evolução negativa de variáveis económicas, cuja previsão é difícil e inevitavel- mente sujeita a erro, não é uma realidade recen- te. A realização destas operações remonta à an- tiga Mesopotâmia, como demonstra Edward Swan 1 . A configuração destas operações nos moldes atuais apenas terá iniciado, contudo, com maior arrimo, a partir do século XIX, com a criação, nos Estados Unidos, da Chicago Board of Trade, associação destinada a organi- zar os mercados de futuros sobre mercadorias, nomeadamente sobre produtos agrícolas, como o milho ou o trigo 2 . A instabilidade das taxas de juro que se verifi- cou nos Estados Unidos na década de 70 do século XX aliada ao anúncio da inconvertibili- dade do dólar americano e, consequentemente, ao colapso do sistema de Bretton Woods forçou o mercado a explorar instrumentos financeiros que permitissem cobrir os agentes económicos dos riscos decorrentes da variação das taxas de juro e de câmbio. Neste contexto, a Chicago FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO COMPARATIVO (DIREITO PORTUGUÊS E DIREITO ESPANHOL) * PAULA REDONDO PEREIRA ** * O estudo corresponde ao Relatório final apresentado no âmbito do seminário de Direito Privado Comparado, sob o tema “Tempo, espaço e condição”, do Curso de Doutoramento (3.º Ciclo) da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (FDUNL), que decorreu durante o 2.º semestre do ano letivo 2011-2012, sob a coordenação do Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida e do Professor Doutor Pedro Caetano Nunes. ** Doutoranda da FDUNL e jurista na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). As opiniões expressas no presente trabalho são pessoais, não vinculando a CMVM. 1- Edward J. Swan, Building the Global Market – A 4000 Year of History of Derivatives, Londres: Kluwer Law International, 2000, pp. 28, 31-50. Para perspetivas históricas pormenorizadas (e geograficamente alargadas) sobre operações de futuros e respetivos mercados, Sheila Bair, “United States Regulation of Derivatives Instruments: Reflections from a Crucial Crossroads”, Derivative Instruments, London: Graham & Trotman/Martinus Nijhoff, 1994, p. 13. 2- E. Swan, Bulding…, cit., p. 218. Para uma definição de futuros no âmbito do ordenamento jurídico norte-americano, Zachary T. Knep- per, “Examining the Merits of Dual Regulation for Single-Stock Futures: How the Divergent Insider Trading Regimes for Federal Futures and Securities Markets Demonstrate the Necessity for (and Virtual Inevitability of) Dual CFTC-SEC Regulation for Single-Stock Futures”, Pierce Law Review, Vol. 3, No. 1, 2004, p. 34. SUMÁRIO: 1. ENQUADRAMENTO DO TEMA, DELIMITAÇÃO DO OBJETO E NOÇÕES PRELIMINARES. METODOLOGIA. 2. ANÁLISE COMPARATIVA; 2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA E FONTES ATUAIS; 2.2. COMPARAÇÃO DOS REGIMES JURÍDICOS VIGENTES. 3. SÍNTESE COMPARATIVA. 4. BIBLIOGRAFIA.

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40 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

1. ENQUADRAMENTO DO TEMA, DELIMITAÇÃO

DO OBJETO E NOÇÕES PRELIMINARES.

METODOLOGIA

I. O presente estudo pretende analisar, através

do método comparativo, o regime jurídico dos

contratos de futuros sobre ações nos ordena-

mentos jurídicos português e espanhol, bem

como nos respetivos mercados onde os mesmos

são operados.

II. O princípio básico de contratação, no presen-

te, do preço e da quantidade de um determinado

bem a trocar, no futuro, permitindo aos agentes

económicos mitigar os efeitos decorrentes de

uma eventual evolução negativa de variáveis

económicas, cuja previsão é difícil e inevitavel-

mente sujeita a erro, não é uma realidade recen-

te. A realização destas operações remonta à an-

tiga Mesopotâmia, como demonstra Edward

Swan1. A configuração destas operações nos

moldes atuais apenas terá iniciado, contudo,

com maior arrimo, a partir do século XIX, com

a criação, nos Estados Unidos, da Chicago

Board of Trade, associação destinada a organi-

zar os mercados de futuros sobre mercadorias,

nomeadamente sobre produtos agrícolas, como

o milho ou o trigo2.

A instabilidade das taxas de juro que se verifi-

cou nos Estados Unidos na década de 70 do

século XX aliada ao anúncio da inconvertibili-

dade do dólar americano e, consequentemente,

ao colapso do sistema de Bretton Woods forçou

o mercado a explorar instrumentos financeiros

que permitissem cobrir os agentes económicos

dos riscos decorrentes da variação das taxas de

juro e de câmbio. Neste contexto, a Chicago

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO COMPARATIVO (DIREITO PORTUGUÊS E DIREITO ESPANHOL) *

PAULA REDONDO PEREIRA **

* O estudo corresponde ao Relatório final apresentado no âmbito do seminário de Direito Privado Comparado, sob o tema “Tempo, espaço e condição”, do Curso de Doutoramento (3.º Ciclo) da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (FDUNL), que decorreu durante o 2.º semestre do ano letivo 2011-2012, sob a coordenação do Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida e do Professor Doutor Pedro Caetano Nunes.

** Doutoranda da FDUNL e jurista na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). As opiniões expressas no presente trabalho são pessoais, não vinculando a CMVM. 1- Edward J. Swan, Building the Global Market – A 4000 Year of History of Derivatives, Londres: Kluwer Law International, 2000, pp. 28, 31-50. Para perspetivas históricas pormenorizadas (e geograficamente alargadas) sobre operações de futuros e respetivos mercados, Sheila Bair, “United States Regulation of Derivatives Instruments: Reflections from a Crucial Crossroads”, Derivative Instruments, London: Graham & Trotman/Martinus Nijhoff, 1994, p. 13. 2- E. Swan, Bulding…, cit., p. 218. Para uma definição de futuros no âmbito do ordenamento jurídico norte-americano, Zachary T. Knep-per, “Examining the Merits of Dual Regulation for Single-Stock Futures: How the Divergent Insider Trading Regimes for Federal Futures and Securities Markets Demonstrate the Necessity for (and Virtual Inevitability of) Dual CFTC-SEC Regulation for Single-Stock Futures”, Pierce Law Review, Vol. 3, No. 1, 2004, p. 34.

SUMÁRIO: 1. ENQUADRAMENTO DO TEMA, DELIMITAÇÃO DO OBJETO E NOÇÕES PRELIMINARES.

METODOLOGIA. 2. ANÁLISE COMPARATIVA; 2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA E FONTES ATUAIS;

2.2. COMPARAÇÃO DOS REGIMES JURÍDICOS VIGENTES. 3. SÍNTESE COMPARATIVA. 4. BIBLIOGRAFIA.

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41 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Mercantile Exchange lançou em 1972 o primei-

ro contrato de futuros sobre divisas. Nas déca-

das seguintes, assistiu-se ao desenvolvimento e

à profusão dos mercados de futuros por todo o

mundo, neles se negociando contratos sobre

uma multiplicidade de ativos, com contornos

cada vez mais sofisticados3.

III. Sem prejuízo da análise pormenorizada que

nos propomos desenvolver, ensaiamos, de for-

ma preliminar, uma noção operacional de futu-

ros com o propósito de situar o objeto do nosso

estudo, conduzindo à melhor compreensão e

delimitação do seu âmbito. Futuros são contra-

tos a prazo4, padronizados, através dos quais o

comprador se obriga a pagar o preço acordado e

o vendedor a entregar o ativo subjacente numa

data previamente determinada (liquidação físi-

ca) ou através dos quais se estipula a obrigação

de pagar a diferença entre o preço acordado e o

preço de referência na data do vencimento do

contrato (liquidação financeira)5. O ativo subja-

cente destes contratos pode ser real (e.g. merca-

dorias, valores mobiliários ou outros instrumen-

tos financeiros negociados em mercado organi-

zado), como nocional (e.g. taxas de juro ou de

câmbio, divisas ou índices). O presente estudo

centrar-se-á na análise de contratos de futuros,

com liquidação física ou financeira, que tenham

como ativo subjacente ações6.

O cumprimento das obrigações que decorrem

para as partes da celebração do contrato é asse-

gurado por um sistema de prestação de garanti-

as quais, na gíria dos mercados financeiros, são

designadas margens, e por um mecanismo de

ajustes de ganhos e perdas, segundo o qual as

oscilações dos preços dos ativos subjacentes se

refletem nas posições dos contraentes, proce-

dendo-se à compensação dos ganhos e perdas

através da movimentação dos valores prestados

em garantia, as referidas margens. A celebração

de contratos de futuros permite, assim, funda-

mentalmente, a cobertura de riscos, a especula-

ção e a arbitragem7.

IV. Os contratos de futuros celebram-se em

mercados organizados (atualmente designados,

por força de diretrizes da União Europeia,

mercados regulamentados8); exclui-se, portanto,

do âmbito do presente estudo, a análise de

instrumentos financeiros negociados fora de

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 41

3- Sobre produtos (e serviços) financeiros associados ao movimento designado, na gíria dos mercados financeiros, inovação financeira ou engenharia financeira, José Manuel Gonçalves Santos Quelhas, Sobre a Evolução Recente do Sistema Financeiro (Novos “Produtos Financeiros”), Separata do Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, 1996, pp. 54-55. 4- O tempo tem nestas operações uma relevância jurídica particular. Como salienta Amadeu J. Ferreira, “o tempo é um elemento essencial” nos contratos de futuros assumindo-se como conteúdo do próprio negócio jurídico (e não como mero fator externo incidente ao negócio jurídico, como ocorre noutros institutos como a prescrição ou mesmo em operações em bolsa a contado ou à vista. Note-se que, nas opera-ções a contado ou à vista pode verificar-se um lapso temporal entre a perfeição do contrato e a sua execução, mas que decorre de meros imperativos operacionais), Amadeu José Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa: Lex, 1997, p. 148. Neste sentido, também Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Introdução aos Mercados de Futuros e Opções, 3.ª ed., Porto: Associação da Bolsa de Derivados do Porto, 1995, p. 35. 5- Para uma distinção entre contratos de futuros com liquidação física e com liquidação financeira no direito português, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 130; Carlos Ferreira de Almeida, “Contratos Diferenciais”, Direito dos Valores Mobiliários, vol. X, Coimbra: Wolters Kluwer Portugal – Coimbra Editora, 2011, p. 9; e, do mesmo autor, Contratos III – Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco, Coimbra: Almedina, 2012, pp. 269-273. No direito espanhol, para uma análise pormenorizada dos contratos de futuros com liquidação física e financeira, Alfonso de Contreras y Vilches, El Contrato de Futuros Financieros, Madrid: Marcial Pons, 2006, pp. 432-437. 6- Sempre que necessário para uma melhor compreensão do contorno destes contratos, recorreremos, contudo, a futuros com um ativo subjacente distinto. 7- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 122, 136. 8- Cf. artigos 36.º e ss. da Diretiva n.º 2004/39/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, sobre os mercados de instrumentos financeiros (DMIF). Extravasa o âmbito do presente trabalho a análise dos contornos deste diploma, nomeadamente quanto às especificidades relacionadas com os mercados regulamentados.

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42 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

mercados regulamentados ainda que possuam

contornos semelhantes ao dos futuros (e.g. con-

tratos forwards, cujos termos são definidos com

ampla margem de liberdade pelas partes)9,10.

A negociação de instrumentos financeiros nos

mercados regulamentados (incluindo-se, por-

tanto, nos mercados em que se transacionam

futuros) realiza-se através dos respetivos mem-

bros que, em regra, são intermediários financei-

ros, isto é, exige-se a intervenção de entidades

com determinadas características para a realiza-

ção das operações11. Nestes termos, o acesso

dos investidores ao mercado implica, portanto,

em regra, a celebração de um contrato – contra-

to de intermediação financeira – com um agente

autorizado a intervir no mercado a que se pre-

tende aceder. O regime jurídico da intermedia-

ção financeira, bem como os contornos dos seus

contratos, não serão tratados no âmbito do pre-

sente trabalho12.

V. A metodologia que propomos seguir desdo-

bra-se em dois momentos13. No primeiro mo-

mento (§2), situaremos o objeto do trabalho

numa perspetiva histórico-jurídica, descrevendo

a evolução do regime dos futuros nos ordena-

mentos jurídicos selecionados (§2.1)14 e proce-

deremos à descrição e enquadramento do mes-

mo com base nos eixos da grelha que construí-

mos para o efeito (§2.2). No segundo momento

(§3), sublinhar-se-ão as semelhanças e as dife-

renças entre os termos analisados, procurando-

se, de forma crítica, justificar os resultados

encontrados15.

A grelha comparativa que nos propomos seguir

foi construída, de forma dialética, em torno de

dois eixos, paradigmático e sintagmático16.

No eixo paradigmático, alinham-se os compa-

randa17, os ordenamentos jurídicos português e

espanhol, bem como os respetivos mercados

regulamentados ou mercados secundários

9- Para uma análise sobre contratos negociados em mercado de balcão ou OTC (acrónimo, na língua inglesa, de over-the-counter), Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 128-131. Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Introdução…, cit., p. 70; José de Oliveira Ascensão, “Derivados”, Instituto dos Valores Mobiliários, Direito dos Valores Mobiliários, vol. IV, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp. 51-53; Miguel Cunha, “Os Futuros de Bolsa: Características Contratuais e de Mercado”, Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 71. 10- No âmbito da negociação em mercado regulamentado, os futuros não são os únicos instrumentos financeiros disponíveis aos investido-res. De entre estes, destacamos a título de exemplo as opções, instrumentos financeiros igualmente negociados em mercado regulamentado que têm uma função económica de proteção de risco semelhante à dos futuros, conferindo ao seu titular um direito a adquirir um bem ou a celebrar um contrato em data futura. A análise das especificidades do regime jurídico das opções não caberá no âmbito do presente traba-lho, ainda que lhe possamos fazer pontualmente referência. Para os contornos do regime jurídico das opções, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 122, 158-171; Ruy Ennes Ulrich, Da Bolsa e Suas Operações, 2.ª ed., Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011, p. 417; Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2011, p. 191. 11- Note-se, contudo, que tanto no direito português, como no direito espanhol, podem ser membros dos mercados regulamentados outras pessoas que cumpram determinados requisitos, como idoneidade e aptidão profissional (n.º 2 do artigo 206.º e artigo 224.º, ambos, do Código dos Valores Mobiliários, na sua redação atual, e artigo 37.º da Ley del Mercado de Valores, respetivamente). 12- P. Câmara, Manual…, cit., pp. 345-440. 13- Carlos Ferreira de Almeida, Direito Comparado – Ensino e Método, Lisboa: Edições Cosmos, 2000, p. 117. 14- Sublinhando a importância dos elementos meta-jurídicos para o enquadramento dos estudos de direito comparado, Rui Pinto Duarte, “Uma introdução ao Direito Comparado”, O Direito, Ano 138.º, IV, 2006, p. 774. 15- Para uma descrição das diferentes tonalidades do processo comparativo, nomeadamente quanto ao destaque que a doutrina juscompara-tivista confere às fases da comparação e síntese, C. Ferreira de Almeida, Direito Comparado…, cit., p. 122. 16- Ibidem, p. 153. 17- Dário Moura Vicente, Direito comparado – Introdução e parte geral, Vol. I, Coimbra: Almedina, 2008, p. 45.

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43 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

oficiais18 onde as operações de futuros são

realizadas, permitindo-nos percorrer, compara-

tivamente, as características das operações a

prazo nos dois ordenamentos jurídicos selecio-

nados e seus mercados19. No eixo sintagmático,

alinham-se os elementos que nos permitirão

aferir as semelhanças ou dissemelhanças do

regime jurídico dos futuros. Para o efeito, trata-

remos da (i) noção20 de futuros e, concluindo

pela sua natureza contratual, prosseguiremos

com a análise da (ii) estrutura destes contra-

tos21, bem como das especificidades relaciona-

das com a (iii) negociação, (iv) gestão de posi-

ções e prestação de garantias e (v) liquidação.

A exposição de cada elemento do eixo sintag-

mático procurará acompanhar sistematicamente

as soluções previstas, primeiro, na legislação

dos ordenamentos jurídicos selecionados, de-

pois, nos regulamentos das respetivas autorida-

des de regulação e supervisão, e, por último,

nas práticas dos mercados onde as operações

são realizadas. Neste último plano, para além

das regras dos mercados refletidas nos respeti-

vos regulamentos, selecionámos dois contratos-

tipo de futuros sobre ações transacionados nos

mercados de futuros português (NYSE-

Euronext LIFFE22), e espanhol (MEFF23), que

serão utilizados para ilustrar o regime a que

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 43

18- No direito espanhol, a Ley del Mercado de Valores, que acolheu as soluções impostas pela DMIF, manteve a expressão “mercados secundarios oficiales” para designar os “mercados regulamentados” previstos nos termos da referida Diretiva. Diversamente foi a solução adotada pelo direito português que, no Código dos Valores Mobiliários, acolheu a designação “mercados regulamentados”. 19- Sobre o regime dos futuros nos ordenamentos jurídicos português e espanhol, a escassa doutrina portuguesa que se debruçou sobre operações de futuros e que remonta, fundamentalmente, à década de 90, em que se assinala a criação da primeira bolsa de futuros em Por-tugal, apontava a influência que o regime jurídico português recebeu do ordenamento jurídico espanhol. Como refere Amadeu J. Ferreira, a aproximação dos dois regimes deveu-se sobretudo ao facto de a, então, Bolsa de Derivados do Porto utilizar as mesmas regras de negocia-ção da bolsa espanhola onde as operações de futuros eram realizadas. Como assinala o autor, ainda que semelhante, o regime português teria características próprias, como (i) a separação entre mercados a contado e mercados a prazo (resultante da organização específica do mercado de valores mobiliários português de então), (ii) o regime de equiparação dos futuros a valores mobiliários; e (iii) os poderes atri-buídos à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e ao Banco de Portugal (resultante da organização institucional de regula-ção e supervisão específica do ordenamento jurídico português), Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 125. 20- As normas que introduzem a noção de um determinado tipo contratual permitem “d[ar] a conhecer o que a lei entende por [um deter-minado tipo contratual]”, Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 4.ª ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, pp. 361-362. Acompanhamos, assim, a doutrina que reconduz estas normas a proposições jurídicas aclaratórias e que, portanto, articuladas com os preceitos legais integrados na totalidade do regime jurídico, permitem delimitar em pormenor um tipo contratual ou um determinado insti-tuto, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II – Conteúdo. Contratos de Troca, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2011, pp. 20-24; Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Coimbra: Almedina, 2000, pp. 71-79; Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, Coimbra: Almedina, 1995, pp. 168-179. 21- O modelo quadripartido ensaiado por C. Ferreira de Almeida Contratos II…, cit., pp. 18-19 será seguido na análise da estrutura contra-tual dos futuros. 22- Cf. Cláusulas Contratuais Gerais do Contrato denominado Single Stock Futures (SSF), disposições relativas aos contratos de futuros sobre as ações admitidas à negociação na NYSE-Euronext Lisbon representativas do capital social das sociedades Banco Comercial Portu-guês, S.A. (BCP), Banco Espírito Santo (BES), Banco BPI, S.A. (BPI), Brisa (Brisa), EDP – Energias de Portugal, S.A. (EDP), EDP Reno-váveis, S.A. (EDP Renováveis), Galp Energia – SGPS, S.A. (Galp), Jerónimo Martins, SGPS, S.A. (Jerónimo Martins), Portugal Telecom, SGPS, S.A. (Portugal Telecom), Zon Multimédia – Serviços de Telecomunicações e Multimédia, SGPS, S.A. (Zon Multimédia), REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A. (REN), Sonae, SGPS, S.A. (Sonae) e Sonaecom, SGPS, S.A. (Sonaecom), conforme o Anexo do referido SSF, disponível em www.nyx.com [consultado em 29 de abril de 2012]. 23- Cf. Condiciones Generales relativas aos Contratos de Futuros sobre Acciones Cotizadas en el Sistema Bursátil gestionado por la Sociedad de Bolsas o en otras Bolsas de Valores reconocidas por MEFF (Condiciones Generales), disponíveis em www.meff.es [consultado em 29 de abril de 2012].

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44 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

estes estão sujeitos nos respetivos ordenamen-

tos jurídicos.

2. ANÁLISE COMPARATIVA

2.1 Evolução histórico-jurídica

e fontes atuais

A. DIREITO PORTUGUÊS

I. Na sequência da transposição de diretivas

comunitárias, nomeadamente a DMIF, o atual

Código dos Valores Mobiliários24 revogou a

maior parte das normas sobre operações a pra-

zo, maxime as normas que se referiam aos con-

tratos de futuros. Interessa, assim, revisitar os

contornos histórico-jurídicos das operações de

futuros em Portugal, “porquanto [o regime jurí-

dico pretérito] reflectia em geral as boas práti-

cas negociais”25. A presente secção descreverá

o tratamento legislativo e regulamentar do mer-

cado das operações de futuros em Portugal, pre-

tendendo reconstruir a sua evolução ao longo da

história recente26.

II. A bolsa é por excelência o local onde são

negociados os contratos financeiros de compra

e venda a prazo, tendo o seu regime sofrido

uma alteração significativa a partir dos anos 70

do século XX, na sequência do primeiro

choque petrolífero; “até aí [estes contratos]

eram sobretudo negociados como operações

firmes a prazo” 27, que a versão primitiva

do Código do Mercado dos Valores Mobiliários

(Cód.MVM)28 consagrava nos seus artigos

409.º e 413.º, distinguindo entre operações fir-

mes a prazo e operações a prazo condicionais.

Estas últimas integravam as operações a prazo

liquidáveis por compensação (operações a futu-

ro)29.

Nos termos da versão original do Cód.MVM lia

-se, no n.º 1 do artigo 409.º (Tipos de opera-

ções)30, que as operações de bolsa poderiam

realizar-se através de: (a) operações sobre valo-

res mobiliários e direitos a eles inerentes sus-

cetíveis de negociações autónoma; (b) opera-

ções sobre opções; e, por fim, (c) operações

sobre outros instrumentos financeiros equipara-

dos a valores mobiliários. No n.º 2 da referida

disposição, previa-se que as operações sobre

valores mobiliários e direitos a eles inerentes

suscetíveis de negociação autónoma poderiam

realizar-se a contado ou a prazo, sendo que

estas poderiam ser firmes a prazo ou condicio-

nais. Ainda nos termos do artigo em referência,

24- O diploma foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, tendo sofrido subsequentes alterações. A referência à versão originária do CVM, bem como às suas versões posteriores será expressamente indicada. As disposições do CVM sem referência específica à respetiva versão pertencem ao CVM no seu texto atual. 25- C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., p. 135. 26- Para uma resenha do entorno legislativo português neste âmbito, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 125; Ana Mafalda Cardoso de Oliveira Monteiro, Os Contratos de Futuros no Direito Português – Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Comerciais apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1997 [não publicado], pp. 11-14. 27- Amadeu José Ferreira, Títulos de crédito e instrumentos financeiros – Guia de estudo para uso exclusivo dos alunos da cadeira, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2010-2011 [não publicado], p. 74. 28- O diploma foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de abril, e alterado, entre outros, pelos Decreto-Lei n.º 196/95, de 29 de julho e Decreto-Lei n.º 261/95, de 3 de outubro. 29- Para uma abordagem história das operações a prazo no ordenamento jurídico português anterior à década de 90, R. Ulrich, Da Bolsa…, cit., p. 396. 30- O artigo inseria-se, sistematicamente, na Subsecção II (Dos tipos de operações), da Secção VI (Das operações de bolsa), do Capítulo II (Das bolsas de valores), do Título III (Dos mercados secundários). A referida subsecção foi, na alteração de 95, objeto de uma alteração profunda, AA.VV., Código do Mercado de Valores Mobiliários e Legislação Complementar – Anotado e Comentado, Instituto de Mercado de Capitais, Porto: Associação da Bolsa de Derivados do Porto, 1996, Anotação ao artigo 409.º, §1, p. 404.

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45 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

o seu n.º 4 dispunha que seriam condicionais as

operações a prazo: (a) com opção complemen-

tar de compra ou de venda; (b) com compensa-

ção de compra ou de venda; (c) com prémio; (d)

liquidáveis por compensação, sendo estas últi-

mas designadas operações a futuro. Por fim, o

n.º 5 do preceito habilitava a CMVM a desen-

volver, através de regulamentação, o regime a

que deveria ficar sujeito cada um dos tipos de

operações de bolsa, fazendo recair sobre a enti-

dade gestora da bolsa a competência para apro-

var os regulamentos de cada um dos tipos de

operações legalmente previstos.

Na revisão do Cód.MVM em 95, a redação do

artigo 409.º foi objeto de alteração, passando a

dividir-se as operações de bolsa em operações a

contado e a prazo. Enquanto as primeiras pode-

riam ter por objeto valores mobiliários e direi-

tos a eles inerentes suscetíveis de negociação

autónoma, as segundas teriam por objeto valo-

res mobiliários e direitos e instrumentos finan-

ceiros a eles equiparados, tendo a norma clarifi-

cado que, entre outras, as operações a prazo

poderiam ser futuros e opções. Caberia ao Mi-

nistro das Finanças, com audição prévia da

CMVM e do Banco de Portugal, autorizar a

realização de tipos de operações a prazo dife-

rentes dos indicados, estabelecendo as especia-

lidades do regime aplicável a cada um deles.

De entre as alterações introduzidas ao

Cód.MVM pela revisão prosseguida em 95,

salienta-se a distinção expressa entre as opera-

ções de bolsa a contado e a prazo que o seu arti-

go 409.º passou a prever. Esta opção legislativa

ocorreu na sequência da separação dos merca-

dos verificada entre a Associação da Bolsa de

Valores de Lisboa (a qual concentrou as opera-

ções de bolsa a contado) e a Associação da

Bolsa de Valores do Porto que, designando-se

subsequentemente por Associação da Bolsa de

Derivados do Porto, passou a concentrar as ope-

rações de bolsa a prazo, especializando-se no

mercado de futuros e opções31.

Para a compreensão do regime das operações de

futuros consagrado no Cód.MVM, salientamos

também o seu artigo 413.º que, na versão de 91,

referia que nas operações firmes a prazo “o

comprador e o vendedor assumem a obrigação

irrevogável, o primeiro, de pagar o preço, e o

segundo, de entregar os valores transacciona-

dos, na data estabelecida para a liquidação”.

Esta norma não sofreu alteração nas revisões

subsequentes ao Cód.MVM.

A definição de operação de futuros surgia no

artigo 418.º do Cód.MVM. Nesta sede, sublinha

-se a redação do preceito consagrada na versão

do Cód.MVM de 91 e de 95; nesta última ver-

são, a norma foi objeto de uma alteração signi-

ficativa. Na versão original, de 91, no artigo

418.º, sob a epígrafe Operações a prazo liqui-

dáveis por compensação, definia-se operações a

prazo liquidáveis por compensação ou opera-

ções a futuro como “operações a prazo que

qualquer das partes pode liquidar em qualquer

altura até à data do respectivo vencimento,

através da realização em bolsa de uma opera-

ção de sentido inverso, com a mesma data de

vencimento e que tenha por objecto valores

idênticos e na mesma quantidade, pagando e

recebendo da outra parte, ou do serviço da bol-

sa encarregado do registo, compensação e li-

quidação dessas operações, a eventual diferen-

ça entre o preço da operação inicial e o da

operação de cobertura”. Na sua versão de 95,

sob a epígrafe Operações de futuros, passou a

ler-se: “São operações de futuros os contratos a

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 45

31- Ibidem, §5. Para uma análise da evolução legislativa sobre a disposição em causa, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 132.

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46 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

prazo que têm directa ou indirectamente por

objecto, como activo subjacente, valores mobi-

liários de natureza real ou teórica, direitos a

eles equiparados por força da alínea a) do n.º 2

do artigo 3.º [equiparava os futuros a valores

mobiliários32], taxas de juro, divisas ou índices

sobre valores mobiliários, taxas de juro ou di-

visas, e através dos quais as partes se obrigam,

nos termos e de acordo com a modalidade de

liquidação estabelecidos no contrato: (a) à li-

quidação física da operação, na data do res-

pectivo vencimento, com o pagamento pelo

comprador do preço estipulado do activo sub-

jacente, contra a entrega desse activo pelo ven-

dedor; (b) ou, apenas, ao pagamento pelo com-

prador ao vendedor ou por este àquele, conso-

ante os casos, da diferença entre o preço resul-

tante do contrato e um preço de referência cal-

culado pela entidade gestora para a data da

liquidação da operação”.

Resulta da referida alteração que, a partir de 95,

passou a admitir-se a existência de operações

e contratos de futuros liquidáveis financeira-

mente, i.e., através de liquidação por diferenças.

Esta alteração justificava-se pela necessidade de

acolher juridicamente determinadas operações,

como os contratos de futuros sobre índices, os

quais não admitem liquidação física, mas ape-

nas a liquidação através do apuramento das di-

ferenças entre o valor do ativo no dia em que se

liquida o contrato e o valor do ativo contratual-

mente fixado.

Note-se que a definição consagrada no artigo

418.º em análise não é a definição de futuros,

mas outrossim das operações realizadas em que

se utiliza este instrumento financeiro; a lei pare-

ce acentuar, assim, a vertente operacional asso-

ciada a este tipo de instrumentos, bem como a

sua estreita relação com o mercado onde são

negociados33, 34.

A descrição do regime consagrado no

Cód.MVM, nomeadamente na versão de 95,

sobre as operações de futuros não ficaria com-

pleta sem a referência a outros dispositivos,

como os seus artigos 420.º e ss., os quais previ-

am a padronização dos contratos de futuros35, a

forma de suspensão da negociação dos mesmos,

a obrigatoriedade da entidade gestora assumir a

posição de contraparte (através de uma câmara

de compensação, com funções de negociação,

registo, liquidação e compensação36), as regras

prudenciais e organizacionais a que estava su-

jeita e o regime de encerramento de posições

32- Nesta sede, refira-se a alteração introduzida pela reforma de 95, a qual equipara a valores mobiliários – sujeitando-os, portanto, à disci-plina do Cód.MVM –, os instrumentos financeiros, nomeadamente futuros, “negociados em bolsa, traduzidos em contratos padronizados a prazo que tenham por objecto, directa ou indirectamente, valores mobiliários, de natureza geral ou teórica, taxas de juro, divisas ou índi-

ces sobre valores mobiliários, taxas de juro ou divisas”. O Preâmbulo do diploma de 95, que aprovou esta alteração, justifica a introdução deste número, bem como do regime específico sobre futuros, invocando a necessidade de “ajustar os preceitos em vigor em função das características concretas do modelo projectado para o mercado de futuros e opções, precisando alguns conceitos e explicitando regras e

princípios fundamentais da sua organização e funcionamento”. O Preâmbulo acrescenta ainda que, “[c]om base nos ensinamentos propor-cionados pelas diferentes experiências estrangeiras neste segmento da actividade bolsista, o modelo adoptado visa assegurar, a um tempo,

condições de viabilidade e de desenvolvimento do novo mercado e elevados padrões de segurança e transparência para as operações nele

realizadas, requisito este de inquestionável importância, dada a relativa novidade, a complexidade técnica e os riscos específicos que caracterizam estas operações”, Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 196/95, cit., §§5-6. Neste sentido, AA.VV., Código do Mercado de Valores Mobiliários, cit., Anotação à al. b), n.º 2, do artigo 3.º, p. 54. 33- AA.VV., Código do Mercado de Valores Mobiliários, cit., Anotação ao artigo 418.º, §1-3, pp. 414-415. Neste sentido também, Ama-deu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 129; M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 67. 34- Salientando a incompletude da noção contida no artigo 418.º do Cód.MVM (tanto na versão original, como na versão subsequente, de 95) e, portanto, a necessidade de recorrer a outras disposições, nomeadamente o seu artigo 420.º, para além de outras regras gerais sobre operações de bolsa, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 146.

35- Quanto ao conteúdo das condições gerais dos contratos de futuros, no regime anterior, AA.VV., Código do Mercado de Valores Mobi-liários, cit., Anotação ao n.º 1 do artigo 420.º, §2, p. 418. 36- Ibidem, p. 419.

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47 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

decorrentes de operações de futuros37.

III. Em 1999, é aprovado o diploma que revoga

e substitui o Cód.MVM, introduzindo significa-

tivas alterações ao regime dos futuros. O novo

Código dos Valores Mobiliários (CVM) de 99

admite operações a prazo (artigo 252.º)38, po-

dendo estas consistir, (a) numa compra e venda

a prazo; (b) na transmissão de posições contra-

tuais a prazo; ou (c) na entrega, em data estipu-

lada, da diferença entre o preço fixado no con-

trato e um preço de referência futuro (artigo

253.º). As disposições seguintes da versão pri-

mitiva do CVM, ainda com enfoque nos contra-

tos de futuros, tratavam do conteúdo e das for-

malidades a que estavam sujeitas as suas cláu-

sulas gerais (artigo 257.º), da obrigatoriedade

de contraparte central e da gestão das operações

asseguradas por esta entidade (artigos 259.º e

261.º, respetivamente), da prestação de garanti-

as, nomeadamente através de penhor ou reporte

sobre valores mobiliários ou garantia bancária

(artigos 260.º e 264.º, respetivamente), do en-

cerramento de posições (artigo 262.º), da sus-

pensão e exclusão da negociação (artigo 263.º).

No que se refere ao contorno das cláusulas con-

tratuais gerais dos contratos de futuros, o n.º 1

do artigo 257.º, da versão primitiva do CVM de

99, estabelecia que estas eram elaboradas pela

entidade gestora do mercado, estando sujeitas a

aprovação e registo junto da CMVM (caso o

ativo subjacente tivesse natureza nocional ou

fosse constituído por valores mobiliários não

admitidos à negociação em mercado regula-

mentado) e parecer do Banco de Portugal (caso

o ativo subjacente fosse constituído por instru-

mentos do mercado monetário e cambial). A

disposição previa ainda a padronização destes

contratos, devendo o seu objeto incluir a quanti-

dade, o prazo da operação, a periodicidade dos

ajustes de ganhos e perdas e a modalidade de

liquidação.

O regime jurídico mobiliário de 99 especificava

ainda que os futuros, construídos nos termos

das referidas cláusulas contratuais gerais, pode-

riam ter como ativo subjacente valores mobiliá-

rios, de natureza real ou nocional, posições con-

tratuais a prazo, instrumentos do mercado mo-

netário, taxas de juro, divisas ou índices sobre

valores mobiliários, sobre taxas de juro ou so-

bre divisas (artigo 258.º). O objeto dos contra-

tos de futuros foi, assim, alargado em compara-

ção com o regime consagrado pelo Cód.MVM,

em qualquer uma das suas versões39.

O Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outu-

bro, pelo qual foi transposta para o ordenamen-

to jurídico português a DMIF, procedeu, entre

outros pontos, à alteração do regime dos futu-

ros, os quais, como se analisará, passaram a ter

apenas uma referência no elenco dos instrumen-

tos financeiros regulados pelo CVM (al. e),

do n.º 1, do artigo 2.º do CVM, na sua versão

atual)40, sendo-lhes aplicável, por extensão, as

normas do diploma sempre que neste se faça

referência a instrumentos financeiros (n.º 2, do

artigo 2.º do CVM).

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 47

37- Quanto ao encerramento das posições, o n.º 6 do artigo 420.º do Cód.MVM replica os termos do artigo 418.º do Cód.MVM, referindo que o encerramento de operações em contratos de futuros poderia ocorrer mediante compensação ou por liquidação física ou meramente financeira. 38- Na versão do CVM de 99, o artigo 252.º, integrado na Secção de VI (Operações a prazo), do Capítulo II (Bolsas), do Título IV (Mercados) lia: “Além de outras que sejam previstas em regulamento da CMVM, é permitida a realização em bolsa das seguintes opera-ções a prazo: futuros, opções, reportes e empréstimos” (sublinhado nosso). 39- P. Câmara, Manual…, cit., p. 191. 40- Idem; neste sentido, também, José Engrácia Antunes, “Os Derivados”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 30, Agosto – 2008, p. 95.

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48 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

IV. O regime das operações de futuros foi de-

senvolvido pela CMVM através de regulamen-

tos e recomendações, de entre os quais se desta-

cam, o Regulamento n.º 96/9 (Normas gerais do

mercado de futuros e opções), o Regulamento

n.º 95/10 (Normas gerais dos contratos negociá-

veis nos mercados de futuros e opções), o Re-

gulamento n.º 95/11 (Normas gerais da negoci-

ação de futuros e opções) e o Regulamento n.º

95/12 (Registo, liquidação e compensação de

futuros e opções). Estes regulamentos encon-

tram-se atualmente revogados, tendo sido subs-

tituídos, na esteira das alterações legislativas

introduzidas em 2007, pelos Regulamento n.º

3/2007 (Mercados regulamentados e sistemas

de negociação multilateral), Regulamento n.º

4/2007 (Entidades gestoras de mercados, siste-

mas e serviços) e Regulamento n.º 5/2007

(Compensação, contraparte central e liquida-

ção).

Por último, referimos as Recomendações aos

Investidores em Mercados Derivados publica-

das pela CMVM, as quais refletem fundamen-

talmente as orientações da Internacional Orga-

nisation of the Securities Commissions

(IOSCO) sobre a matéria41. Apesar de carece-

rem de força vinculativa (na terminologia anglo

-saxónica, dir-se-ia estar-se perante um meca-

nismo de soft law), as Recomendações consubs-

tanciam um conjunto de orientações a observar

pelos agentes económicos para o bom funciona-

mento dos mercados.

O percurso histórico proposto não fica comple-

to sem a apresentação dos mercados regulamen-

tados onde se desenrolam as operações de futu-

ros42; neste sentido, revisitam-se as palavras de

Amadeu J. Ferreira, que, sublinhando a estreita

relação destes instrumentos financeiros com o

mercado onde operam, refere que os futuros

“são uma realidade construída pelo próprio

mercado e para o mercado, nele se esgotan-

do”43.

A hoje extinta Bolsa de Derivados do Porto

(BDP) iniciou a sua atividade no dia 20 de ju-

nho de 1996, sendo o mercado bolsista portu-

guês criado especificamente para a realização

de operações a prazo44. Na BDP foi possível a

negociação de contratos de futuros, como o

contrato de Futuros OT 10, Futuros PSI 20 e

Futuros Lisbor 3 meses45. Em 1999, a BDP

fundiu-se com a Bolsa de Valores de Lisboa,

resultando desta operação a Bolsa de Valores de

Lisboa e do Porto - Sociedade Gestora de Mer-

cados Regulamentados, S.A.. Em 2002, esta

entidade foi objeto de nova fusão, passando a

41- Recomendações da CMVM aos Investidores em Mercados Derivados, de 1996, documento disponível em www.cmvm.pt [consultado em 29 de abril de 2012]. 42- Os mercados regulamentados estão sujeitos a autorização da CMVM, sendo geridos pela respetiva entidade gestora. Admitidos à nego-ciação em mercado regulamentado, estão valores mobiliários fungíveis, livremente transmissíveis, integralmente liberados e que não este-jam sujeitos a penhor ou a qualquer outra situação jurídica que os onere, salvo se respeitados os requisitos previstos nos artigos 35.º e 36.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006, da Comissão, de 10 de agosto, bem como outros instrumentos financeiros, nomeadamente instrumen-tos financeiros derivados, cuja configuração permita a formação ordenada de preços. Os derivados integram-se na categoria dos instrumen-tos financeiros, que se encontram expressamente consagrados no CVM, na sua versão atual, incluindo-se no seu elenco os futuros (al. e), n.º 1, do artigo 2.º, do referido diploma). 43- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 183. 44- Para uma descrição do funcionamento da BDP, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 126-128. 45- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 121; A. Monteiro, Os Contratos…, cit., p. 14.

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49 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

a integrar o Grupo Euronext, o qual atualmente

faz parte da New York Stock Exchange (NYSE)

– NYSE-Euronext. O mercado de futuros portu-

guês passou, assim, a integrar o London Inter-

national Financial Futures and Options Ex-

change (LIFFE), adquirida pela Euronext, e,

consequentemente, a LIFFE CONNECT®, pla-

taforma eletrónica de negociação de derivados,

nomeadamente contratos de futuros sobre

ações46.

Nos termos do artigo 217.º do CVM, a CMVM

autorizou como mercados regulamentados, o

Eurolist by Euronext Lisbon (Mercado de cota-

ção oficial) e o mercado de futuros47, sendo am-

bos geridos pela Euronext Lisbon (entidade

gestora). Dada a essencialidade dos mercados

para a análise das operações de futuros, recorre-

remos ao longo do presente trabalho às normas

próprias destes mercados, as quais encontramos

vertidas, nomeadamente, no regulamento NY-

SE-Euronext que define, de forma transversal,

as regras do mercado NYSE-Euronext

(aplicáveis a todas as bolsas que integram este

grupo, ou seja, as bolsas de Lisboa, Bruxelas,

Amesterdão, Londres e Paris), e as regras espe-

cíficas destinadas a cada mercado, incluindo,

portanto, o mercado português48. Sublinhamos,

ainda, as regras específicas sobre o mercado de

futuros e opções da NYSE-Euronext, bem co-

mo os procedimentos de negociação próprios e

seus anexos onde, como analisaremos, encon-

tramos elencados, entre outros elementos, os

instrumentos financeiros admitidos à negocia-

ção neste mercado49. Por último, salientamos

que serão tidas em conta as regras da entidade

que funciona como câmara de compensação do

mercado de futuros da NYSE-Euronext LIFFE,

a LCH.Clearnet S.A.50.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 49

46- Para uma resenha história sobre a criação do mercado LIFFE, bem como a sua integração no Grupo Euronext, cf. www.nyx.com [consultado em 29 de abril de 2012]. 47- A informação está disponível no sítio da Internet da CMVM, em www.cmvm.pt [consultado em 29 de abril de 2012]. 48- Cf. Rule Book I - Harmonized Market Rules, de 13 maio de 2011 e Rule Book II - Non-Harmonized Market Rules, de 28 setembro de 2009, respetivamente, ambos disponíveis em www.nyx.com [consultado em 29 de abril de 2012]. Referira-se que, em relação à aplicação do regulamento da NYSE-Euronext, à Euronext Lisbon, entidade gestora do mercado bolsista português, de acordo com o ponto 1.7. das Harmonized Rules, pode ler-se que “[t]odas as disposições deste Regulamento relativas a ordens e/ou a Operações executadas, ou que se considerem executadas ou introduzidas no Mercado da Euronext respectivo e todos os assuntos relacionados com as mesmas e (…) todas as restantes disposições deste Regulamento estão sujeitas e devem ser interpretadas: (iii) relativamente à Euronext Lisbon, de acordo com

a legislação Portuguesa e, sem prejuízo de acordo arbitral, encontram-se sujeitas ao foro exclusivo dos tribunais portugueses”. O ponto 1.1. das Harmonized Rules refere que, quanto à supervisão, é competente a autoridade pública ou a entidade com poderes de autorregula-ção nos diferentes países (Bélgica, Holanda, Portugal, França e Reino Unido, conforme os casos), com competência sobre a matéria rele-vante. Em Portugal, essa competência é atribuída à CMVM (artigo 353.º do CVM). 49- Rules of the London International Financial Futures and Options Exchange (LIFFE), de 1 de abril de 2011, igualmente disponíveis em www.nyx.com [consultado em 29 de abril de 2012]. 50- LCH.Clearnet S.A. Clearing Rule Book, de 8 março de 2012, disponível em www.lchclearnet.com [consultado em 29 de abril de 2012]. A LCH.Clearnet é uma sociedade constituída ao abrigo da legislação francesa (subsidiária da Euronext em 80% do seu capital, sendo os restantes 20% detidos pelo Euroclear Bank), com sucursais em Bruxelas e Amsterdão e escritório de representação em Portugal, desde 1 de janeiro de 2005. A LCH.Clearnet S.A. está sujeita à supervisão das autoridades competentes francesas (Banque de France, Autorité du Controle Prudenciel e Autorité des Marchés Financiers). A CMVM participa na supervisão das atividades de clearing desta entidade atra-vés do Coordination Committee on Clearing, cf. Relatório Anual 2010 sobre a Actividade da CMVM e sobre os Mercados de Valores Mobiliários, pp. 188, 266, disponível em www.cmvm.pt [consultado em 29 de abril de 2012].

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50 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

B. DIREITO ESPANHOL

A presente secção visa perscrutar os principais

momentos legislativos e regulamentares associ-

ados ao regime das operações a prazo no orde-

namento jurídico espanhol.

A criação dos mercados de futuros no ordena-

mento jurídico espanhol ocorreu em 198951, ano

em que entrou, igualmente, em vigor a Ley

del Mercado de Valores, aprovada em 1988

(LMV)52,53. No momento da sua criação, o mer-

cado de futuros circunscrevia-se às operações

de dívida pública54.

Na redação de 1988, a LMV era omissa quanto

a uma referência expressa a futuros; o seu arti-

go 2.º referia apenas que “[q]uedan comprendi-

dos en el ámbito de la presente Ley los valores

negociables emitidos por personas o entidades

públicas o privadas, y agrupados en emisiones.

Reglamentariamente se establecerán los crite-

rios de homogeneidad en virtud de los cuales

un conjunto de valores negociables se entende-

rá integrado en una emisión”. Encontravam-se,

contudo, no artigo 38.º do diploma, os contor-

nos das operações a prazo, as quais eram carac-

terizadas por referência aos mercados onde se

realizavam; “las operaciones que se hicieran en

los mercados secundarios oficiales de valores

se cumplirán en las condiciones y en el modo y

forma que hubiesen convenido los contratantes,

pudiendo ser al contado o a plazo en sus diver-

sas modalidades”. Sobre estas operações, o arti-

go 39.º do mesmo diploma referia ainda que

“[q]uien ostente la condición de miembro de un

mercado secundario oficial vendrá obligado a

ejecutar, por cuenta de sus clientes, las órdenes

que reciba de los mismos para la negociación

de valores en el correspondiente mercado. (…)

En las operaciones a plazo, podrá subordinar

el cumplimiento de dicha obligación a la apor-

tación por el ordenante de las garantías o co-

berturas que estime convenientes, que, como

mínimo, habrán de ser las que, en su caso, se

establezcan reglamentariamente”. No seu arti-

go 31.º, a LMV reconhecia como mercados se-

cundários oficiais, as bolsas, os mercados de

dívida pública e “[a]quellos otros, de ámbito

estatal y referentes a valores representados

mediante anotaciones en cuenta, que se creen

en virtud de lo revisto en el artículo 59 [da

LMV]”55.

51- Resolución da Dirección General del Tesoro y Política Financiera de 21 de março de 1989, sobre operações a prazo, futuros e opções sobre dívida do Estado. O mercado começou a operar no dia 16 de março de 1990, em Barcelona, com a negociação de obrigações nacio-nais a três anos, Augustín Madrid Parra, Contratos y Mercados de Futuros y Opciones, Madrid: Tecnos, 1994, pp. 36-37. 52- Ley 24/1988, de 28 de julho, del Mercado de Valores (BOE de 29 de julho de 1988), tendo entrado em vigor em 29 de janeiro de 1989. 53- Para uma resenha histórica anterior à LMV sobre a evolução dos derivados e respetivos mercados em Espanha, A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., pp. 49-50; Emílio Días Ruiz, “Nueva Normativa Reglamentaria sobre Mercados Secundarios Oficiales de Instrumentos Derivados”, Actualidad Jurídica Uría Menéndez, n.º 28, 2011, p. 73; Juan Ignacio Sanz Caballero, Derivados Financeiros, Madrid: Marci-al Pons, 2000, pp. 241-243; Ignacio López Domínguez, Opciones y Futuros – Conceptos, Madrid: Técnicas y Mercados, Instituto Superior de Tecnicas y Praticas Bancarias, 1993, pp. 129-133. A título de curiosidade, sublinhamos que a Ley n.º 2, de 14 de abril de 1962, de orde-nación del Crédito y la Banca (BOE de 16 de abril de 1962), remetia para regulamento a organização, o funcionamento e as operações das bolsas oficiais de comércio e em particular as operações a prazo, referindo que particular cuidado dever-se-ia conferir ao regime de garanti-as a prestar sobre as operações a prazo realizadas nestes mercados de forma a evitar-se que as mesmas se reconduzissem a “especulação perigosa”, cf. Ubaldo Nieto Carol, “Operaciones al contado y a plazo. Sistemas de contratación”, AA.VV., Derecho del Mercado Finan-ciero - Tomo II, Operaciones Bancarias de Gestión de Garantías, Operaciones Bursátiles – Volumen 2, Madrid: Civitas, 1994, p. 529. O Reglamento de Bolsas de Comercio de 1967, aprovado pelo Decreto n.º 1506/67, de 30 de junho de 1967 (BOE de 15 de julho de 1967), desenvolvendo a referida Ley de ordenación del Crédito y la Banca de 1962, definia operações a prazo como “aquéllas en que las obliga-ciones recíprocas de los contratantes no deben quedar satisfechas en el día de contrato, sino al vencimiento de un plazo convenido”, po-dendo ser firmes ou condicionais (artigos 79.º e 82.º, ambos, do referido Regulamento). 54- Para uma descrição pormenorizada sobre os contornos das primeiras operações sobre dívida pública, A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., pp. 37-38. 55- Nos termos do artigo 59.º da LMV, na sua redação original, atribuíam-se poderes ao governo para, sob proposta da Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV), regular a organização e o funcionamento dos mercados secundários oficiais de valores em Espanha.

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51 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Alterado em 1998, o artigo 2.º da LMV alargou

o âmbito da sua aplicação, passando a incluir,

para além dos valores mobiliários negociáveis

inseridos numa mesma emissão, um vasto con-

junto de instrumentos financeiros, de entre os

quais se destacam os contratos financeiros a

prazo, “siempre que sus objetos sean valores

negociables, índices, divisas, tipos de interés, o

cualquier otro tipo de subyacente de naturaleza

financiera, con independencia de la forma en

que se liquiden y aunque no sean objeto de ne-

gociación en un mercado secundario, oficial o

no” (al. b) do artigo 2.º da LMV). Na revisão

legislativa prosseguida em 98, o artigo 31.º da

LMV foi alterado passando a considerar, a par

das bolsas de valores e do mercado de dívida

pública, os “Mercados de Futuros y Opciones,

cualquiera que sea el tipo de activo subyacente,

financiero o no financiero” (al. c), do n.º 2, do

artigo 31.º da LMV)56.

Em 2007, para acomodar o regime imposto pela

DMIF, a LMV foi objeto de uma nova e pro-

funda alteração, passando os contratos de futu-

ros a ter referência expressa no rol dos instru-

mentos financeiros regulados pelo referido di-

ploma (n.º 2, do artigo 2.º da LMV, na sua ver-

são atual), como analisaremos.

Dois anos após a entrada em vigor da LMV, e

ao abrigo do disposto nos seus artigos 31.º e

59.º, foi aprovado o Real Decreto 1814/1991

(RD 1814/1991)57, que estabelecia o regime

jurídico dos mercados oficiais de futuros e

opções.

O RD 1814/1991 conferia, por um lado, especi-

al atenção aos contornos do regulamento dos

mercados de futuros, sujeito a aprovação admi-

nistrativa, que cabia à entidade gestora elaborar

de acordo com as especificidades técnicas de

cada mercado e, por outro lado, tratava do regi-

me relativo ao funcionamento, organização e

competências conferidas à sociedade gestora do

mercado, nomeadamente quanto aos procedi-

mentos a adotar no momento de liquidação dos

contratos.

Por último, o RD 1418/1991 definia o regime

de garantias e, neste âmbito, estabelecia o prin-

cípio segundo o qual as garantias estavam sujei-

tas a uma atualização diária. Este princípio con-

sagrava o que o próprio diploma identificava

como sendo o “pilar básico sobre el que se

asienta la tradicional seguridad de la contrata-

ción en estos mercados, cuyos riesgos potencia-

les de incumplimiento quedan considerable-

mente atenuados por el estricto régimen de ga-

rantías que típicamente exigen”58.

Ao abrigo da LMV e do RD 1418/1991, a

CNMV emitiu a Orden, de 8 de julho de 1992,

que autorizou o mercado de produtos financei-

ros derivados de renta variable (MEFF renta

variable), gerido pela Sociedad Rectora de

Productos Financieros Derivados de Renta

Variable, S.A.59, e, na mesma data, a Orden que

autorizou o mercado de produtos financeiros

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 51

56- Em Espanha, fruto da organização político administrativa, prevê-se a possibilidade de criar-se mercados secundários oficiais de futuros tanto com âmbito nacional, como autonómico (artigo 59.º, n.º 1, §2, da LMV). 57- Real Decreto de 20 de dezembro de 1991 (BOE de 27 de dezembro de 1991). 58- Cf. Preâmbulo do RD 1418/1991, §7. 59- A sociedade foi constituída em 7 de dezembro de 1988, com a denominação OM Ibérica, S.A., tendo iniciado a sua atividade em 8 de novembro do ano seguinte. O objeto da sociedade inclui a gestão do Mercado de Productos Financieros Derivados de Renta Variable e o exercício da função de câmara de compensação e liquidação das operações realizadas neste mercado. Na sequência da entrada em vigor do RD 1282/2010, a sociedade procedeu à alteração dos seus estatutos, ampliando o seu objeto social e passando a adotar a denominação, MEFF Sociedad Rectora de Productos Derivados, S.A. (Sociedad Unipersonal), cf. Bolsas y Mercados Españoles, Sociedad Holding de Mercados y Sistemas Financieros, S.A. (BME), Informe anual 2011, disponível em www.bolsasymercados.es, p. 145 [consultado em 29 de abril de 2012].

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52 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

derivados de renta fija (MEFF renta fija), geri-

do pela Sociedad Rectora de Productos Finan-

cieros Derivados de Renta Fija, S.A.60, ambos

com natureza de mercados secundários oficiais,

nos termos da LMV.

Em 2010, o Real Decreto 1282/2010 (RD

1282/2010)61, que analisaremos em pormenor,

revogou o RD 1418/1991, procedendo à revisão

do regime que vigorou durante mais de 10 anos

sobre os mercados secundários oficiais de futu-

ros em Espanha62. No âmbito do RD

1282/2010, a Resolución da CNMV, de 21 de

dezembro de 2010, aprovou o novo Reglamento

del Mercado Secundario Oficial de Futuros y

Opciones (Regulamento MEFF), que, entre ou-

tras alterações que analisaremos, fundiu em

apenas um regulamento – o Regulamento

MEFF – as regras aplicáveis aos segmentos do

mercado de produtos derivados financeiros em

Espanha63, passando, portanto, a cobrir “tanto

los contratos con subyacente no financiero co-

mo los actuales con activo subyacente financie-

ro, estableciéndose diferentes grupos homogé-

neos del tipo de activo subyacente de dichos

contratos”64, 65.

2.2 Comparação dos regimes jurídicos

vigentes

A. DIREITO PORTUGUÊS

No âmbito do Direito português, analisaremos o

regime jurídico dos futuros, recortando a noção

do instituto, a estrutura do contrato e os contor-

nos em que se desenrola a sua formação, nego-

ciação e liquidação. A análise da gestão de po-

sições e o sistema de garantias, especificidades

relacionadas com as operações a prazo, serão

igualmente elementos a ter em conta na descri-

ção do regime. Para o efeito, e dada a ligação

estreita que estas operações têm com os merca-

dos, recorreremos (para além das normas espe-

cíficas do CVM e diplomas relacionados) às

regras do mercado, nomeadamente aos regula-

mentos da NYSE-Euronext e, em particular, do

LIFFE, mercado regulamentado para a transa-

ção de futuros, que, após um feixe de aquisi-

ções e fusões, sucedeu à Bolsa de Derivados do

Porto.

60- Constituída em 6 de março de 1989 com a denominação de Mercado de Futuros Financieros, S.A. (MEFFSA), a atual MEFF Sociedad Rectora de Productos Financieros Derivados de Renta Fija, S.A. tem como objeto social a gestão e a administração do Mercado de Opcio-nes y Futuros Financieros de Renta Fija, nos termos artigo 59.º da LMV, cf. idem. 61- Real Decreto de 15 de outubro (BOE de 16 de outubro de 2010). 62- Alberto Javier Tapia Hermida, “Regulación de los Mercados Secundarios Oficiales de Futuros, Opciones y Otros Instrumentos Finan-cieros Derivados: el Real Decreto 1282/2010”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 120, Ano XXIX, Octubre – Diciembre, 2010, p. 296; E. Días Ruiz, “Nueva Normativa Reglamentaria…”, cit., p. 74. 63- Cf. Preâmbulo do RD 1282/2010. 64- Para uma descrição das principais alterações introduzidas pelo Regulamento MEFF, Ana García Rodríguez, “Nuevo Reglamento de MEFF”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 121, Ano XXX, Enero – Marzo, 2011, p. 269. 65- A MEFF Sociedad Rectora de Productos Derivados, S.A. (Sociedad Unipersonal), bem como a MEFF Sociedad Rectora de Productos Financieros Derivados de Renta Fija, S.A. (Sociedad Unipersonal) estão integradas na BME, http://www.bolsasymercados.es/asp/doc.asp?id=esp&doc=/esp/bme/organigrama.htm [consultado em 29 de abril de 2012], sendo detidas a 100% por esta última entidade, cf. Bolsas y Mercados Españoles, Sociedad Holding de Mercados y Sistemas Financieros, S.A. (BME), Informe anual 2011, cit., p. 139.

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53 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

(i) Noção

I. O atual CVM não oferece uma noção de futu-

ros. Com a transposição da DMIF, os futuros

passam a ser qualificados como instrumentos

financeiros, nos termos da al. e), n.º 1, do artigo

2.º do CVM66. O n.º 2 do referido preceito esta-

belece que as referências no CVM a instrumen-

tos financeiros devem ser entendidas de modo a

abranger os instrumentos financeiros menciona-

dos nas als. a) a f) do n.º 1 e, portanto, as refe-

rências no CVM a instrumentos financeiros

abrangem os futuros; é da articulação destes

preceitos que se recortará o seu regime jurídico.

A atual opção legislativa marca o desapareci-

mento do articulado do qual resultava uma no-

ção de futuros, bem como a supressão da maior

parte dos preceitos que se dedicavam especifi-

camente ao seu regime.

II. A busca da noção de futuros passa por pers-

crutar as regras legais e regulamentares, pretéri-

tas e vigentes, as práticas do mercado, bem co-

mo o recorte doutrinário conferido a este insti-

tuto67.

No Cód.MVM de 91, os futuros eram definidos

como contratos a prazo que, direta ou indireta-

mente, teriam como por objeto, nomeadamente

valores mobiliários de natureza real ou teórica,

direitos a eles equiparados, taxas de juro, divi-

sas ou índices sobre valores mobiliários68 e

através dos quais as partes se obrigariam, nos

termos do contrato – padronizados e sujeitos à

aprovação da CMVM –, à liquidação física ou

financeira do mesmo (artigos 409.º, n.º 4, 418.º

e 420.º, todos do referido diploma).

Encontramos no Regulamento da extinta BDP

uma noção expressa de contrato de futuros. Nos

termos do seu artigo 2.º, estes eram definidos

como “um contrato a prazo, padronizado, atra-

vés do qual o comprador se obriga a pagar o

preço acordado e o vendedor a entregar o acti-

vo subjacente numa data pré-determinada ou,

sendo caso disso, ambos se obrigam a pagar

uma mera diferença entre o preço do contrato e

o preço de referência no vencimento. Até essa

data, ou até que se realize uma operação de

fecho de posições, podem ter lugar ajustes diá-

rios de ganhos e perdas”.

Nos termos das regras gerais do mercado NYSE

-Euronext, futuros são instrumentos financeiros

derivados. Segundo o ponto 1.1. das Harmo-

nized Rules, derivados são qualquer instrumen-

to, que não seja um valor mobiliário, pertencen-

do, entre outras, à categoria de “contratos de

opções e de futuros sobre Valores Mobiliários

ou mercadorias, incluindo instrumentos equiva-

lentes com mera liquidação financeira (…)”.

O enfoque conferido pelo mercado quanto à

noção de futuro está, portanto, na natureza do

ativo subjacente, bem como na modalidade de

liquidação dos contratos, não sendo, contudo,

conferida uma noção expressa deste instrumen-

to financeiro.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 53

66- Para uma discussão em torno da fronteira entre valores mobiliários e instrumentos financeiros, P. Câmara, Manual…, cit., pp. 200-218 (defendendo que o CVM tende a utilizar um âmbito restritivo de valores mobiliários; esta referência é utilizada pelo autor para justificar a opção de desenvolver a exposição do seu Manual com base no conceito de valor mobiliário, afastando portanto a utilização do conceito de instrumento financeiro que, segundo o autor, não está ainda suficientemente desenvolvido na nossa legislação e doutrina); em sentido con-trário, Amadeu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 56 e José Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, Coimbra: Almedina, 2009, p. 17. 67- A jurisprudência é ainda parca ou mesmo inexistente quanto a estas matérias, pelo que não nos podemos dela socorrer. 68- Nos termos da versão primitiva do Cód.MVM, prevê-se ainda a possibilidade de realizar operações a prazo sobre mercadorias ou servi-ços e celebrar contratos de futuros relativos a instrumentos dos mercados monetário e cambial (n.º 2 do artigo 189.º e n.º 1 do artigo 422.º, ambos, do referido diploma).

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54 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

As regras específicas do LIFFE são, igualmen-

te, omissas quanto à noção de futuros, elencan-

do, apenas, quais as realidades jurídicas que são

transacionáveis. Nos termos do seu intrincado

regime regulamentar, define-se “Exchange con-

tract” como “a class of contract permitted to be

made by Members in the Pit, for which Con-

tract Terms and Administrative Procedures are

published by the Board from time to

time” (LIFFE Rules, ponto 2.1.). Nos termos

das referidas regras, “Contract Terms and Ad-

ministrative Procedures”, significa “(…) a con-

tract containing the terms of an Exchange Con-

tract with any one or more of such additions or

variations thereto set out below: (a) as permit-

ted by or pursuant to such terms, the LIFFE

Rules or the Regulations” (LIFFE Rules, ponto

2.1.). Nos termos do regulamento que define os

procedimentos de negociação no mercado

LIFFE, “Exchange Contract” é definido como

“a Derivative which is an Admitted Financial

Instrument” (LIFFE Trading Procedures, ponto

1.2.). Por fim, buscando o que se entende por

“Admitted Financial Instruments”, somos

remetidos para o Anexo I aos LIFFE Trading

Procedures (específico para o mercado da Eu-

ronext Lisbon) que identifica os Single Stock

Futures (SSF), como instrumentos admitidos à

negociação no LIFFE69.

III. Com base no enquadramento legislativo e

regulamentar, a doutrina define futuros como

instrumentos financeiros, os quais, como tal,

adquirem as características associadas a estes70.

Acresce que, aos futuros, são-lhes atribuídas

características específicas. Seguindo de perto

Amadeu J. Ferreira71, de entre as características

específicas a estes instrumentos financeiros,

destacam-se, por um lado, a sua natureza con-

tratual, isto é, os futuros são contratos e cons-

troem-se por referência a uma realidade subja-

cente (este aspeto é acentuado pelo CVM no

seu artigo 2.º) e, por outro lado, o elemento

tempo como característica inerente a estes con-

tratos, isto é, o contrato é a prazo (por oposição

aos contratos a contado ou à vista), sendo por-

tanto o tempo um elemento essencial na dinâ-

mica destes contratos (nomeadamente na deter-

minação do preço, no tempo do cumprimento

das prestações principais e da transmissão da

titularidade dos ativos (que apenas ocorrerá no

fim do prazo, ou em momento anterior, conso-

ante os casos, e não no momento da celebração

do contrato). Amadeu J. Ferreira sublinha,

igualmente, que caracterizam este tipo de con-

tratos a sua dependência em relação à valoriza-

ção da realidade subjacente e a cobertura de

risco como sua função principal, não estando,

contudo, alheios à função especulativa72.

Recolhidos os elementos que decorrem do en-

quadramento jurídico pretérito e atual, bem co-

mo das práticas do mercado, acompanhamos a

formulação doutrinária que define futuros como

“contratos a prazo, padronizados, negociados

em mercado organizado [rectius: mercado re-

gulamentado], que conferem posições de com-

pra e de venda sobre determinado activo subja-

cente por preço e em data futura previamente

fixados, a executar mediante liquidação física

ou financeira”73.

69- Como referido na Introdução, o SSF será utilizado para ilustrar os quadros conceptuais analisados. 70- Para uma análise pormenorizada do regime dos instrumentos financeiros, aspeto que não desenvolvermos dada a delimitação do âmbito do presente trabalho, J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 7. 71- Amadeu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 110. 72- Idem. 73- J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 152.

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55 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

(ii) Estrutura

I. Resulta da noção avançada no ponto anterior

que futuros são contratos; contratos a prazo, em

que o tempo é um elemento – circunstancial –

essencial74. Este elemento permite indicar o

modo como os efeitos jurídicos do contrato se

produzem75. Enquanto contratos a prazo, verifi-

ca-se a existência de um intervalo de tempo que

medeia entre o momento da sua celebração e o

da respetiva execução ou vencimento76.

II. A cobertura ou a redução da exposição ao

risco é a função social ou a motivação específi-

ca dos contratos de futuros77. O risco nestes

contratos consubstancia-se num “risco real”,

isto é, um risco associado a um cenário econó-

mico-financeiro específico e não um risco forja-

do para meros efeitos de obtenção de um resul-

tado financeiro78. O investidor pode, igualmen-

te, ser movido por fins especulativos, anteci-

pando um preço futuro, com base no qual nego-

ceia para obter um benefício. Na medida em

que a especulação permita assegurar a liquidez

necessária para alimentar o mercado e a realiza-

ção da referida cobertura de risco, ela desempe-

nha igualmente uma “função social útil”79.

Amadeu J. Ferreira defende, contudo, que esta

função não é autónoma em relação à função da

cobertura de risco, explicando que “[a] especu-

lação é uma técnica de negociação de quais-

quer instrumentos financeiros, incluindo os

valores mobiliários, cuja importância deriva da

sua essencialidade para se assegurar a adequa-

da liquidez nos mercados desses instrumentos e

concorrer para a eficiência dos preços aí for-

mados. Vista por um outro prisma, a especula-

ção nada mais é que o outro lado da cobertura

de risco, pois tal não será possível se ninguém

assumir esse risco. Neste sentido, ao referir a

cobertura de risco, já estamos a incluir aí a

especulação”80, 81.

III. As operações sobre futuros realizam-se nos

termos de cláusulas contratuais gerais82, padro-

nizadas, a elaborar pela entidade gestora do

mercado onde os contratos são celebrados83 e

sujeitas a comunicação prévia à CMVM (artigo

207.º, n.º 2, do CVM). Os futuros consubstanci-

am-se, assim, em “meros produtos contratuais

constituídos por profissionais especializados

(mormente, entidades gestoras e intermediários

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 55

74- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I – Conceito. Fontes. Formação, Coimbra: Almedina, 2000, p. 104, quanto ao efeito do tempo na eficácia da proposta para a formação do contrato. 75- C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., pp. 19, 134. 76- J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 153. 77- C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., pp. 19, 134. 78- Amadeu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 111; C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., p. 134. 79- C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., p. 135. 80- Amadeu J. Ferreira, Títulos de crédito…, cit., p. 111. 81- Perspetivando a especulação como uma estratégia utilizada pelos investidores e não como uma característica dos instrumentos financeiros em si, João Paulo Peixoto, Futuros e Opções, Amadora: McGraw-Hill, 1995, p. 145. 82- Para uma discussão sobre a aplicação aos contratos de futuros do regime geral das cláusulas contratuais gerais previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, J. de Oliveira Ascensão, ”Derivados”, cit., p. 59, em que o autor articula os principais argumentos sobre a matéria sem, contudo, tomar uma posição definitiva. 83- A competência das entidades gestoras do mercado para a elaboração destas cláusulas, bem como de toda a informação que está associa-da à distribuição e comercialização destes instrumentos financeiros é reforçada pelo Decreto-Lei n.º 357-C/2007, de 31 de outubro, que, ao estabelecer o regime jurídico das sociedades gestoras de mercado regulamentado, das sociedades gestoras de sistemas de negociação multi-lateral, das sociedades gestoras de câmara de compensação ou que atuem como contraparte central das sociedades gestoras de sistema de liquidação e das sociedades gestoras de sistema centralizado de valores mobiliários, atribui às sociedades gestoras de mercado regulamen-tado, entre outras funções, a “elaboração, distribuição e comercialização de informações relativas a mercados de instrumentos financeiros ou a instrumentos financeiros negociados” (al. e, n.º 1, do artigo 4.º, do referido diploma).

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56 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

financeiros) e contendo um conjunto de condi-

ções contratuais estandardizadas aptas a fun-

dar vinculações jurídicas por parte dos investi-

dores interessados”84.

O Regulamento da CMVM 3/2007 concretiza o

artigo 207.º, n.º 2 do CVM, elencando – de for-

ma não taxativa – os elementos que devem

constar das cláusulas contratuais gerais dos

contratos de futuros. O artigo 17.º do referido

Regulamento estabelece que das cláusulas con-

tratuais gerais dos contratos de futuros devem

constar, pelo menos, (a) a denominação do con-

trato; (b) a caracterização do ativo subjacente;

(c) o valor nominal do contrato ou a fórmula

para o obter; (d) os ciclos de vencimento de

cada categoria de contratos; (e) as condições de

admissão de novas séries de contratos; (f) os

limites mínimos de variação de preços; (g) as

formas de determinação das margens ou a iden-

tificação de como essa informação pode ser

obtida; (h) a forma de determinação do preço de

referência para efeito de ajustes de ganhos e

perdas e de liquidação financeira das operações

na data de vencimento ou no exercício; (i) o

primeiro e o último dia de negociação de cada

ciclo de vencimentos; (j) a forma de exercício;

(l) as modalidades de liquidação admitidas.

A padronização dos contratos é reiterada pelas

regras do mercado; o ponto 5103/2 das Harmo-

nized Rules refere que “[a]s condições padroni-

zadas relativas a um Derivado que seja um Ins-

trumento Financeiro Admitido [vimos que os

SSF são instrumentos financeiros admitidos no

LIFFE] são publicadas pelos Mercados de De-

rivados da Euronext sob a designação de Espe-

cificações dos Contratos”85.

A natureza contratual dos futuros e a sua padro-

nização são características essenciais para a

negociabilidade destes instrumentos em merca-

do regulamentado86; a padronização é assim um

pressuposto que assegura a fungibilidade, a li-

quidez, e a negociabilidade destes contratos87.

A padronização implica que apenas fiquem de

fora a quantidade “[d]as posições compradora

ou vendedora, ou análogas, e o preço”88.

IV. Quanto ao objeto, seguimos Manuel de An-

drade que estabelece a distinção entre o objeto

imediato e o objeto mediato89. Também nos

futuros é possível identificar estas distinção.

O objeto mediato dos contratos de futuros con-

substancia-se no ativo subjacente; “[o] objeto

dos futuros (…) é construído por referência a

84- J. Engrácia Antunes, “Os Derivados”, cit., pp. 106-107. 85- Esta regra remeteu-nos para a análise das especificações técnicas das cláusulas contratuais do SSF. O resultado do exercício (que não se deixa exposto por limitações editoriais) evidenciou a correspondência entre as exigências impostas pelo artigo 17.º do Regulamento da CMVM 3/2007 e o clausulado do contrato. 86- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 138, salientado, contudo, que a complexidade das operações de futuros não permite reconduzi-las à mera celebração de contratos. 87- Ibidem, 179; J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., pp. 154, 157; M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 78. 88- J. de Oliveira Ascensão, ”Derivados”, cit., p. 58. Defendendo, igualmente, a total padronização e salientando que de fora apenas fica o preço (ou o montante da prestação que cada uma das partes poderá ser chamada a realizar), M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 78. 89- Segundo este autor, no âmbito das relações obrigacionais ou direitos de crédito, o objeto imediato do direito do credor corresponde à “prestação do devedor – entrega da coisa devida (…). O objecto mediato será a própria coisa que deve ser prestada pelo devedor. Aquele consiste num facto, numa actividade a realizar pelo obrigado; este, na coisa mesma que tal facto ou actividade deve proporcionar ao credor”, Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I – Sujeitos e Objecto, Reimpressão, Coimbra: Livra-ria Almedina, 2003, p. 190; em sentido diverso, defendendo que a prestação, se tiver como fonte um contrato, enquadra-se no respetivo efeito (“[a] prestação é o objecto imediato da relação jurídica (obrigacional). Se a sua fonte for um contrato, a prestação enquadra-se no respectivo efeito”), C. Ferreira de Almeida, Contratos II..., cit., p. 58.

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57 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

determinada realidade (…). A operação é ori-

entada ao chamado activo subjacente, à reali-

dade derivante, devendo os seus resultados ter

influência no mundo real”90. Note-se, contudo

que, para efeitos de negociação, os contratos de

futuros autonomizam-se da realidade fáctico-

jurídica que têm subjacente91.

O CVM – transpondo para o ordenamento jurí-

dico português o disposto na DMIF – elenca os

ativos sobre os quais podem ser construídos os

contratos de futuros, admitindo-se futuros rela-

tivos a (i) valores mobiliários, divisas, taxas de

juro ou de rendibilidades ou relativos a outros

instrumentos derivados, índices financeiros ou

indicadores financeiros, com liquidação física

ou financeira; (ii) mercadorias, variáveis climá-

ticas, tarifas de fretes, licenças de emissão, ta-

xas de inflação ou quaisquer outras estatísticas

económicas oficiais, com liquidação financeira

ainda que por opção de uma das partes; e (iii)

mercadorias, com liquidação física, desde que

sejam transacionadas em mercado regulamenta-

do ou em sistema de negociação multilateral ou,

não se destinando a finalidade comercial, te-

nham características análogas às de outros ins-

trumentos financeiros derivados nos termos do

artigo 38.º do Regulamento (CE) n.º 1287/2006,

da Comissão, de 10 de agosto (al. e) do n.º 2 do

artigo 2.º do CVM)92. O elenco reflete o acolhi-

mento pontual das orientações comunitárias

neste matéria.

Nos termos das Cláusulas Contratuais Gerais do

SSF, constituem ativos subjacentes destes con-

tratos as ações ordinárias representativas do

capital social das sociedades portuguesas BCP,

BES, BPI, Brisa, EDP, EDP Renováveis, Galp,

JM, PT, Zon, REN, Sonae e Sonaecom, sendo

apenas admitida a liquidação financeira destes

contratos (cláusula 1.ª e Ficha Técnica das refe-

ridas Cláusulas).

O objeto imediato do contrato consubstancia-se

nas prestações contratuais que resultam da rela-

ção contratual93; ele exprime “o verdadeiro cer-

ne substancial [dos futuros] enquanto instru-

mento gerador de direitos e obrigações”94. De

entre o feixe de direitos e obrigações que resul-

tam destes contratos salientam-se, por um lado,

os direitos e deveres recíprocos de compra do

ativo subjacente e de pagamento do preço pré-

determinado numa data futura (liquidação físi-

ca) ou de pagamento das diferenças pecuniárias

apuradas numa data futura (liquidação financei-

ra) e, por outro lado, o cumprimento de outras

obrigações perante a entidade gestora do merca-

do, contraparte central ou câmara de compensa-

ção, como a prestação de garantias, o seu refor-

ço ou substituição, ou o pagamento de comis-

sões por parte de intermediários financeiros e

seus clientes95.

V. Quanto aos sujeitos, a análise dinâmica dos

contratos de futuros e dos mercados onde

são negociados revela um feixe subjetivo

complexo; os contratos de futuros negociados

em mercado regulamentado são multilaterais,

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 57

90- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 135. 91- Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Funcionamento dos Mercados de Futuros e Opções, 2.ª ed., Porto: Associação da Bolsa de Derivados do Porto, 1995, p. 46. 92- C. Ferreira de Almeida, Contratos II..., cit., p. 136. 93- M. Andrade, Teoria Geral…, cit., p. 190. 94- J. Engrácia Antunes, “Os Derivados”, cit., p. 112. 95- Como veremos no ponto seguinte quanto aos sujeitos, os contratos de futuros exigem intermediação financeira e a interposição de uma contraparte central, pelo que nos contratos de futuros verifica-se a inexistência de uma relação direta entre o comprador e o vendedor; a contraparte central interpõe-se obrigatoriamente no contrato, cuja negociação é possível através das ofertas introduzidas no mercado pelos intermediários financeiros.

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58 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

envolvendo compradores e vendedores96, bem

como a entidade gestora do mercado, contrapar-

te central (entidade que pode coincidir com a

entidade gestora do mercado), e um conjunto de

outros membros do mercado, como negociado-

res, compensadores e criadores do mercado97,98.

Como em qualquer operação em mercado regu-

lamentado, os investidores interessados em ad-

quirir ou alienar um futuro transmitem, em re-

gra, ao seu intermediário financeiro uma deter-

minada ordem (de compra ou de venda, conso-

ante os casos). Os investidores não têm, assim,

tipicamente, um contacto direto com a entidade

gestora; os investidores realizam um contrato

de comissão com um intermediário financeiro,

o qual, como membro do mercado (e mandatá-

rio), atua, em nome próprio, ainda que por con-

ta dos seus clientes99. É, portanto, o membro

negociador que, nas operações sobre futuros, se

assume como parte100 perante a entidade gestora

do mercado101.

O intermediário financeiro, na qualidade de

membro negociador, recebe ordens dos seus

clientes, introduzindo ofertas no mercado. Nos

termos das regras de admissão de membros ao

mercado da NYSE-Euronext, “[a]s pessoas físi-

cas e os empresários em nome individual não

se poderão tornar Membros dos Mercados da

Euronext” (ponto 2201/02 do Book I). Uma vez

admitidos, os membros da NYSE-Euronext te-

rão acesso à plataforma LIFFE CONNECT®,

plataforma eletrónica onde se processam as

ofertas (ponto 5201 do Book I).

Os membros compensadores têm como função

a gestão das posições abertas no mercado, asse-

gurando o bom cumprimento dos contratos102.

Membro compensador, na aceção das regras da

96- Sobre a natureza dos contratos de futuros como compra e venda, remetemos para o ponto 3.III. do presente exercício. 97- Para a análise pormenorizada deste ponto que, dado o âmbito do presente trabalho, não podemos desenvolver com profundidade, M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 74. 98- Quanto à reflexibilidade e coincidência subjetiva nos contratos, C. Ferreira de Almeida, Contratos II…, cit., p. 28. 99- Esta relação não afasta, contudo, como sublinha M. Cunha, a necessidade, no âmbito das relações internas entre o intermediário finan-ceiro (na sua qualidade de membro negociador) e o cliente (na sua qualidade de mandante), verificar-se por este último o cumprimento do dever de provisão, nomeadamente entregando ao intermediário financeiro os montantes necessário à constituição de garantias e margens M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 99.

100- M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 98. 101- Impendem sobre a entidade gestora um vasto conjunto de deveres, como o dever de elaborar e submeter à CMVM para aprovação e registo de regras que assegurem o funcionamento harmonioso do mercado (artigo 209.º do CVM), o dever de definir regras para fiscalizar as operações e de comunicar qualquer irregularidade à CMVM (artigo 211.º do CVM), o dever de informar, por um lado, o público sobre os intermediários financeiros admitidos à negociação, as operações realizadas e os preços praticados e, por outro lado, a CMVM sobre as operações que tenham lugar em sessões normais, através do envio de um boletim, bem como de estatísticas relativas aos mercados que gere e a atualização do respetivo regulamento caso este tenha sido objeto de alteração (artigo 212.º do CVM). Cabe, igualmente, à entidade gestora o dever de (i) assegurar a boa gestão de operações, o que inclui o registo das posições, a gestão das garantias prestadas e a definição do tipo e dos montantes em causa (artigo 261.º, n.º 2 do CVM), e os ajustes dos ganhos e perdas resultantes das operações registadas; (ii) minimizar os riscos e proteger o sistema de compensação, o que inclui, entre outros, a adoção de sistemas de seguros de gestão e monitori-zação de riscos, adoção de procedimentos adequados a fazer face a falhas e incumprimentos dos seus membros e criação de fundos destina-dos à distribuição das perdas entre todos os membros compensadores. Salienta-se, igualmente, a existência de um determinado número de regras prudenciais e comportamentais a que a entidade gestora está sujeita, que se encontram definidas no Regulamento da CMVM 4/2007. São prerrogativas da entidade gestora, quando assuma a qualidade de contraparte e sempre que o mercado exija, (i) determinar a adoção das medidas necessárias para diminuir a exposição ao risco de um membro compensador, designadamente encerrando posições; (ii) promo-ver a transferência de posições para outros membros compensadores; e (iii) determinar os preços de referência de forma distinta da prevista nas regras do mercado (artigo 259.º, n.º 2 do CVM). 102- Os membros compensadores são responsáveis perante a contraparte central pelo cumprimento das obrigações resultantes de operações por si assumidas, por sua conta ou por conta dos membros negociadores perante quem tenham assumido a função de compensação das operações (artigo 259.º, n.º 4, do CVM), bem como pela constituição (reforço ou substituição) de garantias (artigo 261.º, n.º 3, do CVM). Os membros compensadores estão sujeitos ao dever de adotar procedimentos e medidas para cobrir de forma adequada a exposição ao risco, devendo exigir aos seus clientes, ou aos membros negociadores perante os quais tenham assumido funções de compensação, a entre-ga de margens e outras garantias, nos termos definidos por contrato com eles celebrado (artigo 261.º, n.º 3, do CVM). Quanto aos específi-cos contornos da relação jurídica entre os membros compensadores e a entidade gestora do mercado, M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 101.

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59 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

NYSE-Euronext, consiste em “qualquer Pessoa

autorizada pela Organização Responsável pela

Compensação para compensar Operações de

acordo com as disposições relevantes do Regu-

lamento da Compensação” (ponto 1.1. das Har-

monized Rules).

A contraparte central interpõe-se obrigatoria-

mente nas operações em mercado regulamenta-

do sobre futuros; nos termos do CVM, “a reali-

zação de operações em mercado regulamenta-

do (…) sobre os instrumentos financeiros refe-

ridos nas alíneas e) [e.g. opções e futuros] e f)

do n.º 1 do artigo 2.º [do CVM] exige a inter-

posição de contraparte central” (artigo 258.º,

n.º 3, e al. e), do n.º 1, do artigo 2.º, ambos, do

CVM). A gestão do risco de incumprimento

que se verifica durante o período de tempo que

medeia entre o lançamento da oferta no sistema

e o encontro desta com outra de sinal contrário

justifica a obrigatoriedade da interposição da

contraparte central nestas operações (operações

a prazo). A posição de contraparte central pode

ser assumida quer pela entidade gestora do mer-

cado regulamentado onde as operações são rea-

lizadas, quer por outra entidade por ela aceite e

autorizada a exercer essas funções (artigo 18.º

do Regulamento da CMVM 5/2007). A função

de contraparte central é assumida, no caso do

LIFFE, pela LCH.Clearnet (que cumula esta

função com a de câmara de compensação)103.

(iii) Negociação

I. A análise da fase de negociação dos contratos

de futuros assentará no regime jurídico fixado

pelo CVM e pelos regulamentos da CMVM,

bem como – e sobretudo –, pelas regras pró-

prias do mercado da NYSE-Euronext – essenci-

ais para a compreensão da dinâmica destes con-

tratos.

II. Em relação às regras de negociação que se

prendem com o funcionamento do mercado,

sublinham-se as disposições legais sobre os sis-

temas de negociação, bem como sobre a sus-

pensão e a exclusão de instrumentos financeiros

da negociação. O n.º 1 do artigo 208.º do CVM

estabelece que as operações de mercado regula-

mentado devem realizar-se através de sistemas

de negociação adequados à correta formação

dos preços dos instrumentos financeiros neles

negociados e à liquidez do mercado, asseguran-

do designadamente a transparência das opera-

ções.

Nos termos dos artigos 213.º e 214.º do CVM,

prevê-se que a entidade gestora do mercado

regulamentado, por iniciativa própria ou por

ordem da CMVM, possa suspender ou excluir

instrumentos financeiros da negociação. A sus-

pensão da negociação justifica-se, nomeada-

mente, quando se verifique o incumprimento

das regras do mercado, desde que a falta seja

sanável e quando ocorram circunstâncias sus-

cetíveis de, com razoável grau de probabilida-

de, perturbar o regular desenvolvimento da ne-

gociação (artigo 213.º do CVM). A exclusão da

negociação justifica-se, nomeadamente, quando

se verifique o incumprimento das regras do

mercado, se a falta não for sanável e quando

não tenham sido supridas as faltas que tenham

dado lugar à suspensão (artigo 214.º do CVM).

Por fim, o artigo 215.º do CVM, sobre os

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 59

103- A LCH.Clearnet, na qualidade de câmara de compensação e contraparte central das operações realizadas nos mercados do Grupo NYSE-Euronext, incluindo a Euronext Lisbon, assegura a compensação das operações realizadas nos mercados da NYSE-Euronext (exceto quando outra seja designada e autorizada pela NYSE-Euronext), encontrando-se sujeita à supervisão de um colégio de supervisores onde a CMVM tem assento (ponto 2501A/3 do Book I).

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60 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

efeitos da suspensão e da exclusão, dispõe que,

produzindo a decisão de suspensão ou de exclu-

são efeitos imediatos, a suspensão mantém-se

pelo tempo estritamente necessário à regulariza-

ção da situação que lhe deu origem, não poden-

do cada período de suspensão ser superior a 10

dias úteis (n.os 1 e 2 do artigo 215.º do CVM).

O Regulamento da CMVM 3/2007, nos seus

artigos 19.º a 21.º, concretiza as disposições

legais sobre a suspensão e a exclusão da nego-

ciação e estabelece regras em relação ao início

da negociação de cada contrato. Nos termos do

artigo 19.º do referido Regulamento, estabelece

-se que o início da negociação de cada contrato

tem lugar na data a fixar pela entidade gestora

do mercado onde é transacionado, devendo es-

ta, antes do início da negociação de um contra-

to, prestar ao público e aos membros do merca-

do as informações necessárias à compreensão

dos seus termos.

Quanto à suspensão da negociação, o artigo 20.º

do mesmo Regulamento estabelece que as sé-

ries dos contratos que se vençam durante o perí-

odo de suspensão mantêm a data de vencimen-

to, sendo apenas liquidados no dia em que se

verificar o levantamento da suspensão, salvo se

outra for a decisão da entidade gestora. Quanto

à exclusão da negociação, o artigo 21.º do Re-

gulamento em referência esclarece que a exclu-

são de um contrato não extingue os direitos e

obrigações dos detentores de posições em aber-

to, impedindo, contudo, a introdução de novas

séries sobre o contrato em causa. Nestes casos,

impende sobre a entidade gestora do mercado o

dever de estabelecer as condições em que o

contrato é excluído, podendo esta determinar

que se mantenha apenas a negociação das séries

que não atingiram a sua data de vencimento,

que apenas se possam realizar transações com o

objetivo de encerrar posições nas séries que não

atingiram a sua data de vencimento ou decretar

o encerramento imediato de todas as posições

em aberto nas séries que não atingiram a data

de vencimento (artigo 21.º do referido Regula-

mento da CMVM 3/2007, em análise).

Os regulamentos da NYSE-Euronext definem,

por um lado, regras sobre a suspensão e a ex-

clusão da negociação dos derivados em geral e,

por outro lado, regras específicas sobre a sus-

pensão e a exclusão da negociação dos deriva-

dos admitidos na Euronext Lisbon. No âmbito

das primeiras regras, comuns a todos os merca-

dos da NYSE-Euronext, estabelece-se que “[a]

Entidade Gestora de Mercados da Euronext

Competente pode encerrar a sessão de negocia-

ção de um ou mais Derivados com vista a sal-

vaguardar o bom funcionamento do merca-

do” (ponto 5401/1 das Harmonized Rules). No

âmbito das regras específicas da Euronext Lis-

bon, estipula-se que “[o]s Derivados admitidos

no Mercado de Derivados podem ser objecto de

suspensão e de exclusão sempre que tal se reve-

le necessário para a salvaguarda dos interesses

do mercado, nomeadamente, sempre que não se

verifiquem Operações durante um período de

tempo significativo, conforme determinado pela

entidade gestora, ou não existam posições em

aberto” (ponto LI7.3.1 das Non-Harmonized

Rules).

Ainda quanto ao regime de suspensão e exclu-

são, as regras do mercado remetem expressa-

mente para o regime da suspensão e da exclu-

são da negociação dos derivados para os artigos

20.º e 21.º do Regulamento da CMVM 3/2007,

prevendo a sua aplicação em todos os casos em

que as regras do mercado sejam omissas (ponto

LI7.3.2 das Non-Harmonized Rules).

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61 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Por fim, as regras do mercado conferem um

conjunto de poderes à entidade gestora, que esta

poderá desencadear “[s]empre que as circuns-

tâncias do mercado o aconselhem” (ponto

LI7.3.2 das Non-Harmonized Rules) e que in-

cluem “para além dos poderes que lhe são ex-

pressamente atribuídos pela Regulamentação

Nacional e pelas Regras [rectius, Harmonized

Rules]: [a competência para] (i) determinar que

a negociação se faça apenas para fecho de po-

sições, podendo esta determinação ser genera-

lizada ou dirigida a um Membro ou Cliente em

particular; (ii) determinar o fecho de posições

de um ou mais Membros ou Clientes; (iii) proi-

bir que um ou mais Membros ou Clientes

abram posições ou realizem operações; e (iv)

fixar limites operacionais a um ou mais Mem-

bros (…)” (ponto LI7.3.2 das Non-Harmonized

Rules).

III. A negociação dos contratos de futuros está

sujeita às regras gerais de negociação em mer-

cados regulamentados104. Esta negociação, que

assenta num processo complexo, realiza-se atra-

vés de um sistema de negociação (artigo 206.º

do CVM). Neste âmbito, por facilidade de ex-

posição e seguindo os ensinamentos de A. Fer-

reira, distingamos diferentes fases: a primeira,

até à introdução das ofertas no mercado; a se-

gunda, que assenta no próprio sistema de nego-

ciação; e, por fim, a terceira, que decorre após a

celebração do contrato. Estas fases implicam a

intervenção de diferentes intervenientes.

A primeira fase ocorre quando os investidores

transmitem aos membros do mercado (membros

negociadores) ordens de compra ou de venda.

Para a boa execução das ordens por si aceites,

os membros negociadores, na segunda fase,

introduzem ofertas no sistema de negociação,

segundo a modalidade mais adequada e no tem-

po mais oportuno (n.º 2 do artigo 208.º do

CVM) e é o cruzamento destas ofertas que per-

mite a celebração do contrato. A última fase

corresponde à interposição da contraparte cen-

tral que assume o cumprimento das obrigações

que resultem do contrato.

Na fase da negociação, os investidores, em re-

gra, não têm uma participação direta no merca-

do; eles apenas transmitem aos membros nego-

ciadores ordens de compra ou de venda que, por

sua vez, serão introduzidas por estes últimos

nos sistemas eletrónicos de cada mercado. Nos

termos das regras do mercado LIFFE, “os futu-

ros são negociados no LIFFE CONNECT®

através do cruzamento contínuo de ofertas de

sentidos opostos que se encontrem no Livro de

Ofertas Central de acordo com as regras de

prioridade estabelecidas pela Entidade Gestora

de Mercados da Euronext Competente” (ponto

5301 do Book I e ponto 3.1. dos LIFFE Trading

Procedures). A execução das ofertas no LIFFE

CONNECT® ocorre através do Código Indivi-

dual de Negociação associado às entidades en-

volvidas na negociação e aceites pelo mercado

(ponto 5303/1 do Book I). Trata-se, portanto, de

uma negociação que se processa de forma ex-

clusivamente eletrónica.

Quanto à formação do contrato, as regras do

mercado estabelecem que “[a] aceitação válida

de uma oferta de compra ou de uma oferta de

venda, também válidas, origina uma Operação

entre os membros cujos operadores efetuaram

tais ofertas, de compra ou de venda, e aceita-

ção” (ponto 5304/1 do Book I). No caso do

LIFFE CONNECT®, “o cruzamento de uma

oferta de compra e de uma oferta de venda váli-

das no Processador Central de Negociação

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 61

104- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 138 (“as operações de futuros (…), tal como qualquer operação de bolsa, são realidades complexas que não se reconduzem à celebração de meros contratos”).

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62 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

constitui a aceitação válida de tais ofertas

(…)” (ponto 5304/2 do Book I). O mercado con-

sidera as “[o]perações realizadas no Livro de

Ofertas Central (…) automática e imediatamen-

te efetuadas” (ponto 5701/2 do Book I). O Livro

de Ofertas Central concentra o registo de todas

as ofertas introduzidas no mercado, bem como

as respetivas modificações, até à respetiva exe-

cução, caducidade ou cancelamento (ponto 4.2

do Book I). Este registo é, assim, condição de

validade da operação. A conclusão da operação,

bem como os seus termos, é imediata e continu-

amente divulgada; “[o]s Mercados de Deriva-

dos da Euronext disseminam imediata e conti-

nuamente a quantidade e o preço associados a

todas as ofertas de compra e de venda introdu-

zidas no Livro de Ofertas Central” (ponto

5702/1 do Book I), devendo esta informação

incluir o mês de entrega, o preço acordado, o

número de contratos de futuros e o número úni-

co de identificação para as ações ou cesto de

ações transacionadas (ponto 4.2.11 dos LIFFE

Trading Procedures).

A formação do contrato ocorre, assim, através

do cruzamento de ofertas que correspondem à

intenção, por um lado, de comprar e, por outro

lado, de vender; o contrato forma-se através do

cruzamento destas ofertas que correspondem a

posições contratuais simétricas. Este encontro é

permitido pela padronização a que os contratos

de futuros estão sujeitos, sendo, em regra, o

preço e a quantidade as únicas variáveis que

estão na disponibilidade negocial das partes.

IV. Em relação à natureza destas ofertas, cre-

mos estar perante ofertas em sentido próprio105;

são ofertas dirigidas ao público por serem reali-

zadas a pessoas indeterminadas. Contudo, con-

sideramos que estas ofertas ao público têm ca-

racterísticas específicas.

A noção de oferta ao público resulta do seu arti-

go 109.º, n.º 1, do CVM. Encontram-se, contu-

do, excluídas do âmbito de aplicação do regime

destas ofertas “as ofertas em mercado regula-

mentado ou sistema de negociação multilateral

registado na CMVM que sejam apresentadas

exclusivamente através dos meios de comunica-

ção próprios desse mercado ou sistema e que

não sejam precedidas ou acompanhadas de

prospeção ou de recolha de intenções de inves-

timento junto de destinatários indeterminados

ou de promoção publicitária” (al. d), do n.º 1,

do artigo 111.º do CVM). Às ofertas em merca-

do regulamentado não se lhes aplicam, portan-

to, as regras das ofertas públicas tal como pre-

vistas no CVM. Não cremos, contudo, que esta

regra afaste a qualificação destas ofertas como

ofertas públicas.

A configuração tradicional proposta-aceitação

não nos parece a que melhor enquadre as ofer-

tas em análise. Cremos que estas ofertas têm

uma natureza sui generis que incorpora em si

tanto a proposta como aceitação. Estas ofertas

têm sempre a dupla natureza de proposta-

aceitação dado que tanto pretendem o encontro

com ofertas que previamente foram lançadas no

sistema (e que aguardam uma oferta de sinal

contrário que com elas case, termo sugestiva-

mente utilizado na gíria dos mercados), como

as que podem ser lançadas posteriormente.

A particular natureza destas ofertas resulta, por

um lado, do facto de serem dirigidas a pessoas

indeterminadas e, por outro lado, do sistema de

negociação ser fundamentalmente caracterizado

105- Se é verdade que estas ofertas se assemelham a propostas contratuais (nomeadamente por reunirem as características exigíveis para que uma declaração possa qualificar-se como proposta contratual, i.e., que seja completa, precisa, firme e formalmente adequada, C. Ferreira de Almeida, Contratos I…, cit., p. 57), cremos que elas assumem características próprias que permitem a sua autonomização como ofertas em sentido próprio. Defendendo posição diversa, sublinhando que “com alguma imprecisão usa-se por vezes a palavra ‘oferta’ para designar tanto a proposta como o convite a contratar” e, neste sentido, “a omissão total de preço na proposta constitui até traço característico de uma dada modalidade de contratar (‘ofertas ao melhor preço’, em contratos de bolsa)”, pelo que não pode deixar de considerar-se que estamos perante uma proposta, C. Ferreira de Almeida, Contratos I…, cit., pp. 62 e 60, respetivamente.

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63 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

pela sua rigidez e formalismo. O sistema é rígi-

do no sentido em que atua por si, de forma au-

tomatizada e autónoma, baseado em mecanis-

mos que assentam em algoritmos e programas

informáticos sofisticados e que apenas ocorre

em períodos específicos (sessão de bolsa)106.

O sistema é formalista no sentido em que pres-

supõe a massificação das operações e da nego-

ciação (fruto da padronização e consequente

fungibilidade dos contratos); verifica-se, por-

tanto, uma negociação objetiva na medida em

que a formação dos preços está sujeita a regras

específicas e que não deixa espaço à negociação

em termos subjetivos, tal como tradicionalmen-

te configurada.

V. Por último, identifiquemos as entidades in-

tervenientes no processo de formação dos con-

tratos de futuros. Nestes contratos, verifica-se,

obrigatoriamente, a intervenção de uma contra-

parte central que, com vista à mitigação do ris-

co de incumprimento, assume a posição de

compradora perante o vendedor e de vendedora

perante o comprador (artigo 258.º, n.º 3, do

CVM)107. A questão que se coloca é saber como

articular e enquadrar a regra segundo a qual os

membros do mercado introduzem as ofertas de

compra ou de venda, resultando do encontro

destas a perfeição do contrato, com a regra que

exige a interposição de contraparte central.

A operação em mercado regulamentado é reali-

zada entre dois membros negociadores; estes

membros são efetivamente compradores e ven-

dedores em relação ao contrato de intermedia-

ção financeira celebrado com os ordenantes. O

membro negociador do comprador e o membro

negociador do vendedor celebram previamente

um contrato com um membro compensador

(clearing member). Nos termos deste contrato –

e no caso específico da NYSE-Euronext –, ao

membro compensador incumbe o registo da

operação na LCH.Clearnet. Esta entidade passa,

assim, a atuar como contraparte central

entre o membro compensador do comprador

e o membro compensador do vendedor; a

“LCH.Clearnet SA is a clearing house (…) and

acts as a central counterparty between the Cle-

aring Member of the buyer (…) and the Clea-

ring Member of the seller (…) in the conditions

described in the Clearing Rules” (ponto 1.3.1.1

do Clearing Rule Book).

As operações são apresentadas à LCH.Clearnet

e aí registadas em nome dos membros compen-

sadores; “[a]ll Transactions (…) that are sub-

mitted to LCH.Clearnet SA, within the clearing

hours (…) are registered in the name of the

Clearing Member” (ponto 1.3.1.1 do Clearing

Rule Book). A LCH.Clearnet, a partir deste mo-

mento, assume a posição de contraparte central.

Assim, em primeiro lugar, sublinhamos que

durante o período que ocorre entre a realização

da operação e o seu registo na LCH.Clearnet,

esta entidade não intervém; neste primeiro

momento existe apenas uma relação entre os

membros negociadores do mercado. Conse-

quentemente, salienta-se, em segundo lugar,

que o processo de negociação e formação

do contrato só é possível através da partici-

pação, de forma sucessiva, de diferentes

intervenientes no mercado, ou seja, membros

negociadores, membros compensadores e, por

fim, a LCH.Clearnet (na qualidade de contra-

parte central e câmara de compensação). Em

terceiro lugar, reitera-se que, ao adquirir a

posição de contraparte central, a LCH.Clearnet

assume-se como compradora face ao vendedor

e como vendedora fase ao comprador.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 63

106- Entre outras, cf. regras sobre encerramento, suspensão e cancelamento de sessão em bolsa (ponto 5401 do Book I). 107- J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 155.

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64 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Como configurar em termos jurídicos a assun-

ção da posição de contraparte central pela

LCH.Clearnet? Sem que tenhamos a pretensão

de tratar exaustivamente a questão108, assinala-

mos que as regras do mercado referem-se à

existência de novação; “[u]pon registration,

novation occurs” (ponto 1.3.2.1 do Clearing

Rule Book)109. Consequentemente, com base

neste processo, a “LCH.Clearnet SA becomes

counterparty to the Clearing Member and be-

comes therefore subject to the rights and sub-

ject to the obligations arising from the Transac-

tion registered in the name of such Clearing

Member” (ponto 1.3.2.1 do Clearing Rule

Book). A apresentação de uma operação a regis-

to na LCH.Clearnet significa também que o

membro compensador aceita a novação, i.e.,

aceita a posição de contraparte assumida pela

LCH.Clearnet; “[s]ubmission by Clearing Mem-

bers of Transactions (…) signifies the ac-

ceptance by such Clearing Members of the no-

vation” (ponto 1.3.2.3 do Clearing Rule Book).

Note-se que a novação ocorre, não em relação a

eventuais saldos resultantes da compensação

entre as posições do membro compensador, mas

integralmente, i.e. de acordo com as transações

originais; “[n]ovation takes place on a gross

basis with respect to the original Transac-

tions” (ponto 1.3.2.4 do Clearing Rule Book).

Nestes termos, tratar-se-ia, apenas, de uma

novação subjetiva (artigo 858.º do Código Civ-

il) dado que, objetivamente, as obrigações se

mantêm inalteradas.

A novação é uma causa de extinção das obriga-

ções (artigos 857.º e ss. do Código Civil), que

consiste “na convenção pela qual as partes ex-

tinguem uma obrigação, mediante a criação de

uma nova obrigação em lugar dela”110. Segun-

do é acentuado pela doutrina, “[e]ssencial em

qualquer dos casos [i.e. quer na novação objeti-

va, quer na novação subjetiva] é que os interes-

sados queiram realmente extinguir a obrigação

primitiva por meio da contração de uma nova

obrigação”111.

A qualificação jurídica em análise parece-nos

questionável. No caso sub judice, a novação

conduziria à extinção das obrigações entre os

membros compensadores contratantes, passan-

do aquelas a existir apenas em relação à

LCH.Clearnet e desta em relação aos membros

compensadores112. Sem prejuízo de uma análise

pormenorizada sobre este ponto que o presente

estudo não comporta, cremos que é questioná-

vel falar-se do instituto jurídico da novação,

dado que não se verifica uma verdadeira extin-

ção da obrigação primitiva. Cremos ser ensaiá-

vel, outrossim, a interposição da contraparte no

âmbito do instituto da sub-rogação (artigos

108- Dado o âmbito e propósito do presente trabalho, não desenvolveremos este ponto, limitando-nos a identificar e a gizar os contornos da questão. 109- Para a análise do regime da novação no ordenamento jurídico português, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral – Vol. II, Reimpressão da 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2001, p. 229; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., Coimbra: Almedina, 2001, p. 1036. 110- J. Antunes Varela, Das Obrigações…, cit., p. 230. 111- Ibidem, p. 231. 112- Para uma súmula das principais posições doutrinárias sobre o tema, nomeadamente discutindo as correntes que tratam o fenómeno como sub-rogação, cessão da posição contratual ou mandato de interesse comum às duas partes, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futu-ros e Opções”, cit., pp. 140-141. Note-se que a posição que o autor acaba por adotar neste seu artigo (cf. p. 142) decorre do regime em vigor à data da elaboração daquele artigo, não se encontrando atualizado face à evolução do enquadramento legal e aos desenvolvimentos ocorridos no mercado.

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65 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

589.º e ss. do Código Civil). Entende-se por sub

-rogação, “a substituição do credor, na totali-

dade do direito a uma prestação fungível, pelo

terceiro que cumpre em lugar do devedor ou

que faculta a este os meios necessários ao cum-

primento”113. Nestes termos, parece-nos defen-

sável que a interposição da contraparte central

implique que esta, face ao vendedor, fique sub-

rogada nos direitos e deveres do comprador e

que, face a este, fique sujeita aos direitos e de-

veres do vendedor114. Em operações sobre futu-

ros, a LCH.Clearnet assume, na qualidade de

contraparte do membro compensador, a obriga-

ção de realizar a liquidação financeira ou física

dos contratos, i.e. “[the] payment of Variation

Margin and, in the case of deliverable financial

futures, delivery Financial Instruments versus

payment” (ponto 1.3.2.6 do Clearing Rule

Book).

Para garantia das posições da LCH.Clearnet

contra o incumprimento dos membros compen-

sadores, estão estes obrigados a prestar garanti-

as, designadas na gíria do mercado, margens

(pontos 1.3.1.5, 4.2.0.1 e ss. do Clearing Rule

Book), matéria de que tratará o ponto seguinte.

(iv) Gestão de posições e prestação

de garantias

I. O tempo é um elemento estruturante nos con-

tratos de futuros, implicando a adoção de meca-

nismos que permitem responder aos riscos asso-

ciados à execução destes contratos. Com efeito,

a realização de operações que envolva contratos

de futuros pressupõe a existência de um sistema

de segurança, com base no qual são geridas as

ofertas de compra e de venda lançadas no mer-

cado115. A presente secção trata dos contornos

do sistema de segurança previsto no ordena-

mento jurídico português, nomeadamente quan-

to aos mecanismos que asseguram a gestão de

posições e a prestação de garantias pelos mem-

bros do mercado e seus clientes116.

II. A gestão de posições no mercado de futuros

realiza-se através do mecanismo dos ajustes

diários de ganhos e perdas. Através deste meca-

nismo, o preço das posições abertas no mercado

está sujeito a ajustes que se calculam com base

num determinado preço, o preço de referência;

em princípio, o preço fixado no dia que antece-

de o referido cálculo (n.º 2 do artigo 207.º e al.

c), n.º 1, do artigo 259.º, ambos, do CVM)117.

Este ajuste processa-se na fase que decorre en-

tre a celebração do contrato e o seu cumprimen-

to e comporta, assim, por um lado, o cálculo de

posições líquidas, através da compensação mul-

tilateral realizada através da interposição na

operação da contraparte central e, por outro la-

do, a gestão de garantias adequadas às posições

líquidas. O mecanismo tem, portanto, como

objetivo a manutenção de condições de solvabi-

lidade no mercado que permita assegurar o

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 65

113- J. Antunes Varela, Das Obrigações…, cit., pp. 335-336; também sobre a noção e efeitos da sub-rogação no direito português, M. Almeida Costa, Direito das Obrigações, cit., pp. 762-767. 114- Reiteramos que o âmbito do presente estudo não nos permite desenvolver, com profundidade, este (e outros) ponto(s), sendo assim nosso ensejo identificar (algumas das) questões que o funcionamento do mercado dos futuros acarreta, atrevendo-nos, em algumas matérias, avançar possíveis caminhos interpretativos. 115- Para uma descrição operacional pormenorizada que, dado o âmbito do presente trabalho, não podemos desenvolver, Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Introdução…, cit., pp. 55-56. 116- Quanto ao diálogo conceptual e operacional entre os ajustes diários de perdas e ganhos e a prestação de garantias, M. Cunha explica que a “liquidação diária de ganhos e perdas dá origem a que diariamente as partes dos contratos sejam obrigadas a efectuar um paga-mento ou tenham o direito de o receber”, esclarecendo que este mecanismo consubstancia “verdadeiras prestações a cuja realização as partes se obrigam e que, não integrando as margens ou garantias inicialmente prestadas, vão ter uma influência determinante nestas

últimas, na medida em que permitem a conservação do seu valor real para fazer face com sucesso a eventuais incumprimentos”, M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., pp. 82-83. 117- Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 150; J. de Oliveira Ascensão, ”Derivados”, cit., p. 66.

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66 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

cumprimento do contrato no período de tempo

que medeia entre a celebração e o vencimento

deste.

Por regulamento, a CMVM concretizou o me-

canismo de ajustes de ganhos e perdas, estabe-

lecendo a sua periodicidade e os poderes da

entidade gestora em relação ao mesmo; “[d]

iariamente tem lugar a liquidação de ajuste de

ganhos e perdas de acordo com preços de refe-

rência calculados pela entidade gestora do

mercado (…) ou entidade que assume a posição

de contraparte central, salvo distinta previsão

nas condições gerais dos contratos” (artigo

14.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM 5/2007).

As posições abertas (ou seja, as ofertas introdu-

zidas no sistema de negociação) são registadas,

devendo divulgar-se obrigatoriamente, no caso

dos contratos de futuros, o número de posições

registadas, os ajustes de ganhos e perdas, as

garantias constituídas (o seu reforço ou libera-

ção), o encerramento de posições ou a sua

transferência para outros participantes, as com-

pensações efetuadas e as comissões devidas ou

pagas à entidade gestora do mercado. Este me-

canismo comporta assim diferentes fases, per-

mitindo a introdução das ofertas no sistema e a

sua manutenção até ao encontro de ofertas de

sentido contrário que fechem a operação (artigo

15.º do Regulamento da CMVM 5/2007).

As Cláusulas Contratuais Gerais do SSF preve-

em que os contratos que não tenham sido encer-

rados até ao final do último dia de negociação

sejam objeto de “uma liquidação financeira por

diferença”, remetendo-se os procedimentos a

adotar na liquidação e nos ajustes diários de

ganhos e perdas para as regras fixadas pela

LCH.Clearnet (cláusula 9.º das Cláusulas Con-

tratuais Gerais do SSF)118. No final de cada ses-

são, a Euronext Lisbon determina os preços de

liquidação diários (cláusula 7.º das Cláusulas

Contratuais Gerais do SSF).

III. O mecanismo de ajuste diário de ganhos e

perdas é completado por um conjunto de garan-

tias prestadas a favor da contraparte central. O

CVM, bem como os regulamentos da CMVM

dedicam uma especial atenção a este aspeto. As

regras próprias do mercado, nomeadamente as

normas previstas pela LCH.Clearnet, são parti-

cularmente relevantes neste ponto para a descri-

ção do conjunto de garantias a que os membros

do mercado, e os seus clientes, estão sujeitos.

Quanto ao regime de garantias, o CVM estabe-

lece que a exposição ao risco da contraparte

central e dos seus membros deve ser coberta

por cauções, designadas margens, e outras ga-

rantias (artigo 261.º, n.º 1, do CVM). O sistema

de garantias é definido pela contraparte central

com base em parâmetros de risco, objeto de

revisão regular (artigo 261.º, n.º 2, do CVM).

Nos termos do CVM, a caução pode ser presta-

da quer através de contrato de garantia financei-

ra tal como previsto pelo Decreto-Lei n.º

105/2004, de 8 de maio, sobre instrumentos

financeiros de baixo risco e elevada liquidez,

livres de quaisquer ónus, ou sobre depósito de

dinheiro em instituição autorizada, quer através

de garantia bancária, não podendo ser constituí-

das outras garantias sobre os valores dados em

caução (artigo 261.º, n.os 4 e 5, do CVM).

118- Neste âmbito, sublinha-se que “para o cumprimento das suas obrigações de compensação, a LCH.Clearnet, no Clearing Day anterior ao Settlement Day, compensa operacionalmente todas as posições abertas que tenham o mesmo Settlement Day e envia essa

informação para os endereços de liquidação” (ponto 3.4.1.2 do Clearing Rule Book). As regras da LCH.Clearnet são particularmente pormenorizadas em relação aos procedimentos relacionados com o registo de transações compensadas, nomeadamente quanto aos contor-nos dos procedimentos a adotar para o registo das transações nas contas dos seus membros (ponto 3.2.1 do Clearing Rule Book) e quanto aos registos que podem ser levados a cabo pela LCH.Clearnet, e.g. transferência de posições abertas, correções de registos (ponto 3.3.1.1 e ss. do Clearing Rule Book).

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67 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A responsabilidade pela constituição de garanti-

as impende sobre os membros compensadores

(ou seja, os clearing members que assumem

esta obrigação perante a LCH.Clearnet, na sua

qualidade de contraparte central e de câmara de

compensação), pelo que a lei impõem-lhes o

dever de adotar procedimentos e medidas para

cobrir de forma adequada a exposição ao risco.

Para o efeito, impõe-se aos membros compen-

sadores que exijam junto dos seus clientes ou

dos membros negociadores perante os quais

tenham assumido funções de compensação a

entrega de margens e outras garantias, nos ter-

mos definidos no contrato com eles celebrado

(artigo 261.º, n.os 3 e 6, do CVM).

O Regulamento da CMVM 5/2007 reforça a

obrigatoriedade de constituição de garantias a

favor da contraparte central (artigo 19.º, n.º 1,

do Regulamento da CMVM 5/2007), estipulan-

do que as regras relativas à constituição destas

garantias são aprovadas pela entidade que assu-

me a posição de contraparte central e aceites

pelos seus membros. As regras sobre a consti-

tuição de garantias devem definir, nomeada-

mente os ativos aceites como caução relativa-

mente a cada operação, o montante da caução, a

forma e o prazo de constituição, o reforço e a

substituição da caução, os procedimentos a ado-

tar em caso de incumprimento, bem como os

encargos cobrados pela contraparte central

(artigo 19.º, n.º 2, do Regulamento da CMVM

5/2007). O Regulamento da CMVM 5/2007

esclarece ainda que a contraparte central man-

tém o direito de exigir as garantias devidas du-

rante o período em que eventualmente a suspen-

são da negociação dos contratos de futuros

ocorra (artigo 19.º, n.º 3, do Regulamento da

CMVM 5/2007).

Por último, perscrutaremos as regras que o pró-

prio mercado estabelece em relação ao sistema

de garantias. Neste âmbito, o Clearing Rule

Book da LCH.Clearnet impõe aos membros

compensadores um conjunto de garantias a

prestar obrigatoriamente por todas as operações

efetuadas no mercado. Estas garantias (que na

gíria dos mercados financeiros se designam,

como referido, margens) assumem a forma de

(i) initial e variation margins, debitadas ou cre-

ditadas, diariamente, pela LCH.Clearnet nas

contas dos membros; (ii) intraday margins, im-

postas e debitadas pela LCH.Clearnet para fazer

face a situações extraordinárias que ocorram

durante o dia; e (iii) additional margins, garan-

tias adicionais que, para além das anteriores,

são constituídas para fazer face a situações em

que a LCH.Clearnet considere “adequado” e

“necessário” impor aos membros compensado-

res montantes adicionais, com base, por exem-

plo, na particular natureza do instrumento fi-

nanceiro. Paralelamente, é constituído um de-

fault fund, fundo de garantia para cobrir situa-

ções de incumprimento dos membros, para o

qual os membros compensadores contribuem

(pontos 4.3.0.1 e ss. do Clearing Rule Book)119.

O Clearing Rule Book da LCH.Clearnet estabe-

lece ainda a obrigação que impende sobre os

membros compensadores de exigir aos seus

clientes a prestação de garantias que cumpram

os parâmetros e metodologia de cálculo iguais

aos impostos pela LCH.Clearnet aos membros

compensadores; neste sentido, prevê-se que os

“[c]learing Members shall call Initial Margins

and Variation Margin from their Clients and

Trading Members having Positions on Securi-

ties or Derivatives traded on Markets Underta-

kings in an amount based on the same parame-

ters and methodology as the LCH.Clearnet SA

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 67

119- O método de cálculo e os limites, entre outros aspetos associados às garantias, são definidos mediante circular ou instruções do próprio mercado e dependem em grande parte dos riscos associados a cada instrumento.

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68 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Initial Margins and Variation Margin” (ponto

4.2.0.6 do Clearing Rule Book).

IV. A utilização do termo margem pela gíria

dos mercados não deve afastar esta realidade do

instituto das garantias, tal como previsto na lei.

No direito português, a obrigação de constitui-

ção de garantias resulta, nomeadamente, do

CVM, prevendo-se em pormenor a modalidade

que estas devem revestir. Assim, como referido,

nos termos do artigo 261.º do CVM (Margens e

outras garantias), prevê-se que a exposição ao

risco da contraparte central e dos seus membros

deva ser coberta por cauções e outras garantias,

cabendo aos membros compensadores a sua

constituição, o seu reforço ou substituição. A

caução pode ser prestada quer através de con-

trato de garantia financeira, quer através de ga-

rantia bancária.

A caução designa, de forma ampla, “as garanti-

as que, por lei, decisão judicial ou negócio jurí-

dico, são impostas ou autorizadas para assegu-

rar o cumprimento de obrigações eventuais ou

de amplitude indeterminada”120. A prestação de

caução destina-se a “prevenir o cumprimento de

obrigações que possam vir a ser assumidas por

quem exerça uma certa função ou esteja adstri-

to à entrega de bens ou valores alheios”121.

No caso sub judice, a LCH.Clearnet assume, na

qualidade de contraparte do membro compensa-

dor, a obrigação de realizar a liquidação finan-

ceira ou física dos contratos que lhe são trans-

mitidos. Para assegurar as posições da

LCH.Clearnet contra o incumprimento dos

membros compensadores, estão estes obriga-

dos, portanto, a prestar garantias (ou margens),

nos termos definidos por lei e pelos regulamen-

tos do mercado.

(v) Liquidação

I. Quanto à liquidação dos futuros, salientamos,

em primeiro lugar, o momento em que ela ocor-

re. Nos termos do CVM, a liquidação pode

ocorrer quer na data do vencimento do contrato,

pelo decurso do tempo aí previsto, quer antes da

data do vencimento, por compensação das posi-

ções representativas das ofertas lançadas no

sistema; “[a]s posições abertas [nos contratos

de futuros] podem ser encerradas, antes da da-

ta de vencimento do contrato, através da aber-

tura de posições de sentido inverso” (artigo

259.º, n.º 3, do CVM)122. O nosso regime jurídi-

co prevê, portanto, a abertura e o encerramento

de posições que se realizam através de opera-

ções de sinal contrário às posições detidas e que

assim se liquidam através de compensação; não

há uma transmissão de posições jurídicas, mas

sim uma sucessão de posições no mercado que

se abrem e fecham.

A entidade gestora do mercado é responsável

pela adoção de procedimentos eficazes para

permitir a compensação e a liquidação eficiente

e atempada das operações efetuadas através dos

seus sistemas (artigo 207.º, n.º 4, do CVM). Os

sistemas de liquidação de instrumentos finan-

ceiros são criados por acordo escrito pelo qual

se estabelecem regras comuns e procedimentos

padronizados para a execução de ordens de

transferência, entre os participantes, de instru-

mentos financeiros ou de direitos deles destaca-

dos (artigo 266.º do CVM). Podem ser partici-

pantes nos sistemas de liquidação (i) as câmaras

de compensação, que têm como função o cálcu-

lo das posições líquidas dos participantes no

sistema; e (ii) as contrapartes centrais (artigos

267.º e ss. do CVM).

120- M. Almeida Costa, Direito das Obrigações, cit., p. 822. 121- Idem. 122- J. Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, cit., p. 157, assinalando que na maior parte dos casos os contratos de futuros extinguem-se antes do respetivo vencimento, através do processo de compensação.

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69 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A compensação efetuada no âmbito do sistema

de liquidação tem carácter definitivo e é realiza-

da pelo próprio sistema ou por uma entidade

que assuma funções de câmara de compensação

participante deste, cabendo aos participantes

colocar à disposição do sistema de liquidação,

no prazo indicado nas regras do sistema, os ati-

vos (em numerário ou em espécie) necessários à

boa liquidação das operações (artigos 276.º e

279.º, n.º 1, ambos, do CVM).

O Regulamento da CMVM 5/2007 concretiza

as regras legais sobre o regime da liquidação,

definindo os procedimentos a adotar pela enti-

dade gestora para, por um lado, garantir a regu-

laridade e irrevogabilidade das ordens de trans-

ferência (artigos 7.º e 13.º, ambos, do Regula-

mento da CMVM 5/2007) e, por outro lado,

para assegurar a comunicação das operações de

liquidação (artigo 8.º do Regulamento da

CMVM 5/2007). A liquidação das operações no

mercado de futuros tem lugar num prazo nunca

superior a três dias úteis a contar da realização

ou do vencimento da operação (artigo 12.º do

Regulamento da CMVM 5/2007).

Nos termos das Cláusulas Contratuais Gerais do

SSF, define-se que a data de liquidação ou de

vencimento corresponde ao dia útil seguinte ao

último dia de negociação, cabendo à Euronext

Lisbon, na qualidade de entidade gestora do

mercado, fixar e publicar, para cada vencimento

dos contratos, o primeiro e o último dia de ne-

gociação e a data de liquidação ou de venci-

mento.

II. Em segundo lugar, quanto à modalidade, a

liquidação das operações de futuros pode ocor-

rer, quer através da entrega pelo vendedor ao

comprador do ativo subjacente ao contrato me-

diante o pagamento do respetivo preço

(liquidação física), quer através do pagamento

do montante pecuniário correspondente à dife-

rença entre o valor do ativo na data da celebra-

ção do contrato e na data do vencimento deste

(liquidação financeira) (artigos 2.º, n.º 1, al. e) e

279.º, n.º 1, ambos, do CVM e artigo 11.º do

Regulamento da CMVM 5/2007). A modalida-

de de liquidação depende do tipo de ativo sub-

jacente nos contratos em causa (e.g. os contra-

tos de futuros que tenham um índice como ativo

subjacente implicam necessariamente a liquida-

ção financeira)123.

No âmbito da liquidação, as regras do mercado

conferem especiais poderes à entidade gestora

em relação aos procedimentos a adotar caso se

verifiquem circunstâncias extraordinárias no

mercado; neste contexto, a Euronext Lisbon

tem a faculdade de “substituir a liquidação por

entrega dos Contratos de Futuros (no venci-

mento) (…) por uma liquidação por diferenças

(…), bem com, alterar os prazos e demais pro-

cedimentos que a Euronext Lisbon considere

necessários; e determinar ou definir os preços

de liquidação de forma distinta da que se en-

contra prevista nas Regras [leia-se, regras do

mercado da Euronext]” (Ll7.3.3 Non-

Harmonized Rules).

As Cláusulas Contratuais Gerais do SSF deter-

minam que, na data do vencimento, a liquida-

ção ocorre pela diferença entre os montantes

contratados e os verificados na data do venci-

mento, estipulando-se que, para efeitos do apu-

ramento do preço (ou seja, o valor do ativo sub-

jacente) na data de liquidação, este correspon-

derá ao preço de fecho, no mercado à vista, do

ativo subjacente; ou seja, no caso do SSF, o

montante correspondente à cotação no mercado

spot ou mercado à vista das ações ordinárias

representativas do capital social das sociedades

BCP, BES, BPI, Brisa, EDP, EDP Renováveis,

Galp, JM, PT, Zon, REN, Sonae e Sonaecom

(cláusula 8.º e Fichas Técnicas anexas às Cláu-

sulas Contratuais Gerais do SSF).

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 69

123- Associação da Bolsa de Derivados do Porto, Introdução…, cit., p. 75.

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70 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

B. DIREITO ESPANHOL

A análise dos contratos de futuros no âmbito do

direito espanhol assentará, igualmente, no re-

corte da noção do instituto, bem como na deli-

mitação da estrutura do contrato e dos contor-

nos em que se desenrola a formação, a negocia-

ção e a liquidação do mesmo. A descrição do

regime focará também as especificidades relaci-

onadas com a gestão de posições e com o siste-

ma de garantias. Para o efeito, e dada a ligação

estreita dos contratos de futuros com os merca-

dos próprios onde são celebrados, recorreremos,

para além das normas específicas contidas na

LMV e legislação relacionada com a matéria, às

regras do MEFF, o mercado de futuros em

Espanha.

(i) Noção

I. A LMV não oferece uma noção de futuros,

referindo apenas, nos n.os 2 a 8 do seu artigo 2.º,

que estes são instrumentos financeiros abrangi-

dos pelo âmbito do diploma – contratos de futu-

ros com liquidação física (liquidación en espe-

cie) ou financeira (liquidación en efectivo) – e

passíveis de incidir sobre a panóplia de ativos

subjacentes elencados. O segundo parágrafo do

n.º 8 da disposição em referência estabelece que

aos instrumentos financeiros distintos dos valo-

res mobiliários serão aplicáveis, com as adapta-

ções necessárias, as regras previstas na LMV

para os valores mobiliários.

II. O RD 1282/2010, que procedeu à revogação

do RD 1814/1991, é igualmente omisso quanto

à noção de futuros, remetendo apenas, no n.º 2

do seu artigo 2.º, para o rol de instrumentos fi-

nanceiros previsto na LMV. O revogado RD

1814/1991 oferecia, contudo, no seu artigo 1.º,

n.º 2, al. a), uma noção de futuros, definindo-os

como “los contratos a plazo que tengan por

objeto valores, préstamos o depósitos, índices u

otros instrumentos de naturaleza financiera;

que tengan normalizados su importe nominal,

objeto y fecha de vencimiento, y que se nego-

cien y transmitan en un mercado organizado

cuya Sociedad Rectora los registre, compense y

liquide, actuando como compradora ante el

miembro vendedor y como vendedora ante el

miembro comprador”124.

III. O Regulamento MEFF define contratos de

futuros como o “contrato a plazo por el cual el

comprador se obliga a comprar el Activo Sub-

yacente y el vendedor a venderlo a un precio

pactado (Precio de Futuro) en una fecha futura

(Fecha de Liquidación)”, acrescentando que,

quanto à liquidação do contrato, esta pode reali-

zar-se por meras diferenças125.

IV. Na doutrina, uma noção básica avançada

por alguns autores, reconduzindo os contratos

de futuros ao regime dos contratos de compra e

venda, considera que este é um contrato “por el

que las partes intervinientes se obligan a com-

prar o vender activos, reales o financieros, en

una fecha futura, especificada de antemano, a

un precio acordado en el momento de la firma

del contrato”126. Para outros autores, a noção

tem de incluir, necessariamente, a referência ao

mercado dada a essencialidade deste para a

existência destes contratos. Neste sentido, o

contrato de futuros é definido como aquele pelo

qual “las partes se obligan a dar o recibir de la

Cámara de Compensación del Mercado en el

que se celebra la cantidad de dinero (o, inclu-

so, en ciertas modalidades, y sólo el último día

124- Para uma crítica a esta definição, A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., pp. 120-121. Sublinhando a existência de uma definição de contratos de futuros na legislação espanhola – o que não se verificava no ordenamento jurídico português à data, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., p. 145. 125- Artigo 1, n.º 5, do Regulamento MEFF. 126- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 18.

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71 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

de vencimiento, dinero por valores) que resulte

de la liquidación efectuada por dicha Cámara

al comprar el precio convenido por las partes

al contratar com el que alcancen ciertas magni-

tudes económicas externas (activo subyacente)

el día del vencimiento”127.

V. Os contributos recolhidos da legislação

(ainda que pretérita), da doutrina e das regras

do mercado conduzem a quatro aspectos que

nos permitem desenhar os contornos dos con-

tratos de futuros no sistema espanhol, ou seja, o

seu objeto (os contratos de futuros são aqueles

“que tengan por objeto valores, préstamos o

depósitos, índices u otros instrumentos de natu-

raleza financiera”); o seu caráter normalizado

(“que tengan normalizados su importe nominal,

objeto y fecha de vencimiento”), a negociabili-

dade em mercado organizado (“que se negocien

y transmitan en un mercado organizado”) e a

interposição da entidade gestora como contra-

parte em todos os contratos (contratos em que a

“Sociedad Rectora (…) [intervenha no merca-

do], actuando como compradora ante el mem-

bro vendedor y como vendedora ante el miem-

bro comprador”).

(ii) Estrutura

I. Os futuros são contratos a prazo, em que o

tempo é um elemento – circunstancial – essen-

cial. Este elemento permite indicar o modo co-

mo os efeitos jurídicos do contrato se produ-

zem; a existência de um intervalo de tempo que

medeia entre o momento da sua celebração e o

da respetiva execução ou vencimento “implica

que se produzca una consumación del contrato

diferida en el tiempo. Las prestaciones en que

consisten cada una de las obligaciones de las

partes se tienen que ejecutar en una fecha pos-

terior a la perfección del contrato”128.

II. No direito espanhol, a generalidade da dou-

trina reconhece aos futuros uma dupla função;

por um lado, a cobertura de risco (i.e., o investi-

dor procura cobertura para evitar o risco de que

resultem as oscilações de preços) e, por outro

lado, a especulação (i.e., o carácter aleatório das

consequências económicas que produzirá a exe-

cução do contrato faz com que este possa ser

celebrado, portanto, com um intuito meramente

especulativo)129. A utilização dos futuros para a

realização de operações de arbitragem nestes

mercados é uma terceira função sublinhada,

autonomamente, por alguns autores na doutrina

espanhola130.

III. A natureza contratual dos futuros é eviden-

ciada pelo n.º 2 do artigo 2.º da LMV. Os con-

tratos de futuros negociados em mercado orga-

nizado são normalizados, cabendo à entidade

gestora do mercado definir as condições gerais

dos mesmos131. Esta característica implica, co-

mo sublinha sugestivamente a doutrina, que

“las partes contratantes no tienen posibilidad

de entrar a discutir el contenido del contrato,

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 71

127- A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., p. 29. Para este autor, a noção avançada concentra os elementos essenciais deste contrato, i.e. “el Mercado, la relation de determinación por el activo subyacente; la intervención de la Cámara de Compensación y la función del plazo” e afasta-o, deliberadamente, da compra e venda, dado que, segundo o autor, “el contrato de futuros financieros no se consiente en transmitir cosa por dinero, sino en lucrarse con la diferencia entre precios de magnitudes económicas en distintos Mercados (…), de manera que la función de la compraventa en la estructura del contrato es instrumental, no esencial”, ibidem, p. 30. 128- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 77. 129- Ibidem, p. 25; sobre a função socioeconómica da gestão de riscos e a licitude da especulação financeira, J. Sanz Caballero, Derivados Financeiros, cit., pp. 218-222 e 225-232, respetivamente. 130- Neste sentido, Emílio Días Ruiz, “Opciones y futuros financieros: contratos”, AA.VV., Derecho del Mercado Financiero - Tomo II, Operaciones Bancarias de Gestión de Garantías, Operaciones Bursátiles – Volumen 2, Madrid: Civitas, 1994, p. 649. 131- Sobre a evolução e justificação da utilização de contratos padronizados para documentar os produtos financeiros derivados, J. Sanz Caballero, Derivados Financieros, cit., p. 165.

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72 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

que les viene ya dado”132. O artigo 11.º do RD

1282/2010 confere poderes à CNMV para, a

pedido da entidade gestora do mercado, aprovar

as “condiciones generales de los contratos que

hayan de ser objeto de negociación, registro,

compensación, liquidación y contrapartida, así

como sus modificaciones” (n.º 1 do artigo 11.º

do RD 1282/2010).

O artigo 11.º enuncia, ainda, de forma não taxa-

tiva, o conteúdo das cláusulas gerais, devendo

estas incluir, pelo menos, “a) descripción del

tipo de subyacente de los contratos; b) catego-

ría o grupo de contratos al que pertenece, en su

caso; c) importe nominal; d) funciones que la

sociedad rectora llevará a cabo en relación con

los contratos; e) modo de determinación de los

vencimientos de contratos admitidos a efectos

de negociación y contrapartida; f) forma de

cotización para los contratos que sean objeto

de negociación; g) determinación del formato

del precio para los contratos que se registren

sólo a efectos de contrapartida; h) miembros

con acceso a la negociación o al registro a

efectos de contrapartida; (…) j) reglas de liqui-

dación al vencimiento, con indicación, en su

caso, de la forma de determinación de los valo-

res entregables o del precio de liquidación a

vencimiento; k) reglas de determinación, si pro-

cede, de las garantías exigibles” (n.º 2 do artigo

11.º do RD 1282/2010).

A padronização dos contratos de futuros é um

elemento reiterado pelas regras do mercado. O

artigo 1.º do Regulamento MEFF define

“Condiciones Generales” como as “[n]ormas

que describen las características concretas de

cada Contrato, desarrollando el presente

Reglamento y que forman parte integrante del

mismo (…)”, cabendo à MEFF, no âmbito das

suas funções, ”[d]efinir las características con-

cretas de cada Contrato admitido a negociaci-

ón en las Condiciones Generales del Contrato

de que se trate” (artigo 2.º Regulamento

MEFF)133. A MEFF, acolhendo a estipulação

legal quanto às cláusulas contratuais gerais,

elenca, no âmbito do seu Regulamento, os ele-

mentos que estas devem incluir, designadamen-

te, “A) a denominación de los Contratos; B)

Sus características y forma de liquidación; C)

El Grupo de Contratos al que pertenecen; D)

Funciones que MEFF llevará a cabo en rela-

ción con los Contratos; E) Normas particulares

que, en su caso, deben aplicar en materia de

Solicitud de Registro y procedimiento de acep-

tación de la Solicitud en el Registro Contable;

F) En el caso de Contratos cuyo Activo Subya-

cente sea un índice, se contendrá expresa refe-

rencia y remisión a las normas de composición

y cálculo del índice; G) Información que MEFF

difundirá, en relación con los Contratos”. A

norma do Regulamento MEFF reflete, portanto,

o âmbito material definido pelo referido artigo

11.º, n.º 2, do RD 1282/2010.

IV. Quanto ao objeto dos contratos de futuros,

distinguiremos entre o objeto imediato e

mediato134.

O objeto mediato dos contratos de futuro con-

substancia-se no ativo subjacente que o contrato

tem por referência; “el objeto del contrato lo

constituye el interés patrimonial existente sobre

un determinado instrumento financiero, esto es,

la relación económica que vincula al acreedor

de la deuda de valor con el citado activo subya-

cente, interés que se concreta finalmente en

dinero, pero no en sí mismo considerado, sino

132- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 57. 133- E. Días Ruiz, “Opciones y futuros…”, cit., p. 667; A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 21. 134- Para uma súmula das correntes doutrinárias civilísticas sobre o objeto dos contratos no ordenamento jurídico espanhol, nomeadamen-te à luz do artigo 1.261 do Código Civil espanhol, J. Sanz Caballero, Derivados Financeiros, cit., p. 184.

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73 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

como medida de un valor determinado de

acuerdo con las bases y elementos externos a

las partes estipulados por éstas en el contra-

to”135. Os ativos sobre os quais os contratos de

futuros podem ser construídos estão previstos

no artigo 2.º da LMV (que reflete, pontualmen-

te, as diretrizes da DMIF). Quanto ao ativo sub-

jacente, encontramos no Regulamento MEFF, a

regra segundo a qual os contratos sobre os quais

recaia o mesmo ativo subjacente formam uma

classe de contratos (artigo 1.º, n.º 5, do Regula-

mento MEFF).

De acordo com as Condiciones Generales dos

contratos de futuros sobre ações definidos pela

MEFF, admite-se como objeto tanto “activos

subyacente español, con liquidación por entre-

ga, y fecha de vencimento”, como “acciones,

con liquidación por diferenciais con fecha de

vencimiento estándar” (cláusula 3.ª das Condi-

ciones Generales). Em qualquer dos casos, terá

de tratar-se de “acciones ya emitidas, totalmen-

te desembolsadas y que coticen en el Sistema de

Interconexión Bursátil o en otras Bolsas de Va-

lores reconocidas por MEFF” (cláusula 2.ª, §1,

das Condiciones Generales). Cabe à MEFF, por

circular, definir as ações que são admitidas co-

mo ativo subjacente aos contratos de futuros

(cláusula 2.ª, §2, das Condiciones Generales).

O objeto imediato do contrato consubstancia-se

nas prestações contratuais que resultam da ope-

ração. De entre o feixe de direitos e obrigações

que resultam destes contratos salientam-se, por

um lado, os direitos e deveres recíprocos de

compra do ativo subjacente e de pagamento do

preço pré-determinado numa data futura

(liquidação física) ou de pagamento das dife-

renças pecuniárias apuradas numa data futura

(liquidação financeira)136 e, por outro lado, o

cumprimento de outras obrigações perante a

entidade gestora do mercado, no mercado espa-

nhol, a MEFF, como a prestação de garantias, o

seu reforço ou substituição (artigos 5.º e 8.º do

Regulamento MEFF, sobre os direitos e obriga-

ções dos membros do MEFF e seus clientes)137.

V. Quanto aos sujeitos, a análise dinâmica dos

contratos de futuros e dos mercados onde são

negociados revela um feixe subjetivo comple-

xo; os contratos de futuros negociados em mer-

cado regulamentado são multilaterais, envol-

vendo os contraentes, bem como a entidade

gestora do mercado que, no ordenamento jurídi-

co espanhol, coincide com a contraparte central,

e um conjunto de outros membros do mercado

que, de acordo com o Regulamento MEFF, in-

clui membros negociadores (por conta própria

ou em representação dos seus clientes) e mem-

bros liquidadores (individuais ou gerais)138.

O investidor que pretenda celebrar um contrato

de futuros não poderá fazê-lo sem que seja

membro do mercado ou cliente de um membro

do mercado, pelo que, neste último caso, terá de

celebrar obrigatoriamente um contrato de co-

missão com um membro admitido pela

MEFF139.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 73

135- Ibidem, p. 186. 136- Idem. 137- Para uma descrição das obrigações que resultam para as partes contratantes dos contratos de futuros, A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 29. O autor começa por tratar a questão abstraindo-se, deliberadamente, da padronização a que os contratos de futuros negociados em mercado regulamentado estão sujeitos. Esta primeira aproximação permite ao autor sublinhar como, em relação aos contra-tos de futuros, o seu objeto “se ‘modaliza’ como consecuencia de convertirse el propio contrato em objeto de negociación en un mercado”. 138- Para a análise pormenorizada deste ponto que, dado o âmbito do presente trabalho, não podemos desenvolver, Eduardo M.ª Valpuesta Gastaminza, “Los mercados secundarios oficiales de futuros y opciones: algunos aspectos”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 76, Ano XVIII, Octubre – Diciembre, 1999, pp. 46-55. 139- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 60.

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74 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Os membros do mercado de futuros podem ser,

entre outras entidades previstas na lei, socieda-

des de investimento autorizadas a executar or-

dens dos seus clientes ou a negociar por conta

própria, bem como instituições de crédito espa-

nholas (artigos 59.º, n.º 3, e 37.º, n.º 2, als. a) e

b), da LMV, artigo 21.º do RD 1282/2010 e

artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento MEFF).

O Regulamento MEFF define as diferentes

classes de membros, bem como os requisitos a

que estes estão sujeitos. Os membros negocia-

dores “podrán negociar o solicitar el Registro

de Contratos por cuenta propia o por cuenta de

sus Clientes, y transmitirán a sus Clientes el

efectivo o los Activos Subyacentes que MEFF

haya puesto a su disposición, a través de su

Miembro Liquidador General, en relación con

los Contratos registrados en sus Cuen-

tas” (artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento MEFF).

Os membros liquidadores individuais “podrán

negociar o solicitar el Registro de Contratos

por cuenta propia o por cuenta de Clientes,

responderán frente a MEFF del cumplimiento

de todas las obligaciones inherentes a los Con-

tratos y Operaciones registradas en sus Cuen-

tas y transmitirán a sus Clientes el efectivo o

los Activos Subyacentes que MEFF haya puesto

a su disposición en relación con los Contratos

registrados en sus Cuentas” (artigo 4.º, n.º 4, do

Regulamento MEFF). Sobre os membros liqui-

dadores gerais impende o ónus de “responder

frente a MEFF del cumplimiento de todas las

obligaciones inherentes a los Contratos regis-

trados en las Cuentas de los Miembros Nego-

ciadores y de los registrados en las Cuentas de

los Miembros Negociadores por Cuenta Propia

que hayan quedado identificadas, con referen-

cia al preceptivo contrato que hayan celebrado

con el Miembro Liquidador General, y transmi-

tirán a dichos Miembros Negociadores el efec-

tivo o los Activos Subyacentes que MEFF haya

puesto a su disposición en relación con los

Contratos registrados en las correspondientes

Cuentas” (artigo 4.º, n.º 5, §1, do Regulamento

MEFF). Para adquirir a qualidade de membro

liquidador geral, as entidades terão de dispor de

capital social no valor de 100 milhões de euros

(artigo 4.º, n.º 5, §2, do Regulamento MEFF).

A interposição de contraparte central é obriga-

tória em todos os contratos de futuros que se

realizem em mercado regulamentado (artigo

44.º ter., da LMV, e artigos 2.º, n.º 2 e 3, e 10.º

do RD 1282/2010)140, remetendo-se para regu-

lamento dos mercados os contornos em que a

referida interposição ocorrerá. Sobre este ponto,

o Regulamento MEFF prevê que a MEFF atue

como contraparte central em todos os contratos

negociados no seu mercado, cumulando esta

função com a de entidade gestora do mercado

(artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento MEFF)141; a

“MEFF actuará como contrapartida de los

Contratos desde el momento en que se anoten

en el Registro Central de acuerdo con lo dispu-

esto en el presente Reglamento, Circulares,

Condiciones Generales de los Contratos e

Instrucciones” (artigo 18.º, n.º 1, do Regula-

mento MEFF). Consequentemente, a MEFF

converte-se em compradora face ao vendedor e

em vendedora face ao comprador, “de tal mane-

ra que el Comprador y el Vendedor originarios

140- Sobre a interposição de contraparte central, entre outros, Rojo Álvarez-Manzaneda, Carmen, “Estado Actual del Proceso de Reforma de la Compensación y Liquidación Bursátil en España”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 119, Ano XXIX, Julio – Septiembre, 2010, p. 327. 141- A MEFF pode, contudo, em determinados casos, delegar estas funções em outras entidades. Estes casos serão objeto de acordos espe-cíficos e os seus termos serão identificados nas Condições Gerais dos contratos (artigos 2.º, n.º 2, al. e) e 20.º, n.º 1, do Regulamento MEFF).

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75 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

cesarán de tener derechos y obligaciones recí-

procas, pasando a tenerlos frente a MEFF

exclusivamente” (artigo 20.º, n.º 4, do Regula-

mento MEFF)142.

(iii) Negociação

I. O regime de negociação de contratos de futu-

ros encontra-se sujeito a um enquadramento

específico que define, por um lado, as regras de

negociação dos próprios contratos e a relação

entre os sujeitos envolvidos e, por outro lado, as

regras de negociação que se prendem com o

funcionamento do mercado. A análise da fase

de negociação dos contratos de futuros, cum-

prindo a sistematização proposta no início do

presente trabalho, percorrerá, em primeiro lu-

gar, o enquadramento jurídico sobre a negocia-

ção dos contratos de futuros, tal como previsto

pela LMV e pelo RD 1282/2010, passando,

subsequentemente, para a exposição das regras

definidas pelo mercado MEFF143.

Em relação às regras de negociação que se

prendem com o funcionamento do mercado,

sublinham-se as disposições legais sobre a ad-

missão à negociação, bem como sobre a sus-

pensão e a exclusão de instrumentos financeiros

admitidos à negociação. O n.º 1 do artigo 32bis

da LMV, remetendo para os regulamentos do

mercado a matéria relativa à admissão à negoci-

ação, determina, como princípio geral, que as

normas devem ser “claras y transparentes en

relación a la admisión a negociación de instru-

mentos financieros, que aseguren que éstos

puedan ser negociados de modo correcto, orde-

nado y eficiente (…)”. No caso específico dos

instrumentos financeiros derivados, a LMV

estabelece ainda que as normas devem garantir

que a formação do contrato objeto de negocia-

ção permita uma “correcta formación de preci-

os, así como la existencia de condiciones efecti-

vas de liquidación” (n.º 1 do artigo 32bis, in

fine, da LMV).

II. O artigo 33.º da LMV e o artigo 12.º do RD

1282/2010, sobre a suspensão da negociação,

conferem poderes à CNMV para a suspensão da

negociação de instrumentos financeiros preven-

do, de forma genérica, que esta ocorra sempre

que a CNMV detete situações irregulares que

possam por em causa os interesses dos investi-

dores e dos mercados. A competência para sus-

pender a negociação dos contratos é paralela-

mente conferida à entidade gestora do mercado

oficial nos termos definidos no seu próprio re-

gulamento; a lei remete, portanto, para as nor-

mas definidas pelo MEFF. Ao abrigo dos arti-

gos 34.º da LMV e 13.º do RD 1282/2010, con-

fere-se também poderes à CNMV para determi-

nar a exclusão do mercado de instrumentos fi-

nanceiros que não cumpram requisitos de difu-

são, frequência ou volume de negociação. A

competência para a exclusão de instrumentos

financeiros negociados em mercado é, igual-

mente, conferida à entidade gestora do merca-

do, a MEFF, devendo esta cumprir o estipulado

no respetivo regulamento.

Quanto à suspensão da negociação, o artigo 14.º

do Regulamento MEFF (que concretiza o

referido artigo 12.º do RD 1282/2010) estabele-

ce que a MEFF pode suspender a negociação

de contratos atendendo a razões de proteção

do mercado e dos seus membros. Quanto à

exclusão da negociação, o artigo 15.º do

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 75

142- Quanto ao momento e qualidade em que intervém a entidade gestora do mercado nos contratos de futuros, A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 63. Este aspeto será explorado no ponto (iii) seguinte. 143- Para dados estatísticos sobre o volume de contratos negociados no MEFF, cf. Comisión Nacional del Mercado de Valores, Informe anual de la CNMV sobre los mercados de valores y su actuación, 2011, disponível em www.cnmv.es, pp. 91-92 [consultado em 29 de abril de 2012].

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76 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Regulamento MEFF (que concretiza o referido

artigo 13.º do RD 1282/2010) determina que,

por razões de liquidez do mercado, a MEFF tem

poderes para excluir da negociação determina-

dos contratos. Neste último caso, contudo, a

decisão da MEFF que imponha a exclusão de

um contrato implica a não admissão à negocia-

ção de novas séries e que a negociação apenas

prossiga até ao vencimento dos contratos que

tenham posições abertas no mercado, “sin que

en ningún caso suponga la desaparición de las

obligaciones y los derechos asociados a dichos

Contratos abiertos” (artigo 15.º, in fine, do Re-

gulamento MEFF).

III. A negociação dos contratos de futuros ocor-

re, informaticamente, através da introdução pe-

los membros do mercado de ofertas no MEFF

SMART – sistema eletrónico de contratação.

Neste sistema, “la declaración contractual de

voluntad que emite el sujeto contratante se pro-

duce a traves de un medio o vehículo informáti-

co, por lo que constituye una declaración de

voluntad electrónica (…)”144. Estas ofertas co-

rrespondem às ordens que os membros do mer-

cado recebem dos seus clientes, caso estejam a

atuar em representação dos mesmos145; nos ter-

mos do artigo 39.º da LMV, quem adquire a

qualidade de membro do mercado secundário

oficial fica obrigado a executar, por conta dos

seus clientes, as ordens que receba dos mesmos

para a negociação dos valores no mercado.

O Regulamento MEFF desenvolve a forma co-

mo se processa a negociação dos contratos de

futuros, bem como o regime da sua formação.

Nos termos dos artigos 1.º, 10.º, n.º 4, e 12.º, n.º

6, todos do Regulamento MEFF, a negociação

dos contratos de futuros consubstancia-se no

momento através do qual “se da cumplimiento

a la Orden de compra o venta transmitida por

un Miembro al sistema de negociación del Mer-

cado. Para que una Orden de compra o venta

sea ejecutada, es necesario que exista otra Or-

den de compra o venta en sentido opuesto, refe-

rida a la misma Serie, que coincida en Prima

[no caso das opções] o Precio [no caso dos fu-

turos], según corresponda, o que los mejore”; a

execução de uma ordem de sinal contrário “da

lugar a una Transacción que, una vez confir-

mada por MEFF se anota en el Registro Cen-

tral dando lugar al nacimiento de las obliga-

ciones que surgen para las partes”146. Nos ter-

mos do artigo 12.º, n.º 4, do Regulamento

MEFF, vigora a regra da prioridade do registo,

sendo as ordens de compra e de venda proces-

sadas pela sua ordem de chegada. A execução

das ordens terá como critérios: (i) o melhor

preço; (ii) a antiguidade da ordem de compra ou

de venda; (iii) tipo ou volume da ordem de

compra ou de venda; e (iv) o tipo de ordem. A

MEFF define, através de circular, as caracterís-

ticas e os requisitos a que os diferentes tipos de

ordens de compra e de venda estão sujeitos147.

IV. Sobre a natureza do que encontramos no

Regulamento MEFF como orden, a doutrina

espanhola tem considerado a expressão impre-

cisa; “la ‘orden de Mercado’ (opto por esta

denominación, comprensiva de toda ‘orden’

que recoge las declaraciones negociales este-

reotipadas propias de un sistema electrónico de

contratación bursátil, como el Mercado de Fu-

turos y Opciones, sustanciado en una screen-

based multillateral negotiation) es la manifesta-

ción de la voluntad contractual del Miembro

144- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., pp. 210-211. 145- E. Días Ruiz, “Opciones y futuros…”, cit., p. 668. 146- Nos termos do artigo 1.º, n.º 5, do Regulamento MEFF, “Registro Central” consiste no “sistema de registro contable, gestionado por MEFF, de los Contratos registrados en las Cuentas abiertas por los Miembros en MEFF”. 147- Circular da MEFF C-DF-21/2011 sobre os tipos de ordens admitidas no mercado MEFF.

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77 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

sistema de contratación del Mercado, materia-

lizada en alguno de los tipos de declaraciones

posibles”148. As ordénes a que o Regulamento

MEFF se refere têm sido enquadradas juridica-

mente como verdadeiras ofertas. Neste sentido,

A. Contreras y Vilches defende que “la trans-

cendencia de la calificación como oferta de

contrato que es posible asignar a la orden de

Mercado reside en la consiguiente atribución a

ésta del régimen jurídico de la oferta contrac-

tual (…). Las materias esenciales que aborda el

régimen de la oferta atañen (…) sobre todo a su

vigencia; a la posibilidad o imposibilidad de su

modificación y revocación; a los efectos que, en

su caso, se siguen de éstas; y su función en la

perfección del contrato, por lo que resulta obli-

gado el análisis de la orden como oferta con-

tractual”149.

Tal como assinalámos na análise perfunctória

quanto à natureza da oferta no ordenamento

jurídico português, também a doutrina espanho-

la sublinha a especificidade desta oferta150. Se,

por um lado, é possível afirmar que “los ele-

mentos que caracterizan a la oferta de contrato

se dan en la orden de Mercado: se trata de una

declaración negocial efectuada con intención

real y seria por parte del emitente de concluir

un contrato; esta declaración tiene carácter

completo, de modo que integra toda la informa-

ción necesaria para concertar el negocio sobre

la oferta realizada”151, não pode deixar de notar

-se que, por outro lado, nas ordens relativas aos

contratos de futuros, “resulta difícil distinguir

entre oferta y aceptación: en principio, una

orden de Mercado puede configurarse indistin-

tamente como oferta o como aceptación, puesto

que el contenido de la orden no distingue entre

una y outra. En consecuencia no hay diferen-

cias ni externas ni en cuanto al destinatario en

las órdenes de Mercado para poder ser califi-

cadas como oferta o como aceptación”152.

Vemos, portanto, vincada a característica de

indiferenciação dos destinatários da oferta; a

ordem [rectius: oferta] lançada no sistema pelos

membros do mercado “se ofrece a la generali-

dad de participantes en la negociación, si bien

sólo se cruzará (será aceptada) por otra orden

simétrica inversa emitida por uno de los inter-

vinientes en la contratación”153.

V. Segundo o Regulamento MEFF, todas as

ordens de compra e de venda transmitidas ao

sistema de negociação são vinculativas “desde

el momento en que hayan sido aceptadas por

MEFF” (n.º 2, do artigo 12.º, do Regulamento

MEFF). Esta aceitação é condição de validade

do negócio jurídico; “MEFF deverá expressa-

mente aceptar una Orden de compra o venta,

así como su ejecución o cancelación, para que

tal Orden de compra o venta, ejecución o can-

celación sean válidas” (n.º 4, do artigo 12.º, do

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 77

148- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., p. 212. 149- Ibidem, p. 225 (sublinhado nosso). 150- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., pp. 61-62. 151- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., p. 225. Neste sentido, é também curioso assinalar a formulação de A. Madrid Parra para o qual, a partir da introdução da oferta no sistema, “se establece un mecanismo peculiar de negociación y perfección del contrato, que viene exigido por el hecho de negociarse a través de un sistema electrónico (…)”. Neste âmbito, o autor explica que “[s]i tiene que producir una nueva oferta, de parte compradora o vendedora, que se traduce en una orden (…) que se introduce en el sistema informático del mercado. Dicha orden se puede convertir en aceptación, si se encuentra en el ordenador central con una orden-oferta previa que cuadra o casa con

la misma. O bien una vez conocida la existencia de la oferta, ésta puede ser objeto de aceptación introduciendo la orden pertinente de

signo contrario que case con ella”. O autor conclui que “la perfección del contrato tiene lugar efectivamente en el momento en que coinci-den las voluntades de oferente y aceptante”, sublinhando, contudo, que “la determinación de esa coincidencia se produce por un ordena-dor central al constatar las existencia de órdenes coincidentes en sentido contrario, que son casadas automáticamente”, A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., pp. 62-63. 152- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., pp. 225-226. 153- Idem.

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78 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Regulamento MEFF).

A interposição da MEFF nos contratos de futu-

ros é explicada na doutrina espanhola através

do mecanismo da sub-rogação. Neste sentido,

A. Madrid Parra defende que “en el preciso

momento en que se perfecciona el contrato se

produce una ficción jurídica que da lugar, en

realidad, a la perfección de dos contratos com-

plementarios. En lugar de perfeccionarse un

contrato entre los dos miembros del mercado

contratantes, el negocio jurídico celebrado en-

tre ambos se formaliza o instrumenta mediante

su desglose en dos. En la relación jurídica en-

tre ambos se interpone la Sociedad Rectora del

mercado, que frente a cada parte contratante se

subroga en la posición de la otra”154; o autor

desenvolve a sua posição, referindo que “la fic-

ción consiste, pues, en substituir la relación

jurídica surgida del contrato negociado por

otros dos contratos de contenido económico

equivalente para cada una de las partes, pero

con la ventaja añadida de que la nueva contra-

parte en la relación contractual no es ya un

miembro o cliente anónimo del mercado, sino

la Sociedad Rectora de éste que garantiza el

buen fin del contrato”155. Verifica-se, assim, na

doutrina espanhola o entendimento segundo o

qual a MEFF “por subrogación resulta compra-

dora frente al vendedor y, en los mismos térmi-

nos, vendedora frente al comprador”156.

A MEFF assume, na qualidade de contraparte, a

obrigação de realizar a liquidação financeira ou

física dos contratos, verificando-se o direito dos

membros, consoante a classe a que pertençam, a

“[r]ecibir los importes en efectivo correspon-

dientes a las Operaciones registradas en sus

Cuentas (…); [r]ecibir el precio pactado a cam-

bio del Activo Subyacente, o recibir el Activo

Subyacente a cambio del precio pactado en la

forma que se determine en las Condiciones Ge-

nerales, en las Circulares y en las Instrucciones

que MEFF publique” (als. b) e c), do n.º 1, do

artigo 5.º, do Regulamento MEFF).

Para garantia das posições da MEFF contra o

incumprimento dos seus membros, estão estes

obrigados a prestar garantias (al. f), do n.º 2, do

artigo 5.º do Regulamento MEFF), matéria de

que tratará o ponto seguinte.

(iv) Gestão de posições

e prestação de garantias

I. O tempo que medeia entre a celebração do

contrato e a sua execução numa determinada

data futura implica que no mercado em que es-

tes contratos são negociados se mantenham

abertas posições que correspondem às ofertas

de compra ou de venda introduzidas pelos

membros do mercado, com vista à realização

de operações157. Para mitigar os riscos de

incumprimento inerentes ao funcionamento do

mercado, a realização de operações de futuros

pressupõe a existência de um sistema de

segurança, cujos contornos compete à entidade

gestora do mercado definir, e que se materiali-

za, entre outros mecanismos, nos ajustes de

ganhos e perdas, bem como na constituição de

garantias158.

154- A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., p. 63 (sublinhado nosso). 155- Idem. 156- Idem. 157- Sobre o “tiempo de la obligación”, A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., p. 414. 158- Alfonso de Contreras y Vilches, “Las garantías del contrato de futuros financieros”, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, n.º 89, Ano XXII, Enero – Marzo, 2003, p. 132.

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79 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

II. O mecanismo de ajustes de ganhos e perdas

corresponde no sistema jurídico espanhol à li-

quidación diária de ganancias y perdidas que

tem, portanto, fundamentalmente, como função

“disminuir el riesgo de incumplimiento a la vez

que facilita una liquidación diaria de una in-

versión a medio o largo plazo”159. Chamando a

atenção para a utilização imprópria do termo

liquidação quando este se reporta aos ajustes

diários de ganhos e perdas, A. Contreras y

Vilches explica que, no âmbito das operações

de mercado, a liquidação, genericamente, cor-

responde à “consumación de la operación bur-

sátil; es decir, la entrega (material o fictícia) de

los valores negociados y el pago del precio”160.

Em termos genéricos, a liquidação do contrato

corresponde, portanto, à execução do mesmo. A

liquidação do contrato de futuros implica, con-

tudo, uma leitura distinta do que se entende por

liquidação. Como explica o autor, a liquidação

dos contratos futuros que se negoceiam em

mercado regulamentado é uma operação com-

plexa que se realiza através de uma sucessão de

procedimentos, implicando, designadamente, o

apuramento diário do quantum da prestação, a

identificação das partes e a consolidação dos

saldos líquidos resultantes do cruzamento das

posições abertas no mercado161.

Nos termos dos artigos 21.º e 1.º, n.º 5, do Re-

gulamento MEFF, a liquidación de pérdidas y

ganancias dos contratos registados em conta

consiste na “liquidación periódica en efectivo

de las diferencias entre el Precio del Contrato y

el Precio de Liquidación, o entre el último Pre-

cio de Liquidación y el del día del cálculo para

los Contratos que ya estuviesen abiertos al

inicio del día del cálculo. (…) Las Condiciones

Generales de los Contratos pueden establecer

que la Liquidación de Pérdidas y Ganancias se

incorpore a las Garantías por Posición. La Li-

quidación de Pérdidas y Ganancias se efectua-

rá con la periodicidad que establezcan las Con-

diciones Generales. A falta de estipulación

expresa, la Liquidación de Pérdidas y Ganan-

cias se efectuará diariamente”. O Regulamento

MEFF descreve, portanto, o procedimento dos

ajuste de ganhos e perdas a que os contratos de

futuros (ou as posições que eles representam no

mercado) ficam sujeitos quando transacciona-

dos no mercado MEFF.

Por último, referimos que as Condiciones Ge-

nerales da MEFF relativas aos contratos de fu-

turos que temos vindo a analisar estabelecem –

quer para os contratos que admitem liquidação

física, quer para os contratos que admitem li-

quidação financeira –, que a periodicidade dos

ajustes de ganhos e perdas é diária, realizando-

se em dinheiro com base na diferença calculada

por referência ao preço de liquidação diária da

sessão anterior (cláusula 8.º das Condiciones

Generales).

III. A prestação de garantias no âmbito das ope-

rações a prazo merece especial atenção na LMV

e no RD 1282/2010, bem como nas regras do

mercado MEFF. Note-se que a finalidade dos

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 79

159- E. Días Ruiz, “Opciones y futuros…”, cit., p. 672. 160- A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., p. 424. 161- A determinação do âmbito da operação de liquidação não é, portanto, linear e, para efeitos, teóricos-expositivos, a doutrina espanhola avança diferentes formas de tratar o tema. Neste sentido, A. Contreras y Vilches sugere que, o que a lei designa por liquidação deve abarcar “el conjunto de operaciones que compreende la ejecución [diaria] del contrato, con inclusión de aquellas que son necesárias para la determinación de sujetos y quantum de dicha prestación principal de pago de las pérdidas, así como la asignación de los resultados de esa

actividad a cada protagonista o agente del Mercado, compensándose el saldo resultante de cada contrato con el conjunto de posiciones

abiertas que mantiene en el Mercado”. A segunda fase ou, como o próprio autor refere, a “fase de pagamento” compreenderia, por seu turno, “los actos de pago de las prestaciones, una vez determinadas éstas e integrado su importe en el saldo global del sujeto”, A. Contreras y Vilches, El contrato…, cit., pp. 427-429.

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80 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

montantes prestados a título de garantia preten-

de assegurar o cumprimento do contrato, evi-

tando riscos para o mercado. Sobre a estreita

relação entre o regime de garantias e o funcio-

namento do próprio mercado, A. Contreras y

Vilches sublinha que a prestação de garantias é

mesmo considerada por alguns autores como

uma verdadeira “condición legal” para que o

mercado possa operar162.

Quanto ao regime de garantias, o artigo 59.º da

LMV remete para o regulamento do mercado de

futuros a definição dos seus contornos (n.º 7 da

referida disposição), determinando que “[l]as

garantías que los miembros del correspondien-

te mercado y los clientes constituyan (…) sólo

responderán frente a las entidades a cuyo favor

se constituyeron y únicamente por las obligaci-

ones que de tales operaciones deriven para con

la sociedad rectora o los miembros del corres-

pondiente mercado” (n.º 8 da mesma disposi-

ção).

O artigo 23.º do RD 1282/2010 remete, igual-

mente, para o regulamento do mercado a defini-

ção dos contornos do regime de garantias, esta-

belecendo que estas devem prestar-se atenden-

do a um conjunto de fatores, como as posições

abertas que os membros mantenham no merca-

do, a categoria de membros do mercado e as

funções que cada membro desempenhe no mer-

cado. O artigo 24.º do RD 1282/2010 determina

que o regulamento do mercado pode prever a

constituição de uma garantia coletiva, obrigató-

ria para todas ou para determinadas categorias

de membros.

Perscrutaremos, então, o regime da prestação

de garantias previsto no Regulamento MEFF.

Nos termos da al. f), do n.º 2, do seu artigo 5.º

prevê-se que os membros do mercado, depen-

dendo da classe a que pertençam, estão obriga-

dos à prestação de garantias. Os artigos 22.º e

ss. do Regulamento MEFF elencam as garantias

exigidas por contas abertas no registo central da

MEFF, estabelecendo-se que a “MEFF podrá

exigir todas o algunas de las siguientes clases

de Garantías en relación con las Cuentas

abiertas en el Registro Central (…): A. Garan-

tía por Posición, cuya finalidad es cubrir el

riesgo de la Posición de cada Cuenta; B. Ga-

rantía Individual, cuya finalidad es cubrir el

riesgo de MEFF en relación con los Miembros

Liquidadores; C. Garantía Extraordinaria, cu-

ya finalidad es cubrir el riesgo de MEFF en

situaciones extraordinarias; e D. Garantía Co-

lectiva, cuya finalidad es cubrir los eventuales

saldos deudores resultantes de la adopción de

las correspondientes medidas en caso de In-

cumplimiento de un Miembro Liquidador In-

cumplidor” (artigo 22.º, nº 1, do Regulamento

MEFF)163.

O Regulamento MEFF estipula ainda, no seu

artigo 23.º, que os membros do mercado devem

exigir aos seus clientes a prestação de garantias

“con la finalidad de cubrir el riesgo propio de

la Posición correspondiente a cada una de esas

Cuentas, así como las circunstancias de riesgo

que concurran en el Cliente”. O montante des-

tas garantias, segundo o Regulamento MEFF,

deve ser definido com base nos critérios de ava-

liação de risco utilizados pela própria MEFF,

impondo-se que “en ningún caso su importe

podrá ser inferior al que exigiría el MEFF para

la misma posición” (n.º 2, in fine, do artigo 23.º

do Regulamento MEFF).

Por fim, ainda no âmbito do regime de garan-

tias, e como válvula de segurança última do

162- A. Contreras y Vilches, “Las garantias…”, cit., p. 144. 163- O anterior Regulamento MEFF previa apenas três tipos de garantias, i.e., garantias iniciais, diárias e extraordinárias. Neste sentido, A. García Rodríguez, “Nuevo Reglamento de MEFF”, cit., p. 271 e E. Días Ruiz, “Nueva Normativa Reglamentaria…”, cit., p. 75.

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81 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

sistema, o Regulamento MEFF prevê que a

própria MEFF reserve um montante dos seus

fundos próprios para cada grupo de contratos,

com o objetivo de “en concepto de garantía”,

assegurar a cobertura de “eventuales saldos ne-

gativos (…) en caso de Incumplimiento de un

Miembro Liquidador que (…) excedan del im-

porte resultante de la suma de las Garantías

por Posición, Extraordinarias, Individual y de

la aportación a la Garantía Colectiva de dicho

Miembro Incumplidor” (artigo 25.º, n.º 1, do

Regulamento MEFF)164.

(V) Liquidação

I. O cumprimento das obrigações que decorrem

para as partes dos contratos de futuros pode

ocorrer antes da data do seu vencimento, atra-

vés do processo de liquidação diário de ganhos

e perdas, ou na data do seu vencimento165.

II. Nos termos do artigo 44bis da LMV e do

artigo 14.º do RD 1282/2010, prevê-se a criação

de uma entidade (sociedade de gestão de siste-

mas de registo, compensação e liquidação de

valores) a quem incumbe a função de gerir o

sistema de liquidação e compensação do merca-

do. Os artigos 44ter e 59.º da LMV esclarecem

que também a contraparte central no mercado

de futuros pode proceder à liquidação das obri-

gações que resultarem da execução das opera-

ções166.

III. Nos termos dos artigos 1.º, n.º 5, e 21.º do

Regulamento MEFF, a liquidação é um termo

utilizado de forma ampla que tanto compreende

a liquidação de perdas e ganhos que, como veri-

ficámos, ocorre, em regra, diariamente167, como

as diferentes modalidades através das quais

a liquidação pode ocorrer. O Regulamento

MEFF distingue, assim, entre liquidação por

diferenças (ou liquidação financeira) e a liqui-

dação através da entrega do ativo subjacente

(ou liquidação física). A liquidação financeira,

nos termos do Regulamento MEFF, consiste no

“procedimiento por el cual el cumplimiento del

Contrato en las Fechas de Liquidación se pro-

duce únicamente mediante la transmisión en

efectivo de la diferencia entre el precio o pre-

cios pactados en el Contrato y el Precio de Li-

quidación” (artigo 1.º do Regulamento MEFF).

A liquidação física consiste no “procedimiento

por el cual el cumplimiento del Contrato en las

Fechas de Liquidación se produce mediante la

entrega del Activo Subyacente por la parte que

debe vender a la parte que debe comprar, a

cambio del Precio de Entrega” (artigo 1.º do

Regulamento MEFF).

Quanto aos procedimentos a adotar para que a

liquidação ocorra, o Regulamento MEFF esti-

pula que cabe à MEFF realizar junto do mem-

bro liquidador o pagamento dos montantes em

dinheiro ou entregar o ativo subjacente que

corresponda aos contratos registados nas contas

do registo central. O Regulamento remete

para as Condiciones Generales a definição do

“momento en que se entenderá producido el

cumplimiento de las obligaciones de MEFF en

relación con la entrega del Activo Subyacente,

de acuerdo con las características propias y el

régimen aplicable en el mercado o sistema de

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 81

164- Para uma descrição e análise aprofundada do sistema de garantias no ordenamento jurídico espanhol, à luz, contudo, do anterior Regulamento MEFF, A. Contreras y Vilches, “Las garantias…”, cit., p. 137. 165- A liquidação corresponde, como sublinhámos, à execução do contrato, ou seja, ao momento em que se verifica o cumprimento das obrigações a que as partes contratualmente se obrigaram, A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., pp. 421-422. 166- Para uma descrição pormenorizada do sistema de compensação e liquidação em Espanha (ainda que à luz da LMV, na sua redação de 94), Ubaldo Nieto Carol, “Sistema de liquidación y compensación de operaciones bursátiles”, in AA.VV., Derecho del Mercado Financiero - Tomo II, Operaciones Bancarias de Gestión de Garantías, Operaciones Bursátiles – Volumen 2, Madrid: Civitas, 1994, p. 573, §IV. 167- Cf. ponto (iv) anterior.

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82 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

liquidación correspondiente a las Operaciones

que deben ejecutarse sobre el Activo Subyacen-

te”. A liquidação financeira, nos termos do

Regulamento MEFF, poderá ocorrer por

“compensación multilateral de los saldos

acreedores y deudores de efectivo de cada

Miembro Liquidador, incluyendo las comisio-

nes debidas a MEFF” (artigo 21.º, n.º 3, do

Regulamento MEFF).

Quanto à relação entre os membros do mercado

e os seus clientes no âmbito da liquidação, o

Regulamento MEFF prevê a realização por

estes “[d]el pago de las liquidaciones en efecti-

vo y la entrega del Activo Subyacente corres-

pondientes a los Contratos registrados en sus

Cuentas”, estipulando que o cumprimento das

obrigações entre os membros do mercado e os

seus clientes no âmbito da liquidação financeira

“(…) se produce en el momento en que el Mi-

embro Liquidador correspondiente pone el

efectivo a disposición de MEFF” (artigo 21.º,

n.º 4, 2.ª parte, do Regulamento MEFF). No

âmbito da liquidação física, o Regulamento

MEFF prevê que o cumprimento das obrigações

que resultem para os membros do mercado e os

seus clientes “se produce cuando la operación

sobre el Activo Subyacente se ha efectuado de

acuerdo con lo establecido en las correspondi-

entes Condiciones Generales de cada Contrato

y Circulares” (artigo 21.º, n.º 4, in fine, do Re-

gulamento MEFF). Nos termos das Condicio-

nes Generales dos contratos de futuros que ad-

mitem liquidação física, a liquidação do contra-

to ocorre na data em que se realizem as com-

pras e vendas de ações que se liquidam no pra-

zo correspondente; nos contratos de futuros que

admitem apenas liquidação financeira, a liqui-

dação realiza-se com referência ao dia útil se-

guinte ao da data de vencimento (cláusula 3.ª

das Condiciones Generales).

3. SÍNTESE COMPARATIVA

I. Considerações gerais. A presente secção pre-

tende sistematizar as diferenças e as semelhan-

ças encontradas quanto ao regime jurídico dos

contratos de futuros sobre ações nos ordena-

mentos jurídicos português e espanhol, bem

como nos respetivos mercados onde os mesmos

são operados, complementando, quando perti-

nente, as posições avançadas ao longo do pre-

sente exercício.

II. Dos mercados de futuros. A título prelimi-

nar, assinala-se que a criação dos mercados de

futuros ocorreu tanto em Portugal como em

Espanha na década de 90, com o início da ativi-

dade, respetivamente, da Bolsa de Derivados do

Porto e do MEFF. No momento da sua criação,

a Bolsa de Derivados do Porto e o MEFF parti-

lhavam o mesmo sistema de negociação, facto

que naturalmente terá contribuído para aproxi-

mar os dois mercados. Atualmente, contudo,

esta coincidência não se verifica. Na sequência

da incorporação do mercado bolsista português

no Grupo Euronext, o segmento do mercado de

futuros português passou a integrar a LIFFE

CONNECT, plataforma de negociação dos con-

tratos de futuros, nomeadamente o SSF, dando

continuidade ao projeto iniciado na década de

90 com a – hoje extinta – Bolsa de Derivados

de Porto. Em Espanha, os futuros continuam a

ser negociados no MEFF.

Quanto ao âmbito territorial dos mercados, de-

notámos uma distinção que se prende com a

organização administrativa dos dois países em

análise. Em Espanha, para além dos mercados

previstos expressamente na LMV, como o mer-

cado de futuros, de âmbito estatal, prevê-se a

possibilidade de criar mercados com âmbito

territorial autonómico, sendo as respetivas

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83 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

Comunidades Autonómicas as entidades com-

petentes para autorizar a criação destes merca-

dos. Os mercados regulamentados em Portugal

têm âmbito nacional, não estando prevista a

possibilidade de criar mercados regulamentados

com âmbito territorial distinto.

III. Da noção (legal) e natureza dos futuros.

Sublinhamos que, atualmente, a noção legal de

futuros é inexistente, tanto em Portugal, como

em Espanha. Em ambos os ordenamentos jurí-

dicos, os futuros reconduzem-se ao elenco dos

instrumentos financeiros plasmados, respetiva-

mente, no CVM, em Portugal, e na LMV, em

Espanha. Este elenco reflete as diretrizes da

DMIF, pelo que não existem diferenças a assi-

nalar.

Ainda em relação à noção de futuros, sublinha-

mos que em Portugal as versões anteriores ao

CVM não consagravam especificamente uma

definição de futuros, mas de operações a prazo

nas quais se elencavam os futuros como uma

modalidade; a noção de futuros era apenas con-

ferida pelo Regulamento da BDP. Em Espanha,

diferentemente, o RD 1814/1991 conferia, ex-

pressamente, uma definição de futuros. Esta

noção legal vigorou até 2010, ano em que o

referido diploma foi revogado.

Com base nos elementos identificados na legis-

lação pretérita, bem como nos atuais regula-

mentos dos mercados LIFFE e MEFF, parece-

nos possível gizar uma noção de futuros que

sublinhe os seus elementos fundamentais; nes-

tes termos, futuros são contratos a prazo, padro-

nizados, em que o comprador se obriga a pagar

o preço acordado e o vendedor a entregar o ati-

vo subjacente numa data pré-determinada

(liquidação física) ou em que ambos os contra-

entes se obrigam a pagar a diferença entre o

preço do contrato e o preço de referência no

vencimento (liquidação financeira), sendo cele-

brados em mercado regulamentado, com a in-

terposição obrigatória de uma contraparte cen-

tral.

Não encontramos na doutrina consenso em rela-

ção à natureza do contrato. Como verificámos

pelo iter histórico percorrido, os futuros têm

como antecedente os contratos de compra e

venda a prazo e, no âmbito destes, aqueles que

se transacionam em bolsas. Neste contexto, o

esquema negocial dos futuros encontra-se de-

calcado sobre o contrato de compra e venda,

encontrando-se amiúde a terminologia associa-

da a este tipo contratual (e.g. referência aos in-

tervenientes no contrato como comprador e

vendedor).

Nas suas origens, os contratos de futuros ti-

nham por objeto mercadorias, exigindo, assim,

uma liquidação física. Neste contexto, os futu-

ros assumiam-se como contratos de compra e

venda a prazo negociados em bolsa, caracteriza-

dos pela padronização dos seus termos e condi-

cionados pelas regras próprias de funcionamen-

to de cada mercado. Contudo, a possibilidade

de estes contratos terem como ativo subjacente

realidades tão diversas como taxas de juro, índi-

ces financeiros, índices económicos, que, pela

sua própria natureza, não são passíveis de liqui-

dação física, abriu o debate sobre a sua qualifi-

cação jurídica (e.g. contrato de compra e venda

independentemente da modalidade de liquida-

ção ou apenas quando esteja prevista a liquida-

ção física; aposta; contratos diferenciais)168.

Sem que tenhamos a pretensão de esgotar o te-

ma, aventamos – de forma, repita-se, preliminar

– que, quando dos contratos de futuros resulte

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 83

168- Sobre a natureza dos futuros que – dado o âmbito do presente estudo – não podemos desenvolver, na doutrina portuguesa, Amadeu J. Ferreira, “Operações de Futuros e Opções”, cit., pp. 128 e ss.; M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., pp. 103 e ss.; A. Monteiro, Os Contratos…, cit., pp. 46 e ss.; na doutrina espanhola, A. Madrid Parra, Contratos y Mercados…, cit., pp. 29-35, 79-80; J. Sanz Caballero, Derivados Financeiros, cit., pp. 232 e ss.; A. Contreras y Vilches, El Contrato…, cit., pp. 29 e ss.

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84 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

para os contraentes a obrigação de adquirir ou

de alienar numa data futura ativos que permi-

tam entrega física, cremos que estes têm a natu-

reza de contratos de compra e venda, a prazo,

dado que no seu vencimento permitem a entre-

ga dos ativos contra o pagamento do preço e a

transmissão da propriedade do ativo ou da titu-

laridade do direito (artigo 879.º do Código Ci-

vil). O mesmo não nos parece possível defender

quando do contrato resulte a obrigação de pagar

ou o direito de receber numa data futura a dife-

rença entre um valor de referência inicial e o

valor de mercado nessa data de ativos financei-

ros ou meramente nocionais como índices ou

taxas de juro. Neste caso, não será possível a

verificação da entrega do ativo (dada a natureza

financeira ou meramente nocional dos mes-

mos), nem o pagamento do preço (dado que

nestes contratos as partes obrigam-se apenas ao

pagamento da diferença entre o preço estipula-

do no contrato e o preço de referência apurado

no vencimento do mesmo). Consideramos as-

sim que, neste último caso, os futuros têm natu-

reza de contratos diferenciais169.

IV. Da estrutura dos contratos. Sublinha-se,

preliminarmente, que, em Espanha, é o RD

1282/2010 que elenca os elementos que devem

ser incluídos nas cláusulas gerais dos contratos

de futuros; em Portugal, este elenco é conferido

por via regulamentar, através do Regulamento

da CMVM 3/2007. A competência para aprovar

os termos das cláusulas gerais dos contratos de

futuros é conferida, em ambos os ordenamentos

jurídicos, às respetivas autoridades de supervi-

são, a CMVM, em Portugal, e à CNMV, em

Espanha.

A característica padronizada dos contratos futu-

ros é expressamente referida em ambos os orde-

namentos jurídicos, competindo à entidade ges-

tora dos respetivos mercados a elaboração das

suas cláusulas gerais. Quanto à elaboração do

conteúdo dos contratos, verificámos que, no

direito espanhol, o artigo 11.º do RD 1282/2010

refere expressamente que as condições gerais

dos contratos de futuros têm de redigir-se de

forma clara e precisa. No direito português, o

artigo 207.º do CVM não contém qualquer

menção específica quanto à forma clara e preci-

sa que deve ser adotada na elaboração dos con-

tratos de futuros. Contudo, chama-se a atenção

para o artigo 7.º do CVM que, quanto à qualida-

de da informação, refere que “a informação

respeitante a instrumentos financeiros (…) deve

ser completa, verdadeira, atual, clara, objecti-

va e lícita” (n.º 1, do artigo 7.º, do CVM). Inte-

grada no Título I (Disposições Gerais) do

CVM, a referida disposição é transversal ao

diploma e, por isso, aplicável às cláusulas ge-

rais dos contratos de futuros.

Em ambos os ordenamentos jurídicos, são

exemplificativas as normas que elencam o con-

teúdo que as cláusulas gerais devem prever.

Ainda que as normas quanto ao conteúdo das

cláusulas gerais dos contratos de futuros sejam

semelhantes nos dois ordenamentos jurídicos,

verificam-se algumas diferenças. Enquanto o

Regulamento da CMVM 3/2007 prevê que as

cláusulas gerais incluam os limites mínimos de

variação de preços, bem como o primeiro e o

último dia de negociação de cada ciclo de ven-

cimento (dois itens não elencados na legislação

espanhola); o RD 1282/2010 prevê que as cláu-

sulas gerais incluam as funções da sociedade

gestora, bem como a indicação dos membros

com acesso à negociação ou ao registo para

efeitos de contraparte central e as regras relaci-

onadas com as garantias exigidas (elementos

que não se encontram expressamente previstos

no Regulamento da CMVM 3/2007).

169- Neste sentido, A. Monteiro, Os Contratos…, cit., p. 73; C. Ferreira de Almeida, “Contratos Diferenciais”, cit., p. 19 e, do mesmo autor, Contratos II…, cit., p. 137; também M. Cunha, “Os Futuros de Bolsa…”, cit., p. 120, na parte em que afasta perentoriamente a natureza de compra e venda quanto se trate de futuros com mera liquidação financeira.

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85 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A função dos contratos de futuros, bem como o

seu objeto e sujeitos são aspetos semelhantes

nos dois ordenamentos jurídicos. A cobertura

ou redução da exposição ao risco é a função

social ou a motivação específica dos contratos

de futuros. O objeto imediato do contrato con-

substancia-se nas prestações contratuais que

resultam da relação contratual. De entre o feixe

de direitos e obrigações que resultam destes

contratos salientam-se, por um lado, os direitos

e deveres recíprocos de compra do ativo subja-

cente e de pagamento do preço pré-determinado

numa data futura (liquidação física) ou de paga-

mento das diferenças pecuniárias apuradas nu-

ma data futura (liquidação financeira) e, por

outro lado, o cumprimento de outras obrigações

perante a entidade gestora do mercado onde

estes contratos são celebrados. O objeto media-

to dos contratos de futuros consubstancia-se no

ativo subjacente, cujo elenco, que resulta da

transposição da DMIF, é comum aos dois orde-

namentos jurídicos. Quanto aos sujeitos, os

contratos de futuros negociados em mercado

regulamentado são multilaterais, envolvendo

compradores e vendedores, bem como a entida-

de gestora do mercado, contraparte central,

membros negociadores, compensadores e cria-

dores do mercado.

V. Da negociação dos contratos. A padroniza-

ção que caracteriza os contratos de futuros pre-

tende assegurar uma maior eficiência e liquidez

do mercado, mitigando os custos de transação e

acelerando a velocidade de negociação. Esta

característica limita, contudo, a negociação dos

seus termos, restringindo-se esta ao preço e à

quantidade. Quanto à negociação dos futuros, o

CVM e a LMV limitam-se a remeter a matéria

para as regras definidas pelos mercados onde os

contratos são negociados. A negociação dos

contratos de futuros segue, assim, as regras de-

finidas pelos regulamentos dos respetivos mer-

cados onde são operados, não se encontrando

regras materialmente distintas. Cada um dos

mercados conta com uma plataforma eletrónica

de negociação (LIFFE CONNECT, no mercado

NYSE-EURONEXT, e MEFF SMART, no

mercado MEFF) onde o processo se inicia com

a introdução, pelos membros (negociadores)

dos respetivos mercados, de ofertas (segundo a

terminologia utilizado no direito português) ou

de órdenes (segundo a terminologia utilizada no

direito espanhol) que, funcionalmente, não assi-

nalam diferenças.

A formação do contrato ocorre, assim, através

do cruzamento de ofertas que correspondem à

intenção, por um lado, de comprar e, por outro

lado, de vender; o contrato forma-se através do

cruzamento destas ofertas de conteúdo, total ou

parcialmente, coincidente que correspondem a

posições contratuais simétricas.

Em relação à natureza destas ofertas, não assi-

nalamos diferenças de regime. No direito portu-

guês, cremos estar perante ofertas em sentido

próprio; são ofertas dirigidas ao público e, co-

mo ofertas dirigidas ao público, são realizadas a

pessoas indeterminadas. Contudo, têm caracte-

rísticas sui generis (cf. ponto 2.2.A.(iii), §IV,

para a análise da questão à luz do direito portu-

guês). Sobre a natureza do que o Regulamento

MEFF qualifica como órdenes, a doutrina espa-

nhola tem considerado a expressão imprecisa,

tendo, igualmente, enquadrado esta realidade,

em termos jurídicos, como verdadeiras ofertas

(cf. ponto 2.2.B.(iii), §IV, para a análise da

questão à luz do direito espanhol).

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 85

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86 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A interposição de contraparte central é um re-

quisito obrigatório na negociação dos contratos

de futuros, em ambos os mercados da NYSE-

Euronext LIFFE e MEFF. Uma diferença a sub-

linhar em relação a este ponto prende-se com a

entidade que assume a função de contraparte

central. No mercado de futuros da NYSE-

Euronext LIFFE, a função de contraparte cen-

tral é assumida pela LCH.Clearnet, S.A., enti-

dade distinta da entidade gestora do mercado;

no mercado de futuros espanhol, é a própria

MEFF que desempenha a função de contraparte

central em todos os contratos negociados no seu

mercado. Em Espanha, a MEFF cumula, por-

tanto, as funções de entidade gestora do merca-

do com as de contraparte central.

Em relação à assunção da posição de contrapar-

te central, fomos levados a configurar o seu

enquadramento jurídico, nomeadamente por

vislumbrarmos nas regras da LCH.Clearnet a

sua configuração como novação. A doutrina,

em ambos os ordenamos jurídicos, não é unâni-

me quanto à qualificação desta realidade, falan-

do alguns autores em novação, outros em sub-

rogação, outros ainda em cessão da posição

contratual. Face ao regime em vigor nos dois

ordenamentos jurídicos, aventamos defensável

que a interposição da contraparte central impli-

ca que esta, face ao vendedor, fique sub-rogada

nos direitos e deveres do comprador e que, face

a este, fique sujeita aos direitos e deveres do

vendedor, afastando-se, assim, o instituto da

novação (cf. 2.2.A.(iii), §VI e 2.2.B.(iii), §V,

para a análise da questão à luz do direito portu-

guês e espanhol, respetivamente).

Ambos os ordenamentos jurídicos preveem re-

gras semelhantes sobre as situações suscetíveis

de desencadear a suspensão da negociação de

instrumentos financeiros e a exclusão dos mes-

mos à negociação, bem como as entidades com

poderes para intervir em tais situações (a

CMVM, em Portugal; a CNMV, em Espanha).

Em Portugal, estas regras estão previstas no

CVM e desenvolvidas por via regulamentar.

Em Espanha, o regime da suspensão e da exclu-

são está apenas previsto no RD 1218/2010. Os

regulamentos da NYSE-Euronext LIFFE e da

MEFF incluem, igualmente, regras sobre sus-

pensão e exclusão, conferindo às respetivas en-

tidades gestoras do mercado poderes de inter-

venção dentro dos limites definidos por via le-

gal.

VI. Do ajuste de ganhos e perdas e sistema de

garantias. Em ambos os ordenamentos jurídi-

cos, estão previstos mecanismos que pretendem

mitigar os riscos associados à operação dos

contratos de futuros. De entre estes mecanis-

mos, sublinham-se o ajuste de ganhos e perdas

e o sistema de garantias.

O ajuste de ganhos e perdas encontra-se previs-

to em ambos os ordenamentos jurídicos, estan-

do consagrado, em Portugal, no CVM e desen-

volvido, regulamentarmente, através do Regula-

mento da CMVM 5/2007, e, em Espanha, na

LMV e no RD 1218/2010. Os regulamentos dos

mercados contêm, igualmente, regras sobre o

funcionamento deste mecanismo. O Regula-

mento MEFF refere-se ao mecanismo como

“liquidación de pérdidas y ganancias”. Em

Portugal, o CVM refere-se a este mecanismo

apenas como “ajuste de ganhos e perdas”. O

termo “liquidação” é introduzido pelo Regula-

mento 5/2007, quando, no seu artigo 14.º, sob a

epígrafe “liquidação diária e liquidação no

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87 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

vencimento”, prevê que “diariamente te[nha]

lugar a liquidação de ajuste de ganhos e perdas

de acordo com preços de referência calculados

pela entidade gestora do mercado regulamenta-

do, sistema de negociação multilateral ou enti-

dade que assume a posição de contraparte cen-

tral, salvo distinta previsão nas condições ge-

rais dos contratos”. A terminologia utilizada

pelo ordenamento jurídico português e espanhol

não é, assim, totalmente coincidente; cremos,

porém, que, funcionalmente, o mecanismo

cumpre o mesmo objetivo.

Em ambos os ordenamentos jurídicos, está,

igualmente, prevista a prestação de garantias

pelos membros do mercado e seus clientes a

favor da contraparte central, que se interpõe em

todos os contratos realizados nos respetivos

mercados. Em Espanha, o regime encontra-se

consagrado por via legal; em Portugal, o regime

está previsto tanto no CVM, como no Regula-

mento da CMVM 5/2007. Ambos os ordena-

mentos jurídicos remetem os contornos do regi-

me de garantias para as regras definidas pelos

próprios mercados.

Note-se que, diferentemente do regime espa-

nhol, a lei portuguesa indica que “[a] exposição

ao risco da contraparte central e dos seus

membros deve ser coberta por cauções, desig-

nadas margens, e outras garantias” (n.º 1 do

artigo 261.º do CVM). Também os regulamen-

tos do mercado (e.g. LCH.Clearnet Clearing

Book) utilizam o termo margens. Tal como

identificámos (cf. ponto 2.2.A.(iv), §IV), a

prestação de caução a título de garantia tem

como objetivo prevenir o cumprimento de obri-

gações assumidas pela LCH.Clearnet que, na

qualidade de contraparte do membro compensa-

dor, assume a obrigação de realizar a liquidação

financeira ou física dos contratos. Para assegu-

rar as posições da LCH.Clearnet contra o in-

cumprimento dos membros compensadores,

estão estes obrigados a prestar garantias, nos

termos definidos por lei e pelos regulamentos

do mercado. Consideramos, assim, que a refe-

rência ao termo margem pela lei portuguesa não

é mais do que a aproximação da sua letra aos

termos utilizados pela gíria dos mercados, o que

não deve afastar esta realidade do instituto jurí-

dico das garantias (cf. pontos 2.2.A.(iv), §IV e

2.2.B.(iv) para o enquadramento da questão à

luz do direito português e espanhol, respetiva-

mente).

Os regulamentos da LCH.Clearnet e da MEFF

definem os tipos de garantias exigidos aos seus

membros, bem como aos clientes destes. A

LCH.Clearnet exige aos seus membros uma

margem inicial e por variações, ambas debita-

das ou creditadas pela LCH.Clearnet numa base

diária nas contas dos seus membros, consoante

os ganhos e perdas verificados no mercado. Es-

tá, igualmente, prevista uma margem intradiá-

ria, imposta e debitada pela LCH.Clearnet para

fazer face a situações extraordinárias, e uma

margem adicional, que, para além das anterio-

res, será exigida sempre que a LCH.Clearnet

considere “adequado” e “necessário” tendo em

conta a situação particular ou a natureza do ins-

trumento financeiro. Está, igualmente, previsto

um “default fund”, fundo para cobrir situações

de incumprimento dos membros do mercado

(pontos 4.3.0.1 e ss. do Clearing Rule Book). A

MEFF exige garantias por posição, individual,

extraordinária e colectiva. A garantia por posi-

ção pretende cobrir o risco associado à posição

aberta nas contas registadas no sistema central

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 87

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88 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

da MEFF; a garantia individual pretende cobrir

o risco da MEFF em relação aos membros li-

quidadores; a garantia extraordinária tem co-

mo finalidade a cobertura do risco da MEFF em

situações extraordinárias; por fim, com a garan-

tia coletiva pretende-se cobrir os eventuais sal-

dos negativos que resultarem do incumprimento

das obrigações dos membros liquidadores

(artigo 21.º do Regulamento da MEFF).

O método de cálculo e os limites, entre outros

aspetos associados às garantias, são definidos

mediante circulares ou instruções e dependem

em grande parte dos riscos associados às espe-

cificidades dos instrumentos financeiros.

Sublinha-se que ambos os mercados preveem

que os seus membros exijam dos seus clientes a

prestação de garantias idênticas às exigidas pela

LCH.Clearnet e MEFF (ponto 4.2.0.6 do Clea-

ring Rule Book e artigo 23.º, n.º 2, do Regula-

mento MEFF, respetivamente).

Ainda que se verifique uma diferente categori-

zação e qualificação terminológica do sistema

de garantias previsto pelos dois mercados, pare-

ce-nos possível concluir que existe uma corres-

pondência funcional quanto aos requisitos im-

postos aos membros do mercado, nomeadamen-

te quanto ao âmbito das garantias e à obrigatori-

edade dos clientes dos membros do mercado

prestarem garantias idênticas às exigidas pelos

próprios mercados.

Em síntese, o sistema de garantias estabelecido

pelos dois mercados de futuros, tanto quanto ao

ajuste de ganhos e perdas, como quanto às ga-

rantias cuja prestação é exigida aos membros do

mercado, é, funcionalmente, semelhante, visan-

do assegurar o pagamento diário do saldo dos

ganhos e prejuízos dos investidores verificados

por referência à cotação diária do ativo subja-

cente no mercado, bem como a solvabilidade do

mesmo.

VII. Da liquidação. Ambos os ordenamentos

jurídicos preveem a possibilidade da liquidação

dos futuros ocorrer tanto na data do seu venci-

mento (liquidação no vencimento), como ante-

cipadamente (liquidação diária) e, em qualquer

das situações, mediante liquidação física ou

financeira.

Tanto no ordenamento jurídico português,

como no ordenamento jurídico espanhol, o

cumprimento do contrato pode ocorrer quer

através da modalidade de liquidação física

(“liquidación por entrega del activo subyacen-

te”), que consiste na entrega do ativo subjacente

(e.g. ações) contra o pagamento do preço respe-

tivo, quer da modalidade de liquidação pura-

mente financeira (“liquidación por diferenci-

as”), que se consubstancia no mero desembolso

do saldo ou diferencial pecuniário entre o preço

do ativo fixado no momento da celebração do

contrato e o montante apurado no vencimento

do mesmo, segundo a sua cotação no mercado à

vista.

Nas cláusulas gerais dos contratos de futuros

que analisámos, notámos que, enquanto as cláu-

sulas gerais do SSF, negociado na NYSE-

Euronext LIFFE, estipulam apenas a possibili-

dade de liquidação financeira, as Condiciones

Generales dos futuros sobre ações negociados

no MEFF preveem a possibilidade de liquida-

ção física, quanto aos contratos que tiverem

activo subyacente español e que se liquidem na

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89 : CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS

data em que se realizem as compras e vendas no

mercado à vista, e por diferenças, com base no

preço da liquidação à data de vencimento. Nes-

te último caso, a liquidação realiza-se com refe-

rência ao dia útil seguinte ao da data de venci-

mento.

VIII. Notas finais. Chegados aqui, concluímos

que são mais as semelhanças do que as diferen-

ças encontradas em relação ao regime dos futu-

ros no ordenamento jurídico português e espa-

nhol. As semelhanças não decorrem da proxi-

midade geográfica dos dois países ibéricos ou

de uma potencial partilha de infraestruturas;

neste ponto, sublinha-se o facto de o mercado

de futuros em Portugal estar atualmente integra-

do no Grupo NYSE-Euronext, processando-se

através do LIFFE.

As diferenças decorrem, sobretudo, a dois ní-

veis. Por um lado, da natureza das fontes utili-

zadas pelos ordenamentos jurídicos selecciona-

dos para enquadrar os respetivos regimes (e.g.

no ordenamento jurídico português verifica-se

que os princípios gerais estão definidos no

CVM, sendo desenvolvidos por via de regula-

mentos da CMVM; no ordenamento jurídico

espanhol, verifica-se que o regime dos futuros

encontra-se fundamentalmente plasmado na

LMV e no RD 1218/2012, sendo escassos os

regulamentos da CNMV) e, por outro lado, do

funcionamento dos próprios mercados (e.g. na

NYSE-Euronext LIFFE, a entidade que procede

à compensação das operações é diferente da

entidade gestora do mercado, sendo estas fun-

ções assumidas no mercado MEFF por uma

única entidade).

As semelhanças entre os dois regimes verificam

-se, fundamentalmente, quanto à estrutura e

negociação dos contratos, nomeadamente atra-

vés de intervenção obrigatória da contraparte

central, e quanto ao mecanismo de ajuste diário

de ganhos e perdas e prestação de garantias.

A internacionalização dos mercados financeiros

exige que as potenciais diferenças entre os or-

denamentos jurídicos sejam mitigadas; os in-

vestidores, por um lado, e os intermediários

financeiros, por outro lado, bem como os de-

mais agentes do mercado atuam de forma glo-

bal o que permite caminhar para regimes ten-

dencialmente uniformes. A intervenção legisla-

tiva ao nível europeu na área dos serviços fi-

nanceiros proporciona, igualmente, este nível

de harmonização, em que, portanto, são mais as

semelhanças do que as diferenças a assinalar170.

FUTUROS FINANCEIROS SOBRE ACÇÕES: ESTUDO DE DIREITO COMPARADO : 89

170- Sobre os efeitos da globalização e a tendente harmonização jurídica, Jarrod Wiener, Globalization and the Harmonization of Law, Londres: Cassel, 1999, p. 186; Anthony G. McGrew, “Global Legal Interaction and Present-day Patterns of Globalization”, Gessner, Volkmar/Budak, Ali Cem, Emerging Legal Certainty: Empirical Studies on the Globalization of Law, Oñati International Series in Law and Society, Aldershot, Reino Unido: Dartmouth Publishing Company, 1998, pp. 329; 336-337.

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