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PESQUISAS AMBIENTAIS e m f o c o Criação Editora MARIA JOSÉ NASCIMENTO SOARES (ORGANIZAÇÃO)

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PESQUISAS AMBIENTAIS em foco

C r i a ç ã o Ed i t o r a

Adauto de Souza RibeiroAlane Regina Rodrigues dos SantosAlceu PedrottiAna Paula Silva de SantanaAntenor de Oliveira Aguiar NettoAriovaldo Antonio Tadeu LucasBruno Gomes CunhaCarlos Ramón Ruiz-MirandaCarolina Seixas da RochaCláudia Fernanda Teixeira de MéloDaniela Teodoro SampaioDaniela Venceslau BitencourtDébora Catherine Santos OliveiraEdilma Nunes de JesusEronides Soares Bravo FilhoFlávia Moreira Guimarães PessoaFlavia Regina Sobral FeitosaGenésio José dos SantosGiane Florentino Rodrigues de BritoGicélia MendesGregório Guirado FaciolliIsabel Cristina Barreto AndradeIvana Silva SobralJadson de Jesus SantosJaqueline Chaves da SilvaJoelma Santos AraújoJosevania de OliveiraKatiane dos Santos CostaLaura Jane GomeLucas Ribeiro RochaMarcos Antônio PedlowskiMaria Benedita Lima PardoMaria Betânia Moreira AmadorMaria do Socorro Ferreira da SilvaMaria José Nascimento SoaresPatrícia da Silva CerqueiraPhellipe Cunha da SilvaRoberto Rodrigues de SouzaRodrigus Oliveira FeitosaRonise Nascimento de AlmeidaRosemeri Melo e SouzaSérgio Silva de AraújoSimone Marcela dos Santos SouzaVera Lúcia IsraelWagner de Souza CoutinhoZenith Nara Costa Delabrida

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Fundação de Apoio à Pesquisa e à InovaçãoTecnológica do Estado de Sergipe

MARIA JOSÉ NASCIMENTO SOARES(ORGANIZAÇÃO)

EDITORA CRIAÇÃO

CONSELHO EDITORIAL Fábio Alves dos Santos

Luiz Carlos da Silveira FontesJosé Eduardo Franco

Luiz Eduardo Oliveira MenezesJorge Carvalho do Nascimento

José Afonso do NascimentoJosé Rodorval Ramalho

Justino Alves LimaMartin Hadsell do Nascimento

PESQUISAS AMBIENTAIS EM FOCO

q

Criação Editora

ARACAJU | 2015

MARIA JOSÉ NASCIMENTO SOARES(ORGANIZAÇÃO)

Pesquisas ambientais em foco. Maria José Nascimento Soares (org.). – Aracaju: Criação, 2015. 392 p. il, 21 cm ISBN 978-85-8413-063-4

1. Meio ambiente. 2. Ciências Ambientais. 3. Biodiversidade. I. Título II. Maria José Nascimento Soares (org) III. Assunto

CDU 502.3

Editoração EletrônicaAdilma Menezes

Catalogação Claudia Stocker – CRB5-1202

Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, com finalidade de comercialização ou aproveitamento de lucros ou vantagens, com observância da Lei de regência. Poderá ser reproduzido texto, entre aspas, desde que haja expressa marcação do nome da autora, título da obra, editora, edição e paginação.A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.619/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código penal.

Ao professor José Daltro Filho pela sabedoria em conduzir com profissionalismo suas ações didático-pedagógicas e na formação de pesquisadores no campo das Ciências Ambientais. Nosso profundo reconhecimento pelos 21 anos de dedicação ao Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA/SE.

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PREFÁCIO

qA coletânea de textos organizada no livro “Pesquisas Ambientais em

Foco”, organizada pela Professora Maria José Nascimento Soares, reúne tra-balhos de 44 pesquisadores: alunos de graduação, mestrado e doutorado, professores e bolsistas do Programa Nacional de Pós-Doutorado. São pes-quisadores da Universidade Federal de Sergipe e de outras Instituições, à exemplo do Instituto Federal da Bahia e da Universidade Estadual do Norte Fluminense. Cientistas distintos, tanto no que toca às áreas de formação – temos agrônomos, engenheiros, psicólogos, geógrafos, ecólogos, bacharéis em direito, biólogos, pedagogos e educadores, cientistas sociais, economis-tas e profissionais da educação física; quanto no que concerne aos locais de formação, pesquisadores formados em várias universidades do Brasil e do mundo, em regiões totalmente diferentes, com trajetórias e experiências profissionais das mais variadas.

Neste volume todos esses pesquisadores dedicam suas análises a um tema transdisciplinar por excelência: a Questão Ambiental; produzindo um livro que integra vinte e quatro textos sobre temas diferentes, mas interco-nectados; que adotam múltiplas estratégias metodológicas e aportes teóri-cos, constituindo verdadeiro caleidoscópio de áreas de conhecimento.

Temos neste livro, portanto, uma combinação rica, plural e integradora de métodos e teorias para iluminar o tema do desenvolvimento ambiental e de suas consequências e impactos. Com efeito, os capítulos que compõem esta coletânea discutem desde as questões do etnodesenvolvimento até questões do biodiesel; da sustentabilidade na agricultura familiar, nos recur-sos hídricos e nos assentamentos rurais. Aborda-se questões da educação ambiental, dentro e fora da academia; discute-se a efetividade das políticas públicas de crédito agrícola; questões de tecnologias sociais são analisadas à luz do desenvolvimento regional. Transcendendo as análises técnicas do de-senvolvimento ambiental, o livro aborda relações de poder, legislação am-biental e discute crimes contra a natureza. Os estudos apresentados focam vários aspectos do desenvolvimento regional de Sergipe, de biomas como a Caatinga e a Mata Atlântica e de regiões como o semiárido; constituindo-se, portanto, documento indispensável para os planejadores e ordenadores das políticas ambientais.

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Mas este livro não é importante apenas pela adoção de uma abordagem integradora e por reunir pessoas de lugares e formações diferentes para refleti-rem, analisarem e intervirem na questão ambiental; ele é um livro fundamental porque trata de um tema que se constitui como a principal Agenda de pesquisa e de ação política do terceiro milênio. A relevância da questão ambiental é tão grande que Jean Francois Rischard, vice presidente para a Europa do Banco Mundial, afirma que o modo como o mundo lidará com os desafios globais da Questão Ambiental nas próximas duas décadas irá determinar o destino do planeta para todas as novas gerações1.

A produção de conhecimento, pesquisa e tecnologias sociais, ambientais e industriais inovadoras, é, sem a mínima réstia de dúvida, o passo fundamental para ampliarmos, por um lado, a consciência ambiental dos atores sociais e, por outro, a instrumentalização de Programas, Estratégias e Políticas na Ges-tão Ambiental e na relação do homem com a natureza.

Por tudo isso, essa coletânea que sintetiza 20 anos de reflexão crítica, de formação acadêmica rigorosa e de pesquisa e inovação do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA-UFS) é uma obra referencial para pensar o meio ambiente e a sua sustentabilidade nas sociedades modernas.

O livro se inicia com o texto “Um doce lugar: diálogos para o etnode-senvolvimento” de Giane Florentino Rodrigues de Brito e Cláudia Fernanda Teixeira de Mélo. As doutorandas em Desenvolvimento e Meio Ambiente discorrem sobre perspectivas de etnodesenvolvimento do lugar, tomando a produção de doces caseiros como objeto de análise que sintetiza elementos identitários e culturais da comunidade pesquisada.

Em seguida, Patrícia da Silva Cerqueira e Alceu Pedrotti, no texto “Con-tribuição do biodiesel para a sustentabilidade agrícola das explorações na agricultura familiar”, discutem, numa perspectiva que integra economia e engenharia agronômica, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodie-sel, considerando em suas análises questões de sustentabilidade, inclusão social e desenvolvimento regional.

Os “Desafios e perspectivas para a sustentabilidade na agricultura fami-liar” são o objeto de análise de Ana Paula Silva de Santana e Alceu Pedrotti no terceiro capítulo. Os autores buscam compreender os desafios da agricul-tura familiar no âmbito de Programas e Políticas voltados para preservação

1 Ver em http://www.policy-network.net/uploadedFiles/Publications/Publications/pp2.2%2080-4_RISCHARD.pdf

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da qualidade dos agroecossistemas e, ao mesmo tempo, para a geração de renda aos agricultores.

Alane Regina Rodrigues dos Santos e Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas são os autores do texto seguinte “A sustentabilidade da água no municí-pio de Poço Verde -Sergipe: Desafios e possibilidades”. Os autores relatam uma investigação que focou a sustentabilidade da água num município do Sertão Sergipano, considerando o impacto das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e a convivência com a seca no semiárido.

Na busca de soluções interdisciplinares para o diálogo entre as Ciências Sociais e as Ciências Ambientais é que Sérgio Silva de Araújo, Antenor de Oliveira Aguiar Netto e Laura Jane Gomes propõem a questão da “Raciona-lidade ambiental em face ao desenvolvimento sustentável”. Neste texto são discutidas contribuições teóricas como as noções de Modernização Reflexi-va em Giddens e de Desenvolvimento Sustentável em Sachs, para contribuir na criação de uma abordagem que reinterprete a natureza com base na ra-cionalidade ambiental.

“Gestão ambiental em extensão universitária como elo da academia científica junto à sociedade” é o tema do capítulo de Lígia de Oliveira Braga e Roberto Rodrigues de Souza. O texto focaliza a avaliação do desenvolvimen-to de práticas de Gestão Ambiental nas Universidades, através de programas de Extensão Universitária.

Em seguida, Daniela Venceslau Bitencourt e Maria José Nascimento So-ares discutem “Gestão social e seu construto no âmbito local”. O texto apre-senta uma análise da produção científica apresentada nos Encontros Nacio-nais de Pesquisadores em Gestão Social e analisa várias noções de gestão e suas relações com a participação social e as políticas públicas.

As políticas públicas, notadamente sua efetividade, são também o objeto do capítulo “Efetividade das políticas públicas de crédito agrícola no território do alto sertão sergipano” de autoria de Débora Catherine Santos Oliveira, Ro-semeri Melo e Souza e Flávia Moreira Guimarães Pessoa. As autoras investigam a aplicação das Políticas Públicas de Crédito no Alto Sertão Sergipano.

Zenith Nara Costa Delabrida, Carolina Seixas da Rocha, Joelma Santos Araújo, Katiane dos Santos Costa e Lucas Ribeiro Rocha apresentam resul-tados da primeira fase de um projeto de intervenção focado no desenvolvi-mento de uma comunidade de beneficiamento de castanha de caju no tra-balho “O estudo do beneficiamento da castanha de caju: desenvolvimento local e tecnologia social”.

Em “Espaço, relações de poder e território: Uma abordagem sobre a pis-cicultura em tanques-rede” Jaqueline Chaves da Silva, Gicélia Mendes da

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Silva e Genésio José dos Santos discutem a questão hídrica, considerando desde variáveis políticas e sociais, atinentes às relações e conflitos grupais, até questões mais técnicas de gestão hídrica num cenário de crescente limi-tação dos recursos.

“Crimes contra a flora praticados por pessoas jurídicas em Sergipe” é o texto de Ana Lúcia Oliveira Filipin, Laura Jane Gomes e Marcos Cabral de Vasconcellos Barretto, no qual dissecam características das pessoas jurídicas que degradam a flora no Estado de Sergipe. Os autores identificam municí-pios e biomas envolvidos, tipos de danos, área atingida, duração dos pro-cessos judiciais, dentre outros vetores.

No texto seguinte: “Legislação ambiental: Subsídio para a conservação das cactáceas nativas” Eronides Soares Bravo Filho, Adauto de Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral identificam dispositivos legais de proteção das cactáceas nativas. Os autores sugerem um conjunto de mecanismos para ampliar o conhecimento fitogeográfico e da diversidade deste recurso natural.

Josevania de Oliveira, Rosemeri Melo e Souza e Ivana Silva Sobral, no texto intitulado “Impacto ambiental da carcinicultura marinha sobre o estuário do Rio Vaza-Barris, São Cristóvão, Sergipe”, procuram identificar e caracterizar im-pactos ambientais relacionados à criação de camarões em viveiros no estuário do Vaza-Barris. As autoras sugerem ainda indicadores para avaliar os impactos ambientais da carcinicultura na área investigada.

Em “Serviços ambientais em assentamentos rurais” Bruno Gomes Cunha e Alceu Pedrotti apresentam serviços ecossistêmicos e discutem sobre a sua im-portância nos assentamentos rurais. Os autores partem do levantamento biblio-gráfico sobre a temática, para em seguida apresentarem e discutirem resultados de uma pesquisa feita com agricultores de um Projeto de Assentamento.

No décimo quinto texto desta coletânea: “Pluriatividade: estratégia do agricultor familiar assentado” Ronise Nascimento de Almeida, Maria José Nascimento Soares e Alceu Pedrotti apresentam um conjunto de questões e reflexões sobre o meio rural Sergipano, nas quais deslindam os desafios enfrentados por agricultores familiares assentados.

“Percepção e satisfação das famílias assistidas pelos programas de capta-ção de água da chuva no semiárido sergipano” é o tema do texto seguinte. Nele Thaiza Monteiro Paz de Araujo e Inajá Francisco de Sousa apresentam resultados de uma pesquisa feita com famílias assistidas pelos programas de captação e armazenamento de água de chuva sobre a percepção acerca da captação da chuva e a satisfação com a água consumida.

Phellipe Cunha da Silva e Gicélia Mendes discorrem sobre “Nuances da educação ambiental e suas potencialidades econômicas”, analisando parti-

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cularidades dos municípios de Carmópolis e Pirambu. Os autores relatam semelhanças e diferenças entre esses dois municípios de Sergipe, pondo ênfase no fato de ambos serem produtores de petróleo e destacando suas potencialidades econômicas.

A “Educação ambiental e a promoção da saúde em escolas rurais de Ita-baiana-Se” é o tema do texto de Simone Marcela dos Santos Souza, Maria Benedita Lima Pardo e Vera Lúcia Israel. As autoras destacam a importância da Educação Ambiental e sua relação com a promoção da saúde, focando um estudo realizado em escolas rurais de uma cidade da mesorregião do Agreste sergipano.

É também sobre Itabaiana que é posto o foco analítico da contribuição de Jadson de Jesus Santos e de Gicélia Mendes, intitulado “Visões cartográ-ficas de Itabaiana-Se”. Os autores discorrem sobre potencialidades socioe-conômicas, culturais e ambientais daquela cidade, tendo como dados a car-tografia social produzida por estudantes do Campus local da Universidade Federal de Sergipe.

“O Exército brasileiro e o bioma Caatinga” é o tema de Maria Betânia Mo-reira Amador e Wagner de Souza Coutinho no vigésimo texto desta obra. Os autores destacam o papel do Exército na proteção da Caatinga em Petrolina – Pe, tomando como dados uma consulta à base doutrinária do Centro de Instrução e Operações na Caatinga e uma pesquisa de cunho documental.

Edilma Nunes de Jesus, Adauto Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral apre-sentam em “Indicadores ambientais: subsídio ao monitoramento de pro-jetos de recuperação de matas ciliares” a matriz PEIR (Pressão/ Estado/ Im-pacto e Resposta), instrumento para auxiliar na tomada de decisão sobre o monitoramento de matas ciliares recuperadas.

Com a intenção de desenvolver uma ferramenta para sistematizar e disse-minar informações geográficas sobre o MONAGA, Rodrigus Oliveira Feitosa, Roberto Rodrigues de Souza e Maria do Socorro Ferreira da Silva apresentam a proposta de um recurso ágil e acessível para fins científicos, educacionais e gerenciais. O texto se intitula: “O uso do SIG na análise socioambiental do monumento natural Grota do Angico em Sergipe, Brasil”.

Flavia Regina Sobral Feitosa, Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes no texto intitulado “A integralidade do cuidado aos usuários de substâncias psicoati-vas no município de Aracaju-Se” analisam o modo como os gestores locais percebem a integralidade do cuidado aos usuários de substâncias psicoati-vas na capital sergipana.

Finalmente, no 24º texto, fechando a coletânea, Daniela Teodoro Sam-paio, Marcos Antônio Pedlowski e Carlos Ramón Ruiz-Miranda discorrem so-

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bre o “Método da triangulação em pesquisas interdisciplinares: combinando as dimensões quantitativas e qualitativas”. O texto defende essa estratégia metodológica como sendo uma boa opção para superar limitações de uma visão dicotômica sobre o emprego dos métodos quantitativos e qualitativos.

Concluímos este Prefácio agradecendo à Professora Maria José Nasci-mento Soares pelo honroso convite, que nos deu oportunidade de conhe-cer melhor a qualidade dos trabalhos, expressa na riqueza de métodos e de aportes teóricos dos 24 textos que compõem esta coletânea. Não temos dú-vidas que toda a Pós-Graduação da Universidade Federal de Sergipe se or-gulha desta produção do Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) e que a população do nosso Estado terá neste texto um rico ma-nancial para melhor conhecer nosso Estado e assim intervir na planificação do seu desenvolvimento com mais eficiência administrativa e consciência ambiental.

Marcus Eugênio Oliveira LimaPró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFS Aracaju, Sergipe, 12 de Março de 2016.

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APRESENTAÇÃO

qA sociedade e a academia têm se debruçado diuturnamente para pro-

duzir análises, no que diz respeito ao desenvolvimento social, crescimento econômico e sustentabilidade frente aos limites impostos pela natureza. No entanto, estes estudos não são suficientes para impedir que a natureza reaja respondendo com mudanças climáticas, desertificação de áreas florestais e agrícolas, crise hídrica. Também não se tem evitado acidentes antropogêni-cos decorrentes dos avanços tecnológicos, como: as explosões atômicas em Nagasaki e Hiroshima, no Japão, durante a Segunda Guerra Mundial (1945); a Contaminação da Baia de Minamata, no Japão (1956); Bhopal, na Índia (1984); Chernobyl, na antiga URSS (1989); o acidente do Exxon-Valdez, no Alaska nos EUA (1989); British Petroleum no Golfo do México (2010) e Usina de Fukushi-ma, no Japão (2011). Estes Fenômenos, globais ou locais, naturais ou antro-pogênicos, não nos deixam ignorar os limites dos recursos naturais, das ciên-cias e das tecnologias.

Esta preocupação com o meio ambiente, tendo como ponto de apoio o discurso do desenvolvimento sustentável, tem sido colocada na pauta na-cional e internacional das políticas socioeconômicas, assim como nas cadei-ras e salas de aula que compõem o edifício acadêmico do PRODEMA/UFS.

Neste sentido, esta obra é fruto das pesquisas e reflexões realizadas no período, de 1995 a 2015, cuja intenção foi desenvolver um diálogo com os diversos conhecimentos das ciências naturais e humanas, na mesma pers-pectiva da interdisciplinaridade que o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA/UFS vem desenvolvendo nestes últimos 20 anos. Traz uma significante produção acadêmica sobre os aspectos que envolvem os recursos naturais e os modelos de apropria-ção social, levados a cabo pelo homem através do trabalho, no processo de transformação da natureza.

Os vinte quatro artigos que compõem este livro perseguem os caminhos paradigmáticos imbricados na interdisciplinaridade, conspirada na cumpli-cidade relativa entre orientadores e orientandos, cujos estudos e análises acadêmicos são fundamentados nos conceitos que sustentam os princípios do ecodesenvolvimento, abordando temas relacionados à sustentabilidade cultural, política, social, econômica, ecológica, ética e moral à racionalidade

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ambiental, aos conflitos socioambientais, à construção de indicadores de sus-tentabilidade e às percepções sociais e ambientais.

É composto por momentos distintos, com a finalidade de compartilhar e disponibilizar para a sociedade uma ampla abordagem de temas ligados ao meio ambiente. Esperamos que cada capítulo desperte no leitor uma me-lhor ação no lidar com o meio ambiente.

Março/2016

Prof. Dr. Inajá Francisco de SousaCoordenador Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente

SUMÁRIO

q7 PREFÁCIO Marcus Eugênio Oliveira Lima

13 APRESENTAÇÃO Inajá Francisco de Sousa

19 UM DOCE LUGAR: DIÁLOGOS PARA O ETNODESENVOLVIMENTO Giane Florentino Rodrigues de Brito; Cláudia Fernanda Teixeira de Mélo.

37 CONTRIBUIÇÃO DO BIODIESEL PARA A SUSTENTABILIDADE AGRÍCOLA DAS EXPLORAÇÕES NA AGRICULTURA FAMILIAR

Patrícia da Silva Cerqueira; Alceu Pedrotti.

47 DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A SUSTENTABILIDADE NA AGRICUL-TURA FAMILIAR

Ana Paula Silva de Santana; Alceu Pedrotti.

59 A SUSTENTABILIDADE DA ÁGUA NO MUNICÍPIO DE POÇO VERDE-SER-GIPE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Alane Regina Rodrigues dos Santos; Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas.

73 RACIONALIDADE AMBIENTAL EM FACE AO DESENVOLVIMENTO SUS-TENTÁVEL

Sérgio Silva de Araújo; Antenor de Oliveira Aguiar Netto; Laura Jane Gomes.

87 GESTÃO AMBIENTAL EM EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO ELO DA ACADEMIA CIENTÍFICA JUNTO À SOCIEDADE

Lígia de Oliveira Braga; Roberto Rodrigues de Souza.

109 GESTÃO SOCIAL E SEU CONSTRUTO NO ÂMBITO LOCAL Daniela Venceslau Bitencourt; Maria José Nascimento Soares

125 MODELOS DE GESTÃO E A IMPORTÂNCIA DAS NORMATIZAÇÕES NA CADEIA PRODUTIVA

Isabel Cristina Barreto Andrade, Roberto Rodrigues de Souza, Gregório Guira-do Faccioli

139 EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CRÉDITO AGRÍCOLA NO TERRITÓRIO DO ALTO SERTÃO SERGIPANO

Débora Catherine Santos Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Flávia Moreira Gui-marães Pessoa.

153 O ESTUDO DO BENEFICIAMENTO DA CASTANHA DE CAJU: DESENVOL-VIMENTO LOCAL E TECNOLOGIA SOCIAL

Zenith Nara Costa Delabrida; Carolina Seixas da Rocha; Joelma Santos Araújo; Katiane dos Santos Costa; Lucas Ribeiro Rocha

171 ESPAÇO, RELAÇÕES DE PODER E TERRITÓRIO: UMA ABORDAGEM SO-BRE A PISCICULTURA EM TANQUES-REDE.

Jaqueline Chaves da Silva; Gicélia Mendes da Silva; Genésio José dos Santos.

185 CRIMES CONTRA A FLORA PRATICADOS POR PESSOAS JURÍDICAS EM SERGIPE

Ana Lúcia Oliveira Filipin; Laura Jane Gomes; Marcos Cabral de Vasconcelos Baretto

199 LEGISLAÇÃO AMBIENTAL: SUBSÍDIO PARA A CONSERVAÇÃO DAS CACTÁCEAS NATIVAS

Eronides Soares Bravo Filho; Adauto de Souza Ribeiro; Ivana Silva Sobral.

211 IMPACTO AMBIENTAL DA CARCINICULTURA MARINHA SOBRE O ESTU-ÁRIO DO RIO VAZA-BARRIS, SÃO CRISTÓVÃO, SERGIPE

Josevania de Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Ivana Silva Sobral.

237 SERVIÇOS AMBIENTAIS EM ASSENTAMENTOS RURAIS Bruno Gomes Cunha; Alceu Pedrotti.

253 PLURIATIVIDADE: ESTRATÉGIA DO AGRICULTOR FAMILIAR ASSENTADO Ronise Nascimento de Almeida; Maria José Nascimento Soares; Alceu Pedrotti.

265 PERCEPÇÃO E SATISFAÇÃO DAS FAMÍLIAS ASSISTIDAS PELOS PROGRA-MAS DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA DA CHUVA NO SEMIÁRIDO SERGIPANO

Thaiza Monteiro Paz de Araujo e Inajá Francisco de Sousa

277 NUANCES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUAS POTENCIALIDADES ECO-NÔMICAS

Phellipe Cunha da Silva; Gicélia Mendes.

295 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PROMOÇÃO DA SAÚDE EM ESCOLAS RU-RAIS DE ITABAIANA-SE

Simone Marcela dos Santos Souza; Maria Benedita Lima Pardo;Vera Lúcia Israel.

311 VISÕES CARTOGRÁFICAS DE ITABAIANA-SE Jadson de Jesus Santos; Gicélia Mendes.

323 O EXÉRCITO BRASILEIRO E O BIOMA CAATINGA Maria Betânia Moreira Amador; Wagner de Souza Coutinho.

337 INDICADORES AMBIENTAIS: SUBSÍDIO AO MONITORAMENTO DE PROJE-TOS DE RECUPERAÇÃO DE MATAS CILIARES

Edilma Nunes de Jesus; Adauto Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral.

351 O USO DO SIG NA ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL DO MONUMENTO NA-TURAL GROTA DO ANGICO EM SERGIPE, BRASIL

Rodrigus Oliveira Feitosa, Roberto Rodrigues de Souza, Maria do Socorro Fer-reira da Silva.

363 A INTEGRALIDADE DO CUIDADO AOS USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSI-COATIVAS NO MUNICÍPIO DE ARACAJU-SE 

Flavia Regina Sobral Feitosa; Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes. 

377 MÉTODO DA TRIANGULAÇÃO EM PESQUISAS INTERDISCIPLINARES: COMBINANDO AS DIMENSÕES QUANTITATIVAS E QUALITATIVAS

Daniela Teodoro Sampaio; Marcos Antônio Pedlowski, Carlos Ramón Ruiz-Mi-randa.

387 SOBRE OS AUTORES

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UM DOCE LUGAR: DIÁLOGOS PARA O ETNODESENVOLVIMENTO

Giane Florentino Rodrigues de Brito; Cláudia Fernanda Teixeira de Mélo

INTRODUÇÃO

A busca por autonomia econômica é capaz de transpor barreiras culturais, sociais e de sentimentos individuais, gerando a elaboração consciente de ou-tro indivíduo que em busca de crescimento, supera-se a si mesmo no avançar de possibilidades e perseguir constante de melhorias na qualidade de vida. Neste sentido, Santos postula que “todo o conhecimento é local e total” (SAN-TOS, 2010, p. 73) caracterizando as necessidades pessoais de cada indivíduo.

‘Um doce lugar’ retrata a história de vida de uma jovem senhora, residen-te e domiciliada no distrito de São Pedro, distante 12 km da cidade de Gara-nhuns-PE e, que encontrou na fabricação de doces caseiros, a possibilidade de garantir-se economicamente, de educar seus filhos, formar sua família, melhorar a sua condição de vida e de seus familiares e, por que não dizer, de consentir que outras famílias sejam beneficiadas pela renda financeira dos doces ou, pelo prazer da sua degustação.

Neste contexto, este artigo explicita as perspectivas de etnodesenvol-vimento do lugar, ancorados na produção de doces caseiros e que podem vir a gerar renda, benefícios culturais à comunidade local, uma vez que é permeado por desejos, valores afetivos e culturais e mais especificamente, por um sentimento de coletividade e solidariedade que ultrapassam aquele lugar, num sentido de pertencimento.

Na tessitura deste artigo, utilizou-se a apreciação bibliográfica acerca de comunidades, territorialidades, saberes e etnodesenvolvimento para carac-terizar ‘um doce lugar’. Para tanto, foi realizada entrevista semiestruturada com a produtora dos doces, na intenção de explicitar as possibilidades de desenvolvimento que esta pequena produção é capaz de gerar para aquele território, correlacionando as respostas da entrevistada com a natureza da análise dos conteúdos propostos a uma reflexão empírica e interpretativa das informações coletadas.

Por fim, o presente artigo está divido em cinco etapas, além desta intro-dução que corresponde à primeira parte; (2) base teórica e conceitual, abor-dando comunidade, territorialidade, saberes e etnodesenvolvimento; (3) procedimentos metodológicos, quanto à caracterização da área estudada e

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natureza da pesquisa, com base nos instrumentos de coleta de dados utili-zados; (4) resultados e discussões, respaldados no tratamento e análise dos dados coletados e informações articuladas quanto aos objetivos propostos; e (5) considerações finais, trazendo observações e possibilidades para com o lugar e o produto em análise.

1 REFERENCIAL TEÓRICO

SENTIDO DE COMUNIDADE PARA UM LUGAR

Comunidade, um termo que transpõe as relações sociais de um lugar, em função da vida que a circunda, num sentimento de pertencer, e então demonstrar o construto de territorialidades. Dentre muitas classificações, comunidade pode ser entendida como uma comunhão dinâmica, em sua terminologia: “esse termo foi usado para indicar a forma da vida social carac-terizada por um vínculo orgânico, intrínseco e perfeito entre os seus mem-bros” (ABBAGNANO, 2012, p. 192).

A essência de comunidade está associada às relações sociais com o lugar, num sentido de estar próximo, viver junto e em coletividade. Essa declara-ção converge nos critérios que estão postos à comunidade, pela interação com o meio e o sentimento de cooperação, porém essas mesmas relações estão fundamentadas por interesses de certa sociedade.

Tönnies, sobre comunidade e sociedade, publicada em 1887, decla-ra que, “tudo o que é confiança, intimidade e vida exclusivamente em conjunto, compreende-se como vida em comunidade”. A socie-dade é o que é público, é o mundo; ao contrário, encontramo-nos em comunidade com as pessoas que nos são caras desde o nasci-mento, ligados a elas no bem e no mal (ABBAGNANO, 2012, p. 192).

Quanto à comunidade em sociedade, é perceptível a leitura do territó-rio e suas dimensões: social, econômica, política, cultural, ambiental, dentre outras, que demonstram como a comunidade traz a força constitutiva de uma sociedade. “Na terminologia de Tönnies, explicita-se que a organização econômica predominante caracteriza uma coletividade e introduz por suas instituições e valores formas de condicionamento aplicáveis à coletividade em geral” (MIRANDA, 1997, p. 187).

Com base na descrição de comunidade e lugar, também há um constru-to de caráter individual entre a comunidade e sua capacidade de extrair o

Giane Florentino Rodrigues de Brito; Cláudia Fernanda Teixeira de Mélo q 21

máximo de espontaneidade social, cultural e política de um lugar. Num con-texto mais local, especificamente, uma comunidade mantem uma articula-ção com o lugar, quanto aos fundamentos afetivos, emotivos e tradicionais. Nesse contexto, a partir de uma visão mais geográfica, entre o cultural e o espacial, compreende-se que,

Lugares dizem respeito, a um sistema de referência espacial, en-tão a natureza (o tipo de coisa) do que ali se apresenta, ou se mostra, intervém diretamente na construção de sentidos. O racio-cínio pode parecer complexo, mas é bastante simples: os lugares, como pontos dentro de um sistema de referência, só passam a produzir sentido a partir do momento em que são ocupados por alguma coisa. A natureza, o conteúdo, a forma como ela se apre-senta se combinam com o lugar onde ela aparece, com a posição que ocupa, e juntos, o lugar e o que nele se apresenta, produzem sentido. Justamente por isso, uma análise espacial é necessária e rica, uma vez que mostra a dependência da produção de sentido relativamente ao universo posicional dentro do qual os objetos, as pessoas e os fenômenos se inscrevem (GOMES, 2013, p.36-37).

Para tanto, numa leitura mais clássica, dentre as contribuições teóri-cas de Max Weber (1973), a articulação do conceito de comunidade se dá com base na abrangente forma de entender comunidade e suas relações sociais. A argumentação desse pensador está respaldada numa interpreta-ção mais subjetiva, ou seja, mais particular, para o afetivo ou mesmo tradi-cional e seus participantes, parcialmente nas comunidades e em sociedade. Ao que declara Weber (1973, 142), “[...] comunidade só existe propriamente quando, sobre a base desse sentimento da situação comum, a ação está re-ciprocamente referida – não bastando a ação de todos e de cada um deles frente à mesma circunstância – e na medida em que esta referência traduz o sentimento de formar um todo”.

Comunidade traduz uma ideia moderna da sociedade heterogênea em situação homogênea, que difunde relações comuns, entre interesses, senti-mentos e identidades. Partindo de um fundamento quanto à comunidade de lugar (caracterização à habitação comum de um lugar), outros fundamentos respondem às atividades comuns de certa comunidade e suas relações com o espaço e o lugar que habitam, em comunhão, perante ideais e pensamentos.

Saramago (2012), com base nas teorias sobre o pensamento do lugar segundo Heidegger, enfatiza que,

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A crescente importância que o lugar alcançará no pensamento de Heidegger se justifica por sua relação direta, ainda que nem sempre explícíta, com a questão do ser, pedra angular de toda a sua filosofia. Ser implica, inescapavelmente, estar em ou perten-cer a algum lugar. [...] Um lugar é algo que se constitui tanto por seu onde como por seu quando. [...] A ligação entre ser e lugar é precisamente o que fica anulado na abordagem teórica por ele rejeitada. Não haveria, portanto, para Heidegger, um espaço nem lugares objetivamente apreensíveis de forma isolada das circuns-tancias da vida do ser-no-mundo. [...] Um lugar é sempre um onde particular, com um caráter próprio, construído ao logo do tempo. Essa identidade é partilhada, muito estreitamente, com os entes que nele se encontram. A natureza mesma da identida-de do lugar é uma questão crucial no interior dessa temática mais ampla (SARAMAGO, 2012, p. 204-205).

Complementando a discussão acerca de espaço e lugar para uma co-munidade, Relph (2012), apresenta uma explanação sobre os aspectos e a essência de lugar na construção de identidades, enraizamentos e valoração de um espaço, numa leitura social e cultural. “A partir da perspectiva da ex-periência cotidiana, lugar é muitas vezes entendido como o onde se tem nossas raízes, o que sugere uma profunda associação e pertencimento. [...] A interioridade refere-se à familiaridade, conhecendo lugar de dentro para fora, diferente de como faz o turista ou um observador” (RELPH, 2012, p. 24).

Para tanto, Relph (2012) responde às indagações sobre as questões de iden-tidade de certa comunidade e o sentido de lugar a partir das pessoas, com suas raízes e enraizamentos. “Lugar é microcosmo, é onde cada um de nós se relacio-na com o mundo e onde o mundo se relaciona conosco. O que acontece aqui, neste lugar, é parte de um processo em que o mundo inteiro está de alguma forma implicado. Isso é muito existencial e ontológico” (RELPH, 2012, p. 31).

Associando comunidade e lugar, e todo o processo de enraizamento e por fim pertencimento local, Bauman (2003), agrega a discussão sobre tais temáticas, envolvendo-as no sentido de pertencimento e aconchego de um lugar. Num processo de enraizamento, comunidade classifica-se como:

[...] um lugar ‘cálido’, um lugar confortável e aconchegante. É como um teto sob o qual nos abrigamos da chuva pesada, como uma lareira diante da qual esquentamos as mãos num dia gelado. [...] Aqui, na comunidade, podemos relaxar – estamos seguros,

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não há perigos ocultos em cantos escuros. Numa comunidade, todos nos entendemos bem, podemos confiar no que ouvimos, estamos seguros a maior parte do tempo e raramente ficamos desconcertados ou somos surpreendidos. Nunca somos estra-nhos entre nós (BAUMAN, 2003, p. 07-08).

Nesse sentido, comunidade sugere uma intencionalidade positiva, rele-vando o sentido de lugar, pela particularidade, segurança e confiança. Sob o significado de compartilhamento, sejam pequenas ou maiores, as comu-nidades se firmam e se compreendem de forma homogênea. E, mesmo que haja atributos, não há espaço para a artificialidade, pois comunidade sempre propicia um entendimento comum. Considerando que, “[...] comunidade significa, aqui e agora, multiplicidade de pessoas, de modo que sempre seja possível para qualquer um que a ela pertença estabelecer relações autênti-cas, totais” (BUBER, 1987, p. 87).

O sentido de comunidade então se materializa a partir da forma dinâmica que atua entre as pessoas, dando ênfase às relações mais vivas e recíprocas com o lugar. E, sobre a categoria ‘lugar’, é preciso destacar que essa dimensão acompanha sempre o desenvolvimento humano e suas relações pessoais e temporais, ou seja, o lugar registra acontecimentos, enfatizando dimensões significativas entre o habitar, o falar e o meio social que esteja inserido.

As dimensões significativas do lugar, que na realidade é o sentido que se atribui a este ou àquele (o meu, o seu ou nosso lugar), são pensadas em termos geográficos a partir da experiência, do ha-bitar, do falar e dos ritmos e transformações. É o lugar experien-ciado como aconchego que levamos dentro de nós. Ou o lugar consciente do tempo social, histórico, recorrente e mutável, no transcorrer das horas do tempo em um especo sentido dentre de um lugar interior ou exterior, [...] pois almejamos a aventura do nômade de conhecer novos lugares, novos mares, novas gentes e ao mesmo tempo, desejamos um lar onde chegar, estabelecer e acalentar nossos sonhos e fantasias (OLIVEIRA, 2012, p. 16).

Assim, o sentido de lugar perpassa na descrição um sentido de perten-cimento dos sujeitos, considerando que, o esse lugar possui ações con-cretas, territoriais e ambientais, de forma subjetiva. A essência de lugar na construção de identidades, enraizamentos e valoração, denota como os estudos de lugar estão dissolvidos além da geografia humanística, da

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psicologia ambiental e da própria arquitetura. “A partir da perspectiva da experiência cotidiana, lugar é muitas vezes entendido como o onde se tem nossas raízes, o que sugere uma profunda associação e pertencimento” (RELPH, 2012, p. 24).

Para tanto, o sentido de comunidade está ancorado no sentido de lugar, possibilitando uma discussão acerca do pertencimento, a partir de várias dimensões que estão interligadas aos territórios individuais. A representa-ção de um lugar traz a visão de quem habita e interioriza certa comunidade, onde o pertencimento e o lugar se apresentam como consequências desse processo de territorialização.

TERRITORIALIDADE PARA UM DESENVOLVIMENTO LOCAL

Os sentimentos de pertencimento caracterizam as territorialidades de um lugar, a partir da propagação entre afetividade e o território, e suas iden-tidades e vivências. Tais experiências nascem conforme as condições natu-rais e diversidades, respondendo aos processos de relações do homem e o seu ambiente (espaço habitado).

A territorialidade eminentemente humana, social envolve o con-trole sobre uma área ou espaço que deve ser concebido e comu-nicado, mas ela é melhor entendida como uma estratégia espa-cial para atingir, influenciar ou controlar recursos e pessoas, pelo controle de uma área e, como estratégia, a territorialidade pode ser ativada e desativada. O uso da territorialidade depende de quem está influenciando e controlando quem e dos contextos geográficos de lugar, espaço e tempo. [...] tal como ocorre com as identidades territoriais, a territorialidade vinculada às relações de poder, é uma estratégia, ou melhor, um recurso estratégico que pode ser mobilizado de acordo com o grupo social e o seu con-texto histórico e geográfico. (HAESBAERT, 2004, p. 105).

Com isso, a territorialidade no espaço habitado está associada às ações presentes nos vários contextos: históricos, sociais, geográficos, culturais, e outros, que podem interagir com o homem e seu saber local.

Num discurso acerca das identidades, Lages (2004) afirma que, o pro-cesso de territorialidade faz referência a um espaço pessoal, no sentido de individualidade, e está miscigenado por interações sociais e identidades da própria comunidade.

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Estas interações sociais respondem à territorialidade como um espaço vi-vido e, caracterizam-se a partir das dimensões: culturais, políticas, econômicas e sociais. O processo identitário se correlaciona com os critérios de sociabilida-de, que para Lages (2004), é como um reflexo da vivência e da interação dos atores no seu ambiente, ou seja, a territorialidade se apresenta como elemen-to de coesão social, fomentando sociabilidade as relações existentes.

A partir do entendimento de territorialidade como resultado dos proces-sos entre o homem e suas relações sociais, além da associação entre espaço vivido e repleto de identidades, torna-se crucial efetivar uma articulação en-tre sociedade, o espaço e o saber local, com o propósito de aferir a territoria-lidade para uma função de ordem social, pessoal e ambiental.

[...] a territorialidade adquire um valor bem particular, pois reflete a multdimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens ‘vivem, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produti-vistas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, to-das são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais (RAFFESTIN, 2011, p. 142).

Para tanto, abordar territorialidade como um processo identitário de um local, destina o pensar do espaço vivido como referências a uma comunida-de (no sentido de lugar). Tal afirmativa está contida na explanação acerca do sentimento de pertencimento local, através da análise dos espaços e os gru-pos sociais que o compõem, tecendo um argumento acerca de comunidade, de caráter humano e com uma natureza mais singular. Justificando que, “[...] comunidade humana, por sua vez, refere-se a um grupo social unido por in-teresses da mesma natureza, algumas vezes com origens comuns e, frequen-temente, um território comum. A noção de comunidade remete a laços mais fortes do que aos de sociedade ou de coletividade” (ALBAGLI, 2004, p. 28-29).

Os laços do pertencimento são respostas aos processos de identidade local e suas relações com a comunidade. Há um acordo que, a territorialida-de é uma ação que permeia o desenvolvimento local, a partir dos atributos humanos, que diante das normas sociais e dos valores culturais alteram en-tre quaisquer comunidades, pela particularidade e singularidade das ações em desenvolvimento. Pois, “[...] as práticas sociais são moldadas na relação com seu meio de referência, adquirindo contornos particulares em áreas

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geográficas específicas, [...] cria-se uma solidariedade orgânica, o conjunto sendo formado pela existência comum dos agentes exercendo-se sobre um território comum” (ALBAGLI, 2004, p. 29).

Nesse contexto, o desenvolvimento local está conexo com o mecanismo de atuação das expressões de territorialidade nas comunidades. Existe uma coesão entre sociedade, espaço e tempo, que abordam a territorialidade como um fenômeno de organização, para a explanação dos sujeitos perten-centes às referidas comunidades.

PERSPECTIVAS PARA O ETNODESENVOLVIMENTO NA COMU-NIDADE DO DISTRITO DE SÃO PEDRO

A sociedade vive permeada por valores, crenças, saberes, culturas e uma infinidade de fatores que corroboram para que o desenvolvimento indivi-dual e coletivo ocorram, desde que sejam investidas as energias, vontades e sentimentos necessários ao contexto. Sob esta premissa, aponta-se um dos objetivos do etnodesenvolvimento, como sendo:

[...] a satisfação de necessidades básicas do maior número de pes-soas em vez de priorizar o crescimento econômico; embutir-se de visão endógena, ou seja, dar resposta prioritária à resolução dos problemas e necessidades locais; valorizar e utilizar o conhe-cimento e tradições locais na busca de soluções dos problemas; preocupar-se em manter relação equilibrada com o meio am-biente; visar à auto-sustentação e a independência de recursos técnicos e de pessoal e proceder a uma ação integral de base, com atividades mais participativas (AZANHA, 2002, p.31).

O termo etnodesenvolvimento foi criado por Rodolfo Stavenhagen, ca-racterizando gestão de recursos naturais e proteção das terras indígenas. Para o referido autor, etnodesenvolvimento significa que: “[...] uma etnia, autóctone, tribal ou outra, que detém o controle sobre suas próprias terras, seus recursos, sua organização social e sua cultura, e é livre para negociar com o Es-tado o estabelecimento de relações segundo seus interesses” (STAVENHAGEN, 1985, p. 18). Ainda para o referido autor, o etnodesenvolvimento apresenta como princípios básicos:

• Uma estratégia voltada para a satisfação das necessidades bá-sicas de um grande número de pessoas ao invés de priorizar o

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crescimento econômico, procurando responder prioritariamente a resolução das questões e necessidades locais; • Estar voltado para o “desenvolvimento alternativo” na busca por uma visão interna, ou endógena e não uma visão externa e orien-tada para as exportações e importações; • Incentivo do uso e aproveitamento das “tradições culturais exis-tentes” na perspectiva de encontrar soluções para os problemas locais; • A proposição de “respeitar, e não destruir o meio ambiente” e: • A possibilidade do desenvolvimento alternativo estaria basea-da, sempre que possível, no uso dos recursos locais, quer sejam naturais, técnicos ou humanos tendo como propósito a auto-sus-tentação nos níveis local, nacional e regional (STAVENHAGEN, 1985, p.19).

Destarte, Little (2002) corrobora com o autor quando também atrela o conceito de etnodesenvolvimento a grupos étnicos, explicitando que nestes acontecem inicialmente, os processos de autogestão dos recursos naturais e econômicos. Para ele:

Há muitas maneiras de conceitualizar o etnodesenvolvimento lo-cal, sendo que cada uma delas leva consigo um conjunto de valo-res políticos e culturais. A análise do etnodesenvolvimento local apresentada aqui não pretende ser exaustiva, antes procura co-locar alguns dos temas e problemas principais vistos desde uma perspectiva informada por minha formação como antropólogo. O foco central de quaisquer programas ou atividades que visam o etnodesenvolvimento é o grupo étnico e suas necessidades eco-nômicas e reivindicações políticas. Para tanto, o principal nível no qual se trabalha o etnodesenvolvimento é o local, justamente porque é nesse nível onde existem maiores oportunidades para os grupos étnicos exercerem influência nas decisões que lhes afe-tam e, como consequências, promover mudanças nas suas práti-cas econômicas e sociais. É no nível local que começa o processo de construção da autogestão étnica (LITTLE, 2002, p. 40).

Contudo, na elaboração deste artigo, faz-se a proposição destes con-ceitos, atrelando-os às comunidades locais, uma vez que se vislumbra nes-ta, a possibilidade de crescimento e gestão dos recursos econômicos de

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forma que toda a comunidade seja beneficiada economicamente, tenha sua cultura preservada, sua memória resguardada e os sentimentos de va-loração do ambiente possam encontrar eco nas falas dos seus habitantes.

Para tanto, propõe-se apenas, que a produção de doces seja pensada como um mecanismo de desenvolvimento local a legitimar um etnodesen-volvimento que se não encontram respaldo total nos conceitos elaborados pelos referidos autores, sejam favorecidos pelos mesmos, de maneira a que parcialmente, os conceitos transmitam aporte teórico.

Sob esta perspectiva, necessário se faz analisar os saberes envolvidos nesta comunidade. São saberes culturais, locais? Ou, saberes os quais segundo Leff, se abrem “[...] ao terreno dos valores éticos, dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais” (2011, p. 145). Para o autor, a racionalidade dos saberes abre espaços para novos temas, à antropologia ambiental, ao relatar que: “[...] o estudo da cotidianidade, saberes culturais e possibilidades de hibridação com conhecimentos e técnicas modernas para incrementar o potencial ambiental e as capacidades de autogestão das comunidades” (LEFF, 2011, p. 154).

A hibridização entre o senso comum e o conhecimento científico, pode neste sentido, garantir que as comunidades caminhem para um etnodesen-volvimento e consequentemente para uma maior valoração ambiental e apropriação simbólica da natureza em seu sentido mais ético, a legitimar o desenvolvimento.

O desenvolvimento social é, portanto, um elemento potencializador da autonomia e das liberdades humanas. Em comunidades locais, o pensamen-to coletivo pode também alargar estas liberdades garantidas pelo desenvol-vimento econômico. Sob este ponto de vista, Sen (2010) advoga que:

Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis amplos no for-talecimento e na proteção das capacidades humanas. São papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda. A perspectiva de que a liberdade é central em relação aos fins e aos meios do desenvolvi-mento merece toda nossa atenção (SEN, 2010, p. 77).

Entende-se por “conformação do seu próprio destino”, a capacidade de protagonizar sua própria vida, gerindo-a sob a égide do respeito a si e ao

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outro, do singular para o plural e do individual para o coletivo, conforme se propõe neste artigo, acerca do etnodesenvolvimento no distrito de São Pedro a partir da produção de doces caseiros.

O etnodesenvolvimento pode garantir às comunidades que estas desen-volvam suas potencialidades, atrelando-as a sua cultura, seus sentimentos de pertencimento e sua capacidade de gerar emprego e renda. Não neces-sariamente, uma comunidade já constituída e ancorada por teorias e con-ceitos pré-estabelecidos. Um indivíduo pode iniciar este processo, quando confere simbolismo e valor a um determinado produto. Neste sentido, certi-fica-se que, “[...] ver o desenvolvimento a partir das liberdades substantivas das pessoas tem implicações muito abrangentes para nossa compreensão do processo de desenvolvimento e também para os modos e meios de pro-movê-lo” (SEN, 2010, p.51).

Em amplo sentido, o etnodesenvolvimento propõe um conjunto de atividades ou, o alargamento de uma atividade já em proeminência, que garantam as necessidades básicas da comunidade ou, de um grupo nesta comunidade, fortaleça sua visão interna, ou seja, privilegie os costumes e saberes locais, utilize-se dos recursos naturais e humanos locais, promova o respeito ao ambiente e possibilite que o maior número de pessoas se be-neficie desse modo, o etnodesenvolvimento encontra eco ao se estabelecer num grupo maior e caracterizar, neste sentido, uma comunidade.

No distrito de São Pedro, vê-se claramente a possibilidade de se esta-belecer o etnodesenvolvimento numa categoria de comunidade que se beneficia de um produto com valor sentimental e pertencimento local, pela fabricação e comercialização de doces caseiros, o que para Medei-ros, configura-se em ações internas ou externas com flexibilidade e de-senvolvimento viáveis:

É importante ressaltar que a proposta de Etnodesenvolvimento prevê liberdade à população local de receber ou não influên-cias exógenas por parte de órgãos e setores mediadores e in-tervencionistas. São justamente projetos que levem em conta a flexibilidade estrutural e histórica do desenvolvimento que devem ser preconizados como viáveis em longo prazo. Além disso, existem especificidades para as comunidades locais, e o etnodesenvolvimento tem que partir das tendências dessas comunidades e até colocar ideias novas, tanto para o desen-volvimento quanto para tentativas de resolução de problemas (MEDEIROS, 2011, p. 172).

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O argumento expõe a plasticidade e o caráter conformador a que se sub-metem as comunidades acerca do etnodesenvolvimento. Sugere-se apenas que políticas públicas deem conta de respeitar os aspectos culturais e os sa-beres locais, e ao incrementarem a atividade produtiva nestas comunidades, contribuam positivamente para o desenvolvimento de um processo que ir-remediavelmente tende a se efetivar por disseminação do conhecimento.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.1 Delimitação da área

O estudo foi desenvolvido no município de Garanhuns, lugar serrano do Agreste Meridional do estado de Pernambuco, localizado no Planalto da Borborema, situado a 230 km da capital do estado, possuindo cerca de 130.000 habitantes, sendo 14.048 habitantes na zona rural e 115.344 na zona urbana (IBGE, 2010). Precisamente a pesquisa foi realizada no distrito de “São Pedro” (ver figura 1), localizado há 13 km da sede municipal, ao norte da cidade, com 5.967 habitantes (IBGE, 2010).

Figura 01 – Mapa de Garanhuns: núcleo urbano e seus distritos

Fonte: Geographic Coordinate System – Janeiro/2013

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2.2 NATUREZA DA PESQUISA

A presente pesquisa compreende o caráter quanti-qualitativo sob uma abordagem descritiva, somando com aportes teóricos, embasados nos estu-dos bibliográficos. Para sua caracterização no “lócus”, foi aplicado o método de investigação voltado para a observação. Como afirma Martins (2011, p. 87), “a observação utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar”. A pesquisa tem a finalidade de caracterizar as potencialidades econômicas do Distrito de São Pedro- Ga-ranhuns - PE, partindo da análise da produção de doces caseiros, que são apontados como referência à comunidade citada.

E, para a análise das respostas, foi utilizado o método de “Análise de Con-teúdo”, segundo Bardin (2011), que através da leitura da entrevista aplicada, foi consentido “[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações vi-sando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do con-teúdo das mensagens, indicadores que permitam a produção/recepção destas mensagens”(BARDIN, 2011, p. 32). A pesquisa incide na exploração dos conteú-dos, tendo como base, uma averiguação dos conteúdos expostos nas respostas, sob uma leitura empírica e interpretativa das informações coletadas.

2.3 COLETA DE DADOS E INFORMAÇÕES

Dentre as atividades de desenvolvimento local, o distrito de São Pedro se destaca pelo famoso “doce de São Pedro”, que remete à tradição e à comer-cialização em locais circunvizinhos.

Para conhecer a história e o processo de produção e venda do “doce de São Pedro” foi realizada uma pesquisa documental, a partir de uma entrevis-ta semiestruturada junto aos produtores do referido doce nos dias atuais.

A referida entrevista teve como objetivo apontar a condição socioeco-nômica da produção e venda desse produto, contando com explanações sobre: quem produz e quem vende, tempo de existência do produto, tipo de receitas, tipo de produção, número de produção semanal, variação de sabores e relevância ao sabor mais tradicional, valor de venda, origem da matéria-prima, prospecção de continuidade da comercialização do produ-to, dentre outros aspectos de avaliação. Ainda sobre as informações dessa pesquisa, para auxiliar na condução da etapa quanti-qualitativa da pesquisa, foram analisados os contextos das respostas e uma análise da construção social reproduzida pelo sujeito entrevistado.

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2.4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para a catalogação dos dados, foram feitas planilhas com as informações repassadas, e estas analisadas a partir da leitura contextualizada dos modos e funções cognitivas que realçam a significância subjetiva presente nas res-postas coletadas (ver tabelas abaixo).

Tabela 01 – Informações gerais sobre a produtora do doce

Informações principais sobre o entrevistadoIdade da empreendedora dos doces 52 anosSexo FemininoGrau de escolaridade 1º Grau IncompletoEstado civil CasadaFilhos 02 filhosTempo de atividade profissional com o doce 27 anosSegmento familiar Empresa familiarOpção profissional Vendedora/autônoma

Fonte: As autoras/2014

Sobre as informações gerais da principal produtora do “doce de São Pe-dro”, inferimos que, a produção do doce para venda se iniciou a partir da necessidade financeira da família, com o auxílio de terceiros, como suges-tão de amigos que apreciavam o produto (informalmente na residência da produtora) e então com o apoio direto de um funcionário da prefeitura da cidade de Garanhuns, passou a comercializar o produto em frente a esse órgão municipal, fato que perdura até os dias de hoje.

Destaca-se ainda que, dentre os dois filhos, um deles possui formação em nível superior, além de contar com o auxílio e colaboração de outros fa-miliares e duas diaristas para a produção e venda dos doces, garantindo-lhes também o sustento.

Quanto à produtora dos doces, trata-se se uma senhora, que aprendeu o ofício com a mãe, aprimorando-os para suprir as necessidades da família há quase 30 anos, e de quem se percebe uma força e uma docilidade, capazes de enfrentar os mais diversos problemas, sejam de saúde, familiar ou mesmo financeiro. Quanto aos seus sentimentos em relação à produção dos doces, a entrevistada se reconhece integrada ao processo de produção, de tal modo que afirma não se imaginar desempenhando outra atividade, fato que ca-racteriza a territorialidade e o sentimento de pertencimento característicos nesta senhora.

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Assim, acerca das informações sobre a produção de doces:

Tabela 02 – Informações sobre a produção e venda dos doces

Informações sobre a produção dos docesTipo de receita Receitas caseirasOrigem da matéria-prima para fabricar o doce Compra direta no localTipo de armazenamento do doce Latas de leite recicladasQuantitativo/ tipos de doces comercializados 09 composições diferenciadasTipo do doce mais vendido Leite com coco e mamão Tempo de produção Um dia Quantidade de doce (por grama) Lata-1kg/ baldes-5kg/recipiente de 600gValor unitário do doce R$ 8,00/ R$ 35,00/R$ 5,00Principal local de venda Em frente à prefeitura de Garanhuns-PE

Fonte: As autoras/2014

A produção do “doce de São Pedro” conta com receitas comuns e com-posições diversificadas: banana, leite com e sem coco, leite com ameixa, leite com goiaba, leite granulado, mamão com e sem coco. Pelos relatos, nota-se que, inicialmente a produção era de leite e mamão e que com o crescimento das vendas e ampliação de mercado surgiu a necessidade de compor novas receitas, tendo como base sempre os mesmos produtos e a inclusão de ou-tros. Destaca-se ainda que, o fornecedor da matéria-prima para a produção dos doces é o mesmo desde o início de atividade, repassado de pai para filho e, oriundo de espaço rural no próprio distrito.

O doce é produzido num dia e vendido automaticamente no dia seguinte, sendo comercializado semanalmente cerca de cerca de 180 quilos do produto, a um valor de venda a partir de R$ 5,00 (cinco reais). Ressaltamos que, o princi-pal local de venda é em frente à prefeitura de Garanhuns, contando com outros pontos comerciais e educacionais, além da venda terceirizada, e desta forma consegue suprir a demanda da cidade de Garanhuns e do distrito de São Pedro.

Sobre a prospecção de mercado dos doces, algumas informações são relevantes para que se sejam analisadas as possibilidades de garantir sus-tentabilidade à referida produção. Neste sentido, a entrevistada ao se referir acerca dos anseios profissionais da filha, pontua que, a mesma nutre inten-ções de empreender tal produção e comercialização, tornando o “doce de São Pedro”, um produto genuinamente artesanal, mas que possa se expandir e alcançar novas metas e outros mercados.

Na tabela 03 se encontra as informações complementares sobre as futu-ras projeções para o doce:

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Tabela 03 – Informações sobre a prospecção dos doces

Informações sobre a prospecção dos docesRetorno da venda dos doces Boa aquisição de bens móveis e imóveis Novos segmentos dos doces Inovações apenas para longo prazoNovos pontos ou locais de venda Atualmente nãoInovações tecnológicas Aquisição de utensílios domésticos/elétricosSignificância do doce para a comunidade Orgulho e facilidade da matéria-primaContinuidade na fabricação dos doces Segmento familiar

Fonte: As autoras/2014

Com base nessa leitura, a expansão do “doce de São Pedro”, dar-se-á atra-vés do envolvimento dos seus filhos, por se tratar de uma empresa familiar e serem ambos adultos já inseridos no processo de produção. Assim, há um ponto de interseção entre a importância do doce para família e a significân-cia deste para o lugar, pois o orgulho retratado na fala da entrevistada reme-te à conclusão de que, sua produção é para além de um aparato financeiro, uma caracterização da afirmação de sua territorialidade.

Por fim, em relação às prospecções dos doces, especificamente sobre suas estratégias futuras e entendimento da importância desse produto para a comunidade de “São Pedro” e seu etnodesenvolvimento, aponta-se a insti-tucionalização de uma cooperativa que garanta sustentabilidade ambiental e econômica ao doce e ao distrito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Um doce lugar” caracteriza uma comunidade dócil com territorialidade firmada, compreendida sobre um lugar que tem uma realidade autônoma, mas que também necessita de investimento socioeconômico que o torne mais produtivo e sustentável.

A expansão do doce, que acontece de forma informal, distingue um lugar e suas tradições, reportando ao sentido de pertencimento local. Ter-ritório, identidades e comunidade interagem em conceito para explicar o processo de desenvolvimento local que é atingindo pelo referido produto.

Pensando-se, pois numa categoria particular/genérica de comunidade, con-figura-se o distrito de São Pedro com reais e fortes possibilidades de se estabele-cer etnodesenvolvimento ao se beneficiar de um produto com valor sentimen-tal e pertencimento local, pela fabricação e comercialização de doces caseiros.

Nesse sentido, é preciso repensar acerca dos diálogos entre territoriali-dades e etnodesenvolvimento. As dimensões sociais, econômicas, políticas,

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culturais e ambientais, que envolvem o trajeto do doce, precisam ser revisa-das e atreladas aos mecanismos de produção e venda desse produto.

Isto posto, ao dialogar sobre “um doce lugar”, para não concluir: há uma necessidade de expansão do produto que representa um local em desenvol-vimento, que precisa de um olhar mais empreendedor, da adoção de políti-cas públicas e de pessoas que deem continuidade ao processo de produção do doce, a partir da institucionalização de uma cooperativa. Para um lugar doce e por um doce lugar em (des)territorialização.

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CONTRIBUIÇÃO DO BIODIESEL PARA A SUSTENTABILIDADE AGRÍCOLA DAS EXPLORAÇÕES NA AGRICULTURA FAMILIAR

Patrícia da Silva Cerqueira; Alceu Pedrotti

INTRODUÇÃO

Atualmente ocorre uma indiscutível e urgente necessidade de se con-solidar um novo paradigma na produção e consumo de formas de energias renováveis e sustentáveis do ponto de vista técnico, econômico, social, polí-tico, ambiental e cultural no Brasil e no mundo.

Diante deste quadro no Brasil, foi lançado a mais de uma década (em 2004) o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel – PNPB, pro-grama interministerial do Governo Federal que objetiva implementar de forma sustentável, tanto técnica, como economicamente, a produção e uso do biodiesel, tendo como enfoque à inclusão social e no desenvolvimento regional, via geração de emprego e renda.

O Brasil, que apresenta grande potencial agrícola, expressivo contin-gente de trabalhadores rurais, muitos deles ligados às atividades da Agri-cultura Familiar, e com enormes desigualdades socioeconômicas, vem tentando atender as regras do Protocolo de Kioto, do qual é signatário. Dentre os objetivos dos atuais programas e políticas estão: a redução da dependência do petróleo, a expansão dos mercados de oleaginosas, a ex-pansão da demanda por combustíveis alternativos e a redução de emissão de gases poluentes.

A Agricultura familiar, enquanto segmento participante da cadeia pro-dutiva de fontes energéticas para a produção de biocombustíveis, ainda representa um elo em consolidação. Seu fortalecimento depende de um conjunto articulado de ações e políticas do qual o Estado cumpre um papel muito importante.

Em específico, as políticas com foco no biodiesel, tem papel prepon-derante na execução do PNPB, ratificando o seu foco de inclusão social, desenvolvimento regional através da geração de emprego e renda.

Assim, visando colaborar com o entendimento e reflexões sobre esta problemática, o presente artigo tem por objetivo analisar a contribuição do biodiesel para a sustentabilidade da agricultura familiar no contexto da ca-deia produtiva dos biocombustíveis.

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1 REFERENCIAL TEÓRICO

A partir da década de 1990, mais precisamente no ano de 1992, o discurso do desenvolvimento sustentável ganhou uma amplitude maior com a realização da Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Am-biente, também conhecida como Eco 92, que reforçou os limites da ra-cionalidade econômica e desafios da degradação ambiental para preser-vação da civilização.

O conceito de desenvolvimento sustentável amadurecido nesta Confe-rência, é aquele que atende às necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender a suas próprias necessidades (esse conceito foi popularizado pelo Relatório Brundtland e amadurecido e difundido na Eco-92).

Nesta conferência foi produzido um documento conhecido como “Agen-da 21”, no qual foi estabelecido um programa de ação para a viabilização de um novo padrão de desenvolvimento ambientalmente racional que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica.

Nesse contexto, o conceito de desenvolvimento deve ser pluridimen-sional, envolvendo as dimensões econômico-social-político-cultural-sus-tentável e humano. Esta última dimensão é uma consideração do Progra-ma das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

As questões ambientais entraram no século XXI como primeiro ponto de pauta dos inúmeros fóruns de discussão sobre o desenvolvimento, nas agendas de políticas e programas dos Governos e na vida das organiza-ções em todo o mundo. Os riscos de um colapso ecológico, somado aos problemas decorrentes dos impactos do modelo de acumulação capitalis-ta, fazem com que as pessoas pensem em novos modelos, novos proces-sos produtivos, novas formas de fazer, novas perspectivas, uma verdadeira fase de ruptura de paradigmas.

As distorções da busca a qualquer preço do crescimento econômico, e os problemas com o meio ambiente começaram a ganhar destaque no cenário mundial a partir da década de 1960, período em que os impactos das técni-cas e padrões dominantes de produção e consumo começam a apresentar os primeiros sinais de desgaste, e inicia-se um debate teórico e político para valorização da natureza, na tentativa de inseri-la ao sistema econômico.

As alternativas de fontes energéticas aparecem na problemática am-biental como uma estratégia para a superação dos desafios impostos pelo atual sistema de acumulação capitalista, modelo que se sustenta nas altas taxas de consumo (aumento da produtividade a todo o custo).

Patrícia da Silva Cerqueira; Alceu Pedrotti q 39

Os biocombustíveis são apontados como alternativas viáveis de fonte energética, em consonância com o meio ambiente. O marco regulatório da política de Biocombustíveis no Brasil está na Lei Nº. 9.478 de 6 de agosto de 1997, que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Essa Lei estabelece que as políticas nacionais para aproveitamento das fontes energéticas devem preservar o interesse nacional, promovendo o desenvolvimento e ampliação do mercado de trabalho através da valorização dos recursos energéticos; pro-mover os interesses do consumidor em relação ao preço e quantidade de ofer-ta; proteger o meio ambiente através da promoção e conservação de energia; garantir o fornecimento de derivados de petróleo; incrementar a utilização do gás natural; identificar soluções adequadas para o suprimento de energia elétrica; utilizar fontes alternativas de energia mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis; promover a livre concorrência; atrair investimentos na produção de energia e ampliar a competitividade do país no mercado internacional.

De acordo com Leff (2011), o Brasil tem todas as condições para tornar-se um país líder na geração de uma nova civilização industrial do trópico ou do aproveitamento energético industrial da biomassa.

Sachs (2001) afirma que em algumas décadas será possível fazer a substi-tuição da gasolina pelo etanol, e também uma substituição parcial do diesel pelo biodiesel, devido à expansão do mercado global desses novos produ-tos, deixando assim as reservas de petróleo para fonte de matéria prima para as indústrias petroquímicas.

As novas oportunidades e visões de desenvolvimento fortalecem o elo entre os biocombustíveis e o desenvolvimento rural. A questão que se forma é: como se insere a perspectiva desse novo desenvolvimento, dessa mudança de modelo energético, dentro da visão mais integrada do desen-volvimento rural ?

As formas de integração da produção de biocombustíveis às atividades agrárias ou não (já que o rural é muito maior que o agrário) são apresentadas como estratégias para integração do contingente de agricultores familiares neste novo modelo de desenvolvimento, com base nas novas energias.

De acordo com o censo agropecuário de 2006, a produção agrícola brasi-leira divide-se em comercial e familiar, com participação de 63% e 37%, res-pectivamente. No primeiro estrato estão os grandes produtores, e o segundo formado pelos pequenos e médios produtores. Observa-se a hegemonia do grande capital. Levando-se me consideração a segurança alimentar, de acor-

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do com as informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário, cerca de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros provêm da agricultura familiar. (EMBRAPA, 2013).

O novo ciclo do desenvolvimento rural, gerando emprego e oportunida-des de negócios, transforma a agricultura no sustentáculo do sistema de se-gurança dos meios de subsistência de centenas de milhões de agricultores, e do sistema de segurança ecológico do planeta. Os biocombustíveis são um dos usos possíveis da biomassa, outros usos incluem a alimentação humana e animal, fertilizantes, materiais de construção, matérias primas industriais, produtos farmacêuticos e cosméticos.

A participação das fontes de energia renováveis tende a crescer nos pró-ximos anos, integrando-se cada vez mais à matriz energética global, poden-do chegar a 10% em 2020. Ratificando essa expectativa, as principais mon-tadoras em todo o mundo já começam a investir e a comercializar veículos híbridos, usando fontes de energias alternativas, assim, o uso da biomassa para fins energéticos vem se expandindo, gerando excedentes e mitigando custos ambientais. (TOLMASQUIM, 2003)

Esse novo ciclo de desenvolvimento que começa a ser desenhado em todo o mundo oferece oportunidade aos países tropicais que desfrutam de vantagens comparativas de produtividade, devido às condições climáticas e biodiversidade.

CONTEXTO DO BIODIESEL NA AGRICULTURA FAMILIAR

A agricultura familiar brasileira, de acordo com os dados apresentados pelo último censo agropecuário de 2006, representa 84,4% do total de es-tabelecimentos rurais, porém ocupa apenas 24% do total da área, o que re-força o alto grau de concentração de terras (questão fundiária), ainda um problema no país. O total de pessoas ocupadas chega a 12,3 milhões e este segmento é responsável por boa parte dos alimentos que vão à mesa do brasileiro. Levando-se em consideração dois dos principais grãos, feijão e milho, representa certa de 70% e 46% do que é produzido, respectivamente. Outros alimentos também merecem destaque, como a produção de suínos (59%) e a produção de leite (58%). (PARTICIPAÇÃO..., 2014).

O agricultor familiar é aquele produtor que possui as seguintes caracte-rísticas básicas: pratica atividades no meio rural; dirige o estabelecimento ou empreendimento com a família; a área de sua propriedade é menor ou igual à 4 módulos fiscais (unidade de medida agrária) e a mão de obra utilizada é predominantemente familiar.

Patrícia da Silva Cerqueira; Alceu Pedrotti q 41

O biodiesel torna-se uma opção de destaque para utilização na matriz energética brasileira porque apresenta um ganho ambiental significativo no que diz respeito ao controle dos níveis de emissão de gases poluentes na atmosfera. Estudos recentes apontam para uma redução de 40% a 60% das emissões em comparação com o diesel de origem mineral. (BERMANN, 2014).

Apontado como um forte substituto para o óleo diesel derivado do pe-tróleo, o biodiesel é um combustível produzido com a utilização de fontes de energia renováveis (óleos vegetais, gorduras animais e óleos utilizados para fritura de alimentos), e tem origem da reação química de um óleo ou gordura com metanol ou etanol na presença de um catalisador (processo de transesterificação).

Muitas são as espécies vegetais no país que podem ser utilizadas para a produção de biodiesel, dentre elas a mamona, o dendê, o girassol, o baba-çu, o pinhão manso, a soja, dentre outras. Este tipo de combustível pode ser utilizado em diversos tipos de motores automotivos ou estacionários, sem a necessidade de modificações nos mesmos.

Os óleos vegetais, derivados dessas espécies vegetais, tem se apresentado como fortes candidatos aos programas governamentais de energia renovável já que as suas matérias primas são comuns à produção da agricultura familiar.

O estabelecimento de um marco regulatório para alcance das metas es-tabelecidas no PNPB e outras ações já realizadas colocam o Brasil em des-taque no cenário mundial como uma possível potencia para a produção de energias renováveis. (SANTOS, 2014).

O PNPB foi criado em 2004, gerido por uma Comissão Executiva Inter-ministerial, e possui o seguinte marco regulatório: Lei nº 11.097 (de 13 de janeiro de 2005); Lei nº 11.116 (de 18 de maio de 2005); Decreto nº 5.297 (de 6 de dezembro de 2004); Resolução nº 05 (de 03 de outubro de 2007 do Conselho Nacional de Políticas Energéticas (CNPE)), Portaria do MDA nº 60 (de 06 de setembro de 2012) e Instrução Normativa Nº 01, do MDA (de 20 de junho de 2011).

Entretanto, o alcance das metas e a construção de um futuro com redu-ção das desigualdades e inserção social dependem de como estão sendo desenvolvidas as ações para a consolidação deste cenário. Em especial, é preciso avaliar as bases que sustentam a produção de biodiesel e se o seu resultado está sendo apropriado pelos agentes envolvidos, principalmente a agricultura familiar.

De acordo com os dados da Casa Civil, em 2011, o consumo brasileiro de biodiesel foi de 2,6 bilhões de m3 e a produção em torno de 2,7 milhões de m3. As usinas estão distribuídas geograficamente, segundo os dados de

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janeiro de 2013, por todas as regiões do país e tem a seguinte representação da capacidade instalada: 46% na região Centro-Oeste; 27% na região Sul; 13% na região Sudeste; 11% na região Nordeste e 3% na região Norte. Boa parte dessas usinas já possui o selo combustível social definido no marco regulatório do PNPB, ou seja, já transacionam com produtos originados da agricultura familiar. (PARTICIPAÇÃO..., 2014).

De acordo com a Lei nº 11.097/2005, a agricultura familiar faz parte da estrutura produtiva do PNPB, já que a produção do biodiesel tem como fon-te principal as oleaginosas, dentre elas a mamona, o dendê, a palma, o giras-sol e o pinhão manso.

A inserção da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel é muito importante devido à sua já reconhecida potencialidade para gera-ção de emprego e renda. A cada 1% de substituição de óleo diesel por biodiesel produzido com a participação da agricultura familiar é possível gerar 45 mil empregos no campo, com uma renda média anual de aproxi-madamente R$ 4.900,00 por emprego. E se for considerado que para cada emprego no campo são gerados três empregos na cidade, seriam criados 180 mil empregos. (AGRICULTURA..., 2014).

ASPECTOS DA CULTURA DA SOJA COMO FONTE PARA A OB-TENÇÃO DO BIODIESEL

O PNPB visa integrar socialmente os agricultores familiares à cadeia pro-dutiva dos biocombustíveis garantindo a distribuição de renda oriunda des-sa atividade. Em seus documentos apresenta as intenções de estimular prá-ticas produtivas que evitem a monocultura e que tenham como foco áreas pouco atrativas ao interesse do capital, implantando um modelo de energia sustentável a partir de diversas fontes oleaginosas.

Na teoria o PNPB não deixa dúvidas sobre as suas intenções de inclusão social e distribuição de renda, mas na prática as distorções do mercado com-petitivo já podem ser percebidas.

Segundo Lobo (2014) é importante o desenvolvimento de programas que visem o cultivo em escala comercial de novas culturas agrícolas e que tenham como meta a inclusão social dos agricultores familiares neste con-texto da energia renovável.

A soja, produzida em grande escala por grandes produtores, é uma ame-aça à diversificação da produção para alimentar a cadeia produtiva do bio-diesel. A despeito de este grão não possuir as características ideais para efici-ência produtiva da produção do biodiesel (baixo teor de óleo, concorrência

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com o óleo comestível, preços do farelo etc.), o seu peso na matriz de óleos vegetais é muito grande, necessitando de intervenção governamental para regulação do mercado e afirmação de produtos alternativos. (ABRAMOVAY; MAGALHÃES, 2007, P.02).

A soja, atualmente, é a principal matéria prima utilizada pela indústria para a produção de biodiesel no país, representando cerca de 80% da oferta de ole-aginosas para a produção de biodiesel. (ALVARENGA JUNIOR; YOUNG, 2014).

O atraso estrutural das unidades produtivas familiares vem dificultando a inserção dos agricultores familiares na cadeia produtiva do biodiesel, for-talecendo o setor produtivo da soja, atividade reconhecida com baixa capa-cidade de geração de empregos, representante do modelo de agricultura patronal produtivista.

Este contexto reforça a importância das ações governamentais para alte-ração desta trajetória e diversificação da matéria prima para a produção de biodiesel. Caso não sejam feitas as intervenções para diversificação de ma-téria prima para o biodiesel, a soja poderá impossibilitar o desenvolvimento de outras culturas já que possui maior índice de produtividade e infraestru-tura consolidada. (LOBO, 2014).

O SELO COMBUSTÍVEL SOCIAL

O Selo Combustível Social, definido no marco regulatório do PNPB, esta-belece uma parceria entre a agricultura familiar e as empresas processado-ras da matéria prima, e tem por objetivo estabelecer uma relação harmônica entre agentes historicamente antagônicos. (SANTOS, 2014).

O Selo estabelece um mecanismo de garantia da distribuição de renda junto com o crescimento do mercado desse biocombustível, atrelando a produção de biodiesel à garantia de mercado para os agricultores familiares.

Os seus instrumentos legais estão definidos no Decreto nº 5.297 de 6 de dezembro de 2004; na Portaria do MDA nº 60 de 06 de setembro de 2012 e na Instrução Normativa Nº 01, do MDA, de 20 de junho de 2011.

O selo é concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e proporciona incentivos aos produtores industriais de biodiesel que transa-cionam as matérias primas com a agricultura familiar, através de redução de alíquotas de PIS/PASEP e Cofins, acesso à linhas de crédito específicas e de mercado. (MATTEI, 2014).

A participação das Unidades Produtoras de Biodiesel detentoras do Selo Combustível Social é predominante. Cerca de 99,3% do biodiesel produzido no país é proveniente de unidades detentoras do selo (dados de 2012), bene-

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ficiando aproximadamente 104 mil estabelecimentos da agricultura familiar, 312 mil pessoas, e uma receita bruta por família em torno de 10 mil dólares anuais. (PARTICIPAÇÃO..., 2014).

Os parâmetros estabelecidos nos incentivos aos produtores em transa-ção com a agricultura familiar destacam o cultivo da mamona (em maior escala) e o dendê (em menor escala), refletindo diretamente expectativas do governo quanto a capacidade de participação da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel. (ALVARENGA JUNIOR; YOUNG, 2014).

CONSIDERAÇÕES

A reflexão sobre a produção e uso do biodiesel e sua relação com a sus-tentabilidade da agricultura familiar é importante porque a produção pode ter possibilidade de crescimento no país e este crescimento gera impactos em diversos setores da economia, além de investimentos e direcionamento de políticas governamentais.

A segurança no suprimento energético de longo prazo, a modicidade dos preços em relação ao atual padrão energético, a competitividade da in-dústria local, as mudanças climáticas e o meio ambiente são os desafios para a política pública em energia em todo o mundo.

As alternativas de fontes energéticas aparecem na problemática am-biental como uma estratégia para a superação dos desafios impostos pelo atual sistema de acumulação capitalista, modelo que tem foco nas altas taxas de consumo (aumento da produtividade a todo o custo). Os bio-combustíveis são, portanto, apontados como alternativas viáveis de fonte energética, em consonância com o meio ambiente.

Além das questões políticas e de mercado, tornam-se evidentes outras problemáticas relacionadas com a agricultura familiar no contexto da cadeia produtiva do biodiesel. De que forma a agricultura familiar participa desta cadeia produtiva? O PNPB está realmente sendo capaz de regular os anseios do grande capital e de proporcionar a diversificação de produtos e partici-pação da agricultura familiar? Nestes 10 anos de biodiesel, como estão atu-almente estas questões e qual o seu respectivo futuro ?

Estes questionamentos reforçam a necessidade de realização de pesqui-sas sobre o PNPB, que sejam capazes de verificar os seus impactos no meio rural e na melhoria das condições de vida dos agricultores familiares.

No que diz respeito ao Selo Combustível Social, o tipo de relação constituída através do mecanismo estabelecido no marco regulatório, inédita no país, pode proporcionar boas oportunidades para a agricultu-

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ra familiar. Mas tudo depende dos limites que o Programa tomará daqui por diante: o de garantir a inserção e distribuição da renda ou o de expro-priar a renda fundiária dos agricultores familiares. Não se deve repetir ex-periências anteriores nas quais os agricultores familiares são subjugados, sem poder de barganha ou negociação de preços através de contratos inegociáveis.

Por fim, a questão da monocultura da soja se apresenta, no contexto da sustentabilidade da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel, como uma ameaça. Caso mecanismos de ajustes e de controle para garantia da diversificação da produção e oferta de matéria prima para o biodiesel não sejam implantados e monitorados pelo governo corre-se o risco de im-possibilitar o desenvolvimento e consolidação deste segmento na cadeia produtiva do biodiesel.

No Brasil, a década de 90 foi destaque para o fortalecimento da agricul-tura familiar através da criação do PRONAF, que teve a ação da mobilização dos representantes dos trabalhadores. Hoje, umas das maiores barreiras para a integração do agricultor familiar com o programa biodiesel é o baixo nível de conhecimento para implantação de inovações tecnológicas capa-zes de melhorar a qualidade e a quantidade da produção agrícola nordesti-na. Mais uma vez, é necessário mobilizar a sociedade para que os governan-tes tenham sensibilidade para o problema, investir mais na educação com a criação de mais instituições de ensino agrícola, atrelados obrigatoriamente ao desenvolvimento de tecnologias eficientes e assistência técnica aos agri-cultores, com o devido repasse de tecnologias adaptáveis.

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A SUSTENTABILIDADE NA AGRICULTURA FAMILIAR

Ana Paula Silva de Santana; Alceu Pedrotti

INTRODUÇÃO

A atividade agrícola, com a sua função principal de produção de plan-tas e animais num local determinado, visando a alimentação de uma co-munidade, vem sendo praticada a pelo menos 10.000 anos a.C (MAZOYER E ROUDART, 1997; DIAMOND, 2003; OLSON, 2003; ASSAD & ALMEIDA, 2004). Na pré-história, o uso do fogo para limpeza de áreas, de algumas ferramen-tas para cultivo da terra e de plantios sem preparo do solo eram algumas das práticas que permitiram a formação dos primeiros aglomerados huma-nos, mais ou menos fixos. De lá para cá, muita coisa mudou. A agricultura se espalhou pelo mundo inteiro. As plantas cultivadas e os animais criados passaram por modificações genéticas que permitiram sua adaptação a dife-rentes ambientes, sem perdas drásticas de produtividade. Aumentou-se a diversidade de produtos obtidos por meio da atividade agrícola. O avanço do conhecimento sobre o funcionamento dos diferentes sistemas que com-põem e sustentam a vida na Terra permitiu o desenvolvimento de técnicas que possibilitaram o aumento da oferta de alimentos e a melhoria da dieta humana, pelo menos para o segmento da população mundial que dispõe de acesso à alimentação nutricionalmente equilibrada. Mas duas coisas não mudaram: para produzir alimentos que atendam às necessidades da popu-lação humana é necessário fazer agricultura e, praticá-la, causa impactos no ambiente (ASSAD & ALMEIDA, 2004).

Desde a prática agrícola nos tempos do descobrimento e dos ciclos de culturas, a agricultura influencia e é influenciada por mudanças políticas, so-ciais e culturais (DIAMOND, 2003; OLSON, 2003). O Brasil, país de dimensões continentais, que guarda desigualdades sociais e econômicas acentuadas, tem sua história marcada pela agricultura. Desde o século XVI, quando o Bra-sil colônia era exportador de pau-brasil, até os dias de hoje, a riqueza do país baseada em produtos primários, com produtos agrícolas respondendo por parte importante do Produto Interno Bruto (PIB) (ASSAD & ALMEIDA, 2004).

O espaço rural brasileiro é dotado de diversidades, seja no contexto ge-ográfico, ambiental ou socioeconômico, este é formado por possibilidades e limites que apontam características específicas e inerentes a cada região.

q Desafios e Perspectivas para a Sustentabilidade na Agricultura Familiar48

Dentro deste espaço a heterogeneidade cultural, a variedade dos ecossiste-mas, bem como os diversos interesses socioeconômicos, políticos e ambien-tal apontam os intensos desafios das explorações agrícolas familiares.

A agricultura familiar surge como paradigma contraditório dos interes-ses capitalistas, e emerge uma condição desafiadora de sua produção em relação aos interesses de mercado, superação de trabalho e renda do peque-no produtor e da qualidade ambiental. Em Sergipe a agricultura familiar se destaca como atividade promotora de trabalho e renda para as famílias do campo, além de ser responsável pela produção de alimentos.

Os intensos conflitos no campo marcaram as relações de poder e traba-lho na qual enveredaram em sistemas de lutas pela apropriação da terra. A questão agrária brasileira passou por crescentes debates em detrimento das relações de produção no campo envolvendo renda, emprego, produtivida-de dos trabalhadores rurais, questões ambientais, entre outros fatores.

Neste cenário a agricultura familiar passa por uma série de conflitos e di-ficuldades para se expandir e competir no mercado produtivo. As adversida-des enfrentadas pelo pequeno produtor vão desde a dificuldade de crédito, financiamento, técnicas de cultivo, mão de obra qualificada, dentre outros fatores que os insere num panorama seletivo e excludente. No entanto, este segmento desponta com fundamental importância para a economia atual, sendo responsável por grande parte dos cultivos de subsistência e até o abastecimento do mercado interno.

Nos últimos anos, tem se destacado no meio científico e no debate social sobre o papel dos setores do agronegócio e da agricultura familiar, tem sido comum apresentar esses dois “setores” como tendo interesses muito antagôni-cos, embora se saiba que no atendimento de suas funções, os mesmos podem serem complementares. Vários estudos mostram que, além de empregar um contingente significativo de pessoas, um segmento consolidado da agricultu-ra familiar tem contribuído muito para as exportações e para o atendimento do mercado interno, em nada devendo às dinâmicas produtivas do agronegó-cio. Assim, parece equivocado associar agronegócio unicamente à agricultura patronal, esta por vezes pouco produtiva, bem como associar agricultura fa-miliar exclusivamente à produção de subsistência (ASSAD & ALMEIDA, 2004).

No Brasil, a agricultura familiar se apresenta em caráter regional, cons-tituída por pequenos e médios produtores, dos quais 50% dos estabeleci-mentos se encontram na Região Nordeste. Os potenciais e limites deste ma-nejo são diferenciados e inerentes a cada estado e município.

Buscar compreender os desafios que abarcam a agricultura familiar se faz necessário como meio de identificar e encontrar soluções eficazes que

Ana Paula Silva de Santana; Alceu Pedrotti q 49

possam garantir a qualidade dos agroecossistemas envolvidos, bem como a qualidade socioambiental, em face de identificar e traçar diretrizes e políti-cas que auxiliem o pequeno produtor em sua prática, e torne este segmento um meio eficaz na geração de renda e sustentabilidade social, econômico e ambiental no campo. Dessa forma, tem-se como objetivo propor uma dis-cussão acerca dos desafios da sustentabilidade na agricultura familiar.

1 RECENTES TRANSFORMAÇÕES NA AGRICULTURA BRASILEIRA

O espaço rural brasileiro é bem diversificado e rico em biodiversidade. Neste espaço a agricultura se destaca como um elemento crucial de ativida-de econômica, social e política, além de ser a expressão histórica e cultural de uma sociedade, da qual emerge formas de organização baseadas em tra-jetórias de ocupação territorial.

A partir da década de 60 as relações capitalistas se intensificaram no espaço rural brasileiro. O investimento no setor agrícola provocou acentu-adas transformações no campo, estabeleceu os interesses sociais na espe-cialização produtiva voltada para o mercado interno e para a exportação, contribuindo assim para a modernização do setor. Ao sofrer a influência do capital a agricultura passou por acentuadas transformações no seu modo de produção, fornecendo subsídios para o desenvolvimento rural.

Essas novas relações capitalistas procurou adequar o espaço rural brasi-leiro aos novos modelos de agricultura mundial. De modo a assegurar mer-cados o produtor precisou buscar novas alternativas que tornasse a produ-ção mais rápida e com menor custo. O advento das máquinas proporcionou a mecanização do campo. A instalação de fábricas de máquinas e insumos agrícolas, como arados, tratores e fertilizantes químicos instigaram o pro-cesso de desenvolvimento da agricultura e, marcou um período de trans-formações internas e por consequência um novo processo produtivo e a ampliação do mercado.

O caráter heterogêneo da agricultura brasileira, reflexo de ambientes diversos num país de dimensões continentais, se expressa tanto nas catego-rias patronal quanto familiar. No entanto, a agricultura familiar assume um caráter muito mais heterogêneo do que a agricultura patronal, por ser estru-turalmente mais dependente das limitações e potencialidades do ambien-te. Esse caráter heterogêneo da agricultura brasileira impede a adoção de padrões homogêneos e impõe desafios distintos (ASSAD & ALMEIDA, 2004). Esses fatos colocam em evidência mudanças no padrão agrícola brasileiro, que vêm ocorrendo de meados da década de 1990 para cá. A agricultura não

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está mais sendo vista como uma atividade primária isolada, estando cada vez mais associada aos setores industriais e comerciais. Além disso, mudan-ças globais fazem com que países dependam da importação de alimentos e que programas nacionais agrícolas, que antes visavam a auto-suficiência, hoje contribuam para o excesso de produção (ASSAD & ALMEIDA, 2004).

Silva (2001) destaca que a incorporação destas tecnologias pelos produto-res rurais foram incentivadas pelo Estado, com a implementação de políticas agrícolas de ampliação de mercados e estímulos na obtenção desses produ-tos. Diante disso, os incentivos fiscais foram instrumentos da política econômi-ca brasileira para viabilização agrícola em larga escala, e para a concentração da propriedade privada da terra, e o surgimento de empresas rurais.

O traço marcante desse modelo de desenvolvimento rural, sedimen-tados por políticas governamentais e de incentivo internacional, foi à pa-dronização dos sistemas produtivos, a monocultura de exportação e a es-pecialização produtiva, além da dependência por maquinários e insumos agrícolas. Tais investimentos embora especializasse a produção, não aten-deu completamente as necessidades do setor ao passo que gerou confli-tos, que se expressam na especulação da terra, expropriação do pequeno produtor, alteração das relações de trabalho, dependência de mão de obra especializada, êxodo rural, apropriação inadequada dos recursos naturais, desgaste do solo.

Observa-se que atualmente o processo histórico de modernização tec-nológica da agricultura brasileira tem natureza excludente e tem por face mais visível, o chamado Apropriacionismo, ou seja, o processo progressivo de diminuição da fatia da renda do valor agregado final operado dentro das unidades de produção rural. Por outro lado, é crescente o reconhecimento de que, mesmo no extrato de agricultores considerados como Agriculto-res familiares, a agricultura não é mais vista como uma atividade autôno-ma completamente dissociada de demandas externas, sejam impostas por mercados locais, sejam pela conjuntura estruturada em torno do grande agronegócio. O bom desempenho econômico da agricultura evidencia seu dinamismo e sua importância no Brasil. Entretanto, é necessária uma análise mais detalhada da situação e dos desafios impostos aos agricultores brasi-leiros, visto que seus resultados não têm proporcionado, de imediato, uma efetiva e generalizada melhoria da qualidade de vida no meio rural (ASSAD & ALMEIDA, 2004).

Por outro lado, essas transformações também impuseram a necessidade de identificar alternativas de manutenção e sobrevivência no campo pelos pequenos produtores. Lopes e Costa (2009) afirmam que esse processo de

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transformação rural ajuda a compreender os fatores determinantes do sur-gimento de múltiplas atividades desenvolvidas pelas famílias e para onde se aponta essas mudanças.

Desse modo, o pequeno proprietário alem de trabalhar com sua família para sobreviver ver-se envolvidas em problemas relacionados com à utiliza-ção de tecnologias agrícolas, bem como, com a dificuldade de acesso a cré-dito e com as dificuldades de comercialização da produção. (LOPES e COSTA, 2009 apud ANDRADE, 1991)

2. DESAFIOS DA AGRICULTURA FAMILIAR E SUSTENTABILIDADE

A agricultura possui vital importância para a humanidade. Esta concebe a busca por condições de subsistência, produtividade, renda para as popula-ções humanas, seja pelo fornecimento de alimentos, de matéria-prima para as indústrias, fortalecimento do meio rural e da economia de um Município, Estado ou País. Neste contexto a agricultura familiar representa um desafio para a sociedade contemporânea, seja por sua relevância social quanto pro-dutiva e segurança alimentar.

O progresso científico e tecnológico que estimulou o desenvolvimento de um modelo patronal de agricultura alterou os padrões de cultivo em fa-vor da crescente necessidade de produção e modernização do setor. Essa modernização atingiu majoritariamente as grandes propriedades, mas im-pôs a necessidade dos pequenos proprietários também se modernizarem. Estes, não apresentando condições de adequação a essa realidade imposta pelo sistema capitalista, acabaram por ele subordinado, e assim expropria-dos e subordinados. (LOPES e COSTA, 2009)

A partir da década de 90 desponta um crescente interesse pela agricul-tura familiar no Brasil. Este interesse se consolidou pela instituição de po-líticas agrárias que permitiram o restabelecimento do pequeno agricultor, atribuindo a este segmento crucial importância para a economia do país. Po-líticas Públicas como o Programa de Fortalecimento da agricultura Familiar (PRONAF) buscou favorecer a ampliação e o fortalecimento deste modelo de produção rural ao passo que instigou a obtenção de renda e trabalho para o produtor e sua família por meio de empréstimos.

A agricultura familiar ocupa um espaço representativo na produção de alimentos no Brasil. Sua organização, de acordo com Art. 4º da Lei 4504/64 do Estatuto da Terra, está baseada na Propriedade familiar representada pelo imóvel rural que direta e pessoalmente seja explorado pelo agricultor e sua família lhes absorvendo toda força de trabalho, garantindo-lhes a sub-

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sistência e o progresso social e econômico. Cada região e tipo de explora-ção tem sua área máxima fixada em módulos, e usa eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros.

Este segmento por ser uma unidade produtiva vinculada a mão de obra familiar, torna-se muito dependente de incentivos políticos e institucionais para se organizar e desenvolver dentro do mercado globalizado e competiti-vo. Devido a sua lógica interna específica e ao seu papel social e econômico, é que a agricultura familiar tem que ser tratada de forma específica pelas políticas públicas de desenvolvimento. (TAVARES, 2009).

Wanderley (2001) destaca que a agricultura familiar não é uma categoria social recente, mas que sua utilização lhe tem atribuído, nos últimos anos no Brasil, ares de novidade e renovação. Intensos debates sobre a agricultura familiar têm enunciado e produzido a importância de estudos voltados para este setor, que diferentemente do agronegócio, pode ser considerada um espaço de reprodução social e de dinamização da economia local.

Essas definições confirmam a efetiva relevância da agricultura familiar na contemporaneidade. Além de ser a expressão simbólica e cultural das populações rurais, ela tem sido responsável, dentre tantos aspectos, pela viabilização da segurança alimentar e nutricional, diversidade das formas de vida, valorização do meio rural, manejo sustentável dos recursos naturais, inclusão social, preservação cultural e dos saberes tradicionais.

Schneider (2011) ressalta que a importância da agricultura familiar tende a crescer na medida em que se amplia o interesse pelas suas formas diversi-ficadas de ser. Nesse sentido, os diferentes mecanismos de viabilização das formas de existir dos agricultores familiares têm garantido sua identidade, bem como a possibilidade de inserção de práticas ancoradas na ideia de sus-tentabilidade, preservação dos recursos e segurança alimentar.

Outro aspecto está na revalorização dos saberes tradicionais e dos re-cursos naturais, bem como, na produção de renda para estas famílias. Essas comunidades rurais produtivas representadas pela agricultura familiar en-frentam o desafio de manter-se no campo, produzir, atender a demanda de consumo da população urbana, e ainda garantir a si próprio condições de subsistência.

[...] Quando se faz um diagnóstico da situação vivenciada pelos agricultores familiares fica claro que a categoria enfrenta uma série de dificuldades. E o mais agravante é o fato disso não acon-tecer de forma isolada, estando presente em todas as regiões brasileiras. As demandas de maior frequência incluem a dispo-

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nibilidade de capital de giro e recursos para investimentos. Ade-mais, ficam registrados os custos elevados com equipamentos e instalações para auxiliar na produção; fato que revela a presença mais constante de sistemas produtivos modernos com uso inten-sivo de insumos adquiridos no mercado pela agricultura familiar. (CONCEIÇÃO et al, 2009)

Dessa forma, a necessidade de novas tecnologias e de condições so-cioambientais capazes de desenvolver um ambiente agrário estruturado e compatível com as conjecturas de uma agricultura sustentável também enfatizam os aspectos que desafiam a agricultores familiares. Nesse sentido, esses aspectos transcorrem tanto o cenário social, político, econômico, tec-nológico e ambiental.

Sachs (2000), ao tratar do termo sustentabilidade, ressalta que este con-siste numa nova postura de vida para as civilizações, de modo a representar estratégia de sobrevivência a longo prazo, na intenção de preservar os re-cursos para as gerações futuras, manter relação de equilíbrio com o meio ambiente, conservação da biodiversidade. O mesmo autor aborda ainda que essa sustentabilidade deve ser empregada em suas dimensões ambiental, social, econômica, além de cultural, e política.

Essas dimensões enfatizam a diversidade e a complexidade no alcance da sustentabilidade, que envolve, entre outros aspectos, uma perspectiva de mudança local tanto nas formas de apropriação dos recursos naturais quan-to pelas atividades desenvolvidas pelo homem.

De acordo ainda com Sachs (2000) os critérios de sustentabilidade so-cial envolve o alcance de um patamar razoável de homogeneidade social, distribuição justa de renda e igualdade no acesso aos recursos e serviços so-ciais. Destarte, no âmbito social, o desafio da agricultura familiar consiste na representatividade política de movimentos sociais, supressão de desigual-dade social, políticas de inclusão que visem minimizar a pobreza e reduzir o êxodo rural.

Os critérios econômicos englobam um equilibrado desenvolvimento intersetorial, segurança alimentar, capacidade de modernização contínua, autonomia cientifica e tecnológica (SACHS, 2000). Nesta perspectiva, econo-micamente, o desafio está inserido na articulação integrada entre produção, estocagem e comercialização dos produtos. No contexto da globalização e da economia de mercado o produtor familiar necessita de condições que lhe permita resistência mediante essa realidade, seja no âmbito nacional e até internacional. Além disso, políticas de incentivo que superem as dificulda-

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des de assistência técnica, acesso ao crédito e comercialização da produção são aspectos relevantes na promoção econômica das explorações agrícolas familiares.

No critério ambiental destaca-se o respeito e realce da capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais. Veiga (2010, p. 171) descreve que “a sustentabilidade ambiental é baseada no duplo imperativo ético de soli-dariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras”. Essa visão empenha em buscar soluções, em escala de espaço e tempo, que configurem sucessivas mudanças sociais, econômicas e ambientais, em consonância com os recursos disponíveis na natureza.

Outra questão que merece destaque no cenário da agricultura familiar está relacionada ao uso e ao manejo do solo. A agricultura familiar desem-penha papel fundamental na conservação dos recursos naturais, tanto pela redução de causas geradoras de instabilidades ambientais que ameacem equilíbrio dos agroecossistemas e a riqueza da biodiversidade, quanto pela eliminação de processos de erosivos e de desgaste do solo. Segundo Fer-reira (2008, p. 129) “a forma de utilização dos solos na agricultura tem como desafio conciliar maior produtividade e menos degradação”. Dessa forma, o incentivo e conhecimento de práticas menos agressivas do solo e que seja capaz de atender as demandas e estratégias de produção sintonizada com a perspectiva ambiental.

A busca por essa qualidade ambiental nos sistemas agrícolas familia-res perpassa pela identificação de atributos que garantam boas condições de solo e saúde das culturas envolvidas, como meio capaz de manter o equilíbrio entre produção e meio ambiente. Assim, garantir produtividade mantendo a conservação dos recursos naturais por meio de tecnologias apropriadas que considerem a viabilidade econômica, social e ambiental, consiste em aspecto de extrema importância para a agricultura familiar.

Atualmente, um grande desafio para o agricultor-produtor de alimentos é entender que não basta produzir. É necessário considerar toda a cadeia que leva o produto ao consumidor e isto exige profissionalização da ativi-dade agrícola. Os tradicionais ciclos de preços de mercadorias perderam sua estabilidade (as fases de preço baixo eram seguidas, com confiança relativa, por fases de preço alto). A especialização cada vez maior de alguns segmen-tos da produção agrícola, como a avicultura, suinocultura, fruticultura, ca-feicultura e outros, e a diminuição de sistemas de produção diversificados, de pequeno e médio porte, resultam em menor flexibilidade para reduzir a produção, em resposta a baixos preços de um dado produto. Consequente-mente, as fases de preço baixo ficam mais longa s e as de alto preço, mais

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curtas, a não ser que se apliquem outros mecanismos reguladores de preço, além da quantidade. Como resultado, muitos produtores tentam participar das cadeias de produção de valor agregado. As cadeias de produção de ali-mento tenta m estender a transparência e a rastreabilidade do produto agrí-cola até a propriedade, e exigem medidas de manejo ambiental, bem-estar de trabalhadores e de animais e segurança alimentar, as quais criam novas tarefas e responsabilidades para os agricultores, extensionistas e pesquisa-dores (ASSAD & ALMEIDA, 2004).

Embora a sustentabilidade da agricultura seja defendida e almejada por diferentes setores produtivos e por diferentes segmentos sociais, ela ainda se apresenta utópica. As alternativas de manejo agrícola sustentável, que permi-tem a minimização de danos ambientais, esbarram muitas vezes em interesses econômicos distintos. Além disso, mesmo quando se observa uma melhora na relação agricultura e ambiente, por meio de tecnologias consideradas menos agressivas, esta nem sempre está associada a uma sustentabilidade social. Ou seja, a sustentabilidade está se impondo muito mais pelo aporte da questão ambiental do que pelo lado da justiça social (ASSAD; ALMEIDA, 2004).

A agricultura familiar sustenta uma mudança cultural no meio rural, é al-tamente dependente de políticas que promovam o seu desenvolvimento e sua viabilidade econômica está relacionada a acesso a créditos de custeios e investimentos bem como novas oportunidades de negócio, com necessida-de de inclusão social e acesso a informações e tecnologias. Para Chiavenato (1994) todas as organizações devem ser analisadas sob o aspecto de eficácia e eficiência, ao mesmo tempo, pois para este autor, eficácia é uma medida normativa do alcance dos resultados, enquanto eficiência é uma medida normativa da utilização dos recursos nesse processo. Enquanto a eficiên-cia é uma relação entre custos e benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível. Assim, a eficiência está relacionada em fazer as coisas certas, em nível operacional, em relação ao controle dos recursos utilizados, ao tempo desprendido, a mão de obra, ao orçamento, deve-se conhecer o processo, ter habilidade e rapidez, se preocupa com os meios, fator interno. A eficácia está relacionada em nível de gerência desses recursos disponíveis, ser eficaz é fazer com que as coisas certas sejam feitas, se preocupar com os fins para o cumprimento de metas e objetivos, está relacionado com o externo.

A expansão agrícola exerce pressão econômica sobre a agricultura fami-liar, pratica métodos e atividades de produção agrícola de maneira intensiva e de escala, com a utilização de grande quantidade de insumos agropecuá-

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rios, sendo responsável nos últimos anos pelo aumento dos padrões de pro-dução e produtividade. Seus avanços tecnológicos marcam uma revolução histórica na agricultura brasileira, porém somente ao alcance dos produto-res mais capitalizados e com danos inestimáveis ao meio ambiente pelo uso indevido da terra e recursos hídricos, grande utilização de insumos, defensi-vos e alterações genéticas nas culturas.

Considerando os fatores de produção, terra ou recursos naturais, traba-lho, capital e capacidade empresarial, o desempenho dos estabelecimentos familiares é inferior aos não familiares, demonstrando que internamente, estes estabelecimentos têm maior dificuldade na gestão de recursos e tec-nologias; já os não familiares apresentam maior desempenho produtivo, tornando-se mais eficazes que os familiares, impulsionados pelo crescimen-to da atividade agrícola, gerando desempenho econômico direcionado a grande produção. Os estabelecimentos não familiares preocupados com as metas ditadas pelo mercado, utilizam todos os recursos, mesmo que para alcançá-los os métodos não sejam convencionais ou sustentáveis. Pode-se citar a grande expansão de terras agrícolas e encolhimento de florestas nati-vas e intensificação de uso de agrotóxicos e fertilizantes.

Desta forma, enfatiza-se que a agricultura não pode negar seu papel so-cial, econômico e ambiental na produção do desenvolvimento e de uma ati-vidade sustentável, cujos desafios expressam-se de maneira cada vez mais urgente no cenário nacional.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A agricultura familiar representa um desafio para sociedade atual, seja para geração de renda para os pequenos produtores, seja como estratégia de desenvolvimento da economia local e ou regional, seja pelo desenvolvi-mento sustentável na produção de alimentos. À medida que as áreas urba-nas se expandem a demanda por alimentos e matéria prima aumenta para atender as necessidades de consumo.

O modelo de agricultura patronal também tem gerado custos a socieda-de. A degradação dos recursos naturais, desgaste do solo, o uso de insumos agrícolas são exemplos dos problemas advindos dessa forma de produção rural, além de custos sociais que pela sua consolidação econômica traz a consequente exclusão dos pequenos produtores.

A agricultura familiar, diferentemente da agricultura proposta pela mo-dernização, é vista como um espaço de reprodução social e de dinamização que permite à aplicação de métodos sustentáveis de manejo que visem pro-

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mover o desenvolvimento rural a partir do atendimento das necessidades fundamentais de sua população, conservação dos recursos naturais e a re-valorização cultural.

A eficácia da agricultura familiar está relacionada aos meios necessários para a produção agrícola, onde os agricultores familiares são menos eficien-tes, com maior dificuldade na gestão dos recursos e tecnologias, também pode-se relacionar a característica destes estabelecimentos, como consoli-dados, em transição ou periféricos, sendo estas informações não objeto de análise dentro dos dados colhidos.

Para o desempenho da agricultura familiar, é necessária a visão do Estado nas suas várias condições, sua inserção socioeconômica, a sua disponibilidade de recursos (terra, água, capital e tecnologia), sua localização geográfica, suas oportunidades de acessos a mercados, insumos e informações e a conjuntura econômica do país que vão influenciar na capacidade produtiva. É necessário para isso criar parcerias público privadas que estimulem a prática de gestão nas pequenas propriedades, embasadas em capital humano, estimulando o espírito empreendedor para que possam ser inseridos nas oportunidades de negócios, tenham capacidade inovadora através de pesquisas e extensões re-lacionadas ao desenvolvimento agrícola. Todo esse envolvimento do estado é necessário para que a renda agrícola destes estabelecimentos seja maior que o custo de oportunidade de trabalhos não agrícolas, garantindo o espaço para a agricultura familiar no Brasil, que é parte significativa do setor rural brasileiro, ter uma visão geral do problema e definir estratégias de desenvolvimento de acordo com as necessidades locais (SERAFIM JUNIOR et al., 2015)

Os desafios a qual estão expostos a produção agrícola familiar no esta-do de Sergipe expõe os anseios de uma agricultura familiar capaz de gerar inclusão social, desenvolvimento econômico, sustentabilidade ambiental e o cultivo de alimentos saudáveis. Dessa forma, se faz ainda necessário o for-talecimento de politicas de inserção e valorização dos pequenos produtores a fim de promover as perspectivas atribuídas a este setor.

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A SUSTENTABILIDADE DA ÁGUA NO MUNICÍPIO DE POÇO VERDE-SERGIPE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Alane Regina Rodrigues dos Santos; Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas

INTRODUÇÃO

A água é um dos compostos químicos mais importantes do planeta, assim como o sol, a água é fonte de vida e elemento fundamental para o equilíbrio e manutenção dos ecossistemas terrestres. Desde os primórdios da civilização, todos os seres vivos e os processos naturais que ocorrem na terra dependem desse recurso para sustentação da vida e para o desenvol-vimento socioeconômico da população.

Atualmente, o Brasil possui reservas hídricas privilegiadas em relação a outros países, entretanto, existem lugares em seu território que a disponi-bilidade hídrica não é equilibrada ou favorável, ou seja, enquanto há regi-ões com forte abundância de chuvas e rios, outras não dispõem do mínimo diário de 20 a 50 litros de água por pessoa como é recomendado pela Or-ganização das Nações Unidas (ONU) para atender as demandas básicas da população.

Nota-se que, mesmo a água sendo um líquido vital indispensável para a sobrevivência humana, nem todos tem acesso a ela em quantidade e quali-dade suficientes para garantir o seu bem-estar social, a saúde e o desenvol-vimento econômico.

A região semiárida do Brasil é um bom exemplo dessa desigualdade. A seca que castiga o ser humano por séculos, agrava-se por falta de políticas públicas eficientes que sejam capazes de promover um modelo de desen-volvimento que assegure não apenas a saúde humana como também a sus-tentabilidade social, alimentar, ambiental e econômica do semiárido.

Considerando a importância desse debate na atualidade, o município de Poço Verde, localizado no Estado de Sergipe, presente no nordeste brasilei-ro, foi o local escolhido para o desenvolvimento desta pesquisa. Esta região apresenta um regime pluviométrico marcado por extremas irregularidades, no tempo e no espaço, porém; na última década, o quadro de extrema po-breza e a espoliação social vem diminuindo com a chegada de políticas pú-blicas voltadas para o desenvolvimento e convivência com o semiárido.

Diante desse contexto, a presente investigação científica teve como ob-jetivo analisar a sustentabilidade da água no município de Poço Verde-SE

q A Sustentabilidade da Água no Município de Poço Verde-Sergipe60

a partir das transformações ocorridas com a chegada de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e convivência com o semiárido.

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A água é um recurso natural indispensável para a sobrevivência humana assim como para a vida dos animais e vegetais. Desde os primórdios da civi-lização, a água tem sido um dos principais componentes do planeta terra e constitui-se em um elemento fundamental para o equilíbrio e manutenção dos ecossistemas terrestres.

Diante disso, a água é mais que um recurso vital. Ela exerce notável in-fluência sobre todas as formas de vida que se apresentam na natureza e por estar presente há bilhões de anos na terra, a água é considerada por muitos estudiosos, uma parte íntegra do nosso planeta, responsável por toda dinâ-mica funcional da terra.

De acordo com Petrella (2002), todos os habitantes da terra sejam eles animais, humanos ou vegetais, necessitam da água para continuarem exis-tindo, não é uma questão de escolha, todos precisam dela. A água por não ser substituída por qualquer outro composto faz dela um bem básico que não deve ser subordinado a um único princípio setorial de valorização, le-gitimação e regularização. Assim, ela se enquadra basicamente nos prin-cípios sociais e jurídicos de funcionamento da sociedade como um todo, considerada por muitos pesquisadores como Tundisi (2009), Rebouças (2002), Petrella (2002), Ab Sáber (1999) um bem comum, social, básico a qualquer ser humano.

Observa-se que a água é fonte de vida, e sem a sua ingestão, animais, vegetais e os seres humanos padecem em poucos dias. O corpo humano, por exemplo, depende de 70% de água para um bom funcionamento de seu sistema, assim como os seres vivos, as plantas necessitam da água para continuarem existindo. Além do mais, a água é agente fundamental na transformação da superfície do planeta, pois os rios, os lagos, as geleiras e os oceanos erodem as rochas, depositam seus sedimentos, e assim a mol-dam, ao longo do tempo geológico. Mas, umas das grandes questões que tem gerado grandes questionamentos, é que nem toda a água existente no planeta é diretamente utilizável para o consumo humano, pois, de toda água da superfície apenas 3% não é salgada, mas, desse percentual 68,7% encontram-se indisponíveis, por estarem presas nas calotas polares. Acres-cente-se ainda, que a maior parte da água doce restante superficial 30,1% encontra-se nos reservatórios subterrâneos (TEIXEIRA et al., 2009).

Alane Regina Rodrigues dos Santos; Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas q 61

Segundo Tundisi (2006, p. 82) a América do Sul é abundante em rios, os quais têm papel econômico, social e ecológico extremamente relevan-te para o desenvolvimento do país. A área de várzea, os rios e as vastas planícies de inundação, associados a muitos lagos permanentes e tempo-rários, são responsáveis pela grande variedade de habitats, fauna e flora altamente diversificada e especializada e, além do mais, possui uma im-portante reserva da água doce utilizada para diversas finalidades. Diante desse contexto,

O Brasil apresenta em todos os quadrantes do seu território as con-dições necessárias ao desenvolvimento da vida, já assinaladas por Aristóteles, no século IV a.c – a presença simultânea de terra, ar, água e calor. “Terra e ar existem em todos os lugares e com qua-lidade propícia à vida em geral. Restam água e calor: se falta um ou outro, a vida desaparece”. Água e calor não faltam no Brasil e, relativamente, água na região Nordeste (REBOUÇAS, 1997, p.128).

Neste sentido, Rebouças (1997, p. 128), reporta ao discurso que “embora o Brasil possua uma forte abundância de chuvas e grande número de rios em seu território o sertão nordestino enfrenta secularmente graves proble-mas relacionados com a seca”.

Nota-se, que independentemente da disponibilidade que a água se apresenta na natureza, existe um aspecto social relacionado à distribuição da água que merece uma melhor atenção em seu gerenciamento, pois, uma parcela significativa da população mundial ainda sofre com a falta de água, principalmente as regiões semiáridas do Brasil. Acredita-se que a interfe-rência humana no ciclo hidrológico seja dos principais fatores que afetam a qualidade da água, tanto que em alguns países os níveis desse recurso já esta sendo considerado esgotável por muitos cientistas, que alertam para uma possível crise da água em algumas regiões do planeta. (CASTELLAR, 2002). Para Ricklefs (2003),

A espécie humana tem um imenso impacto na Terra, manejando ou de outra forma afetando a maior parte da superfície da Terra ou das águas. As atividades humanas causaram deterioração nos ecossistemas e a extinção de muitas espécies. As repercussões estão se acelerando, conforme a população cresce o consumo per capita de energia e recursos aumentam correspondentemente (RICKLEFS, 2003, p. 13).

q A Sustentabilidade da Água no Município de Poço Verde-Sergipe62

Como é possível observar, o atual modelo de desenvolvimento marcado pelo grande avanço tecnológico e pelo aumento na produção e consumo, passou a ser responsável pela forma contínua e desigual, que sem maiores precauções levam paulatinamente à degradação ambiental. Desse modo, com o aumento da degradação, pode ocorrer a perda da qualidade de vida, a destruição de habitats, contaminação das águas e possivelmente redução da biodiversidade no planeta (DIAS, 2004).

É de suma importância ressaltar, que dentre os ambientes naturais mais afetados pela ação antrópica, está a água, recurso essencial para a sobre-vivência da espécie humana na terra. Embora seja um recurso finito e ne-cessário para manter toda forma de vida na terra, os impactos provocados sobre ela estão cada vez mais intensos, tanto no aspecto qualitativo como no aspecto quantitativo (SIRVINSKAS, 2008).

Neste sentido, percebe-se que a interferência humana é um dos fatores que causam a contaminação da água, e o uso de substâncias tóxicas pela indústria, pela agricultura e o lançamento de efluentes não tratados nos rios e lagos, são alguns dos diversos fatores que também contribuem com a po-luição e degradação dos recursos hídricos.

Dessa forma, verifica-se que a água doce presente no planeta é um bem natural de direito universal e deve ser encarada como o elemento mais precioso da vida na terra, sendo essencial preservá-la para a satisfação das necessidades humanas básicas, como a saúde, a produção de alimentos, a energia e a manutenção dos ecossistemas regionais e mundiais (CASTRO & SCARIOT, 2005, p. 82).

Pruski & Pruski (2011, p. 28) esclarece ainda que a água presente na su-perfície ou interior da terra não é apenas um elemento necessário somen-te para as necessidades humanas, mais é um componente fundamental do meio ambiente e da paisagem. Os autores afirmam, que quando há elevada abundância, a água pode ser tratada como um bem de uso comum, sem necessidade de atribuir valor econômico, por outro lado, quando ocorre au-mento da demanda e surgem conflitos entre os usuários a água passa a ser considerada escassa, necessitando ser gerenciada como um bem econômi-co, atribuindo-lhe um valor simbólico que seja capaz de sustentar o seu uso demasiado pela população.

Com base nisso, ressalta-se que, a escassez dos recursos naturais, a seca na região nordeste e a ameaça de extinção têm gerado cada vez mais uma mobilização gradativa para a construção de um modelo novo e sustentável de desenvolvimento que não engloba apenas o sistema de produção, mais o associe à conservação dos recursos naturais numa perspectiva livre, cole-

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tiva, ética e democrática que represente uma reflexão crítica dos princípios sustentáveis (MEDINA, 2002).

1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A elaboração desse artigo se estabeleceu a partir de um estudo biblio-gráfico das bases teórico-conceituais referentes à disponibilidade hídrica, seca no Nordeste, convivência com o semiárido, Políticas Públicas e susten-tabilidade. O arcabouço teórico utilizado se constitui de teses, periódicos, artigos, livros e sites.

Afim de fazer o reconhecimento da área de estudo, foram realizadas via-gens de campo entre 2013 e 2014. Os povoados Saco do Camisa, São José, Cacimba Nova, Recanto e Bom Jardim localizados no município de Poço Verde-SE foram escolhidos para as entrevistas semiestruturadas e para as observações diretas da realidade estudada.

Nesta perspectiva, foi utilizado na pesquisa o método fenomenológico que teve a finalidade de detalhar através da percepção das famílias do muni-cípio de Poço Verde o que mudou em relação à seca dos últimos 20 anos em relação às mais recentes. Com a utilização desse método, foi possível inter-pretar e descrever como as tecnologias sociais hídricas de convivência com o semiárido têm fortalecido e mudado a vida da população desse município.

Dos 220 questionários aplicados, 10 foram registradas com gravações. Dessa forma, procurou-se manter a fala dos entrevistados respeitando os as-pectos significativos da fala a fim de utilizá-la como citação. As abreviações F1, F2, F3 (Família 1, Família 2, Família 3..) identificam as famílias dos partici-pantes que permitiram a gravação do depoimento.

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

2.1 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE POÇO VERDE-SE

O município de Poço Verde (Mapa 1) possui uma área territorial de 440,131 Km² e Localiza-se nas coordenadas 10º42’11” de latitude sul e 38º11’06” de longitude oeste, estando a sede em uma altitude de 275 me-tros. A área ocupada pelo município é de 523,7 Km² e sua distância da capital de Sergipe é de 146 Km.

q A Sustentabilidade da Água no Município de Poço Verde-Sergipe64

Mapa 1 - de Localização do município de Poço Verde-SE

Fonte: SERMARH-SE e IBGE. Elaborado por Luciano Lima.

Situado na mesorregião geográfica do Centro Sul Sergipano, Poço Verde é responsável pela ligação entre Sergipe e Bahia. Limita-se ao oeste com os municípios baianos Heliópolis, Fátima e Ribeira do Amparo, ao norte com as cidades de Adustina e Paripiranga; ao leste com o município sergipano Simão Dias e ao Sul com Tobias Barreto.

2.2 Perfil dos entrevistados

O perfil dos entrevistados foi analisado segundo os dados obtidos do questionário. Através desse instrumento foi possível identificar aspectos como: gênero, idade e renda. Desse modo, de acordo com os dados cole-tados na pesquisa de campo, 65,9% da população entrevistada é do sexo feminino e 34,1% do sexo masculino. A predominância de entrevistados de sexo feminino ocorreu pelo fato das mulheres serem encontradas frequen-temente em casa no momento da entrevista, enquanto que os homens em sua grande maioria estavam cuidando da lavoura.

Através da aplicação dos questionários com os chefes de famílias dos domicílios do município de Poço Verde, pode-se identificar que a faixa etária dos pesquisados entrevistados no campo varia de 26 a 50 e acima de 60 anos com 28,6% e 43,2% respectivamente.

No que diz respeito a fonte de renda dos entrevistados foi constatado varie-dade significativa (Figura 1) a grande maioria dos moradores quando questio-nados sobre a procedência da renda familiar responderam mais de uma opção.

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Figura 1- Fonte de renda dos entrevistados.

Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

De acordo com a Figura 1, das duzentas e vinte famílias entrevistadas no município de Poço Verde/SE, 53,6% tem como principal fonte de renda a ati-vidade agrícola, 52,3% sobrevive da aposentadoria, 26,4% recebem algum beneficio social do governo, 4,5% trabalham por conta própria no estabele-cimento (bar, barbearia, mercearia e salão de beleza) ou prestam serviço à comunidade como pedreiro, diarista e empreiteiro, 3,6% tem emprego fixo (agente de saúde, professor, agentes de limpeza), 0,9% sobrevive da pensão e menos de 0,5% tem como principal fonte de renda ajuda de terceiros.

Além disso, observou-se que a população (53,6%) sobrevive de ativida-des agropastoris (criação de cabras, porcos, vacas leiteiras, galinhas, milho, mandioca e feijão) enquanto que 26,4% demonstraram ser totalmente de-pendentes do auxilio, “Bolsa Família e Bolsa Estiagem”.

Por conseguinte, pode-se identificar sob a ótica desses moradores o que mudou em relação à seca dos últimos 20 anos em relação as mais recentes. Sob perspectiva, as entrevistas fizeram saber que,

A gente sofria muito no período da seca porque num existia cisterna, os carro pipa era muito difice, era muito difice chegar um carro pipa aqui pra por água pra gente. Oia moça, conseguir achar água menos suja tinha que andar era muito até encontrar algum reservatório às vezes encontrava algum mais era tudo seco, seco, seco. Agora graças a Deus mioro, que quero dizer as-sim 90%, num é trinta mai, é 90% pra num ser 100% né? 90% ta tudo bom porque desses anos pra cá a coisa miorô. Eu era criança, mais lembro do sofrimento de minha mãe, pois ela saia buscando água cum 10 légua cum muito mais do que isso e ai a gente morando ali ói naquele pé de serra lá. Cê ta vendo aque-les pé de serra lá, era ali que minha mãe ia buscar água, ali nos

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parmar depôs da serra. Agora não, tudo melhorô é carro pipa trazendo água, é os governantes dado cinsterna pra quem quer prantar, criar boi, porco, galinha.. Antigamente minha fia era tudo mais difíce, hoje temo água suficiente e outra coisa, não preciso andar mais de 10 légua como fazia a anos atrás com minha mãe, pois tenho a água que preciso no quintal de casa, esses tanques, esses tanques aqui minha fia são uma benção na nossa vida, isso graças a Deus né e também a esses governos aí que tão trazendo algo bom para nosso lugar que por anos castigou muito nóis, não foi pouco nóis sofremo muito até fome já passei com minha famí-lia e hoje chega ajuda, ainda é pouco mais chega (F1, Morador do Povoado Saco do Camisa).

A fala da família F1 expõe os anseios e a vulnerabilidade das pessoas que por anos sofreram com a distância de ter que ir buscar água longe de suas residências, com a falta de opção para se adquirir água de qualidade e prin-cipalmente com a falta de produção de alimentos para a própria subsistên-cia. As respostas se caracterizam mais uma vez no depoimento da Família F3.

A gente já passou mutcha dificuldade, era uma seca mais terrive que a outra. ai num tinha água era esperano os carro vim trazê aqui no pete e a gente era pegano. Era que nem uma santa mis-são, um pegava um bade oto pegava oto e era aquela agonia. E os animais, os gado morreu mutcha rezes, as veiz num tinha cumida, num tinha água, a sorte ainda que teve um subrinho que encontrou um poço perto duma nação e com ajuda de uma bomba puxava a água e dava os animais pros bichinhos não mor-rerem de sede, e a gente tombém tomava banho cum aquela água por que num tinha água doce pa tumá banho, tinha que toma cum aquela água, oi foi um sofoco, pois nesse tempo não ti-nha água incanada ainda, e nois passemo um pouco de ficudade mai depois fomo passano passano e hoje graças a Deus já mioro, aquelas secas fortes não tem mais como antes, as veiz dá um ano num outro não dá, entendeu? num é todo os anos mais. Graça a Deus nois temo água sufuciente nas cinsternas calso aconteça outra seca. (F3 Moradora do Povoado Bom Jardim).

Desse modo, as falas dos participantes expressam as principais dificul-dades enfrentadas em época de estiagem pelos moradores, por outro lado

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pode-se extrair das falas dos entrevistados que após a chegada das cister-nas (Figura 2) e de outras tecnologias sociais hídricas, os impactos socioam-bientais provocados pela escassez de água têm diminuído com o passar dos anos.

As cisternas, de acordo com Malzevvi (2007) deixam as famílias mais autônomas e menos dependentes do auxilio dos carros pipa. Portanto, é essencial salientar que isso se deve graças às tecnologias sociais hídricas vol-tadas para o desenvolvimento e convivência com o semiárido presente na região em estudo.

Figura 2: Residências contempladas com cisternas pelo Programa P1CM.

Fonte: Pesquisa de campo, 2014. Povoado Saco do camisa.

Quando questionados sobre a quantidade de água (Figura 3) disponível para o consumo, produção e dessedentação animal, 64% disseram-se satis-feito com a quantidade de água disponível, enquanto que 41,6% declara-ram-se insatisfeito e apenas 4,4% consideram totalmente satisfeitos.

Figura 3- Quantidade de água disponível para consumo.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

q A Sustentabilidade da Água no Município de Poço Verde-Sergipe68

Em relação à qualidade da água disponível para consumo humano. É possível identificar na Figura 4 que, das duzentos e vinte famílias entrevista-das 64,8% declararam-se satisfeito pelo fato de utilizarem a água da chuva para beber e cozinhar, enquanto que 18,6% disseram totalmente satisfeito e apenas 16,6% alegaram insatisfação por existir a salobridade e impurezas na água.

Figura 4- Grau de Satisfação em relação a qualidade da água.

Fonte: Pesquisa de campo, 2014.

No tocante a Figura 4, observa-se que a maioria dos entrevistados de-monstrou-se satisfeito com a qualidade da água disponível, isso se deve ao fato de estarem captando e utilizando água de chuva para suas necessida-des básicas.

Neste sentido, todos os entrevistados foram convictos ao afirmarem que as cisternas além de fornecer água boa e de qualidade, alivia o trabalho fe-minino de buscar água e possibilita certa independência das famílias em relação ao carro pipa. Segundo Souza Passador & Luiz Passador (2010, 81) “a cisterna permite que as famílias tenham acesso à água de qualidade sem ter que perder tempo ou empreender grandes esforços físicos nos deslocamen-tos entre a casa e a fonte de fornecimento de água”.

2.3 DESENVOLVIMENTO, MOBILIZAÇÃO E CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO

Quando indagados se as tecnologias sociais hídricas de convivência com o semiárido construídos pelo programa Um Milhão de Cisterna (P1MC) e pelo Programa uma Terra e Duas Águas (P1+2) tem garantido a disponi-bilidade de água e contribuído para a permanência das pessoas na região, 93,6% dos participantes acreditam que graças a essas políticas públicas es-tão conseguindo ter acesso a água de qualidade, enquanto que para 6,4% afirmam que o município possui poucas tecnologias e as que tem não são acessíveis e presentes em todas as comunidades.

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De acordo ainda com os dados coletados, constatou-se que 82,7% das pessoas entrevistadas recebem assistência/benefícios (Figura 5) de algum órgão governamental para suprir o problema da falta de água na região. Já 17,3% declararam não receber nenhum auxilio para amenizar o problema.

Figura 5- Assistência e Benefícios.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

Dos benefícios e assistência fornecidos pelos governantes para minimi-zar a falta de água e de alimentos no município de Poço Verde-SE, estão: O bolsa estiagem1 instituído pela Lei Número 10.954, de 29 de setembro de 2004 que permite aos agricultores receberem o valor de quatrocentos reais disponibilizados em cinco parcelas por meio do cartão cidadão, bolsa família ou de outros cartões vinculados a programas do Governo Federal.

Outra assistência emergencial realizada no município para aumentar a oferta de água e alimentos é a distribuição de cestas básicas e a operação car-ro pipa. Embora sejam necessárias, essas medidas ainda possuem caráter as-sistencialista, isto é, combate a seca naquele momento, porém não soluciona o problema, perdurando até os dias atuais a chamada “Indústria da Seca”.

Outra questão perguntada aos participantes da pesquisa foi sobre o ní-vel de satisfação em relação as políticas públicas voltadas para o desenvol-vimento do semiárido (Figura 6). Dos respondentes, 66,4% afirmaram que estão satisfeitos. De acordo com essas pessoas, a partir da criação dessas po-líticas, passaram a ter água de qualidade e própria para o consumo sem pre-cisar se deslocar vários quilômetros para ter acesso a um direito garantido por lei. Ademais, 30% declararam-se insatisfeitos uma vez que nem sempre essas políticas chegam a quem realmente de fato necessita e 3,6% disseram estarem totalmente satisfeitos.

1 Para receber esse auxilio as pessoas devem residir em município considerado em esta-do de calamidade pública ou situação de emergência, ter renda até dois salários mín-imos, não possuir financiamento agrícola, nem o seguro safra, além do mais, devem estar cadastrados em programas sociais do governo.

q A Sustentabilidade da Água no Município de Poço Verde-Sergipe70

Figura 6 -Nível de Satisfação dos moradores em relação às Políticas Públicas

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014.

Com base na figura acima, é possível perceber que a grande maioria da população entrevistada considera-se satisfeitas com as políticas públicas criadas para a convivência e desenvolvimento do semiárido. Por outro lado, as famílias F1, F2, F3, F4, F5, F7 F8, F9 e F10 afirmam que para aumentar ain-da mais a oferta de água e diminuir os problemas ocasionados pela seca no município, os governantes deveriam: a) construir mais cisternas, b)criar empregos fixos, principalmente para os jovens não sentirem vontade de partirem para outras regiões do país, c) limpar e preservar os açudes, cavar mais poços, d) distribuir para todos os agricultores mais cisternas calçadão para aumentar a produção e a renda familiar, e) comprar mais carros pipa, f ) aumentar o número de Ponto da água e limpar os reservatórios antes de colocar a água, g) deixar um carro pipa disponível para abastecer as pro-priedades que tem animais como: Galinha, Porco, Boi entre outros animais, h) fazer um tratamento nas águas da Barragem do Povoado São José para tirar a salinidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dessa pesquisa pode-se identificar que a situação de desigualda-de hierarquizada nas inter-relações sociais, vem sendo substituída por uma nova transição paradigmática e racionalidade ambiental de convivência com a seca, uma vez que essas famílias declararam-se satisfeitas com a dis-ponibilidade de água e com os benefícios oferecidos pelos programas PIMC e P1+2, visto que essas políticas públicas têm garantido o acesso à água em qualidade e quantidades suficientes para suas necessidades básicas e para dessedentação animal e diminuído os efeitos socioambientais no município.

Logo, todos se conscientizem de que essas políticas públicas têm au-mentado o nível de vida e garantido a permanência das pessoas (comuni-dades) nas áreas rurais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RACIONALIDADE AMBIENTAL EM FACE AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Sérgio Silva de Araújo; Antenor de Oliveira Aguiar Netto; Laura Jane Gomes

INTRODUÇÃO

A preocupação com o meio ambiente tem sido colocada na pauta na-cional e internacional das políticas socioeconômicas, tendo como ponto de apoio o discurso do desenvolvimento sustentável. Contudo, diante da reação da natureza que parece voltar-se contra tudo e contra todos ao res-ponder com mudanças climáticas, como o descongelamento das calotas polares, que, embora sendo fenômenos globais não deixam de afetar o local mais recôndito do planeta, descobre-se, ou não se tem como ignorar que a natureza não é ilimitada conforme a crença que vigorou durante esse perío-do de dominação do homem.

Nesse sentido, as análises que a sociedade e a academia produziram em relação ao desenvolvimento social, crescimento econômico e sustentabili-dade frente aos limites impostos pela natureza, levanta-se o questionamen-to: Como estabelecer políticas de desenvolvimento sustentável quando se está diante de um processo que envolve dois conceitos distintos, Desenvol-vimento e Sustentabilidade?

A abordagem realizada nesta artigo tratou de fazer uma aproximação para responder a estas questões. E fez, através do esforço de buscar soluções de caráter interdisciplinar no diálogo entre as Ciências Sociais com as Ciências Ambientais. Esse debate foi travado, a partir dos conceitos e teorias, ora anta-gônicos, ora consensualizadores das correntes que debatem a racionalidade ambiental como a Modernização Reflexiva em Giddens (1991); Giddens e Beck (1997); Modernização Ecológica em Spaargaren e Mol (1992); Desenvolvimen-to Sustentável em Sachs (2002); Racionalidade Cosmopolita em Santos (2006), na tentativa de contribuir para a construção de uma síntese que possa abstrair do modelo de desenvolvimento hegemônico de racionalidade econômica, um novo paradigma de racionalidade que reinterprete a natureza com uma nova visão de mundo, com base na racionalidade ambiental.

A discussão desses conceitos deu-se em torno da crise ambiental que vive a civilização decorrente dos impactos e conflitos socioambientais, cujas propor-ções encontram-se fora do controle da ciência e da tecnologia, muito, por força da “irracionalidade”, “irresponsabilidade organizada”, segundo Beck (1997, 2011).

q Racionalidade Ambiental em Face ao Desenvolvimento Sustentável74

Beck (1997, 2011), afirma que o tratamento dado aos processos explo-ratórios dos recursos naturais, permite a ampliação dos efeitos na forma de acidentes e atinge todas as esferas da sociedade em escala local e global, e suas dimensões institucionais, acumulando-se aos problemas políticos, sociais, econômicos, espaciais, territoriais, culturais, ecológicos, ambientais, éticos e morais.

1 RACIONALIDADE AMBIENTAL

Este diálogo realiza-se entre as concepções que permeiam a construção de uma sociedade sustentável com uso dos recursos naturais garantindo a capacidade de assimilidade ambiental, atendendo as necessidades básicas e a qualidade de vida das gerações presentes e futuras; com fundamentos no contexto histórico, em que surgem os conceitos de Desenvolvimento Sus-tentável – Clube de Roma, em 1968; Conferência de Estocolmo, em 1972; ONU, em 1988 e a cúpula do RIO-921 e CNUMAD realizado no Rio de Janeiro em 1992 – cuja formulação tem dado sustentação aos movimentos ambien-tais e às normas e legislações em todo o mundo.

No bojo das discussões promovidas pela ONU, além dos conceitos discu-tidos em torno do Desenvolvimento Sustentável, surgem outras vertentes do pensamento ambiental, entre elas, a Modernização Ecológica, que, de acordo com os teóricos da sustentabilidade é uma teoria socioambiental e tem como objetivo promover a integração ecológica com a economia atra-vés da análise das origens ambientais e as consequências ambientais das mudanças sociais, levando-se em conta os processos de modernização, os mercados econômicos em desenvolvimento e as práticas de desenvolvi-mento ambiental. Spaargaren e Mol (1992), entendem que a moderniza-ção ecológica aplica-se a grandes transformações e leva em consideração a existência de uma troca ecológica do processo de industrialização em uma direção que leva em conta a manutenção da base de sustentação existente na mesma perspectiva que o Desenvolvimento Sustentável, que implica em superar a crise ambiental, mantendo o mesmo espectro da modernização.

Assim, a modernização ecológica não tratou das relações cotidianas da sociedade com a natureza, mas, tão somente, “a degeneração dos recursos

1 A Carta de Intenções do Rio-92 ou ECO-92 constitui-se de: A Carta da Terra; três con-venções sobre a: Biodiversidade, Desertificação e Mudanças climáticas; uma declara-ção de princípios sobre florestas; a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvi-mento; e a Agenda 21.

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naturais e a poluição ambiental que se difundem das relações da sociedade para a base de sustentação” (SPAARGAREN & MOL, 1992, p. 37-45). Contu-do, os autores reconhecem a limitação desse conceito, pois trata apenas da dimensão industrial da modernidade e negligencia as dimensões do capi-talismo e supervisão, restringindo o conceito de natureza à simples base de sustentação do processo de industrialização dos recursos naturais, esque-cendo-se da sua dimensão ecossistêmica.

Lenzi (2005), argumenta que o conceito de Modernização Ecológica fundamenta-se na conciliação do crescimento econômico com a proteção ambiental, através de “um processo de crescimento econômico ecológico” (LENZI, 2005, p. 184), quanto aos conceitos de Desenvolvimento Sustentá-vel, o autor evidencia os pressupostos do Relatório Brundtland de proteção ambiental com base na satisfação das necessidades básicas do homem, e do caráter normativo do processo de sustentabilidade ambiental, de justiça e de-mocracia e dos direitos humanos que são fundamentais ao debate e encon-tram-se engendrados no discurso da Modernização Ecológica e do Desenvol-vimento Sustentável, ou seja, “o caráter normativo da sustentabilidade e sua ramificação em ideais políticos de justiça e democracia” ao que reafirma a necessidade de uma reestruturação da sociedade industrial capitalista, no sentido de envolver a economia e a moral social (LENZI, 2005, p. 185).

Assim, desenvolvimento implica melhoria na qualidade de vida das pes-soas; e sustentável define-se como a capacidade de suporte dos ecossis-temas naturais, os quais também precisam de qualidade para garantir seu funcionamento, por conseguinte, continuar fornecendo recursos na forma de serviços ambientais. Então, isto implica na melhoria da qualidade de vida das populações animais e vegetais dos ecossistemas, bem como uma har-monização das relações homem-natureza, em atendimento aos critérios de sustentabilidade que representam outras dimensões de sustentabilidade, proposto por Sachs (2002).

Esse debate deve ser realizado no âmbito social, de maneira que apresente garantias de igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais, e que per-mita homogeneidade e qualidade de vida decente; ecologicamente preserve o potencial do capital natural; ambientalmente respeite a capacidade de au-todepuração dos ecossistemas naturais; do ponto de vista territorial conceba configurações urbanas e rurais equilibradas e seguras, de modo a preservar áreas ecologicamente frágeis com conservação da biodiversidade; economi-camente equilibrar equilibrar o desenvolvimento; no político, seja a nível na-cional ou internacional, primar pela democracia, tendo como fundamentos os direitos universais humanos, e; do ponto de vista cultural equilibrando os sa-

q Racionalidade Ambiental em Face ao Desenvolvimento Sustentável76

beres tradicionais e as inovações tecnológicas, de forma horizontalizada, sem sobrepor um conhecimento ao outro. Isto, acompanhado da garantia do uso dos recursos naturais, para atender as necessidades do presente sem compro-meter as necessidades das gerações futuras (SACHS, 2002).

Giddens (1991), discorre sobre a modernização reflexiva, a qual implica em uma radicalização profunda das formas sociais da modernidade no pe-ríodo atual da sociedade, cujas transformações não encontram precedentes anteriores na história humana, posto que esta se desvencilha radicalmen-te de toda ordem social tradicional, tanto do ponto de vista da extensão quanto da intensão. Entretanto, as mudanças institucionais capazes de alte-rar a natureza fundante destas instituições não se apresentam claramente, ao contrário, há uma “disseminação global” do advento da modernidade no controle institucional da sociedade numa escala planetária, ou seja, globali-zante na sua extensão e na sua intencionalidade.

Contudo, essas transformações apresentam descontinuidades entre as or-dens sociais tradicionais e as modernas, as quais são identificadas por Giddens (1991, p. 15 e 16), como “o ritmo da mudança”, “o escopo da mudança” e uma terceira, que trata da “natureza intrínseca das instituições modernas”. É preci-so, portanto, efetuar um diagnóstico destas instituições, para fundamentar os processos de mudança que foram observados na sociedade moderna.

Os conceitos sobre as instituições modernas encontram-se fundamenta-dos nos escritos dos clássicos da sociologia como Marx, Durkheim e Weber. Do primeiro, a força transformadora da sociedade que configura as institui-ções modernas é o capitalismo, conforme traduzido por Giddens (1991), na sua afirmação de que “a ordem social emergente da modernidade é capi-talista tanto em seu sistema econômico como em suas outras instituições”. A análise de Durkheim (1999), muda o foco da competição capitalista, e aponta como elemento central e modelador das instituições modernas a ordem industrial determinada pelo “impulso energizante de uma complexa divisão do trabalho” e a exploração da natureza para produzir as bases de sustentação da sociedade. Enquanto, Weber (1998), retoma o capitalismo como modelador, pelo viés do capitalismo racional, ainda que nos mesmos parâmetros usados por Marx, mas sob os aspectos da burocracia como fator principal da ordem e da racionalização das tecnologias e das organizações sociais (GIDDENS, 1991).

Com um novo olhar Giddens (1991), chama a atenção para um diagnós-tico específico das sociedades modernas que os clássicos não teriam abor-dados nos seus trabalhos. Os aspectos ligados ao distanciamento tempo-es-paço, e de que forma se encontram organizados para representar o vínculo

Sérgio Silva de Araújo; Antenor de Oliveira Aguiar Netto; Laura Jane Gomes q 77

entre presença e ausência. O autor infere que a configuração da sociedade moderna apresenta um distanciamento entre tempo e espaço, maior que o observado em sociedades anteriores, influenciando substantivamente nos traços que identificam e distinguem a modernidade. Outro ponto aborda-do por Giddens (1991), encontra-se na natureza da modernidade para dar conta do “dinamismo e do escopo globalizante das instituições modernas e explicar a natureza de suas descontinuidades em relação às culturas tradi-cionais” (GIDDENS, 1991, p. 22-23).

O caráter dinâmico e globalizante das instituições modernas está intrin-secamente ligado às descontinuidades em decorrência da radicalização que as transformações provocaram no seio da sociedade, à qual Giddens (1991), refere-se acima, derivou o distanciamento tempo-espaço, ou seja, quais as condições necessárias para organizar o tempo e o espaço vinculando-os à presença e ausência.

Este aspecto da derivação do distanciamento tempo-espaço, contribuiu para distribuir as formas sociais em zonas temporais e espaciais, recombi-nando-os em “zoneamento tempo-espacial preciso da vida social; desencai-xe dos sistemas sociais”. Esse desenvolvimento de mecanismos de desen-caixe deslocaliza as atividades sociais e as reorganizam através de grandes distâncias tempo-espaciais que envolve a separação tempo-espaço; “e da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais”, que afetam as ações dos indivíduos e dos grupos (GIDDENS, 1991, p. 25, 58).

Isto implica que há uma apropriação reflexiva do conhecimento siste-mático sobre a vida social, esta como parte integrante da reprodução do sistema, fazendo deslocar a vida social da fixidez da tradição, ampliando-a para incorporar grandes extensões de tempo-espaço, pois retira as relações sociais do local e transmuta a extensões globais, visto que, o futuro encon-tra-se em aberto, isso constitui fator fundamental do “alongamento” tem-po-espaço, só tornada possível e necessária pela condição da modernidade (Giddens, 1991).

Beck (1997), conclui que: “a modernização reflexiva significa primeiro a de-sincorporação e, segundo a reincorporação das formas industriais por outra modernidade” (BECK, 1997, p. 12). Assim, a nova modernidade, segundo Beck (1997), requer a autodestruição do progresso na sua forma atual, como etapa da modernização reflexiva, para a construção de outra modernidade que su-pera as formas sociais anteriores, e neste caso, as da sociedade industrial.

A modernidade reflexiva implica então, a radicalização da moderni-dade, da racionalidade, com mudanças na sociedade industrial e cujas alterações geram os contornos de uma nova modernidade, uma nova

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racionalidade, uma nova sociedade. Entendendo aqui, modernidade como alteração, mudanças, transformações nas formas sociais atuais e também a problematização da racionalidade, no intuito de reformá-la (BECK, 1997).

O teor das críticas à ciência e a tecnologia, que Beck (2011) expõe no seu conceito de sociedade de risco, está na escala que tem tomado os ris-cos ecológicos, cujos acidentes atingem o meio ambiente e as populações envolvidas. Os riscos aqui referidos, tanto locais quanto global, são distri-butivos e assimétricos, ou seja, distribuídos desigualmente na sociedade. A lógica de distribuição altera as percepções dos problemas e soluções sobre as questões ambientais a partir das mediações socioculturais dos diferentes grupos sociais (BECK, 2011). Riscos fabricados pela intervenção humana, di-ferentemente das sociedades pré-modernas que enfrentaram diretamente os riscos naturais (GUIMARÃES, 2003).

Estes riscos apresentam-se de forma mais contundente na me-dida em que o progresso técnico, que fundamenta a sociedade moderna, orienta as adaptações ambientais para o processo de acumulação – tanto no modelo econômico capitalista, quanto no modelo de economia planificada dos países socialistas – e modi-fica o espaço e as relações sociais, por conseguinte, as relações ecológicas (ARAÚJO, 2008, p. 8-9).

Beck (2011, p. 23), define modernização tardia como o momento histó-rico em que a “[...] produção social da riqueza é acompanhada sistematica-mente pela produção social de riscos”, sobrepondo-se os problemas e os conflitos de uma sociedade baseada na escassez, a uma sociedade, cujos problemas e conflitos surgem a partir da produção, definição e distribuição de riscos formalmente produzidos pela ciência e tecnologia.

Anteriormente, os riscos civilizatórios eram percebidos quase que ex-clusivamente pelos olhos ou nariz, atualmente escapam à percepção, prin-cipalmente aqueles ligados às fórmulas físico-químicas, o que antes eram atribuídos a uma “subprovisão de tecnologia higiênica”, na atualidade es-tão ligados a uma “superprodução industrial”, ou seja, o alcance dos riscos extrapola o localmente para se estender para o globalmente, atingindo o ser humano, a flora e a fauna (BECK, 2011).

Diante destes riscos, Beck, (2011, p. 27-28), para decifrar “a arquite-tura social e a dinâmica política” dos potenciais de auto ameaças à civili-zação, elabora cinco teses que se encontram nas seguintes proposições:

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1) riscos, da maneira como são produzidos no estágio mais avan-çado do desenvolvimento das forças produtivas diferenciam-se claramente das riquezas; 2) com a distribuição e o incremento dos riscos, surgem situações de ameaça; 3) (...) a expansão e a mercantilização dos riscos de modo algum rompem com a lógi-ca capitalista de desenvolvimento, antes elevando-a a um novo estágio; 4) riquezas podem ser possuídas; em relação aos riscos, porém, somos afetados; ao mesmo tempo eles são atribuídos em termos civilizatórios; 5) riscos socialmente reconhecidos (BECK, 2011, p. 27-28).

Mais recentemente, Santos (2006, 2010), em um esforço teórico episte-mológico das ciências humanas, aponta uma nova visão de mundo viven-ciada dentro da própria crise ética e moral, da sociedade humana, que se espalha nas relações entre homem e natureza, focando o meio ambiente e os recursos naturais, ao discorrer sobre a Razão Cosmopolita, encontra a forma de buscar uma solução para esta crise.

O autor inicia esta nova abordagem pela crítica ao modelo de racio-nalidade econômica e da monocultura científica da sociedade ocidental, a qual ele denomina de “razão indolente”, por estar assentada em um con-formismo conservador, ao mesmo tempo em que a crítica propõe outra racionalidade, a qual designa de “razão cosmopolita”, por ser inovadora, transformadora e multicultural. Esta nova razão se fundamenta em proce-dimentos de análise baseados nas sociologias das ausências, nas sociolo-gias das emergências e no trabalho de tradução, sendo este definido pelo autor como procedimento complementar que permite criar inteligibilida-de recíproca entre as experiências disponíveis e possíveis, reveladas atra-vés das sociologias das ausências e das emergências, sem destruir a sua identidade (SANTOS, 2006, 2010).

Santos (2006), propõe desenvolver, através dos trabalhos de tradução, uma alternativa à razão indolente na forma de razão cosmopolita. Alterna-tiva com base em uma “justiça social global” prenhe de “justiça cognitiva global”, revelando os aspectos multiculturais que se enfrentam nas zonas de contato entre as culturas. (SANTOS, 2006, p. 813).

Segundo Santos (2006, p. 779), a compreensão que o ocidente tem do mundo é reducionista, além de criar e legitimar o poder social a partir de concepções de tempo e temporalidade, cuja característica fundamental é a “contração do presente” e a “expansão do futuro”, com estes três pon-tos: “a) compreensão do mundo pelo ocidente; b) concepção de tempo e

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temporalidade e; c) contração do presente e expansão do futuro”, concei-tos expostos pelo autor, que fundamentam as sociologias das ausências e das emergências.

Santos (2006, 2010), denuncia a incapacidade de o ocidente pensar o mundo fora da totalidade, e não aceitar que a compreensão deste seja maior do que os pressupostos reducionistas imbricados na razão ociden-tal, fundamentada em torno das dicotomias hierarquizadas, a exemplo: “cultura científica/cultura literária; conhecimento científico/conhecimento tradicional; homem/mulher; branco/negro; Norte/Sul; Ocidente/Oriente” (SANTOS, 2006, p. 782), ou seja, o autor, afirma que o ocidente concebe o futuro a partir da monocultura do tempo linear, cujo efeito é contrair o presente e ampliar o futuro. Posto que, a história é construída sob o viés da linearidade do tempo, o progresso torna-se infinito e o futuro elástico, não sendo necessário pensá-lo.

Santos (2006, 2010), propõe a ampliação do mundo como ampliação do presente, desvelando a racionalidade ocidental, o que significa pensar atra-vés de um novo espaço-tempo que identifique e valorize a inesgotabilidade da riqueza do mundo e do presente. Conforme Santos (2006, p. 779), a con-cepção de totalidade do ocidente contraiu o presente transformando-o “em um instante fugidio, entrincheirado entre o passado e o futuro”, ao mesmo tempo em que, “a concepção de tempo linear e a planificação da história permitiram expandir o futuro indefinidamente”. Quais são as consequências disso? Com o futuro expandido as expectativas geradas nas gerações pre-sentes são maiores do que o presente é capaz de suportar, o futuro torna-se junto com o progresso, indefinidamente grande, a ponto de a ciência e a tec-nologia em nome do progresso civilizatório espoliar a natureza até o esgota-mento dos recursos, com potencialização dos impactos ambientais e riscos sociais, e com isso a degeneração social com crise ética e moral, imbricadas nas variadas dimensões da sociedade, ou seja, social, ecológica, espacial, ter-ritorial, econômica, política e cultural.

Para expandir o presente, é preciso um rompimento com as caracte-rísticas das logicas de produção da não-existência, ou seja, romper com a monocultura do saber e do rigor do saber, se acercando dos saberes exis-tentes fora do eixo hegemônico, esse contraponto é formulado na Ecolo-gia dos Saberes, cuja ótica se sustenta na diversidade dos saberes, em que se trava o diálogo entre o conhecimento sistematizado – “saber científico”, tal qual se conhece na sua forma de dominação do pensamento hegemô-nico, e o saber local ou o saber prático de populações tradicionais – “saber não-científico” (SANTOS, 2006, p. 790)

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Outra lógica dominante, a monocultura do tempo-linear, cuja ideia cen-tral é permitir uma linearidade do tempo traduzida nos conceitos de pro-gresso, revolução, modernização, desenvolvimento, crescimento, globaliza-ção, sempre capitaneadas à frente do tempo, pelos países centrais ou do Norte, suas formas de conhecimento, instituições e modelos de sociabilida-des dominantes. “Esta lógica produz a não-existência declarando atrasado tudo o que, a lógica temporal, é assimétrico em relação ao que é declarado avançado” (SANTOS, 2006, p. 787). Santos, vale-se da Ecologia das Tempora-lidades, confrontando o conceito de tempo linear como não sendo a única concepção de tempo, e nem a mais praticada no mundo, constituindo como mais uma das formas de pensamento único da modernidade ocidental, que nem assim mesmo, eliminou outras formas como “o tempo circular, a doutri-na do eterno retorno” e outras fora do escopo linear e circular. A sociologia das ausências busca a não residualização das alternativas de tempo em con-fronto com o tempo linear (SANTOS, 2006, p. 791).

A fala do (Entrevistado 9), pescador em Brejo Grande/SE: “meu tempo é o tempo da maré, não tenho hora pra sai e nem pra voltar”, ultrapassa o sentido monolítico do tempo, o qual se apresenta para o pescador em mo-vimento, em consonância com o fluxo das marés. Esta é uma estratégia de observar o tempo depois de sua dimensão eterna, trazendo-o para um pre-sente que se esvai rapidamente com o vai e vem da maré. Também é uma forma de regular o tempo, de expandi-lo. Pode-se dizer uma forma dialética de regulação do diálogo com a natureza. Esta dimensão de tempo corrobora com o pensamento de tempos múltiplos, que Santos (2006), caracteriza ao afirmar que o tempo linear não é a única concepção de tempo utilizado no mundo, e de como ele pode ser expandido. A fala do (Entrevistado 7), que também pesca na mesma região: “é uma boa pra gente que pesca aquela crôa ali no meio. Ali já é uma saída que a gente sai pra ir pra o mar, se o mar ti-ver ruim, ai a gente já encosta já fica olhando, ai já volta”, também demonstra essa dialética, ou seja, a natureza determina o tempo de ir e vir para o mar, da qual a realização da pesca é a dialética entre o ser e a natureza.

Para dar sentido ao conceito de presente expandido e futuro contraído, a observação feita pelo índio brasileiro do Mato Grosso, Marcos Terena (2000), em palestra proferida na UnB, ilustra muito bem os conceitos elaborados por Santos (2006, 2010):

E daqui para frente, nós, índios, não vamos poder proteger por tanto tempo esse patrimônio. Vocês também são responsáveis por isso e nós, os índios, queremos uma aliança com vocês para

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proteger esse conhecimento, este patrimônio, reverter tudo isso para o bem-estar da humanidade. Sabem por quê? Porque os nossos velhos dizem: tudo o que fazemos estamos construindo alguma coisa, até mesmo para as pessoas que não nasceram, que vão nascer um dia. Tudo que construirmos hoje vai recair sobre os seres humanos futuros (MORIN, 2008, p. 21-22).

Com a Sociologia das Ausências, o autor propõe a expansão do presente para a contração do futuro, a sua sustentação são os procedimentos da So-ciologia das Emergências, que pressupõe atuar sobre o campo das expecta-tivas sociais, ou seja, superar a axiologia do progresso através da axiologia do cuidado, exercida em relação às alternativas possíveis, das possibilida-des e capacidades concretas para se contrapor ao triunfalismo da visão de mundo expressa a seguir: “As expectativas modernas eram grandiosas em abstrato, falsamente infinitas e universais. Justificaram assim e continuam a justificar, a morte, a destruição e o desastre em nome de uma redenção vindoura” (SANTOS, 2006, p. 797).

A proposta de Santos (2006, p. 779), de uma racionalidade cosmopolita tem a pretensão de inverter a lógica ocidental de compreensão do mundo portanto é “expandir o presente” com as sociologias das ausências no campo das experiências sociais; e “contrair o futuro” com as sociologias das emer-gências no campo das expectativas sociais. O intuito é criar o espaço-tempo capaz de “conhecer e valorizar a inesgotável experiência social que está em curso no mundo de hoje” com isso ele postula que “será possível evitar o gi-gantesco desperdício da experiência que sofremos hoje em dia”, sendo esse gerador da crise ética, moral e ambiental, visto que os conhecimentos am-bientais e a compreensão de mundo se perderão, como ilustrado pelo índio Marcos Terena anteriormente. Então, a contração do futuro faz com que haja mais responsabilidade e concretude nas expectativas, porque a geração do presente vai estar no futuro.

Apreende-se dos conceitos acima dispostos que a Modernização Ecoló-gica e o Desenvolvimento Sustentável propõem um crescimento econômico nos moldes já existentes, com base na ciência e tecnologia, como forma de reverter a crise ambiental apesar de reconhecer os seus limites. Para isso, propõe a ecologização da economia onde os recursos e serviços básicos fornecidos pelo meio ambiente devem ser viabilizados e regulados por ins-tituições econômicas e políticas, com referendos de uma democracia parti-cipativa, para atender o bem estar humano. Ainda, no escopo de suas reivin-dicações encontram-se os elementos de redenção, de justiça, democracia e

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forte apelo aos direitos humanos e reforma moral, com garantias de direitos políticos e sociais, prescrição dos princípios de precaução e atendimento às gerações presentes e futuras.

Spaargaren e Mol (1992), apontam dois conjuntos de questões de relevân-cias nas relações entre sociedade e natureza. O primeiro foco dessas questões está ligado à própria base de sustentação: a natureza. A segunda questão en-contra-se na esfera das instituições que garantem essa base. Os autores pro-blematizam o papel das ciências e das tecnologias na medida em que, não conseguem garantir a solução dos problemas ambientais de maneira racional.

As dificuldades que a sociedade encontra para resolver as consequências das ações humanas no meio ambiente estão ligadas às seguintes questões levantadas pelos autores : “(1) a complexidade dos ecossistemas envolvidos; (2) o deslocamento dos efeitos no tempo e no espaço; e (3) o crescimento rápido da interação homem-natureza sendo agora, em nível global” (SPA-ARGAREN & MOL, 1992, p. 22). O segundo aspecto levantado pelos autores são com relação às instituições que garantem as bases de sustentação da sociedade, e questionam o tipo de reforma e quais instituições que devem ser reformadas para haver uma correção dos vazios entre a modernidade e suas interações com a natureza, ou seja, com os recursos que a sustentam.

Em outra vertente, Santos (2006, 2010), entende que as soluções para a crise que afeta a sociedade, encontram-se na democratização dos conheci-mentos e é reforçada pela “importância entre os diferentes saberes e prá-ticas dos diversos coletivos (...). E toda essa diversidade em confronto com a epistemologia acadêmica” (MENESES, 2009, p. 80), não no sentido de um combate entre os saberes, mas na perspectiva da não exclusão, sobretudo da horizontalidade dos saberes acadêmicos e tradicionais, locais e globais, com garantias que um não seja superado pelo outro ,previamente, mas de forma que o debate travado leve ao consenso (SANTOS, 2006, 2010).

E ainda, segundo Meneses (2009), duas vertentes vinculam os processos de educação e diversidade, posto que, os coletivos tradicionais trazem con-sigo a vivência experienciada nos seus diversos grupos “que tem um objeti-vo, um sonho, um projeto em comum. Assim também é comum a história e a prática de luta por direitos, entre eles o direito de voz, de se fazer ouvir e de ser diverso”, por outro lado, refere-se aos saberes e conhecimentos “reconhe-cidos, legitimados e transmitidos pela universidade” (MENESES, 2009, p. 78). Ou seja, “da relação entre saberes diferenciados é que se podem constituir novos saberes, novas epistemologias nascidas do confronto entre as experi-ências individuais e coletivas, da vida e da prática [...] e dos conhecimentos científicos, socialmente validados” (MENESES, 2009, p.122).

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Quanto aos processos que se encontram dependentes do deslocamento do tempo-espaço e globalização, Santos (2006), entende como contração do presente e expansão do futuro. Giddens (1991), observa como fatores que estão no cerne da crise, que a modernidade tornou possível o alongamento tempo-espaço, através do futuro que se encontra em aberto. Para essas ques-tões a Modernização Ecológica propõe a ecologização da economia, ao invés da economização da ecologia, mas sem questionar este modelo de produção atual, ou seja, nos mesmos padrões institucionais. Giddens (1991), es-pecifica que esse modelo existente não cria elementos possíveis para a reso-lução dos problemas ambientais, e Santos (2006), revela que só com a com-pressão do futuro e a expansão do presente associados à democratização dos saberes é possível sair da crise vivida pela sociedade.

Giddens e Beck (1997), também defendem os conhecimentos científicos e a tecnologia como fundamentais para a delimitação dos riscos. Entretanto, devem ser problematizados, visto que estão intrinsecamente vinculados à geração dos riscos ecológicos e da crise ambiental, ainda que, tentem al-cançar padrões aceitáveis de qualidade ambiental. O fato é que se prioriza a produção em detrimento da prevenção de riscos, e estas não conseguem por si só responder aos problemas ambientais criados, a não ser que hou-vesse uma mudança de concepção nos processos que determinam a crise.

CONCLUSÃO

Os recursos naturais são conceitos culturais e históricos e, portanto, ob-jetos das representações e domínios sociais, sobretudo, quando a ambienta-lização dos conflitos na sociedade moderna também são frutos de conceitos de modernização e progresso, cuja lógica é a distribuição desigual dos riscos que afeta a população alterando as percepções das questões ambientais, suas soluções e a forma de mediação sociocultural entre os diferentes gru-pos. Ou seja, a percepção ambiental está dialeticamente imbricada nos con-flitos socioambientais, esta se coloca enquanto síntese entre apropriação de recursos naturais e conflitos.

Os conflitos e os riscos ambientais trazem a emergência desse debate sobre o modelo de desenvolvimento que a sociedade pretende seguir. Visto que, os impactos desencadeados apresentam riscos ecológicos caracteriza-dos como irresponsabilidade e irracionalidade dos processos exploratórios aos quais a industrialização submeteu à natureza, decorrente da configura-ção apresentada pela sociedade moderna com o distanciamento entre tem-po e espaço. O pressuposto que a irresponsabilidade e irracionalidade estão

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vinculados ao pensamento monolítico de compreensão do mundo impos-to pela sociedade moderna ocidental, reverte-se na crise ambiental e nos riscos ecológicos, na medida em que contrai o presente e amplia o futuro permite os mais altos processos de degradação ambiental, em função de um tempo linear mecânico e único de pensar o progresso e o mundo.

A Modernização Ecológica e o Desenvolvimento sustentável são concei-tos que não vislumbram em suas teorias, uma mudança nos processos de desenvolvimento e crescimento, apenas reforçam que podem ser realizadas no mesmo modelo de exploração econômica, com os mesmos fundamentos da ciência e tecnologia. Enquanto os conceitos de Modernidade Reflexiva e Razão Cosmopolita acreditam que se não houver mudanças do modelo de desenvolvimento, o resultado é o aprofundamento da crise.

Resulta então, problematizar a ciência e a tecnologia com o fim de bus-car uma solução para a crise ambiental e seus riscos ecológicos e sociais. Na mesma perspectiva, deve-se vislumbrar na ecologia dos saberes, a forma de democratização dos conhecimentos com o propósito de construir as condi-ções necessárias para encontrar soluções, desde que se alterem os marcos do modelo de racionalidade econômica, e que a tecnologia e a ciência sejam usadas para este fim. De forma que, a expansão do presente e a compressão do futuro associado à democratização dos saberes, dê responsabilidades às gerações atuais de criarem um novo modelo e elementos que possam trazer soluções para os problemas ambientais e sai da crise vivida pela sociedade.

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LENZI, Cristiano Luis. Sociologia Ambiental – risco e sustentabilidade na modernidade. São Paulo: EDUSC/ANPOCS, 2006.MENESES, Maria Adeilma. Pedagogia da Terra e a Formação de Professores para a Educação do Campo na UFS e UFRN. 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Fe-deral de Sergipe. São Cristóvão, 2009.MORIN, Edgar: Saberes Globais e Saberes Locais – o olhar transdisciplinar. Participação de Marcos Terena. Rio de Janeiro: Garamound, 2008.SACHS, Ignacy. Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Garamou-nd. 2002.SANTOS, Boaventura de Souza. Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. São Pau-lo: Cortez, 2006.SANTOS, Boaventura de Souza. A Gramática do Tempo – para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010.SPAARGAREN, Gert & MOL, Arthur P. J. Modernização Ecológica: uma teoria de mudança social. Ilhéus: UESC/EDITUS, 1992.

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GESTÃO AMBIENTAL EM EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA COMO ELO DA ACADEMIA CIENTÍFICA JUNTO À SOCIEDADE

Lígia de Oliveira Braga; Roberto Rodrigues de Souza

INTRODUÇÃO

A questão ambiental é um dos temas que vem sendo discutido no mundo acadêmico. Não só na academia científica, como na sociedade civil, discutem--se maneiras e formas de se minimizarem os danos causados pelo homem ao meio ambiente como práticas que possam mitigar os impactos da atividade humana. Mas entende-se que tais discussões precisam ser ampliadas.

Sabe-se que, para mudanças em atitudes e ações, é preciso viabilizar a mudança de conceitos. Desta forma, precisa-se sensibilizar a sociedade, em todo seu contexto de atuação, para as questões ambientais, a fim de que se-jam incorporadas ações e práticas que favoreçam ao meio ambiente em de-trimento da necessidade humana. Diante disto, advoga Chiavenato (2010), quando expressa em uma de suas obras, que nunca houve uma impressio-nante mudança no comportamento humano nas organizações e vários fato-res estão associados a ela como os econômicos, os tecnológicos, os culturais, os sociais, os políticos, os demográficos e os ecológicos.

A partir do momento em que os fatores ecológicos estão sendo consi-derados para a mudança das pessoas nas organizações, pode-se associar a este fato, a educação, ora, para mudar é preciso buscar conhecimento, infor-mações que promovam um novo olhar. Mas é preciso avançar. Logo, afirma Loureiro (2011) quando retrata que a educação, em seu sentido mais amplo, enfrenta acentuados problemas de qualidade e não alcançou patamares desejáveis de democratização, pois, se a cidadania, em sua expressão mais clássica, ainda engatinha, a ecocidadania, por seu turno, continua revestida de um caráter utópico e distante.

Quando o autor cita que a “educação ainda engatinha” e que a “ecocida-dania continua em caráter utópico” fica evidente a real necessidade destes temas voltados à educação para as questões ambientais precisam ser dis-cutidos e estudados em várias instâncias e por várias organizações. Dentre estas, as Universidades, afinal de contas, são organizações educacionais.

As Universidades possuem, dentre suas funções, relacionarem-se com a sociedade. Faz parte, do contexto de suas práticas, buscar atividades

q Gestão Ambiental em Extensão Universitária como Elo da Academia Científica junto à Sociedade88

que as envolvam. Um dos caminhos para tanto, pode ser a Extensão Uni-versitária, assim, tal atividade pode ser apontada como o caminho que as Universidades possuem para a interação da academia com a sociedade. E, porque não utilizar os projetos e programas de Extensão Universitária, para dialogar com a mesma e com as demais estruturas que compõem as Universidades, para tratar sobre a problemática ambiental. A Extensão Universitária pode ser o veículo para a geração de conhecimentos a partir do diálogo da academia com a sociedade, sobre a temática ambiental com ênfase em Gestão Ambiental.

Deste modo, esta pesquisa teve como objetivo geral avaliar em que circunstâncias as Universidades desenvolvem a prática da Gestão Am-biental através dos projetos e programas de Extensão Universitária. A fim de se alcançar tal objetivo são apresentados os seguintes objetivos específicos:

- Identificar os projetos de extensão universitária na linha temática de Meio Ambiente e Recursos Naturais classificados no Edital do Progra-ma de Extensão Universitária – MEC/SESu 2014 divulgados no portal do Ministério da Educação no ano de 2014 das - Universidades Fede-rais da Região Nordeste;

- Analisar os números de submissão de projetos pelas Universidades em relação à linha temática de Meio Ambiente e Recursos naturais;

- Relacionar os projetos submetidos na temática ambiental em contra partida das outras áreas ofertadas pelo Ministério da Educação e o in-teresse das Universidades.

Partindo do pressuposto que as Universidades, enquanto instituições de ensino, devem assumir a responsabilidade de integrar a temática am-biental em seu contexto organizacional e desempenhar práticas para a produção de conhecimento junto à sociedade, percebe-se que as mesmas podem utilizar seus projetos e programas de extensão para tal fim. Dando ênfase a Gestão Ambiental.

Pesquisas como estas são de grande importância nos tempos atu-ais, pois, diante da crise ambiental, faz-se necessário o envolvimento de todos e, as Universidades, enquanto organizações educacionais, podem embasar discussões sobre a problemática ambiental. Tais discussões po-dem ser desenvolvidas através dos projetos e programas de Extensão Universitária permitindo a interação da Universidade com a sociedade em prol do meio Ambiente.

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1 ESTADO DA ARTE

Os desafios do mundo globalizado estão conduzindo a um sentido de emergência quanto ao ajustamento e adaptabilidade das organizações. Segundo Costa (2010), a análise convencional da mudança organizacional concebe a teoria em torno da ideia de equilíbrio, desequilíbrio e, conse-quentemente, transição para um novo equilíbrio. Assim, dentro de qualquer organização, incluindo as Universidades, as questões ambientais devem ser tratadas, buscando-se o equilíbrio para o andamento de suas atividades e incorporando novos conceitos, como exemplo, a sustentabilidade.

Desta forma, a questão da sustentabilidade precisa ser “inserida” no comportamento humano em todas as suas atividades com a mudança de conceitos que passem a pertencer as suas ações e atitudes no dia a dia, para que este comportamento não se perca no processo da “moda/marketing”, passando a ser tendência real e praticada por todos.

Mediante esta necessidade de internalizar tais conceitos e mudar tais comportamentos, Leff (2010) afirma:

A sustentabilidade aponta para o futuro. A sustentabilidade é uma maneira de repensar a produção e o processo econômico, de abrir o fluxo do tempo a partir da reconfiguração das identi-dades, rompendo o cerco do mundo e o fechamento da história impostos pela globalização econômica. A crise ambiental está mobilizando novos atores e interesses sociais para a reapropria-ção da natureza, repensando as ciências a partir de seus impen-sáveis, internalizando as externalidades no campo da economia (LEFF, 2010, p.31).

De acordo com Leff (2010), a crise ambiental irrompeu no mundo como uma crítica à degradação ambiental gerada pelo crescimento econômico, abrindo o debate para um futuro sustentável, ou seja, um propósito de in-ternalizar os custos ambientais e os princípios da sustentabilidade nos pa-radigmas da economia, não havendo assim, uma visão única para abordar a união entre a ecologia e a economia, isto dá lugar a diferentes escolas de pensamentos e a distintas estratégias de poder na teoria e nas práticas da Gestão Ambiental.

Diante disto, as várias disciplinas e especialidades, grupos de economis-tas e ambientalistas, começam a buscar ideias e propostas para um futuro sustentável e, nesta abordagem, a racionalidade econômica traz uma eco-

q Gestão Ambiental em Extensão Universitária como Elo da Academia Científica junto à Sociedade90

nomia sustentável, inserindo a ciência nesta visão, visto que, a ciência mo-derna não deve deixar à margem este processo da degradação ambiental, pois, esta área da sociedade também deve possuir esta responsabilidade da manutenção dos recursos naturais. Assim sendo:

A complexidade dos problemas sociais associados a mudanças ambientais globais abre o caminho para um pensamento da complexidade e a métodos interdisciplinares de investigação, capazes de articular diferentes conhecimentos para abranger as múltiplas relações, causalidades e interdependências que esta-belecem processos de diversas ordens de materialidade: física, biológica, cultural, econômica, social. No entanto, a demanda por um saber integrado para compreensão dos processos socio-ambientais não se satisfaz nem se esgota em um pensamento unificado pelos isomorfismos estruturais, a formalização lógica e a materialização dos processos objeto de diferentes campos de conhecimento, em uma teoria geral de sistemas [...]. O saber am-biental surge de uma problemática social que ultrapassa os ob-jetos do conhecimento e o campo de racionalidade das ciências [...] (LEFF, 2006, p.279).

A partir desta perspectiva, nota-se a complexidade em torno do Desen-volvimento Sustentável, conceito polêmico pelas suas múltiplas interpreta-ções. Segundo Dias:

Para alguns, alcançar o desenvolvimento sustentável é obter o crescimento econômico contínuo através de um manejo mais ra-cional dos recursos naturais e da utilização de tecnologias mais eficientes e menos poluentes. Para outros, o desenvolvimento sustentável é antes de tudo um projeto social e político destina-do a erradicar a pobreza, elevar a qualidade de vida e satisfazer ás necessidades básicas da humanidade que oferece os princípios e orientações para o desenvolvimento harmônico da sociedade, considerando a apropriação e a transformação sustentável dos recursos ambientais (DIAS, 2010, p. 32-33).

Ainda, para o autor, é possível ver surgir às formações discursivas do saber ambiental e do desenvolvimento sustentável como estratégias con-ceituais e como efeitos de poder no campo da ecologia política. Isto pode

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ser alcançado através do Planejamento e da Gestão Ambiental que podem promover mudanças no atual estado comportamental das organizações, in-clusive, das Universidades (DIAS, 2010).

Diante da crise ambiental, existe esse novo desafio, a gestão da mudança onde as organizações de diversas naturezas passem a traçar planos de ação para um funcionamento com aspectos da sustentabilidade e a administra-ção passe a incorporar estas ações.

Refere Chiavenato (2000) que a palavra administração tem sua origem no latim e significa “direção para” e sua tarefa é interpretar os objetivos pro-postos pela empresa e transformá-los em ação, planejamento, organização, direção e controle de todos os esforços realizados em todas as áreas e em todos os níveis da empresa, a fim de atingir tais objetivos.

Destaca Chiavenato (2000), a tarefa administrativa, nas próximas décadas, será incerta e desafiadora, pois, deverá ser atingida por mudanças e transfor-mações, carregadas de ambiguidades e de incertezas, aonde o administrador irá se defrontar com problemas cada vez mais diferentes, porém, todas essas exigências, desafios e expectativas sofrem profundas mudanças que ultra-passam a capacidade que o administrador tem para poder acompanhá-las de perto e compreendê-las adequadamente. Ainda, segundo o autor, essas mudanças tendem a aumentar em face da inclusão de novas variáveis, por exemplo, o desenvolvimento sustentável como base dos processos das orga-nizações. A Gestão Ambiental nas organizações passa a ser um desafio.

Nesta abordagem, a Administração Pública não pode ficar à margem dessas mudanças. A pressão para a mudança no modelo de funcionamento da Administração Pública é crescente. Para Costa (2010):

Ainda que com matizes diferentes quanto ao modo de concreti-zação, a necessidade de modernizar a prestação dos serviços pú-blicos, adaptando-os aos novos desafios da economia global e da sociedade complexa e volátil em que vivemos, reúne um consen-so amplo na sociedade e é desejada pela maioria dos seus atores. Contudo a necessidade urgente e consensual de modernizar a Governança Pública depara-se com a resistência decorrente da inércia, da sedimentação de processos e da multiplicação de bar-reiras organizacionais e culturais, que resultam da matriz vertica-lizada e balcanizada sobre a qual se desenham muitas vezes os modelos de funcionamento dos serviços públicos. A disponibi-lidade de novas plataformas tecnológicas, sobre as quais se po-

q Gestão Ambiental em Extensão Universitária como Elo da Academia Científica junto à Sociedade92

dem desenhar novas práticas de governo em rede, constitui uma oportunidade única para quebrar a dicotomia antes identificada, modernizar sem suprimir, resgatar fronteiras e conectar serviços e pessoas, no quadro dum novo urbanismo do serviço público, centrado no cidadão utente, duma nova arquitetura organizacio-nal e duma nova engenharia de processos (COSTA, 2010, p. 145).

Entretanto, complementa Costa (2010) afirmando que:

Nos tempos atuais e em resultado de transformações profun-das induzidas pela globalização, da integração em espaços mais alargados da inovação tecnológica, do aparecimento de pro-blemas em novos domínios como os recursos naturais, o am-biente, a qualidade de vida, ou de exigências acrescidas como o conhecimento, a mobilidade, a cultura e lazer, a inclusão so-cial, a igualdade de oportunidades e o exercício da cidadania, o papel do Estado tem sido amplamente questionado. [...] À Ad-ministração Pública competirá, no seu conjunto e a cada uma de suas instituições, garantir o estado adequado dos diferentes subsistemas sociais que contribuem para o desenvolvimento e a qualidade de vida, bem como segurança e coesão nacionais, pelo cumprimento das respectivas missões, de acordo com as políticas públicas definidas pelo Governo e outros órgãos de soberania, bem como apoiar a preparação e a avaliação da sua execução (COSTA, 2010, p.144).

Além dos diálogos que envolvem mudanças, meio ambiente, sustentabi-lidade, administração (pública), surge também a Educação Ambiental e seu importante papel para a consciência ecológica.

A Educação Ambiental utiliza subsídios da Ecologia e de diferentes áreas como a Geografia, a História, a Psicologia, a Sociologia, entre outras, mas tem como base a Educação e a Pedagogia na identificação dos métodos de trabalho e, para que se efetive, é preciso que conhecimentos e habilidades sejam incorporados, principalmente, por atitudes que sejam formadas a par-tir de valores éticos e de justiça social, pois são essas atitudes que predis-põem à ação (PHILIPPI; PELICIONE, 2005).

É fundamental associarmos processos educativos formais às demais atividades sociais de luta pela qualidade de vida e sustentabilidade. São prioritários projetos que articulem o trabalho escolar ao trabalho

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comunitário, buscando-se o conhecimento, a reflexão e a ação concreta sobre o ambiente em que se vive. De acordo com Loureiro (2011):

A Educação Ambiental é uma práxis educativa e social que tem por finalidade a construção de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável de atores sociais individuais e coletivos no ambiente. [...] define-se por elemento estratégico na formação de ampla consciência crítica das relações sociais e de produção que situam a inserção humana na natureza (LOUREIRO, 2011, p.73-74).

Diante do exposto, fica a preocupação da efetiva atuação da educação “ambiental” numa população carente de formação básica e de novos con-ceitos que possam mudar seu comportamento para ações e atitudes susten-táveis. Mas a Educação Ambiental pode ser este viés e transformar-se num caminho novo a ser aplicado em todos os setores que envolvam a popula-ção, desde que, novas formas de cidadania sejam incorporadas e um novo educador seja formado. Este novo educador pode vir das Universidades.

Daí, a importância de associar a Gestão Ambiental e conhecimentos que envolvem tal conceito a prática educacional das Universidades. Segundo Pearson:

Gestão Ambiental pode ser definida como o braço da adminis-tração que reduz o impacto das atividades econômicas sobre a natureza. Ela deve estar presente em todos os projetos de uma organização, desde seu planejamento e execução até sua com-pleta desativação [...] ela planeja as atividades dentro dos moldes exigidos por lei, evitando ações judiciais e outros problemas de-correntes da exploração irresponsável da natureza e da comuni-dade local (PEARSON, 2011, p.97).

São diversas as razões pelas quais as empresas se veem na necessidade do exercício da Gestão Ambiental, logo, entendendo as Universidades Fe-derais como empresas educacionais, enquanto organização de ensino, não se concebe que as mesmas fiquem fora deste contexto. Mais, que assumam um papel de relevância neste processo de educar com um novo olhar, com fundamentos da Educação Ambiental, buscando o desenvolvimento sus-

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tentável e incentivando a Gestão Ambiental em todas as instâncias de seu alcance, como o diálogo com a sociedade.

Nota-se a importância da Gestão Ambiental para promover benefícios im-portantes à sociedade, que perpassam pelo seu direito neste processo. Cor-relacionando a esta importância, estão as Universidades Federais e seu papel junto à comunidade. E, esta prática da Gestão Ambiental, pode ser desenvol-vida pelas Universidades através de seus projetos e programas de Extensão Universitária na linha temática de Meio Ambiente e Recursos Naturais.

Compreende-se por Extensão Universitária “como um processo educati-vo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indisso-ciável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade” (BRASIL, 2001, p.23).

A indissociabilidade entre as atividades de extensão, ensino e pesquisa é fundamental no fazer acadêmico. A relação entre o ensino e a extensão supõe transformações no processo pedagó-gico, pois se constituem como sujeitos, levando à socialização do saber acadêmico. A relação entre extensão e pesquisa ocorre no momento em que a produção do conhecimento é capaz de contribuir para a melhoria das condições de vida da população [...] assim, a extensão deve ser realizada considerando o compro-misso social da universidade enquanto instituição pública empe-nhada no equacionamento das questões que afligem a maioria da população, devendo ser realizada preferencialmente em arti-culação com as administrações públicas (BRASIL, 2001, p. 24-25).

Percebe-se a necessidade de uma Universidade renovada que não resista às mudanças e não se coloque em um lugar privilegiado da sociedade, tais organizações devem buscar novos caminhos “Abandonar a organização de-partamental e reestruturar a universidade de acordo com interesses dos seus pesquisadores, em torno de laboratórios e núcleos temáticos. Isso permitirá o surgimento de novas áreas interdisciplinares [...].” (AMBROSIO, 2009, p.12).

Este surgimento de novas áreas disciplinares pode dar margem para as discussões e pesquisas que envolvam a temática ambiental, logo a Gestão Ambiental pode ganhar espaço no meio acadêmico e se disseminar para o meio empresarial e em demais setores da sociedade. No entanto, poucas práticas são notadas, pois, muitas Instituições de Ensino Superior são vistas de modo estagnado e burocrático em relação aos outros setores para a bus-ca da sustentabilidade, assim, por ser parte do processo de desenvolvimen-

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to e fornecimento de conhecimentos, tais instituições devem contribuir para uma sociedade justa e sustentável (TAUCHEN; BRANDLI, 2006 ).

Ainda, segundo os autores, é preciso incorporar princípios e práticas como a Gestão Ambiental em todos os seus níveis, planejando, treinando e operando atividades voltadas para esta temática.

Existem duas correntes de pensamento principais referentes ao papel das IES no tocante ao desenvolvimento sustentável. A pri-meira destaca a questão educacional como uma prática funda-mental para que as IES, pela formação possam contribuir na qua-lificação de seus egressos, futuros tomadores de decisão, para que incluam em suas práticas profissionais a preocupação com as questões ambientais. A segunda corrente destaca a postura de algumas IES na implementação de Serviço de Gestão Ambiental em seus campi universitários, como modelos e exemplos práti-cos de gestão sustentável para a sociedade (TAUCHEN; BRANDLI, 2006, p.504).

Dessa forma, percebe-se que a Gestão Ambiental na Universidade pode se dá por meio de projetos de extensão como está determinada no Artigo 207 da Constituição Federal do Brasil de 1988 “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patri-monial e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pes-quisa e extensão” (BRASIL, 1988).

  No contexto de Desenvolvimento Sustentável pode-se incorporar à questão da Extensão Universitária uma alternativa de promoção de projetos que visam satisfazer algumas necessidades da sociedade, nesse sentido, a extensão pode ser compreendida como uma ação que busca promover uma associação entre Universidade e Sociedade, possibilitando a relação teoria/prática e, com isso, a promoção de saberes acadêmicos e populares na temá-tica ambiental (BRASIL, 2001).

Verifica-se que as questões ambientais devem ser trabalhadas nas Uni-versidades Federais como promoção de novos saberes que proporcionem conhecimento, tornando a mesma aliada neste tempo de crise ambiental global. Trabalhar Meio Ambiente, Gestão Ambiental, Recursos Naturais e De-senvolvimento Sustentável, pode favorecer para a manutenção e condições de sobrevivência para as gerações futuras.

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2 MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa apresenta-se mediante seus aspectos metodológicos o cará-ter exploratório-descritivo. Como advoga Gil (2010) quando descreve que as pesquisas exploratórias tem a finalidade de desenvolver, esclarecer e modi-ficar conceitos e ideias proporcionando uma visão geral sobre um determi-nado fato.

Em relação à pesquisa descritiva, a escolha envolve suas características de descrever uma determinada população ou fenômeno com a utilização padronizada de coleta de dados (GIL, 2010). Exatamente como neste estu-do que tem como objetivo geral avaliar em que circunstâncias as Universi-dades desenvolvem a prática da Gestão Ambiental, através dos projetos e programas de Extensão Universitária.

A princípio, foi feito o levantamento das Universidades Federais presen-tes nos estados da Região Nordeste através do portal do Ministério da Edu-cação e considerando a definição de Universidade segundo a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (CASA CIVIL, 1996):

Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesqui-sa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I - produção intelectual institucionalizada me-diante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevan-tes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadê-mica de mestrado ou doutorado; III - um terço do corpo docente em regime de tempo integral.

Para definição da amostra, foram consideradas as maiores Universida-des, ou seja, para cada estado da Região Nordeste, foi identificada a maior Universidade, segundo o critério daquela que possuísse mais cursos de pós graduação, mediante consulta ao portal da Capes (CAPES, 2014).  Seguem abaixo descritas (Tabela 1).

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Tabela 1. Listas das Universidades Federais com maior número de cursos de pós-gra-duação dos Estados do Nordeste disponibilizada pela CAPES (2014).

UF Instituição de Ensino Superior SiglaTotais de cursos de

pós graduaçãoBA Universidade Federal da Bahia UFBA 118PB Universidade Federal da Paraíba UFPB 74AL Universidade Federal de Alagoas UFAL 40PE Universidade Federal de Pernambuco UFPR 123SE Universidade Federal de Sergipe UFSE 52MA Universidade Federal do Maranhão UFMA 32PI Universidade Federal do Piauí UFPI 37RN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN 93CE Universidade Federal do Ceará UFC 99Total = 668

Fonte: CAPES, 2014.

Em seguida, foi consultado o site do Ministério da Educação, na área do portal referente aos projetos de extensão que foram submetidos por estas Universidades no ano de 2014. Foram identificados os projetos de extensão submetidos no ano de 2014 registrando as linhas temáticas (tabela 2).

Tabela 2. Linhas temáticas disponíveis no Ministério da Educação (2014) para inscri-ção dos projetos e programas de extensão das universidades.

Linhas Temáticas presentes no EDITAL PROEXT 2014 - PROGRAMA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIALinha 1: Educação Linha 10: Direitos humanosLinha 2: Cultura e arte Linha 11: Promoção da igualdade racialLinha 3: Pesca e aquicultura Linha 12: Mulheres e relações de gêneroLinha 4: Promoção da saúde Linha 13: Esporte e lazerLinha 5: Desenvolvimento urbano Linha 14: ComunicaçãoLinha 6: Desenvolvimento rural Linha 15: Inclusão produtiva e desenvolvimen-

to regional: Rotas de Integração NacionalLinha 6: Estágios Interdisciplinares de Vi-vência – EIV

Linha 16: Justiça e direito do indivíduo pri-vado de liberdade

Linha 7: Redução das desigualdades sociais e combate à extrema pobreza

Linha 17: Ciência, tecnologia e inovação para a inclusão social

Linha 8: Geração de trabalho e renda por meio do Apoio e Fortalecimento de empre-endimentos econômicos solidários

Linha 18: Meio Ambiente e Recursos Naturais

Linha 9: Preservação do patrimônio cultu-ral Brasileiro

Linha 19: Juventude

  Linha 20: Articulação e Participação SocialFonte: Ministério da Educação, 2014.

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Após avaliação das linhas temáticas, deu-se continuidade e foram identi-ficados os subtemas e descrição dos mesmos da linha temática de Meio Am-biente e Recursos Naturais disponibilizada pelo Ministério da Educação (2014), sendo esta, o objeto do presente estudo e, a partir daí, a descrição do subtema Produção e Consumo Sustentáveis - Apoio às atividades de produção e consu-mo sustentáveis que envolvam preferencialmente arranjos produtivos locais, clusters e a cadeia da construção civil. Seguem nos quadros 1 e 2.

Quadro 1. Descrição dos subtemas da linha temática de Meio Ambiente e Recursos Naturais disponibilizados pelo Ministério da Educação (2014).

Linha Temática 18: Meio Ambiente e Recursos Naturais Subtemas

Florestas - Apoio às atividades de conservação, recuperação dos ecossistemas e melho-ria dos processos de manejo, tendo como público alvo, preferencialmente, agricultores familiares, agricultores beneficiados de assentamentos da reforma agrária e comunida-des tradicionais.

Agroecologia e Agroextrativismo - Capacitação e mobilização social mediante a oferta de oficinas, cursos e outros meios de formação inclusive para o cooperativismo e empre-endedorismo, que envolvam preferencialmente famílias de baixa renda e comunidades tradicionais.

Conservação e uso da biodiversidade - Apoio às atividades de conservação, recuperação dos ecossistemas e melhoria dos processos de manejo, que envolvam preferencialmen-te famílias de baixa renda e comunidades tradicionais.

Gestão de Águas - Apoio às atividades de uso e gestão de recursos hídricos, que envol-vam preferencialmente agricultores, organizados por bacia hidrográfica, populações de baixa renda de zonas semiáridas, populações urbanas em situação de risco, prefeituras municipais.

Qualidade Ambiental - Promoção da qualidade ambiental, em atividades que envolvam preferencialmente as administrações de municípios de pequeno porte na forma de con-sórcios públicos, cidades médias e catadores de resíduos sólidos organizados.

Produção e Consumo Sustentáveis – Apoio às atividades de produção e consumo sus-tentáveis, que envolvam preferencialmente arranjos produtivos locais, clusters e a ca-deia da construção civil.

Fonte: Ministério da Educação, 2014.

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Quadro 2. Descrição das áreas do subtema de Produção e Consumo Sustentáveis dis-ponibilizadas pelo Ministério da Educação (2014).

Produção e Consumo Sustentáveis – Apoio às atividades de produção e consumo sustentáveis, que envolvam preferencialmente arranjos produtivos locais, clusters e a cadeia da construção civil, em áreas como:

a) Gestão Ambiental para a produção mais limpa e ecoeficiente; b) Construção sustentável; c) Redução de resíduos da construção e modulação de componentes para diminuir per-das e especificações que permitam a reutilização de materiais; d) Uso racional de energia ou promoção de energias renováveis; e) Redução do uso de materiais com alto impacto ambiental; f ) Práticas educativas para a sensibilização e redução dos padrões de consumo; g) Construção de circuitos curtos de produção e consumo.

Fonte: Ministério da Educação, 2014.

Estas informações viabilizaram a coleta dos dados dentro de um percur-so qualitativo e quantitativo para a apresentação dos mesmos, como tam-bém, para a análise a fim de se atingir os objetivos propostos.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A problemática ambiental requer atenção sendo necessário avançar em estudos que busquem este contexto. Na pesquisa proposta, entendem-se as Universidades, como organizações educacionais, logo, responsáveis pela geração de conhecimentos. Neste caso, as Universidades Federais da Região Nordeste e, em que circunstâncias tais Universidades, desenvolvem a prática da Gestão Ambiental, através dos projetos e programas de Extensão Univer-sitária. Diante do exposto, inicia-se a análise dos dados coletados em consul-ta ao portal do Ministério da Educação (2014) que foram tabulados a fim de promover uma melhor compreensão.

Observa-se, nos quadros anteriormente apresentados, a descrição dos subtemas da linha temática de Meio Ambiente e Recursos Naturais (quadro 1) que perpassam pelas áreas de Florestas, Agroecologia e Agroextrativismo, Conservação e uso da biodiversidade, Gestão das Águas, Qualidade Ambien-tal e Produção e Consumo Sustentáveis. Avaliando cada área do subtema nota-se a possibilidade de enquadramento na prática da Gestão Ambiental, porém, esta pesquisa focou na área de Produção e Consumo Sustentáveis, visto que, nesta área, está mais explicito o elo da Gestão Ambiental com a sustentabilidade e práticas de educação e sensibilização no tocante a pa-drões de consumo (quadro 2).

q Gestão Ambiental em Extensão Universitária como Elo da Academia Científica junto à Sociedade100

A seguir, segue a tabela 3, onde estão apresentadas as quantidades de projetos que foram submetidos pelas Universidades Federais pertencentes à amostra da pesquisa, junto ao Ministério da Educação (MEC).

Tabela 3. Apresentação da submissão dos projetos e programas pelas Universidades Federais da Região Nordeste disponibilizadas no Ministério da Educação (2014).

IES

Subm

issã

o

Classificação

Clas

sific

ados

Rela

ção

ao to

tal

Des

clas

sific

ados

Rela

ção

ao to

tal

Universidade Federal da Bahia (UFBA) 35 18 51% 17 49%Universidade Federal da Paraíba (UFPB) 70 63 90% 7 10%Universidade Federal de Alagoas (UFAL) 32 14 44% 18 56%Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 41 19 46% 22 54%Universidade Federal de Sergipe (UFS) 17 8 47% 9 53%Universidade Federal do Maranhão (UFMA) 10 7 70% 3 30%Universidade Federal do Piauí (UFPI) 14 10 71% 4 29%Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) 55 45 82% 10 18%Universidade Federal do Ceará (UFC) 43 24 56% 19 44%Total= 317 208   109  Fonte: Ministério da Educação, 2014.

Analisando-se os dados, é perceptível o alto índice de projetos/progra-mas desclassificados pelo MEC. Do total submetido, algumas Universidades, como a UFAL, UFPE, UFS, apresentam mais de 50% de projetos desclassifica-dos. Outras, como a UFBA e UFC, não atingem valores mais altos que 50%, porém, chegam bem perto disto. No total geral, nota-se que, dos 317 pro-jetos e programas submetidos, quase um terço foi desclassificado. Isto leva a perceber que existe uma necessidade de melhorar tais projetos e progra-mas, como também, estimular o quadro docente e discente das Universida-des para ampliar seus olhares para uma ferramenta de produção acadêmica tão importante como a Extensão Universitária.

Segundo Brasil (2001) é fundamental para o saber acadêmico a relação da Extensão Universitária junto à pesquisa e ao ensino, pois, neste momento se produz conhecimento capaz de contribuir para melhorias nas condições de vida da população. Sendo a problemática ambiental uma urgência para a atuação de todos, pode-se, através da Extensão Universitária e da melhoria da qualidade de seus projetos e programas, aproximar a ciência da comu-nidade para recriar, reinventar e reintegrar o que não deve estar separado: Universidade e Sociedade envolvidas nas questões ambientais.

Lígia de Oliveira Braga; Roberto Rodrigues de Souza q 101

Prosseguindo na análise, está apresentada a tabela 4, onde se descrevem as quantidades de projetos e programas contemplados pelo MEC das Univer-sidades em cada linha temática. Pretende-se, por meio desta apresentação, fa-zer uma comparação dos que foram apresentados na linha temática de Meio Ambiente e Recursos Naturais (linha 18) com as demais linhas disponibilizadas pelo MEC (tabela 2).

Tabela 4. Lista de Projetos de Extensão Universitária contemplados por Instituição de Ensino Superior (IES) disponibilizada no Ministério da Educação (2014).

IFS/ Linha temática 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 9 20 Total

Univ. Federal da Bahia 1 4 1 1 3 1 1 1 1 1 1 1 1 18

Univ. Federal da Paraíba 4 3 2 4 4 4 4 4 3 4 3 3 3 3 2 4 4 3 2 63

Univ.e Federal de Alagoas 1 1 3 1 2 1 1 1 2 1 14

Univ. Federal de Pernambuco 3 3 3 1 1 1 1 1 2 2 1 19

Univ. Federal de Sergipe 1 1 3 1 1 1 8

Univ. Federal do Maranhão 1 2 1 2 1 7

Univ. Federal do Piauí 1 2 1 1 1 1 1 1 1 10

Univ. Federal do Rio Grande do Norte

3 2 4 4 2 5 3 2 3 2 1 3 2 1 3 2 1 2 45

Univ. Federal do Ceará 2 2 1 2 1 2 2 1 1 1 1 2 3 3 24

Total = 16 16 11 23 12 14 11 9 7 11 10 7 10 7 2 1 14 10 8 9 208

% = 8%

8%

5%

11%

6%

7%

5%

4%

3%

4%

4%

3%

5%

3%

1%

0%

7%

5%

4%

4%

100%

Fonte: Ministério da Educação, 2014.

Na Tabela 4, estão dispostos os projetos classificados de acordo com os critérios do Edital (total de 208 projetos classificados). Pode-se constatar, comparando as demais linhas temáticas com a de Meio Ambiente e Recur-sos Naturais (18), certo desequilíbrio de projetos/programas por temas. Faz--se necessário registrar, para compreensão e fundamentação desta análise, que um dos critérios de seleção do edital do Programa de Extensão Universi-tária estipula o número máximo de projetos por Instituição de Ensino Supe-rior (IES) por Linha Temática de 4 ao todo - sendo 2 projetos e 2 programas.

Diante disto, considerando o limite de quatro submissões por linha te-mática, fica evidente a falta de projetos/programas voltados para a área de Meio Ambiente. Das nove Universidades, apenas quatro delas (UFBA, UFPA,

q Gestão Ambiental em Extensão Universitária como Elo da Academia Científica junto à Sociedade102

UFRN e UFC) tiveram projetos aprovados nesta área temática. Destaca-se a UFPA que atingiu o limite máximo de quatro aprovações, demonstrando que é possível, desde que, associe-se qualidade e vontade de utilizar a temá-tica para desenvolvê-la na Universidade.

De acordo com Costa (2010), é preciso repensar a análise convencional das organizações mediante a atual situação ambiental. Além disto, para Leff (2010), a sustentabilidade aponta para ser o novo caminho através da mobi-lização de novos atores e interesses sociais como viés de se congregar este caminho ao desenvolvimento: Desenvolvimento Sustentável. Nota-se que esta prática pode e deve se dar nas Universidades. A Extensão Universitária se enquadra como uma excelente ferramenta para fomentar novos conheci-mentos e aproximar a academia, a sociedade e o meio ambiente.

Para melhorar o entendimento da proporção entre as demais linhas te-máticas e a de Meio Ambiente e Recursos Naturais, segue a figura 1. Obser-va-se uma grande diferença entre os interesses temáticos das Universidades no tocante aos projetos e programas de extensão.

Figura 1. Apresentação da relação dos programas e projetos na linha temática de Meio Ambiente e Recursos Naturais disponibilizados no Ministério da Educação (2014).

Fonte: Ministério da Educação, 2014.

Dando seguimento aos resultados e discussões dos dados, segue a ta-bela 5, onde consta a relação do total dos programas e projetos na linha temática de Meio Ambiente e Recursos Naturais (linha 18) e nas outras li-nhas (consolidada as quantidades), das Universidades Federais do Nordeste e, também, a relação dos subtemas escolhidos para as submissões (linha 18).

Lígia de Oliveira Braga; Roberto Rodrigues de Souza q 103

Tabela 5. Relação dos programas e projetos na linha de Meio Ambiente e Recursos Naturais e total das outras linhas disponibilizados no Ministério da Educação (2014).

Programa/Projeto

IES

Linh

a 18

: Mei

o A

m-

bien

te e

Rec

urso

s N

atur

ais 

  

Out

ras

Rela

ção

Subtema

Universidade Federal da Bahia 1 17 6% Produção e Consumo Sustentáveis

Universidade Federal da Paraíba 4 59 7%

Gestão de ÁguasProdução e Consumo SustentáveisConservação e uso da biodiversida-de (2x)*

Universidade Federal de Alagoas 0 14   -Universidade Federal de Pernambuco

0 19   -

Universidade Federal de Sergipe 0 8   -Universidade Federal do Maranhão

0 7   -

Universidade Federal do Piauí 0 10   -Universidade Federal do Rio Grande do Norte

2 43 5%Conservação e uso da biodiversidadeProdução e Consumo Sustentáveis

Universidade Federal do Ceará 3 22 14%Produção e Consumo SustentáveisGestão de ÁguasAgroecologia e Agroextrativismo

Total= 10 199Fonte: Ministério da Educação, 2014.

Analisando os dados da tabela, podem-se fazer algumas considerações de extrema relevância para que se evidencie a diferença entre o baixo apro-veitamento dos projetos/programas de Extensão Universitária da linha te-mática de Meio Ambiente e Recursos Naturais em relação às demais linhas disponibilizadas pelo MEC.

Primeiro, no tocante ao total dos projetos/programas submetidos onde, dos 209 aprovados, apenas 10 deles são na linha de Meio Ambiente. Das 09 Universidades, apenas 04 possuem projetos/programas nesta temática. Aden-trando aos subtemas (quadro 1), nota-se que, dos 06 disponibilizados pelo MEC na referida linha temática, 04 deles tiveram aprovação. Isto revela uma boa diversificação entre as Universidades. Demonstra o interesse por parte delas em desenvolver a área temática ambiental através de diversos olhares.

q Gestão Ambiental em Extensão Universitária como Elo da Academia Científica junto à Sociedade104

Verifica-se, desta forma que, dentre as 04 Universidades que tiveram submissão na temática discutida, todas desenvolveram projetos/programas no subtema de Produção e Consumo Sustentáveis, ou seja, projetos que se encontram nas áreas de tal subtema (quadro 2).

Tal informação revelada é de extrema importância neste estudo, pois, faz parte do interesse desta pesquisa constatar que, mesmo com tanto de-sequilíbrio entre as Universidades e as linhas temáticas escolhidas para Ex-tensão Universitária, fica evidente que, quando ocorreu a escolha de Meio Ambiente e Recursos Naturais, todas elas, das 04 com aprovação, buscaram a questão da Produção e Consumo Sustentáveis. Segue figura 2.

Figura 2. Apresentação da frequência dos subtemas da linha de Meio Ambiente e Re-cursos Naturais disponibilizados no Ministério da Educação (2014).

Fonte: Ministério da educação, 2014.

A escolha das Universidades demonstra o interesse pela Gestão Am-biental, pois, neste subtema presente em todas as aprovações, Produção e Consumo Sustentáveis, estão as áreas que mais se aproximam desta prática como: Gestão Ambiental para a produção mais limpa e ecoeficiente; Cons-trução sustentável; Redução de resíduos da construção e modulação de componentes para diminuir perdas e especificações que permitam a reutili-zação de materiais; Uso racional de energia ou promoção de energias reno-váveis; Redução do uso de materiais com alto impacto ambiental; Práticas educativas para a sensibilização e redução dos padrões de consumo; Cons-trução de circuitos curtos de produção e consumo.

Lígia de Oliveira Braga; Roberto Rodrigues de Souza q 105

Segundo Dias (2010), é possível ver surgir os discursos do Saber Ambien-tal e do Desenvolvimento Sustentável, podendo satisfazer as necessidades básicas da humanidade. Dialogando com Chiavenato (2000) que traz a ad-ministração como “direção para” se referindo ao planejamento nas organi-zações, pode-se referir a associação de tais práticas a Gestão Ambiental e esta prática não pode estar ausente no contexto do ensino e pesquisa nas Universidades. De acordo com Pearson (2011) a Gestão Ambiental é o braço da administração que reduz impactos sobre a natureza, assim, não se pode conceber tal ausência nas Instituições de Ensino Superior (IES), enquanto or-ganizações educacionais.

Além disto, as Universidades, como todos os setores, tem sua respon-sabilidade diante da crise ambiental global e, pela educação, pode realizar a inserção de saber ambiental junto à sociedade. Para Philippi & Pelicione (2005) a Educação Ambiental tem a finalidade de construir valores e atitu-des que possibilitem o entendimento da realidade do que se vivencia em relação ao Meio Ambiente.

Diante do contexto apresentado, fica clara e evidente a importância da Gestão Ambiental para as Universidades que, segundo Tauchen & Brandli (2006) vem ganhando espaço no meio empresarial e demais setores, no en-tanto, ainda são poucas as práticas em Instituições de Ensino Superior (IES). A Extensão Universitária e a relação da pesquisa/ensino com a sociedade pode ser uma ferramenta de extrema relevância para a inserção da Gestão Ambiental nas Universidades e a produção de novos saberes para todos en-volvidos no processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados apresentados e discussões realizadas nota-se que as Universidades precisam ampliar seu olhar para as questões ambientais. Com o avanço tecnológico acelerado e as novas descobertas constantes nos tem-pos atuais, cada vez mais serão procurados e utilizados os recursos naturais, muitas vezes, finitos.

Daí a importância das Universidades Federais, como organizações educa-cionais, promoverem discussões e atividades voltadas à temática ambiental de modo a fazer dialogar a academia e a sociedade na busca de práticas que possam mitigar os impactos da atividade humana sobre o Meio Ambiente.

Um dos percursos que pode servir para promover este encontro são os projetos e programas de Extensão Universitária, visto que, o Ministério da Educação possui, em suas linhas temáticas, a possibilidade de submissão de

q Gestão Ambiental em Extensão Universitária como Elo da Academia Científica junto à Sociedade106

trabalhos a serem desenvolvidos na temática ambiental. Porém, ao longo do texto, percebe-se que é preciso avançar. Faz-se necessário que a Universida-de desperte amplamente seu olhar para os problemas ambientais e incenti-ve seus atores a desenvolverem projetos nesta área.

Fazendo a leitura dos resultados e discussões, observa-se que a Extensão Universitária é pouco utilizada pelas Universidades Federais da Região Nordeste para a prática de atividades na temática ambiental, tão pouco para a inserção da Gestão Ambiental junto à sociedade e todos envolvidos no processo.

Faz-se mister que as Universidades busquem essa ferramenta e desper-tem seu interesse para que, através da Extensão Universitária, possam gerar novos saberes sobre temática ambiental, aproximando-se da sociedade e fornecendo subsídios para mudanças efetivas diante da atual crise.

Como organizações educacionais, as Universidades precisam assumir seu papel diante deste contexto urgente e necessário em que o mundo se encontra. Cada um, em cada esfera e em cada modelo de organização, pre-cisa fazer sua parte. Através dos projetos e programas de Extensão Univer-sitária, as Universidades podem, sim, atuar na área ambiental, fazendo sua parte e inserindo a academia nesta luta a favor do Meio Ambiente e a fim de se garantirem as condições de sobrevivência para as gerações futuras.

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GESTÃO SOCIAL E SEU CONSTRUTO NO ÂMBITO LOCAL

Daniela Venceslau Bitencourt; Maria José Nascimento Soares

INTRODUÇÃO

O tema “Gestão Social” vem sendo pesquisado no Brasil desde 1990 por autores das diferentes áreas, a exemplo: de administração, da sociologia, da ciências política e outras na perspectiva de contribuir para a ciência e as trans-formações que ocorre na sociedade. Entretanto, não há um consenso em rela-ção à sua definição, o que vem gerando não só uma gama variada de concei-tos, mas também o uso de diferentes categorias em torno das quais ela vem se materializando.

Em pesquisa realizada com base na produção científica apresentada nos Encontros Nacionais de Pesquisadores em Gestão Social – ENAPEGS1, pro-movido pela Rede de Pesquisadores em Gestão Social – RGS. Cançado et al.(2011), ao analisar os trabalhos do grupo no período de 2007 a 2010 con-cluiu que há uma variedade de entendimentos no que se refere e denomina gestão social, indo desde a noção de gestão como ferramenta de emancipa-ção ou empoderamento das pessoas (Gestão Emancipatória), passando pela noção de participação (Gestão Participativa) até a ideia de gestão voltada para políticas públicas e programas sociais (Gestão do Desenvolvimento Social).

Abrange ainda a dinâmica da gestão no terceiro setor (Gestão em Organiza-ções Sem Fins Lucrativos), bem como a gestão das ações de responsabilidade social das empresas (Gestão da Responsabilidade Social Empresarial). Por isso, afirma, Fischer, “[...] o campo da gestão social é reflexivo das práticas e do conhe-cimento construído por múltiplas disciplinas” (2002b, p.29), fato que ocasionou uma polissemia na nomenclatura para o termo gestão do tipo social.

GÊNESES DA GESTÃO SOCIAL E SEUS AVANÇOS

Refletindo a diversidade de fluxos, processos, interações e complexidade dos problemas, a ciência aprofunda a cada dia aspectos para construir es-paços, meios, formas e estratégias para que o conhecimento seja dinâmico.

1 Atualmente, o evento é considerado um importante espaço nacional para a discussão da temática da Gestão Social.

q Gestão Social e seu Construto no Âmbito Local110

Carvalho (1999) descreve sobre a necessidade de buscar um novo modo de gestão da política social diante das “compreensões políticas e econômicas globais” vividas nos últimos séculos. Por isso, torna-se fundamental a refor-ma do Estado e, conseqüentemente, de uma nova forma de gestão que pos-sibilite atuar nas demandas sociais; assegurando novas demandas para uma sociedade complexa em que

os déficits públicos crônicos; a revolução informacional; a transformação produtiva, desemprego e precarização das relações de trabalho; a expansão da pobreza; e o aumento das desigualdades sociais são alguns dos tantos fatores que engendram demandas e limites e pressionam por novos arranjos e modo de gestão da política social (CARVALHO, 1999, p.20).

Partindo dessa discussão, Carvalho entende que “[...] a gestão social tem um compromisso com a sociedade, de assegurar por meio das políticas e programas públicos o acesso efetivo aos bens, serviços e riquezas societá-rias” (1999, p.28). Desse modo, as primeiras contribuições sobre esta temá-tica no Brasil emergem dos estudos de Tenório (1998), no seu artigo Gestão Social: uma perspectiva conceitual; o qual alerta para que a gestão social não siga o modelo da teoria tradicional, em que o mercado prevalece. Mas, ao contrário, que ela seja construída a partir de uma base epistemológica que a compreenda como um “[...] processo intersubjetivo que preside a ação da cidadania tanto na esfera privada quanto na esfera pública” (TENÓ-RIO,1998, p.22).

Para tanto, Tenório busca sustentação epistemológica na teoria crítica da Escola de Frankfurt, a partir de Horkheimer e Habermas. Por seu caráter re-flexivo, a teoria crítica investiga as interconexões recíprocas dos fenômenos sociais e observa-os numa relação direta com a sociedade. Isso se intensifica com a discussão proposta por Habermas ao propor o desenvolvimento de “[...] uma práxis social voltada para um conhecimento reflexivo e uma práxis política que questiona as estruturas sócio-político-econômicas existentes” (1998, p.12).

Nesta perspectiva, as primeiras incursões de Tenório voltaram-se tanto para o campo conceitual da gestão social, quanto para a implementação de políticas públicas que possibilitem inverter os sistemas governamentais que se organizam na dinâmica Estado-Sociedade, bem como os sistemas empre-sariais sustentados na dinâmica Capital-Trabalho.

Daniela Venceslau Bitencourt; Maria José Nascimento Soares q 111

Fischer define gestão social como “[...] um processo de mediação que ar-ticula múltiplos níveis de poder individual e local” (2002b, p. 27). Já, Cançado define que é “[...] a tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade da linguagem, na dialogicidade e entendimento esclareci-do como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fim último” (2011, p. 221). Para isso, ele toma como referência três categorias: “interesse público; esfera pública; e emancipação social” que não só se articulam entre si; mas também abrangem outras dimensões analíticas.

A gestão social busca consolidar uma gestão construída a partir das ne-cessidades da sociedade, utilizando-se das contribuições e interações da gestão pública e privada. França Filho conceitua que “[...] a gestão social refe-re-se ao que se elabora num espaço público, seja ele estatal ou societário, ou mesmo, na confluência entre eles, representado na articulação entre Estado e sociedade” (2007, p.6).

Desse modo, a gestão social é compreendida como a construção de inú-meros espaços para interação social implica na integração/articulação dos governantes, empresas, organizações civis e dos cidadãos. Enfim, contextos específicos que serve de ações de maior alcance, com a potencialidade de originar conhecimento inclusive para a gestão pública e gestão privada.

A gestão social busca a participação coletiva livre de coerção em que to-dos possam se manifestar, ou seja, constitui um campo de informação cientí-fica com embasamentos teórico-metodológicos, em que a participação dos agentes sociais torna-se imprenscindível para o bom êxito dos processos, especialmente nos municípios, que localmente podem ser resolvidos.

Dowbor descreve como é extremamente interessante a descentralização política ao poder oferecer a gestão social, pois “[...] o interesse direto do ci-dadão pode ser capitalizado para se desenhar uma forma desburocratizada e flexível de gestão social, apontando para novos paradigmas que ultrapas-sam tanto a pirâmide estatal como o vale tudo do mercado” (1999, p.38-39). Salienta ainda que algumas tendências nos obrigam a pensar formas de or-ganização social, a redefinir relação entre o político, o econômico e o social, a desenvolver pesquisas cruzando as diversas disciplinas, a escutar de forma sistêmica os atores estatais, empresariais e comunitários (DOWBOR, 1999, p. 40).

Assim, como Dowbor (1999), Tenório aborda a importância da descen-tralização para a construção da gestão social. Para ele a “[...] gestão social [emerge] como o processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisó-ria é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer

q Gestão Social e seu Construto no Âmbito Local112

em qualquer tipo de sistema social)” (TENORIO, 2007, p. 10). Daí a impor-tância de se compartilhar a ação entre os participantes dentro da gestão social, já Najmanovich nos faz refletir quando afirma que, “[...] a maioria das pessoas continuam pensando como indivíduos isolados e não como parte de múltiplas redes de interação” (1995, p.61), fato que impede a tomada de decisão coletivamente e agir com base na responsabilidade compartilhada entre os sujeitos da ação.

Carvalho, que compartilha o pensamento de Manuel Castell (1998) sobre o Estado rede, concebe-o como uma nova visão que permite estabelecer uma gestão mais articulada e com mais interação. Para ele, “[...] a moderna apreensão de rede2 sinaliza que não há uma única rede na qual os agentes se integram; pelo contrário, o fazer social ocorre no entrelaçamento de redes alimentadas por fluxos contínuos de informação e interação” (CARVALHO, 1999 p.26).

Corroborando com Carvalho (1999), Wilhein (1999) demonstra a impor-tância do Estado Rede de Castell (1998) para o estabelecimento de um pro-cesso que norteia não só a dinâmica da vida em sociedade, mas também a parceria entre os protagonistas do pacto social. Nesta perspectiva, a gestão social no século XXI surge como uma técnica por meio da qual se redese-nha as instituições e aproxima os cidadãos de suas próprias decisões. Para Junqueira a rede “[...] estabelece acordos de cooperação, de alianças e de reciprocidade [...] como meio de encontrar saídas para intervir na realidade social complexa” (2004, p.29).

A gestão social busca compreender a sociedade em sua pluralidade, por meio de alternativas de gestão entre as organizações envolvidas buscando soluções para o bem estar comum. Para Fischer deve existir “[...] uma visão integrada em relação aos atores sociais (das esferas do mercado, do Estado e da sociedade civil) e aos enfoques de análise (integram-se os eixos ambien-tal, social, político, econômico e cultural)” (2007, p.4). Já na perspectiva de Gomes et al., a gestão social deve ser analisada

2 De acordo com Carvalho (2002, p. 2) o conceito de redes tem origem na sociologia e que “[...] consiste em atores em nós conectados por laços ou vínculos sociais” e ainda como Padolny e Page (1998 apud CARDOSO et al. 2002, p. 9) que definem como “[...] uma co-leção de atores que estabelecem relações de troca de longo prazo, e que ao mesmo tempo não possuem legitimidade e autoridade para arbitrar e resolver disputas que podem correr durante a troca” e que se situam “[...] como formas hídricas de organização entre o mer-cado (onde a coordenação do trabalho se dá a partir da racionalidade estrita de transações independentes ao longo do tempo) e a hierarquia (onde a coordenação se dá pelo poder formal). Nas redes, surge com grande relevância a coordenação a partir de mecanismos sociais”.

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além da gestão de políticas públicas, mas sim estabelecer as arti-culações entre ações de intervenção e de transformação do cam-po social, que é uma noção mais ampla, e que não se restringe à esfera público-governamental, como vemos a exemplos das ações de responsabilidade social e do crescimento do terceiro setor (GOMES et al, 2008, p.59).

Contudo, vale ressaltar que há diversos teóricos que tratam desta te-mática e apresentam pontos de encontro e desencontro conceituais, por exemplo Pimentel e Pimentel (2010) proporam nove categorias por meio das quais se congregam as reflexões acerca da gestão social. Essas catego-rias contemplam objetivo, valor, racionalidade, protagonista, comunicação, processo decisório, operacionalização, esfera e autonomia/poder. O resulta-do dessa análise, por sua vez sintetiza o debate ao propor sete princípios ou fundamentos teóricos da gestão social

P1: A gestão social tem como objetivo o interesse coletivo de caráter público; P2: A orientação de valor da gestão social é o interesse público bem compreendido; P3: A gestão social deve subordinar a lógica instrumental a um processo decisório deliberativo, pautando-se na racionalidade substantiva; P4: A gestão social tem como protagonista a sociedade civil organizada, mas envolve todos os atores sociais, organizacio-nais e institucionais de um dado espaço público; P5: A gestão social é um processo participativo, dialógico, consensual; P6: A gestão social se materializa pela deliberação coletiva alcançada pelo consenso possível gerado pela argu-mentação livre; P7: As parcerias e redes intersetoriais, tanto práticas como de conhecimentos, ao formarem uma esfera pública, são formas de pensar e operacionalizar a gestão social (PIMENTEL; PIMEN-TEL, 2010, p. 124).

Para Carvalho (1999), não existe mais espaço para uma política de forma “clientelista, paternalista ou tutelar”. Ela retrata que uma das estratégias é

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o “empowermente”, que em português é traduzido como empoderamento. Costa conceitua-o como sendo “[...] mecanismo pelo qual as pessoas, as or-ganizações e as comunidades tomam o controle dos seus próprios assuntos, da sua própria vida e do seu destino, conscientizando-se da sua habilidade e competência para produzir, criar e agir” (2000, p.7). Entretanto, afirma Sen, que “[...] para que o processo de empoderamento seja sustentável, este deve alterar tanto a autoconsciência do grupo quanto o controle de suas vidas e de seu ambiente material” (1997, p. 2).

Para a Organização das Nações Unidas – ONU, o conceito de em-poderamento “[...] inclui participação, direitos e responsabilida-des, capacidade de realização e integração social” (ONU, 2001, p.2), permitindo assim, aos munícipes a conquista do poder para discutir estratégias de atuação em busca de melhores índices de desenvolvimento.

A GESTÃO EMANCIPATÓRIA E O EMPODERAMENTO

A Gestão Emancipatória interpreta a gestão social como uma ação que proporciona a emancipação ou empoderamento dos indivíduos. Perkins e Zimmerman definem o empoderamento como “[...] um construto que liga forças e competências individuais, sistemas naturais de ajuda e comporta-mentos pro-ativos com políticas e mudanças sociais” (1995, p. 1). Pois trata--se da constituição de organizações e comunidades responsáveis, mediante um processo no qual os indivíduos que as compõem possa obter controle sobre suas vidas, participando democraticamente no cotidiano de diferen-tes arranjos coletivos e compreendam criticamente seu ambiente.

Como se pode perceber há uma relação de proximidade entre a defini-ção de empoderamento e de autonomia3, pois está diretamente ligada à ca-pacidade que os indivíduos e grupos possuem de decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher cursos de ações alternativas em múltiplas esferas – política, econômica, cultural, psicológica e outras ações.

3 Souza (2006, p.57) considera que para uma sociedade ser autônoma, “[...] nenhuma parcela da população se achará sistematicamente alienada em relação ao exercício do poder, e participar do exercício do poder, deliberando sobre os assuntos de interesse coletivo, torna-se-á algo virtualmente possível para todos os cidadãos. A participação não será, então, sob essas circunstâncias, apenas uma mera participação dos cidadãos em processo decisórios coordenados e tutelados por uma instância de poder separada (aparelho de Estado), mas sim tomar parte em processos decisórios em que todos os cidadãos que assim quiserem se farão presentes em igualdade de condições”.

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Desse modo, empoderar é o processo por meio do qual os sujeitos, as comunidades e as instituições adquirem visibilidade, voz, influência e capa-cidade de agir. Nesse sentido, equivale aos munícipes terem poder de agen-da nos temas que afetam suas vidas, uma vez que o acesso a esses recursos normalmente não é automático.

Ações estratégicas mais ou menos coordenadas são necessárias para obten-ção de informações, de modo que para Friedmann o objetivo do processo é

Reequilibrar a estrutura de poder na sociedade, tornando a ação do Estado mais sujeita a prestação de contas, aumentando os poderes da sociedade civil na gestão dos seus próprios assuntos e tornando o negócio empresarial socialmente mais responsável. Um desenvol-vimento alternativo consiste na primazia da política para proteger os interesses do povo, especialmente dos setores disempowered (sic), das mulheres e das gerações futuras assentes no espaço da vida da localidade, região e nação (FRIEDMANN, 1996, p. 32-33).

Para Perkins e Zimmerman (1995), os processos devem incluir no nível individual, a participação nas organizações da comunidade; no nível orga-nizacional, as decisões coletivas e a divisão da liderança; e, no nível comuni-tário, ações coletivas para acessar recursos governamentais e comunitários.

Sendo assim, o empoderamento é um constructo que se dá na dimensão individual, quando diz respeito as variáveis comportamentais e pessoais e na dimensão organizacional, quando envolve a mobilização participativa de recursos e oportunidades em determinada instituição; e na dimensão comu-nitária, quando o que está em foco são as estruturas das mudanças sociais e a estrutura sociopolítica.

No entendimento de Delgado, o empoderamento é “[...] um processo social pelo qual as pessoas, as comunidades, as organizações, transformam seus recursos em ativos de capital e colocam-se numa posição de poder mudar suas relações com os mercados, o Estado e a sociedade civil” (2003, p.230). Assim, o empoderamento encontra-se relacionado aos aspectos psi-cológicos que lhe permitem ganhar conhecimento e controle sobre si mes-mo, para agir na direção de uma melhor situação de vida.

Perkins e Zimmerman (1995) defende que o empoderamento individual de certa forma também é intrapessoal, porque se por um lado é influenciado por fatores psíquicos; por outro ele é relacional, pois está fortemente ligado à percepção que os sujeitos possuem em suas relações com o outro e com o mundo a sua volta.

q Gestão Social e seu Construto no Âmbito Local116

O empoderamento organizacional é aquele gerado na e pela organiza-ção. Trata-se de um processo relacionado às dinâmicas do mundo do traba-lho que tem por finalidade delegar poder de decisão, autonomia e partici-pação dos funcionários na administração das organizações, proporcionando decisões mais coletivas e horizontais. Assim, Delgado descreve que “[...] o empoderamento é instituido como um elemento indispensável para a boa gestão [...] conquistar poder, ou seja, adquirir a capacidade de mudar a posi-ção que se ocupa em um determinado campo social” (2003, p.231).

Neste sentido, empoderar é fazer com que indivíduos, organizações e comunidades ampliem recursos que lhes permitam ter voz, influência e ca-pacidade de ação e decisão, notadamente nos temas que afetam suas vidas, em diversas esferas, de maneira formal ou informal. É, noutras palavras, ter poder de agenda. Em face das dificuldades já apontadas para acessar esses recursos, sua busca implica ações estratégicas mais ou menos coordenadas. Como resultado, o empoderamento, apesar de não ser uma dádiva, neces-sita quase sempre da intervenção de fatores externos, o que aponta para as ações concretas de compreender o fenômeno e intervir na realidade.

GESTÃO PARTICIPATIVA NO CONTEXTO SOCIAL

A gestão participativa é a gestão que tem a participação como base de sua dinâmica. Assim, deve ser entendida como a forma de gestão no proces-so que se dá por meio do grupo, responsável pelas suas ações. A participa-ção “[...] emana de cidadãos politicamente autônomos, os quais passam a ser parceiros do direito e da própria democracia, e não meros espectadores das questões jurídico-políticas, tornando-se o processo legislativo em espaço de integração social” (WIRTH; HAMEL, 2006, p.164).

Nessa dinâmica, participar das discussões e das decisões que envolvem a vida coletiva significa também participar do governo e da sociedade; in-seri-se no debate e na efetivação de políticas públicas; descentraliza o Es-tado como único gestor da coisa pública, torna os indíviduos co-gestores numa dinâmica importante que envolve estado e sociedade na efetivação do bem-comum. Assim, a participação significa,

‘fazer parte’, ‘tomar parte’, ‘ser parte’ de um ato ou processo, de uma atividade pública, de ações coletivas. Referir ‘a parte’ implica pensar o todo, a sociedade, o Estado, a relação das partes entre si e destas com o todo e, como este não é homogêneo, diferenciam-se os inte-resses, aspirações, valores e recursos de poder (TEIXEIRA, 2001, p. 27).

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Participar da esfera pública possui um caráter pedagógico quando se pensa a construção de uma ética4 social que proporciona de forma signifi-cativa uma nova organização da gestão pública, modificando uma tradição sustentada em favores numa proposta em que os indivíduos realmente se percebam sujeitos de direitos (ROCHA, 2009). Por isso, nesta tese entende-se a participação como um processo em que os membros de uma comunidade (munícipes) participam da preparação, do gerenciamento e do usufruto dos bens públicos. Nesta perspectiva, alguns municípios estão adotando o que se vem chamando de orçamento participativo que

pode servir como canal de expressão dos anseios populares, ao mesmo tempo em que desenvolve a consciência de responsa-bilidade e solidariedade social, a partir do momento em que os munícipes tomam consciência da extensão das suas necessida-des e são chamados a deliberar, de forma responsável, acerca de prioridades na destinação de verbas públicas (WIRTH; HAMEL, 2006, p.167).

A participação é, pois, um processo de conquista, e consequentemente da construção da cidadania, ao mesmo tempo em que promove a ruptura com um modelo de centralização de poder tão comum nos regimes auto-ritários. Além disso, promove a construção de habilidades e competências necessárias para o seu pleno desenvolvimento, já que, conforme Pateman, “[...] quanto mais os cidadãos participam melhor capacitados eles se tornam para fazê-lo” (1992, p. 61), ou seja, a participação dos cidadãos na vida pú-blica torna-lhes aptos para intervir nos processos de discussão e deliberação de seus interesses, sendo, então, uma condição necessária à democratização da gestão pública. Essa democratização deve ser entendida como “[...] a su-bordinação da organização social e, em particular, do poder político, a um objetivo que não é social, mas moral: a libertação de cada um” (TOURAINE, 1996, p.254).

4 Leandro e Costa destacam a “[...] ética como uma teoria que traz em seu bojo a ideia de que a sua função é dizer quais seriam os comportamentos que levariam ao bem comum, contribuindo para fundamentar ou justificar a prática moral, procurando ex-plicar o porquê de determinadas ações. Entretanto, esse bem comum é algo bastante difícil de ser definido” (2008, p.63). E ainda, “[...] Pensar em ética significa refletir sobre convivência entre as pessoas, os grupos sociais, e a natureza. Trabalhar com uma ética que seja apenas normativa, sem pensar na questão dos valores, das necessidades, da vontade, na liberdade e na responsabilidade dos envolvidos” (2008, p.99).

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A democracia não seria composta apenas por leis e pelo governo da maioria. Mas, pela cultura democrática, composta por instituições em que as garantias institucionais não bastam, será preciso a permissão e aceitação da liberdade pessoal, dos projetos individuais e coletivos. Numa de suas defini-ções da democracia, Touraine afirma que

em vez de identificar a democracia com uma liberdade política que abandona as filiações sociais e culturais, devemos reconhe-cê-la como o espaço institucional no qual é possível combinar a particularidade de uma experiência, cultura e memória com o universalismo da ação científica ou técnica e o universalismo das regras de organização jurídica e administrativa. A democracia é o espaço do diálogo e da comunicação (TOURAINE, 1996, p.261).

A consciência de cidadania, para o autor significa responsabilidade po-lítica permitindo que o indivíduo pense sobre as relações estabelecidas na unidade nacional e a importância da autonomia dessa unidade. Sem o cida-dão, a cultura da democracia se torna vítima do consumismo e do sistema financeiro, ou de qualquer dominação antidemocrática.

o tema da cidadania significa a construção livre e voluntária de uma organização social que combina a unidade da lei com a di-versidade dos interesses e o respeito pelos direitos fundamen-tais. [...], a ideia de cidadania fornece um sentido concreto à ideia de democracia: a construção de um espaço propriamente políti-co, nem estatal nem mercantilista (TOURAINE, 1996, p.93)

A democracia5, portanto, seria a atuação dos atores sociais, individuais e coletivos, e as garantias institucionais que assegurariam essa liberdade e o direito de identidade de cada um, em que toda a sociedade possa ser reflexi-va e com propósitos educacionais como adverte Lisboa que

5 Em relação a idéia de democracia esse deve ser aquela considerada por Morin como sendo uma democracia cognitiva em que “[...] a sociedade possa efetivamente parti-cipar dessa tomada de decisões. Embora essa tarefa possa parecer impossível, ela não é. Basta considerar que a ciência cartesiana, que hoje morre, abriu o seu caminho com escritos e conferências privadas, numa época em que poucos liam e os meios de co-municação eram precários. Lembremo-nos também da atilada percepção de Thomas Kuhn quanto ao didatismo daqueles cientistas que tiveram de buscar o público leigo para promover idéias que contrariavam os para paradigmas reinantes em suas diver-sas comunidades científicas” (LISBOA, 2009, p.139).

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a sociedade reflexiva com a Educação pública generalizada e os meios sofisticados de comunicação de que dispõe, tem todas as condições técnicas para realizar essa tarefa. Será essa democra-tização do saber que permitirá à humanidade fugir dos cenários apavorantes, e em certo sentido, premonitórios, dos romances de ficção científica, nos quais impérios autocráticos detêm tec-nologias siderais (LISBOA, 2009, p.139-140).

Neste sentido, o sistema educacional pode atingir níveis formativos de sensibilizar os munícipes para se envolver socialmente nas questões admi-nistrativas de seu município, de modo a participar ativamente da gestão so-cial com o foco no desenvolvimento local sustentável.

GESTÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

A gestão empresarial é compreendida como gerenciamento das ações de responsabilidade social das empresas. Seu conceito é dinâmico e com-plexo, pois se refere a uma gama de noções acionadas nos mais variados contextos. Por isso, ora remete à noção de responsabilidade legal; ora reme-te ao ideal de um comportamento que seria socialmente mais responsável no sentido ético6. Para Gomes, a responsabilidade social é “[...] uma nova consciência do contexto social e cultural no qual se inserem as empresas e os cidadãos. Ela pode ser entendida como a contribuição direta destes para o desenvolvimento social, e a criação de uma sociedade mais justa e iguali-tária” (2006, p.138).

No entanto, a ressponsabilidade social apresenta desdobramentos ao envolver as diversas estruturas da empresa e suas relações com fornecedo-res e clientes, bem como a busca pela produção de qualidade e pela satis-fação de seus usuários; ao mesmo tempo em que emergem preocupações mais amplas quanto ao meio ambiente, a relação com a comunidade em que está inserida ou ainda ao respeito aos direitos humanos em todas as suas dimensões.

6 Nesta tese, o sentido ético deve ser entendido como “[...] A ideia de viver de acordo com padrões éticos está ligada à ideia de defender o modo como se vive, de dar-lhe uma razão de ser, de justificá-lo. Desse modo, as pessoas podem fazer todos os tipos de coisas que consideram erradas, mas, assim, estar vivendo de acordo com padrões éticos, desde que tenham condições de defender e justificar aquilo que fazem. Podemos achar a justi-ficativa inadequada e sustentar que as ações estão erradas, mas a tentativa de justifica-ção, seja ela bem-sucedida ou não, é suficiente para trazer a conduta da pessoas para a esfera do ético” (SINGER, 2006, p. 18).

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Gomes (2006) evidencia que a responsabilidade social torna-se uma fer-ramenta importante nas novas formas de gestão empresarial ao evidenciar valores e atitudes éticas, pois “[...] há um imperativo ético de comprometi-mento com toda a sociedade, buscando atender, além de suas demandas econômicas, as exigências sociais” (DUARTE; DIAS, 1986, p. 51-56), tendo como base as reivindicações do contexto social.

Por esta razão, a responsabilidade social pode ser concebida como o compromisso que os munícipes, as organizações possuirá em relação à so-ciedade, expresso por meio de atos e atitudes que os atingem diretamente. Em outras palavras,

agindo proativamente e coerentemente no que tange a seu pa-pel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organização [...] assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vincula-das a suas atividades, mas que possam contribuir para o desen-volvimento sustentável dos povos (ASHLEY, 2002, p.98).

Nesta perspectiva, a gestão social também entendida como res-ponsabilidade social empresarial tem desdobramento de acordo com con-cepção das pesquisas da área. Assim, as mudanças decorrentes da globali-zação reconfiguraram o mercado, visto que os produtos e os parceiros dos negócios estão em qualquer lugar do mundo.

Surgem assim, novas demandas para as corporações, pois, assegu-ra Santos que esta pode ser desenvolvida de modo que em “[...] qualquer lugar do mundo pode referir-se a um mercado de país desenvolvido, cujo consumidor está adquirindo ou já adquiriu consciência” (2005, p.63). Desse ponto de vista, a responsabilidade social liga-se a questões e princípios éti-cos7 adotados pela empresa no que se refere aos problemas de ordem social. Surge, portanto, a ideia de empresa como elo entre sociedade, munícipes e governo, enquanto mecanismos estratégicos capazes de melhorar a quali-dade de vida via desenvolvimento sustentável.

Assim sendo, uma organização socialmente responsável considera, nas decisões que tomam, a comunidade onde se insere e o ambiente onde ope-

7 Desse modo “[...] um princípio ético não se pode dar em termos de qualquer grupo parcial ou local. A ética se fundamenta num ponto de vista universal, o que não signi-fica que um juízo ético particular deva ser universalmente aplicável. [...] as circunstân-cias alteram as causas. Significa isto sim, que, ao emitirmos juízos éticos, extrapolamos a nossa preferências aversões” (SINGER, 2006, p. 19-20).

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ra. Há quem defenda que as organizações, como motor de desenvolvimento econômico, tecnológico e humano, só se realizam plenamente quando con-sideram na sua atividade o respeito pelos direitos humanos. Investe na valo-rização pessoal, na proteção ao ambiente, no combate à corrupção, no cum-primento das normas sociais e no respeito pelos valores e princípios éticos de uma sociedade. Desse modo, as empresas deverão procurar entender quais os impactos sociais nas atividades que desenvolvem e se existem possibilidades de atuar de forma a minimizar os eventuais efeitos negativos por elas criados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que a gestão social pode se configurar num modelo im-portante para o processo de desenvolvimento local sustentável, essa per-mite a integração gestão-sociedade-meio ambiente, ao mesmo tempo em que abre espaço para uma maior participação da sociedade na procura de melhorias na condição de vida.

A sociedade torna-se participantes ativos, permitindo um olhar mais em-ponderado/enraizado das demandas locais, o que proporcionará um melhor planejamento e uma melhor execução das ações quanto da realidade que o cerca na efetivação de responsabilidades entre os pares, ao passo em que possam ter uma visão ampliada e compartilhada de metas e ações direcio-nada para o bem-estar social.

Nesse contexto o papel dos gestores é ir além de suas competências ad-ministrativa e desenvolver uma ação multidimensional que implique recur-sos, geração de uma cultura de ação/participação, organização comunitária, colaboração interinstitucional, parcerias entre público e privado de modo coletivo envolvendo toda a sociedade para a solução dos seus desafios: avanço econômico, social e ambiental; respeitar os direitos humanos; esti-mular capacidades locais; criar oportunidade de geração de emprego e ren-da; promover atividades culturais; estimular formações profissionais; aplicar na prática a gestão social.

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MODELOS DE GESTÃO E A IMPORTÂNCIA DAS NORMATIZAÇÕES NA CADEIA PRODUTIVA

Isabel Cristina Barreto Andrade, Roberto Rodrigues de Souza, Gregório Guirado Faccioli

INTRODUÇÃO

É interessante ressaltar que o gerenciamento e manejo em um processo produtivo - de qualquer natureza - não aparecem como algo fácil de ins-trumentalizar. Trata-se de um paradigma que precisa ser visto e revisto por parte do Estado e dos diferentes órgãos de fomento empresarial, refere-se à crise ambiental contemporânea, esta, alicerçada no conceito sistêmico, ain-da fragilizado pelos inúmeros embargos situacionais, sejam: sociais, econô-micos, políticos e ambientais.

Observa-se que as ferramentas de gestão aparecem no cenário atual como uma válvula de escape para a solução de diversos conflitos ambien-tais. As normatizações aparecem como um equilíbrio que conduz o processo produtivo para uma singularidade, que beneficiará o gestor na condução do processo com maior grau de confiança e certeza de minimizar erros que deste venha ser decorrentes.

Recentemente as inquietações mais recorrentes no âmbito administrati-vo sinalizam para a necessidade da construção de novos pensamentos ad-ministrativos e modelos de gestão, que agreguem ao processo produtivo novas abordagens e metodologias que venham acrescentar valor ao pro-cesso (seja de qualquer natureza), “[...] já que as abordagens prescritivas das teorias tradicionais mostram-se inapropriadas frente aos desafios que se co-locam na atualidade, diante do mercado cada vez mais oscilante” ressalta Tavares (2010, p. 129).

Enfatizar somente a modernização das estruturas organizacionais ou a im-plementação de uma nova tecnologia em um determinado processo, ou seja, nos aspectos formais, não tem trazido transformações substanciais no seu modo de funcionamento ou mesmo na efetividade das ações. Segundo Dru-cker, (2013, p. 18) diz que o insucesso de muitas organizações consiste justa-mente em “[...] ressaltar ainda o poder e a autoridade, e não à responsabilidade e a contribuição de quem executa a tarefa”, ou seja, dos colaboradores que de fato estão na base da pirâmide administrativa operacionalizando o serviço.

Para uma gestão ser eficiente, Chiavenato (2014) lembra que essa deve ser a condução racional das atividades de uma organização, seja ela lucrativa

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ou não. A administração trata do planejamento, da organização (estrutura-ção), da direção e do controle de todas as atividades diferenciadas pela divi-são de trabalho que ocorram dentro de uma organização.

É importante que os indivíduos dentro do ambiente organizacional sigam este sentimento racional defendido por Chiavenato (2014). Sabe-se que esta postura deve partir primeiramente da alta direção da empresa (diretores ou acionistas) e depois levada ao ambiente organizacional como um todo.

O sucesso de uma gestão pressupõe atitudes inovadoras direcionadas para a mudança efetiva de fatos, provenientes da transformação de discur-sos em métodos. Assim como a gestão intervém no crescimento organiza-cional, este pode interferir expressivamente para o progresso no campo da administração fazendo com que o empreendimento seja direcionado para o ajustamento mercadológico com o cenário que estiver inserido.

Na percepção de Schmitt (2012, p. 183) o início para a renovação e inova-ção do ambiente organizacional está na:

[...] compreensão da gestão como um meio e o desenvolvimento como fim; a administração em si aparece como uma ferramen-ta para a consecução da finalidade de aperfeiçoamento do bem comum, por interferência de um olhar holístico que considere a comodidade dos indivíduos e a conservação do ambiente natu-ral. Sendo assim, a inovação do conhecimento considera de fato as questões sociais, econômicas e ambientais.

Dentro do conceito de planejamento Drucker (2013) defende ainda a eficácia e eficiência como sendo indispensáveis para o desenvolvimento or-ganizacional. Pontua a eficácia como de maior importância, visto que por maior que seja a eficiência, ela não é capaz de compensar os objetivos dese-jados, caso haja escolhas erradas, ou seja, a eficiência está associada à defini-ção dos objetivos estratégicos do empreendimento.

Desta feita, entende-se que planejar a organização constitui-se em um estudo aprofundado do seu ambiente – interno e externo - para que haja o mínimo de erros possíveis no momento das escolhas decisórias frente aos objetivos organizacionais.

Além de ser um processo de tomar decisões, o planejamento “[...] é uma dimensão das competências intelectuais. Para a moderna psicologia, planejar é uma função cognitiva superior, um tipo refinado de habilidade.” A decisão e a capacidade de lidar com o futuro por meio do planejamento refletem, portanto, uma forma de inteligência. Maximiliano (2011, p. 187).

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1 A IMPORTÂNCIA DAS FERRAMENTAS ADMINISTRATIVAS NO ÊXITO DO PROCESSO

Os autores Andrade e Amboni (2010, p. 85) apresentam a gestão como “a arte de liderar pessoas e de gerir recursos escassos e valiosos dentro e fora das organizações.” Assim, a administração enquanto ciência é indicada, pelos autores, como complexa, visto que, aporta-se a fenômenos complexos (mercadológicos) e informações incontroláveis (ambiente interno e externo) e a situação dificulta-se ao passo que exigem tomadas decisórias. Desta for-ma, o administrador cogita com observações e experimentos, muito mais do que com simples conjecturas Drucker (2013).

Assim, provado que há necessidade de mudanças, faz-se apropriado à existência de aprimoramentos nas ferramentas administrativas para o êxito do empreendimento, não somente no “[...] ajustamento para baixo, isto, é, ao trabalho dos subordinados, mas nas relações laterais, com pessoas que o gestor não exerce autoridade, mas que em termos de decisão e informação é peça fundamental” como afirma Drucker (2013, p. 12).

Então estaria no comportamento das pessoas (organizacionais) a res-posta para um novo paradigma administrativo que revelasse o sucesso do empreendimento?

Chiavenato (2014, p.439) afirma que “[...] O caráter organizacional orien-tado para avaliação de desempenho na Gestão dos Recursos Humanos nas empresas tem consequências importantes para a motivação, detecção e de-senvolvimento humano, possibilitando um maior índice de produtividade, logo, aumento de lucratividade.”

A fala do autor supracitado contrapõe-se a posição Weberiana do inicio do Sec. XX (Sociologia da Burocracia – Max Weber, 1906 que durante muitas décadas balizou as teorias clássicas administrativas), segundo essa teoria, “[...] um homem pode ser pago para agir e se comportar de certa maneira preestabelecida, a qual lhe deve ser explicada com exatidão, muito minucio-samente e em hipótese alguma permitindo que suas emoções interfiram no seu desempenho” (CHIAVENATO 2014, p. 215).

1.1 O PAPEL DO LÍDER NO PROCESSO DECISÓRIO PARA O SUCESSO DO ORGANIZACIONAL.

E o comportamento do líder para com seus liderados que traduz no de-sempenho e no progresso econômico e social do empreendimento? Para Drucker (2013, p.22) o resultado da integração dos recursos em cinco opera-

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ções básicas do desempenho do gestor resulta em um organismo viável sim, quando o líder tem como metas:

1º Fixa objetivos - Diz quais devem ser eles, resolve quais serão as me-tas em cada área dos objetivos. Determina o que se fará para alcançar esses objetivos. Coloca em vigor, comunicando-os as pessoas cuja atuação será necessária para alcançá-los.

2º Organiza – analisa as atividades, decisões e relações necessárias. Classifica o trabalho. Desmembra-o em atividades administráveis e depois subdivide em serviços administráveis. Agrupa essas unidades e serviços em estrutura organizacional. Escolhe as pessoas que administrarão tais unida-des ou farão tais serviços.

3º Motiva e comunica - forma equipes para compartilhar decisões, co-munica-se continuamente com seus subordinados e ao seu superior hierár-quico. Essa é a função de ajustamento, ou integração do administrador.

4º Mensuração ou avaliação – o gestor fixa os alvos e medidas de modo que haja sintonia entre o comportamento do colaborador e os objetivos do empreendimento. O administrador analisa, avalia e interpreta a atuação de cada um.

5º Forma pessoas, inclusive a si mesmo.Pode-se afirmar que esse novo modelo de gestão estaria calçado na ha-

bilidade estratégica do líder com o seu liderado e nos objetivos organiza-cionais. O equilíbrio entre essas vertentes resultaria no progresso do empre-endimento resultado dos princípios em que se acredita; das necessidades imediatas da empresa e as futuras; o equilíbrio entre os fins desejáveis e os meios disponíveis.

O desempenho e a “[...] sobrevivência da organização dependem do de-sempenho da sua administração”, afirma Drucker (2013, p. 22). Assim, é sub-jacente a convicção de que a influencia do gestor baseado no conhecimento e na responsabilidade com a sociedade atual vinculada no seu diversificado e turbulento cenário econômico é fator determinante para a emersão desse novo modelo de gestão.

1.2 ALGUMAS FERRAMENTAS DE GESTÃO QUE APERFEIÇOAM O PROCES-SO PRODUTIVO: PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO – PE E O BALANCED SCO-RECARD – BSC.

Antes de entender a representatividade do planejamento estratégico para um empreendimento, faz-se necessário compreender o significado da palavra estratégia, que originalmente está associada ao conceito de general

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(do grego strategos). Significa a arte do general (CHIAVENATO, 2014). A estra-tégia foi sendo incorporado ao ambiente administrativo, e atualmente pode ser compreendida como “[...] um caminho, ou maneira, ou ação formulada e adequada para alcançar, preferencialmente, de maneira diferenciada, os desafios e objetivos estabelecidos, no melhor posicionamento da empresa perante o seu ambiente” (OLIVEIRA, 2014, p. 184).

Autores contemporâneos inspiram-se em seu conceito para definir o que “[...] titulam de escopo competitivo, ainda de forma restritiva, define-se como a busca deliberada de alternativas de ações para conquistar e manter vantagens competitivas de uma empresa” (TAVARES, 2010, p. 268). A estratégia maximiza os resultados, ao passo que, está relacionada “[...] à arte de utilizar adequada-mente os recursos físicos, financeiros e humanos, tendo em vista a minimização dos problemas e a maximização das oportunidades” Oliveira (2014, p.203).

Já partindo para o conceito de Planejamento Estratégico – PE, este é de-finido por Drucker (2013, p. 148) como um processo:

Continuo e sistemático com o maior conhecimento possível do futuro contido no momento da tomada de decisões atuais que envolvem riscos; organiza sistematicamente as atividades neces-sárias à execução dessas decisões, e, através de uma retroalimen-tação organizada e sistemática, medi o resultado dessas decisões em confronto com as expectativas alimentadas.

No entanto, observa-se que o pensamento estratégico vem se evoluin-do, pois há necessidade de uma abrangência maior para o êxito organiza-cional, assim incorpora-se a gestão estratégica como complemento e fator determinante no desempenho estratégico.

Lobato et al. (2012, p. 27), considera um limiar entre o planejamento es-tratégico e a gestão estratégica, quando avalia que além de “ [...] planejar estrategicamente é preciso organizar, dirigir, controlar e coordenar também estrategicamente.”

Costa (2010, p. 74) diz que a finalidade primordial da gestão estratégi-ca visa garantir o desenvolvimento, a continuidade e principalmente “[...] a sobrevivência da instituição por meio da adaptação continua de sua estra-tégia, da sua capacitação e da sua estrutura, possibilitando-lhe enfrentar as mudanças observadas ou previsíveis no seu ambiente externo ou interno, antecipando-se a elas.”

A implementação da gestão estratégica proporcionou uma visão mais integrada e menos centralizada das forças administrativas, esta aparece

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como uma ferramenta que alicerça a implementação da estratégia dentro do ambiente organizacional, Tavares (2010, p. 75) afirma que “[...] programar uma estratégia torna-se mais difícil do que colocar as ideias no papel, isso se os gestores e toda a organização não estiverem envolvidos no processo”.

Já que para este autor, a implementação da estratégia depende da ar-ticulação política, da alocação de pessoas aptas, disponibilização de recur-sos financeiros, técnicos e materiais, além desses é importante ressaltar que se trata de medidas de médio e longo prazo, o que, se não estiverem bem estabelecidas podem cair no esquecimento ou ficarem engavetadas, daí a necessidade de um gerenciamento participativo e continuo.

Balanced Scorecard – BSC

O BSC é uma ferramenta de gestão proposta por Kaplan e Nortan (2009). A sugestão dos autores é balancearem indicadores financeiros com os não financeiros (que eles agrupam nas perspectivas do cliente, dos processos internos e crescimento e aprendizado). Todos os indicadores são correlacio-nados num princípio de causa e efeito e representados graficamente por mapas estratégicos. Para Drucker (2013, p. 201) trata-se de uma “[...] ferra-menta de gestão que traduz a visão e as estratégias de uma organização num conjunto coerente de medidas de desempenho.” A figura 4 abaixo ilus-tra essa conexão organizacional em suas diferenciadas vertentes.

Dentro de um ambiente organizacional é corriqueiro que os gestores se utilizem de indicadores financeiros para monitorarem suas empresas. No en-tanto, outros elementos intangíveis, como: clientes, capital humano, capital intelectual tem importância no alcance dos objetivos e metas do empreen-dimento, no entanto, não são mensurados e nem reconhecido o seu valor como deveriam. Pois segundo Kaplan (2009):

“[...] o BSC complementa as medições financeiras com avaliações sobre o cliente, identifica os processos internos que devem ser aprimorados e analisa as possibilidades de aprendizado e o cres-cimento, assim como os investimentos em recursos humanos, sistemas e capacitação que poderão mudar substancialmente todas as atividades” (TAVARES, 2010 p. 368).

Outra vantagem apresentada pelo BSC é equilibrar estratégias e ações de curto e longo prazo. Segundo Lobato et al (2012, p. 106) “ [...] os estrate-gistas podem assim avaliar melhor o desempenho corporativo e das Unida-

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des Estratégicas de Negócios (UEN’s), num processo constante de aprendi-zado de toda a cadeia de valor da organização.”

1.3 NORMATIZAÇÕES ISO 14000; 14001; 26000 E 18001.

Liderar a habilidade institucional restrita é indicado que não haja aber-turas de muitas frentes de trabalho ao mesmo tempo, e que os empenhos sejam geridos para as áreas e problemas onde os resultados sejam relevan-tes e possam ser obtidos com mínimos riscos de falhas possíveis. As ISO’s são instrumentos de estímulo de auto regulação (certificações) que são vinculados aos modelos de produção e consumo sustentáveis, trata-se de instrumentos informacionais (rotulagem e selos socioambientais, educação, marketing).

1.3.1 A série de normas ISO 14000.

A série de normas ISO 14000 correspondem a um Sistema de Gestão Ambiental (SGA) editado pela ISO (International Organization for Standardi-zation). Estas normas foram primeiramente constituídas visando o “manejo ambiental”, para expressar “o que a organização faz para minimizar os efeitos nocivos ao ambiente causados pelas suas atividades operacionais” (ABNT, 2000).

Esta série de normas oferece diretrizes para auditorias ambientais, ava-liação do desempenho ambiental, rotulagem ambiental e análise do ciclo de vida dos produtos. Desta forma, aponta as condições referentes a um SGA, de maneira a consentir que o empreendimento estabeleça políticas e objeti-vos que conduzam os pré-requisitos legais e os dados alusivos aos impactos ambientais negativos.

1.3.2 A série de normas ISO 14001.

Baseada no ciclo PDCA, a ISO 14001 especifica as condições mais impor-tantes para identificar, controlar e monitorar os aspectos do meio ambiente de qualquer organização, bem como administrar e melhorar o processo de gestão ambiental. (ABNT, 2000).

O intuito desta série de normas é compensar a assistência ambiental e a prevenção de poluição com as obrigações sociais e econômicas. Porém, esta não constitui condições reais para o desempenho ambiental. O compromis-so deve estar expresso na política da organização dentro das exigências da

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legislação vigente. É importante enfatizar que o processo organizacional é continuo e implicará sempre em melhorias e comprometimento organiza-cional. (ABNT, 2000).

Surgiram a partir de programas espontâneos de planejamento e gestão ambiental, com a finalidade de estabelecer diretrizes e códigos de proce-dimento para os empreendimentos, e evoluíram para a criação de normas internacionais sobre Sistemas de Gestão Ambiental, como, por exemplo, a norma ISO 14001. (ANDRADE; 2010).

Para esses autores, princípios espontâneos têm como benefício o maior envolvimento dos agentes econômicos:

Desde que devidamente complementados com os mecanismos clássicos de “C&C”, esses sistemas voluntários trazem, como principal vantagem, o envolvimento ativo dos setores produtivos, na identi-ficação de novas oportunidades para soluções dos problemas am-bientais, e podem fomentar a resolução destes através do aperfeiço-amento das relações entre órgãos públicos de controle ambiental e demais partes interessadas com os agentes econômicos, baseados no princípio da “governança”. (ANDRADE; 2010, p.328).

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2015) ressalva a im-portância destes instrumentos de informações como forma de munir os consumidores com dados precisos e estimativas de passivos ambientais que possam causar riscos e que estejam associados aos diversos processos pro-dutivos ou ao uso inadequado desses produtos.

Sendo assim, providos de informações, os consumidores podem fazer es-colhas conscientes das externalidades relacionadas ao seu padrão de consu-mo e estimular a demanda por bens e serviços mais sustentáveis. IPEA (2015).

Os selos, certificados e rótulos são ferramentas que servem para indicar de forma simples e precisa as características socioambientais dos itens que os recebem. Quanto a rotulagem ambiental, como o próprio nome diz, signi-fica a prática de disponibilizar “informações sobre o impacto ambiental nos rótulos das embalagens de produtos.

Normalmente, este se relaciona com as características do “[...] produto e destina-se ao consumidor final, enquanto a certificação ambiental, rela-cionam-se aos métodos e processos produtivos, direcionando-se, principal-mente, para consumidores intermediários (indústrias).” IPEA (2015, p.8).

Ainda segundo o IPEA (2015), a rotulagem ambiental é, ao mesmo tem-po, um instrumento econômico e de comunicação. “Busca difundir informa-

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ções que alterem positivamente padrões de produção e consumo, aumen-tando a consciência dos consumidores e produtores para a necessidade de usar os recursos naturais de forma mais responsável” (IPEA, 2015, p.5).

Portanto, para viabilizar o processo e produção sustentável o Estado tem um papel fundamental e conta com diversos instrumentos normativos que devem ser utilizados em conjunto, devido à complementaridade entre eles. Por outro lado, as relações de produção e consumo não dependem apenas das ações deste para avançarem no sentido da sustentabilidade, enfatiza nesta discussão GODARD (2009, p.24), que:

Todos os atores envolvidos nas relações de consumo e produção impactam e são impactados mutuamente. Cada ator deve repensar as suas formas de consumir e de produzir, utilizando os meios dispo-níveis para fomento de um sistema com mais atributos de sustenta-bilidade. Porém, o papel do Poder Público destaca-se, pois o mesmo atua como consumidor ao realizar suas compras e contratações, como indutor do mercado por meio de outros instrumentos econô-micos e como regulador, ao normatizar os padrões de produção e consumo e fiscalizar o cumprimento dessas normas.

É importante enfatizar os objetivos das normatizações para um desem-penho organizacional que atendam, não somente os propósitos da organi-zação, mas ao seu público externo no que versa a sustentabilidade. Hoje é notório que as empresas calçadas nas normas ambientais e sociais possuem um diferencial mercadológico e consegue competitividade diante dos seus concorrentes, este fato faz com que estas se projetem economicamente e alcancem o tão desejado posicionamento mercadológico.

Desta forma, essas normas conduzirá a prevenção de processos que con-taminam o ambiente, já que norteia o empreendimento quanto a sua estru-turação, operacionalização e principalmente aos resultados do processo, é essencial que estes se constituam de um feed back positivo (neste sentido ha-verá o mínimo de resíduos e desperdício possíveis). Caminhando assim, as or-ganizações estarão, entre outras orientações, inseridas no contexto ambiental.

As normas ISO 14001 estabelecem o sistema de gestão ambiental da or-ganização e, assim especifica várias normatizações, de acordo com o site da EMBRAPA (2015), tais como:

1. Avalia as consequências ambientais das atividades, produtos e servi-ços da organização;

2. Atende a demanda da sociedade;

q Modelos de Gestão e a Importância das Normatizações na Cadeia Produtiva134

3. Define políticas e objetivos baseados em indicadores ambientais de-finidos pela organização que podem retratar necessidades desde a redução de emissões de poluentes até a utilização racional dos re-cursos naturais;

4. Implicam na redução de custos, na prestação de serviços e em pre-venção;

5. É aplicada às atividades com potencial de efeito no meio ambiente;6. É aplicável à organização como um todo. (www.cnpma.embrapa.br,

acessado em 24/05/2015).

1.3.3 Norma internacional ISO 26000.

No dia 1º de novembro de 2010, foi publicada a Norma Internacional ISO 26000 – Diretrizes sobre Responsabilidade Social, cujo lançamento foi em Genebra na Suíça. No Brasil a ABNT NBR ISO 26000, foi lançada em um evento na FIESP, em São Paulo, segundo o site do INMETRO (2015).

De acordo com esta norma, as responsabilidades sociais se difundem pela vontade e intento das organizações em adicionar considerações socio-ambientais em seus procedimentos decisórios e a responsabilizar-se pelos impactos que possam ser gerados por esta ao meio ambiente e a sociedade.

Desta feita, esse comportamento ético e transparente implica na contri-buição para o desenvolvimento sustentável, já que a organização está em conformidade com a legislação vigente e alicerçada nas normas internacio-nais de comportamento, INMETRO (2015).

1.3.4 Normas ISO 18001.

A OHSAS 18001 - Sistema da Segurança e Saúde do Trabalho – SST, tra-ta-se de uma sigla em inglês (Occupational Health and Safety Assesment Se-ries), de cunho preventivo que propõe a diminuição e controle dos riscos no ambiente organizacional seguindo por uma abordagem do ciclo PDCA - Planejar; Executar; Controlar e Agir. Tem como objetivo central criar dentro da organização uma cultura de prevenção de acidentes de trabalho onde a empresa deve analisar os perigos e riscos aos quais os colaboradores (pró-prios ou terceirizados) podem estar expostos (OSHA, 2015).

A prática consiste na política de SSO (Sistema de Segurança Ocupacio-nal) adotada pela organização e das finalidades relacionados ao compor-tamento que esta empresa pretende ter com relação à SSO. Esses proce-dimentos serão controlados pela própria empresa, através de ferramentas

Isabel Cristina Barreto Andrade, Roberto Rodrigues de Souza, Gregório Guirado Faccioli q 135

administrativas, como: planos de ação, cronogramas, indicadores, metas e auditorias. Os critérios de desempenho e a abrangência são estipulados pela própria empresa, que deve definir qual o nível de detalhamento e exigência deseja atingir na gestão de segurança ocupacioanl. De acordo com o site da (OSHA, 2015):

“[...] Deve ser estabelecida a Política SST aprovada pelo mais alto nível de gestão da organização...”, isto significa que a po-lítica deve ser formalmente estabelecida e aprovada pela ges-tão de topo (ex. Direção, Gerência, Administração).“[...] que indique claramente os objetivos globais da segurança e saúde e um compromisso para melhorar o respectivo desempenho...” Os objetivos globais da SST devem estar refletidos na política e esta deve refletir o compromisso de melhorar continuamente o desempenho global da organização em termos de SST. Apesar das limitações, dos aspectos críticos ou eventuais desvios que se observam na prática, os SGSST podem ser uma ferramenta útil para obtenção de um elevado desempenho em SST quando se levam em consideração o contexto social e as características do setor e da empresa.

Assim, pode-se perceber que uma vez adotada a normatização OHSAS 18001 na empresa, esta será despertada para um maior comprometimento e envolvimento de todos os interessados da organização, desde a alta cúpu-la até o operacional. Observa-se que quando atende aos pré-requisitos esta-belecidos pela legislação vigente, contribuirá para um ambiente de trabalho mais seguro e produtivo, já que adequa as ferramentas organizacionais que potenciam a melhoria da eficiência, principalmente minimizando os riscos da SST. (OSHA, 2015).

2.MÉTODOS DA PESQUISA

Quanto ao método utilizado segundo Richardson (1999), o mais indi-cado para se chegar aos resultados esperados desta pesquisa foram: o le-vantamento bibliográfico tendo como estratégia de pesquisa a estrutura de Richardson (1999, p. 23). Segundo este autor “[...] não obstante a complexi-dade das pesquisas realizadas nas áreas do conhecimento existe uma estru-tura subjacente comum a todas elas”. Essa estrutura integra cinco elementos, como demonstrado no Quadro 1:

q Modelos de Gestão e a Importância das Normatizações na Cadeia Produtiva136

Quadro 1: Método da pesquisa segundo Richardson.

METASPropor modelo e ferramentas de gestão sustentáveis para a que se pos-sam obter resultados favoráveis no momento produtivo.

MODELOSComprovando as hipóteses foram feitas constantes revisões da literatu-ra fundamentada em vários autores que norteiam este estudo.

DADOSForam utilizados dados: secundários (IBGE; EMBRAPA, ABNT, IPEA, IN-METRO. Legislação ambiental entre outras fontes que auxiliaram na contextualização do estudo).

AVALIAÇÕESAvaliação as discussões, fazendo uma comparação entre os dados e os modelos, desenvolveu-se um processo dinâmico de avaliação (registro das fontes bibliográficas).

REVISÕES

Percepção de novas ferramentas associadas a selos de certificações para desenvolver um novo modelo de processamento gerencial sus-tentável. Refletindo nos princípios da sustentabilidade de modo a oti-mizar o processo e obter feed back positivo.

Fonte: Andrade, adaptado de Richardson (1999, p. 23).

Nesta pesquisa foi utilizada como procedimentos metodológicos a in-vestigação profunda e extensiva dos objetos, baseado em um enfoque sistê-mico, pois se acredita que não basta estudar cada uma das partes ou dos fenômenos da realidade que se quer conhecer, é necessário entender as re-lações mútuas entre as partes (OLIVEIRA, 2014).

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inserção de ferramentas de gestão dentro de um processo produtivo, seja de qual natureza for, proporciona ao gestor uma melhor qualidade no processo produtivo. Minimizando os impactos, que já são inerentes ao pro-cesso, e trazendo lucratividade para a organização.

A normatização aparece como uma mola propulsora do desempenho organizacional. Fazendo com que haja um senso de cuidado e critérios que devem ser adotados pelos gestores, bem antes, no momento da ela-boração do projeto, estes são exigidos e devem ser cumpridos pela or-ganização para que haja um feed back positivo durante todo o processo operacional.

Assim, as ferramentas de gestão aliadas às normatizações de gerencia-mento e qualidade se tornam uma ferramenta essencial para que o processo (que estiver sendo executado) seja harmonioso e sistêmico. Pois, segundo Giovannini e Kruglianskas (2010), as organizações e a sociedade, enquanto sistemas dinâmicos e não lineares, possuem um comportamento complexo e estão inseridas num ambiente também complexo.

Isabel Cristina Barreto Andrade, Roberto Rodrigues de Souza, Gregório Guirado Faccioli q 137

Portanto, os autores destacam que não se deve buscar encontrar uma relação de causa e efeito para fazer previsões e controlar o sistema. Mas, en-tender a dinâmica das inter-relações que permeiam o comportamento do sistema, isto é, que tipo de estimulação existe para que haja um equilíbrio sistêmico. Assim, as normatizações da qualidade e as ferramentas de gestão tornarão harmoniosas e equilibradas durante o processo produtivo, seja de qual natureza for.

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EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CRÉDITO AGRÍCOLA NO TERRITÓRIO DO ALTO SERTÃO SERGIPANO

Débora Catherine Santos Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Flávia Moreira Guimarães Pessoa

INTRODUÇÃO

Em decorrência da grande extensão territorial do Brasil, e suas peculiari-dades quanto as suas características geoecológicas e recursos naturais (clima, solo, relevo, vegetação), o espaço precisou ser organizado para melhor formu-lação, planejamento e gestão de políticas públicas de crédito agrário, a partir do conceito de território. Dentre as várias concepções de território, a predo-minante é a que engloba as dimensões política, cultural, econômica e social.

As dimensões não podem nem devem ser consideradas parcialmente, ou seja, na perspectiva de uma das vertentes apenas. O território deve ser analisado na perspectiva integradora para que haja uma melhor eficácia na resolução de problemas e apresentação de alternativas viáveis para melho-rar a qualidade de vida da população em consonância com a utilização dos recursos naturais disponíveis no território (HASBAERT, 2004).

Entender a dinâmica socioeconômica do território e como se organiza, é o primeiro passo para a elaboração de políticas públicas específicas, dentro de uma visão global e integradora, com o objetivo do desenvolvimento eco-nômico nacional, posto que para as políticas públicas espaciais, o território é estratégico e deve estar em consonância com as políticas públicas nacionais, quiçá, global.

Assim, o viés integrador do ordenamento territorial, é necessário co-nhecer o território para a implementação de políticas públicas de crédito agrícola ao se estabelecer estratégias, objetivos e ações com o intuito de desenvolver economicamente o semiárido do Brasil, particularmente, o ser-tão sergipano.

Nesse toar, na perspectiva espacial, a região é uma unidade de análise que se situa entre o nacional e o local. Por ter características homogêneas, o regionalismo é utilizado como base para organização de políticas públicas e planejamentos do Estado, bem como movimentos reivindicatórios, de ca-ráter político, na busca pelo fortalecimento econômico, cultural e social. A região do semiárido assim, se constitui, como palco de inúmeras Políticas Públicas cuja categoria de análise é o território (LAGES, 2004|).

q Efetividade das Políticas Públicas de Crédito Agrícola no Território do Alto Sertão Sergipano140

Todavia, Moraes (2002) critica a falta de visibilidade global das políticas públicas no Brasil de forma integrada, ao afirmar que (...) “hoje, não se tem se-quer uma visibilidade global dos programas existentes na área federal, quanto mais as condições de planejar as políticas de forma integrada”. Apesar dessa constatação, as políticas públicas ambientais não seguem essa tendência, ao tentar, ao menos, interligar as competências federal, estadual e municipal.

O ordenamento territorial, como já dito, é uma questão sobretudo de política que exige negociações constantes entre os vários níveis de gover-no, Estado, sociedade, setores e demais interessados, numa pluralidade de negociações, com a perspectiva de estabelecer objetivos. Ao envolver inte-resses diversos, surgem como consequência, inúmeros obstáculos. Dentre eles, compatibilizar os interesses sociais com o desenvolvimento econômico e ambiental do país.

No ordenamento territorial, três perguntas básicas devem ser respondi-das para que sejam alcançados os seus objetivos: O quê? Para quê? e Como? devem ser traçados os objetivos do ordenamento territorial, com base na perspectiva integradora das políticas econômicas, sociais, culturais e am-bientais da sociedade.

Na Carta Europeia de Ordenação do Território de 1983, citada por Puja-das (1998), os objetivos fundamentais do ordenamento territorial europeu são: a) O desenvolvimento socioeconômico equilibrado das regiões; b) A melhoria da qualidade de vida; c) A gestão responsável dos recursos naturais bem como a proteção do meio ambiente, e por fim, d) A utilização racional do território. Esses objetivos respondem às perguntas do quê, para quê e como deve ser realizado o ordenamento.

Diante dos objetivos a serem alcançados, segue-se o processo de elei-ção de qual ou quais objetivos deverão ser primeiramente atingidos para o planejamento de políticas públicas. Inicialmente, a intervenção do Estado é necessária. As etapas básicas de elaboração de qualquer política pública são: Legislar, Planejar e Executar. Legislar no sentido de se estabelecer os objetivos e principais instrumentos do plano; Planejar, na elaboração e apro-vação de planos do que se quer alcançar e Executar, com vistas a concretizar o estabelecido previamente no plano (PUJADAS, 1998).

Para o Planejamento da Política Pública, o ideal é que haja cooperação inter-disciplinar entre os especialistas de diversas áreas do conhecimento científico, com a participação da sociedade civil, entidades para que as etapas de Análise da situação atual do território, de Diagnóstico e de Prognóstico sejam alcança-das, perfazendo um ciclo em constante movimento, ao se confrontar com as novas realidades, situações, obrigações dentro do plano (PUJADAS, 1998).

Débora C. Santos Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Flávia M. Guimarães Pessoa q 141

No território do Alto Sertão Sergipano, o governo federal elabora estra-tégias de regionalização da política agrícola levando-se em consideração as peculiaridades da área, a exemplo: a estiagem, tipo de solo, dados pluvio-métricos, renda do produtor com vistas a assegurar as condições básicas de financiamento no setor agrícola na região, voltados não apenas à subsistên-cia, mas também à comercialização.

Para a elaboração da Política de Crédito Agrícola, a análise do território e o diagnóstico são de suma importância para a determinação de prognósticos. O progresso científico e tecnológico na agricultura recente, cujos padrões tradi-cionais de cultivos foram alterados em favor da crescente necessidade produ-ção, sobretudo na região do semiárido do Brasil (PUJADAS, 1998).

Em Sergipe são algumas das potencialidades do território que atreladas aos problemas identificados, a exemplo das questões de deficiências hídri-cas, associadas ao período de longa estiagem durante a estação chuvosa que causam queda na produção agrícola na região constituem o diagnósti-co relevante para a formulação da Política de Crédito Agrícola.

O artigo busca analisar a efetividade das Políticas Públicas de Crédito no Território do Alto Sertão Sergipano (TASS), sob a ótica dos contratos de financiamento de custeio agrícola no Banco Estadual de Sergipe (BANESE) celebrados no período entre 2010 a 2014.

1 ESTIAGEM, ZONEAMENTO AGRÍCOLA DE RISCO CLIMÁTICO (ZARC) E O SEGURO AGRÍCOLA

A falta prolongada de chuvas é o que se denomina estiagem. Sinônimo de seca, o período sem chuvas é predominante no semiárido nordestino que tem como traço principal as frequentes secas, caracterizadas pela ausência, escassez, alta variabilidade espacial e temporal das chuvas (SUDENE, 2015).

Fenômeno característico no nordeste brasileiro, o fator ambiental estia-gem é pré-requisito de análise para celebração dos contratos bancários de financiamento. Para tanto, é necessário conhecer a região semiárida e suas ca-racterísticas para a análise da viabilidade técnico-financeira do Projeto Rural.

Com base na delimitação do semiárido na área de atuação da SUDENE, o Ministério da Integração Nacional – MI publicou a Portaria nº 89, de 16.03.2005 – MI, que instituiu a nova definição do semiárido Brasileiro, com base em três critérios: a) precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm; b) índi-ce de aridez de até 0,5 calculado pelo balanço hídrico (relação entre a precipi-tação e a evapotranspiração potencial no período de 1961 a 1990) e c) risco de seca maior que 60% (base no período entre 1970 a 1990) (IBGE, 2014)

q Efetividade das Políticas Públicas de Crédito Agrícola no Território do Alto Sertão Sergipano142

O Semiárido brasileiro tem 982.563,3 Km² de extensão e 1.133 municí-pios. Dessa área, a Região Nordeste concentra em torno de 89,5%, abran-gendo a maioria dos estados nordestinos, excetuando-se o estado do Ma-ranhão que não apresenta municípios na região. A delimitação estende-se ao estado de Minas Gerais, com 85 de seus municípios na zona semiárida (IBGE, 2014).

No Estado de Sergipe, cerca de 38,67% do seu território está inserido na delimitação do semiárido brasileiro oficial. Dos seus 75 municípios, 29 deles integram o semiárido nordestino. O território do Alto Sertão Sergipano é composto por 7 municípios: Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora da Gloria, Canindé de São Francisco, Gararu, Nossa Senhora de Lourdes, Poço Redondo e Porto da Folha.

Ainda de acordo com o IBGE (2015), a definição dos municípios integrantes da região Semiárida brasileira tem por objetivo traçar políticas públicas especí-ficas em função de suas características climáticas. É com base nessa delimitação que são criadas as Políticas agrícolas de crédito direcionadas ao semiárido.

No tocante à condição climática do território do Alto Sertão Sergipano, há a predominância do clima semiárido, em que as chuvas se concentram em um período muito curto do ano, com precipitações irregulares varian-do entre 400 a 600 mm/ano e o período seco variando entre 7 e 9 meses. (FRANÇA, 2003)

O Fenômeno do El Niño acentua os sintomas de seca no semiárido nor-destino1, principalmente pelo El Niño-Oscilação Sul (ENOS), fenômeno em que a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), sistema responsável pela formação de chuvas na região Nordeste no período de fevereiro a maio, é deslocada para o norte do Equador, por anomalias advindas da Temperatura da Superfície do Mar e enfraquecimento dos ventos, próximo à costa Africa-na, com mudança na circulação na atmosfera para a circulação de umidade.

O Zoneamento Agrícola de Risco Climático adotado pelo Ministério da Agri-cultura é de suma importância para mapear as condições climáticas da região a ser cultivada, quais tipos de cultura se adaptam à região, descriminar quais produtos podem ser comercializados no campo.

1 O efeito El Niño no Rio Grande do Sul provoca o efeito contrário ao provocado no Nordeste. No Rio Grande do Sul, os efeitos provocados são positivos de precipitação. Já o La Niña causa anomalias negativas durante a primavera e início do verão, cor-respondendo ao início do fenômeno. O ENOS é considerado como a principal causa da variabilidade climática em diversas regiões do Globo. De acordo com Berlato et al. (2005), apresenta duas fases extremas: uma fase quente denominada El Niño e uma fase fria denominada La Niña.

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Analisando os parâmetros do clima, solo e de ciclos cultivares, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA desenvolveu e validou a meto-dologia de trabalho que quantifica os riscos climáticos envolvidos em 24 unida-des da Federação, contemplando 40 culturas (15 de ciclo anual e 24 permanen-tes), além do zoneamento do consórcio do milho com branquiária (BCB, 2015).

Portanto, no ZARC consta a relação de determinadas culturas, com seus respectivos calendários de plantio, nos municípios estudados, conforme análise histórica do comportamento do clima. O ZARC é revisado e publica-do anualmente no Diário Oficial da União e no site do Ministério da Agricul-tura, através de portarias (BRASIL, 2015).

Desta forma, para que haja uma redução dos riscos climáticos para a agri-cultura e, consequentemente, diminuição das perdas para os agricultores, o ZAR é utilizado como ferramenta de planejamento e gestão ambiental. De acordo com Santos (2004), o balanço hídrico, solo, clima, vegetação, enfim, o estudo do uso do solo é ferramenta indispensável para a implementação e efetividade de Políticas Públicas.

Como já dito, os produtores rurais, as instituições financeiras e demais interessados consultam o ZARC para balancear os riscos do negócio e para prevenção de eventual prejuízo causado pela seca, ou inundação, além de orientar a concessão do seguro agrícola (BRASIL, 2013).

O seguro agrícola é tido pelos gestores públicos como principal instru-mento de política agrícola para gerenciar o risco do agronegócio. As opera-doras de seguro agrícola tendem a operar em regiões onde a probabilidade de ocorrer o sinistro é relativamente mais baixa, restringindo a quantidade de contratos em regiões mais arriscadas, como o semiárido do Brasil e, de acordo com o processo histórico, as seguradoras atuam nesse mercado de risco se houver a participação efetiva do Estado (OZAKI, 2007).

Pilar et al (2001) assevera que o seguro agrícola proporciona uma cobertura para eventuais riscos do agricultor em decorrência da baixa produtividade ou perda da lavoura em decorrência da estiagem, inundações, ou até mesmo preço do mercado. É necessário avaliar o “custo da incerteza” transferindo-se o risco da atividade para as seguradoras, principalmente para subsidiar políticas públicas de crédito agrícola.

Em regra, as instituições financeiras exigem a contratação do seguro agrí-cola para a liberação dos financiamentos (custeio, investimento e comercia-lização) da produção agrícola. O Programa de Garantia da Atividade Agrícola (PROAGRO) é exigido em regiões suscetíveis à estiagem prolongada, sem o qual não se celebra o contrato de empréstimo bancário, salvo apresentação de outras garantias contratuais ou outra condição que justifique a dispensa do seguro, a exemplo de área assistida por irrigação permanente.

q Efetividade das Políticas Públicas de Crédito Agrícola no Território do Alto Sertão Sergipano144

2. ÁREA DE ESTUDO E ABORDAGEM METODOLÓGICA

A presente pesquisa está delimitada espacialmente nos municípios de Canindé de São Francisco e Nossa Senhora da Glória, localizados no territó-rio do Alto Sertão Sergipano, a noroeste do Estado de Sergipe (Figura 01).

Figura 01: Mapa de Localização de Canindé e Nossa Senhora da Glória no TASS.

Dentre os municípios que compõem o território do Alto Sertão Sergipa-no, os produtores rurais de Canindé do São Francisco do Perímetro Irrigado Califórnia e de Nossa Senhora da Glória foram os agricultores comerciais que mais investiram na produção agrícola na região, ao contrair empréstimo ru-ral com a finalidade de custeio agrícola, na instituição financeira eminente-mente sergipana – BANESE.

Foram considerados os contratos de custeio agrícola celebrados no pe-ríodo de 2010 a 2014 dos municípios de Nossa Senhora da Glória e Canindé de São Francisco para se traçar um panorama socioeconômico e ambiental do território do Alto Sertão Sergipano, sob a ótica do financiamento rural e a produção agrícola através da instituição financeira BANESE.

O Método de abordagem adotado, o Método Dedutivo, decorre de uma lei geral previamente conhecida, conduzindo a uma particularidade. A dedu-ção tem o mérito de organizar e especificar o conhecimento que já é conhe-cido, trazendo grande contribuição à comunidade científica (LAKATOS, 2010).

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De forma a descobrir regularidades, identificar semelhanças e discordâncias, perceber fatos inerentes à região e explicar as situações que regem os fenôme-nos (climáticos e de concessão de financiamento rural) é que os contratos de custeio agrícola do BANESE celebrados com produtores dos municípios de Ca-nindé e Glória foram analisados, a partir da base filosófica do método compara-tivo (John Stuart Mill, Émile Durkheim e Max Weber) (SCHNEIDER, 1998).

Os municípios do TASS integram o semiárido brasileiro (IBGE, 2014), apresentam risco de seca superior a 60% e as políticas públicas de crédito ru-ral são elaboradas com base nesse dado incontroverso. Todavia, sob a ótica da concessão do credito rural para produtores da região, há particularidades dos municípios que integram o TASS que devem ser analisados para o estu-do da efetividade das políticas públicas de crédito na região.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Levando-se em consideração os contratos de financiamento do custeio agrícola nos municípios de Canindé de São Francisco e Nossa Senhora da Glória, no período compreendido entre 2010 a 2014, é possível traçar as ca-racterísticas econômicas, sociais dos produtores do Alto Sertão Sergipano e da aplicabilidade das Políticas Públicas de Crédito.

Os beneficiários do crédito rural no território do Alto Sertão Sergipano são os pequenos produtores rurais, com renda bruta agropecuária anual de até R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). Eles correspondem a 98,20% dos agricultores comerciais na região. Situados no município de Ca-nindé do São Francisco, os pequenos produtores investem na atividade agrí-cola de custeio com apoio do Programa Sementes de Vida, coordenado pela Companhia de Desenvolvimento e Irrigação de Sergipe (COHIDRO).

Já os produtores classificados como de médio porte, com renda acima de R$360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) até R$1.600.000,00 (um mi-lhão e seiscentos mil reais) representam 1,80% dos produtores do semiári-do sergipano, especificamente, do município de Nossa Senhora da Glória, com apoio do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor – PRONAMP e do Programa de Garantia da Atividade Agrícola – PROAGRO. Não há, por-tanto, grandes produtores (com renda bruta agropecuária anual acima de R$1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais) na região.

Embora os municípios de Canindé e Glória estejam localizados no terri-tório do Alto Sertão Sergipano, há uma nítida diferença na exigência de pa-gamento do seguro agrícola (PROAGRO) como condição sine qua non para a celebração do contrato de financiamento do custeio agrícola no BANESE.

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No município de Canindé, os produtores rurais do Perímetro Irrigado Ca-lifórnia não pagam o seguro agrícola na contratação do empréstimo rural porque “a região não é considerada de risco”, segundo palavras do Analista do BANESE. Tanto é assim que 98% dos contratos de custeio agrícola no Alto Sertão Sergipano foram celebrados por produtores rurais de Canindé.

A estiagem prolongada na região ribeirinha do São Francisco não afeta a produção agrícola do milho, goiaba, abóbora ou outro produto plantado, por causa do Projeto de Irrigação. O Perímetro Irrigado Califórnia representa forte expressão da produção agrícola sergipana. Com o sistema de irriga-ção por micro-aspersão e aval do Governo do Estado, o BANESE dispensou a contratação do seguro-agrícola para os produtores da região.

Em contrapartida, em todos os contratos de custeio agrícola celebrados pelos produtores rurais do município de Nossa Senhora da Glória, o banco estadual exigiu o pagamento da taxa de seguro, para garantia do pagamen-to de indenização por eventual perda da lavoura em razão do fator ambien-tal estiagem. A região, sem irrigação, aumenta o risco do agronegócio.

O risco de perda da lavoura no município de Glória é tão eminente que do total de contratos de custeio agrícola no período de 2010 a 2013 no terri-tório do Alto Sertão Sergipano, apenas 2% representa os empréstimos rurais concedidos a produtores rurais do município. 2% dos contratos de custeio agrícola de Glória, todos eles, sem exceção, tiveram o lastro do PROAGRO para garantir a operação bancária.

Quanto às garantias contratuais, os Médio-produtores de Nossa Senhora da Glória, além de pagar o seguro-safra, indicaram imóvel em hipoteca para garantir o pagamento das parcelas de empréstimo agrícola contraídos, no percentual de 10,70% do total de contratos de custeio do BANESE no perío-do de 2010 a 2014.

Os pequenos produtores do perímetro irrigado de Canindé do São Fran-cisco se socorreram de avalista para liberação do crédito rural. 3,60% dos agri-cultores indicaram pessoas físicas para assegurar o pagamento das parcelas do empréstimo e 85,70% dos produtores tiveram apoio do Governo do Estado para aprovação do financiamento no BANESE. A ingerência do estado como avalista do crédito rural foi o grande diferencial para promover a atividade rural no se-miárido sergipano.

Frise-se que em todas as modalidades de garantia: Aval Pessoa Física, Aval do Estado e Hipoteca, o BANESE exigia uma garantia adicional nos con-tratos de financiamento rural: a penhora da safra. Portanto, nos contratos de empréstimo rural, as garantias eram Aval Pessoa Física e Penhora de Safra, Aval do Estado e Penhora de Safra ou Hipoteca mais Penhora de Safra.

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Analisando com maior profundidade os dados coletados dos contra-tos de custeio do BANESE nos últimos cinco anos, em consonância com o Programa de Sementes do Perímetro Irrigado Califórnia, observou-se que o Estado de Sergipe além de responder subsidiariamente por eventual ina-dimplência do financiamento baneseano contraído pelo pequeno produtor, responsabilizava-se por comprar toda a produção de sementes produzidas, para distribuição futura a agricultores familiares e assentados da reforma agrária, fomentando o desenvolvimento socioeconômico na região.

Nos empréstimos rurais para produção de sementes de milho no Perí-metro Irrigado Califórnia, o Governo Estadual comprava toda a produção do pequeno investidor rural quitando diretamente no BANESE o empréstimo tomado pelo agricultor, pagando a diferença para o pequeno comerciante. Assim, o índice de inadimplência para o cultivo de milho era zero.

Um dos fatores explicativos que fazem com que os pequenos produtores rurais financiem apenas 1,5 hectare/média de terras no Projeto Rural para a obtenção do custeio agrícola é, de acordo com a literatura, o risco do endi-vidamento. Os eventos climáticos e a insegurança por falta de experiência na comercialização do produto, com variações nos preços, são fatores que inibem a ampliação da área agrícola a ser cultivada.

Nessa linha investigativa, os principais produtos cultivados pelos produtores rurais e financiados pelo BANESE, através da linha de crédito custeio agrícola, no período estudado foram o Milho, Abóbora e Goiaba. O plantio do milho se-mente corresponde a 63% da produção no território do Alto Sertão Sergipano, contribuindo para a produção agrícola do Estado, conforme tabela a seguir:

Tabela 01: Produto financiado pelo Banese X Ano

Ano (aa)Produto (P) 2010 2011 2012 2013 2014 Total  % % % % % %Milho 59,50 1,70 0,90 0,90 0 63,00Abóbora 3,50 0,45 0,45 0 0 4,40Goiaba 8,80 8,80 5,30 0 0,90 23,80Outros 0 6,10 1,80 0 0,90 8,80Total           100,00

Fonte: Pesquisa (2015).

Compreendendo a importância do território, pontuando as suas fragi-lidades e potencialidades, sob a ótica do clima, ressalte-se que a estiagem prolongada assola o semiárido nordestino, com repercussões negativas so-cioeconomicamente, desde final de 2011.

q Efetividade das Políticas Públicas de Crédito Agrícola no Território do Alto Sertão Sergipano148

Em 2010, antes dos efeitos da seca, o valor da produção agrícola no semi-árido sergipano era proveniente basicamente do Milho, seguido da Goiaba e da Abóbora. Como consequência da falta prolongada de chuvas em 2011, a produção agrícola na região despencou consideravelmente, assim como nos anos seguintes (Tabela 01). Os contratos de custeio agrícola pós 2011 foram ínfimos, embora em 2013 as chuvas já tivessem voltado a cair na região.

Com base nos dados climáticos do INMET – 2012, a Temperatura Média dos municípios de Canindé e Glória foi de 25,4ºC e a Capacidade de Armaze-namento de Água em torno de 50 mm (média apurada considerando a capaci-dade de água do solo a depender do tipo de solo 2 ou 3 da região), calculou-se o Balanço Hídrico Normal por Thornthwaite & Mather (1955) dos municípios para constatação da deficiência ou excedente hídrico ao longo do ano.

Em Canindé, o déficit hídrico é predominante ao longo do ano, com ex-cedente de água no solo apenas no mês de julho, com volume em torno de 10mm. A média pluviométrica no ano de 2012 foi de 407,30mm, justificando o enquadramento do município na Região Semiárida Brasileira, e a criação do Programa Estadual de Irrigação – Perímetro Irrigado Califórnia, pois sem este projeto, os agricultores comerciais da região não alcançariam êxito na produção agrícola em Sergipe.

A portaria do ZARC, em nota técnica, metodologicamente diz que para se estimar a disponibilidade de água no solo para o cultivo do milho, leva-se em consideração a distribuição da precipitação na região, a época da seme-adura e a quantidade de água disponível no solo (MAPA, 2015).

Para o município de Canindé, o ZARC estabelece que a época mais propí-cia para o plantio de milho em solos do Grupo I (argiloso e textura média) são os meses de abril e maio. A plantação no período indicado reduz as chances de baixa produtividade e perda da lavoura.

Percebe-se neste ponto, a importância de autores como Rosely Ferreira dos Santos (2004) no planejamento e gestão ambiental a partir do estudo do uso de solo, do clima para redução dos riscos de perda de lavoura e prevenção dos efeitos da estiagem. As informações hidroclimatológicas subsidiam inclu-sive os projetos de irrigação.

Estudos de Nery et al. (2008) apontam que as médias pluviométricas dos municípios de Canindé são de 485.1 mm e de Glória estão em torno de 693.0mm, sendo o período chuvoso de maio a julho. Dos dados, têm-se que o regime de chuva no TASS corresponde ao regime de seca mediterrânea do tipo seca de primavera-verão, marcada por período de estiagens prolongadas.

Observe-se ainda que o regime de chuvas no Semiárido Sergipano foi abai-xo de 800mm. Canindé teve uma média de chuva de 530 mm e Glória 706 mm,

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com a temperatura média na região de 25ºC. O ano mais crítico pela ausência de chuvas no semiárido sergipano foi em 2012. Na realidade, o período de seca iniciou no final de 2011, perdurando por todo o ano de 2012, finalizando nos primeiros três meses de 2013.

Figura 02: Gráfico dos Dados de Pluviosidade de Canindé e Glória/SE

Fonte: SEMARH/SE e INMET

A falta de chuva no semiárido sergipano provocou algumas consequ-ências como a perda de safra e o pagamento de prêmio pela ocorrência de sinistro (estiagem prolongada). Não apenas a falta de chuva, mas a chuva irregular, fora dos padrões esperados para o plantio ocasionaram a perda total da lavoura. De acordo com a Nota Técnica do ZARC, para a obtenção de boas produtividades a cultura do milho necessita de precipitação plu-vial acima de 500mm durante o ciclo, além de temperatura média acima de 19ºC e ausência de déficit hídrico.

Merece destaque que após a grande seca de 2012, o número de contra-tos de financiamento de custeio agrícola caiu vertiginosamente, em relação aos anos anteriores, tanto para o cultivo de milho, como goiaba, abóbora e demais produtos financiados na região. Embora haja o financiamento do custeio agrícola do BANESE e acompanhamento de técnicos da COHIDRO, EMBRAPA no Perímetro Irrigado Califórnia, a seca não inviabilizou a celebra-ção de empréstimos rurais no município de Canindé.

Diante de informações coletadas durante a pesquisa de campo, técni-co da COHIDRO apontou a suspensão do acordo firmado entre o Governo Estadual e os pequenos produtores da região, de que o Governo garantia a

q Efetividade das Políticas Públicas de Crédito Agrícola no Território do Alto Sertão Sergipano150

compra de toda a produção de milho produzida no Programa Sementes da Vida, segurança dos agricultores de que haveria o escoamento da produção e a garantia do pagamento das parcelas do financiamento bancário com sal-do para subsistência da família e aplicação em novos investimentos no ano vindouro.

A suspensão da garantia de compra pelo Governo Sergipano esbarrou na Lei de Licitações em que a Administração Pública não pode comprar di-retamente a produção dos pequenos agricultores para distribuição de se-mentes a agricultores familiares, salvo através de processo licitatório, o que entrava bastante a dinâmica comercial de compra e venda das sementes certificadas para distribuição, acarretando na interrupção do Programa Se-mentes da Vida na região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar o Semiárido Sergipano, entrelaçando as perspectivas políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais, como bem defende Pujadas (1998) e Gómez Orea (2007) é fundamental para o direcionamento da Polí-tica Pública de Crédito na região com o objetivo de desenvolvimento socio-econômico e ambiental dos municípios, com o desafio de se implementar um desenvolvimento sustentável compatibilizando o homem e a natureza.

A partir dos resultados de comparação da pesquisa, constatou-se que o maior risco no TASS não é a falta ou escassez de chuvas, altas temperatu-ras, solo considerado pobre que favorece o baixo desenvolvimento agríco-la, com consequências, inclusive, de degradação socioambiental da região, mas a falta de sincronização entre as políticas públicas existentes, entre as esferas de poder, com maior organização da sociedade civil para os fins que se deseja alcançar: desenvolvimento agrícola no semiárido.

Também se pôde verificar que o fator ambiental estiagem não é decisivo para a concessão ou não do crédito rural, mas as garantias oferecidas pelo produtor rural na celebração do contrato. Quando o governo assume o pa-pel de avalista, notou-se que não há qualquer entrave para o financiamento do custeio. Porém, percebe-se que os produtores rurais enfrentam dificulda-des de entender a lógica de mercado, após o resultado da safra.

É preciso sincronizar os esforços entre as agências financeiras, com a cobrança de “empréstimos opressivos”, o estado, com apoio logístico e facilitador de políticas públicas voltadas à agricultura, respeitando os nichos de negócio, e o agricultor (comercial e subsistência) rumo ao desenvolvimento sustentável.

Débora C. Santos Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Flávia M. Guimarães Pessoa q 151

Constata-se, ainda a necessidade de profissionalização da atividade agrí-cola, em que o agricultor deve se organizar em grupos, cooperativas, para não depender, também nessa etapa, do estado para a fase de comercializa-ção. Nessa lógica, o agronegócio e a agricultura familiar não têm interesses antagônicos, como muitos podem afirmar, em que o agronegócio é comer-cial e a agricultura familiar é de subsistência.

Exige-se além de planejamento do setor rural, mudanças estruturais a médio e longo prazos e de comportamento do modus operandi de produ-ção. Trata-se de estimular o negócio agrícola, que como se pôde perceber, sem políticas públicas de crédito e assistência rural o agronegócio não se desenvolve no TASS, para que em um futuro próximo os próprios produtores possam se autofinanciar.

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O ESTUDO DO BENEFICIAMENTO DA CASTANHA DE CAJU: DESENVOLVIMENTO LOCAL E TECNOLOGIA SOCIAL

Zenith Nara C. Delabrida; Carolina Seixas da Rocha; Joelma S. Araújo; Katiane dos Santos Costa; Lucas R. Rocha

INTRODUÇÃO

A castanha de caju é um produto bastante apreciado pela indústria ali-mentícia principalmente devido à sua versatilidade e qualidade nutritiva. A castanha é o fruto verdadeiro do caju e é composta por casca, película e amêndoa. As amêndoas da castanha de caju possuem uma expressão signi-ficativa no mercado internacional, sendo a terceira noz mais comercializada no mundo (Paiva, Silva Neto e Paula Pessoa, 2000). Dessa forma, o processo de extração da amêndoa de caju, que envolve intrincadas etapas de coleta, distribuição e beneficiamento, é realizado em grande parte no nordeste bra-sileiro, sendo uma atividade de elevada importância socioeconômica para a região (SOARES et al., 2012).

De maneira ampla, a atividade de beneficiamento se destaca em razão de a castanha do caju, com sua demanda internacional, ser um dos produ-tos que movimentam a economia brasileira de forma bastante relevante, na qual somente o nordeste é responsável por 95% da produção nacional dessa amêndoa (NASSU, LIMA & PAIVA, 2004). Em tal região, há muitas comunidades que se caracterizam pela sua atividade laboral. No estado de Sergipe, isso acontece em alguns povoados do município de Itabaiana: Carrilho, Dendezeiro e Tabocas. O povoado Carrilho é o mais expressivo deles, uma vez que a maioria de sua população está envolvida com o be-neficiamento da castanha. Ele fica a cerca de 6 km a sudoeste da cidade de Itabaiana onde vivem aproximadamente 200 famílias, das quais, segun-do os próprios moradores, 90% trabalham com essa atividade, mantendo, concomitantemente, a agropecuária de subsistência. O beneficiamento da castanha, por sua vez, é realizado de forma familiar e doméstica em tendas construídas no quintal das casas ou na COOBEC (Cooperativa dos Bene-ficiadores de Castanha do Povoado Carrilho) de forma semi-mecanizada.

Essa população está em consonância com o que acontece na sua região, já que mantém sua herança cultural, herdada dos seus familiares, ao continu-ar utilizando o beneficiamento da castanha de caju como atividade econô-

q O Estudo do Beneficiamento da Castanha de Caju154

mica. No entanto, parece estar em dissonância com alguns aspectos sociais e ambientais, visto que o processo que envolve o beneficiamento parece ter impactos para o ambiente físico bem como para a saúde do trabalhador e de sua família ou mesmo de outras pessoas que, mesmo sem estarem envol-vidas com o processo, acabam tendo contato com suas externalidades. Os danos ambientais estão muito associados aos resíduos gerados pela queima da castanha que, dentre outros males, como problemas respiratórios, tam-bém vão para o solo causando contaminação (Pimentel et al., 2011). Os da-nos sociais estão associados ao impacto que essa atividade tem nas atuais e também nas próximas gerações em termos de permitir sua inserção social e possibilitar a concretização de suas potencialidades. Os impactos sociais são partilhados por todas as comunidades rurais devido à situação de ex-clusão social que estas populações se encontram, seja pela escassez ou a inconsistência de instituições que funcionam como fator protetivo ou pelas restrições de alternativas de renda, além da dificuldade do poder público em solucionar as problemáticas do local, o que passa uma imagem de descaso. Podemos afirmar que o povoado Carrilho encontra-se em uma situação de vulnerabilidade social, uma vez que as instituições sociais que funcionam como fator protetivo são escassas no mesmo.

Esse é um fenômeno complexo e o seu entendimento parece estar re-lacionado à compreensão do beneficiamento da castanha como uma ativi-dade econômica de implicações sociais e ambientais. As implicações sociais estão diretamente relacionadas ao caráter doméstico e familiar da atividade, que se apresenta em um contexto rural com pouco acesso aos serviços da iniciativa pública e privada. As implicações ambientais, por sua vez, estão relacionadas à forma como o beneficiamento é feito o que produz exter-nalidades que precisam ser gerenciadas devido ao seu impacto ambiental.

O beneficiamento da castanha de caju é feito, neste povoado, por meio da queima da castanha, para que, posteriormente, sejam retiradas a casca e a película e, assim, se obtenha uma amêndoa crocante. A utilização dessa primeira etapa é um diferencial na forma de beneficiamento realizada em Sergipe. Nos outros estados do país, o beneficiamento é realizado com o auxílio de fornos, mas sem a queima. Esta, porém, produz o LCC (Líquido da Castanha de Caju), que, para Jesus e Santos (2012), pode trazer malefícios à pele. Ainda para eles, a falta de equipamentos pode também ser muito pre-judicial à saúde, já que há uma inalação constante da fumaça, forte radiação do calor do fogo e posição contorcida do corpo do trabalhador devido aos locais de beneficiamento da castanha serem improvisados e inadequados. Além disso, o resfriamento da castanha queimada é feito utilizando água

Zenith N. C. Delabrida; Carolina S. Rocha; Joelma S. Araújo; Katiane S. Costa; Lucas R. Rocha q 155

que gera um resíduo líquido que fica depositado no solo. Todos esses fato-res, sem nenhuma proteção, podem resultar em problemas ambientais e de saúde atuais e futuros.

Galvão (2011) e Cabral (2010), em seus estudos, realizaram experimentos com a finalidade de verificar o potencial de toxicidade celular associado à queima da castanha e à sua capacidade de alterar o material genético. Am-bos encontraram indícios que poderiam ser prejudiciais à saúde dos traba-lhadores, como a presença de contaminantes com potencial genotóxico, isto é, com potencial de causar danos à molécula de DNA (Cabral, 2010). Cabral (2010) afirma que há uma alta concentração de material particulado (MP) e de Black Carbon (BC), material particulado fino produzido pela combustão incompleta da matéria orgânica, na fumaça oriunda da queima da castanha de caju, além da presença de metais pesados que podem ligar-se ao câncer ou a problemas cardiovasculares. Esse autor sugere que as mulheres ges-tantes sejam afastadas da atividade e ainda afirma que toda a população ao redor pode ser afetada pelo material particulado originário da queima. Além da poluição atmosférica, o solo também pode estar comprometido, tal como afirma Pimentel et al (2010). De acordo com os autores, o resíduo que resulta da lavagem das castanhas com água pode infiltrar no solo e, até mesmo, chegar aos lençóis freáticos, poluindo-os.

Com base nesses dados, a pergunta que se pode fazer a seguir é: por que essas famílias se engajam nessa atividade? Será que elas não percebem o risco? Como responder a essa pergunta se, além desses riscos ambientais, o beneficiamento da castanha de caju no Carrilho também tem implicações econômicas e sociais?

A principal implicação econômica se refere ao fato de que grande parte da população se engaja nessa atividade como uma das formas de renda da família. Apesar da sua importância, as famílias dependem de um interme-diário que articula a cadeia produtiva. O intermediário (também conhecido como atravessador) compra a castanha de catadores e de pequenos vende-dores em outras regiões do Nordeste e faz o transporte até o povoado. Tanto vende a castanha in natura, como contrata uma família para beneficiá-la, para, enfim, comercializá-la já pronta para o consumo. Esse processo parece ser lucrativo ao atravessador (Filgueiras & Ribeiro Junior, 2013), mas não pa-rece promover o desenvolvimento econômico da comunidade. Associado ao intermediário, está também a intermitência do fornecimento da casta-nha, já que o povoado não detém o controle de sua produção e o processo artesanal, que traz implicações ambientais e de saúde, também promove uma grande perda de matéria-prima ou um produto final de pouca quali-

q O Estudo do Beneficiamento da Castanha de Caju156

dade, o que acaba reduzindo seu valor (SOARES et al., 2012; COSTA, DANA E ALMEIDA, 2000).

Por outro lado, o fato da atividade ser realizada em família pode ser um diferencial positivo. Segundo Neto e Oliveira (2008), a agricultura familiar parece favorecer uma dinâmica econômica mais abrangente e diversificada em oposição à agricultura intensiva de grandes propriedades rurais. Além disso, é mais competitiva economicamente em função da gestão de sua mão-de-obra e favorece um processo de desenvolvimento territorial des-centralizado, o que pode colaborar para a fixação dos indivíduos em peque-nas e médias cidades, um outro ponto positivo para os autores. Parece faltar no povoado Carrilho uma política de desenvolvimento adequada que seja implementada para aproveitar as vantagens da produção familiar e minimi-zar suas desvantagens, principalmente no que tange ao trabalho infantil e a necessidade de um intermediário.

Esses estudos e argumentos, além de justificarem o presente estudo, ain-da revelam a fragilidade da comunidade exposta diariamente a esses diver-sos fatores de risco social, ambiental e físico. Portanto, com base no exposto, parece claro a necessidade de se entender melhor os fatores envolvidos na realização do beneficiamento da castanha no povoado Carrilho. O presente capítulo apresenta a primeira etapa de um projeto de intervenção que visa promover o desenvolvimento dessa comunidade, seguindo a proposta de Ávila (2006) de que desenvolvimento local é o aproveitamento dos recursos endógenos da comunidade. Esta, por sua vez, ao partir do simples para o complexo, do mais comunitário para o menos comunitário, é capaz de se definir como tal quando se tem os mesmos objetivos em um movimento de dentro para fora e de baixo para cima. Desse modo, se tornará possível a co-munidade achar a sua vocação para, enfim, conseguir interromper o “círculo vicioso da parasitária dependência assistencialista” (p. 62).

O ESTUDO

Para isso, foi realizado um estudo inicial de cunho exploratório-descriti-vo, no qual se optou por uma metodologia qualitativa conjugada à quantita-tiva com o objetivo de descrever a atividade de beneficiamento da castanha de caju no referido povoado como uma fase inicial para os demais estudos que possuem o propósito de promover melhores condições sóciambien-tais e econômicas para a comunidade por meio do desenvolvimento local. O estudo foi executado nos meses de abril, maio, junho e julho de 2015, com frequência semanal. Os dias escolhidos para as visitas foram quartas

Zenith N. C. Delabrida; Carolina S. Rocha; Joelma S. Araújo; Katiane S. Costa; Lucas R. Rocha q 157

e sextas-feiras, alternando-os semanalmente, durante o período da manhã. Essa fase permitiu descrever a atividade do beneficiamento da castanha nes-sa comunidade da mesma forma que já foi feito para as casas de farinha (Soares, 2007). A seguir, são descritos os passos do estudo e seus principais resultados.

Procedimentos iniciais de contato com a comunidade

No primeiro contato dos pesquisadores com o povoado, foram detec-tados os problemas mais evidentes e quais os aspectos poderiam ser ini-cialmente explorados. Nesse período, foram realizadas duas visitas que fo-ram cruciais para desenvolver vínculos que pudessem auxiliar nas próximas visitas que seguiriam. Uma das maiores dificuldades identificadas com o contato com a comunidade devia-se ao fato de ser comum que menores realizassem a atividade de beneficiamento. Segundo os moradores, o con-selho tutelar da região já havia realizado intervenções a fim de impedir que adolescentes trabalhassem, o que gerou uma tensão em relação a visitantes externos. Foi observado que a população ainda possui o receio de sanções de órgãos reguladores, de modo que foi necessário esclarecer o motivo da presença do grupo de pesquisa.

Nesse contato inicial com os moradores do povoado Carrilho, identifi-cou-se que a maioria da população tinha uma baixa escolaridade e relatava ser incapaz de responder às questões. Dessa forma, as entrevistas deveriam ser semiestruturadas, para que os participantes pudessem se expressar. Foi feito, portanto, um ajuste no método para cada entrevista. Duas pesquisa-doras participavam: a primeira era responsável por abordar os temas es-pecificados e a segunda por preencher o roteiro de entrevista ao anotar as respostas. Vale destacar que durante o processo de coleta de dados, foi ne-cessário construir um rapport entre as pesquisadoras e cada entrevistado(a) para que este(a) se sentisse à vontade para compartilhar suas experiências como qualquer entrevista deve ser.

Para isso, a aproximação das pesquisadoras foi feita gradualmente, co-meçando pela apresentação, que deveria deixar claro que se tratava de uma pesquisa da universidade que não traria nenhum dano à comunidade. Em seguida, de uma forma agradável, se adentrava ao quintal da residência, local de trabalho deles, mostrando respeito e curiosidade em saber sobre a vida e as atividades daquela população, visto que esse era o objetivo da primeira fase do estudo. As entrevistas duravam em média 30 minutos, va-riando de acordo com a disponibilidade dos entrevistados, podendo prolon-

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gar-se. Em geral, os beneficiadores continuavam executando o trabalho en-quanto as perguntas eram feitas, uma vez que uma das precauções tomadas pelos pesquisadores era de que a entrevista fluísse de modo espontâneo e evitando ao máximo possíveis incômodos.

Dessa forma, eram levantadas questões consideradas relevantes, como por exemplo, aspectos relacionados ao trabalho, escola, dinâmica do povo-ado e a partir daí cada participante seguia expondo suas experiências e opi-niões em relação a essas temáticas. Todas as informações eram anotadas por um dos pesquisadores enquanto os demais guiavam a entrevista. Ao final, eram feitos os devidos agradecimentos, além de informar os meios disponí-veis para contato, caso houvesse interesse do participante.

Procedimentos iniciais para a descrição da atividade

Para descrição da atividade de beneficiamento da castanha, foi utilizada a observação direta da atividade durante as visitas à comunidade. Assim, fo-ram observadas duas etapas completas de torrefação e quebra em seis dife-rentes locais de beneficiamento chamados de casinhas. Nas observações, fo-ram destacadas as etapas da atividade de beneficiamento, os equipamentos empregados em cada momento, a divisão de tarefas, os resíduos gerados em cada etapa e o ambiente físico das casinhas, que foram descritos em di-ários de campo. Para definir a dimensão média das casinhas, foram medidas três delas por meio de uma trena de 5 metros. Em seguida, calculou-se a mé-dia dos três locais. Além das observações diretas, foi utilizada uma câmera fotográfica com a função de filmar e fotografar a atividade para auxiliar na descrição dos ambientes e dos objetos utilizados no beneficiamento.

Descrição do povoado

O povoado Carrilho localiza-se na zona rural do município de Itabaiana, situado na porção centro-oeste do estado de Sergipe. A vegetação da região é composta por elementos tanto da Caatinga quanto da Mata Atlântica, sendo considerada, portanto, como parte de uma zona de transição conhecida como Agreste (Dantas & Ribeiro, 2010).

Aproximadamente 200 famílias, como já dito, residem no povoado, que, por sua vez, possui uma escola municipal para crianças do primeiro ao nono ano e um posto de saúde que é aberto todos os dias onde atua a equipe do PSF (Programa da Saúde da Família), mas somente as duas agentes de saú-de e uma técnica em enfermagem estão presentes a semana inteira, pois a

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médica e a enfermeira realizam o atendimento apenas um dia na semana. O Carrilho conta ainda com uma casa onde funciona o PETI (Programa de Erra-dicação do Trabalho Infantil), além de uma igreja católica e outra evangélica, uma mercearia, uma sorveteria e três bares, sendo que um deles funciona também como restaurante. É importante destacar que, apesar de haver sis-tema de abastecimento de água e energia, não existem outros serviços de saneamento básico, como tratamento de esgoto, coleta de lixo ou manejo de águas pluviais.

Como esses serviços básicos de saneamento não são ofertados para a comunidade, o efluente das casas é jogado nas ruas, ao ar livre, onde transi-tam crianças e as demais pessoas. Nos períodos de chuva, a estrada de terra que dá acesso ao povoado fica inundada, formando-se poças que impedem a passagem de veículos e de pedestres tanto para entrar quanto para sair do povoado. Além dos problemas estruturais, não existem áreas de lazer na comunidade: há apenas um campo de futebol improvisado pelos jovens da localidade. Essa carência se reflete na quantidade de bares no povoado (cerca de três, em comparação a uma mercearia), que se tornam a única op-ção para a comunidade. A comunidade também não dispõe de creches, de forma que as crianças pequenas precisam ficar com as mães enquanto estas trabalham no beneficiamento. Nesse sentido, apesar do trabalho na casta-nha não possuir funções estabelecidas para cada gênero (no caso, existem pessoas de ambos os sexos trabalhando nas etapas de torrefação e quebra), na maioria das famílias, apenas as mulheres são responsáveis pelas ativida-des domésticas, além do cuidado e educação dos filhos. Isso, obviamente, faz com que elas tenham uma dupla jornada de trabalho: são tanto benefi-ciadoras quanto donas de casa.

Atualmente, além de cerca de 40 casinhas (as tendas que ficam, em geral, no fundo das residências) de beneficiamento artesanal, existe a cooperativa COOBEC, inaugurada no início de 2014 com a ajuda do Programa ReDes (ini-ciativa e apoio do Instituto Votorantim) com o objetivo de aumentar a renda do povoado e propiciar melhores condições de trabalho para os beneficia-dores cooperados. A cooperativa trabalha de modo semi-industrializado, possuindo EPI’s (Equipamentos de Proteção Individual), equipamentos para minimizar a poluição do ar que é causada pela etapa de torrefação e uma estrutura que possibilita a ventilação no local de trabalho.

Cerca de 28 trabalhadores participam da cooperativa, uma vez que ela não possui estrutura suficiente para abranger toda a população trabalha-dora. Por isso, decidiu-se permitir, apenas, uma pessoa de cada família. Todo o dinheiro arrecadado é dividido igualmente, de forma que os cooperados

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chegam a receber um valor semelhante ao arrecadado pelos beneficiadores familiares. A COOBEC chega a fabricar uma tonelada e meia por semana. A matéria-prima é comprada diretamente da fonte, ou seja, os beneficiadores que participam da cooperativa, além de terem mais qualidade na realização do trabalho, ainda não ficam dependentes do atravessador no ato de ad-quirir a matéria-prima, o que diminui o custo desta e aumenta ainda mais o lucro, como veremos a seguir.

Descrição da atividade

Como já explicitado, o cultivo do caju não é uma atividade agrícola de destaque em Sergipe, de modo que o estado, apesar de ser conhecido pelo fruto, não possui uma produção significativa da castanha in natura. Portan-to, toda a castanha beneficiada no povoado é importada de outros estados, sobretudo do Ceará e da Bahia. Dessa forma, no Carrilho, os trabalhadores realizam apenas o beneficiamento das castanhas já colhidas e limpas, que chegam ao povoado armazenadas em sacos de 30 quilos que custam, em mé-dia, R$ 100. A ausência de produção da castanha in natura gera uma dependên-cia dos centros produtores que ocasiona impactos negativos. Por exemplo, mui-tos dos beneficiadores entrevistados se queixaram da diminuição da oferta de castanha e do aumento do preço do saco de castanha in natura mais evidente nos últimos anos. Além da vulnerabilidade social configurada no povoado, por-tanto, a fonte de renda mais significativa dos sujeitos que ali vivem mostra-se fragilizada, o que agrava, ainda mais, o quadro de riscos sociais da comunidade. De acordo com Oliveira, Lima, Aquino & Santos (2010), porém, esse problema não ocorre apenas no povoado. Nota-se, então, uma crise que vem sendo viven-ciada pela cultura do caju e por toda a sua agroindústria. Os autores sugerem que tal problemática é provocada pelo modelo de exploração predatório que é praticado sem a utilização de técnicas de manejo adequadas. O desmatamento e as queimadas terminam causando um baixo rendimento do cajueiro. Dessa forma, essa população se vê refém de uma situação sobre a qual não exerce domínio, dado que 77,5% dos entrevistados trabalham diretamente com a cas-tanha e 67,4% citaram a atividade como a principal ou como uma das prin-cipais fontes de renda da sua família. Todavia, esses mesmos trabalhadores não dispõem de fácil acesso à matéria-prima do seu trabalho e estão à mercê da disponibilidade desse produto para sua subsistência.

Como consequência, muitas famílias do povoado que trabalham com o beneficiamento da castanha dependem da figura do atravessador para ter acesso ao produto in natura. Destarte, esses trabalhadores, em sua grande

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maioria, tem acesso a apenas uma parte da cadeia produtiva do beneficia-mento, uma vez que o atravessador fica responsável por adquirir as casta-nhas in natura e comercializar as castanhas prontas para o consumo. Os trabalhadores são responsáveis pela execução de quatro etapas: torrefação, quebra, despeliculagem e limpeza.

A primeira e a segunda etapa, queima e retirada da amêndoa da casca, respectivamente realizadas pelos beneficiadores, costumam ser iniciadas durante a madrugada, em geral às 3 horas da manhã e finalizadas pouco antes do meio-dia, de forma que a jornada de trabalho dura, em média, oito horas, com pouco ou nenhum intervalo para descanso. A necessidade de se trabalhar no período da noite surge devido à etapa de queima da castanha que eleva a temperatura da casinha, fazendo com que, durante o dia, a ati-vidade se torne inviável por causa do calor. Vale ressaltar que no povoado, o sexo não é um determinante das funções realizadas no beneficiamento, de modo que, ambos os sexos trabalham nas quatro etapas.

Por se tratar de uma região rural, os locais utilizados para a construção das casinhas são terrenos vazios (que também são espaços para outras ati-vidades, como a pecuária) ou os próprios quintais das casas dos trabalha-dores. As casinhas são edificações de, em média, 5,8 por 3,2 metros, sendo compostas por estruturas de madeira sem fechamento vertical e com te-lhas de fibrocimento (Brasilit), com uma inclinação que varia de 2,3 a 1,4 metros. Esse local é utilizado para a realização das duas primeiras etapas do processo (torrefação e quebra das castanhas) e para o armazenamento dos sacos de castanha in natura. Já o terceiro e quarto momentos são rea-lizados nas próprias casas.

Cada casinha possui apenas um local para a queima, de modo que a etapa de torrefação é executada por apenas um trabalhador de cada vez, podendo haver a alternância entre duas pessoas. Por ser a única etapa em que se traba-lha em pé, ela é realizada na parte mais alta da casinha e na posição contrária à entrada do vento, para que a fumaça gerada não retorne para dentro do espaço de labor, uma vez que o local não possui uma saída de ar adequada.

Na etapa inicial do beneficiamento, o responsável pelo processo de tor-refação coloca as castanhas in natura no fogo que é aceso em um buraco cavado no chão e mantido pelas próprias cascas da castanha. Para torrar as castanhas, é improvisada uma estrutura de metal acima do fogo, utilizada para sustentar o recipiente de ferro com buracos pequenos, no qual a casta-nha é depositada. Tais buracos no receptáculo servem para que o fogo atinja as castanhas e faça com que estas entrem em combustão. Durante esse pro-cesso, as castanhas estalam e são lançadas para fora do fogo, queimando.

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Para misturar as castanhas e transportá-las para o espaço de resfriamento, o trabalhador utiliza uma vareta comprida feita de metal.

Só quando os estalos cessam é que o trabalhador leva as castanhas, em chamas, para o local de resfriamento, no qual se utiliza uma vassoura molha-da com água para abafar as chamas. Portanto, nesse momento, é produzida uma mistura de água com Líquido da Castanha de Caju (LCC). Em casinhas mais estruturadas, esse espaço de resfriamento possui uma chapa de metal com furos presa ao chão para que o efluente escoe e seja conduzido por regatos cavados no terreno para empoçar. No entanto, na maioria das casi-nhas, as castanhas são colocadas no chão e resfriadas ali mesmo, de modo que a terra que absorve o efluente fica com uma cor escura. Em razão disso, periodicamente os beneficiadores retiram essa terra misturada ao LCC, acu-mulando-a em montes próximos à casinha.

Em seguida, as castanhas são misturadas à cinza, resultante do processo de queima. Esse procedimento é necessário para que seja possível o ma-nuseio e a quebra da castanha ainda quente, o que facilita que a amêndoa permaneça inteira. Por fim, as castanhas são distribuídas aos trabalhadores que irão quebrá-las.

Na parte em que a cobertura é mais baixa, os beneficiadores responsá-veis pela quebra ficam sentados em sacos plásticos cheios de areia, além de ser utilizada uma pedra para apoiar a castanha e um bastão de madei-ra para quebrar a casca e separá-la da amêndoa. É importante destacar que os trabalhadores precisam se inclinar para realizar a atividade, uma vez que o local de apoio da castanha é mais baixo do que o assento utili-zado, permanecendo cerca de oito horas nessa posição. É nesse momento de manuseio da castanha em que o Líquido da Castanha de Caju (LCC), impregnado na casca, entra em contato direto com a pele dos beneficia-dores, caso estes não disponham de Equipamento de Proteção Individual (EPI). Esse contato termina por sujar as mãos dos trabalhadores com um óleo escuro, que, mesmo após a lavagem com água e sabão, forma uma casca amarelada nos dedos. Para retirar o óleo, em sua totalidade, os be-neficiadores lavam as mãos diversas vezes em soluções aquosas à base de hipoclorito de sódio (água sanitária). Em geral, as casinhas abrigam de 3 a 7 quebradores, no entanto esse número é variável. Inclusive, o trabalhador responsável pela torrefação costuma integrar-se à quebra após finalizar a queima do montante de castanha estipulado para o dia.

Após terminar as duas etapas iniciais, todos os trabalhadores arrumam o local, cobrindo as laterais das casinhas com lona. A produção diária des-ses locais (que contam com cerca de cinco trabalhadores) é de, no máximo,

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10 quilos de amêndoa (que corresponde a cerca de 50 quilos de castanha in natura), sendo que cada quilo é vendido por um valor entre R$ 30,00 e R$ 40,00. Desse modo, uma casinha pode chegar a ganhar R$ 400,00 por dia. Porém, muitas das famílias que trabalham no beneficiamento não são proprietários da casinha nem dos instrumentos de produção, que são, na verdade, do atravessador para o qual trabalham. O indivíduo contratado pelo atravessador recebe o valor fixo de R$ 35,00 por dia independente-mente do quanto tenha beneficiado ou da qualidade da castanha. Alguns trabalhadores responsáveis pela torrefação podem chegar a receber R$ 50,00 por dia.

Terminado esse processo, o passo que segue é a despeliculagem da cas-tanha. Para facilitar o procedimento e manter a qualidade da amêndoa, é preciso aquecê-las ao sol (maneira tradicional) ou em um forno industrial, que é mais rápido e está sendo, aos poucos, adotado pelos beneficiadores. Em seguida, com o a auxílio de uma pequena faca de cozinha, é feita a re-moção da pele que recobre a amêndoa. As castanhas são separadas em dois recipientes de acordo com a sua constituição (quebradas e as inteiras), no entanto o valor que os despeladores recebem por elas é o mesmo. Essa eta-pa é realizada na sala ou na varanda da própria casa, geralmente por mulhe-res, inicia-se por volta das três da manhã e termina pouco antes do almoço ou durante a tarde, indo do começo da tarde até o sol se pôr. Em geral, um trabalhador despela aproximadamente 10 quilos de castanha por dia, con-siderando uma jornada de seis a oito horas. No entanto, os beneficiadores responsáveis por essa etapa não são os proprietários do produto, sendo con-tratados por terceiros que pagam um valor que varia de 1,50 a 1,75 por quilo de castanha despelado. Alguns beneficiadores, que trabalham nas casinhas com a queima e a torrefação, utilizam o período da tarde para a despelicu-lagem, no entanto existem aqueles que realizam apenas essa atividade. Es-tes últimos, geralmente, não possuem um espaço em sua propriedade para realizar o beneficiamento, além de relatarem que preferem essa etapa por considerarem-na menos desgastante e representar um menor risco à saúde do que a torrefação e a quebra da castanha.

ALGUMAS CONCLUSÕES

A atividade de beneficiamento, como foi mostrada por meio da descrição da atividade e das queixas relatadas pelos trabalhadores, indubitavelmente apresenta riscos econômicos e sócioambientais e expõe os trabalhadores a situações de insalubridade. Apesar da escassa literatura a respeito dos pro-

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blemas de saúde que a atividade de beneficiamento pode acarretar, muitos autores pesquisaram trabalhos em atividades análogas ou que gerassem re-síduos e riscos semelhantes. Nesse sentido, Arbex, Cançado, Pereira, Braga & Saldiva (2004) pesquisaram os riscos de saúde associados à combustão incompleta de biomassa, na qual se enquadra a queima das cascas da cas-tanha de caju feita no processo de beneficiamento do povoado Carrilho. Os autores apontam que essa queima é a principal responsável por liberar para a atmosfera gases tóxicos, material particulado e gases do efeito estufa. Ar-bex, et al. (2004) também citam infecções respiratórias agudas, doença pul-monar obstrutiva crônica, pneumoconiose, catarata, cegueira, tuberculose pulmonar e efeitos adversos na digestão como alguns dos efeitos à saúde que estão associados à queima da biomassa durante longos períodos e em locais fechados.

No entanto, apesar do beneficiamento da castanha de caju ser uma atividade que potencialmente possa causar danos e expor a comunidade a riscos socioambientais, também está relacionada a aspectos positivos em relação à interação e manutenção de vínculos na comunidade bem como a viabilidade econômica. Afinal, é um trabalho que também pos-sibilita o contato com amigos e familiares. Devido à alta carga horária de trabalho, muitas famílias aproveitam esse tempo para conversarem e se aproximarem, ao mesmo tempo em que cuidam do sustento. Alguns mo-radores afirmam que é uma “diversão” a união entre as pessoas próximas na hora do trabalho, relatando que esse aspecto faz com que a percepção da insalubridade da atividade seja menor, além de significar um espaço de trocas e de aproximação da comunidade com o fortalecimento dos víncu-los afetivos.

Por fim, conclui-se que a atividade de beneficiamento manual da casta-nha de caju, tal qual é realizada no povoado Carrilho, expõe a comunidade que nela encontra sua subsistência em uma situação de risco socioambien-tal, uma vez que esta é realizada em um ambiente insalubre e impróprio para o bem-estar dos seus trabalhadores, além de estar, muitas vezes, pau-tada em uma relação de exploração entre o contratado e o atravessador, que não garante ao trabalhador seus direitos. O vínculo estreito entre a atividade de beneficiamento e as consequências negativas para a saúde do trabalha-dor, observado através das queixas e dos sintomas percebidos por essa po-pulação, corrobora com a literatura existente. Desse modo, sugere-se que sejam realizadas pesquisas que investiguem como essa população, apesar de perceber em seu próprio corpo as consequências negativas da atividade de trabalho, se mantém executando-a. Parece necessário, pois, entender a

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percepção de risco dessa população, para que se possa entender melhor a dinâmica entre o risco percebido e o risco real e, assim, poder intervir (LIMA, 2005).

Agenda de Pesquisa

Para concluir o capítulo, apresenta-se a proposta de Varela (1974) de-nominada de Tecnologia Social, que seria uma atividade de planejamento de soluções para problemas sociais por meio do conhecimento produzido nas áreas das ciências sociais. A ideia é que tais ciências possam viabilizar ou fo-mentar o desenvolvimento de uma tecnologia aplicada a problemas sociais (RODRIGUES, 1997). Varela propõe alguns paradigmas para solucionar proble-mas sociais. Dentre eles, os seguintes são aplicados ao contexto apresentado no presente capítulo: a motivação humana é complexa, ninguém faz ou deixa de fazer alguma coisa por uma única razão; os problemas são resolvidos mais eficazmente em grupos do que individualmente; as percepções são mais im-portantes para os problemas sociais do que os “fatos verdadeiros”.

Seguindo essa proposta, há vários aspectos observados no beneficia-mento da castanha de caju no povoado Carrilho que sugerem uma disso-nância entre os diferentes grupos sociais envolvidos e suas necessidades ou em relação ao que poderia ser mais benéfico a médio e longo prazo, propi-ciando desenvolvimento social, ambiental e econômico. No entanto, seria um desserviço ou uma presunção achar que um único fator motivaria os trabalha-dores e suas famílias a agir como tal. Com base no que propõe Varela (1974), o primeiro elemento de uma agenda de pesquisa, portanto, é analisar os di-versos ângulos que envolvem a adesão às práticas encontradas nessa comu-nidade. É necessário que se complexifique o entendimento do que motiva os moradores a tomarem determinadas decisões em detrimento de outras. Essa análise mais completa pode promover um diagnóstico claro e abrangente o suficiente para que se possa entender a relação das decisões a respeito do objeto de interesse e seus impactos de curto, médio e longo prazo.

O segundo elemento da agenda de pesquisa se refere aos vários as-pectos observados no Carrilho que parecem ser questões comunitárias na medida em que 90% da população está envolvida no beneficiamento da castanha de caju. Ao contrário de ser uma desvantagem, esse contexto é favorável para que a comunidade se una em um objetivo em comum, au-mentando a probabilidade de se achar uma solução que beneficie a todos ou que surjam diferentes soluções para as diferentes necessidades na dis-cussão comunitária a partir dos seus problemas coletivos. A estratégia de

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resolução de problemas em grupo potencializa a capacidade individual, beneficiando o grupo e o indivíduo. É uma estratégia complexa que envol-ve como primeiro passo o desenvolvimento de uma noção de comunida-de. Segundo Ávila (2006), para que uma comunidade se perceba como tal é preciso que haja objetivos em comum. Destarte, o processo de identifica-ção de um projeto partilhado comunitariamente é condição sine qua non para que se encontre soluções igualmente partilhadas.

O principal aspecto perceptual que parece aplicável ao contexto des-crito é a percepção de risco, já que se supõe que essa comunidade esteja em situação de risco socioambiental. A relação entre o risco real e o risco percebido pode ser estabelecida de várias formas empíricas, investigando a tomada de decisão com base em instrumentos cuidadosamente elaborados, em princípios psicométricos, identificando os antecedentes e consequentes dos comportamentos de risco, e, também, com base na teoria cultural e nas trocas simbólicas (LIMA, 2005; OLTEDAL et al., 2004). O risco real pode ser estabelecido pela avaliação de risco que envolve medidas objetivas que po-dem calcular a probabilidade de ocorrência por meio de análise estatística (LIMA, 2005; OLTEDAL et al., 2004), sendo que o risco real e o risco percebido se sobrepõem quando o risco é bem conhecido (SJÖBERG, MOEN, RUNDMO, 2004). Até que se chegue a esse ponto, como sugere Varela (1974), a percep-ção de risco é fundamental para que se entenda a forma como indivíduos ou grupos lidam com uma determinada situação, mas tendo sempre como contraponto a avaliação de risco (LIMA, 2005). Sendo assim, o terceiro e úl-timo elemento da agenda de pesquisa é a percepção e avaliação de risco.

No intuito de desenvolver e fomentar o desenvolvimento local do povo-ado Carrilho, levando em consideração o que é sugerido por Ávila (2006) e Varela (1974), apresenta-se a seguir uma agenda de pesquisa que contempla os três elementos elencados anteriormente, apresentando aspectos teóricos e empíricos:

- Primeiro elemento: para analisar os diversos ângulos que circundam a adesão às práticas envolvidas no beneficiamento da castanha de caju vai ser utilizada a técnica do Grupo Focal (CARLINI-COTRIM, 1996; SO-ARE, REALE, BRITES, 2000; GIFFORD, 2015). Essa técnica é considerada um tipo de entrevista em grupo que equilibraria a relação de poder com o pesquisador, tornando a entrevista dinâmica e permitindo um encontro construtivo, de suporte, a expectativa é que ao final do gru-po focal os participantes tenham uma nova visão a respeito do que foi conversado. Para a realização do grupo focal seguem-se etapas antes, durante e após. Previamente são elaboradas as perguntas e escolhidos

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os participantes, o grupo focal é conduzido por um ou dois mediado-res que devem garantir que todos falem e após são feitas análises do conteúdo ali expresso. Sugere-se que se realizem grupos focais com grupos distintos por gênero, papel social na comunidade e fase do de-senvolvimento para abordar o trabalho, lazer e relações interpessoais. Os diferentes ângulos e diferentes personagens permitirão o acesso a diferentes percepções dos temas abordados bem como permitirá emergir aspectos relacionados, mas não previstos nos temas.

- Segundo elemento: nos encontros do grupo focal espera-se chegar a um consenso dos objetivos em comum do povoado, garantindo assim uma noção comunitária como sugerido por Ávila (2006). Manter, a par-tir desse momento, grupos de encontro para se discutir as possibilida-des de solução dos problemas que o povoado enfrenta. Por exemplo, discutindo em grupo a agricultura familiar como um diferencial com-petitivo econômico (NETO, OLIVEIRA, 2013);

- Terceiro elemento: análise dos aspectos subjetivos do risco por meio da percepção de risco por meio da análise das estratégias de toma-da de decisão com base no conceito de heurística que pressupõe o uso de atalhos no processo de pensamento, esses atalhos favorecem respostas rápidas, mas aumentam a chances de erros de julgamento (KAHNEMAN, 2012), ao se entender quais são os atalhos ou erros de julgamentos feitos pelos indivíduos é possível entender a adoção de certos riscos e a evitação de outros. Como medida objetiva pretende--se realizar uma hierarquização dos riscos percebidos por meio da aná-lise psicométrica identificando o grau de atribuição de risco (SJÖBERG, MOEN, RUNDMO, 2004) bem como a análise do impacto ambiental da produção da castanha de caju com indicadores quantitativos e quali-tativos (RODRIGUES, CAMPANHOL, 2003) completando o ciclo de aná-lises.

Dessa forma, espera-se atender ao que Varela (1974) propõe de utilizar o conhecimento científico com promovedor de desenvolvimento social com base na tecnologia social que as ciências humanas têm desenvolvido, per-mitindo sua replicação em contextos sociais semelhantes. Além disso, seguir o que Ávila (2006) sugere em termos de promoção de um desenvolvimento local do povoado Carrilho sendo coerente com suas necessidades locais e econômicas, com seu contexto socioambiental, história e vocação.

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ESPAÇO, RELAÇÕES DE PODER E TERRITÓRIO:UMA ABORDAGEM SOBRE A PISCICULTURA EM TANQUES-REDE

Jaqueline Chaves da Silva; Gicélia Mendes; Genésio José dos Santos

INTRODUÇÃO

A água é imprescindível ao desenvolvimento do homem e das regiões, suas características e potencialidades se tornam motivo de disputas devido sua valorização e potenciais de exploração. Com seus usos múltiplos, as áre-as em seu entorno também são privilegiadas e sua importância está relacio-nada ao seu potencial. Segundo o Ministério da Integração Nacional – MIN (2004), as áreas mais valorizadas em cidades, tanto brasileiras quanto ao re-dor do mundo, são aquelas próximas a rios, praias e fontes de água.

Para um maior controle e maior disposição de água, principalmente em quantidade suficiente para atender sua demanda foi necessária a construção de barragens, como forma de acumulação de água para assim potencializar seu uso. Neste aspecto, com o crescimento populacional, e consequente ne-cessidade do aumento de oferta de alimentos, tornou-se necessário adotar sistemas de produção em regiões com pouca chuva e recursos escassos, e assim foram construídas as primeiras barragens.

No Brasil, a partir do século XVIII, elas foram construídas devido às neces-sidades populacionais e potenciais de usos múltiplos, principalmente para irrigação e abastecimento de água das cidades e também como forma de fixação do homem nas regiões mais escassas (Comitê Brasileiro de Barragens – CBCB, 2011).

Além da irrigação e abastecimento, as barragens têm outros usos tais como: a navegação; abastecimento de indústrias; turismo; produção de energia; produção de organismos aquáticos dentre outros. Assim,

As primeiras barragens construídas no Nordeste, a partir de 1887, onde o Departamento nacional de Obras Contras as Secas (DNO-CS) teve um papel importante com a construção de açudes para irrigação, abastecimento de água das cidades e pequenos núcle-os habitacionais. Essa política, que previa a formação de reserva-tórios no semi-árido nordestino, teve como uma das principais finalidades a permanência do sertanejo no seu ambiente natural,

q Espaço, Relações de Poder e Território172

amenizando os processos migratórios para a Região Sudeste do País (Comitê Brasileiro de Barragens – CBCB, 2011, p. 9).

Com o desenvolvimento e necessidade tecnológica, há uma demanda maior de uso de energia elétrica para as atividades essenciais da rotina di-ária. Seguindo essa lógica, o capitalismo desenfreado vem exigindo que as indústrias aumentem sua produção para poder acompanhar o ritmo do con-sumo populacional. Historicamente, Benincá afirma que

com a Revolução Industrial, houve a necessidade sempre maior de gerar energia para suprir as demandas crescentes em vários setores. Como opção e caminho para encetar o desenvolvimento, as hidrelétricas tornaram-se foco de interesses políticos, econô-micos e tecnológicos tanto de governos quanto de agências fi-nanciadoras e empresas construtoras (BENINCÁ, 2011, p. 24 -25).

No Brasil, as hidrelétricas colaboram para o crescimento e desenvolvi-mento econômico do país. Nas regiões Sul e Sudeste conforme afirma Mello que “[...] a implantação de barragens foi principalmente direcionada para a produção de energia elétrica” (2011, p.20), ao contrário na região Nordeste essas barragens foram construídas para redimir a escassez de água. No ce-nário nordestino de produção de energia elétrica, a primeira usina foi im-plantada em Alagoas, chamada Angiquinho que funcionava com a força das águas da cachoeira de Paulo Afonso.

A usina de Angiquinho tinha o objetivo de fornecer energia elétrica ao setor industrial têxtil produtora da linha Estrela, além de iluminar sua vila operária, de propriedade do industrial Delmiro Gouveia, na localidade de Pedra, atualmente chamada Delmiro Gouveia em sua homenagem. Esse tipo de produção de energia elétrica necessita de água em abundância, acu-muladas para operação das usinas e, com isso, são criados reservatórios por meio do barramento de rios.

1 CRIAÇÃO DO ESPAÇO E O RESERVATÓRIO PARA GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

A região adequada à instalação de usina fica sujeita à intervenção, prin-cipalmente na área de implantação do reservatório, pois é necessário o bar-ramento do rio e consequente inundação, que traz impactos econômicos, ambientais e sociais dos quais podem ser enfatizados como: necessidade

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de desmatamento da área a ser inundada; inundação de extensas áreas de terra, inclusive agrícolas tornando as pequenas propriedades inviáveis eco-nomicamente; desalojamento de populações ribeirinhas rurais e urbanas; desestruturação de famílias de origem rural que muitas vezes são transfe-ridas para áreas muito distantes; destruição e modificação da fauna e flora, entre outros. Para tanto foi

preciso reconhecer que toda e qualquer obra de infraestrutura, não obstante sua utilidade pública impacta o meio ambiente – físico, biológico e social – e que, por isso, são necessárias com-pensações àqueles atingidos pelo empreendimento, que deve inserir-se de forma sustentável no contexto regional ao qual se incorpora (PORTO; NETO, 2011, p. 358)

O território brasileiro conforme Ross, “[...] é dotado de grande potencial para gerar energia elétrica a partir do aproveitamento dos caudalosos rios de terrenos planálticos” (1999, p.17). Uma das bacias detectadas com poten-cial hídrico para geração de energia elétrica foi a do rio São Francisco. Com o setor elétrico ocupando sua pasta, o Ministério da Agricultura – MA buscava formas de desenvolvimento no Nordeste, e assim a implantação de usina hidrelétrica que “[...] possibilitaria a irrigação das áreas ribeirinhas e também o início de industrialização do Nordeste, o que ainda não havia em outras partes do território nacional cuja economia era essencialmente agrícola” (MELLO, 2011, p. 168).

Na década de 20 do século passado, o MA por meio de seu Serviço Geo-lógico levantou a potencialidade hidroenergética do Rio São Francisco nos trechos entre Juazeiro – BA e Paulo Afonso – BA, e esse levantamento trouxe resultados positivos com perspectivas de construção de grandes centrais de geração de energia, inclusive bem maiores do que as existentes na época.

E ainda sobre os impactos causados para atender demandas de energia elétrica é importante destacar que:

A inundação das terras mais férteis do país, o deslocamento com-pulsório de milhares de famílias de camponeses, e povos indíge-nas, a alteração completa de ecossistemas aquáticos com efeitos desastrosos para a fauna e a flora das regiões afetadas pelos em-preendimentos são alguns dos efeitos desta política de geração de energia elétrica (STIPP, 1999, p. 89).

q Espaço, Relações de Poder e Território174

A acumulação de água, através do seu represamento, modifica ambientes, pessoas, culturas e economia. Assim, uma “nova” realidade é apresentada com a percepção de que o reservatório construído para geração de energia elétrica pode ser caracterizado como espaço, que irá existe para suprir demandas de consumo de energia relacionadas às necessidades da sociedade, e ainda ser considerado um espaço absoluto ao delimita-lo em área, na forma cartográ-fica e geográfica, bem como sua ligação com os membros da sociedade ao oferecer formas de uso, tais como: geração de energia elétrica; abastecimento público; irrigação; dessedentação de animais; turismo; pesca e piscicultura.

2. A IMPORTÂNCIA DO ESPAÇO NO PROCESSO DE DETERMI-NAÇÃO DO TERRITÓRIO

Quando se fala em território, não se pode deixar de lado a abordagem de espaço, pois, é um requisito para o território existir. Com vários significados a palavra espaço está presente nas mais diversas áreas do conhecimento, e com diferentes concepções. Pois, “[...] entre os astrônomos, matemáti-cos, economistas e psicólogos, entre outros, utiliza-se respectivamente as expressões espaço sideral, espaço topológico, espaço econômico e espaço pessoal” (CORRÊA, 2001, p.15).

No senso comum, o espaço pode ser considerado uma área, ou local em que se é preenchido por algo, ou então ocupado ou modificado a depender da necessidade. Para Milton Santos, o espaço é formado por objetos e ações que podem sofrer modificações. Com isso, ele parte de uma abordagem his-tórica, onde aponta que “[...] no começo era a natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos” (2006, p.39).

Os objetos formados sempre estão presentes na sociedade à medida que suas condições a atendem naquele momento, podendo ser em um longo ou curto espaço de tempo e até mesmo há quem não esteja passível a novos objetos e, com isso, tem comportamentos conservadores. Para Santos, “[...] algumas pessoas adotam a novidade em breve espaço de tempo, enquanto outras não reúnem as condições para fazê-lo, ou preferem recusá-la, perma-necendo com modelos anteriores” (2006, p.44). Por isso que de uma forma geral, a sociedade tende à inovação, em que surgem novas necessidades que precisam ser supridas.

Com a evolução, o homem vem se organizando e se inteirando com o es-paço por meio do trabalho e de suas necessidades, e consequentemente vai criando, modificando, abandonando, recriando e em constante atualização

Jaqueline Chaves da Silva; Gicélia Mendes; Genésio José dos Santos q 175

com o espaço de forma heterogênea, e este, também vai se modificando de forma desigual em relação ao tempo e a própria formatação. Pois,

apesar de, a sociedade estar cada vez mais mundializada/globa-lizada, não há uma homogeneidade de tempos e espaços; as re-lações entre as unidades que formam a totalidade dão origem a um desenvolvimento desigual entre os lugares, pois cada espaço apresenta um ritmo diferenciado de tempo; as inovações, o “de-senvolvimento” não atinge instantaneamente a todos os lugares (GALVÃO; FRANÇA; BRAGA, 2009, p.36).

O espaço se torna mundial, a partir de determinações de forças que se verificam em escala internacional, incentivando novas percepções de ne-cessidades, principalmente, com o auxílio da tecnologia, formando uma so-ciedade globalizada em constantes modificações. Nessa perspectiva, “[...] a intensificação das relações comerciais, induzindo à orientação da produção para a venda, é ao mesmo tempo um fator de alienação regional e de aliena-ção do homem” (SANTOS, 2007, p. 29).

Essa mundialização ou globalização que incentiva e promove relações comerciais vem modificando modos de vida, pois novas oportunidades são almejadas para seguir inovações que passam de forma rápida no cotidiano, e, geralmente, não atendem às necessidades estabelecidas pela globaliza-ção. Pois, “[...] num mundo em que as determinações se verificam em escala internacional, num mundo universalizado, os acontecimentos são coman-dados direta ou indiretamente por forças mundiais” (SANTOS, 2007, p.25).

O espaço também tem sua relevância na questão política, para delimi-tações dos Estados, de poder e hierarquia, e principalmente nos interesses, culturas, valores e classes. Historicamente, Albagli destaca que

a configuração de espaços nacionais ocorreu geralmente a par-tir do domínio e supremacia de um grupo local/regional sobre outros, e da subordinação de sistemas locais de poder, até então autônomos e independentes, por macro-unidades políticos terri-toriais em torno dos estados nacionais (ALBAGLI, 2004, p.47).

Então, o espaço passa a ser alvo de outros interesses e há necessidade de uma forma de apropriação através de atores que queiram explorá-lo que, “[...] podem ser definidos como indivíduos, grupos ou organizações de identidade própria, reconhecidos por outros, com capacidade de modificar

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seu ambiente de atuação” (NASCIMENTO, 2010, p. 95). Consequentemente, aquele espaço que antes era “insignificante” se torna alvo de conflitos em busca de sua modificação, exploração, ou até mesmo preservação, fazendo com que se torne um território, que conforme Souza, “[...] é fundamental-mente um espaço definido por e partir de relações de poder” (1995, p.78).

Desse modo, o reservatório se torna propício a conflitos em função de suas características que atraem diferentes interesses, por diversos atores so-ciais que projetam suas necessidades e as formas de atendê-las com o uso do potencial desse espaço.

Neste aspecto, uma das formas de apropriação do espaço é a piscicultura em tanques-rede que utiliza o espaço físico do reservatório, a água, para a produção de peixes de forma intensiva.

3.A FORMAÇÃO DE TERRITÓRIO A PARTIR DE CONFLITOS E RE-LAÇÕES DE PODER

A origem de um conflito inicia pela disputa de algo em comum entre os envolvidos em que o pleiteiam por distintos interesses. A busca do êxito na competição tem o objetivo de estabelecer de quem é o poder. As primeiras sociedades resolviam os conflitos com a força ou decisão dos grupos, porém eram frágeis, pois eram sempre pequenos uma vez que “[...] a força contra-punha grupos rivais, a cissipação era mecanismo usado nas ocasiões em que não se obtinha um consenso entre os notáveis do grupo” (NASCIMENTO, 2001, p. 85).

Posteriormente foram surgindo as Leis, tribunais e juízes, e os conflitos passaram a ser tratados através de normalizações sem ser preciso o uso da força para suas resoluções, apesar de ainda persistir essa forma de solução. E assim, Nascimento reforça que cada tipo de sociedade tem os seus conflitos e formas de resolução em que o “[...] conflito nas sociedades modernas ma-nifesta-se, assim de maneira substancial diferente das sociedades primitivas” (NASCIMENTO, 2010, p. 85).

Com o atual período capitalista, o poder depende de quem tem o controle e o desenvolvimento tecnológico, sendo na maioria das vezes somente uma minoria que o detém. Saquet e Souza (2009) destaca que esse poder e contro-le estão sob o domínio de poucas pessoas ou empresas, ou ainda grupos de pessoas. A depender dos interesses e necessidades de determinada socieda-de, e a forma em que ela está naquele espaço, seja por vontade própria ou por ter sido imposta, ela vai se organizando e buscando meios de adaptações e sobrevivência e como consequência também vai modificando o espaço.

Jaqueline Chaves da Silva; Gicélia Mendes; Genésio José dos Santos q 177

Tal modificação pode gerar potencialidades de ordem econômica, cul-tural e política que originam os conflitos devido à busca de apropriação de diferentes interesses com disputas e a consequente valorização daquele es-paço. E assim,

o espaço, portanto, tornou mercadoria universal por excelência. Como todas as frações do território são marcadas doravante, por uma potencialidade cuja definição não se pode encontrar senão a posteriori, o espaço se converte numa gama de especulações de ordem econômica, ideológica, política, isoladamente ou em conjunto (SANTOS, 2007, p. 30).

O território formado pela socialização do espaço passa a ser requerido para diversos usos, e com isso são geradas disputas que estabelecem as re-lações de poder para a determinação de quem é o domínio, que fazem do poder uma forma de adquirir privilégio em prol de sua comodidade.

Partindo de uma visão natural, os animais se territorializam devido à busca de abrigo e alimento para atender suas necessidades básicas, o ho-mem, também territorializou-se dessa forma, porém a evolução e constan-tes necessidades fizeram com que ele pudesse enxergar potencialidades em espaços vazios e modificam e moldam o espaço a seu critério. Os conflitos são gerados e assim, as relações de poder determinam de que forma que o território será apropriado. Maia, Oliveira-Neto e Bessa Júnior afirmam que “[...] apropriar-se e territorializar um espaço onde se projetou um trabalho revela relações marcadas pelo poder, pois o território se apoia no espaço” (2012, p. 03).

O território pode ser baseado também em conceitos das ciências natu-rais, como a biologia, em que está relacionado à área de proteção de ani-mais, de forma instintiva para reprodução animal no processo de seleção natural que se subentende que “[...] há interações de um grupo ou bando com uma certa área”, num sentido de local. Com essa abordagem, entende o território como área e recursos naturais, e verifica quatro formas de influên-cia da natureza sobre o homem:

a) como indivíduo, com corpo e espírito; b) acelerando ou difi-cultando a expansão de grupos étnicos; c) impondo condições geográficas que favorecem a miscigenação ou o isolamento e, d) influenciando na constituição social de cada povo, como recurso natural (RATZEL,1990 apud SAQUET , 2007, p. 30)

q Espaço, Relações de Poder e Território178

Ratzel se preocupa em relacionar o homem com a natureza exterior, e sua expansão no espaço, miscigenação e organização social que implica em constituir o Estado como “principal forma de poder e controle”. Então, natureza e Estado são termos-chaves em sua compreensão de território ao enfatizar que:

Pode-se, portanto aceitar como regra que uma grande parte dos progressos da civilização são obtidos mediante um desfrute mais perspicaz das condições naturais, e que neste sentido esses pro-gressos estabelecem uma relação mais estreita entre povo e ter-ritório (RATZEL, 1990, p. 70).

Reforçando, essa afirmativa, Castro, Gomes e Corrêa (2001, p. 18) abor-dam dois conceitos de Ratzel relacionados a território, em que um trata da apropriação de uma porção do espaço por um determinado grupo, e o outro conceito relacionado às necessidades territoriais de uma sociedade em fun-ção do desenvolvimento tecnológico, do total de população e dos recursos naturais.

E assim, Soares complementa que, “[...] o território não se entende ape-nas com entorno físico onde se desenrola a vida humana, animal e vegetal e onde são contidos os recursos materiais, mas compreende também a ati-vidade do homem que modifica esse espaço” (2009. p. 62). Possibilitando a diversificação, organização e transformação no espaço de modo a constituir o território. Ele passa, também, a ter funções básicas propícias à segurança e oportunidades que “[...] requerem uma organização interna do território bem como relações externas, de poder e de dominação. Assim, o território assume distintos significados para diferentes sociedades e/ou grupos sociais dominantes” (SAQUET 2007, p. 27).

É importante destacar a dinâmica da passagem do espaço para o território, enfatizando o produto, novo ambiente, originado de um espaço físico, modificado e transformado por meio da ação humana, sendo o espaço e as relações sociais complementares na formação do território. Pois,

o território é um dos principais conceitos que tenta responder à problemática entre a sociedade e seu espaço. Por isso, hoje, quando tanto se fala em enfraquecimento dessa relação, em perda de ‘valor’ do espaço na mediação das relações sociais, mais importantes se tornam rediscutir o território (HAESBAERTH, 2004, p.87).

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O estudo do território está sempre em transformação e alguns estudio-sos apontam suas interpretações e conceitos mediante debates coletivos formados por grupos da geografia. Devido a sua ligação com os fatores so-ciais, sua definição vai sofrendo modificações com o desenvolvimento da sociedade e suas transformações, com isso, o território é visto por várias di-mensões. Para Saquet,

O conceito de território e territorialidade sofre mutações ao lon-go do desenvolvimento social, econômico, político e cultural que o progresso técnico-científico-informacional nos proporciona, pois os conceitos mudam à medida que há alterações no de-correr do desenvolvimento da sociedade que, condiciona essas mutações na relação da teoria e da prática (SAQUET, 2009, p. 51).

Então discutir território é relativo e subjetivo, pois ele pode ser tratado somente como abrigo e segurança, ou pode ser usado para relações de apropriação e pertencimento de forma política ou administrativa, seguindo o modelo de sociedade e sistema organizacional tendo em vista seu pro-gresso e desenvolvimento local, regional e nacional.

4. APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO: O RESERVATÓRIO E A PISCICULTURA

Com os usos múltiplos do reservatório, o mesmo, sofre influência do ho-mem, na medida em que ele vai se apropriando do espaço. Essa ocupação está relacionada à busca de um lugar favorável para a atividade, atrelada à abundân-cia de água, proximidade dos centros urbanos, mercado ascendente e condi-ções ótimas para atender suas necessidades. Neste aspecto Duarte afirma que

no reservatório e em seu entorno próximo são criados novos postos de trabalho: na vigilância e conservação do reservatório; no aproveitamento hidroelétrico, se houver; na pesca comercial – muito importante – nos países quentes e em desenvolvimento, nos usos recreativos, e na conservação e exploração de zonas re-florestadas para a defesa contra a erosão (DUARTE,1999, p. 31).

Assim, o reservatório se torna espaço para o desenvolvimento da pisci-cultura na possibilidade de que a atividade seja oportuna para os empre-endimentos in locus. De acordo com Castro, Gomes e Corrêa (2001, p 36),

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“[...] no processo de organização de seu espaço o Homem age seletivamente [...] decide sobre um determinado lugar segundo este apresente atributos julgados de interesse de acordo com os diversos projetos estabelecidos”. As-sim, com a inundação cria-se outra realidade de disponibilidade de recursos hídricos com ambientes propícios à diversas atividades dentre elas está a piscicultura em tanques-rede que é praticada por meio de estruturas flutu-antes implantadas no próprio corpo hídrico.

Além da geração de energia os reservatórios das UHEs estão produzindo alimento de alto valor proteico por meio da criação de peixes em cativeiro, a piscicultura, que é uma prática antiga, com 4.000 a 5.000 anos de história, apesar disso somente nos últimos 30 anos que experimentou um significativo incremento, tornando-se a atividade agropecuária que mais cresceu no mun-do inteiro, como descreveu Zimmermann (2001). E ainda para Scorvo Filho,

A piscicultura foi considerada por muito tempo uma atividade complementar na propriedade. A falta de tecnologia, a incerteza de sucesso e mesmo a falta de regulamentação, faziam com que o produtor rural não tivesse a piscicultura como sua atividade principal. Mesmo a piscicultura em tanques-rede era divulgada como uma atividade que pudesse complementar a renda do pes-cador (trabalhando nas horas vagas e nos períodos de defeso). Essa situação mudou, e hoje muita gente tem na piscicultura sua única atividade ou sua principal fonte de renda (SCORVO FILHO, 2014, p. 37).

A atividade de piscicultura em tanques-rede necessita de água em abun-dância para seu desenvolvimento e com isso os projetos são instalados em reservatórios, açudes, barragens e rios que apresentem as características propícias às instalações de empreendimentos relacionados a quantidade de água suficiente, qualidade de água adequada à produção e a espécie a ser cultivada, acesso ao local de produção, além da disponibilidade de matérias--primas e insumos. Grande produção no Brasil está instalada em reservató-rios para produção de energia elétrica que também oferece características e disponibilidade hídrica para diferentes usos.

A maior parte das águas existentes no Brasil pertence à União. São mais de 5,5 milhões de hectares localizados em lagos e reservatórios de usinas hidrelétricas, além de 8, 5 mil quilômetros de costa. Parte dessa riqueza está sendo usada para a criação de peixes em cativei-

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ro, estimulando economias locais e contribuindo para a inclusão so-cial. (MINISTÉRIO DA PESCA E AQUICULTURA, BRASIL, 2009)

O reservatório, também oferta pescado oriundo da extração que é reali-zada pelos pescadores. Esse uso do reservatório com produção mediante a piscicultura e extração por meio da pesca provoca uma disputa de espaço, e com isso os piscicultores e pescadores vão se apropriando e demarcan-do suas áreas gerando conflitos entre esses atores sociais do reservatório. “Relações e classes sociais produzem diferentes territórios e espaços que as reproduzem em permanente conflitualidade” (FERNANDES, 2009, p.199).

O pescador, também é privilegiado com a água em abundância, ape-sar da diminuição dos estoques pesqueiros devido à limitação da re-produção dos peixes de piracema, a piscicultura atrai os cardumes, pois esses se aproximam das estruturas de cultivo devido à ração ofertada aos peixes de criação. Porém, o pescador fica restrito a se aproximar das áreas de cultivo, pois os piscicultores justificam que sua presença pode prejudicar a produção.

Segundo Maia, Neto e Bessa (2012, p 02), “[...] é importante salientar a pesca, haja vista o caráter social dessa atividade e o uso múltiplo dos reser-vatórios, característica essa que pode determinar a liberação destes corpos de água para cultivo de peixes”. Nesta perspectiva apesar de existir disputa pela mesma área entre o piscicultor e o pescador, uma nova realidade está sendo apresentada com a inserção do pescador na piscicultura como sua fonte principal de renda. Isso está relacionado aos baixos estoques pesquei-ros e a grande oferta de mão de obra, além do uso de suas próprias terras como estrutura de apoio para iniciar a produção.

Essa situação de procura por alternativas para complementação de renda acontece também na agricultura, conforme reforça Moreira “[...] a vivência histórica de precárias condições de produção e de competição nos mercados impõe, atualmente, aos agricultores familiares brasileiros a necessidade de procurarem diversificar as fontes de renda familiar” (2007, p. 95). Há, portanto, uma carência por alternativas complementares que os pescadores devem buscar para melhor sobreviver no seu território. Nem sempre o espaço presente no reservatório é suficiente para atender às de-mandas dos diferentes usos.

Nessas oportunidades para a complementação ou não da situação de vida dos piscicultores, um conjunto complexo de usos e usuários pode gerar embates entre interessados, defendendo seu ponto de vista sobre o uso da água e que pode ser caracterizado como conflito. Pois,

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a água não se encontra distribuída de forma homogênea em nos-so planeta e sua demanda é também heterogênea. Esse fato tor-na necessária uma eficiente gestão, de maneira que se contemple o uso múltiplo dos recursos hídricos, estando a água disponível em quantidade e qualidade suficientes para os interessados. Ela é um bem natural público (ALMEIDA; PEREIRA, 2009, p.86).

E assim, com a limitação dos recursos hídricos e por ser indispensável à vida com uma potencialidade para diversos fins, o homem vem disputando o uso da água em prol do seu interesse A forma de gerenciamento e o porte do empreendimento estabelece a diferença de atores que mantém relações de parceria para o desenvolvimento ou fortalecimento da atividade, assim como a existência de conflitos devido às disputas de área para a criação de peixes.

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CRIMES CONTRA A FLORA PRATICADOS POR PESSOAS JURÍDICAS EM SERGIPE

Ana Lúcia Oliveira Filipin; Laura Jane Gomes; Marcos Cabral de Vasconcelos Baretto

INTRODUÇÃO

No Brasil, a proteção da Flora encontra assento constitucional no Art. 225 §1º, VII, Constituição Federal, a qual determina ao Poder Público o dever de pro-teger este bem ambiental. Assim, toda e qualquer vegetação está sob a proteção Constitucional - Art. 225, (BRASIL,1998), assim como da legislação infraconsti-tucional, a exemplo das Leis 9.985 (BRASIL,2000) e 12.651 (BRASIL, 2012), den-tre outras. Em especial pode-se destacar a proteção das florestas. Em 1998, foi elaborada uma Lei Federal para enquadrar as condutas danosas contra a Flora como crimes ambientais, pois até então haviam somente algumas leis esparsas.

Em Sergipe o Diagnóstico Florestal (Sergipe, 2012) apresentou dados preocupantes no que diz respeito a Flora, em que sua área territorial de cobertura da vegetação nativa existente corresponde a apenas 13,03% da cobertura original.

Nesse contexto, a pesquisa fez uma análise da Lei 9.605 (BRASIL,1998) a partir da sua aplicação em casos concretos, estudados em autuações de infrações e crimes ambientais expedidos em fiscalizações do IBAMA/SE, cujo foco foi direcionado à efetividade da Lei.

O estudo voltado às Pessoas Jurídicas como agente causador do dano ambiental foi estimulado pela necessidade de avaliar como tem-se condu-zido a prática da Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas nos crimes ambientais, tema de intensa polêmica discutidos por doutrinadores de Di-reito Penal Ambiental.

Daí surge a necessidade de se conhecer as características das pessoas jurí-dicas degradadoras da flora no Estado de Sergipe, que foi possível neste estu-do, identificando-se os municípios e biomas envolvidos, tipos de danos contra a flora e área total envolvida, tempos de trâmite dos processos, atividades eco-nômicas e tipos de empreendimentos degradadores, multas pagas bem como porcentagem de reincidentes. Acredita-se que tais informações poderão sub-sidiar os órgãos ambientais a coibir ações futuras de forma mais efetiva.

Pretende-se também apresentar, para a sociedade em geral, como as pessoas jurídicas, apesar de serem em menor quantidade, podem gerar sig-nificativos impactos negativos à flora nativa, já escassa no Estado de Sergipe.

q Crimes Contra a Flora Praticados por Pessoas Jurídicas em Sergipe186

1. A RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS EM MATÉRIA AMBIENTAL

As responsabilidades previstas no art. 225 § 3º da Constituição Federal da República do Brasil (BRASIL, 1998) quanto aos danos ambientais são: ad-ministrativa, civil e penal.

Todo aquele que pratica um ato ilícito possui o dever de repará-lo. As-sim, no tocante à responsabilidade administrativa é peculiar a aplicação de pena. Entretanto, não configura essa pena uma infração penal, pois o Estado a aplica no exercício do seu poder administrativo e não jurisdicional (FREI-TAS, 2010, p.26). A Administração Pública, em virtude de sua competência Administrativa, detém o poder de fiscalizar e orientar a preservação do Meio Ambiente (LECEY, 2010, p.280).

A administração exerce vários tipos de poder, a exemplo do Poder Norma-tivo ou Regulamentar, Poder Discricionário, e por fim, o que mais se relaciona com o este estudo, o Poder de Polícia. É através do Poder de Polícia que a Res-ponsabilidade Administrativa em matéria ambiental se concretiza. O Poder de Polícia possui fundamento no Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o privado e pode ser exercido de forma preventiva ou repressiva.

De forma preventiva é denominada pela doutrina como Poder de Polícia Negativo, o que significa que a limitação da liberdade ou da propriedade do particular, constitui uma abstenção, uma obrigação de não fazer. Quando o administrado não observando o seu dever pratica ato ilícito, a Adminis-tração aplica a Responsabilidade Administrativa com o objetivo de coibir o dano causado, utilizando o seu Poder de Polícia Repressivo. Tal poder é do-tado de atributos tais como discricionariedade, autoexecutoriedade e como não poderia deixar de ser, a coercibilidade.

O Poder de polícia está previsto no artigo 78 do Código Tributário Na-cional - Lei 5.172 (BRASIL, 1966), e é considerado: Atividade da administra-ção pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependen-tes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e os direitos individuais ou coletivos.

Assim, no uso do seu Poder de Polícia, a Administração Pública relativiza determinados direitos individuais em prol de interesses coletivos, agindo de forma coercitiva para alcançar os seus fins. Entretanto, é importante desta-car que o Administrador Público investido em tal poder, deve exercê-lo com

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o devido cuidado, a fim de que não haja abusos ou excessos em suas deci-sões. Nesse sentido Deviller (2010, p. 46) afirma que “a autoridade investida no poder de polícia deve ser capaz de adaptar a gravidade da medida de polícia à gravidade do atentado [...]”, logo, busca-se uma justa medida em respeito à liberdade dos administrados em face do compromisso de zelar pela ordem, em sentido prático.

As infrações administrativas estão previstas no capítulo VI da Lei 9.605/98 (BRASIL, 1998) e em seu Decreto Regulamentador de Nº 6.514/2008 (BRASIL, 2008).

A Lei de Crimes e Infrações Ambientais foi elaborada com o intuito de re-gulamentar o art. 225 § 3º, C.F. (BRASIL, 1988), mas no que tange a Reponsa-bilidade Penal da Pessoa Jurídica, criou uma verdadeira celeuma, dividindo os estudiosos do Direito em diversas correntes doutrinárias, mas independente-mente dessas divergências, o fato é que o Brasil optou por responsabilizar cri-minalmente as pessoas jurídicas pela prática de crimes ambientais, pois além da Constituição e da Lei, o tema foi consolidado pela jurisprudência pátria.

2. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

O Estado de Sergipe (Figura 1) está localizado na Região Nordeste do Brasil e possui a menor área do país em extensão territorial, 21.910,348 km², abran-gendo 75 municípios. Os biomas predominantes são Caatinga e Mata Atlântica.

Possui uma divisão Administrativa regionalizada em territórios, totalizan-do oito territórios: Centro Sul, Grande Aracaju, Agreste Central, Alto Sertão, Baixo São Francisco, Leste, Médio Sertão e Sul (SEPLAG, 2008). Alguns territó-rios possuem vegetação diversificada com manguezais, restingas, manchas de cerrado ou vegetações típicas de Cerrado (SEPLAG, 2008).

O estudo partiu da análise de autos de infração ambiental ocorridos contra a Flora no Estado de Sergipe registrados em fiscalizações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), em que foram previamente selecionados autos de infração lavrados pelo órgão e que configuraram crimes cometidos por Pessoa Jurídica.

O IBAMA é uma Autarquia Federal, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, criada pela Lei 7.735 (BRASIL, 1989) e, possui como atribuições: exercer o poder de polícia ambiental, executar as ações supletivas de com-petência da União, executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, além de controle ambiental. (BRASIL, 1989).

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Foram analisados processos físicos na sede do IBAMA após solicitação formal de disponibilização dos autos para concretização desta pesquisa aca-dêmica.

A partir da informação do Banco de Dados institucional do IBAMA (doc. IBAMA), verificou-se no lapso temporal de 2000 a 2011 um total de 1805 autuações por Crimes Ambientais. Após a realização de uma triagem, foi possível selecionar somente os crimes contra a Flora, que totalizaram 1224.

Uma nova triagem foi realizada com o objetivo de identificar a Pessoa Ju-rídica como agente causador do dano ambiental, e identificar dentre as 1224 autuações referente a crime contra flora, quais correspondiam a Pessoa Jurí-dica. Chegou-se a um montante de 121 crimes. A partir de então foram sele-cionados 34 processos, cujas tipificações de crimes subsistiam em destruição, desmatamento e incêndio contra a Flora, com valores de multas variáveis, e ocorrências distribuídas em diferentes municípios do Estado de Sergipe.

Na solicitação de disponibilização dos processos para pesquisa, foram requeridos os 34 processos selecionados. Entretanto, somente 17 processos foram disponibilizados. Segundo a Assessoria do Gabinete do Superinten-dente do IBAMA, os 17 processos restantes eram antigos, não estavam di-gitalizados e não migraram para o sistema informatizado da autarquia. O Assessor justificou a dificuldade de localizar os processos físicos no arquivo devido à falta de pessoal para realizar a busca, e a dificuldade de localizá-los via sistema de protocolo.

A análise da via administrativa buscou essencialmente verificar se as multas foram recolhidas, e qual o tempo de duração do trâmite adminis-trativo até a satisfatividade do processo. O tempo foi contabilizado com as informações da data de início do processo e a data da última movimentação, na data da análise. Os dias computados levaram em consideração também os feriados e finais de semana. Realizou-se, também, alguns dados do perfil da Pessoa Jurídica como por exemplo, o ramo de atuação (madeireiras, cons-trutoras, cerâmicas, etc.), se há casos de reincidência, se apresenta recurso e pedido de reconsideração ou outras medidas protelativas.

A verificação da efetividade de uma lei é feita a partir da constatação de que estão sendo atendidas as finalidades para qual ela foi elaborada. Ao estabelecer as condutas que poderiam ser consideradas como crimes am-bientais, o legislador as elaborou com o objetivo de prevenir e reprimir tais condutas, evitando com isso uma exploração predatória do homem sobre os recursos naturais

A exemplo de LAZZARINI, et.al. (2014) o presente trabalho gerou uma projeção da devastação ocasionada por estes crimes ambientais na flora do

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Estado de Sergipe em formato de mapa. Foram recolhidas as coordenadas geográficas dos municípios onde ocorreram os crimes ambientais e a partir destes dados gerou-se a caracterização da devastação. Para realizar esta ca-racterização foi utilizado o software QuantumGis versão 2.2.

Os casos selecionados para este estudo se referem aos autos de in-fração lavrados referentes ao desmatamento de vegetação nativa (Mata Atlântica), supressão de manguezal em área de preservação permanen-te e o crime de provocar incêndio em área de cobertura vegetal encon-tram-se tipificados na Lei 4771 (BRASIL, 1965) vigente à época do co-metimento dos ilícitos e possuem tipos correspondentes na Lei 9.605 (BRASIL,1998).

Com o auxílio do software epi info 3.5.6 os dados foram analisados. Gráfi-cos e tabelas foram gerados com a utilização da ferramenta Excel 2010, com isso foi possível destacar informações quanto a percentuais de realização de Planos de Recuperação, percentuais de condenação em primeira e segunda instâncias, de recolhimento de multas, frequência dos crimes, biomas mais afetados, origem das fiscalizações, situação das defesas, empreendimento, atividades econômicas e reincidência das pessoas jurídicas.

Embora as informações sejam públicas, para a consecução deste tra-balho, o estudo requereu autorização do Comitê de Ética de acordo com a Resolução CNS 466/12, assumindo o compromisso dos pesquisadores em preservar os nomes das razões sociais das Pessoas Jurídicas envolvidas, e de seus representantes legais, assim, os nomes foram substituídos por núme-ros. A autorização foi concedida em Relatório Consubstanciado do Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Sergipe sob o nº CAAE 37904414.6.0000.5546.

3. CARACTERÍSTICAS DOS DANOS AMBIENTAIS

Os danos ambientais ocorreram em oito municípios, no período de 2000 a 2012. Estância, quatro ocorrências, totalizando uma extensão do dano de 25,4 hectares. Itaporanga D’Ajuda houve três ocorrências contabilizando um dano ambiental de 165,5 hectares. Em Aracaju três ocorrências totalizan-do 3,33 hectares. Em Neópolis houve três ocorrências totalizando 50,1 hec-tares. Em Poço Verde o dano foi de 1,2 hectares, em Areia Branca a extensão do dano foi de 3,0 hectares. Em Japaratuba foi de 82,2 hectares e, finalmente em Nossa Senhora do Socorro foi de 20 hectares. Ao somar a extensão em hectares de todos os municípios onde ocorreram os crimes ambientais, che-gou-se a um total de 276,3 hectares (Figura 1).

q Crimes Contra a Flora Praticados por Pessoas Jurídicas em Sergipe190

No Município de Areia Branca o crime praticado foi o de provocar incên-dio (Processo 11), em Neópolis houve a prática do crime de Desmatamento de vegetação nativa, (Processo 15), as demais ocorrências consistiram em destruição de vegetação nativa.

Figura 1. Localização dos municípios estudados em que ocorreram os danos ambientais e suas respectivas áreas de extensão (ha), no período 2000 a 2011.

Fonte: Cleverton dos Santos

Tanto o bioma Caatinga como o bioma Mata Atlântica foram afetados. No caso da Mata Atlântica, constatou-se, pelos autos de infração, vários ecossistemas degradados, que foram caracterizados como vegetação natu-ral de mangue, restinga e vegetação natural às margens de rio, consideradas pelo Código Florestal vigente à época dos crimes – Lei 4.771 (BRASIL, 1965) como Áreas de Preservação Permanente.

Nos casos analisados foi possível identificar os biomas e ecossiste-mas (Quadro 1) e números percentuais. No Bioma Caatinga houve ape-nas uma ocorrência de crime ambiental, totalizando 5,9%. Já no Bioma Mata Atlântica ocorreram 16 autuações de crime ambiental, totalizando um percentual de 94,1%. No que diz respeito aos ecossistemas, verifi-cou-se cinco casos descritos nos autos de infração com a exclusiva deno-minação de Mata Atlântica, 29,4%, uma ocorrência em vegetação nativa em margem de rio Caatinga 5,9%, três autuações em vegetação nativa à margem de rio (área de APP), com o percentual de 17,6%, uma ocorrên-cia em vegetação nativa fixadora de dunas, 5,9%, duas ocorrências em

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vegetação natural de mangue, 11,8% e cinco ocorrências em vegetação natural, restinga, contabilizando 29,4%.

Quadro 1. Descrição dos biomas, ecossistemas e/ou fisionomias afetados de acordo com os autos de infração analisados nesta pesquisa.

Flora AfetadaBiomas N %A) Caatinga 1 5,9B) Mata Atlantica 16 94,1B.1 ) Vegetação Mata Atlantica 5 29,4B.2) Vegetação Nativa /Margem de Rio/Caatinga 1 5,9B.3) Vegetação Nativa Em Margem de Rio (App) 3 17,6B.4) Vegetação Nativa Fixadora de Dunas 1 5,9B.5) Vegetação Natural/Mangue 2 11,8B.6) Vegetação Natural/Restinga/Mata Atlantica 5 29,4Total 17 100

Nos processos analisados, os crimes contra Flora (Figura 2), consistiam nos seguintes tipos de danos: Provocar incêndio 5,90%, desmatamento 17,70%, e o de maior incidência, crime de destruição 76,60%.

Figura 2: Tipos penais de crimes ambientais contra a flora realizados por pessoa jurídica no Estado de Sergipe, no período de 2000 a 2011.

Fonte: Pesquisa.

No tocante à situação em que se encontravam os processos, ou seja, se em andamento ou concluídos e também o tempo em que estavam tramitando fo-ram cruciais para o estudo da efetividade da Lei de crimes ambientais, nestes casos concretos, pois a celeridade e o tempo gasto para solução do processo administrativo são imprescindíveis para se fazer chegar ao cumprimento Lei.

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Assim pode-se constatar (Quadro 2) que os processos foram origina-dos dentro de um lapso temporal compreendido entre 2000 a 2011 e que dos 17 analisados, apenas um foi concluído, até a data da análise, estando os demais ainda em andamento. Ao realizar a média aritméti-ca da duração dos processos, chegou-se a uma média de sete anos de duração dos processos, entretanto, estes dados não seriam fidedignos, uma vez que dos 17 processos, 16 ainda encontram-se em andamento. O processo de maior duração encontra-se com 13 anos, teve início em 2000 e ainda não foi concluído.

Quadro 2. Ano em que ocorreu o dano, duração em anos e situação em agosto de 2014.

Processo Ano em que ocorreu o dano Duração em anos Situação1 2003 9 Em andamento2 2003 9 Em andamento3 2003 9 Em andamento4 2003 9 Em andamento5 2004 9 Em andamento6 2006 8 Em andamento7 2010 4 Em dandamento8 2007 6 Concluído 9 2008 6 Em andamento

10 2008 4 Em andamento11 2001 12 Em andamento12 2011 1 Em andamento13 2007 7 Em andamento14 2006 8 Em andamento15 2000 13 Em andamento16 2000 5 Em andamento17 2010 4 Em andamento

Fonte: Pesquisa.

As atividades econômicas das Pessoas Jurídicas, sujeitos ativos dos cri-mes ambientais, foram distribuídas nos seguintes tipos e respectivos per-centuais: Produção e Industrialização de frutas (5,90%); Prefeitura Municipal (direito público) (5,90%); Assessoria imobiliária (5,90%); Agropastoril (5,90%); Agricultura e Pecuária (5,90%) Indústria de celulose e papel (11,80%); Agri-cultura e Indústria (11,80%), Construção Civil (17,70%) e empreendimentos imobiliários (23,50%) (Figura 3).

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Figura 3. Atividades econômicas exercidas pelas pessoas jurídicas e respectivos per-centuais dos crimes contra a flora em Sergipe entre o período de 2000 a 2011

Fonte: Pesquisa.

Nas atividades econômicas exercidas pelas pessoas jurídicas, pode-se cons-tatar que nos processos analisados, existiam pessoas jurídicas de todos os ramos empresariais, ou seja, comercial, industrial, rural e de prestadoras de serviços.

No que diz respeito à expansão urbana como elemento motivador da prática de crimes ambientais contra flora, pode-se enquadrar a Construção Civil e a Assessoria Imobiliária que praticaram 23,50% das condutas delituo-sas; o setor agropastoril contribuiu no total com 41,20%, esclarecendo que pessoa jurídica cuja atividade foi classificada como de empreendimentos imobiliários, a conduta delituosa foi para o empreendimento de abertura de estrada em zona rural, logo, seu enquadramento ficou no segmento agro-pastoril; já o setor industrial cometeu com 11,80% dos crimes, os setores que envolviam dois segmentos como agricultura e indústria praticaram 11,80% dos crimes e por fim a Prefeitura, pessoa jurídica de Direito Público, praticou 5,90% dos crimes ambientais (Quadro 3).

Destaca-se neste enquadramento o considerável percentual de crimes ambientais contra flora causados por empreendimentos e/ou atividades econômicas ligadas ao agronegócio de 41,20%, o que leva-se a concluir que a atividade em zona rural para fins econômicos, como a agricultura, pecuá-ria e agroindústria tem contribuído significativamente para causar impactos ambientais negativos à Flora com a prática de crimes ambientais.

No cenário político o envolvimento da bancada ruralista na aprovação do Novo Código Florestal (BRASIL (2012), foi marcada em meio a polêmicas, dentre elas, o fato de que as discussões acaloradas no Congresso Nacional não tiveram um alicerce nem mesmo em um pré-projeto elaborado por uma comissão de técnicos e juristas, que permitisse um nível de discussão mais produtivo para a sociedade brasileira (ANTUNES, 2014).

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Quadro 3. Enquadramento da atividade econômica e respectivos percentuais dos da-nos nos crimes contra flora em Sergipe de 2000 a 2011

Causa do dano Especificação da atividade econômica %

Expansão urbanaConstrução civil 17,6Assessoria imobiliária 5,9

Setor AgropastorialAgricultura e pecuária 5,9Produção de estrada em zona rural 23,5Agroindustrial 5,9

Setor industrial Papel e celulose 11,8Setor com mais de um segmento Agricultura e indústria 11,8Serviço Púlbico Prefeitura 5,9Total 100%

Fonte. Pesquisa.

Os agentes causadores dos crimes ambientais analisados neste trabalho, são Pessoas Jurídicas, por isso a apresentação dos seus atos constitutivos, é condição primordial para análise das suas defesas, sendo indispensável ao processo, sob pena de não terem suas defesas conhecidas. Portanto, estan-do os atos constitutivos no processo, foi possível identificar a natureza jurí-dica das empresas que se apresentaram na forma de Sociedade Anônima - S/A, Limitada – LTDA e de Direito Público – Prefeitura Municipal. Após visita a Junta Comercial do Estado de Sergipe-JUCESE, foi possível constatar que umas das empresas autuadas se encontrava na condição de cancelada.

Os empreendimentos que motivaram a prática de crime ambiental (Fi-gura 4), vão de abertura de estradas (26,70%); Plantio de Cana de açúcar (13,30%); Plantio de eucaliptos (13,30%) Aquicultura (6,70%); Construção de Condomínio Residencial (6,70%); Construção de barragens (6,70%); Constru-ção de prédios (6,70%); Formação de pastagens (6,70%); Loteamentos resi-denciais (6,70%); e por fim Plantio de frutíferas (6,70%).

A abertura de estradas foi a atividade que mais contribuiu como empre-endimento causador do dano ambiental, por se tratar de uma Pessoa Jurídi-ca reincidente que gerou quatro autos de infração. Entretanto, ao considerar a extensão do dano em hectares como fator destaque, o empreendimento Aquicultura chegou ao topo, pois em apenas um auto de infração, foi des-truído 118,5 hectares de vegetação nativa em propriedade localizada no município de Itaporanga D’ajuda, enquanto que os quatro autos de infração referentes a abertura de estradas somaram um total de 25,4 hectares em propriedades localizadas no município de Estância.

No que diz respeito ao plantio de cana-de-açúcar, foi observado que vi-sando a ampliação da área de plantio, a Pessoa Jurídica foi capaz de drenar

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uma lagoa às margens do Rio São Francisco, intervindo em seu fluxo. As agressões ao meio ambiente afrontam a legislação ambiental de forma mui-to intensa, uma vez que na época em que ocorreu o crime, vigorava a Lei 4771 (BRASIL,1965) contemplando expressamente em seu texto que consi-deram-se de preservação permanente a vegetação natural situada ao redor de lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais (art.2º, a -4, b).

Figura 4: Empreendimento causador do crime ambiental, em porcentagem.

Fonte: Pesquisa.

O percentual de reincidência nos processos analisados foi de 41,20%, (Fi-gura 5) um percentual relativamente alto, a considerar que se trata de ape-nas 17 processos.

Figura 5: Reincidência em crime ambiental dos crimes contra flora no Estado de Sergi-pe, no período de 2000 a 2011.

Fonte: Pesquisa.

A reincidência em matéria ambiental é prática repetida de crimes am-bientais pelo mesmo autor, ou seja, mesmo sujeito ativo. Para maior segu-

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rança jurídica e respeito a ampla defesa, o autuado só poderá ser consi-derado com reincidente em crime ambiental quando houver condenação transitada em julgado em um dos crimes ambientais, o que significa dizer que é necessário que um dos crimes já tenha sido julgado e contra a decisão não caiba mais recursos ou impugnações.

Um percentual de reincidentes alto leva-se a acreditar que os instrumen-tos e coerção para a prevenção do dano, ainda não estão sendo suficientes para impedir que o condenado pela prática de crime ambiental volte a pra-ticar novos ilícitos.

Os autuados reincidentes estão focados no lucro que podem auferir com a atividade degradadora, a certeza da impunidade e o lucro fácil estimula a reincidência. A legislação ambiental, apesar de ser considerada de vanguar-da não é lavada a sério e as multas aplicadas na esfera administrativa não são recolhidas aos cofres públicos.

No tocante ao recolhimento das multas aplicadas tem-se que, nos proces-sos analisados, 5,90% das multas foram recolhidas por meio de cobrança judi-cial ajuizada pelo IBAMA através de Execução Fiscal; 23,50% das multas foram recolhidas voluntariamente; 5,90% não consta informação quanto ao recolhi-mento ou não da multa e 64,70% das multas não foram recolhidas (Figura 6).

Figura 6: Situação do recolhimento de multas por crimes ambientais praticados por pessoa jurídica

Fonte: pesquisa.

As Pessoas Jurídicas que não efetuaram o pagamento das multas continu-am em situação irregular, pois mesmo com o longo trâmite do processo, em nenhum caso houve a declaração da prescrição da multa ou qualquer tipo de anistia. Sobre o recolhimento de multas tem-se que o Tribunal de Contas da União em levantamento das multas aplicadas nos anos de 1998 a 1999 consta-tou que apenas 14% delas foram recolhidas aos cofres púbicos (BRITO, 2005).

Ana Lúcia O.Filipin; Laura Jane Gomes; Marcos Cabral de V. Baretto q 197

Dentre os 17 (dezessete) processos analisados foi constatado um baixo percentual de multas pagas. Apenas 23,50% foram recolhidas, esse desem-penho pode ser atribuído aos seguintes fatores: lapso temporal de duração do processo, muitos deles ainda não foram concluídos e encontram-se em trâmite, embora tenham sido iniciados há muitos anos (2000/2003/2004); Excesso de medidas protelatórias utilizadas pelos autuados, sob o manto do Devido Processo Legal e da Ampla Defesa; excessiva demora de atendimen-to aos despachos entre setores do próprio IBAMA. Foi identificado despa-chos atendidos com um intervalo de até 2 (dois) anos, absolvição dos autu-ados na esfera criminal e ausência de procedimentos judiciais de cobrança como por exemplo, a Execução Fiscal.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos processos de crimes contra flora, realizados neste trabalho, de-monstram que a finalidade da Lei 9.605/98 não está sendo atendida a contento. A satisfatividade do processo administrativo, gerado a partir de uma constata-ção de crime ambiental, encontra-se voltada para o atendimento das sanções aplicadas pelo órgão fiscalizador. Sanções estas que coadunam-se com as nor-mas de exploração racional buscando-se a sustentabilidade da natureza.

São diversos os setores econômicos das pessoas jurídicas que comete-ram crimes contra a flora no Estado de Sergipe durante o período estudado, porém a setor rural foi o que mais contribuiu para a destruição da vegetação.

O fato do bioma Mata Atlântica ter tido o maior número de processos não quer dizer o que não esteja ocorrendo degradação no bioma Caatinga.

Lamentavelmente o percentual de multas recolhidas e de áreas recupera-das foi ínfimo, o que denota o não cumprimento das penas aplicadas pelo IBA-MA. Além disso a maioria dos processos não foram concluídos, muito embora tenham iniciado há muitos anos, o que comprova a morosidade processual.

Para que a responsabilidade administrativa ocorra de forma satisfatória, se faz necessário que os órgãos ambientais revejam seus procedimentos e procurem dar maior celeridade aos processos naquilo que lhes compete, pois de nada adianta ter uma legislação ambiental de vanguarda se ela não é eficazmente aplicada.

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LEGISLAÇÃO AMBIENTAL: SUBSÍDIO PARA A CONSERVAÇÃO DAS CACTÁCEAS NATIVAS

Eronides Soares Bravo Filho; Adauto de Souza Ribeiro; Ivana Silva Sobral.

INTRODUÇÃO

As cactáceas são plantas xerófilas, perenes e encontram-se dispersas em uma ampla diversidade de clima, solo e ecossistemas, com maior ocorrência na Caatinga, Florestas Tropicais, Cerrado, Campos rupestres e Restingas (CRUZ, 2011; SBRISSA et al., 2012; LVFB, 2013). Em virtude da grande diversidade mor-fológica, são subdivididas em quatro Subfamílias, a saber: Maihuenoideae, Pereskeoideae, Opuntioideae e Cactoideae e botanicamente distribuídas em 127 gêneros e aproximadamente 1500 espécies (LUCENA et al., 2012).

Esse grupo de plantas, pela sua peculiaridade, tem sido exaustivamente exploradas em uma ampla variedade de usos, a exemplo da utilização como: forragem, ornamentação, medicinal, no misticismo, na produção de alimen-tos, na fabricação de objetos, produtos de cosméticos e para abastecer o mercado de sementes e de plantas, que por vezes é ilegal (BRAVO FILHO, 2014; LUCENA et al., 2015; MENEZES et al., 2015).

O fato, é que, poucas espécies são cultivadas com a finalidade de suprir os seus usos, os espécimes são retirados diretamente da natureza sem se levar em consideração sua resiliência (PAN, 2011; LVFB, 2013). Acrescido a isto, os habitats de ocorrência das cactáceas vêm sendo historicamente frag-mentados, principalmente para a implantação de atividades agropastoris, assentamentos urbanos, extração de recursos naturais e mais recentemente o agronegócio, fato recorrente não só no Brasil como em outros países da América Latina (PAN, 2011; LVFB, 2013, MENEZES et al., 2015).

Apesar da importância econômico-cultural das Cactaceae e do cenário de riscos, atualmente, não se observam estudos voltados para a ampliação, discussão e criação de dispositivos específicos na legislação ambiental bra-sileira que assegurem a ampliação do conhecimento (diversidade e domínio fitogeográfico) e proteção das cactáceas nativas no Brasil (PAN, 2011).

A carência de dispositivos legais específicos e informações sobre as cac-táceas, contribuem para limitar a criação de políticas públicas de defesa e de um melhor aproveitamento econômico-cultural deste grupo de plantas, que é símbolo cultural do Nordeste brasileiro (PAN, 2011; PILETTI, 2011; SOUZA et al., 2013; BRAVO FILHO, 2014; LUCENA et al., 2015; MENEZES et al., 2015).

q Legislação Ambiental200

Desta forma, o objetivo deste trabalho foi identificar dispositivos na legislação ambiental brasileira que possam contribuir para a proteção das cactáceas nativas, além de propor ações para a ampliação do conhecimento fitogeográfico e da diversidade deste recurso genético no Brasil, facilitando, assim, a tomada de decisões em relação ao desenvolvimento de estratégias de conservação.

1 METODOLOGIA

O procedimento metodológico utilizado neste trabalho foi pesquisa documental e bibliográfica, cujas fontes de dados foram a legislação am-biental brasileira; artigos, dissertações, teses e livros; arquivos do Herbário da Universidade Federal de Sergipe (ASE), o Livro Vermelho da Flora do Bra-sil (LVFB), o Plano de Ação para a Conservação das Cactaceae (PAN), a Leiº 12.651, de 25 de maio de 2012 e os seguintes sites: SPECIES LINK, União In-ternacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Her-bário Virtual da Flora e dos Fungos (INCT).

O tipo de pesquisa utilizada foi a qualitativo/descritiva, a escolha deste método, se deve ao fato desta pesquisa estar ligada a aspectos conceituais, subjetivos e explícitos. Desta maneira, será possível uma maior abrangência no esclarecimento dos dados pesquisados, propiciando desta forma a fun-damentação dos dados descritos. O método utilizado foi o indutivo, visto a necessidade de se fazer uma análise minuciosa de várias correntes conceitu-ais para se chegar a uma situação específica.

2. OS CACTOS NO BRASIL E EM SERGIPE

No Brasil, atualmente, ocorrem 39 gêneros e mais de 260 espécies de cactáceas descritas, número que corresponde, respectivamente, a 39% e 17,2% da diversidade mundial, e destas, 187 são endêmicas (TAYLOR et al., 2015). Número que faz do Brasil o terceiro maior centro em diversida-de de cactáceas do mundo, local que ocorre todas as subfamílias Cactaceae com exceção da Maihuenoideae, ficando atrás apenas do México e Sul dos Estados Unidos, que juntos detêm 50 gêneros e 550 espécies registradas, formando a maior diversidade mundial e como centro secundário de diver-sidade vem a região dos Andes que inclui Peru, Bolívia, nordeste do Chile e Argentina (HUGLES, 2009; PAN, 2011; LVFB; 2013; BRAVO FILHO, 2014; ME-NEZES et al., 2015).

Eronides Soares Bravo Filho; Adauto de Souza Ribeiro; Ivana Silva Sobral q 201

As regiões fitogeográficas brasileiras são marcadas pelo alto grau de di-versidade de cactáceas endêmicas, (PAN, 2011; LVFB, 2013). A Caatinga, ecos-sistema exclusivamente brasileiro, abriga o maior número de endemismo no país, pois, concentra 12 gêneros, 80 espécies e 30 subespécies; seguido pelo Cerrado que detém 11 gêneros 67 espécies e 28 subespécies; a Mata Atlântica com 7 gêneros, 62 espécies e 25 subespécies; o Pampa com 1 gênero, 12 espé-cies e 10 subespécies; o Pantanal com 1 gênero, 4 espécies e 1 subespécie; e a Amazônia com 1 espécie (BRAVO FILHO, 2014; ZAPPI et al., 2014).

O Estado da Bahia, localizado na região Nordeste do Brasil, apresenta a maior densidade populacional de Cactaceae no Brasil, desta forma, é conside-rado o centro primário de diversidade no país (PAN, 2011; BRAVO FILHO, 2014). Em Sergipe, estado nordestino que se limita ao Sul com a Bahia, a Caatinga ocupa uma área de aproximadamente 10.395 km2, número que corresponde a 49% do território Sergipano (PIVA & CAMPOS, 1995 e IBGE, 2004; PAN, 2011).

Em relação à diversidade de cactácea, no Estado de Sergipe ocorrem to-das as subfamílias, com exceção da Maihuenoideae que é típica de locais de alta altitude como Andes argentino e Chile (BRAVO FILHO, 2014). Atualmente no território sergipano, encontram-se descritos 11 gêneros, 22 espécies e 10 subespécies de cactáceas, quantidade correspondente a 28,2% dos gêneros e 8,1% das espécies que ocorrem no Brasil (ZAPPI et al., 2014; BRAVO FILHO, 2014). A subfamília Pereskeoideae apresenta a menor representação de cac-tos do Estado, contendo apenas uma espécie (Pereskia aculeata Mill.). Já a sub-família Opuntioideae possui três gêneros, 6 espécies e uma subespécie descri-ta, números que correspondem respectivamente a 20% e 2% da diversidade mundial (SPECIES LINK, 2014; BRAVO FILHO, 2014; ZAPPI et al., 2014).

Dentre as três subfamílias que ocorrem em Sergipe, a Cactoideae é a que apresenta a maior diversidade, pois, possui um total de 7 gêneros, 14 espécies e 10 subespécies descritas, números que correspondem respectivamente a 17,5% e 7% dos gêneros que ocorrem no Brasil e mundialmente (SPECIES LINK, 2014). Em relação às espécies essa proporção alcança 5,4% das que ocorrem no Brasil e 0,94% da diversidade mundial (ZAPPI et al., 2014; TAYLOR et al. 2014).

As cactáceas ocorrem em todo território sergipano, contudo a maior ocorrência e diversidade de gêneros e espécies encontra-se na região Oeste do Estado, também conhecida como Sertão (SPECIES LINK, 2014). Nesta re-gião o somatório da diversidade dos gêneros e das espécies nos principais municípios de ocorrência desta família atinge mais de 50% da diversidade estadual (SPECIES LINK, 2014; BRAVO FILHO, 2014; ZAPPI et al., 2014).

Atualmente, tanto o Livro Vermelho da Flora do Brasil (2013) como o Ministério do Meio Ambiente MMA (2014) citam 76 espécies de cactáceas

q Legislação Ambiental202

como ameaçadas de extinção. Destas, 10 pertencem ao gênero Melocactus, sendo que duas fazem parte da flora do Estado de Sergipe, uma é o M. viola-ceus, nativa do estado e ocorre no bioma restinga, esta espécie encontra-se com o status de vulnerável (VU). A outra é o Melocactus sergipensis, única espécie de Cactaceae endêmica do Estado, descoberta em 2014 em uma pe-quena mancha de Caatinga no município de Simão Dias por Eronides Soares Bravo Filho, aluno do mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFS) e encontra-se com o status de criticamente ameaçada de extinção de acordo com critérios da IUCN (MMA, 2014; SPECIES LINK, 2014; BRAVO FILHO, 2014; TAYLOR et al. 2014).

3. IMPORTÂNCIA ECONÔMICO-CULTURAL E RISCOS ÀS CACTÁCEAS NATIVAS

No nordeste brasileiro as cactáceas têm sido, historicamente, objeto de inspiração para retratar a fé e o sofrimento do povo sertanejo, na busca da superação das condições adversas da região, e esse sentimento é externa-do através de canções como o “Xote das meninas” de Luiz Gonzaga, músi-ca inspirada nas pessoas que observam a fenologia do mandacaru (Cereus jamacaru DC.) como bioindicador de chuva para tirar conclusão sobre a sua aproximação e a frequência no decorrer do ano (ANDRADE, 2008; ALBU-QUERQUE et al., 2010; LUCENA et al., 2015). Além de canções, as cactáceas são constantemente utilizadas como fonte de inspiração para produção de cordéis, poemas como o “O Cacto” de Manuel Bandeira e romances a exem-plo de “Vidas Secas” de Graciliano Ramos (BRAVO FILHO, 2014).

As cactáceas também são amplamente utilizadas na medicina tradicio-nal por indígenas e curandeiros em rituais religiosos, na ornamentação, na produção de produtos cosméticos, na construção de objetos, na alimenta-ção de rebanhos, na gastronomia regional, na veterinária e também como alucinógeno (ANDRADE, 2008; BRAVO FILHO, 2014, PORTAL et al., 2014; LU-CENA et al., 2015).

Com o desenvolvimento socioeconômico, observa-se uma crescente de-gradação do meio ambiente, e as plantas são as primeiras afetadas, pois são suprimidas por vários motivos a exemplo do desmatamento, extrativismo, construção de estradas, extração de areia, mineração e queimadas. Estas ações afetam diretamente diversos serviços ecossistêmicos necessários à es-tabilidade da biodiversidade e que são pré-requisitos para a sobrevivência e bem-estar do homem (HUCHES, 2009; PAN, 2011; SBRISSA et al., 2012; LVFB, 2013).

Eronides Soares Bravo Filho; Adauto de Souza Ribeiro; Ivana Silva Sobral q 203

As aludidas ações impactantes provocam a redução drástica na diversi-dade biológica, que é comprovada pelo número crescente de espécies da flora brasileira inclusas nas Listas das Espécies com Risco de Extinção (1968, 1980, 1992, 2008) no intervalo de quatro décadas (ALBUQUERQUE et al., 2010; SBRISSA et al., 2012; SEMARH, 2012).

Ecossistemas brasileiros como a Caatinga, Restinga, Mata Atlântica e o Cerrado que são os mais importantes em diversidade de cactáceas no país, encontram-se altamente suprimidos e alterados pela ação antrópica insus-tentável (PAN, 2011). A Caatinga, vegetação onde ocorre o maior número de cactáceas em diversidade e endemismo, encontra-se fragmentada e as consequências desta ação é a redução e isolamento de várias espécies, fato que culmina com número ascendente de espécies desse bioma que são in-cluídas na lista das espécies ameaçadas de extinção (CRUZ, 2011; OLIVEIRA, 2012; SEMARH, 2012; LVFB, 2013).

No Estado de Sergipe essa fragmentação é agravada por queimadas, desmatamentos para a introdução de atividades agrícolas, produção de lenha e carvão (SEMARH, 2012; FAPESP, 2013; LVFB, 2013; BÁRBARA et al., 2015). A lenha e o carvão são destinados a suprir a necessidade energética industrial local e são utilizadas principalmente por cerâmicas, padarias, ca-sas de farinha e indústrias de sucos (SEMARH, 2012; FAPESP, 2013).

A supressão da vegetação não é a única ameaça que circunda as cactá-ceas, pois a redução no número dos espécimes é potencializada através da coleta extrativista para serem utilizados na ornamentação, na fabricação de doces e na utilização como forrageiro e como planta medicinal (CRUZ, 2011; LUCENA et al. 2015).

Outra situação preocupante é a subtração das cactáceas de forma pre-datória durante as secas para servir de alimentos aos bovinos, pois elas são retiradas de seu habitat em grande quantidade sem que haja um manejo sustentável (CAVALCANTI, 2007). Em face da crescente degradação das cac-táceas e dos ambientes de sua ocorrência, fica evidente a necessidade de promover um desenvolvimento voltado para a sustentabilidade dessa plan-ta, sob pena dessa espécie ser extinta do seu ambiente natural.

4. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A CONSERVAÇÃO DAS CACTÁ-CEAS NATIVAS

Desde o início da colonização do Brasil a natureza é vista como obstáculo ao desenvolvimento. Mais de quinhentos anos depois, percebe-se que esta visão ainda perdura, uma vez que, neste intervalo de tempo o bioma Mata

q Legislação Ambiental204

Atlântica que é considerado patrimônio nacional e possuidor de uma das maiores taxas de biodiversidade do mundo, foi reduzido para apenas 7,84% de sua cobertura original, número que faz deste bioma o segundo mais ameaçado do planeta (MACHADO, 2013). Outras vegetações nativas brasi-leiras fazem parte desta triste realidade como a Caatinga, Cerrado, Campos rupestres, Pantanal, Mangue, Pampa e a Restinga (BRAVO FILHO, 2014).

Objetivando proteger a vegetação nativa brasileira, foi criado em 1934 no governo de Getúlio Vargas, o Código Florestal Brasileiro sob Decreto nº 23.793, trazendo dispositivos claros de proteção à vegetação nativa, assim como, as áreas de risco eminentes que são: regiões propícias a inundações e deslizamento de terra (MADEIROS, 2006). Neste decreto, foi assegurado também que as propriedades agrícolas seriam obrigadas a manter 20% de sua vegetação nativa coma área de Reserva Legal (MADEIROS, 2006).

Desta forma, o tamanho da reserva legal em cada propriedade seria defi-nida de acordo com a localidade do imóvel no país. Áreas localizadas na Ama-zônia teriam que disponibilizar 80%, no cerrado dentro da Amazônia seria de 35% e nas demais regiões do país um total de 20%. O código florestal de 1965 aplica-se a propriedades privadas, pois o então presidente Humberto de Al-lencar Castello Branco através da Lei Federal 4.771, cria o estatuto de Preser-vação Permanente (APP’s) e Reserva Legal (RL), objetivando disciplinar o uso das propriedades rurais, onde as localizadas na Amazônia deveriam destinar 50% da vegetação natural para Reserva Legal, já para as localizadas em outras partes do país, a reserva seria de 20% (SPAROVEK et al., 2011).

Em virtude de vários alagamentos no vale Itajaí e grande devastação na Amazônia o Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1996 editou a Me-dida Provisória (MP) nº 1.511, que ampliava novamente para 80% a área de reserva legal nas florestas, no cerrado dentro da Amazônia retorna para 35% e no restante do país mantem-se os 20% preconizados anteriormente.

O Novo Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012) é eviden-temente mais flexível e passa a permite a exploração econômica da Reserva Legal no percentual de até 15% da biomassa florestal localizadas dentro de grandes propriedades rurais. Já nas pequenas propriedades não há restrição à exploração econômica de recursos florestais dentro da Reserva legal, tais como: (cipós, semente, frutos e folhas) e em ambas as situações não é neces-sário autorização previa do órgão competente (MACHADO, 2013).

Um exemplo bastante evidente do desrespeito à legislação ambiental brasileira é o processo de degradação que vem sofrendo a Restinga, vege-tação considerada uma das mais ameaçadas do Brasil segundo o Plano de Ação Nacional para Conservação das Cactáceas (2011). O intenso processo

Eronides Soares Bravo Filho; Adauto de Souza Ribeiro; Ivana Silva Sobral q 205

de degradação praticado a Restinga não se justifica, uma vez que, essa ve-getação é considerada pela Lei 12.651 de maio de 2012, no Art. 4, inciso VI, como área de preservação permanente (APPs), desta forma, sua supressão só é permitida quando a atividade de redução tiver o caráter de utilidade pública ou interesse social em conformidade com o art. 3º inciso VIII e IX da Lei 12.651 de maio de 2012. Através da figura 01 abaixo é possível visualizar

a degradação praticada à Restinga no estado de Sergipe. Figura 01: Em A aterramento da restinga para implantação de empreendimento no Município de Barra dos Coqueiros-SE. Em B empreendimento construído em área de Restinga no Município de Barra dos Coqueiros-SE e introdução de espécie exótica. Em C supressão da restinga no Povoado Aguilhada em Pirambu-SE, para obtenção de lenha, principal fonte energética utilizada em padarias, casas de farinha e olarias. Em D supressão da Restinga no Município de Barra dos Coqueiros-SE, através de queima-das para introdução de atividade agropastoril.

Fonte: Eronides S. Bravo Filho, 2013.

Observa-se através da figura supracitada o desrespeito completo da le-gislação ambiental no Estado de Sergipe, pois as imagens demostram de uma forma bastante clara que a supressão da restinga nestas localidades atende unicamente a interesses particulares, além de ser processada de uma forma insustentável e predatória (SEMARH, 2012; FAPESP, 2013).

q Legislação Ambiental206

O bioma Caatinga endêmico do Brasil, possui uma área de aproximada-mente 11% do território nacional e ocupa cerca de 70% do território Nordes-tino (SOBRAL et al., 2015). Esta vegetação abrange oito estados do Nordeste: Alagoas, Bahia, Ceará, Sergipe, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e também Norte de Minas Gerais e tem como destaque vegetativo a grande diversidade de Cactaceae (SOBRAL et al., 2015).

Esse ecossistema, embora seja peculiar do Brasil e boa parte de sua biodi-versidade ainda seja desconhecida, é na atualidade o terceiro bioma brasileiro mais degradado e alterado pela ação antrópica insustentável. Não obstante, a intensa fragmentação, apenas 7,12% de sua área encontra-se sob proteção, e desta, menos de 14% são em áreas de proteção integral (SILVA et al., 2013).

Em face do exposto, observa-se que grande parte das ações de supres-são praticadas à vegetação no Brasil ocorre de uma forma totalmente con-traditória ao que estar posto na legislação ambiental vigente, além de ir de encontro a vários princípios do Direito Ambiental, assim como, a maioria dos conceitos de desenvolvimento sustentável definidos pela Declaração de Estocolmo, Rio de Janeiro 1992, na Conferência de Copenhague 1995, na Declaração de Nova Delhi 2002, na Conferência sobre Recursos Naturais, Meio Ambiente e Desenvolvimento 2003 e da Conferência Rio + 20/2012 (MACHADO, 2013). A supressão praticada à vegetação nativa em vários mu-nicípios brasileiros a exemplo do estado de Sergipe não são ações de utili-dade pública e muito menos de interesse social como preconizado na Lei (SEMARH, 2012; FAPESP, 2013)

As cactáceas como parte integrante da vegetação nativa do Brasil es-tão implicitamente protegidas pelas leis vigentes do país, contudo, ações de grande relevância objetivando a conservação das cactáceas nativas ainda são muito restritas, o exemplo mais evidente e exitoso advém do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) através do Plano Nacional Para Conservação das cactáceas (PAN Cactaceae), esse é composto de três metas e 92 ações, com início em 2011 e com prazo de conclusão para dezembro de 2015 (MENEZES et al., 2015).

E de acordo o PAN (2011), as metas e suas respectivas ações são:

I- Ampliação do conhecimento sobre as espécies de Cactaceae, composta por 59 ações; II- Divulgação e proteção de áreas de ocorrência de Cactaceae ameaçadas, composta por 15 ações;III- Aprimoramento e fortalecimento das políticas públicas relacio-nadas às Cactaceae ameaçadas de extinção, composta por 18 ações.

Eronides Soares Bravo Filho; Adauto de Souza Ribeiro; Ivana Silva Sobral q 207

Dentre as metas, é importante destacar a primeira que visa à ampliação do conhecimento sobre as espécies de cactáceas no Brasil, esta é a principal lacuna apontada pelo PAN (2011). E com o propósito de mitigar esta lacuna é de suma importância a implantação de um Plano de Ação Estadual para a convenção das cactáceas nativas, visto que, este procedimento facilitará na ampliação do conhecimento sobre a biodiversidade e distribuição fito-geográficas deste grupo de plantas, propiciadas assim, a implantação mais fecunda de políticas públicas de conservação, uma vez, que será levada em consideração a realidade local.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Observa-se que os maiores desafios na atualidade para a conservação

das Cactaceae no Brasil, advêm da carência de informações referentes tanto a biodiversidade como da sua distribuição. Assim, para ampliar o nível de conhecimento e promover a conservação das cactáceas nativas no Brasil, foi criado o Plano Nacional de Ação Para a Conservação das Cactaceae (PAN). Contudo, apesar dos avanços, o mesmo deixou várias lacunas a exemplo da deficiência de informações referente à biodiversidade e da distribuição fito-geográfica. Desta forma, para se obter uma maior abrangência do conheci-mento sobre esta família vegetal, fazem-se mister a criação e manutenção do um Plano Estadual de Ação para a Conservação das Cactaceae nativas brasileiras (PAE- Cactaceae). Desta forma, será possível compartilhar a res-ponsabilidade entre todos os estados do Brasil, facilitando assim, a coleta de informações e tomada de decisões.

Além da criação do Plano Estadual de Ação para a Conservação das Cactaceae (PAE) é necessário a implantação e intensificação de atividades educativas focando na importância cultura/econômico/ecológico, além de destacar os riscos iminentes que circundam este grupo de vegetal, sob pena de várias espécies serem extintas do seu ambiente natural de ocorrência. Pois, o melhor e mais eficiente dispositivo de defesa do meio ambiente é sem dúvidas o bom senso somado com uma visão colaborativa, pois, a Lei serve apenas para pôr limites às ações degradantes e os conflitos provoca-dos pelas atitudes não equivocadas que são praticadas a cada dia. Logo, se for adotado o princípio I do Direito Ambiental com fundamento certamente, a sociedade será mais justa e responsável.

q Legislação Ambiental208

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211

IMPACTO AMBIENTAL DA CARCINICULTURA MARINHA SOBRE O ESTUÁRIO DO RIO VAZA-BARRIS, SÃO CRISTÓVÃO, SERGIPE

Josevania de Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Ivana Silva Sobral

INTRODUÇÃO

A carcinicultura marinha se destaca no ramo da aquicultura, em virtu-de da demanda mundial e pelo declínio dos estoques pesqueiros naturais, devido, principalmente, à sobrepesca. Atualmente, essa atividade é respon-sável por uma das maiores rentabilidades do agronegócio internacional. O cultivo de camarão em cativeiro desde a década de 70 tem se constituído em uma atividade econômica muito relevante no Brasil, gerando empregos e desenvolvimento para as regiões que adotam essa prática (OLIVEIRA, 2011; JERONIMO; BALBINO, 2012). De acordo com Freitas et al. (2008), o Brasil apre-senta características propícias para o desenvolvimento da carcinicultura, como clima favorável e o domínio de tecnologias de produção, tornando-o um dos maiores produtores de camarões das Américas.

As zonas costeiras tropicais abrigam grande diversidade de ecossiste-mas, com destaque para o manguezal. Este é típico de regiões tropicais e subtropicais, de transição entre os ambientes terrestres e marinhos, que so-frem influência direta das marés, sendo considerado extremamente impor-tante para a manutenção da vida e exportação de nutrientes (SCHULER et al., 2004; LIMA, 2010). Segundo Amorim (2009), os manguezais do mundo ocupam uma área total de 162.000 km², sendo que cerca de 10.000 a 25.000 estão no Brasil. O manguezal é um dos ambientes tropicais mais ameaçados do mundo, que perdeu nas últimas duas décadas, aproximadamente 35% da sua área, perdas superiores a de outros ambientes ameaçados como as florestas tropicais e os recifes de corais (VALIELA et al., 2001). A carcinicultura é, sem dúvida, uma das atividades comerciais que mais crescem no Nordeste brasileiro, sendo ela a responsável por aproximadamente 90% da produção de camarões do Brasil (CAVALCANTI, 2012).

Atualmente, os impactos ambientais e a degradação dos mangues têm aumentado, provocando grande desequilíbrio à fauna marinha de toda cos-ta litorânea brasileira, o que pode ser observado através da redução dos es-toques naturais de camarões, peixes, ostras, caranguejos, siris, entre outros habitantes dos mangues (LIMA, 2010). Segundo Bendati (1997), as substân-

q Impacto Ambiental da Carcinicultura Marinha sobre o Estuário do Rio Vaza-Barris, São Cristóvão, Sergipe

212

cias químicas resultantes da ação antrópica tem sido uma das principais pre-ocupações dos programas de monitoramento ambiental em todo o mundo.

O desenvolvimento da carcinicultura traz consigo muitos impactos negati-vos, incluindo danos ambientais, problemas sociais e econômicos. Por essa ati-vidade ser realizada, geralmente, em região costeira e principalmente no ecos-sistema de manguezal, tem sido uma das principais causas de destruição desse ecossistema. Entre os impactos causados, destacam-se mudanças no fluxo das marés, retirada da vegetação natural, disseminação de doenças e contamina-ção das águas. Oliveira (2011) ressalta que essa atividade necessita de aduba-ção contínua, renovação constante de água, arraçoamento em excesso, uso de antibióticos, que acabam por originar efluente de descarte rico em nutrientes e substâncias químicas, sendo esses lançados muitas vezes sem tratamento prévio. Por consequência, essas alterações provocam desequilíbrio levando à eutrofização, alterando toda a estrutura do ecossistema e da qualidade da água.

No Brasil, está ocorrendo um aumento no número de estudos voltados para os impactos da carcinicultura marinha no ecossistema de mangue. Para o estado de Sergipe, ainda são poucas as pesquisas referentes à carcinicultura, com desta-ca para o trabalho de Santos (2009). A autora ressalta ser preocupante a falta de pesquisas relacionadas a essa problemática, já que estudos destacam o estado como portador de boas condições para o cultivo de camarão em cativeiro, o que tem chamado atenção de empreendedores, inclusive de estrangeiros, para a ins-talação de tanques de camarão em Sergipe. Para Lima e Silva (p.15, 2014):

No Estado de Sergipe, os modelos de carcinicultura semi-intensiva convencional e carcinicultura de base familiar de baixa intensidade coexistem utilizando os mesmos recursos estuarinos. A maior parte do volume de camarão marinho produzido no estado é originária de pequenas propriedades manejadas por centenas de famílias vin-culadas cultural e historicamente às zonas estuarinas. Tais vínculos conferem um modo de produção peculiar e, muitas vezes, direcio-nam a tomada e decisão dos produtores sobre o manejo. É o caso, por exemplo, do produtor que escolhe produzir camarões de menor peso para ofertar o produto à população local de baixa renda.

A identificação dos impactos causados pela carcinicultura é de suma impor-tância, principalmente em regiões estuarinas como é o caso do Rio Vaza-Barris. A decisão por estudar essa área se deu através do seu significado, principalmente para as comunidades ribeirinhas que sobrevivem da pesca artesanal e também pela presença de inúmeros empreendimentos de carcinicultura funcionando

Josevania de Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Ivana Silva Sobral q 213

de forma irregular. Desta forma, o presente estudo tem como principal objeti-vo identificar e caracterizar os impactos ambientais mais relevantes relaciona-dos à carcinicultura marinha no estuário do Rio Vaza-Barris, município de São Cristóvão, Sergipe, bem como relacionar os dispositivos legais associados aos mesmos. Ademais, propõe-se indicadores que possam auxiliar na avaliação de impactos ambientais referentes à atividade de carcinicultura na área estudada.

1 REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com Azevedo (2005), a carcinicultura, mesmo sendo uma atividade comercial recente no Brasil, vem se consolidando como uma das atividades econômicas promissoras na região Nordeste. Em 2003, essa re-gião foi responsável por 95% da produção de camarão cultivado no Brasil. Contudo, a sua rápida expansão tem gerado grande preocupação, acarre-tando inúmeros debates, nos últimos anos, referente a sua sustentabilidade ambiental, bem como seus custos e benefícios sociais.

Na região Nordeste, existe o registro de trabalhos referentes à carcini-cultura para quase todos os estados. Por exemplo, o trabalho de Figueiredo et al. (2005) realizado no Ceará, no qual foram coletadas amostras da água de captação e dos efluentes de dois viveiros de duas diferentes fazendas da bacia do Baixo Jaguaribe. Nesse estudo foi analisado os parâmetros pH, tur-bidez, nitrato, amônia total, condutividade elétrica, entre outros. Meireles et al. (2007) analisaram a importância dos manguezais na produção, consumo e distribuição de nutrientes para a zona costeira e os impactos ambientais causados pela aquicultura industrial do camarão em cativeiro no Ceará. Mes-quita et al. (2012) analisaram o impacto ambiental das fazendas de camarão (carcinicultura) que estão localizadas no estuário do rio Pirangi no litoral les-te do estado do Ceará. Tahim e Junior (2014) fizeram uma análise da forma de inserção da carcinicultura do Nordeste, em particular dos Arranjos Produ-tivos Locais de cultivo de camarão do estado do Ceará, em cadeias globais de produção e sua estrutura de governança. Além disso, destacou o Ceará como maior produtor do Brasil na forma cultivado.

Para o estado da Bahia, Dias et al. (2012) analisaram o conflito existente entre duas propostas de apropriação de território, uma relativa à produção de camarão marinho em cativeiro (carcinicultura) e outra referente à criação de uma unidade de conservação federal (Reserva Extrativista), bem como identificaram os danos ambientais provenientes da atividade produtiva de carcinicultura, relacionando-os aos movimentos de resistência e de enfren-tamento judicial da população do município de Caravelas. Passos (2010)

q Impacto Ambiental da Carcinicultura Marinha sobre o Estuário do Rio Vaza-Barris, São Cristóvão, Sergipe

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analisou os conflitos que envolvem a carcinicultura marinha, vinculados aos aspectos legais e práticos (visão do criador).

No Piauí, Araripe et al. (2006) estudaram os aspectos do licenciamento ambiental da carcinicultura na APA do delta do Parnaíba, considerando as condições de sustentabilidade dessa atividade e seus principais entraves. Na Paraíba, Silvestre et al. (2011) caracterizaram os principais impactos da prá-tica da carcinicultura e recomendaram as possíveis medidas mitigatórias na Área de Proteção Ambiental na Barra do Rio Mamanguape. Oliveira e Souza (2015) identificaram os impactos atuais da atividade de carcinicultura e da implantação da atividade, e também fizeram o levantamento quantitativo das fazendas que estão operando na Paraíba.

Em Pernambuco, Bento (2012) identificou aspectos etnoecológicos da carcinicultura no Parque dos Manguezais e Ilha de Deus (PMID), compre-endendo o seu contexto histórico, suas condições de manejo e produção, incluindo a relação que os pescadores mantêm com o ambiente local e suas condições socioeconômicas, além de identificar conflitos socioambientais derivados da carcinicultura em Recife.

No Rio Grande do Norte, Ferreira et al. (2008) estudaram a influência da carcinicultura sobre a salinização do solo em áreas do município de Guama-ré, na microrregião de Macau. Jerônimo e Balbino (2012) realizaram a carac-terização físico-química de efluentes da carcinicultura e seus impactos ao meio ambiente em Rio Grande do Norte, destacando os efluentes líquidos gerados na etapa de despesca como principal poluente.

Em Sergipe, a produção comercial do camarão marinho teve início em meados de 1998, e desde então tem apresentado crescimento acentuado (LIMA; SILVA, 2014). Wanderley e Magalhães (2004) fizeram o mapeamento da aptidão para a instalação de empreendimentos de carcinicultura no Lito-ral Sul de Sergipe, utilizando imagens de satélite e fotografias aéreas. Carva-lho e Fontes (2007) realizaram um estudo que caracterizou a carcinicultura no litoral sergipano a partir da análise dos aspectos ambientais e socioeco-nômicos desta atividade, bem como as práticas de manejo utilizadas.

Santos (2009) avaliou a qualidade da água na carcinicultura no municí-pio de Nossa Senhora do Socorro, em Aracaju, Sergipe, tendo em vista os parâmetros físico-químicos. Ainda realizou um diagnóstico ambiental do uso e cobertura dos manguezais da zona-costeira do Rio São Francisco e constatou que o mesmo se encontra bastante vulnerável devido à incidên-cia de tensores antrópicos, incluindo a carcinicultura. Santos (2010) realizou um estudo que aborda a relação sociedade-natureza e a caracterização ter-ritorial da carcinicultura no litoral sergipano.

Josevania de Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Ivana Silva Sobral q 215

Muhlert et al. (2013) utilizaram indicadores numéricos para compararam a sustentabilidade ecológica de viveiros de carcinicultura marinha localizados em ‘terras altas’ (licenciados) e ‘terras baixas’ (não licenciados, localizados em Áreas de Preservação Permanente) no estado de Sergipe. Garcia et al. (2014) avaliaram a qualidade de água da carcinicultura na grande Aracaju (Sergipe), consideran-do os parâmetros físico-químicos de acordo com a legislação brasileira. Lima e Silva (2014) também realizou um estudo sobre a carcinicultura em Sergipe, abordando aspectos sociais, econômicos e territoriais, em áreas de preservação permanente, bem como a sustentabilidade do manejo dessa atividade.

1.1 A CARCINICULTURA E SEUS IMPACTOS

Para Mello (2007), a carcinicultura é um ramo da aquicultura que está relacionada à criação de camarões em tanques produtores escavados, geral-mente em ecossistemas estuarinos. A implantação da carcinicultura iniciou--se nos extensos apicuns dos manguezais nordestinos ou em salinas desati-vadas, visto que grande parte foram implantadas em áreas de manguezais. Em Sergipe, inclusive, no estuário do Vaza-Barris grande parte dos viveiros foram implantados em áreas de salinas desativadas.

De acordo com Nascimento (2007), a ampla produção de camarões em cativeiro trouxe consigo problemas que atualmente atingem grandes pro-porções nas áreas costeiras, principalmente na região Nordeste, problemas esses que estão relacionados com conflito de ecocompatibilidade. A autora ainda menciona que o conflito se baseia em dois vieses, um que acredita na possibilidade de desenvolvimento sustentável dessa atividade, e a outra que reflete o histórico de destruição dos manguezais, principalmente em países onde essa atividade foi praticada na década de 70, a qual não considera a sustentabilidade dessa atividade.

Litopenaeus vannamei é a espécie de camarão marinho cultivada nos vi-veiros presentes no estuário do Rio Vaza-Barris. Segundo Costa et al., (2013), essa espécie é conhecida popularmente como camarão branco do pacífico, devido a sua rusticidade, tolerância às mudanças na concentração de sali-nidade, às oscilações de temperatura e altas taxas de densidade em viveiro, além de apresentar uma boa conversão alimentar e aceitação à ração. Como seu nome vulgar sugere, essa espécie é oriunda do Oceano Pacífico, e se reproduz no mar migrando para as zonas costeiras.

Um dos grandes problemas relacionados à carcinicultura no Brasil e também no estuário do Rio Vaza-Barris (Sergipe) são os impactos pro-vocados pela mesma quando desempenhada de forma irregular. Para

q Impacto Ambiental da Carcinicultura Marinha sobre o Estuário do Rio Vaza-Barris, São Cristóvão, Sergipe

216

Amorim (2009), a escolha de locais impróprios para a implantação desta atividade, associada a um manejo inadequado, agrava seu potencial po-luidor, já que o aporte excessivo de matéria orgânica em locais de baixa hidrodinâmica pode ultrapassar sua capacidade de mineralização, que tenderá a se acumular no sedimento e provocar uma consequente eutro-fização do ambiente. Baseando-se em dados anteriores e nos obtidos por Lima e Silva (2014), a carcinicultura praticada no estuário do Rio Vaza--Barris, comprovaram que os viveiros locais interagem de maneira varia-da com o ecossistema adjacente apresentando tanto interações positivas quanto negativas. Porém, a interação negativa tem causado problemas ambientais devido principalmente, ao uso elevado das quantidades de insumos emitidos no estuário do Vaza-Barris, juntamente com outras ati-vidades antrópicas locais.

Oliveira (2011) menciona que a carcinicultura apresenta riscos relevantes para o meio ambiente. Com o crescimento dessa atividade sem a considera-ção do uso de práticas sustentáveis, pode-se levar à destruição da vegetação costeira, redução da qualidade da água, salinização dos solos, devastação de áreas de manguezal, bem como aumento da ocorrência de epidemias, o que consequentemente reduz a produtividade do cultivo de camarões. Além disso, o uso dos recursos hídricos pelas fazendas de camarão pode ocasionar a degradação ambiental gerada pelo descarte inadequado dos efluentes. Para Oliveira (2011, p. 20):

A mistura de sobras de ração e metabólitos da produção resulta no aporte de nutrientes presentes no efluente. Este é rico em só-lidos em suspensão, nutrientes e clorofila-a, aumenta a demanda bioquímica do oxigênio, diminuindo assim a qualidade da água e comprometendo a produção dos organismos cultivados. Esses efeitos podem ainda, gerar sérios impactos aos ecossistemas onde são liberados e aumentar a taxa de sedimentação.

Os efluentes provenientes de viveiros de camarões causam algumas con-sequências nos estuários, como diminuição da quantidade de oxigênio dis-solvido, eutrofização, contaminação e alteração da biodiversidade aquática. Também leva ao aporte de matéria orgânica proveniente dos restos meta-bólicos e, especialmente, de ração dada aos camarões, o que pode contribuir para a redução da qualidade do sedimento, criando um ambiente desfavo-rável à sobrevivência dos organismos bentônicos. (LORENZEN et al. 1987; JACKSON et al., 2004; AMORIM, 2009). Segundo Lima e Silva (p. 56, 2014):

Josevania de Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Ivana Silva Sobral q 217

No estuário do Rio Vaza-Barris e demais estuários sergipanos, o manejo adotado no cultivo do camarão marinho varia muito, e um mesmo viveiro pode apresentar práticas de manejo ao longo de um ano. Em geral, quanto maior o poder aquisitivo do produ-tor, maior a intensidade do cultivo e impacto ambiental. Viveiros adjacentes de proprietários diferentes podem apresentar impac-tos ambientais diferenciados em função do manejo adotado.

Hinrichorasen (1998) ressalta que problemas como os supracitados e pre-sentes no Quadro 1, associados à falta de conhecimento dos processos bio-geoquímicos, têm motivado intensa preocupação em muitos países onde são praticadas a carcinicultura. Um fator muito relevante que deve ser levado em consideração antes de se iniciar um projeto de carcinicultura é fazer um prévio estudo da área onde será implantada a estrutura das fazendas (AMORIM, 2009).

Quadro 1. Causas e efeitos de ações relacionadas aos impactos ambientais da carcini-cultura (Modificado de PAEZ-OZUMA, 2001).

Fase Causas Efeitos

Impl

anta

ção Destruição de áreas úmidas

(mangues e alagados salinos)

Perda de habitats e áreas berçário; erosão costeira; redução na captura de espécies comercialmente importantes; acidificação; alteração nos padrões de drenagem de água.

Conversão de áreas agricul-táveis

Salinização do solo e alteração nos padrões dedrenagem de água

Conversão de planícies salinas Alteração nos padrões de drenagem de água

Ope

raçã

o

Descarte de efluente dos viveiros

Deterioração da qualidade da água no corpo recep-tor (depleção de oxigênio, redução de luminosidade; alterações na macrofauna bentônica; e eutrofização)

Escapes de indivíduos dosviveiros

Introdução de espécie exótica, competição, des-truição de habitats, predação.

Introdução e disseminação dedoenças

Quebras de produção e infecção de populaçõesnativas.

Descarte de substânciasquímicas

Resistência a patógenos e efeitos desconhecidosem espécies que não a espécie-alvo

Intrusão de água salina Contaminação de aquíferos subterrâneosDisposição de sedimentosLançamento de nutrientes, carga orgânica e substâncias químicas no ambiente

Lançamento de nutrientes, carga orgânica e subs-tâncias químicas no ambiente

Uso excessivo de água Competição com outros usuários de água

Pós-

ope-

raçã

o

Abandono de área Competição com outros usos por espaço

Fonte: Amorim (2009).

q Impacto Ambiental da Carcinicultura Marinha sobre o Estuário do Rio Vaza-Barris, São Cristóvão, Sergipe

218

1.2 LEGISLAÇÃO E LICENCIAMENTO AMBIENTAL REFERENTES À CARCINI-CULTURA

De acordo Smith et al. (2002), inúmeras soluções têm sido propostas com a finalidade de mitigar os impactos provocados pela atividade de carcinicul-tura, seja para amenizar os efeitos negativos no ambiente ou com o objetivo de garantir a rentabilidade da atividade. Essas soluções não se restringem somente aos aspectos técnicos, mas também aos aspectos legais, como a criação de normas e legislações objetivando regulamentar a carcinicultura, o que consequentemente minimizará a geração de impactos socioambien-tais e/ou econômicos negativos (RIBEIRO et al., 2014).

Lima e Silva (2014) ressaltaram que a avaliação da sustentabilidade am-biental da carcinicultura marinha é uma das questões de grande importân-cia que devem ser consideradas no contexto do licenciamento da carcinicul-tura presente no estuário do Rio Vaza-Barris, juntamente com os aspectos sociais e econômicos. Segundo Passos (2010), o que eleva a carcinicultura à condição potencialmente poluidora é o cultivo e a exploração econômi-ca de uma espécie exótica. É considerada uma atividade de médio impacto ambiental conforme a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (BRASIL, 1981). Segundo essa lei, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), em seu art. 10, refere-se:

A construção, instalação, ampliação e funcionamento de esta-belecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.

A implantação de projeto de carcinicultura implica em uma apropriação do meio ambiente, e o principal entrave para a execução da carcinicultura refere-se a aspectos legais (Quadro 2). Considerando-se as preocupações ambientais, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) elaborou a Resolução CONAMA 312/2002 (BRASIL, 2002) com a finalidade de estabele-cer critérios para o licenciamento dessa atividade na zona costeira. Em seu art. 2°, veta a atividade de carcinicultura em manguezal uma vez que esses ambientes são considerados áreas de preservação permanente. No art. 3°, refere-se que a construção, a instalação, a ampliação e o funcionamento de empreendimentos de carcinicultura na zona costeira, definida pela Lei nº 7.661, de 1988, e pelo Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, nos

Josevania de Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Ivana Silva Sobral q 219

termos desta Resolução, dependem de licenciamento ambiental (BRASIL, 2002). Além disso, essa resolução estabelece, por exemplo, que empreen-dimentos com mais de 50 hectares de espelho d’água devem elaborar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para deferir o licenciamento do empreendimento.

Quadro 2. Legislação vinculada ao licenciamento da atividade de carcinicultura ma-rinha (Modificado de ARARIPE et al. 2006).

Legislação EmentaLei nº 12.651/2012 Lei que instituiu o Novo Código FlorestalDecreto-Lei nº 221/67 Lei básica da Pesca, Código de Pesca;Lei nº 6.902 /81 Estações ecológicas e áreas de proteção ambiental;Lei nº 6.938 /81 Política Nacional do Meio Ambiente;Lei nº 7.347 /85 Lei da Ação Civil Pública;Lei 7.735/89 Lei de criação do IBAMA;Lei nº 7.661/98 Plano Nacional de Gerenciamento CosteiroLei nº 9.433/97 Política Nacional de Recursos Hídricos;Lei nº 9.636/98 Regulamentação/administração/alienação bens imóveis da UniãoLei nº 9.605/98 Lei dos Crimes AmbientaisLei n° 9.960/00 Dispõe sobre os custos das licenças e análise ambientais;Lei n° 9.984/00 Dispõe sobre a criação da Agencia Nacional de ÁguasLei n° 9.985/00 Institui o Sistema Nacional de Unidades de ConservaçãoLei n° 10.165/00 Institui a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental;Lei nº 10.683/03 Cria a SEAP e define suas competências;Decreto n° 24.643 de 10/07/1934

Institui o Código de Águas;

Decreto nº 2.869 - de 09/12/1998

Uso das águas públicas, Min. da Agricultura;

Decreto n° 4.897 de 25/11/2003

Águas de domínio da União para atividades de aquicultura;

Decreto n° 4.340 de 23/08/2002

Regulamenta artigos da Lei do SNUC

Resolução CONAMA nº 04/85

Reservas ecológicas

Resolução CONAMA nº 001/86

Determina EIA/RIMA no licenciamento ambiental;

Resolução CONAMA nº 06/86

Determina modelos de publicação de pedidos de licenciamento;

Resolução CONAMA nº 009/87

Dispõe sobre a realização de Audiência Pública;

Resolução CONAMA nº 001/88

Dispõe sobre Cadastro Técnico Federal de Atividades;

Resolução CONAMA nº 013/90

Estabelece normas no entorno de Unidades de Conservação;

Resolução CONAMA nº 237/97

Regulamenta o licenciamento ambiental;

Resolução CONAMA nº 303/02

Dispõe sobre parâmetros, definições e limites em APP;

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220

Resolução CONAMA nº 312/02

Licenciamento ambiental da carcinicultura na zona costeira;

Resolução CONAMA nº 357/05

Dispõe sobre classificação das águas e qualidade do efluente

Resolução CEMA nº50/13

Dispõe sobre normas e critérios para o licenciamento ambiental de carcinicultura no Estado de Sergipe.

Portaria IBAMA nº 145- N de 29/10/1998

Introdução de espécies exóticas.

Fonte: Passos (2010).

No estado de Sergipe, a Administração Estadual do Meio Ambiente (ADE-MA) é o órgão estadual regulador dessas e de outras atividades e, dentre suas atribuições, deve emitir licenças ambientais aos carcinicultores. A Re-solução nº 50/2013 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEMA) (SER-GIPE, 2013) dispõe sobre normas e critérios para o licenciamento ambiental de carcinicultura no Estado de Sergipe. Defende também que a localização, ampliação e regularização de empreendimentos de carcinicultura depende-rão de prévio licenciamento ambiental emitido pela ADEMA. Essa resolução ainda estabelece que os apicuns e salgados podem ser utilizados em ativida-des de carcinicultura, desde que observados alguns requisitos, dentre esses estão o recolhimento, tratamento e disposição adequados dos efluentes e resíduos; e garantia da manutenção da qualidade da água e do solo.

Segundo art. 2o da Resolução nº50/2013 do (CEMA), a licença ambiental terá o prazo de validade de 5 (cinco) anos, renovável apenas se o empre-endedor cumprir as exigências da legislação ambiental e do próprio licen-ciamento, exceto nos casos em que o licenciamento seja simplificado, onde o prazo será de 3 (três) anos. Em seu art. 7°, a ADEMA, no exercício de sua competência e controle, expedirá Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO) ou Licença Simplificada (LS):

§ 1º. A Licença Simplificada será concedida aos empreendimen-tos de carcinicultura definidos como de pequeno porte, e baixo ou médio grau de severidade da espécie, referendada por vistoria técnica realizada pelo órgão licenciador, que contemplará todas as fases do licenciamento ambiental. § 2º. A Licença Prévia será concedida na fase preliminar do em-preendimento, aprovando sua concepção e localização, atestan-do a viabilidade ambiental mediante parecer técnico que estabe-lecerá os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases do licenciamento.

Continuação

Josevania de Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Ivana Silva Sobral q 221

§ 3º. A Licença de Instalação será concedida mediante a apresen-tação dos projetos ambientais e do Plano de Controle Ambien-tal (exceto para empreendimentos de pequeno porte) e de suas aprovações, consubstanciada em parecer técnico. § 4º. A Licença de Operação será concedida mediante a implan-tação do projeto aprovado através da Licença de Instalação, des-de que tenham sido cumpridos todos os condicionantes previa-mente estabelecidos, e será embasada em parecer técnico.

É importante ressaltar que os empreendimentos de menor porte pode-rão ser licenciados por meio de procedimento de licenciamento ambiental simplificado. Já os outros empreendimentos necessitam apresentar Estudos de Impacto Ambiental (EIA), devidamente acompanhados de um Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Contudo, todos os empreendimentos preci-sarão solicitar inicialmente a licença prévia, em seguida apresentar docu-mentação para solicitar a licença de instalação e ao final do processo a licen-ça de operação (CARVALHO; FONTES, 2009). Entretanto, a ADEMA poderá determinar, independente do porte, a elaboração de estudos ambientais mais restritivos dependendo das especificidades das áreas onde serão im-plantados os empreendimentos de carcinicultura (SERGIPE, 2013).

2 MATERIAL E MÉTODO

2.1 ÁREA DE ESTUDO

O estado de Sergipe é composto por uma área territorial de aproxima-damente 22050,40 km2 e sua área litorânea representa 28,5% da área total. É formado pelas bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Piauí, Sergipe, Vaza-Barris, Real e Japaratuba (SANTOS, 2009). O Rio Vaza-Barris nasce no município de Uauá, no estado da Bahia, e deságua no Oceano Atlântico no Estado de Sergipe, com uma área total correspondendo a 115 Km2. O seu estuário, com cerca de 25 Km, localiza-se entre os municípios de Itaporanga D’ajuda, ao longo de sua margem direita, e os Municípios de São Cristóvão e Aracaju, em sua margem esquerda. As margens do rio Vaza-Barris são ocu-padas por manguezais (Figura 1) que penetram até cerca de 20 km (FONTES, 1999; SIQUEIRA, 2008).

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222

Figura 1. Áreas litorâneas, em verde na legenda os manguezais sergipanos, com des-taque para o manguezal do Vaza-Barris

Fonte: Sergipe Atlas digital (2004).

Dentre as atividades antrópicas, destacam-se a existência de viveiros e tanques para o cultivo de camarão nas franjas dos mangues e também os desmatamentos ao longo das margens e no interior das ilhas, as quais estão relacionadas com os empreendimentos imobiliários e locações da Petrobrás. Segundo Fontes (1999), a região está inserida no clima Megatérmico Subú-mido CA’A” com abundantes chuvas no inverno e período de seca no verão e temperatura média anual de 25,5 ºC.

O manguezal desse estuário apresenta variação fisionômica, com caracterís-ticas específicas de topografia, salinidade e movimentos oscilatórios das marés por diferentes formas de interferências no espaço e no tempo, o que permite o desenvolvimento de uma fauna particular (SANTOS et al., 2011). De acordo com Carvalho e Fontes (2007), a vegetação predominante dos estuários sergipanos é o manguezal, que há muitos anos vem sendo convertido em salinas e posterior-mente adaptado para criatório de peixes. Atualmente, essas áreas têm sido utili-zadas como viveiros para aquicultura, principalmente para cultivo de camarões.

2.2COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

Foi realizado o levantamento bibliográfico referente aos impactos causa-dos pela carcinicultura marinha no estuário do Rio Vaza-Barris e análise dos

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dispositivos legais que trata do licenciamento dessa atividade no referido ecossistema. O estudo foi desenvolvido a partir de dados secundários obti-dos através de pesquisa documental e de revisão bibliográfica. Também foi proposto indicadores que possam auxiliar na avaliação dos impactos am-bientais da atividade de carcinicultura no estuário do Rio Vaza-Barris.

Os indicadores foram propostos com base no Modelo de Indicadores de Sustentabilidade, o Modelo Pressão-Estado-Resposta (PER), o qual tem sido utilizado com bastante eficiência para mensurar a Sustentabilidade de empreendimentos, setores econômicos e unidades políticas. Este modelo fundamenta-se em um marco conceitual que aborda os problemas ambien-tais baseando-se uma relação de causalidade. Os indicadores desenvolvidos pelo modelo buscam responder a três questões básicas: o que está aconte-cendo com o ambiente (Estado); por que isso ocorre (Pressão) e o que a so-ciedade está fazendo a respeito (Resposta) (CARVALHO & BARCELLOS, 2010).

O Modelo Pressão-Estado-Resposta (PER) apresenta três variantes que são: FER, PEIR e FPEIR. O Modelo FER e FPEIR incluem o (F), que representa a Força Motriz, ou seja, o que “está por trás” das pressões. Os Modelos PEIR e FPEIR incluem o Impacto (I), que são os indicadores que medem as consequências da degradação ambiental sobre o homem e em seu entorno (PNUMA, 2007). Nesse estudo foi usado o modelo PEIR que inclui a variante impacto, ou seja, os impactos causados pela carcinicultura no manguezal do Rio Vaza-Barris.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

A carcinicultura marinha tornou-se uma atividade economicamente atrativa não somente para o Brasil, mas também para diversos países. O Nordeste brasi-leiro vem se destacando nos últimos anos com o aumento na área de cultivo de camarão, no número de produtores e também em sua produção. Atualmente, ela responde por 99,33% da produção nacional e por 92% do total de produto-res. Como pode ser observado no Quadro 3, no período de 2004 a 2011 houve um crescimento significativo em relação ao número de produtores e de áreas de produção, principalmente no Ceará e em Sergipe. Para esse último o número de produtores passou de 69 para 224 e as áreas de cultivo de 514 para 1040 ha, sugerindo que o estado está acompanhando o crescimento da carcinicultura brasileira. Contudo, esse crescimento seria positivo se não fosse acompanhado de sérios danos ambientais e ameaças às condições de vida de comunidades tradicionais estabelecidas em áreas visadas pelos carcinicultores. Segundo Lima e Silva (2014), o aumento da produção implica consequentemente o uso mais intensivo de recursos naturais finitos ocasionando assim mais danos ambientais.

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Quadro 3. Comparativo da carcinicultura por estados brasileiros no período de 2004 e 2011

Fonte: Ministério da Pesca Aquicultura/Associação Brasileira de Criadores de Camarão (2013).

Devido à rapidez com que se expandiu, nota-se que a carcinicultura não foi dimensionada pelo poder público, pois grande parte das estatísticas glo-bais existentes sobre essa atividade são as divulgadas pelo setor empresa-rial. Com isso as áreas costeiras e principalmente os mangues vêm sendo bastante devastados e impactados. Oliveira (2011) menciona que apesar da carcinicultura apresentar grande potencial econômico, observa-se frequen-temente a utilização de tecnologias não apropriadas, ocasionando inúmeros problemas ambientais nos ecossistemas naturais. Para Wainberg e Câmara (1998), os principais impactos ambientais relacionados com a carcinicultura referem-se à supressão do ecossistema manguezal, mudanças no padrão de circulação hídrica do estuário e eutrofização do estuário, com as descargas dos efluentes dos viveiros sem tratamento prévio.

A adubação contínua, renovação constante de água e arraçoamento em excesso, entre outros, acabam por gerar um efluente de descarte rico em nu-trientes. Em um estudo realizado na Grande Aracaju, Garcia et al. (2014) ob-tiveram concentrações de fósforo total, nitrogênio total, carbono orgânico total e demanda biológica de oxigênio superior ao limite permitido pela le-gislação brasileira (CONAMA Resolução 357/2005) para água salobra classe 1 (BRASIL, 2005). Nesse mesmo estudo, constatou-se que apenas 16,7% do total de ração empregada no cultivo é convertida em biomassa de camarão, o restante não é consumido, sendo eliminado através das fezes e compostos metabólicos. Lima e Silva destacam que:

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No Estado de Sergipe, nota-se de forma evidente e preocupan-te a forte pressão exercida para a utilização do território estua-rino por modelos não sustentáveis de produção em aquicultura e inadequados às APP. Tais modelos exercem constante pressão sobre os produtores de pequeno porte adeptos a práticas exten-sivas ou semi-intensivas de baixo impacto, sendo voltados para a utilização de elevadas densidades de povoamento com uso intensivo de insumos durante o ciclo produtivo. Esses modelos são socialmente excludentes, pois não permitem a adesão de produtores de baixa renda. Do ponto de vista ambiental, os es-tudos científicos citados evidenciam a insustentabilidade desse modelo produtivo em APP. (p. 68, 2014).

Atualmente, Sergipe corresponde a 3,46 % do total de produção de ca-marão da região Nordeste. Diante disso, a Figura 2 mostra que os municípios com maior produção de camarão para o estado de Sergipe foi Brejo Grande (22,04%) e Nossa Senhora do Socorro (20,19%), seguido de São Cristóvão, que representa 15,56 % da produção total de Sergipe. Segundo Lima e Silva (2014), os camarões cultivados nos viveiros de São Cristóvão não são vendi-dos apenas para o mercado local, mas também para as capitais e para o mer-cado internacional. Isso gera uma maior demanda, implicando na utilização de modelos de produção mais intensivo, inclusive adotando diferente forma de manejo para um mesmo viveiro ao longo do ano, preocupando-se em aumentar a produção e o lucro. Os autores ainda ressaltaram que a ração é o principal insumo utilizado, mas outras estratégias para aumentar a produti-vidade, como a adição de fertilizantes ou probióticos, também são comuns, inclusive na estação chuvosa nos viveiros em São Cristóvão.

No estado de Sergipe, e principalmente em São Cristóvão, grande parte do cultivo de camarão marinho é realizado de forma irregular e sem licen-ciamento. Segundo Lima (2011), essas condições provocam implicações ne-gativas, como: baixa qualidade do produto comercializado, impossibilidade de regularização de mão de obra envolvida no processo produtivo, inacessi-bilidade dos pequenos produtores a financiamentos para melhorias da pro-dução, impossibilidade de controle e planejamento ambiental das proprie-dades, impossibilidade de planejamento e dimensionamento de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento socioambiental da carcinicultura no referido estado.

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Figura 2. Porcentagem de Produção de camarão nos municípios sergipanos em 2015.

Fonte: Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2015).

De acordo com informações contidas no processo nº 0001184-69.2013.4.05.8500, no período entre 18/12/2012 e 05/02/2013, em vistoria realizada por técnicos da Procuradoria da República, foi encontrada vasta área de viveiros de camarões não licenciados nos Municípios de Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão, com grande quantidade de vegetação cortada, áreas de mangue sendo desmatada e viveiros recebendo dejetos de conjuntos resi-denciais, colocando em risco a saúde dos consumidores de camarão. Segundo Lima e Silva (2014), até o final de 2013 grande parte dos empreendimentos de carciniculturas marinhas localizadas no estuário do Rio Vaza-Barris, SE, não tinham licenciamento. Para Santos e Costa (p.9, 2010):

A carcinicultura no litoral sergipano contribuiu para uma redução e extinção de habitats de numerosas espécies, o desmatamento de extensas áreas de manguezal causando interferência direta na produção e distribuição de nutrientes para o estuário e platafor-

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ma continental; extinção de setores de reprodução e alimento de moluscos, aves e peixes e diminuição da biodiversidade ao longo das bacias hidrográficas. Isso gera a expulsão de marisqueiras, pescadores e catadores de caranguejo de suas áreas de trabalho, ou tornam-se obstáculos a seu acesso, aos espaços produtivos do território, ao estuário e ao manguezal com a privatização de terras da União, tradicionalmente utilizadas para o extrativismo animal e vegetal.

Diante das irregularidades supracitadas foi determinado no Processo nº 0001184-69.2013.4.05.8500 a imediata paralisação dos carcinicultores que estiveram desenvolvendo suas atividades em evidente agressão à integri-dade dos manguezais arbustivos e dos processos ecológicos essenciais a ele associados, incluindo sua produtividade biológica e condição de berçário de recursos pesqueiros, autuando e embargando os viveiros não licencia-dos. Na avaliação da sustentabilidade ecológica da carcinicultura marinha em Sergipe, realizada por Muhlert et al. (2013), verificaram-se que os vivei-ros licenciados localizados nas terras altas se mostraram menos sustentáveis do ponto de vista ecológico. Segundo os autores, isso está relacionado ao manejo utilizado no cultivo, como a densidade média de camarões/m2 e a utilização de maiores quantidades de ração. No estudo realizado por Santos (2009) referente à qualidade da água da carcinicultura na Grande Aracaju, também foi apontado alta concentração de nutrientes na água, o que pode estar relacionado ao manejo do alimento, acúmulo de nutrientes orgânicos e densidade de camarão nos viveiros.

Em um estudo realizado em 2007 por Carvalho e Fontes (2007), cons-tatou-se que os municípios com maior número de empreendimentos de carcinicultura em produção foram Pacatuba (14), Nossa Senhora do Socorro (10), Barra dos Coqueiros (8) e Itaporanga d’Ajuda (7). Entretanto, até abril de 2004 existiam 76 empreendimentos de carcinicultura marinha protocola-dos para avaliação ambiental do projeto, na Administração Estadual do Meio Ambiente (ADEMA). Fazendo um levantamento das licenças expedida pela ADEMA até outubro de 2015, observou-se que, atualmente, existem 134 li-cenças emitidas, distribuídas entre 13 municípios, dos quais Nossa Senhora do Socorro conta com 49, São Cristóvão com 32 e Pacatuba com 16. Diante disso, Lima e Silva (p.96, 2014) menciona que:

A formalização da atividade permite maior controle dos modos de produção e consequentemente permite uma fiscalização mais

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efetiva da atividade. Além deste aspecto, a formalização da ati-vidade permite o acesso do produtor a linhas de financiamento que viabilizam a produção de camarão marinho de melhor quali-dade e melhor estruturação da cadeia produtiva local.

De acordo com Lima e Silva (2014), até o final de 2013 a maioria das car-cinicultura marinhas localizadas no estuário do Rio Vaza-Barris, não tinham licenciamento. Ao analisar, atualmente, a situação das licenças expedidas pela ADEMA, foi possível verificar que entre as 134 licenças expedidas, 112 encontram-se em situação “Termo de Regulamentação da Carcinicultura”, duas com “Renovação Licença de Instalação”, oito com “Renovação Licença de Operação”, quatro com “Licença Simplificada”, duas com “Licença de Ope-ração” e uma com “Licença de Instalação” (Tabela 1).

Tabela 1. Relação de municípios e tipo de licenças expedida pela ADEMA para o esta-do de Sergipe no período de 2012 a 2015.Termo de Regulamentação da Carcinicultura (TRC); Renovação de Licença de Instalação (RLI); Renovação de Licença de Operação (RLO); Licença Simplificada (LS); Licença de Operação (LO) Licença de Instalação (LI).

Localidades TRC RLI RLO LS LO LI

Indiaroba 6 1

São Cristóvão 32 1

Pacatuba 16 1

Propriá 1

Estância 2 1

Nossa Senhora do Socorro 49

Aracaju 6

Brejo Grande 2

Santo Amaro das Brotas 2 1 1

Estância 1

Itaporanga D’Ajuda 2 1 3

Barra dos Coqueiros 1 1

Santa Luzia do Itanhy 1 1 1 1

Fonte: Dados obtidos da Administração Estadual do Meio Ambiente (ADEMA).

Diante das problemáticas ambientais e da necessidade da avaliação dos impactos provocados pela carcinicultura, principalmente nas zonas costei-ras, foi elaborado e proposto indicadores ambientais que possam auxiliar na avaliação dos impactos causados por essa prática no manguezal do Rio Vaza-Barris. Muhlert et al. (2013) utilizaram indicadores numéricos como

Josevania de Oliveira; Rosemeri Melo e Souza; Ivana Silva Sobral q 229

ferramenta para avaliação da sustentabilidade ecológica da carcinicultura marinha em Sergipe. A partir desse estudo, concluíram que os indicadores utilizados foram ferramentas simples, porém úteis para medir a sustentabi-lidade ecológica dos viveiros. Contudo, a seleção dos indicadores ocorreu com base nas informações obtidas através do levantamento de dados refe-rentes ao cultivo de camarão em áreas de mangue e seus principais agravan-tes ambientais. Para isso foi proposto indicadores (Quadro 4) que possam auxiliar na avaliação da qualidade ambiental na área estudada. O modelo utilizado foi Pressão-Estado-Impacto-Resposta (PEIR), que permite avaliar a sustentabilidade da referida atividade.

Os indicadores de Pressão descrevem os eventos que podem provocar desestabilizações ambientais no manguezal do Vaza-Barris, com a implanta-ção dos projetos de carcinicultura. Em relação à dimensão, foram propostos os seguintes indicadores: esgotamento dos recursos naturais; desmatamen-to da área; falta de manejo adequado e epidemias. Através desses indica-dores é possível avaliar a pressão que essa atividade vem causando nesse ecossistema. Referente aos indicadores de Estado, os mesmos retratam as implicações quali-quantitativas do ambiente, ressaltando os principais pro-blemas observados para a fauna, flora, solo e recursos hídricos em decorrên-cia da carcinicultura.

Os indicadores relacionados aos Impactos ambientais são resultantes das alterações dos elementos bióticos e abióticos, evidenciando a relação de linearidade entre as dimensões do Modelo PEIR, onde cada ação provoca reações. Para isso foi proposto as variáveis: Mudança no pH do solo; Aumen-to nas concentrações de fósforo; Morte dos camarões; Uso de antibióticos; Excesso de alimento e Superlotação dos viveiros. Já os itens relacionados à dimensão Respostas correspondem às ações empreendidas pelo Poder Pú-blico para atenuar os efeitos da carcinicultura no ambiente. É importante ressaltar que essas iniciativas se constituem, muitas vezes, em verdadeiros paliativos, pois não são ações efetivas que possam promover a qualidade ambiental, sendo benefícios que condicionam a fragilizada ambiental aos in-teresses políticos. Sendo assim foi elaborado os indicadores a seguir: Mane-jo sustentável; Utilização de técnica adequada; Fiscalização; Licenciamento ambiental; Recomposição vegetal; e Cumprimento da legislação ambiental.

q Impacto Ambiental da Carcinicultura Marinha sobre o Estuário do Rio Vaza-Barris, São Cristóvão, Sergipe

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Quadro 4. Indicadores de sustentabilidade proposto para auxiliar na avaliação de im-pactos ambientais provocado pela carcinicultura no manguezal do Vaza-Barris.

Dimensões Indicadores

Pressão Esgotamento dos recursos naturaisDesmatamento das áreasFalta de manejo adequadoEpidemias

Estado FaunaFloraSoloRecurso hídrico

ImpactoMudança no pH do soloAumento nas concentrações de fósforo Morte dos camarõesUso de antibióticosExcesso de alimentoSuperlotação dos viveiros

Resposta Manejo sustentável Utilização de técnica adequada FiscalizaçãoLicenciamento ambientalRecomposição vegetalCumprimento da legislação ambiental

Fonte: Elaboração própria.

As variáveis supracitadas auxiliaram para a melhor compreensão da sus-tentabilidade ecológica da carcinicultura praticada no manguezal do Vaza--Barris em São Cristóvão, Sergipe. Além disso, através da utilização do Mode-lo Pressão-Estado-Impacto-Resposta, poderá ser identificado os principais impactos ambientais existentes na área de estudo, assim como também seus agentes causadores e quais medidas deverão ser adotadas para corre-ção ou mitigação dos impactos negativos identificados devido à implanta-ção da carcinicultura.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O manguezal é sem dúvida um dos ecossistemas mais importantes para a manutenção e equilíbrio ecológico das zonas costeiras, se destacando como sistema de grande valor cultural, social, econômico e ambiental. Devi-do a sua relevância, esse ecossistema vem sendo muito impactado pela ação antrópica, e a carcinicultura, atualmente, é responsável por grande parte da

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destruição global das áreas de manguezal, devido ao seu crescimento desor-denado e em discordância com os dispositivos legais.

Diante da situação atual da carcinicultura no estado de Sergipe e no es-tuário do Rio Vaza-Barris, nota-se que é preciso regularizar as atividades e empreendimentos relacionados a essa pratica, para que a mesma seja de-senvolvida de forma a proteger as áreas costeiras. Além disso, é preciso cons-cientizar os criadores em relação a alternativas ambientais para que ocorra o desenvolvimento sustentável, uso adequado das áreas que atualmente estão ocupadas por criação irregular de camarão e melhorias na qualidade de vida da população.

Os indicadores ambientais elaborados e propostos, nesse estudo, com base no modelo Pressão-Estado-Impacto-Resposta (PEIR) pode ser relevante para auxiliar na avaliação da problemática ambiental provocada pela implantação irregular de projetos de carcinicultura no manguezal do Vaza-Barris. Tendo em vista que a sistematização e caracterização das variáveis permitem uma melhor compreensão das vulnerabilidades as quais o ambiente está submetido, constituindo ferramenta útil na gestão adequada dessa atividade, que precisa ter suas consequências minimizadas.

Desta forma, compreende-se a importância do Estudo de Impacto Am-biental e também do Relatório de Impacto Ambiental para a implantação não somente da atividade de carcinicultura, mas também para outras que sejam altamente insumidora de recursos naturais. Por volta de 1998, a car-cinicultura era pouco significativa, mas hoje é forte em termos reais e po-tenciais, uma vez que existem no total 134 empreendimentos em Sergipe, e 112 desses buscam o licenciamento ambiental para efetivarem seu funcio-namento. Para São Cristóvão foram expedidas 33 licenças, porém 32 destas se encontram em Termo de regulamentação da atividade, sendo uma situ-ação preocupante. É importante ressaltar a relevância de mais estudos que avaliem os impactos causados pela carcinicultura tanto no setor econômico e social, quanto ao meio ambiente, e os indicadores propostos nesse estudo podem colaboram para a realização de pesquisas futuras relacionadas a essa atividade no estuário do Rio Vaza-Barris.

Com base no levantamento de dados relacionados à carcinicultura pre-sente no estuário do Rio Vaza-Barris, foi possível diagnosticar que em grande parte dos empreendimentos não há tratamento adequado dos resíduos dos viveiros antes que sejam lançados no estuário adjacente. Além disso, a im-plantação dos viveiros causa grandes modificações estruturais nas áreas do

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entorno dos estuários, devido à construção dos canais de abastecimento e dos viveiros de engorda. Mesmo que haja preocupação de parte dos carci-nicultores de manter algumas áreas do manguezal preservadas, também é preciso uma fiscalização mais intensiva realizada pelos órgãos responsáveis e cumprimento da legislação ambiental vigente.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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237

SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS (AMBIENTAIS) EM ASSENTAMENTOS RURAIS

Bruno Gomes Cunha; Alceu Pedrotti

INTRODUÇÃO

Os desmatamentos causados pela conversão do solo para agricultura e pecuária, a extração predatória de madeira, a caça ilegal, a poluição do ar e da água, a disposição inadequada de resíduos sólidos e outras formas de uso não sustentáveis estão entre os fatores antrópicos que vêm contribuindo para a degradação dos recursos naturais. A deficiente gestão do patrimônio natural e a carência de incentivos econômicos relacionados com a conservação am-biental são as causas determinantes para essa realidade (PAGIOLA et al, 2003).

Segundo a Avaliação Ecossistêmica do Milênio - AEM (2005) concluiu que mais de 60% dos recursos ambientais estão degradados ou sendo utilizados de forma não sustentável. Ainda, Lemos (2001) comenta que a sinergia de três fatores promove a depredação da base de recursos naturais da região Nordeste e dificultam, ou até inviabilizam, a produção de bens agrícolas:

“O elevado nível de concentração fundiária induz a superex-ploração dos minifúndios, sobrecarregando a base de recursos naturais, bem como grandes estabelecimentos substituem a vegetação nativa por extensas áreas com pastagens e/ou por imensas áreas de monoculturas, com impactos marcantes sobre o meio ambiente; A instabilidade climática, por meio da ocor-rência sistemática das secas e à forma irregular com que as chu-vas se distribuem na região, tanto temporal como espacialmente; Uso agrícola atual, sem a prática de técnicas preservacionistas e de reposição de nutrientes, e nos grandes empreendimentos, a compactação do solo, eliminação da cobertura vegetal natural e destruição da camada superficial do solo e da matéria orgânica, acelerando os processos erosivos; o uso intensivo de fertilizantes e corretivos químicos que leva à degradação deste recurso natu-ral (LEMOS, 2001: 407)”.

q Serviços Ecossistêmicos (Ambientais) em Assentamentos Rurais238

No Brasil, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA tem como missão prioritária a execução da Política Nacional de Reforma Agrária - PNRA e a realização do ordenamento fundiário do território brasi-leiro. Segundo Soares & Espindola (2008), busca-se por meio da implantação de assentamentos rurais, a ordenação interna do espaço físico e os princí-pios básicos para as ações promotoras do desenvolvimento rural sustentá-vel, ou seja, de adequação dos interesses ambientais, sociais e econômicos.

Atualmente, o Brasil vivencia uma importante crise de fornecimento de água, ficando evidente a maneira negligente como foi abordado o tema do aquecimento global e a da oferta de água, associada ainda, a uma gestão des-contínua e despreocupada com a preservação ambiental (ASSAD et al., 2015).

Noutra ponta, No final de 2015, na Cúpula de Paris (COP 21), 195 países assinaram um acordo contra o aquecimento global, sendo considerado o pri-meiro pacto universal da história das negociações sobre o clima, estabelecen-do, dentre outros aspectos, que o aumento da temperatura média do planeta não supere os 2º C em relação aos níveis pré-industriais. (EL PAÍS, 2015).

Por conseguinte, têm-se a agricultura e a pecuária como principais con-tribuintes para as emissões antrópicas de gases de efeito estufa – GEE, os quais podem ser relacionados ao aquecimento global, tendo como exem-plos o cultivo de arroz irrigado por inundação, a bovinocultura, o uso agríco-la dos solos e a queima de resíduos agrícolas (LIMA & CABRAL, 2004).

Para BRASIL (2015),

os serviços ecossistêmicos abrangem os benefícios obtidos pelo homem a partir do funcionamento dos ecossistemas, envolven-do os benefícios diretos, como a produção de alimentos, a con-servação da água e do ar, a manutenção do clima, a conservação do solo, a polinização e a dispersão de sementes, bem como os benefícios indiretos, relacionados com valores espirituais, cultu-rais, sociais e paisagísticos. O serviço ambiental constitui a ação humana voltada para a conservação dos ecossistemas naturais, que prestam os serviços ecossistêmicos” (BRASIL, 2015:4).

Até pouco tempo, bens e serviços ambientais eram ignorados, até mes-mo classificados como bens livres, isentos das leis de escassez. Com o uso excessivo e a degradação destes ativos, a sociedade viu a necessidade de estabelecer um preço para o uso dos recursos disponíveis pela natureza, de-terminando-se valores de taxas e tarifas ambientais. Em que pese que um serviço ecossistêmico não seja um bem puramente econômico, o mesmo

Bruno Gomes Cunha; Alceu Pedrotti q 239

tem características de similaridade com os bens econômicos, pois tem con-sumo e valor (MOTA & BURSZTYN, 2013).

O pagamento por serviços ambientais – PSA seria um instrumento base-ado no mercado para financiamento de conservação ambiental, que consi-dera os princípios do usuário-pagador e provedor-recebedor. Aqueles que se beneficiam dos serviços ambientais, como, por exemplo, os usuários de água, deveriam pagar por tais serviços, enquanto os que contribuem para a geração desses serviços, deveriam ser compensados por proporcioná-los.

Da mesma forma, segundo Antoniazzi (2008), a literatura atual ainda é li-mitada em termos de quantificação dos serviços ambientais gerados, de sua demanda e sua viabilidade econômica. E ainda, mais escassos, quando se trata daqueles inseridos em assentamentos rurais. Assim, este trabalho tem por objetivo apresentar e discutir sobre a importância dos serviços ecossis-têmicos inseridos nos assentamentos rurais para a sociedade.

1. DESENVOLVIMENTO

Este capítulo foi elaborado a partir do levantamento bibliográfico acer-ca da temática abordada, bem como da discussão de alguns dos resultados obtidos na pesquisa “Agricultores, ambientes e usos no Projeto de Assenta-mento São Francisco, Buritizeiro, Minas Gerais”.

1.1 SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS/AMBIENTAIS

Segundo a classificação proposta pela AEM (2005), os serviços ecossis-têmicos são os benefícios gerados pelos ecossistemas, independentemente da atuação humana e os serviços ambientais se referem aos benefícios decorrentes de iniciativas antrópicas que contribuam para manter ou aumentar a provisão de benefícios advindos desses sistemas ecológicos. Daily (1997) adota o termo serviço ecossistêmico para designar as condições e os processos pelos quais os ecossistemas sustentam a vida humana entendendo que se deve distinguir “pro-dutos” de “serviços” dos ecossistemas, ou seja, os produtos dos ecossistemas (produtos madeireiros e não‑madeireiros das florestas ou frutos do mar) não podem ser inseridos como serviços ecossistêmicos.

Por sua vez, Peixoto (2011) sugere que estes termos podem ser sinôni-mos, já que, no cenário atual, a manutenção da capacidade dos ecossiste-mas em manter as condições ambientais apropriadas, acabam por depender da implementação de práticas humanas que minimizem os impactos nega-

q Serviços Ecossistêmicos (Ambientais) em Assentamentos Rurais240

tivos do desenvolvimento/industrialização nesses ecossistemas, ou seja, os serviços ecossistêmicos dependem do provimento de serviços ambientais (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA, 2012).

Assim, com base no marco conceitual proposto pela AEM (2005), os ser-viços ecossistêmicos podem ser categorizados em serviços de suporte, re-gulação, aprovisionamento e cultural, conforme descrito no Quadro 1:

Quadro 1: Classificação dos serviços ecossistêmicos

SUPORTE REGULAÇÃO PROVISÃO CULTURAL

Mantêm a pere-nidade da vida na Terra, tais como formação do solo, polinização, manu-tenção da biodiver-sidade, fotossíntese e ciclo de nutrien-tes

Ajudam na manuten-ção da estabilidade dos processos ecossis-têmicos, tais como o seqüestro de carbono, a qualidade do ar e da água, a manutenção do equilíbrio do ciclo hidrológico, controle de processos críticos de erosão, etc.

Fornecem bens ou produtos am-bientais, utilizados pelo ser humano para consumo ou comercial ização, incluindo alimen-tos, água, madeira e fibras

Fornecem benefí-cios recreacionais, estéticos e espiritu-ais, incorporados os valores da cultura humana

Fonte: AEM (2005).

Haddad (2011) cita que a comunidade científica reconhece o sequestro e estoque de carbono; a proteção da biodiversidade; a proteção de bacias hidrográficas e a proteção da paisagem, como os principais tipos de serviços ambientais prestados por uma propriedade rural. E, Vilar et al. (2012) comen-tam que as áreas de preservação permanente e de reserva legal são de suma importância para manutenção das funções ecológicas dos ecossistemas e para o fornecimento dos serviços ambientais.

Por outro lado, percebe-se que, na maioria dos casos, estas áreas, por não poderem ser utilizadas diretamente, são consideradas improdutivas e sem valor econômico, pois não geram renda direta para o produtor. Valle e Costa (2004) afirmam que os produtores rurais dificilmente destinam áreas potencialmente produtivas para áreas de preservação permanente ou de reservas legais, pois entendem que isto geraria prejuízo econômico e que a legislação exerce um confisco de parte de sua propriedade, indisponibilizan-do a utilização destas áreas.

De acordo com BRASIL (2012), a área de preservação permanente – APP e de reserva legal – RL podem ser conceituadas, respectivamente, como

Bruno Gomes Cunha; Alceu Pedrotti q 241

área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a fun-ção ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gêni-co da fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas. A Reserva legal é uma área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural [...] com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rurais, auxiliar na conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodi-versidade, bem como abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa. (BRASIL, 2012).

Assim, o valor dos serviços ambientais não é percebido pelos potenciais provedores, que fazem uso alternativo dos ecossistemas para obter benefí-cios econômicos imediatos. Há produtores rurais que desenvolvem ativida-des agropecuárias em função de seus valores culturais e econômicos, em detrimento da conservação da vegetação nativa, que lhes poderia oferecer produtos extrativos, água limpa, absorção de carbono, dentre outros. E, se o produtor rural renunciar a uma prática agropecuária terá que arcar com um custo, que é denominado “custo de oportunidade” (ANA, 2012).

Por conseguinte, Mattos et al (2007) concluem que há um grande risco destas áreas continuarem sendo degradadas e substituídas enquanto estas não forem atraentes econômica e socialmente para os diferentes agentes do meio rural, já que alguns proprietários rurais que não respeitam a legislação não são cobrados e outros que as mantém não recebem nenhum benefí-cio. Neste caso, o Pagamento por Serviços Ambientais - PSA estimularia a recuperação e conservação de áreas de cobertura de vegetação nativa nas áreas de preservação permanente e de reserva legal da propriedade rural (PIMENTA, 2011).

Na América Latina, desde 1996, a Costa Rica; país pioneiro no Pagamen-to por Serviços Ambientais, vem estabelecendo contratos com proprietários rurais que prestam serviços ambientais em suas propriedades, especialmen-te, na conservação e recuperação de áreas de florestas (SOUZA, 2013).

No Brasil, o tema PSA é particularmente interessante, já que foi implan-tado no começo da década de 2000 pelas ONGs e pelos governos locais, dando espaço a uma experimentação considerável e direcionada para uma diversidade de práticas em todo o país, diferentemente de outros países, como a Costa Rica e o México, em que o PSA tem sido administrado pelos governos nacionais (COUDEL et al., 2013).

q Serviços Ecossistêmicos (Ambientais) em Assentamentos Rurais242

O Código Florestal, em vigência, no seu Capítulo X - Do Programa de apoio e incentivo à preservação e recuperação do meio ambiente, cita que

a União poderá instituir programa específico de apoio e incen-tivo à conservação do meio ambiente, mediante o pagamento ou incentivo a serviços ambientais gerados pelos imóveis rurais; compensação pelas medidas de conservação ambiental; e incen-tivos para comercialização, inovação e aceleração das ações de recuperação, conservação e uso sustentável das florestas e de-mais formas de vegetação nativa (BRASIL, 2012).

O Brasil ainda não possui um marco legal federal que institua um arca-bouço normativo, mas, atualmente, está tramitando no legislativo federal, o Projeto de Lei (PL) no 312/15, que institui a Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (PNPSA), com o intuito de recompensar financeira-mente o produtor rural que preservar ou desenvolver iniciativas de preser-vação ou recuperação ambiental em sua propriedade.

Segundo Pagiola (2006) para o desenvolvimento e a implementação de esquemas de pagamento de serviços ambientais, são necessários a avalia-ção da gama de serviços dos ecossistemas que fluem de uma determinada área e quem se beneficia; uma estimativa do valor econômico desses bene-fícios para os diferentes grupos de pessoas; e uma política de subsídio ou de mercado para capturar esse valor e recompensar os proprietários para a conservação da fonte dos serviços de ecossistema.

Jardim (2010) cita que os projetos de PSA existentes compreendem ser-viços ambientais associados a uma das quatro categorias distintas: mercado de carbono, mercados de biodiversidade, mercados de água e mercado de beleza cênica, sendo que no Brasil, os programas de PSA em andamento enfocam a água, o carbono e a biodiversidade (FERREIRA, 2015).

Nos sistemas de PSA-Carbono, paga-se geralmente por tonelada de CO2 não emitido para atmosfera ou seqüestrado; nos sistemas PSA-Água, paga-se pela manutenção ou aumento da quantidade e qualidade da água; nos sistemas PSA-Biodiversidade, paga-se por espécies ou por hectare de habitat protegido; e nos sistemas PSA-Beleza Cênica, paga-se por serviços de turismo e permissões de fotografia (SEEHUSEN & GUEDES, 2011).

O Quadro 2 ilustra os principais serviços ambientais, bem como cita os inúmeros benefícios associados a estes serviços ambientais e, pro fim, pro-põe-se as diferentes formas/mecanismos para realizar a compensação, com base no princípio provedor-recebedor.

Bruno Gomes Cunha; Alceu Pedrotti q 243

Quadro 2: Tipos de serviços ambientais e formas de remuneração

Proteção dos recursos hídricos

Proteção da biodiversidade

Sequestro ou armazenamento

de carbonoBeleza cênica

Serv

iço

ambi

enta

l

(por exemplo: redu-ção da sedimentação

em áreas a jusante, melhora na qualidade da água, redução de enchentes, aumento de fluxos em épocas secas, manutenção de habitat aquático, controle de contami-

nação de solos)

(por exemplo: prote-ção das funções de manter os ecossis-

temas em funciona-mento, manutenção

da polinização, manu-tenção de opçõe de uso futuro, seguros

conta choques, valo-res de existência)

(por exemplo: absorção e

armazenamento de carbano na

vegetação e em solos).

(por exemplo: proteção da

beleza visual para recreação

Paga

-se

por

Reflorestamento em matas ciliares, manejo de bacias hidrográfi-cas, áreas protegidas,

qualidade da água, aquisição de terras, créditos de salini-

dade, servidões de conversação etc.

Áreas protegidas, di-reitos de bioprospec-ção, produtos amigos

da biodiversidade, créditos de biodiver-

sidade, concessões de conservaão, aquisição

de terras, servidões de conservação

Tonelada de carbono não emitido ou

sequestrado atra-vés de Reduções Certificadas de Emissões (ERU), créditos de off-

sets de carbono, servidões de

conservação etc.

Entradas, permis-sões de acesso de longo prazo,

pacotes de serviços turísticos, acordos de uso sustentável de recursos natu-rais, concessões para ecoturismo, aquisição e arren-damento de terras

etc.Fonte: Seehusen & Guedes (2011).

Assim, com relação aos serviços ambientais de proteção dos recursos hídricos, no Brasil, já são comuns as experiências que envolvem o paga-mento por serviços ambientais quanto à proteção dos recursos hídricos, a exemplo do Programa Produtor de Água (Espírito Santo), Programa Con-servador das Águas (Extrema/MG), Projeto Oásis (Guarapiranga, SP) e o Proambiente, na Amazônia (VILAR et al, 2012).

O Programa Bolsa Verde, instituído em Minas Gerais (MG), em 2008, fi-nancia a proteção e ampliação da cobertura vegetal nativa em áreas neces-sárias a proteção das formações ciliares, a recarga de aquíferos e a proteção da biodiversidade, atribuindo prioridade de participação aquelas proprie-dades que mantenham a área de preservação permanente (APP) e a reserva legal (RL) acima do limite mínimo legal e que se que se utilize de práticas de conservação e de produção agroecológicas (TEJEIRO & STANTON, 2014).

O Projeto Conservador das Águas, em Extrema/MG, é um dos projetos pio-neiros e referência no Brasil, sendo que suas águas constituem um dos prin-

q Serviços Ecossistêmicos (Ambientais) em Assentamentos Rurais244

cipais mananciais de abastecimento do Brasil chamado Sistema Cantareira, construído com o objetivo de abastecer a região metropolitana de São Paulo. Por meio da adesão voluntária de proprietários rurais, buscam-se a melhoria da qualidade de água e regularização da vazão nos rios; redução das erosões e do assoreamento de mananciais; conservação e restauração de florestas nati-vas e de ações e práticas de conservação do solo (EXTREMA, 2010).

Desta forma, os Pagamentos por Serviços Ambientais hidrológicos bus-cam garantir a qualidade e quantidade da água para abastecimento público, por meio da intervenção na gestão da bacia hidrográfica, e, tradicionalmen-te, são focados no uso do solo, nas suas práticas, no saneamento ambiental, na cobertura vegetal e na recuperação de áreas degradadas diretamente ligadas à água, tais como áreas de preservação permanente (TEIXEIRA, 2011).

No caso de incentivos à conservação ambiental em assentamentos rurais, desde 2011, vem sendo executado o Programa de Apoio à Conservação Am-biental – Programa Bolsa Verde, do Governo Federal, onde famílias assentadas em situação de extrema pobreza podem acessar recursos financeiros, no valor de R$ 300,00/trimestre, desde que atendam a alguns critérios, e promovam a con-servação dos ecossistemas, através da manutenção e uso sustentável (BRASIL, 2011). Além disso, pode haver a inserção dos assentamentos rurais federais em programas estaduais de preservação da cobertura vegetal.

Em Sergipe, o município de Canindé do São Francisco possui a Lei Mu-nicipal no 24/2013, que “cria o Projeto Recuperador e Preservador de Águas, autorizando o executivo a prestar apoio financeiro a proprietários rurais e dá outras providências” (CANINDÉ DO SÃO FRANCISCO, 2013).

Com relação aos serviços ambientais relacionados ao sequestro e ar-mazenamento de carbono, Carvalho et al (2010) citam que o reservatório pedológico contém 2.500 Pg de carbono, divididos em 1.550 Pg na forma de C orgânico e 950 Pg de C inorgânico, e, considerando apenas a camada superficial de 30 cm do solo, o estoque de C está em torno de 800 Pg, quase a mesma quantidade armazenada no compartimento atmosférico.

O mercado de créditos de carbono é o esquema mais difundido no mun-do de PSA, surgido nas negociações globalizadas no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CNUMC), emergindo como um instrumento eficaz e de custo-efetivo para a redução de emissões de GEE no âmbito do Protocolo de Quioto (CASTRO & MOTTA, 2013).

Por outro lado, questiona-se o PSA utilizado para a preservação/con-servação de áreas protegidas (preservação permanente e reserva legal, por ser o mesmo indevido, já que as matas ciliares se encontram sempre inserido em Área de Proteção Permanente, e corroborado no Código Flo-

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restal, é obrigação do proprietário a sua manutenção, e, se encontrarem degradadas, tem o dever de restaurá-las, sendo obrigatória a manuten-ção destes ambientes (TEIXEIRA, 2011).

Em contrapartida, pode-se se contrapor a este argumento na medida em que há uma tendência mundial em se incentivar financeiramente as con-dutas ambientais desejáveis, inclusive, tais incentivos já encontram abrigo na legislação brasileira, conforme já citado. Complementando este entendi-mento, Altmann (2008) apud Teixeira (2011) explica que

o Pagamento por Serviço Ecossistêmico (PSE) não visa a ressarcir o proprietário por sua condição jurídica de deter o domínio de uma área considerada de preservação permanente. No sistema de PSE, a obrigação de recuperar e/ou preservar as matas ciliares diz respeito ao provedor. O PSE, portanto, visa a retribuir a ação (conduta) daquele - proprietário ou não - que recupera, assim como a omissão, quando esta reverter em benefício dos serviços ambientais considerados. Em outras palavras, o PSE visa a recompensar aquele que adota uma con-duta ambientalmente correta. (ALTMANN apud TEIXEIRA, 2011: 161).

Assim, o pagamento por estes serviços ambientais seria justificado pela contribuição dos produtores rurais para o abatimento efetivo da erosão e da sedimentação, para o aumento da infiltração de água, conservação de habitat para a fauna silvestre e revitalização da bacia hidrográfica (Jardim, 2010), bem como para o sequestro e fixação do carbono no meio ambiente.

ASSENTAMENTOS RURAIS

Os assentamentos rurais podem ser inicialmente definidos como novas unidades de produção que, no nível local ou regional, reordenam, em vá-rios sentidos, o sistema de propriedade e uso das terras, estabelecem outros padrões sociais de produção agrícola e, por vezes, criam novas dinâmicas econômicas e sociais (DIAS, 2004).

Fernandes et al (2008) comenta que

vigora uma nova concepção de projeto de assentamento rural, que ultrapassa a clássica concepção de reforma agrária como si-nônimo de divisão de terra, passando a significar a garantia de conservação e preservação ambiental, constituindo um dos ins-trumentos operacionais de reabilitação do território e da difusão

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de práticas de controle ambiental adequadas aos contextos geo-ambientais e sociais das áreas de instalação da reforma agrária. (FERNANDES et al, 2008: 1356).

Mas a questão ambiental sempre foi um fator limitante para o desen-volvimento de assentamentos rurais, seja devido ao desgaste ambiental das terras utilizadas na criação de assentamentos, em que os problemas ambientais já existiam no imóvel, ou ainda, devido ao “peso” da legislação ambiental sobre os assentamentos (SILVA, 2000).

Segundo Moura et al (2008), quanto maior for o número de assentamen-tos rurais maior conservação dos recursos naturais poderá ser constatado, já que estes empreendimentos rurais são fiscalizados e necessitam está cum-prindo a legislação ambiental, especialmente quanto a conservação das áre-as de preservação permanente e averbação de reserva legal.

Em Sergipe, o INCRA SR 23/SE tem a gestão de 203 assentamentos rurais, que compreende numa área de 1.621,67 km2 (INCRA, 2015), equivalente a cer-ca de 7% do território sergipano, ou ainda, com área superior ao maior muni-cípio sergipano, Poço Redondo, com 1.220 km2 (IBGE, 1990). Segundo o Diag-nóstico Florestal de Sergipe (SERGIPE, 2015), as áreas mais conservadas e com remanescentes florestais sergipanos estão inseridas nos assentamentos rurais.

Adiante, com base em INCRA (2015), sabendo-se que cada assentamento rural deve possuir, no mínimo, 20% de sua área averbada/delimitada como de reserva legal, e, considerando um percentual estimado de 5% de área de preservação permanente – APP em cada assentamento, o INCRA teria uma área total (RL + PP) de 405,42 km2, classificada como área de proteção ambiental, que não podem ser utilizadas diretamente como áreas agrícolas pelos assentados, mas em contrapartida, possuem grande importância am-biental, advinda dos recursos naturais existentes, os quais podem proporcio-nar serviços ecossistêmicos para a sociedade.

Assim, teoricamente, na fase de planejamento do uso das terras dos assentamentos rurais, haveria a delimitação das áreas de preservação per-manente, de reserva legal, da área do núcleo urbano, das estradas vicinais e dos lotes agrícolas. Tal planejamento e gestão ambiental são almejados pelo Plano Nacional de Reforma Agrária, uma vez que seus objetivos visam o acesso a terra, a segurança alimentar, a conservação dos recursos naturais e a justiça social por meio de políticas agrícolas adequadas ao desenvolvi-mento sustentável (SOBRAL et al, 2015).

Por outro lado, Anjos et al (2008) comentam que, para o assentado, a reser-va legal é vista como lugar proibido, cuja propriedade é questionada, sendo

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considerada uma imposição jurídica, exercendo autoridade sobre o agricultor. Tal concepção pode ser alterada com o desenvolvimento de pesquisas sobre serviços ambientais e seu pagamento, em assentamentos rurais.

Assim, para o desenvolvimento sustentável destas novas unidades de produ-ção e, consequentemente, para efetivação da Política Nacional de Reforma Agrária, torna-se mister que os dispositivos legais da Política Nacional do Meio Ambiente sejam respeitados. Dentre os aludidos dispositivos, destaca-se a Lei 12.651/2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, sobretudo, as que estão situa-das em áreas de preservação permanente – PPs e de reservas legais – RLs.

Por conseguinte, com a vigência da citada lei, os assentamentos rurais devem estar inseridos no Sistema de Cadastro Ambiental Rural - SICAR, para que estejam regularizados ambientalmente (BRASIL, 2014), podendo aderir ao Programa de Regularização Ambiental – PRA, ofertar Cotas de Reservas Ambientais – CRA, ou ainda, credenciar-se para algum programa de Paga-mento de Serviços Ambientais – PSA.

OS SERVIÇOS AMBIENTAIS NO ASSENTAMENTO SÃO FRANCISCO, BURITI-ZEIRO/MG

A região norte de Minas Gerais, apesar das condições adversas, concen-tra número expressivo de assentamentos rurais, implantados pelo INCRA, contendo em suas áreas, grandes remanescentes do Bioma Cerrado e de ve-redas. A formação Vereda pode ser entendida como um ambiente hidrófilo, com zonação vegetacional, tendo como elemento arbóreo os renques de buriti (Mauritia sp.) É considerado um ecossistema de grande importância ecológica e sócio-econômica, já que pode servir de refúgio fauno-florístico, de meio de sobrevivência para as comunidades tradicionais, e, principal-mente, como produtor e reserva hídrica (CUNHA, 2009).

Cunha et al (2013) estratificou o assentamento São Francisco em cinco geoambientes, a saber: chapadas arenosas, chapadão de cimeira, bordas e escarpas areníticas, rampas coluviais, e vereda e vazantes hidrófilas, obser-vando-se que o processo de degradação do ecossistema foi iniciado bem antes da implantação do assentamento, com a devastação do bioma Cerra-do para implantação de plantios de eucaliptos e a abertura de estradas para o escoamento da produção e circulação de pessoas.

Considerando que a maior parte dos solos deste assentamento é arenosa, de baixa fertilidade e ácidos, os sedimentos dos geoambientes foram carrea-dos para o geoambiente vereda e vazantes hidrófilas, soterrando-o (Figura 1).

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Figura 1: Vereda soterrada e perfil de solo ‘orgânico” com colúvio superficial.

Este geoambiente é considerado área de preservação permanente, podendo ser considerado um dos mais importantes, seja do ponto de vista ambiental quanto sócio econômico ambientes do bioma Cerrado. Tal argu-mento é válido, seja on-site, na medida em que os agricultores fazem uso agrícola dos solos ricos em matéria orgânica e com reserva hídrica existentes neste geoambiente, em detrimento aos demais. E, off-site, este geoambiente é a principal fonte hídrica para a região e a sua conservação promove o for-necimento de forma qualitativa e quantitativa, destes serviços hidrológicos. Além disso, este geoambiente é composto por solos com alto teor de carbo-no (Gleissolos e Organossolos), que estocam grande percentual de carbono orgânico.

Ainda, tem-se a área de reserva legal, na Serra dos Alemães, que abrange os geoambientes chapadão de cimeira, bordas e escarpas areníticas, com área significativa e de grande beleza cênica, que serve de refúgio e proteção para a fauna, além de turismo.

Com a implantação do assentamento, apesar dos conflitos socioambien-tais relatados por Cunha (2009), foi possível a restauração destes serviços ecossistêmicos, por meio de vários mecanismos, seja pelo Programa Bolsa Verde, do governo de Minas Gerais, que repassa valores financeiros para os assentados, ou ainda, de parcerias com ONGs e universidades, que, além do processo de educação ambiental, cederam hora/máquina e materiais para cercamento das veredas e para o replantio de espécies nativas, bem como da construção de bacias de captação e a construção de barreiras de con-

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tenções com pneus, na tentativa (nem sempre com sucesso) de impedir o processo erosivo (Figura 2).

Figura 2: Práticas conservacionistas adotadas no assentamento São Francisco.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A degradação dos serviços ecossistêmicos advém da sua demanda ex-cessiva e da perda crescente da sua capacidade de prestarem esses serviços. Por sua vez, as ações antrópicas que beneficiam estes serviços podem ser uma alternativa promissora, na busca da sustentabilidade dos sistemas pro-dutivos e ambientais.

Os assentamentos rurais possuem significativas áreas de proteção am-biental preservadas que prestam significativos serviços ambientais, a exem-plo do assentamento São Francisco, que por meio dos serviços ambientais, busca viabilizar a recuperação/manutenção dos serviços ecossistêmicos.

A identificação e a valoração destes serviços ecossistemas ainda é um desafio, sendo necessária a instituição de políticas de incentivo à conser-vação dos serviços ecossistêmicos, a exemplo do Pagamento por Serviços Ambientais - PSA

Assim, no Brasil, as ações de PSA são pulverizadas, devido à inexistência de uma política nacional, estando ainda em discussão no legislativo, a Políti-ca Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais – PNPSA.

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PLURIATIVIDADE: ESTRATÉGIA DO AGRICULTOR FAMILIAR ASSENTADO

Ronise Nascimento de Almeida; Maria José Nascimento Soares; Alceu Pedrotti

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos o meio rural brasileiro vem passando por importan-tes transformações, modificando as estruturas socioeconômicas e impondo novos padrões na questão do espaço agrário e agrícola, tornando-o cada vez mais diversificado (MOREIRA, 1999; WANDERLEY, 1997; DELGADO, 2010). Essas transformações estão relacionadas não apenas às estrutura de produ-ção agrícola e seus aspectos econômicos, sociais e políticos, bem como, as formas de ocupação, apropriação e utilização da terra. Mas, sobretudo, às questões de cunho ambiental e ao desenvolvimento da diversificação das atividades produtivas agrícolas1 e não agrícola incorporado a uma nova perspectiva de desenvolvimento sustentável dos territórios rurais.

Transformações estas, influenciadas de forma iminente pelo processo de modernização tecnológica da agricultura, que não apenas melhorou a produção e a produtividade agrícola, possibilitando também a (re) confi-guração de diversas formas de trabalho para o homem do campo, incorpo-rando, em muitos casos, diferentes alternativas econômicas de reprodução familiar. Tal processo traz consigo duas concepções distintas: ora positiva, responsável pelo desenvolvimento das forças produtivas, oferecendo maio-res oportunidades de trabalho e renda, e, por conseguinte favorecendo a permanência do agricultor familiar no meio rural; ora negativa quando atre-lada á expropriação dos meios de trabalho, podendo levar a um processo de proletarização do agricultor familiar, contribuindo para o agravamento do vazio demográfico da população rural.

Assim, as inovações introduzidas no meio rural brasileiro, aos poucos não só modificaram a forma de viver e trabalhar, como também, levaram a novos contornos ao conceito de rural, cujo significado tanto no campo acadêmico quanto no político, se apresenta desvinculando-se cada vez mais

1 Por atividades agrícolas, entende-se, como aquelas provenientes dos cultivos de plan-tas, como a produção de grãos, cereais, hortaliças. Além da criação de animais bovinos, suínos, caprinos e aves, dentre outros.

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do sinônimo de agrícola, em que a importância econômica das atividades produtivas tradicionais encontra-se gradativamente reduzida ou assumindo novos significados (LOPES; COSTA, 2010), enquanto que outras atividades produtivas não agrícolas estão sendo (re) criadas, com grande importância econômica, social e ambiental (VILELA, 2002), ampliando assim, as possibili-dades de reprodução dos agricultores familiares assentados e seus meios de produção e sobrevivência.

Dada à existência e coexistência das atividades agrícolas e não agrícolas, sejam elas, de forma consensuada ou constrangida, no seio da agricultura familiar, o meio rural assume não apenas a dimensão agrícola produtiva, ca-racterística eminente dos agricultores monoativos 2, bem como, encontra-se relacionado com o desenvolvimento de novas relações econômicas e so-ciais, ligados a um conjunto de atividades não-agrícolas, sendo reconhecido como espaço de vida e de trabalho, atrelado não exclusivamente a organiza-ção das explorações agrícolas.

Neste contexto, o espaço rural, próprio da agricultura familiar assenta-da, foi se constituindo por meio de diversos processos, sociais, econômicos e culturais que, por diversas vezes, apresentaram-se de forma conflituosa; outras, no entanto, se estabeleceram por meios de consensos, vivenciados pelos agricultores, no espaço rural, ao longo dos anos.

Em consonância com Lefébvre (1976), o espaço é compreendido aqui como o lócus em que as relações sociais são reproduzidas, assim, faz-se mis-ter internalizar o espaço rural como uma construção social, “[...] produto das sociedades, que transforma em instrumentos e meio da própria reprodução” (BRUNET, 2010, p. 24), no qual se estabelece uma variedade de relações, eco-nômicas, culturais, de poder e de pertencimento, que revela o modo de vida de um povo.

Com base nessas concepções, sugere que, o espaço, pode ser consti-tuído por um conjunto de objetos e ações, organização das formas das es-truturas e processos, interrelacionados e interdependentes, que, ao desen-volverem relações sociais, territorializam o espaço (SANTOS 1996). Raffestin argumenta que o homem, como ator social, “[...] ao se apropriar de um espa-ço, concreta ou abstratamente, o ator ‘territorializa’ o espaço” (1993, p. 143), ultrapassando assim, uma possível linearidade entre o espaço e o território.

Considerando-se toda a sua complexidade, percebe-se então que o terri-tório se forma a partir das relações de poder, que permeiam nosso cotidiano,

2 Agricultores, que tem a agricultura como única atividade desenvolvida, ou seja, agri-cultores ocupados apenas com a agricultura.

Ronise Nascimento de Almeida; Maria José Nascimento Soares; Alceu Pedrotti q 255

todas as estruturas sociais, que estão presentes nas nossas relações sociais, e isso, reforça a ideia de que os territórios se estabelecem nas relações dos espaços conquistados e vivenciados pelos atores sociais – nos projetos de assentamentos rurais.

Por conseguinte, no território rural, a diversificação das atividades eco-nômicas produtivas dos assentados, tendo como foco principal a discussão da questão da pluriatividade, como base desafiadora a produção do conhe-cimento sobre o território rural, passa então, a ocupar um lugar importante no cenário atual da sociedade brasileira, colocando-se no centro do debate, temas como agricultura familiar, pluriatividade e sustentabilidade. Assim, considerando seus pluralismos epistemológicos, faz-se necessário, o conhe-cimento acerca do debate conceitual referentes aos termos de modo a in-terligá-los.

A noção teórica e conceitual da agricultura familiar vem sendo constru-ída, apropriada, trabalhada e legitimada, não exclusivamente pela comuni-dade científica, mas, principalmente encontra-se presente nos campos po-líticos, sociais e institucionais, sujeita a várias interpretações, apresentando ideias e propostas diferenciadas. Por um lado, autores como Abramovay (2007), Servolin (1989), Schneider (2003), envolvidos nos debates políticos dos anos 90, no qual representam uma nova forma de pensar o meio rural brasileiro e as perspectivas para o seu futuro, veem no agricultor familiar um “novo” personagem da agricultura brasileira, desenvolvida a partir das transformações da sociedade capitalista contemporânea.

Por outro lado, encontram-se os defensores do caráter histórico e tradi-cional da agricultura familiar, ainda em evolução, enfatizando, que, esta não é uma categoria recente, assumindo no tempo e no espaço uma diversidade de formas. No centro desta reflexão, estão às abordagens de autores como Lamarche (1998) e Wanderley (1999). Para esses autores, a agricultura fami-liar, não pode ser reduzida apenas a uma só forma de produção; ela, porém contém, por assim dizer, uma variedade de situações específicas, fundamen-tada na centralidade da família, na forma de produzir e no modo de vida, criando relação de interdependência entre família, propriedade, trabalho; todavia, apresenta-se com forte capacidade de resistência e adaptação aos novos contextos políticos, econômicos e sociais.

Lamarche analisando a agricultura familiar conceitua como “[...] unida-de de produção agrícola, onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família” (1998, p. 15). Ainda para esse autor, a agricultura familiar é caracterizada pela presença de enorme diversidade, podendo ser repre-sentada mediante a forma de produzir, no uso da terra, na relação com os

q Pluriatividade256

recursos naturais e, também, por diferentes modelos de estabelecimentos familiares. Contudo, a reprodução na propriedade, a classe social existente no interior do modelo agrícola, a lógica familiar baseada nos fatores de pro-dução terra, trabalho e o grau de dependência tecnológico, financeiro ou de mercado, são características preponderantes para a definição dos modelos de estabelecimentos familiares (LAMARCHE, 1998).

Entretanto, o termo agricultura familiar, referido neste estudo, con-templa ainda os critérios propostos por autores como Buainaim e Romeiro (2003), ao considerarem que a agricultura familiar desenvolve, em geral, sis-temas diversificados de produção, combinando várias culturas, criações de animais e transformações de determinados produtos agrícolas, tanto para o consumo da família, como para atender às necessidades do mercado, as-sumindo diversas características das quais se destacam: a diversificação da produção, a estratégia de investimento, a combinação de subsistemas inten-sivos e extensivos de produção agrícola, capacidade de adaptação nos di-versos contextos, entre eles o social e econômico, e cada vez mais presente na agricultura familiar brasileira a pluriatividade.

Tal como é destacada, a agricultura familiar traz em si a tradição e a mu-dança, e retém ao mesmo tempo dimensões sociais, econômicas e ambien-tais, encontrando-se, portanto, ancorada nos pilares da sustentabilidade. O conceito de sustentabilidade, do mesmo modo, tem sido largamente utiliza-do tanto nos campos cientifico quanto políticos e sociais.

O seu sentido original resulta do verbo sustentar, mantendo a sua po-lissemia; com o passar dos anos, a palavra sustentabilidade, agregou-se ao termo desenvolvimento, como inclusão necessária a difusão e compreen-são do novo paradigma, sendo popularizado pelo relatório de Brundtland, como o tipo de desenvolvimento que tenha como finalidade “[...] atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações fu-turas de atenderem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1998, p. 9). Assim, a sustentabilidade na qual nos referimos, consiste em melhorar o desen-volvimento humano, social, econômico, ambiental, das famílias pluriativas assentadas, sem, contudo, comprometer e/ou inviabilizar a existência das futuras gerações de agricultores.

De acordo com Ruiz e Dragojevic (2010), o desenvolvimento sustentável surge da necessidade de melhoria da qualidade de vida da população, de forma igual e continua, mediante ações coordenadas entre o crescimento econômico, a justiça social e a proteção ao meio ambiente. E nessa mesma ótica, Brüseke (1988) destaca que para alcançar a sustentabilidade, torna-se necessário conciliar a eficiência econômica com justiça social e prudência

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ecológica, de tal forma, essa visão foi se incorporando aos diversos campos das ciências.

Desta forma, compreendemos a sustentabilidade fortemente relaciona-da com as estratégias desenvolvidas pelos assentados na busca efetiva da (re) produção social e econômica da família, por meio da geração de ativi-dades rurais, agrícolas e não agrícolas, aliadas a conservação dos recursos naturais e ao melhor nível de qualidade de vida no meio rural.

Assim, a sustentabilidade, estará fortemente vinculada à capacidade das famílias assentadas, diversificarem suas atividades econômicas produtivas agrícolas e não agrícolas, dentro ou fora da propriedade, de forma continua, de modo que proporcione aos assentados superar os desafios e se mante-rem engajados nas atividades produtivas agrícola, com possibilidades de melhores condições de vida. Por sua vez a sustentabilidade, encontra-se relacionada com as questões de cunho econômico, social, ambiental, bem como, as formas de ocupação da força de trabalho familiar, refletidas nas práticas pluriativas, em que “tudo” ganha sentido, ou sentidos.

Configurando-se como principal eixo dessa pesquisa, a pluriatividade tem origem na palavra francesa pluriaactivité, que significa a combinação de uma ou mais formas de renda ou inserção profissional de um ou mais mem-bros da família, e passou a ser utilizado com maior frequência, no Brasil, a partir da segunda metade dos anos 90, do século passado, assumindo assim diversos conceitos, entre eles, o defendido por Schneider, que considera a pluriatividade como,

situações sociais em que o indivíduo que compõem uma família com domicílio rural passam a se dedicar ao exercício de um Con-junto variado de atividades econômicas e produtivas, não exclu-sivamente ligadas à agricultura ou ao cultivo da terra... Ou seja, combinam a atividade agrícola com outras formas de ocupação em atividades não agrícolas (SCHNEIDER, 2009, p.27 e p.141).

Na visão de Wanderley (2003), a pluriatividade pode ser entendida como uma estratégia de sobrevivência utilizada pelas famílias que veem na diver-sificação das atividades econômicas uma forma capaz de assegurar a repro-dução e a permanência de seus membros no meio rural. Dessa forma, a plu-riatividade é compreendida não como uma abstração teórica, e sim como um elemento constituinte de estratégias de (re) produção dos agricultores familiares, representados por uma categoria de assentados que englobam a interseção de atividades agrícolas com outros tipos de atividades não-agrí-

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colas, desenvolvidas dentro e/ou fora dos assentamentos, em outros termos, na transformação em diferentes formas de exploração amparadas não mais na exclusividade da agricultura, mas na combinação com diversos tipos de atividades econômicas (CARNEIRO, 1999).

Tomando como referencia Carneiro (1999) em sua análise sobre agri-cultura familiar pluriativa, cuja concepção é mais abrangente, as famílias são concebidas não apenas como unidade de produção, mas principal-mente como unidade social, que adotam caminhos alternativos para ga-rantirem a (re) produção econômica e social de seus membros. Neste as-pecto, Lamarche (1997) coloca a pluriatividade do agricultor familiar como sendo a que proporciona um complemento de trabalho e uma ampliação no nível de renda da família rural, contribuindo para sua sobrevivência, manutenção das atividades, ou até mesmo para o seu desenvolvimento de forma sustentável.

Nesta perspectiva, a pluriatividade das famílias assentadas, assume um papel determinante na compreensão, interpretação e comparação da sus-tentabilidade das famílias pluriativas. Pois trata-se de interações complexas, entre as famílias rurais assentadas e os diversos tipos de combinação de ati-vidades e renda por elas desempenhadas, tendo em vista, o contexto socio-econômico nas quais estão inseridas.

Tal fenômeno não deve ser encarado como uma situação nova, mas uma característica histórica importante de agricultores fami-liares, que sempre, no intuito de incrementar sua renda, desen-volveram atividades não-agrícolas ou para-agrícolas (beneficia-mento de alimentos e bebidas). Essas estratégias representam, portanto, características intrínsecas dos agricultores familiares (MARAFON, 2006, p. 3).

No Brasil, segundo o Censo Agropecuário 2006, cerca de 84,0% dos do-micílios agrícolas são compostos por agricultores familiares; destes 34,1% (1.491.080) são considerados como pluriativos. Na Região Nordeste a gran-de maioria dos estabelecimentos agropecuários (92,7%) são pluriativos, di-vididos em propriedades familiares (34,4% pluriativos) e propriedades não familiares (58,3% pluriativos). O Estado de Sergipe destaca-se, entre os três primeiros Estados da Região Nordeste, com 37,2% dos estabelecimentos agrícolas familiares formados por agricultores pluriativos, ficando abaixo apenas dos Estados do Rio Grande do Norte (53,0%) e do Ceará (38,7%) (LO-PES; COSTA, 2010) e acima da média Nacional estipulada em 34,1%.

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Desta forma, a agricultura familiar sergipana encontra-se relacionada, com diversidade social, cultural, econômica, ambiental, própria da agricul-tura familiar brasileira, além de desempenhar funções não essencialmente agrícolas, reveladas pela diversificação de atividades produtivas que ocor-rem nas unidades familiares. Neste contexto, surgem desafios e possibili-dades que podem favorecer a construção de estratégias que estimulem a diversificação, e, a maximização das oportunidades de trabalho e renda para os assentados, ao mesmo tempo em que, contribuem para o fortalecimento das relações sociais, privilegiando a dinâmica das famílias rurais assentadas; assim, pressupõe-se, portanto, que as estratégias pluriativas, possam viabili-zar ações mais adequadas aos requisitos propostos para o desenvolvimento sustentável dos territórios rurais.

Tal situação demonstra cabalmente a necessidade de conhecimento da real situação da pluriatividade das famílias assentadas, cujas causas serão, certamente, múltiplas e complexas, de forma a se construir práticas e polí-ticas públicas, eficientes, voltadas a este segmento de trabalhadores rurais. Notadamente, a pluriatividade dos agricultores assentados apresenta-se como questão complexa, comportando divergências e múltiplas sugestões no que se refere a diversificação do trabalho realizada por beneficiários do Programa de Reforma Agrária, tornando-se a sua compreensão e entendi-mento um grande desafio e, igualmente de grande relevância, permitindo novas reflexões sobre o meio rural.

Desta forma, a partir de diferentes inquietações e reflexões sobre os de-safios que permeiam os agricultores familiares assentados a continuarem se (re) produzindo, conduziram-me incansavelmente a este estudo, vislum-brando a geração e aplicação do conhecimento sobre o meio rural Sergipa-no, centrando assim, a análise na pluriatividade das famílias assentadas

Segundo Pereira (2004, p. 210) as famílias dos assentados enfrentam “[...] grandes desafios para sobreviver na terra conquistada, seja na forma da ex-ploração da terra, seja na organização do trabalho”; estas dificuldades, com as quais os agricultores assentados se defrontam, muitas vezes acabam mi-nimizando a utilização dos recursos disponíveis, necessários para a (re) pro-dução social e econômica da família. Para Sacco dos Anjos e Caldas (2014), as razões de muitas das dificuldades encontradas, que põem em questão as possibilidades de reprodução das famílias assentadas, estão relacionadas, ao fato dos projetos de assentamentos de Reforma Agrária, estarem, desde a sua criação, condicionados exclusivamente a produção agropecuária.

Norder ressalta que “[...] é cada vez mais necessária uma reforma agrária que crie novas formas de inserção produtiva para as famílias rurais, seja nas

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‘novas atividades agrícolas’, ‘seja nas ocupações rurais não agrícolas” (2009, p. 60), sobre essa ótica, representa uma tentativa de ir alem do desenvolvi-mento das atividades agrícolas, apresentando-se as atividades não agrícola como mecanismo de reprodução e sobrevivência dos agricultores familiares no meio rural que buscam sua permanência na áreas assentadas.

Por outro lado, permanecer na terra conquistada, requer do assentado superar desafios, e criar estratégias que assegurem o desenvolvimento de novas frentes de trabalho e renda, promover diversificação dos sistemas de produção, e uma melhor comercialização e distribuição dos produtos por eles produzidos, garantindo a reprodução familiar, ao longo dos tempos. Conforme salienta Sacco dos Anjos, o sucesso dos assentados está em gran-de medida, atrelado a “[...] geração de emprego: no beneficiamento e trans-formação dos produtos, ou na viabilização de novas atividades geradoras de rendas e oportunidades” (2001, p.176), modificando qualitativa e quantitati-vamente o espaço ocupado.

Nessas circunstâncias, a permanência dos agricultores nos assentamen-tos passa por uma dinâmica ocupacional e pela capacidade de organizar seus recursos para garantirem a sua sobrevivência, desenvolvendo relações de trabalho e estratégias de produção que possibilite superar as dificulda-des para se manter não apenas da agricultura e dos sistemas de produção agrícola, mas também, e sobretudo, do desenvolvimento das atividades não-agrícolas realizados dentro e/ou fora das propriedades rurais.

Algumas dessas estratégias de (re) produção social dos assentados es-tão relacionadas com a pluriatividade, isto é, com a realização de diversas atividades produtivas agrícolas e não-agrícolas, sendo uma delas, obrigato-riamente, a agricultura, por conseguinte, quando o trabalho agrícola encon-tra-se aliado a outras atividades ditas como complementares (SCHNEIDER, 2004). Neste sentido, Couto Filho (2007) atribui a combinação de diversas formas de atividades agrícolas e não agrícolas a dois fatores: o primeiro, ca-racterizado pela queda dos rendimentos médios dos agricultores e o segun-do relacionado com a disponibilidade de mão de obra agrícola.

Sendo assim, a noção de pluriatividade está associada ao entendimento de um processo de ressignificação de trabalho rural, diversificado, buscando criar condições para fortalecer e potencializar as atividades agrícolas e não agrícola, criando maiores oportunidades de trabalho e renda no mundo ru-ral, ou ainda, contribuir com a possibilidade de maximizar a satisfação das necessidades dos agricultores assentados, servido de instrumento potencial de transformação de políticas públicas para o espaço rural. Conforme adver-tem Baumel e Basso,

Ronise Nascimento de Almeida; Maria José Nascimento Soares; Alceu Pedrotti q 261

A pluriatividade se estabelece como uma prática social, decor-rente da busca de formas alternativas para garantir a reprodução das famílias de agricultores, um dos mecanismos de reprodução, ou mesmo de ampliação de fontes alternativas de renda; com o alcance econômico, social, ambiental e cultural da pluriatividade as famílias que residem no espaço rural, integram-se em outras atividades ocupacionais, além da agricultura dentro ou fora da propriedade (BAUMEL; BASSO, 2004, p. 139).

Ao adotar as concepções de Baumel e Basso (2004), tem-se que o tra-balho externo à propriedade rural se torna, na maioria dos casos, uma ne-cessidade estrutural, ou seja, a renda obtida nesse tipo de trabalho vem a ser indispensável para a (re) produção não só da família, como do próprio estabelecimento familiar.

Assim, o trabalho não-agrícola, realizado por membros residentes no es-tabelecimento agrícola familiar, tem duas funções sociais: a primeira função é de complementar/incrementar a renda da família e a segunda diz respeito à permanência dessas famílias no meio rural, isto é, garantir a propriedade do bem rural (WANDERLEY, 1995) para

A pluriatividade, ou a emergência de atividades não-agrícolas no meio rural, é um fenômeno onde as famílias de agricultores tra-dicionalmente ocupadas com atividades estritamente agrícolas passam a desenvolver outras atividades como estratégia de com-plementação de renda. Essa complementação pode vir através da venda da força de trabalho familiar, da prestação de serviços, ou de iniciativas internas a propriedade como o turismo rural, o artesa-nato, diversificação na produção e pequenos beneficiamentos de seus produtos (SACO DOS ANJOS, 2003, p. 20

Estas ocupações convertem-se em alternativas de trabalhos importan-tes para os assentados nas áreas rurais, especialmente nos períodos de en-tressafras, em que, há uma menor necessidade de mão de obra nas áreas agricultáveis. É, portanto, a partir desses olhares, que avalio a pluriatividade das famílias assentadas e seus efeitos na sustentabilidade dos assentamen-tos de Reforma Agrária.

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CONCLUSÃO

Considera-se que a pluriatividade é o fenômeno que mantêm as famí-lias nos projetos de assentamentos rurais contribuindo diretamente para a sua sustentabilidade. O desenvolvimento das atividades não agrícolas rea-lizadas pelas famílias assentadas não significa o abandono das atividades agrícolas e sim, maiores diversificação de atividades produtivas, proporcio-nando transformações nas atividades agrícolas e no meio rural.

Desta forma, entendemos que a pluriatividade (desenvolvimento de ati-vidades agrícolas e não agrícola) das famílias assentadas como um mecanis-mo de desenvolvimento sustentável do meio rural, capaz de contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos agricultores assentados, que embora tenha nos cultivos agrícolas sua principal atividade econômica carecem, no entanto, do desenvolvimento de outras atividades de cunhos não agrícola, capaz de assegurar outras fontes de renda culminando assim na melhoria na qualidade de vida das famílias assentadas.

A pluriatividade corresponde a uma alternativa concreta para o desen-volvimento do território rural.

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265

PERCEPÇÃO E SATISFAÇÃO DAS FAMÍLIAS ASSISTIDAS PELOS PROGRAMAS DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA DA CHUVA NO SEMIÁRIDO SERGIPANO

Thaiza Monteiro Paz de Araujo e Inajá Francisco de Sousa

INTRODUÇÃO

1 ASPECTOS GERAIS

1.1 A região semiárida do Nordeste brasileiro e as chuvas

A região semiárida do Nordeste brasileiro (NEB) possui características cli-máticas que resultam em baixa disponibilidade de água para a população ocasionando consequências diretas na economia e na vida dos sertanejos o que gera um fator limitante ao desenvolvimento social, econômico e am-biental.

Nessa região a chuva compõe um dos elementos meteorológicos mais importantes tendo em vista o impacto ambiental que a anomalia desse componente provoca no clima regional e está diretamente relacionada aos diversos sistemas meteorológicos que determinam o regime e a variabilida-de pluvial, além de outros fatores climáticos e geográficos como a latitude, o relevo e a temperatura da superfície do mar.

Embora haja limitação hídrica na região, o problema não é a baixa quan-tidade de chuva e sim, a ausência de informações, meios, recursos e de polí-ticas públicas adequadas de apoio à população rural para captar, armazenar, e utilizar a água no período seco (SILVA et al., 2010). As estratégias para en-frentar a realidade da seca dependem da sensibilidade e do nível de res-ponsabilidade do poder público de cada país para com o bem-estar de seus cidadãos e destes pelo nível de participação na gestão dos recursos hídricos (SANTOS et al., 2009).

1.2 O ESTADO DE SERGIPE E OS PROGRAMAS DE CAPTAÇÃO DA CHUVA

O estado de Sergipe, também localizado no NEB, possui parte do terri-tório inserido na Região Semiárida com precipitação média abaixo de 700 mm.ano-1 e valores inferiores a 30 mm nos meses de verão, segundo o Sis-tema de Informação sobre Recursos Hídricos do Estado de Sergipe, e por

q Percepção e Satisfação das Famílias Assistidas pelos Programas de Captação de Água da Chuva no Semiárido Sergipano

266

isso é um dos estados assistidos por programas de Governos que financiam sistemas de captação da chuva e construção, ou distribuição, de cisternas para armazenamento da água.

Apesar de autores não recomendarem em hipótese alguma o uso da água de chuva para fins potáveis sugerindo apenas o uso em descargas dos vasos sanitários, irrigação, lavagem de passeios e calçadas (TOMAZ, 2003), para realidade sertaneja não há muitas opções senão a captação da água de chuva para o consumo humano, como beber, cozinhar, banhar-se. Em países como a China, Índia e Irã a prática de captação de água de chuva é uma técnica milenar a qual é utilizada tradicionalmente e onde há mais de dois mil anos já existem sistemas de captação de água de chuva comunitários (GNADLINGER, 2000).

Atualmente, no Semiárido sergipano, os programas hídricos e so-ciais que mais se destacam são: o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), o Programa Uma Terra, Duas Águas (P1+2) e o Programa Água para Todos, ambos financiados pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que possuem o objetivo geral de captar e armazenar a água da chuva para o consumo nos meses de estiagem, gerando um movimento de articulação e de convivência sustentável com o ecossistema do Semiárido.

1.3 A ÁGUA DE CONSUMO ARMAZENADA EM CISTERNAS

Mesmo com a implantação dos programas de captação, e a construção e distribuição de cisternas, a variabilidade na frequência e distribuição plu-viométrica tem resultado cada vez mais em anos com longas estiagens e pouca precipitação, estimulando as famílias a adquirirem água através de carros-pipa seja pelo fornecimento através da defesa civil, seja comprando água através de particulares.

A mistura da água captada da chuva, com a água distribuída por car-ros-pipa, e a da distribuição pública, juntamente com o deficiente mane-jo do sistema de captação e armazenamento acarretam em alterações da composição natural da água e nesse sentido, diversos estudos identifi-caram contaminação nas águas armazenadas em cisternas no Semiárido brasileiro. Em muitos estados do Nordeste foram comprovadas alterações microbiológicas e físico-químicas nas águas utilizadas para consumo e armazenadas em cisternas (Amorim, 2001; Silva et al., 2012; Alves et al., 2012), gerando diversas discussões sobre a aplicabilidade e a assistência dos programas às famílias.

Thaiza Monteiro Paz de Araujo e Inajá Francisco de Sousa q 267

Mas qual é a opinião das famílias assistidas pelos programas de captação e armazenamento de água de chuva? Elas estão satisfeitas com as cisternas? Fazem de fato a parte delas no sentido do manejo e limpeza do sistema? Há acompanhamento das instituições que implantaram as cisternas? Qual o uso da água? Se faz tratamento antes de consumi-la?

Essas questões norteiam parte do trabalho de Dissertação da autora e compõem um dos objetos da pesquisa: Descrever a percepção das famílias sobre a captação da chuva e a satisfação sobre a água consumida.

2 METODOLOGIA

Para compreender o sentimento, a percepção e os hábitos dos morado-res diante das características locais das chuvas, das cisternas e do acesso à água foram aplicados de forma direta questionários de campo e realizadas entrevistas semi-estruturadas aos líderes dos povoados.

O recorte geográfico do semiárido sergipano estudado foi o município de Poço Redondo, com uma população de aproximadamente 33.358 habi-tantes, território de 1.232 km2 (IBGE, 2014), inserida na Bacia Hidrográfica do Baixo São Francisco e compreendida entre as coordenadas geográficas Lat.: 9° 48” 23,75” S; Long.: 37° 41’ 00,47” O e Alt.: 182m conforme a Figura 1.

Figura 1. Mapa de localização do município de Poço Redondo, Sergipe.

Mapa elaborado por Barreto, 2013. • Pontos de coleta

q Percepção e Satisfação das Famílias Assistidas pelos Programas de Captação de Água da Chuva no Semiárido Sergipano

268

Devido à grande extensão do município foram selecionados onze po-voados para a aplicação dos questionários. Os povoados foram georreferen-ciados, sendo eles: Ana Patrícia 2, Caldeirão/Pedrinhas, Garrote, Lagoa do Canto, Lagoa Dantas, Lagoa Grande, Salitrado, Santa Rosa do Ermírio, Serra da Guia, Pedra Grande e Poço Preto.

A obtenção dos dados sobre o número de cisternas na região de Poço Redondo foi cedida pelas empresas que trabalharam na construção e nos cursos de capacitação, através de contato direto, sendo elas: a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA - Sergipe), Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), Associação Mãos no Arado de Sergipe (AMASE) e Companhia de Desenvolvimentos dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF).

O cálculo amostral para a aplicação dos questionários e realização das entrevistas semi-estruturadas foi definido segundo a fórmula sugerida por Barbetta (2006), conforme demonstrado a seguir pela Equação 1.

Onde: N = número de habitantes (que possuem cisternas); n = amostra mínima;

n0 = aproximação do número da amostra; E0 = erro tolerável = 0,05 (pro-babilidade de acerto em 95%).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Utilizou-se como critério para a aplicação dos questionários e entrevistas

os moradores que tinham cisternas em casa dentre os onze povoados traba-lhados e pessoas maiores de 18 anos de idade. A identidade dos entrevista-dos foi preservada, não sendo exposto o nome dos que colaboraram com a pesquisa respondendo aos questionários e dos que deram entrevistas, ainda assim foi pedida a assinatura dos entrevistados para o Termo de Consenti-mento Livre e Esclarecido. O cálculo amostral foi expresso por:

Thaiza Monteiro Paz de Araujo e Inajá Francisco de Sousa q 269

Dessa forma, foram aplicados 171 questionários onde os resultados foram processados e tabulados pelo programa estatístico IBM SPSS Statistics 20.

Do total de pessoas que responderam aos questionários, 63% eram mu-lheres que se apresentaram como donas de casa a quem são atribuídos os cuidados com o lar, os filhos e em muitas vezes também com a agricultura, conforme a figura 2. Além das atividades domésticas, atribui-se também às mulheres o manejo diário das cisternas através do uso no dia-a-dia, e conse-quentemente, a responsabilidade de manter a cisterna sempre fechada para evitar a entrada de sujeira, insetos, animais e acidentes com crianças.

Figura 2. Sexo dos entrevistados em Poço Redondo, Sergipe

Os usos da água de cisterna em sua maioria referem-se a beber e cozi-nhar mas outras atividades como tomar banho e lavar louças foram mencio-nados, além de dar de beber aos animais domésticos como cachorros, gatos e galinhas, e à agricultura que nesse sentido refere-se às poucas plantações de verduras, legumes ou frutíferas ao redor da residência (Figura 3).

Figura 3. Uso da água de cisterna em Poço Redondo, Sergipe

q Percepção e Satisfação das Famílias Assistidas pelos Programas de Captação de Água da Chuva no Semiárido Sergipano

270

A água da chuva é captada e armazenada nas cisternas onde aproxima-damente 80% das famílias afirmaram captar a água (Figura 4). Os que não captam informaram não ter os canos ou calhas, ou porque possuem água encanada na residência, mas apesar da falta de água constante, utilizam a cisterna para encher e armazenar a água do sistema de abastecimento pú-blico, quando há água nas torneiras.

Figura 4. Captação e armazenamento de água da chuva em cisternas em Poço Redon-do, Sergipe

Em entrevistas realizadas com a família “A” e família “D” foi questionado sobre a quantidade de chuva e a capacidade de armazenamento na cisterna, ou seja, se quando chove na região nos meses de inverno a quantidade de chuva enche a cisterna.

“ - Minha nossa senhora! Num cabe não, minha fia, só uma cisterna num cabe não, com essas chuva de inverno num güenta não, pode colocar umas trinta dessa (cisterna) que enche tudinho (risos)... num tem é mais cisterna pra nós armazenar água!” (Família “D”).

“ – Dá tranqüilo, dá... a chuva do inverno dá pra abastecer a cister-na, então dá pra gente acumular água na cisterna nesse tempo que é seco... dá, graças a Deus!” (Família “A”).

O mantimento da qualidade da água armazenada também se relaciona com a limpeza do reservatório e possui uma frequência muito variada entre as famílias entrevistadas, uma vez que a limpeza da cisterna implica direta-

Thaiza Monteiro Paz de Araujo e Inajá Francisco de Sousa q 271

mente em deixá-la secar, ou seja, não ter água armazenada no reservatório, o que gera um risco muito grande sobre a falta de água na residência (Figura 5).

Figura 5. Limpeza periódica das cisternas em Poço Redondo, Sergipe

Outro aspecto importante na influência sobre a qualidade da água arma-zenada na cisterna, além da limpeza periódica do reservatório, das calhas e tubulações, é a realização do desvio das primeiras águas de chuva que car-reia a sujeira dos telhados (folhas, fezes de aves e roedores, poeiras, detritos e microrganismos). Essa metodologia é ensinada nos cursos de capacitação em que as famílias participam junto às instituições executoras na construção ou entrega das cisternas. No estudo realizado, aproximadamente 80% das famílias afirmaram fazer o desvio das primeiras águas de chuva (Figura 6).

Figura 6. Desvio das primeiras águas de chuva das cisternas no município de Poço Redondo, Sergipe

q Percepção e Satisfação das Famílias Assistidas pelos Programas de Captação de Água da Chuva no Semiárido Sergipano

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Após a construção ou entrega das cisternas o acompanhamento das ins-tituições foi negativo em aproximadamente 70% das famílias entrevistadas, para que houvesse apoio nos casos em que ocorrem rachaduras nas cister-nas, quebra da tampa, da bomba, das calhas ou mesmo para reforçar sobre a importância do desvio das primeiras águas (Figura 7).

Figura 7. Acompanhamento das instituições capacitadoras no município de Poço Re-dondo, Sergipe

Nos meses de estiagem prolongada o poder público realiza o abaste-cimento das cisternas com água de carro-pipa nas comunidades em que não possuem abastecimento de água encanada. Nas comunidades em que possuem o encanamento de água a realidade mais comum é passarem semanas com as torneiras secas e findam comprando água de particulares que é transportada por carro-pipa, uma vez que a defesa civil não disponi-biliza o abastecimento gratuito da água para as casas que possuem enca-namento (Figura 8).

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Figura 8. Abastecimento com carro pipa no município de Poço Redondo, Sergipe

Ao serem questionados sobre a realização de tratamento da água antes de ser consumida para beber ou cozinhar, apenas 60% afirmaram tratar com cloro que é distribuído pelo agente de saúde ou colocado diretamente na cisterna pelo motorista do caminhão-pipa (Figura 9).

Figura 9. Tratamento da água de chuva antes de utilizar no município de Poço Re-dondo, Sergipe

Sendo a água caracterizada como um veículo de transporte de substân-cias ou doenças, questionou-se sobre a contração de algum tipo de doença de veiculação hídrica (Figura 10).

q Percepção e Satisfação das Famílias Assistidas pelos Programas de Captação de Água da Chuva no Semiárido Sergipano

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Figura 10. Doenças relacionadas à água no município de Poço Redondo, Sergipe

Interessante observar que os agentes de saúde frequentemente visitam as residências para medir pressão arterial dos adultos, pesar as crianças, le-var medicamentos às pessoas diabéticas ou com problemas de pressão alta, mas não observam a cisterna e nem levam cloro (na maioria dos povoados) para ser colocada na água de consumo (Figura 11).

Figura 11. Visita de agente de saúde no município de Poço Redondo, Sergipe

Ainda assim, não se pode deixar de observar a melhoria de vida dos mo-radores do Sertão após a aquisição das cisternas, ter água armazenada per-to de casa para beber e cozinhar evitando longas caminhadas para buscar água em barragens favorece o conforto e dignidade das famílias sertanejas.

Thaiza Monteiro Paz de Araujo e Inajá Francisco de Sousa q 275

“- Antes de construir as cisternas era muito difícil a água aqui por-que quando chuvia tinha água nas barragens, quando secava a barragem aí não tinha água em canto nenhum por aqui, então era um sofrimento! A gente tinha que se deslocar aqui de doze, quinze quilômetros pra ir buscar água em carro de boi, então era difícil né. A gente chegava até a ficar sem comida porque tinha comida, mas num tinha água pra cozinhar... Agora com essa cisterna melhorou, foi muito né, graças a Deus, isso é uma riqueza, é muito bom ter uma cisterna, inclusive hoje a gente não sofre tanto com falta d’água né, muito bom!” (Família C).

“- Antes de construir a cisterna, quando faltava água do cano ou sus-pendia as aulas ou pegava água do carro pipa, ligava pra Secretaria, eles que autorizavam pro carro vir trazer... depois da cisterna num colocou mais água de carro pipa aqui. Já faltou água até mais de mês e mesmo assim a cisterna abastece aqui.” (Diretora de Escola).

Mesmo com diversos estudos apresentando contaminação microbioló-gica e alterações físico-químicas nas águas de cisternas no sertão nordestino não se pode comparar a qualidade da água de barragem que se bebia antes da construção ou aquisição dos reservatórios com a qualidade da água que hoje as famílias armazenam nas cisternas.

“-A água (da cisterna) é melhor! num tem comparação não! a água da barragem que a gente bebia tá lá exposta, os animais entram, urinam, que é água para os animais né, sapo, tudo lá... a gente be-bia porque num tinha outra... antes a gente num tinha como tomar água de primeira qualidade não!” (Família A).

4 CONCLUSÃO

Apesar da pouca quantidade de chuva na região e de diversas pesqui-sas apontarem contaminação nas águas das cisternas, as famílias poço-re-dondenses estão satisfeitas por terem as cisternas como reservatórios para armazenar a água da chuva, da rede de distribuição ou dos carros-pipa, me-lhorando assim a qualidade de vida por haver água em casa principalmente para beber e cozinhar.

Ainda assim, é necessário o acompanhamento de órgãos da gestão pú-blica da saúde para o monitoramento periódico da qualidade da água de

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consumo evitando doenças de veiculação hídrica. É também de fundamen-tal importância a assistência das entidades capacitadoras para a realização periódica de cursos sobre reparos nas cisternas e no sistema de captação, diminuindo as perdas de água em todo o sistema, e auxiliando na melhoria da qualidade da água armazenada, bem como o tratamento antes do uso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TOMAZ, P. Aproveitamento de água de chuva para áreas urbanas e fins não potáveis. Navegar Editora, 2.ed., 2003.

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NUANCES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUAS POTENCIALIDADES ECONÔMICAS

Phellipe Cunha da Silva; Gicélia Mendes

INTRODUÇÃO

Os municípios de Carmópolis e Pirambu, ambos localizados no estado de Sergipe apresentam particularidades que os tornam diferentes um do outro, porém, existe uma característica importante semelhante aos dois municí-pios, o fato de serem produtores de petróleo.

Neste estudo veremos as descrições das entrevistas realizadas com re-presentantes de órgãos municipais e faremos uma análise das mesmas. Vale ressaltar que as entrevistas foram fundamentais para conhecermos um pouco da realidade dos municípios abrangidos no estudo, principal-mente quanto às ações para efetivar a educação ambiental em Carmópolis e Pirambu.

Por fim, faremos uma análise de algumas leis e decretos que estabele-cem diretrizes para o investimento dos royalties do petróleo e apresentare-mos as potencialidades econômicas percebidas nos municípios abrangidos na pesquisa.

1 NUANCES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM CARMÓPOLIS E PIRAMBU

Falando-se de como a Educação Ambiental se apresenta nos municípios estudados, apresentaremos aqui as entrevistas realizadas em ambos municí-pios, fazendo uma análise acerca das respostas dos entrevistados.

A entrevista realizada na Secretaria de Meio Ambiente de Carmópolis, contou com a participação de um representante do órgão municipal.

Questionado sobre as nuances da educação ambiental no município de Carmópolis, o representante da Secretaria de Meio Ambiente disse que a se-cretaria não tem proposta específica para as ações de Educação Ambiental no referido município. No entanto, ele destacou que as atividades promo-vidas pelo órgão são determinadas pelas festividades realizadas dentro do chamado “calendário ambiental”, por exemplo: no mês de junho realiza-se a semana do meio ambiente com ações de plantio de árvores, limpeza de rios, passeio ciclístico, entre outras atividades.

q Nuances da Educação Ambiental e suas Potencialidades Econômicas278

O que se percebe é que as ações voltadas para a educação ambiental oriundas da Secretaria de Meio Ambiente no município de Carmópolis são muito pontuais, ou seja, não apresentam uma constância ao longo do ano, visto que não há incentivos ou ações planejadas para serem realizadas de forma a efetivar a educação ambiental.

Com relação a uma possível “parceria” entre a Secretaria de Meio Ambiente e a Secretaria de Educação, no que concerne a possíveis propostas de ações para ambas as secretarias trabalharem juntas, o referido entrevistado disse que não há esta aproximação entre as secretarias. Ressaltando que cada uma delas tinha as suas ações desenvolvidas de forma particular e independente.

Dessa forma, perde-se uma grande chance de desenvolver trabalhos in-teressantes formando boas parcerias, como por exemplo, entre essas duas secretarias municipais, pois ações planejadas e articuladas têm maiores chances de obterem sucesso. Poderia haver uma parceria no sentido de a secretaria de meio ambiente propor ações voltadas à educação formal para serem colocadas em prática nas escolas municipais, fomentando a partici-pação dos alunos em ações com a finalidade de promover a aproximação ambiental da comunidade escolar.

Sobre uma possível relação entre a secretaria de meio ambiente e a em-presa Petrobras no município, o entrevistado relatou que não há esta aproxi-mação no que se refere à prática de ações conjuntas. Nem a empresa os pro-curam para estabelecer esta comunicação, assim como os representantes da secretaria de meio ambiente, não buscam apoio da empresa para realizar algumas atividades no município.

Nota-se que as entidades envolvidas na administração do município não buscam apoio para realizar atividades voltadas para a população local. Não há o interesse em fomentar eventos, palestras, cursos, seminários, ações contínuas, que favoreçam a comunidade no que concerne a instrução ou ca-pacitação de atores locais para que sejam multiplicadores de conhecimento, favorecendo a comunidade local.

O entrevistado supõe que a empresa Petrobras não se responsabiliza com ações voltadas ao meio ambiente no município por achar que isso deve ser responsabilidade única e exclusivamente dos gestores municipais, já que a mesma paga os royalties da exploração do petróleo no município, achan-do que isso já é o necessário para cumprir com uma responsabilidade da empresa. Outro fator destacado foi que também poderia haver uma mobi-lização por parte da prefeitura municipal em busca de apoio da empresa exploradora de petróleo, Petrobras, para formar parcerias, porém, este tipo de ação não ocorre.

Phellipe Cunha da Silva; Gicélia Mendes q 279

No município, segundo o entrevistado, não há política de resíduos sóli-dos, pois este programa ainda está em planejamento ou tramitação como afirma o mesmo. Também não há coleta seletiva e uso de coletores para de-terminado fim como parte de algum programa municipal.

Questionado sobre uma possível existência de alguma cooperativa liga-da a ações de educação ambiental no município ou algum líder comunitário que estivesse à frente de ações como essas, o entrevistado relatou que não há conhecimento da existência desse tipo de ação, chegando a afirmar que não há ações dessa natureza em Carmópolis.

No entanto, o mesmo destaca que a única esperança que ele tem para se debater a nível municipal as questões relacionadas à educação ambiental é quando a política nacional de resíduos sólidos for implantada na cidade, pois a partir daí está prevista a discussão amplamente divulgada tanto em escolas, quanto convidando a comunidade para debater sobre o tema, a im-plantação de coletores seletivos de lixo no município, entre outras questões que influenciarão para que haja a mobilização tanto da gestão pública quan-to da comunidade para ações voltadas ao meio ambiente.

Apesar de tudo, o representante da secretaria do meio ambiente de Carmópolis, considera o órgão como fundamental nesse processo de ações para efetivar a educação ambiental no município, no entanto, des-taca que da forma como a secretaria está organizada atualmente essas ações ficam impossibilitadas de acontecer, devido à falta de estrutura, capacitação pessoal e vontade política de realizar as ações. Apesar dis-so, acredita que a secretaria de meio ambiente é fundamental no pro-cesso de identificar as fragilidades ambientais e promover atividades para debater e colaborar com a melhoria das ações relacionadas à pro-moção ambiental em qualquer município. O município de Carmópolis está elaborando o plano diretor da cidade e o meio ambiente terá um viés específico neste documento, garante o representante da secretaria de meio ambiente.

Analisando a entrevista, pode-se perceber que as ações da secretaria de meio ambiente são irrisórias frente à importância que o órgão deveria ter. Também nota-se que o poder político atrapalha muito para que a educação ambiental no município se efetive devidamente. Não há um esforço de fato para que os projetos e as ações sejam efetivados e cheguem até a popula-ção. A movimentação para que esses atos ocorram é quase inexistente, o que não deveria ocorrer, pois o município de Carmópolis é fundamental no contexto do estado de Sergipe no que se refere à exploração de petróleo, atividade esta fundamental para a economia da região.

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No município de Pirambu, a Secretaria de Meio Ambiente é vinculada à Secretaria de Turismo, a Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente, formando uma única secretaria. Como sabemos, esta ainda é a realidade de alguns municípios quanto a organização de secretarias municipais. O secre-tário acredita que deveria haver esta desvinculação entre as duas secreta-rias, para cada uma ter a sua própria autonomia.

O Secretário de Meio Ambiente e Turismo de Pirambu foi o entrevistado do órgão municipal e estava na época da entrevista há pouco tempo na se-cretaria, ressaltando que ainda estava se inteirando da realidade vivida pelo órgão. O secretário acredita que deveria haver esta desvinculação entre as duas secretarias, para cada uma ter a sua própria autonomia.

Um ponto positivo foi que o município de Pirambu já estava para iniciar as atividades de coleta seletiva conforme afirmou o secretário. Além disso, foi informado de que não há mais o lixão que existia no município, pois ago-ra todo o lixo da cidade é enviado para uma empresa responsável pela coleta dos resíduos sólidos na cidade, através de um consórcio que o município faz parte juntamente com os municípios de Japaratuba, Capela e Muribeca. Conforme afirmou o secretário, o lixo desses quatro municípios seria envia-do para um aterro sanitário na cidade de Japaratuba, lá os catadores farão a separação dos materiais e os enviarão para o município de Capela aonde será vendido.

Com relação à educação ambiental o secretário disse que haveria uma ação específica com o apoio da secretaria estadual de meio ambiente, para tratar sobre catadores, coleta seletiva, assim como envolver as escolas, de-senvolvendo atividades de educação ambiental nas escolas do município. Inicialmente terão uma audiência pública, com foco no público dos estu-dantes de Pirambu. Contudo, o secretário afirmou que após este processo burocrático se encerrar, as ações de educação ambiental voltadas principal-mente para as escolas municipais em parceria com a secretaria de educação, serão efetivadas.

O município estava passando pelo processo de implantação da política de coleta seletiva, sendo orientado por um projeto da secretaria estadual de meio ambiente, onde já foram a várias audiências públicas para tratar do as-sunto, assinando algumas documentações, as quais já foram encaminhadas para a câmara municipal o projeto dos catadores e da coleta seletiva.

Sobre a parceria entre secretaria de meio ambiente e turismo de Piram-bu com a secretaria de educação do município, o secretário reafirmou que esta aproximação começaria a acontecer assim que os projetos de resíduos sólidos, catadores e coleta seletiva fossem aprovados, pois haveria a intera-

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ção entre as duas secretarias para efetivar as ações de educação ambiental principalmente no ambiente escolar, sabendo que os alunos serão multipli-cadores das ações aprendidas no ambiente escolar.

Questionado sobre uma possível interação da secretaria de meio am-biente e turismo com a empresa Petrobras, que explora petróleo no muni-cípio de Pirambu, o secretário disse que pelo menos com ele nunca houve esta aproximação, nem ao menos para executar alguma ação voltada para as questões ambientais dentro do município. No entanto, o entrevistado lem-brou que o Projeto Tamar localizado na Reserva Biológica de Santa Isabel, dentro do município de Pirambu, recebe apoio da Petrobras, sendo esta a única ação da empresa, conhecida por ele, dentro do município de Pirambu.

Com relação aos desafios que a secretaria enfrenta para implemen-tar as ações de educação ambiental no município de Pirambu, o secretá-rio falou que o primeiro entrave é a burocracia, pois os projetos precisam ser aprovados e até a aprovação necessitam passar por várias etapas burocráticas para serem cumpridas.

Sobre alguma cooperativa ou organização para se trabalhar educação ambiental no município, o secretário não tinha conhecimento. Disse não haver tal organização com esta finalidade na cidade, apesar de reafirmar a formação da cooperativa voltada ao trabalho de reciclagem do lixo. No en-tanto, sabemos que existe o trabalho que o Projeto Tamar realiza no municí-pio, apesar de ser algo mais específico à conservação da Tartaruga Marinha.

Tratando-se das secretarias municipais de educação dos muncípios de Carmópolis e Pirambu, veremos a partir de agora as impressões deixadas pe-los entrevistados a partir dos questionamentos feitos ao longo da entrevista.

Em Carmópolis, a entrevista foi feita com a secretária adjunta de educa-ção do município. Representante que estava disponível para responder as questões da entrevista.

Sobre as ações de educação ambiental no município de Carmópolis, a entrevistada relatou que a secretaria de educação não tinha proposta espe-cífica direcionada às escolas do município. Sendo de inteira responsabilida-de das gestões escolares esse tipo de ação voltada às questões ambientais e a educação ambiental especificamente.

O que foi relatado é que a secretaria de educação tentava acompanhar esses projetos pontuais fazendo visitas nas escolas e verificando como essas ações ocorriam. Nota-se que os professores são os principais disseminado-res da educação ambiental, esses que tem mais afinidade com a temática ambiental, executam as atividades de forma esporádica e independente do apoio da secretaria de educação do município.

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As ações desses professores giram em torno de atividades pontuais ao longo do ano e são executadas principalmente através de oficinas de recicla-gem e horta escolar. A importância da coleta seletiva também é abordada, apesar de a cidade não contar com este recurso. O calendário ambiental, com suas datas comemorativas, são os momentos mais propícios para os professores trabalharem com a educação ambiental.

A Secretaria de Educação não tinha nenhum tipo de interação com a Secretaria de Meio Ambiente do município com a finalidade de promover eventos, ações educativas e atividades relacionadas à educação ambiental. Isso demonstrou o distanciamento que os órgãos públicos ainda mantem uns dos outros, quando se poderiam formar parcerias importantíssimas para executar diversas ações beneficiando a população local.

No tocante a aproximação da Secretaria de Educação com a empresa ex-ploradora de petróleo, também não foram apontados mecanismos de inte-ração entre o órgão municipal e a empresa Petrobras para executarem pro-gramas de educação ambiental no município segundo a secretária adjunta.

Em Pirambu, a realidade não era muito diferente de Carmópolis. Na en-trevista, participaram dois representantes da Secretaria Municipal de Educa-ção, o próprio secretário e uma assessora dele, professora da rede municipal e estadual de educação.

Quanto ao trabalho de sensibilização e conscientização ambiental, o se-cretário considera um trabalho muito importante para a cidade de Pirambu e que o município, deveria incentivar mais essas ações na cidade, principal-mente com os proprietários de terras para que esses façam o uso mais racio-nal das suas propriedades sem desmatar tanto.

Acerca dos questionamentos sobre quais ações específicas a secretaria de educação do município de Pirambu tem como proposta para se trabalhar a educação ambiental, o secretário e sua assessora falaram que não haveria uma orientação específica da secretaria de educação para as escolas munici-pais, no entanto, existiam trabalhos individuais e pontuais de professores da rede municipal, executando um trabalho de educação ambiental de forma autônoma e independente.

Nessas ações específicas, foi citado o programa “Mais Educação”, no qual faziam parte os povoados: Maribondo, Aguilhadas, Alagamar e Lagoa Re-donda, fazendo esse trabalho voltado às temáticas ambientais.

Sobre uma aproximação entre a secretaria de educação e a de meio am-biente com a finalidade de formar parcerias para executar ações conjuntas, os representantes da secretaria de educação disseram que com o secretário de meio ambiente anterior, não havia esta relação de aproximação entre as duas

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secretarias. Porém, como o atual secretário de meio ambiente estava há pouco tempo no cargo, essa aproximação ainda estaria sendo iniciada aos poucos.

As ações de educação ambiental da empresa Petrobras dentro do mu-nicípio de Pirambu, segundo o secretário de educação, ficavam muito res-tritas a Reserva Biológica de Santa Isabel, principalmente com o Projeto Ta-mar, não havendo interação alguma com a Secretaria de Educação no que concerne a proposição de atividades em parceria com vistas à execução de trabalhos de educação ambiental vinculados a secretaria de educação no município de Pirambu.

A respeito da existência de cooperativas ou organizações relacionadas à educação ambiental, não é do conhecimento do secretário. No entanto, ele citou uma cooperativa existente no povoado Alagamar que trabalha com a produção de produtos alimentícios, muitos deles tendo como matéria-pri-ma a mangaba.

Contudo, constata-se que não havia uma interação efetiva entre os entes responsáveis pela promoção e manutenção das ações ambientais nos muni-cípios pesquisados, fato este que compromete diretamente na efetivação da educação ambiental na área de estudo.

2 POTENCIALIDADES ECONÔMICAS E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Sergipe é um dos maiores produtores de Petróleo do Brasil. Sua produção se dá tanto no continente quanto no oceano. Os termos técnicos designados para denominarmos estes tipos de exploração de petróleo são respectiva-mente onshore e offshore. No estado de Sergipe a maior parte do petróleo explorado é proveniente do continente, conforme mostra a Figura 1:

Figura 1. Produção de petróleo em Sergipe, por localização (terra e mar) 2004-2013 (mil barris)

Fonte: ANP/SDP (elaborado pelo autor com base no anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natu-ral e biocombustíveis, 2014).

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Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocom-bustíveis (ANP), fazendo um recorte temporal entre 2004 e 2013, a produção de petróleo em Sergipe foi bem superior em terra do que no mar conforme mostram os dados. No último levantamento, em 2013, o número de barris de petróleo produzidos em terra foi de 10.627, enquanto os barris de petró-leo produzidos no mar representaram a quantia de 3.620, um número bem abaixo do alcançado pela produção onshore.

Podemos ver em outro gráfico na Figura 2 como a distribuição de royal-ties sobre a produção de petróleo e gás natural em Sergipe evoluiu desde o ano de 2004 até o ano de 2013.

Figura 2. Evolução da distribuição de royalties sobre a produção de petróleo e de gás natural em Sergipe - 2004-2013 (mil R$).

Fonte: ANP/SPG (elaborado pelo autor com base no anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natu-ral e biocombustíveis, 2014).

Nota-se que houve em geral uma tendência crescente acerca dos repas-ses da distribuição dos royalties ao longo dos anos, tanto entre os muni-cípios quanto em relação ao estado. Vale observar que no ano de 2013 a soma dos repasses para os municípios ultrapassou o valor pago ao estado referente aos royalties, porém percebe-se um equilíbrio de valores ao longo dos anos entre a soma dos valores repassados aos municípios sergipanos e a soma paga somente ao estado de Sergipe.

Importantes debates têm ocupado as discussões políticas e econômicas no Brasil e envolvem os valores provenientes das atividades de uso dos re-cursos do subsolo, em especial àquelas ligadas a prospecção dos hidrocar-bonetos, com ressalvas ao petróleo. A disciplina jurídica da exploração do petróleo em territórios brasileiros encontra-se assentada na Lei 9.478 de 06 de agosto de 1997, a qual traz em seu artigo primeiro que estão entre os ob-jetivos das políticas nacionais de aproveitamentos dos recursos energéticos: a promoção do desenvolvimento, ampliação do mercado de trabalho e valo-

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rização dos recursos energéticos; a proteção do meio ambiente e promoção da conservação de energia.

É pertinente e relevante perceber na Lei 9.478/97 que a mesma estabelece a titularidade e o exercício do monopólio do petróleo e gás natural no país, afirmando no artigo 3° o seguinte:

Art. 3º Pertencem à União os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos existentes no território nacional, nele compreendidos a parte terrestre, o mar territorial, a platafor-ma continental e a zona econômica exclusiva.

A título normativo e técnico, a lei em comento estabelece alguns concei-tos de grande relevância para análise que se pretende, no momento em que estabelece no artigo 6° os conceitos:

Art. 6° Para os fins desta Lei e de sua regulamentação, ficam esta-belecidas as seguintes definições:I - Petróleo: todo e qualquer hidrocarboneto líquido em seu esta-do natural, a exemplo do óleo cru e condensado;(...)III - Derivados de Petróleo: produtos decorrentes da transforma-ção do petróleo;(...)XIV - Campo de Petróleo ou de Gás Natural: área produtora de pe-tróleo ou gás natural, a partir de um reservatório contínuo ou de mais de um reservatório, a profundidades variáveis, abrangendo instalações e equipamentos destinados à produção;

A Lei 9.478/97 complementa no seu artigo 7° que:

Art. 7o Fica instituída a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves - ANP, entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, como órgão regulador da indústria do petróleo, gás natural, seus deriva-dos e biocombustíveis, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

A análise dos artigos acima chama atenção pelo que afirma Miguel Reale Júnior apud Moraes (2006, p.749) que o Estado pode se apresentar como agente normativo ou regulador, respeitando os princípios que regem a or-

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dem econômica nacional, a fim de garantir a valorização do trabalho, livre iniciativa, visando assegurar a todos uma existência digna, conforme os di-tames da justiça social.

Na alteração sofrida pela Lei 9.478/97 com redação dada pela Lei n° 12.351/10, passa a vigorar no artigo 5° que o governo brasileiro pode exercer o monopólio sobre a exploração do petróleo ou fazê-lo por meio de conces-são, assim se observa:

Art. 5o  As atividades econômicas de que trata o art. 4o desta Lei serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão, autorização ou contratação sob o regime de partilha de produção, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País.

Segundo Moraes (2006, p.750) a EC (Emenda Constitucional) n° 33/01 direcionou os recursos arrecadados com a cobrança das contribuições de intervenção no domínio econômico, determinando que devam ser destina-dos ao pagamento de subsídios a preço ou transporte de álcool combustí-vel, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e gás e ao financiamento de programas de infraestrutura de transporte.

O dispositivo supracitado e o entendimento de Alexandre de Moraes faz menção aos recursos advindo da exploração de recursos como o petróleo, tratando-se dos royalties e estes são conceituados na Lei 12.734 de 30 de novembro de 2012 em seu artigo 1°, parágrafo único, conforme se observa:

Parágrafo único.  Os royalties correspondem à compensação finan-ceira devida à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios pela exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos de que trata o § 1o do art. 20 da Constituição.  

A Lei 12.734/2012 altera a Lei no 12.351, de 22 de dezembro de 2010, que passa a vigorar com a seguinte nova redação para o art. 42 e com o seguinte novo art. 42-A.

Art. 42-A. Os royalties serão pagos mensalmente pelo contratado em moeda nacional, e incidirão sobre a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, calculados a partir da data de início da produção comercial. 

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Nos municípios abrangidos pela pesquisa, Carmópolis e Pirambu, o valor referente ao repasse dos royalties é considerável, visto os valores apresenta-dos abaixo na Figura 3 elaborada com base nos dados da ANP referente aos anos de 2004 até 2013.

Figura 3. Royalties em valores correntes – Carmópolis e Pirambu (2004-2013).

Fonte: ANP/SDP (elaborado com base no anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás natural e bio-combustíveis, 2014).

Percebemos que nos anos de 2004 e 2005, o município de Pirambu rece-bia uma quantidade maior de royalties do petróleo do que Carmópolis. No entanto, verificamos que a partir de 2006 houve uma inversão com relação a esses dois municípios quanto ao valor total recebido por cada um deles, passando o município de Carmópolis a receber mais royalties referentes à exploração de petróleo e gás natural do que o município de Pirambu.

Este fato não é determinante para dizermos que a partir desse momento os investimentos municipais em Carmópolis serão superiores a Pirambu. A exemplo das despesas orçamentárias empenhadas em obras e instalações no ano de 2009, segundo dados encontrados no site do IBGE (Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística), que utilizou como fontes o Ministério da Fazenda e a Secretaria do Tesouro Nacional, o município de Pirambu investiu o valor de R$ 489.358,25 nesta variável, enquanto o município de Carmópo-lis declarou o valor de R$ 0,00, ou seja, não houve ocorrência da variável no município, não havendo investimento nesta área.

Segundo o Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM - 2030) do Minis-tério de Minas e Energias do Brasil (MME), lançado em 2011, a importância dos royalties se apresenta no momento em que estes, para a mineração no Brasil, devem ter como meta contribuir para a conversão de uma riqueza não renovável, dada a exaustão de uma jazida mineral, em valor constante

q Nuances da Educação Ambiental e suas Potencialidades Econômicas288

e sustentável para a sociedade. Complementa-se, a partir do PNM, que “[...] o papel dos royalties é de promover a justa redistribuição dos benefícios econômicos que a mineração gera, com base em uma partilha dos ganhos entre o empreendedor e a sociedade” (PNM – 2030, p. 65).

Fica nítido que mais do que valores, os royalties se apresentam como a possibilidade de investimentos em melhorias significativas para todos os brasileiros, requerendo uma justa distribuição desses e a canalização para investimentos em segmentos sociais buscando a sustentabilidade econômi-ca, gerada pela atividade de mineração no país. Situação defendida no PNM – 2030 (2011, p 65), como se percebe:

A proposta de política debatida no MME nos últimos anos, apon-ta para a necessidade de: i) aprimorar o recolhimento, o contro-le e a fiscalização da CFEM; ii) dar transparência à aplicação dos royalties pela União, Estados e Municípios; iii) promover a aplica-ção do recurso em projetos que conduzam ao desenvolvimento sustentável e; iv) melhorar a distribuição da riqueza gerada a par-tir da produção mineral e estimular o desenvolvimento de regi-ões produtoras.

Ressalta-se que a CFEM é a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, estabelecida na Carta Magna brasileira em seu Art. 20, § 1°, citada anteriormente a partir da redação dada pela Lei 12.734 de 30 de novembro de 2012, onde a mesma é devida aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, e aos órgãos da administração da União, como contrapres-tação pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios.

Depois de muito se comentar a respeito dos royalties no país e a neces-sidade de investimentos em áreas que permitam ao Brasil perspectivas de desenvolvimento a partir da seguridade de garantias sociais básicas, foi apro-vada a Lei 12.858, de 09 de Setembro de 2013 que dispõe sobre a destinação para as áreas de educação e saúde de parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal.

Assenta-se no texto constitucional a efetivação do Plano Nacional de Educação (PNE), a partir da articulação e colaboração dos entes federa-dos a fim de assegurarem o desenvolvimento do ensino nos seus diver-sos segmentos e modalidades, situação que engloba, tacitamente, a mo-dalidade da educação não-formal e, dessa forma, é garantido os recursos

Phellipe Cunha da Silva; Gicélia Mendes q 289

a partir das divisões dos royalties estabelecidos na Lei 12.858/2013 o que demonstra a grande importância da fiscalização e efetivação das aplica-ções dessas receitas.

Ainda analisando a Lei 12.858/2013, serão aplicados os valores corres-pondentes à arrecadação, na ordem de 75%, para educação com exclusi-vidade para o ensino público e prioridade para a educação básica. Neste entender, não limita os recursos exclusivamente a educação básica, apenas a prioriza, permitindo que possam ser investidos em outras instâncias da educação, desde que componham a esfera pública. E, em se tratando de educação básica, ressalva-se que o artigo 21 da LDB (Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional), 9.394/96, entende em seu inciso primeiro como sendo formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, o que não limitaria o alcance de projetos desenvolvidos a partir de iniciativas que caracterizam a educação não-formal.

Retomando as discussões para os investimentos dos royalties do petró-leo para concretização das metas a serem alcançadas pelo PNE, estas foram estabelecidas a partir da aprovação da Lei 13.005, de 25 de junho de 2014 que elenca no artigo 2° as diretrizes para o decênio, e assim preceitua:

Art. 2o  São diretrizes do PNE:I - erradicação do analfabetismo;II - universalização do atendimento escolar;III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;IV - melhoria da qualidade da educação;V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade;VI - promoção do princípio da gestão democrática da educação pública;VII - promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País;VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade;IX - valorização dos (as) profissionais da educação;X - promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.

q Nuances da Educação Ambiental e suas Potencialidades Econômicas290

Mais uma demonstração da importância dos recursos oriundos da ex-ploração mineral do petróleo como meios de se alcançar melhorias signifi-cativas para o país e especificamente para os municípios abrangidos na pes-quisa, principalmente a partir das práticas educativas, incluindo a educação ambiental. As diretrizes para o PNE 2014/2024, necessitam desses recursos para que possam ser efetivadas, além de outras fontes que possam contri-buir para que se efetivem, de forma simétrica, estas medidas em todo o ter-ritório nacional.

Outra proposta que merece atenção é quando os textos em análise esta-belecem que as formas de repartição ou mesmo de efetivação das diretrizes para melhoria da educação devem ser sob a forma de colaboração entre os entes federativos. União, Estados, Municípios e o Distrito Federal devem agir de forma integrada para que se alcancem os objetivos do PNE a partir das repartições, aplicações e fiscalizações dos recursos oriundos dos royalties do petróleo.

A partir disso e com o auxílio das potencialidades econômicas que po-dem ser desenvolvidas com a destinação correta dos royalties do petróleo nos municípios de Carmópolis e Pirambu, assim como no restante dos mu-nicípios beneficiados por tal recurso financeiro, as atividades de educação ambiental podem ganhar destaque frente às ações promovidas seja pela gestão pública, gestão privada, por ONGs, cooperativas, entre outros entes.

Segundo dados divulgados pelo IBGE (2011) em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendên-cia da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA, o PIB (Produto Interno Bruto) dos municípios em questão distribui-se da seguinte maneira:

Figura 4. Produto Interno Bruto (Valor Adicionado), Carmópolis – 2011.

Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA.

Phellipe Cunha da Silva; Gicélia Mendes q 291

Em Carmópolis, verifica-se a partir da Figura 4 que a atividade industrial é responsável pela maior parcela do PIB municipal, enquanto o setor de ser-viços vem em segundo plano e por último o setor de agropecuária com va-lores irrisórios comparados com a indústria. Essa indústria em quase toda a sua totalidade é representada pela atividade da exploração petrolífera que é executada no município em questão. Nota-se uma inversão de proporções quanto à participação dos setores produtivos no PIB municipal de Pirambu quando comparamos ao município de Carmópolis.

Em Pirambu a maior parte do PIB municipal é proveniente do setor de serviços, conforme dados contidos na Figura 4. Em segundo lugar vem a in-dústria e por último o setor de agropecuária. A comercialização da produção local de pescados é bastante intensa no município de Pirambu, bem como a atividade turística, atraindo visitantes ao longo de todo o ano. Esses fatores são fundamentais para elevar a participação do setor de serviços na partici-pação do PIB municipal.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Além da exploração de petróleo, um dos principais potenciais econô-micos de Pirambu é a atividade pesqueira, sendo considerado o principal município do estado de Sergipe quanto à pesca do camarão, exportado para outros municípios e outros estados do Brasil, além da pesca e comer-cialização de outros pescados. As ações de educação ambiental objetivando alcançar os pescadores da região é muito importante para a cidade, pois o trabalho de sensibilização desses atores sociais é fundamental para a manu-tenção e conservação de diversas espécies marinhas, além de capacitá-los como fiscalizadores de maus hábitos quanto as questões ambientais.

Entre outras potencialidades, Pirambu tem o turismo como potencial econômico da região. O município tem belezas naturais peculiares e essa potencialidade pode ser bastante explorada economicamente, visto que o mesmo possui belas praias, rios, lagoas e tem dentro do município uma re-serva biológica, a Reserva Biológica de Santa Isabel, criada pelo Decreto de Nº 96.999, de 20 de outubro de 1988, onde dentro desta área existe o Projeto Tamar, que acaba atraindo milhares de visitantes por ano para conhecer um pouco mais sobre o trabalho de conservação das tartarugas marinhas, exe-cutando trabalhos de educação ambiental pelos agentes do projeto.

Carmópolis desponta como grande produtor de petróleo em Sergipe a partir da sua descoberta em 1963. Até hoje o município apresenta como seu principal potencial econômico a produção de petróleo e gás natural.

q Nuances da Educação Ambiental e suas Potencialidades Econômicas292

Considerando os dados apresentados e analisados, vale ressaltar a im-portância de aliar as potencialidades econômicas municipais desenvolvidas naturalmente pela população local, bem como com as iniciativas do poder político, no sentido de destinar os investimentos dos royalties do petróleo nos diversos seguimentos da sociedade com a finalidade do bem comum.

As ações de educação ambiental nos municípios em questão podem ser fortalecidas desde que olhem para as mesmas de modo a compreendê-las e saber que elas têm o poder de transformar hábitos, sociedades e culturas. Segundo Floriani (2003, p. 26), “a humanidade, além de biológica é meta--biológica: ao aparecermos como produto de uma evolução biológica, o sentido que atribuímos a essa evolução é dada pela evolução sócio-cultural”.

A transformação sociocultural é fundamental para que uma população exerça sua cidadania de maneira consciente e transformadora. As ações de sen-sibilização e conscientização ambiental exercem uma influência direta no com-portamento das pessoas, refletindo-se inclusive no ambiente que as circundam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_______, Lei n°13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm>. Acesso em 08 dez. 2014.

________, Lei n° 12.858, de 09 de setembro de 2013. Dispõe sobre a destinação para as áreas de educação e saúde de parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, com a finalidade de cumprimento da meta prevista no inciso VI do caput do art. 214 e no art. 196 da Constituição Federal; altera a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12858.htm>. Acesso em 08 dez. 2014.

________, Lei n° 12.734 de 30 novembro de 2012. Modifica as Leis no 9.478, de 6 de agosto de 1997, e no 12.351, de 22 de dezembro de 2010, para determinar novas regras de distribuição entre os entes da Federação dos royalties e da participação especial devidos em função da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, e para

Phellipe Cunha da Silva; Gicélia Mendes q 293

aprimorar o marco regulatório sobre a exploração desses recursos no regime de partilha. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12734.htm#art3>. Acesso em 08 dez. 2014.

________, Lei n° 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas; cria o Fundo Social - FS e dispõe sobre sua estrutura e fontes de recursos; altera dispositivos da Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997; e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12351.htm>. Acesso em 08 dez. 2014.

________, Lei n° 9.478, de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Políti-ca Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9478.htm>. Acesso em 08 dez. de 2014.

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FLORIANI, Dimas; KNECHTEL, Maria do Rosário. Educação ambiental, epistemologia e metodologias. Curitiba: Vicentina, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20.ed. São Paulo: Atlas, 2006.

295

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PROMOÇÃO DA SAÚDE EM ESCOLAS RURAIS DE ITABAIANA-SE

Simone Marcela dos Santos Souza; Maria Benedita Lima Pardo; Vera Lúcia Israel

INTRODUÇÃO

Os conhecimentos de Educação Ambiental quando relacionados à pro-moção da saúde transcendem a teoria e se efetivam em práticas diárias nos ambientes escolares, sendo indispensáveis à boa qualidade de vida da co-munidade escolar.

Existem diferentes definições para a Educação Ambiental. De acordo com a Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999), essa dimensão da educação nacional pode ser entendida como o conjunto de processos por meio dos quais os indivíduos e a coletividade constroem valores sociais, co-nhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas à conservação do meio ambiente e à manutenção da boa qualidade de vida.

A Educação Ambiental busca o rompimento com as visões simplistas da fragmentação dos conteúdos, por meio da inter e da multidisciplinaridade que agregam temas pertencentes ao meio ambiente. A realização de ações condizentes com tal proposta inclui a interface entre sociedade, saúde, am-biente e economia, sendo o passo inicial para o estudo de temas geradores inclusos no tema meio ambiente.

Aliada à Educação Ambiental, a Promoção da Saúde foi definida na Carta de Ottawa (CANADÁ, 1986) como o processo de capacitação da comunida-de para ter maior controle na atuação e melhoria de sua saúde e qualidade de vida.

O papel da escola na promoção da saúde é fornecer aos alunos elemen-tos que os capacitem para uma vida saudável, considerando as relações des-se tema com os meios físico, social e cultural como propõem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Para tanto, a promoção da saúde na escola depende de alguns elementos essenciais, como consta na Carta de Ottawa, como a adoção de políticas de escolas saudáveis; ambiente físico com estru-tura e infraestrutura adequadas, e ambiente social favorável ao desenvolvi-mento de boas relações entre dos alunos, professores e demais funcionários das escolas; competências individuais de saúde e competência para ação; ligação com a comunidade e aos serviço de saúde.

q Educação Ambiental e a Promoção da Saúde em Escolas Rurais de Itabaiana-Se296

Para Pelicioni (2005), a promoção da saúde na escola depende da existência de um ambiente escolar saudável que possua espaço físico adequado com boa iluminação, ventilação, instalação de água, esgoto e de infraestrutura necessá-ria para evitar acidentes. Além disso, deve-se favorecer um ambiente psíquico e emocional adequado e que proporcione boas relações interpessoais dentro da comunidade escolar e a construção de uma cultura de paz que previna a violên-cia. O estímulo à alimentação saudável também deve ser considerado.

Considera-se que a Educação Ambiental e a Promoção da Saúde são fundamentais para a manutenção da boa qualidade de vida que começa na escola e se dissemina pela comunidade. Almeida (2012) afirma que qualida-de de vida nada mais é do que o conjunto de conhecimentos e ações indivi-duais, coletivas, objetivas e subjetivas relacionados nos diferentes campos, entre os quais o biológico, social, político, econômico e médico.

O caráter interdisciplinar e transversal está presente tanto na Educação Ambiental como na Promoção da Saúde quando as ações realizadas buscam a interdisciplinaridade. Para Fazenda (2008), a interdisciplinaridade escolar se utiliza de noções, finalidades, habilidades e técnicas que agregam os con-teúdos e rompem com a fragmentação dos conteúdos curriculares, ainda presente no contexto de muitas escolas.

A fragmentação dos conteúdos é um dos problemas enfrentados pela educação brasileira. Os pacotes de informações são repassados, geralmen-te, sem que se estabeleçam as relações necessárias para um entendimento mais amplo das questões ambientais (SILVA, 2008). Ao se estabelecer relação entre a Educação Ambiental, a Promoção da Saúde e a qualidade de vida em uma ação realizada pode-se atenuar a visão fragmentada dos conteúdos.

A escola é um dos ambientes favoráveis à efetivação de ações de Edu-cação Ambiental que sejam capazes de promover a saúde. Esse processo educativo depende da participação dos professores e dos diretores que são formadores de opinião e, portanto, essenciais à formação integral do aluno (SANTOS, 2013; SANTOS, 2014). Esses profissionais da educação são media-dores indispensáveis nas relações educativas que se organizam por meio de relações interpessoais, a exemplo da relação professor-aluno, e que podem transcender o ambiente escolar.

A educação possibilita aos indivíduos desenvolverem aptidões para que sejam capazes de analisar e solucionar problemas, assumindo a responsabi-lidade sobre sua saúde e a saúde da comunidade (PELICIONI, 2005).

O contato dos educandos com conhecimentos e práticas que relacionem a Educação Ambiental e a saúde é um dos elementos essenciais à Promoção da Saúde na escola. Para que se promova saúde é necessário assegurar condições

Simone Marcela dos Santos Souza; Maria Benedita Lima Pardo; Vera Lúcia Israel q 297

de vida à população. Isso é possível por meio da educação, da adoção de estilos de vida saudáveis, do desenvolvimento de aptidões e de capacidades individu-ais, da manutenção de um ambiente saudável; da eficácia da sociedade na ga-rantia de implantação de políticas públicas voltadas à qualidade de vida.

A Educação Ambiental e a Promoção da Saúde no ambiente escolar vêm sendo trabalhadas por Moscoso (s.d.) em Bogotá, Colômbia, por meio de um projeto interdisciplinar intitulado Ludica y educación ambiental para consoli-dar una escuela saludable. No Brasil, autores como Vendruscolo et al. (2000) e Grynszpan et al. (2013) realizam trabalhos com esse viés.

Em Itabaiana, Sergipe, assim como nos demais municípios brasileiros, a inclusão das questões de Educação Ambiental na escola foi realizada por im-posição legal. Os itens que tratam da questão ambiental no município foram introduzidos no Art. 169 da Lei Orgânica Municipal de 03 de abril de 1990 e também estão presentes no Art. 225 da Constituição Brasileira (BRASIL, 1988). Outros documentos oficiais que tratam da Educação Ambiental são os PCNs; a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e as Diretrizes Curriculares para Educação Ambiental (BRASIL, 1997; 1999).

No município, as ações que relacionam educação e saúde estão sendo trabalhadas no âmbito do Programa Saúde na Escola (PSE). As atividades do programa são efetivadas durante a Semana Saúde na Escola. Além disso, as es-colas públicas municipais estão inscritas no Programa Mais Educação, que tem em sua proposta o estudo da Educação Ambiental e da Promoção da Saúde.

Conhecer as ações que estão sendo desenvolvidas nas escolas e que se relacionam a essas temáticas é relevante, principalmente se considerarmos que poucas pesquisas foram encontradas abrangendo o enfoque da Edu-cação Ambiental e a promoção da saúde. Nesse contexto o presente traba-lho teve por objetivos descrever as características dos ambientes da escola tendo em vista o conceito de promoção de saúde, e as ações de Educação Ambiental desenvolvidas em escolas rurais de Itabaiana.

1 METODOLOGIA

A presente pesquisa, que foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe, Parecer n. 483.783, caracteriza-se como exploratória e descritiva, segundo Marconi e Lakatos (2003).

Participaram da pesquisa 10 diretores (100% dos convidados) e 73 pro-fessores (64% dos convidados) atuantes nos turnos matutino e/ou vesper-tino em 10 escolas situadas na zona rural de Itabaiana que possuíam, em 2013, acima de 100 alunos matriculados.

q Educação Ambiental e a Promoção da Saúde em Escolas Rurais de Itabaiana-Se298

A partir da realização de um estudo bibliográfico foram construídos dois instrumentos: a entrevista e o questionário, mantendo-se a similaridade de conteúdo de várias perguntas a fim de facilitar a comparação de resultados.

A elaboração dos instrumentos foi realizada em duas etapas. Na primeira, foi realizada a escrita e organização das questões, tendo como parâmetros os objetivos da pesquisa. E na segunda, os instrumentos foram validados.

A validação dos instrumentos foi realizada com sua aplicação em quatro escolas municipais de Itabaiana-SE que possuíam características semelhan-tes às das escolas da amostra. Nos pré-testes foram analisados e avaliados os aspectos referentes à compreensão do enunciado, adequação das respostas aos objetivos da pesquisa e extensão do instrumento. As adequações rea-lizadas foram: reorganização de alguns enunciados e a inclusão de outras questões.

Finalizadas as adequações, o questionário aplicado aos professores constava de perguntas abertas e fechadas, sendo dividido em duas partes: a) Parte I: Perfil pessoal e profissional (5 questões); b) Parte II: Sobre as ações de Educação Ambiental (14 questões). Já o roteiro de entrevista, aplicado aos diretores, foi organizado em três partes: a) Parte I: Perfil pessoal e pro-fissional (05 questões); b) Parte II: Sobre a escola (04 questões); c) Parte III: Sobre as ações de Educação Ambiental (14 questões).

O roteiro de observação foi adaptado do instrumento construído por Pinto et al. (2013), cuja avaliação foi realizada por meio do método de Del-phi. Nesse roteiro constavam questões sobre: a) o espaço físico da escola; b) as condições dos equipamentos de uso escolar; c) as condições de higiene; d) alimentação; e) divulgação de informações sobre saúde.

A aplicação dos questionários e das entrevistas foi realizada nas depen-dências das escolas, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes. As entrevistas foram feitas individu-almente com os diretores em horários previamente agendados, de acordo com a disponibilidade de cada um deles. A aplicação do roteiro se deu de modo semiestruturado, sendo permitido aos diretores a colocação de outras informações que considerassem relevantes. A duração média das entrevis-tas foi de 40 minutos. Os questionários foram entregues aos professores e re-colhidos, na maioria dos casos, no mesmo dia. Quando isso não foi possível, o recolhimento foi realizado em visitas posteriores às realizadas às escolas.

Para análise das respostas às entrevistas e aos questionários utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin (2011). Esse método é definido como conjun-to de técnicas voltadas à obtenção de procedimentos sistemáticos e objeti-vos de descrição do conteúdo.

Simone Marcela dos Santos Souza; Maria Benedita Lima Pardo; Vera Lúcia Israel q 299

As respostas tanto dos questionários como das entrevistas foram anali-sadas seguindo as seguintes etapas: leitura e organização dos dados; iden-tificação das similaridades; categorização; contagem das frequências; cons-trução de gráficos e tabelas; e comparação com a literatura.

Para análise do roteiro de observação foi realizada a organização das in-formações coletadas e a contagem das frequências, quantificadas de acordo com cada um de seus itens.

2 RESULTADOS

2.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS

O conjunto das 10 escolas pesquisadas foi formado por 2.606 alunos; 115 professores; 10 diretores; 07 coordenadores; 25 merendeiras; 11 vigias; 20 assistentes administrativos e 02 porteiros. Cinquenta por cento (50%) das escolas atendiam nos turnos matutino e vespertino; 40% durante os três tur-nos e 10% apenas no turno matutino.

Segundo os diretores, além dos Programas Saúde na Escola e dos Progra-mas Mais Educação, as escolas participam de outros programas do Gover-no Federal, o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE); Escola do campo; Acessibilidade na escola, Atleta na escola e Trilha.

Caracterização dos participantes da pesquisa

Os participantes foram 73 (64%) professores e 10 (100%) diretores, sendo que a maioria é do sexo feminino. Os demais são do sexo masculino, sendo 16 (22%) professores e 2 (20%) diretores. A maioria dos participantes estava na faixa etária dos 32 a 52 anos; 57 (78%) professoras e 8 (80%) diretoras.

Quanto à formação acadêmica, 32 (44%) dos professores e 2 (20%) dos diretores possuíam magistério e graduação; 40 (55%) e 8 (80%) deles, res-pectivamente, possuíam graduação; e 01 (1%) professor tinham cursado apenas o magistério.

O total de 61 professores lecionava no ensino fundamental; sete no en-sino fundamental e educação infantil, e apenas cinco na educação infantil.

Observação do ambiente escolar

A observação dos ambientes escolares foi realizada em 09 das 10 unida-des escolares pesquisadas com o objetivo de verificar se as escolas possuíam

q Educação Ambiental e a Promoção da Saúde em Escolas Rurais de Itabaiana-Se300

ambientes favoráveis à promoção da saúde. Ressalta-se que uma das unida-des estava passando por reforma e ampliação, não sendo possível realizar tal observação durante o período de coleta de dados.

Para o acesso às escolas foi solicitada a autorização da Secretaria Munici-pal de Educação. As observações dos ambientes escolares foram realizadas durante a segunda visita de campo às escolas, sendo solicitadas informa-ções complementares aos diretores quando necessário.

Quanto à estrutura foram observadas suas dependências como apresen-tado na Tabela 1.

Tabela 1: Dependências presentes nas escolas pesquisadas

Estrutura física Número totalSalas de aula 50Banheiros 39Secretarias 09Refeitórios 09Pátio escolar 09Almoxarifados 09Sala de informática 05Sala de professores 03Quadra esportiva 00

Fonte: Observação da estrutura das escolas realizada entre maio e julho de 2014.

Em oito escolas o número de salas observado foi entre quatro e seis. Es-sas salas eram espaçosas, arejadas e possuíam iluminação adequada.

Os banheiros para alunos com necessidades especiais foram observados em seis escolas. Esses banheiros estavam em condições de uso e possuíam equipamentos preservados. Todos contavam com água, descarga e pias. Quanto à limpeza geral e dos vasos sanitários, em oito escolas esses espaços estavam em boas condições, sendo que em uma delas a limpeza não era sa-tisfatória. A condição de uso das pias estava adequada nas escolas. Contudo, o acesso a produtos de higiene, a exemplo do papel higiênico, estava presente em apenas quatro escolas. A ausência de sabonete e toalhas foi observada em sete escolas. No conjunto, a construção dos banheiros, o estado de conserva-ção e a limpeza desses ambientes mostraram-se adequadas na maioria das escolas, pois apenas uma delas apresentou falhas nas condições de higiene.

A ausência de quadras-esportivas foi constatada em todas as escolas. Esse espaço é fundamental à prática de esportes, ao lazer e a convivência entre os alunos. O espaço apropriado para prática esportiva é relevante, pois o esporte

Simone Marcela dos Santos Souza; Maria Benedita Lima Pardo; Vera Lúcia Israel q 301

auxilia no desenvolvimento físico e mental dos alunos, a disciplina e a educa-ção para o cuidado com o corpo são essenciais para uma vida saudável.

Para que as escolas promovam a saúde em seu ambiente, como pro-põem os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) é necessário que estejam disponíveis os materiais para realização de ações condizentes. A fal-ta de produtos de higiene impossibilita que a higienização seja realizada de maneira adequada, sendo um risco para toda a comunidade escolar a trans-missão de doenças virais e bacterianas. Segundo Nonose e Braga (2008), o despreparo da escola e a falta de orientações aos profissionais que nela atu-am dificultam a promoção da saúde nesses ambientes para que se exerça uma educação voltada à coletividade e à prevenção de doenças.

O refeitório estava presente em todas as escolas. As instalações nesses ambientes estavam apropriadas para proporcionar uma alimentação sau-dável, sendo percebidas limpeza e organização adequadas. Os alunos têm acesso a alimentos saudáveis como sucos, frutas, lanches e refeições com baixo teor de açúcar, sal e gorduras inclusos na merenda escolar. O cardápio das escolas é elaborado sob a orientação de nutricionistas. Em sete escolas foi observada a presença de alimentos não saudáveis, tais como doces e sal-gadinhos industrializados. Os alimentos estavam disponibilizados ao lado dos portões ou nas dependências da escola. Esse fato mostrou-se contra-ditório com o restante da organização da alimentação no ambiente escolar.

Foi observada a utilização de filtros de barro em salas de aula e bebe-douros nos corredores. Os bebedouros estavam adequados em termos de higiene. Junto aos filtros de barro foi observada a presença de apenas uma caneca que poderia ser utilizada por todos os alunos.

A Tabela 2 apresenta os resultados sobre as instalações para alimentação e banheiros.

Tabela 2: Instalações para alimentação e banheiros

Itens observadosNº de

escolasInstalações adequadas para proporcionar uma alimentação saudável 09Refeitório com estrutura adequada em termos de limpeza e organização em geral 09Banheiros ligados a fossas sépticas 09Banheiros com condições de uso e equipamentos adequadamente preservados 08Salas ventiladas com aeração adequada e direta 09Bebedouros adequados em termos de higiene 09Evidência de problemas de conservação da estrutura 04Evidência de danos físicos à escola 01Fonte: Observação da estrutura das escolas realizadas entre maio e julho de 2014.

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As lixeiras para destinação adequada com separação de lixo seco e or-gânico foram observadas apenas em três escolas. A conservação das lixeiras não estava adequada em duas escolas. A utilização de lixeiras seletivas pode ser considerada uma alternativa válida à sensibilização dos alunos, pois in-centiva o armazenamento adequado do lixo, o que diminui o risco de con-tágio e a disseminação de doenças relacionadas ao armazenamento inade-quado de resíduos. Com isso, se diminui também a proliferação de vetores como o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, febres chikungunya e zika. Essa é uma prática de promoção da saúde aliada às ações de Educa-ção Ambiental e que deve estar relacionada ao contexto local.

As hortas escolares foram observadas em três escolas, sendo que duas possuíam canteiro sustentável, atividade realizada por monitores do Pro-grama Mais Educação, e em uma escola foi realizada por iniciativa dos professores e alunos. Essas hortas são lugares para o desenvolvimento de conhecimentos e práticas para produção de alimentos saudáveis. Esses co-nhecimentos são essenciais para que os alunos possam se posicionar contra o uso indiscriminado de agrotóxicos e insumos agrícolas, comum na região, e que prejudicam a saúde de todos (BRASIL, 1997).

Aprender a cuidar do lixo e a cultivar uma horta orgânica são conheci-mentos fundamentais na vida de qualquer cidadão. Depositar os resíduos na lixeira é o primeiro passo para que no futuro haja menos lixo nas ruas, nos rios e oceanos. A alimentação saudável é essencial à manutenção da saúde. O consumo de alimentos saudáveis é o primeiro passo para uma vida saudável. De modo que promover a saúde por meio da Educação Ambiental é fundamental à qualidade de vida das pessoas e deve ser rotina nas escolas. Esse aspecto precisa ser desenvolvido nas escolas participantes.

Caracterização das ações de Educação Ambiental

Para caracterização das ações de Educação Ambiental realizadas nas es-colas foram analisadas as respostas dos professores nos questionários e dos diretores nas entrevistas.

As escolas realizavam atividades variadas, segundo os diretores e profes-sores. Em algumas delas, como os projetos, os passeios, passeatas, visitas de campo e exposições, os alunos têm participação ativa. Em outras atividades, a exemplo das palestras e aulas expositivas, a participação dos alunos tende a ser passiva.

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A Tabela 3 mostra os tipos de atividades realizadas nas ações de Educa-ção Ambiental:

Tabela 3: Atividades realizadas nas escolas

AtividadesFrequência*

Professores DiretoresPasseatas 41 1Exposições 47 -Semanas temáticas 49 5Passeios 53 -Exibição de filmes 57 1Visita de campo 60 5Palestras 67 10Projetos 69 9Outros 2 2*Foram indicadas mais de uma atividade por participante

Fonte: Questionários e entrevistas aplicados entre maio e julho de 2014.

A diversidade de atividades de Educação Ambiental realizadas em es-colas também foi observada na pesquisa de Loureiro (2007), que objetivou mapear a presença da Educação Ambiental nas escolas, bem como seus pa-drões e tendências nas cinco regiões brasileiras.

Quanto aos assuntos trabalhados nas ações, todos os professores e dire-tores indicaram conteúdos inclusos no tema Meio Ambiente. O tema Saúde foi indicado por 07 diretores e 64 professores. Trinta professores e 01 diretor indicaram o tema Ética. Onze professores, orientação sexual. Esses resulta-dos indicam que as ações de Educação Ambiental nas escolas abordam te-mas que estão de acordo com os PCNs (BRASIL, 1997).

A periodicidade das ações realizadas segue o cronograma de cada escola. Segundo os diretores e professores não existe uma periodicidade fixa, pois o cronograma é passível de alterações durante todo o ano letivo. Essas ações são realizadas, em sua maioria, nas próprias escolas e na sede do município, os diretores e professores também citaram outros locais como a Usina Hidrelétri-ca de Xingó; o Museu de Xingó; o Parque Nacional Serra de Itabaiana. De acor-do com os PCNs (BRASIL, 1997), a realização de atividades em outros locais, além da escola, é desejável e mostra um avanço no sentido de aproximar os alunos da realidade local, e poderia ter sua frequência aumentada.

Os participantes das ações são os professores, equipe diretiva e alunos, em sua maioria. Seguidos pelos pais e monitores do Programa Mais Educa-

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ção. Membros de órgãos externos como universidades, ONGs e empresas também foram citados.

A participação dos alunos, segundo as respostas dos professores e di-retores, foi expressiva como público e na realização das ações. Contudo, no planejamento e organização essa participação foi reduzida.

Os pais e a comunidade participam com maior frequência como público. O número reduzido de indicações, quando comparado a de outros segmen-tos da comunidade escolar, indicou que nem sempre os pais estão presentes nessas ações. Esse resultado mostra a necessidade de realização de um tra-balho voltado para maior aproximação das famílias com as escolas. Resulta-do diferente foi observado na pesquisa de Medeiros et al. (2007), em escolas do interior do Rio Grande do Norte e do Ceará, onde se mantinha estreito relacionamento com a comunidade externa.

As ações de Educação Ambiental estavam sendo avaliadas, segundo as respostas dos entrevistados. A frequência das indicações das respostas dos participantes mostrou que essa avaliação era realizada, em sua maioria, por professores. A função de planejar, aplicar e avaliar faz parte do trabalho coti-diano do professor. Embora ele esteja em contato frequente com a mesma, não significa que seja fácil o seu desempenho (PARDO, 1997). Para que seja realizada uma avaliação coerente das ações realizadas, a sistematização nas etapas de planejamento e aplicação mostra-se necessária. Do contrário, a avaliação poderá ser feita de modo incoerente com os objetivos definidos.

De acordo com Tomazello e Ferreira (2001), a tarefa de avaliar atividades e projetos de Educação Ambiental não é fácil. Mas consiste em uma etapa relevante tanto para mudanças que visam à melhoria dessas ações na esco-la, como para o estabelecimento de diálogo entre os participantes da comu-nidade escolar voltando-se para reflexões sobre tais práticas.

As respostas dos participantes indicam que estavam ocorrendo mudan-ças nas escolas. Essas indicações podem ser consideradas positivas para o meio ambiente escolar ao se referirem à diminuição da quantidade de lixo nas escolas, à relação entre as pessoas, à melhoria dos conhecimentos sobre cuidado corporal e de higiene, assim como ao aumento das práticas de exer-cícios físicos que são realizadas dentro das próprias escolas ou em campi-nhos improvisados localizados em terrenos próximos às escolas. Nenhuma escola possuía quadra esportiva para realização de atividades.

Dentre as facilidades para o desenvolvimento de ações de Educação Ambiental foram indicadas: o entendimento dos professores e da equipe diretiva sobre os temas ambientais foi indicado por 41 professores e 09 dire-tores; o interesse dos alunos pelos temas, indicado por 27 professores e 06

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diretores; apoio financeiro, por 09 professores e 06 diretores; tempo para o planejamento e realização de atividades, por 04 professores e 05 diretores.

Entre as dificuldades destacaram-se o pouco tempo para o planejamen-to e realização de atividades, indicadas por 53 professores e 04 diretores. A falta de apoio financeiro foi indicada por 24 professores, e o desinteresse dos alunos indicado por 18 professores e 04 diretores. A falta de tempo para o planejamento de atividades foi observada na pesquisa de Loureiro et al. (2007). Os dados dessa pesquisa, realizada em âmbito nacional, indicaram a falta de tempo para o planejamento e realização de atividades como uma das principais dificuldades para a efetivação da Educação Ambiental.

A relação entre Educação Ambiental e Saúde foi averiguada a partir da seguinte questão: na sua opinião existe relação entre a Educação Ambiental e a Saúde nas ações realizadas na escola?

A maioria dos participantes (59 professores e 08 diretores) afirmou exis-tir relação entre os temas nas ações realizadas. Dois diretores e 11 professo-res indicaram que essa relação não existe. Apenas 03 professores não opina-ram sobre a questão.

A Tabela 4 mostra a categorização das justificativas às respostas afirmati-vas, indicadas por 59 (81%) dos professores e por 08 (80%) dos diretores. As justificativas às respostas negativas foram indicadas por 11(15%) dos profes-sores e 02 (20%) dos diretores.

Tabela 4: Categorização das justificativas dos participantes

Justificativas CategorizaçãoFrequência/porcentagemProfessores Diretores

Respostas afirmativas

Em nível teórico, os temas se complementam. 31 (43%) 02 (20%)Os temas estão relacionados em ações realiza-das nas escolas. 21 (29%) 06 (60%)Observação da mudança do comportamento dos alunos em relação a si mesmos e ao am-biente escolar.

07 (9%) -

Respostasnegativas

Os temas não são trabalhados de forma con-junta nas práticas.

07 (9%) 02 (20%)

A escola não está preparada. 02 (3%) -Falta de diálogo entre os setores da Saúde e da educação.

02 (3%) -

Não indicaram

- 03 (4%) -

- 73 (100%) 10 (100%)Fonte: Observação da estrutura das escolas realizadas entre maio e julho de 2014.

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Segundo Gomide et al. (2005), a Educação Ambiental voltada à promo-ção da saúde pode ser considerada uma estratégia de atenção primária. Quando se trabalha o tema Saúde dentro da Educação Ambiental, concomi-tantemente, promove-se a saúde na escola.

Para Pereira et al. (2012), a relação entre ambos os temas ocorre devido à proximidade de conteúdo. A intersecção desses temas dentro de um plane-jamento coerente pode ser considerada uma estratégia de atenção primária à saúde.

Quanto à avaliação do papel que a escola tem desempenhado em rela-ção à Educação Ambiental, 49 (67%) professores indicaram como ótimo ou bom; 24 (33%), regular e insatisfatório. Entre os diretores, 08 (80%) indicaram como ótimo e bom; e 02 (20%), regular e insatisfatório.

Observa-se a partir das respostas dos participantes que a avaliação des-ses sobre o papel da escola em relação à Educação Ambiental foi positiva. As justificativas para tal avaliação referem-se à realização de ações, ao apoio recebido por parte da direção, à participação de todos nas ações, às mudan-ças observadas no comportamento dos alunos e às propostas de inclusão da comunidade nas ações.

Em relação às sugestões dos professores e diretores para melhoria das ações de Educação Ambiental nas escolas, 19 (26%) professores e 04 dire-tores indicaram a necessidade de maior participação da comunidade esco-lar; o aumento no número de ações foi indicado por 18 (25%) professores; o maior tempo para realização do planejamento foi indicado por 15 (20%) professores e 02 diretores.

Dentre as sugestões dos entrevistados destacou-se a necessidade de maior participação da comunidade escolar. A relação entre escola e comuni-dade foi apresentada como prioridade na pesquisa de Loureiro et al. (2007) tanto nos resultados das observações de campo, quanto nas respostas às perguntas abertas. De acordo com os autores, esse distanciamento pode ser agravado por situações de extrema violência e insegurança pública, como foi identificado no Sudeste do País e em municípios do Sul, ou minimizado pelo uso de estratégias educativas ambientais relacionadas a problemas lo-cais ou que envolvam professores que atuam como educadores ambientais em redes, como foi observado no Centro-Oeste e Norte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação da Educação Ambiental com a promoção da saúde foi constatada com base nos relatos dos participantes e na observação do ambiente escolar.

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Assim como no estudo de Loureiro et al. (2007), os resultados da pesqui-sa mostraram um panorama das ações de Educação Ambiental realizadas nas escolas participantes. Foi constada a existência de vinculação entre a Educação Ambiental e a promoção da saúde, considerando a inserção do tema Saúde nas ações realizadas.

Considerou-se como principais aspectos positivos a presença dos Pro-gramas Mais Educação e Saúde na Escola, assim como de outros programas que fazem parte do contexto das escolas participantes. Nesses programas, o trabalho conjunto entre professores e monitores é uma inciativa relevante que poderia ser otimizada. Vale salientar que estudos mais aprofundados sobre a efetividade de tais programas precisam ser realizados.

A descrição das características das ações de Educação Ambiental mos-trou que essas ações se relacionam à promoção da saúde nas escolas. Para tanto, foram considerados os relatos dos participantes que indicaram con-ceber ambas as temáticas como indissociáveis. Esses participantes mencio-naram atividades realizadas nas escolas cujos temas citados foram: alimen-tação saudável, saúde e consciência ambiental; lixo; água e uso excessivo de agrotóxicos.

Como preveem as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Am-biental (BRASIL, 2012), nas ações realizadas em escolas os conhecimentos concernentes à Educação Ambiental podem ocorrer pela transversalidade, mediante temas relacionados com o meio ambiente e a sustentabilidade. Para tanto, a dimensão ambiental deve estar relacionada à saúde, à justiça social, aos direitos humanos, ao trabalho, ao consumo, à pluralidade étnica, racial, de gênero, de diversidade sexual, e a superação do racismo e de for-mas de discriminação.

Quanto à observação do ambiente escolar, as escolas possuíam estru-tura para que ocorresse a promoção da saúde. Os problemas de reforma e ampliação observados em quatro escolas está sob responsabilidade da pre-feitura municipal.

A ausência de produtos de higiene, a exemplo de papel higiênico, pa-pel-toalha e sabonete e o possível compartilhamento de canecas podem e devem ser solucionados com medidas simples. Sugere-se a disponibilização desses produtos mediante orientações aos funcionários e alunos quanto à utilização desses materiais, evitando o uso indevido e o desperdício desses produtos.

As respostas apresentadas mostraram que ações de Educação Ambiental estão sendo realizadas nas escolas municipais da zona rural de Itabaiana. Ape-sar disso, os profissionais necessitam de auxílio para melhor aproveitamen-

q Educação Ambiental e a Promoção da Saúde em Escolas Rurais de Itabaiana-Se308

to do trabalho que realizam. O aprofundamento da relação entre Educação Ambiental e promoção da saúde também se mostram necessários, tendo em vista a relevância desse trabalho para a saúde das pessoas da localidade.

Nos itens abaixo estão descritas a facilidades e limitações que ocorreram durante a pesquisa:

Facilidades: solicitude e facilidade de acesso a informações por parte da Secretaria Municipal de Educação de Itabaiana; acolhimento por parte dos diretores, professores e funcionários; significativa participação, tanto de di-retores como de professores;

Limitações: deslocamento às unidades escolares distantes; necessidade de aprofundamento nos seguintes aspectos: especificidades das ações de Educação Ambiental em escolas rurais; estudo das ações do PSE e Mais Edu-cação voltadas à promoção da saúde; efetivação de atividades transdiscipli-nares nas escolas e observação in loco.

As facilidades para realização da pesquisa mostram que existe abertura por parte das escolas e da Secretaria Municipal de Educação para realização de novos trabalhos. A continuidade do estudo mostra-se necessária, consi-derando que a relação entre Educação Ambiental e a Promoção da Saúde é um tema recente na escola.

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VISÕES CARTOGRÁFICAS DE ITABAIANA-SE

Jadson de Jesus Santos; Gicélia Mendes

INTRODUÇÃO

A cartografia tradicional tem como principal finalidade a localização de pontos e locais. Por vezes, elementos importantes para a comunidade ficam sem representação neste tipo de cartografia. Técnicas específicas e cientifi-cidade são usadas pelo cartógrafo na confecção de um mapa. É necessário levar em conta também outras formas de cartografar que se utiliza da per-cepção dos indivíduos para o mapeamento do próprio lugar, a fim de emba-sar análises para estudos em diversas áreas.

Desse modo, a construção de uma nova cartografia necessita utilizar-se de novos olhares e perspectivas sobre as formas de representação, sem com isso perder o caráter primordial de um mapa: a localização. A cartografia so-cial traz novas possibilidades ao trabalhar o conteúdo confeccionado por protagonistas da sociedade expressos nos elementos representados nos mapas sociais.

Considerando a importância estratégica do município de Itabaiana para o Estado de Sergipe, entendemos que um estudo desta natureza é de gran-de relevância, pelo que nos propomos associar: as visões por meio da carto-grafia social, das características socioeconômica, cultural e ambiental.

A proposta desta pesquisa foi analisar as representações gráficas elabo-radas a partir dos olhares dos atores que compõem a sociedade itabaianen-se, as diversas questões que estão presentes em seu ambiente de vivência e o modo como são representados por estes protagonistas. Consideramos, nesta pesquisa, a cartografia social como a percepção dada pelos protago-nistas por meio de desenhos, mapas, falas e imagens.

A pesquisa baseou-se em torno do estudo e comparações das cartogra-fias e imagens que são sentidas pelos alunos do Campus de Itabaiana da UFS. A escolha do tripé do desenvolvimento de Itabaiana se dá justamente por ser significativo para o município. Itabaiana é conhecida em todo estado pelo movimentado e intenso comércio local, pela agricultura, com destaque na produção de verduras e hortaliças e, mais recentemente, após a criação do Parque Nacional Serra de Itabaiana, pelo turismo regional.

O trabalho teve como objetivo geral analisar as potencialidades socioe-conômicas, culturais e ambientais de Itabaiana a partir da cartografia social

q Visões Cartográficas de Itabaiana-Se312

produzida por discentes do campus da Universidade Federal de Sergipe lo-calizada no município. Como objetivos específicos foram propostos: iden-tificar as visões que discentes da UFS possuem do município de Itabaiana nos aspectos socioeconômicos, culturais e ambientais; interpretar a carto-grafia social produzida pelos estudantes; e apresentar visões dos alunos do campus da UFS em Itabaiana por meio da cartografia social, a fim de servir de subsídio para outros estudos que enfatizem a importância da cartografia social para auxiliar políticas públicas mais eficazes, que levem em considera-ção aspectos muitas vezes despercebidos pelo olhar do gestor.

1 A CARTOGRAFIA SOCIAL COMO INSTRUMENTO DE ANÁLISE DA CIDADE DE ITABAIANA-SE

É de grande importância conhecer, mapear e sistematizar o conhecimento local acerca de um lugar. Com isso, a cartografia contribui na aplicação e entendimentos de conceitos e questionamentos em diversos campos como o da geografia, sociologia ou antropologia, dando suporte para a continui-dade de um “ciclo de desenvolvimento” de um município.

Novas tecnologias também permitem dar corpo à cartografia social, a qual por meio da autocartografia1 é possível ser estudado como se dá a territoriali-zação de espaços. Os atores neles inseridos possuem papel de importância na modificação de costumes, tradições e da própria natureza. As individualidades e interações entre as pessoas transformam continuamente as especificidades de um determinado local. São essas interações entre cada um dos indivíduos que uma sociedade é constituída em seus costumes e tradições.

A cartografia social representa então essas expressões coletivas ou indi-viduais a fim de manter e valorizar aspectos relevantes de uma dada socie-dade. Por meio desse estudo foi possível identificar as diversas identidades coletivas as quais permitem firmar-se em movimentos sociais.

O foco do trabalho deu-se em torno do estudo das cartografias sociais produzidas pelos atores sociais selecionados. Através de entrevistas com os alunos do Campus Universitário Professor Alberto Carvalho, da Univer-sidade Federal de Sergipe em Itabaiana/SE, foram colocadas graficamen-te as principais visões sobre o município em questão. Gorostiaga (2010)

1 Esse termo é amplamente utilizado em diversos estudos que utilizam a cartografia social como instrumento. Ele é utilizado, principalmente, pelos Projetos da Nova Car-tografia Social da Amazônia (PNCSA), desenvolvido desde julho de 2005, utiliza-se deste instrumento para redesenhar as fronteiras indígenas da região que foram inva-didas ou perdidas por falta de estudos prévios em a sua demarcação.

Jadson de Jesus Santos; Gicélia Mendes q 313

define a cartografia social como metodologia onde há a análise textual e das representações gráficas dos fenômenos sociais. A cartografia social estrutura meios de interpretações provisórias das diversas visões propos-tas pelos atores sociais, sendo contrapostas por argumentos e discursos teóricos. Acselrad (2013), afirma que:

As experiências de cartografia social formam um campo em cons-tante construção que vem, nos últimos quinze anos, promovendo a relativização do sentido oficial de se construir mapas e contri-buindo para a ressemantização do termo “cartografia” atualmente em jogo. Tais experiências revelam situações em que o Estado não é mais o único a produzir mapas e evidenciam a perda de hegemo-nia e de seu monopólio do ato de cartografar. (2013, p. 16)

Cartografia social é um recente instrumento dado às diversas populações com a funcionalidade de quebra da hegemonia do Estado tendo como princi-pal característica a reafirmação das reais necessidades de um povo, por meio de suas próprias representações do lugar em que está inserido. E é a partir dessas representações sociais que torna-se possível compreender melhor as reais necessidades que estão interligadas ao cotidiano dessas pessoas.

Itabaiana é um município de destaque no estado de Sergipe com 92.732 habitantes (IBGE, Estimativa populacional 2014), área de 336,685 km² (IBGE, 2002), possuindo cerca de 272,88 habitantes por quilometro quadrado, a uma altitude de 188 metros em relação ao nível do mar, localizado à região central do estado de Sergipe e clima predominantemente semiárido. Há muito, Itabaiana possui posição de destaque quanto à economia no estado de Sergipe conforme descreve Dantas (1987):

A cidade de Itabaiana está situada na parte central do estado de Ser-gipe, na micro-região do Agreste (a 55 km da capital). Sua coloniza-ção iniciou-se no século XVII pelos portugueses, sofreu os efeitos da invasão dos holandeses, mas de modesta vila no passado criando “pouca porção de gado, que não chega para a sustentação dos ha-bitantes e da mesma forma a mandioca e legumes que plantam” no testemunho de cronista do século XVIII, hoje (1982) constitui-se num dos centros urbanos mais prósperos de Sergipe. Em seu município, ao lado da criação de gado leiteiro, se cultivam nos terrenos areno-sos várias plantas hortigranjeiras, a ponto de Itabaiana representar o principal fornecedor de tais produtos ao estado. (1987, p. 47)

q Visões Cartográficas de Itabaiana-Se314

Figura 1. Localização do município de Itabaiana/SE.

(Elaborado pelo próprio autor)

Vários são os termos ligados à Itabaiana. Capital nacional do caminhão – por meio da lei nº 13.044/14 – é uma das maiores expressividades ligadas ao município, que possui a maior frota proporcional de caminhões empla-cados num município brasileiro, pouco mais de cinco mil ou um caminhão para cada grupo de trinta habitantes. Possuindo dessa forma a segunda maior arrecadação de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Au-tomotores) do estado, segundo dados do Detran-SE, ficando atrás apenas da capital, Aracaju.

Na década de 1980, o município de Itabaiana foi beneficiado pela implan-tação dos perímetros irrigados do Jacarecica e Ribeira. Foi a partir desta época que se intensificou a produção de hortaliças e verduras com destinação ao abastecimento no estado. Desse modo, Itabaiana ganhou destaque também como sendo um “Celeiro abastecedor” para o estado e regiões próximas.

Jadson de Jesus Santos; Gicélia Mendes q 315

Os traços comerciais no município são amplos. Desde 1888, quando Ita-baiana era ainda tida como vila, a feira livre, sempre aos sábados, possuía destaque no desenvolvimento econômico de Itabaiana. Ela é, até hoje, tida como a maior feira livre do estado. É uma das principais fontes da economia no município, agregando valor, desde então, ao comércio local, já que atraía compradores de todos os lugares. Confirmando, Dantas (1987) destaca que: “(...) Itabaiana, além de ir-se impondo com uma feira cada vez mais crescente passou a significar também um considerável núcleo comercial” (p. 50).

A vida cultural no município possui também grande expressão para o estado. Na cidade são realizados grandes eventos, desde micareta, denomi-nada “Micarana”, à “Feira do Caminhão”, esta realizada em conjunto com a festa religiosa católica em comemoração a Santo Antônio.

Há ainda, destaque para o futebol com o clube “Associação Olímpica de Itabaiana”, as tradições religiosas e ainda o Parque Nacional Serra de Itabaia-na e o Parque dos Falcões, estes dois últimos criados neste século.

Desse modo, Itabaiana é de potencial importância para o estudo carto-gráfico social. Tradições de um povo que se orgulha de pertencer a este local são objetos de estudo de abrangente importância. É esta curiosidade de re-presentar os olhares deste povo que levou à escolha deste município para a realização deste trabalho.

Será que este orgulho vai ser representado graficamente pelos diversos atores entrevistados? A terra do ouro e do caminhão, a religiosidade, a in-fluência comercial e agrícola de Itabaiana vai ser destacada graficamente? Por meio da cartografia social estes questionamentos serão utilizados para servir de base para a análise do pertencimento, identidade e percepção do itabaianense acerca de sua terra, do seu espaço geográfico.

2 MÉTODOS E TIPO DE PESQUISA

Na pesquisa foram utilizados diversos métodos, utilizando-se como objeto, entrevistas semiestruturadas com foco temático e abordagem dos relatos. Para Lakatos e Marconi (2009, p. 269), “a metodologia qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descreven-do a complexidade do comportamento humano”. Por se tratar de uma pes-quisa no âmbito social, é necessário que haja a análise dos significados das abordagens dadas pelos entrevistados durante a pesquisa sem que haja o reducionismo de suas ideias a dados quantitativos. Porém, dados quantitati-vos não são excluídos neste tipo de pesquisa, eles servem para dar o aporte necessário à confirmação dos fatos exemplificados durante as entrevistas

q Visões Cartográficas de Itabaiana-Se316

complementando dessa forma todos estes dados qualitativos. Goldenberg (2004) relata que:

Os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de si-tuações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos, esses dados não são padronizáveis, obrigando o pesquisador a ter flexibilidade e criatividade no momento de coletá-los e analisá-los. (2004, p. 53)

A elaboração de uma entrevista é definida por diversas etapas: primeira-mente deve-se selecionar o grupo de atores a serem entrevistados; por se-guinte deve-se planejar os questionamentos que serão levantados durante a entrevista; por fim, deverá verificar a disponibilidade do entrevistado para a entrevista assegurando-o sobre a confidencialidade de suas respostas no âm-bito das análises da pesquisa.

Sobre pesquisa social Selltiz (1987, p. 49) afirma que “frequentemente desejamos estar aptos a responder questões acerca da distribuição da va-riável e das relações entre características de pessoas ou grupos da maneira como ocorrem em situações naturais”, é devidamente por isso que devemos selecionar o entrevistado de acordo com sua familiaridade sobre o tema a ser abordado, de modo que o mesmo sinta-se à vontade ao responder sobre os diversos questionamentos durante a entrevista. É necessário, ao entrevis-tador, utilizar-se de critérios a serem executados durante a entrevista. É es-sencial respeito ao entrevistado e, principalmente ouvir o que ele tem a falar.

Foi utilizado o método de entrevista intensiva, onde se tentou, por meio do roteiro semiestruturado de pesquisa, procurar maior e amplo contato com o sujeito entrevistado para buscar maior aprofundamento da compre-ensão sobre o que o entrevistado discorre em sua fala e em seus desenhos, que foram solicitados ao final da entrevista. Além disso, foi feita revisão bi-bliográfica e pesquisa documental sobre as diversas abordagens relaciona-das à pesquisa de modo a dar resguardo científico sobre a abordagem dada nas análises, assim afirma Selltiz (1987):

Obviamente, contudo, é necessário algum cuidado ao extrair conclusões dos levantamentos onde são fornecidas as explica-ções para os fenômenos sociais. Não apenas a análise dos dados deve sustentar as conclusões que o pesquisador oferece, mas ela deveria, quando possível, eliminar explicações alternativas atra-vés de controles estatísticos apropriados. Em função da necessi-

Jadson de Jesus Santos; Gicélia Mendes q 317

dade de se cientizar das hipóteses alternativas, visando verificar a sua plausibilidade, é essencial que se saiba acerca do problema de pesquisa tanto quanto for possível saber. (1987, p. 56)

Dessa forma, foram utilizados, também, recursos estatísticos de fontes oficiais a fim de confirmar os relatos e dados ditos pelos entrevistados, dan-do confiabilidade à esta pesquisa. Desse modo, foram analisadas as dinâmi-cas sociais de Itabaiana/SE, exemplificadas pelos estudantes do campus da UFS localizado na cidade, além de verificar a eficácia das políticas públicas em relação às necessidades desses atores no decorrer do mapeamento par-ticipativo.

Foram elaborados gráficos de linha, barras e do tipo pizza para exemplifi-car dados estatísticos de diversas fontes oficiais como: IBGE, DETRAN, Ministé-rio da Saúde, dentre outros. Além desses, foi utilizado o gráfico denominado nuvem de palavras ou Word Cloud, elaborado por meio de aplicativo específi-co, o qual utiliza-se as transcrições das entrevistas em forma de texto, onde as palavras com maior número de repetições são colocadas em tamanhos dife-renciados no gráfico, podendo, dessa forma, ter uma noção sobre os principais temas mais abordados pelos entrevistados durante os questionamentos.

As entrevistas foram realizadas com gravação em áudio e vídeo através de duas câmeras (HD), focadas em pontos distintos: uma fixada em frente ao entrevistado; e a outra com enquadramento direcionado ao am-biente em que ocorre a entrevista. Algumas das gravações, as que tiveram autorização dispostas em documento serviram de base para a edição do do-cumentário anexo a esta dissertação, a qual retrata as diversas visões dos discentes selecionados na pesquisa durante as entrevistas sobre o municí-pio de Itabaiana/SE.

Utilizou-se, ainda, uma câmera fotográfica de mão para o registro visual das entrevistas e dos desenhos e mapas elaborados pelos entrevistados. Estes desenhos foram confeccionados em papel próprio para desenho: gramatura 180g/m², tamanho A3 (42,0cm x 29,7cm), liso, cor branca. Utilizando-se lápis de cor, giz de cera colorido e lápis grafite.

2.1 ALGUNS RESULTADOS OBTIDOS

A princípio, pensava-se em fazer um recorte de estudo em todo o muni-cípio de Itabaiana/SE. Inicialmente era proposto a análise das comparações entre as diversas visões de moradores da zona urbana e rural do município de Itabaiana/SE. O recorte espacial da pesquisa foi-se afilando até chegar

q Visões Cartográficas de Itabaiana-Se318

ao recorte final: alunos do campus da UFS, localizado na sede do município de Itabaiana/SE. Os entrevistados são alunos de diversos cursos ofertados no campus da UFS em Itabaiana/SE: Biologia, Administração, Química, Geografia, Matemática, Ciências Contábeis e Pedagogia.

O desenvolvimento deste trabalho girou em torno de trabalhos de campo, onde foram observados, através de entrevistas, conversas e ques-tionários, dinâmica de trabalho para elaboração de representações gráficas os diversos olhares dados à localidade ao redor pelos discentes do campus da Universidade Federal de Sergipe, em Itabaiana/SE. O grupo selecionado para o estudo foi os alunos do Campus Professor Alberto Carvalho da Uni-versidade Federal de Sergipe, localizado na cidade de Itabaiana/SE. Foram entrevistados 15 estudantes no período entre os meses de junho a setembro de 2014. Bauer (2002), afirma que:

[...] podemos pensar um levantamento aleatório de uma popu-lação, coletando os dados através de entrevistas com grupos focais. [...] a pesquisa social, portanto, apóia-se em dados sociais – dados sobre o mundo social – que são o resultado, e são cons-truídos nos processos de comunicação. (2002, p. 20)

Desse modo, há a necessidade de combinação entre a quantidade e a qua-lidade. A expressão de estudos acerca de percepção e identidade acerca de um lugar é dada por meio de entrevista onde é dada liberdade ao entrevista-do para explicitar suas opiniões. Goldenberg (2004) defende a ideia de que:

A integração da pesquisa quantitativa e qualitativa permite que o pesquisador faça um cruzamento de suas conclusões de modo a ter maior confiança que seus dados não são produto de um pro-cedimento específico ou de uma situação particular. (2004, p. 62)

Ainda segundo Bauer (2002, p. 21), “na pesquisa social, estamos interes-sados na maneira como as pessoas espontaneamente se expressam e falam sobre o que é importante para elas e como elas pensam sobre suas ações e as dos outros” dessa maneira, “[...] a pesquisa qualitativa evita números, lida com interpretações das realidades sociais [...]. O protótipo mais conhecido é, provavelmente, a entrevista em profundidade” (idem, p. 23). É possível ainda corroborar com Selltiz (1987, p. 644) ao afirmar que “a arte do entrevistador consiste em criar uma situação onde as respostas do informante sejam fide-dignas e válidas”. E para Goldenberg (2004, p. 27), “Como a realidade social

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só aparece sob a forma de como os indivíduos veem este mundo, o meio mais adequado para captar a realidade é aquele que propicia ao pesquisa-dor ver o mundo através ‘dos olhos do entrevistado’”.

Diversos critérios para a realização das entrevistas foram, dessa forma, essenciais para o fomento da pesquisa. Por ter, a pesquisa, um caráter impes-soal, as perguntas referidas aos entrevistados foram elaboradas de modo a não os identificar durante a análise da pesquisa. Para Haguette (2007):

A entrevista pode ser definida como um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o pesquisador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do ou-tro, o entrevistado. As informações são obtidas através de um roteiro de entrevista constando uma lista de pontos ou tópicos previamente estabelecidos de acordo com a problemática central e que deve ser seguida. O processo de interação contém quatro componentes que devem se explicitados, enfatizando-se suas vantagens e limitações. São eles: a) o entrevistador; b) o entrevistado; c) a situação da entrevista; d) o instrumento de captação de dados, ou roteiro de entrevista. (2007, p. 86)

Alguns estudantes foram entrevistados no próprio campus em horário de intervalo entre aulas. Alguns outros concederam entrevistas em locais fora do campus, haja vista que no período em que ocorreu a entrevista houveram algumas alterações de calendário do campus, devido à realização da “Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014”, além dos feriados nacionais, regionais e locais ocorridos no período da pesquisa.

As entrevistas foram feitas por meio de roteiros de perguntas e ao final foi solicitado ao entrevistado a representação dos ditos locais pelo próprio olhar. Essas representações foram livres, deixando o entrevistado represen-tar suas próprias territorialidades. Os próprios atores representaram, aos seus próprios critérios, todos os elementos importantes no local representa-do, inclusive os elementos gráficos, limites e fronteiras. Essas representações gráficas são consideradas para estudos temporais, já que a interpretação das percepções compostas nelas é provisória e aberta.

Através de entrevistas com atores deste contexto foram colocadas no pa-pel as principais visões sobre o município em questão relacionada à visão so-cial, aquela vista pelos estudantes da UFS/Itabaiana. Para Penna (1982, p.25) nesse tipo de estudo “o objetivo [...] é de se aprofundar o conhecimento do próprio processo de apreensão perceptual [...]”.

q Visões Cartográficas de Itabaiana-Se320

Assim, foram feitas análises a partir do que foi produzido pelos estudan-tes durante a pesquisa: desenhos, mapas e falas. É primordial utilizar-se de métodos adequados a cada tipo de estudo. Delimitar a área e a amostra para a pesquisa e usar bibliografias apropriadas complementam-se ao método dando legitimidade à pesquisa.

A interpretação das percepções individuais é relativa ao passo em que quem as interpreta pode está direcionando a pontos diferente de outros olhares. Dessa forma, foi possível interagir durante as entrevistas com esses atores por meio de diálogo pré-estruturado dando fomento à posterior in-terpretação relativa ao desenho.

Foi possível perceber, dessa maneira, que a cidade de Itabaiana/SE, possui destaque em relação ao estado de Sergipe, não somente por ser a quarta mais populosa, como também pelo intenso movimento. O principal destaque dado pelos entrevistados foi a forte economia do município no estado. Comércio diversificado, importante polo agrícola e elevado número de caminhões que transportam diariamente toda a produção e/ou mercadorias para várias regi-ões do estado e do país.

Tão forte quanto à economia, o elemento religião foi fortemente cita-do. Cidade de maioria cristã, possui diversos festejos em alusão a diversos temas religiosos. Além disso, um dos mais formidáveis ambientes naturais do estado foi descrito como de primordial valor turístico e ambiental para o município, a Serra de Itabaiana.

Na pesquisa, houve dificuldade por parte dos entrevistados de elaborar um mapa representativo da cidade, porém, os desenhos que também a re-presentam foram expressões importantes e objeto de análise desta pesqui-sa. Formações de identidade por meio das relações sociais também foram percebíveis durante a pesquisa.

O sentimento de orgulho e pertencimento depende do convívio no gru-po social o qual o indivíduo está inserido. Além disso, o lugar onde aconte-cem essas relações precisa reafirmar o pertencimento cultural desse grupo para que haja níveis mais elevados de sentimento de orgulho e pertenci-mento ao lugar.

A sensação de insegurança na cidade de Itabaiana/SE foi questionamen-to constante durante as entrevistas. É preciso, por parte do poder público, que haja melhores investimentos nesta área. É preciso também investimen-tos em melhoria na educação básica. Diversos estudos mostram que educa-ção é base para afastamento da criminalidade. É por meio dela que ocorrem as oportunidades para que indivíduos não busquem meios alternativos e/ou marginais de vivência.

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As disputas políticas por cargos públicos incitam conflitos familiares e envolvem a população, que na maior parte das vezes não analisa os grupos por suas atuações políticas, mas por paixões.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade é, desde o seu surgimento, afirmação do desenvolvimento social firmado e conceituado pelo homem. É nela onde há a expressão de superiori-dade humana por meio da utilização de todos os recursos e elementos criados pelo homem. Identidades e percepções individuais são quesitos dados por meio das interações sociais existente em diversos espaços geográficos.

A necessidade de mapeamento de todos esses locais surge no momento em que há crescimento e diversificações de atividades e interações. Houve evo-lução no que concerne à cartografia, inicialmente representada em fragmentos de rochas, partindo para representações em tecidos e papéis até chegar às mais complexas representações cartográficas por elementos tecnológicos.

A cartografia social é um ramo cartográfico em que além da repre-sentação de locais, há a representação, também, das necessidades identitá-rias de quem o confecciona. Esse instrumento de representação foi objeto principal desta pesquisa, o qual por meio do uso das representações gráficas elaboradas pelos atores selecionados da pesquisa fomentou a construção desta dissertação.

A representação cartográfica social é, desse modo, instrumento para o melhoramento de destinação de investimentos e fonte para estudos sociais, antropológicos, geográficos e históricos, como também para estudos acerca do meio ambiente. Ela é instrumento avaliativo e de análise das reais neces-sidades declaradas pela população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar - como fazer pesquisa qualitativa em Ciên-cias Sociais. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2004.GOROSTIAGA, J. Cartografia Social. In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010.HAGUETTE, T. M. F. Metodologias qualitativas na sociologia. Petrópolis/RJ: Vozes, 2007.IBGE (10 out. 2002). Área territorial oficial. Resolução da Presidência do IBGE de n° 5 (R.PR-5/02). Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/default_territ_area.shtm> acesso em 9 de dezembro 2010.____________. (21 set. de 2014). Estimativa Populacional 2014. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=280290&search=sergipe|itabaiana> acesso em 21 de setembro de 2014.LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2009.PENNA, A. G. Percepção e realidade: introdução ao estudo da atividade perceptiva. Rio de Janeiro: Mercúrio Star, 1982.SELLTIZ, Claire et allii. Métodos de pesquisa nas relações sociais. Tradução de Maria Mar-tha Hubner de Oliveira. 2ª edição. São Paulo: EPU, 1987.

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O EXÉRCITO BRASILEIRO E O BIOMA CAATINGA

Maria Betânia Moreira Amador; Wagner de Souza Coutinho

INTRODUÇÃO

A preservação do meio ambiente tem sido uma preocupação mundial já há décadas. Este trabalho foi realizado para mostrar que as ações dos diver-sos órgãos de segurança nacional, neste caso específico, o Exército Brasileiro (EB) possui relevante inter-relação com as atividades ambientais no espaço geográfico no qual está inserido, no caso específico desse trabalho o bioma caatinga, propiciando às gerações atuais e vindouras, o respeito as suas di-versas problemáticas ambientais.

A consciência ambiental é inerente às práticas do EB, visto que todas as áreas sob jurisdição militar possuem características de manutenção de bioma. Para entendermos como funciona esse binômio: força de segurança - meio ambiente adotaremos como delimitação de espaço geográfico para estudo, o Bioma Caatinga na região de Petrolina - PE, bioma que é unicamente brasileiro. Essa escolha se deu, prioritariamente, por estar localizado nessa área o quartel do EB, denominado 72º Batalhão de Infantaria Motorizado ( 72º BIMTz).

Nesse contexto, o problema que se expõe pode ser elaborado da seguinte forma: Em que medida as atividades de segurança do Exército Brasileiro em Pe-trolina – PE tem inter-relação com atividades ambientais no Bioma Caatinga?

Percebe-se que poucos são os estudos realizados na área considerada como atividades de segurança - atividades ambientais. No âmbito dessa constatação é que nasceu a ideia de demonstrar que realmente existe uma relação entre força de segurança e meio ambiente, onde o fator preponde-rante é a preservação do mesmo, bem como a sua utilização para o treina-mento e preparo de militares conhecedores do ambiente em questão.

Pouco se conhece ainda do Bioma Caatinga, já que este possui uma grande diversidade de tipos de solo e relevo, flora e fauna únicas, além do clima que lhe é próprio (MMA, 2012).

Infelizmente, verifica-se que quase nada é divulgado sobre ações de se-gurança do Exército Brasileiro nos diversos biomas na cotidianidade da vida comum, das escolas em geral e nas academias também. No entanto, embora timidamente, se fala sobre a presença do Exército na Amazônia, onde possui alguns quartéis que marcam presença na proteção e vigilância das frontei-

q O Exército Brasileiro e o Bioma Caatinga324

ras. Porém, vale ressaltar que o EB atua em todos os biomas brasileiros, e não menos complexos, como é o caso do Bioma Caatinga, onde existe uma unidade do Exército voltada especificamente para fins de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal especializado em empregar recursos e técnicas voltadas especificamente para essa região geográfica. Ou seja, alia-se a ne-cessidade de treinamento a um conhecimento científico e tático fundamen-tal para permanência e sobrevivência neste local. Logo, essa complexidade de relações favorece toda uma tessitura de atividades e ações presente nos âmbitos social, econômico e ambiental.

Assim, fica evidente a necessidade do EB não só em ocupar, mas prin-cipalmente em preservar e manter as características fundamentais desse bioma. Como ilustração cita-se o ocorrido entre 1896 e 1897 durante o con-flito que houve no interior da Bahia, mais exatamente em Canudos, onde os soldados do EB marchavam em direção ao combate, mas, o clima quente e seco, a vegetação espinhosa e agressiva de difícil penetração tornou tro-pas com maior poder de fogo em derrotados por três investidas contra os “homens que não desistiam facilmente, homens que faziam de sua guerra uma religião e de sua religião a força para viver.” (BRASIL, 2009, p.30). Este é um exemplo histórico de que o conhecimento do terreno, do clima e do adversário é imprescindível para o combate. Em Canudos deveriam existir soldados treinados, conhecedores de técnicas de sobrevivência e combate na Caatinga priorizando assim, não só essas estratégias inerentes ao comba-te, mas, talvez amenizando impactos na biodiversidade da Caatinga.

Entende-se, então, certa relação com a necessidade da criação do 72º Ba-talhão de Infantaria Motorizado, capaz de pesquisar e desenvolver doutrinas militares, formar e adestrar tropas criando, assim, as condições necessárias para o combate na região mais inóspita do Brasil, a Caatinga.

Como objetivo geral buscou-se caracterizar as ações do EB em Petroli-na – PE, como necessárias e benéficas ao Bioma Caatinga numa perspectiva sistêmica da realidade.

Esse objetivo geral foi fragmentado em objetivos específicos, os quais permitiram o encadeamento lógico do raciocínio descritivo apresentado nesse estudo. Sejam eles: descrever os biomas brasileiros especificando a Caatinga, descrever a relação do EB com o meio ambiente e, apresentar a configuração geral e a missão do 72º BIMTz de forma a ambientar o leitor com as peculiaridades dessa Organização Militar (OM). E finalmente, perce-ber a inter-relação existente, também, sob a perspectiva ambiental.

Inicialmente buscou-se realizar uma breve descrição de cada um dos biomas brasileiros citando pelo menos uma Unidade do EB que atua nesse bioma, com-

Maria Betânia Moreira Amador; Wagner de Souza Coutinho q 325

provando a ocupação do EB em todos os biomas brasileiros, para isso foi realiza-da uma pesquisa documental detalhada. A fim de apresentar a configuração do 72º BIMTz foi realizada uma consulta na base doutrinária do Centro de Instrução e Operações na Caatinga (CIOpC) e uma pesquisa de cunho documental.

Justifica-se que, nos dias atuais, há crescente necessidade de conheci-mento dos mais diversos espaços geográficos existentes, e o 72º BIMTz é a única OM do EB a desenvolver e capacitar militares a atuar no “ambiente” Ca-atinga. E, nesse âmbito de abordagem surge a hipótese desta pesquisa, com razões práticas e delimitadas, a fim de trazer contribuições sobre o binômio: força de segurança e preservação ambiental, visto que o segundo autor des-se trabalho, além de fazer parte do quadro funcional do EB pode, então, tra-balhar conceitos e fatos com maior liberdade e discernimento operacional.

Em decorrência do tema escolhido, do problema levantado, da hipótese for-mulada e dos objetivos propostos, optou-se por proceder uma pesquisa quali-tativa e documental, conduzida por meio de uma análise da literatura, àquelas relacionadas ao ramo da pesquisa: forças de segurança – ambiente Caatinga.

Ainda, seguindo a taxonomia preconizada por Vergara (1998), a pesquisa foi descritiva, explicativa e bibliográfica. O viés de pesquisa descritiva ficou ca-racterizado por meio da apresentação do 72º BIMTz como única Unidade do EB especializada no desenvolvimento de técnicas e táticas voltadas para o am-biente Caatinga, explicando a sua organização peculiar e as suas capacidades.

No que tange à pesquisa bibliográfica, foi realizada uma coleta dos dados disponíveis em livros de autores renomados, vinculados aos ramos do Bioma Caatinga e da Politica de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro (PGAEB). O objetivo foi levantar os conceitos básicos e estabelecer os vínculos comuns. Ainda, foram importantes fontes de dados: as revistas especializadas, os ar-tigos e os trabalhos científicos que contemplam a área concernente ao es-tudo, porém escassos no que diz respeito ao EB. Contudo ampliaram a base científica do trabalho e permitiram conclusões com maior grau de precisão, devido à confirmação dos dados provenientes de fontes diversas.

Nessas condições, a gama de dados e informações coletados foram tra-tados em sua maioria por meio do método da análise de conteúdo no con-texto sistêmico de análise, onde teve-se sempre o contexto como um dos elementos principais.

A análise de conteúdo foi a principal técnica de tratamento de dados empregada. Foi realizado um estudo pormenorizado dos textos e dados ex-traídos da bibliografia e documentação consultada, cujo objetivo primordial foi a formulação de novos conhecimentos ou a confirmação de conhecimen-tos já consagrados.

q O Exército Brasileiro e o Bioma Caatinga326

1 OS BIOMAS BRASILEIROS

Os biomas são conjuntos de ecossistemas (vegetal e animal) com uma diversidade biológica própria. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004), no Brasil há seis tipos de biomas conforme segue na figura 1:

Figura 1 – Distribuição dos Biomas Brasileiros

Fonte: Adaptado por Santos, 2015.

Maria Betânia Moreira Amador; Wagner de Souza Coutinho q 327

Ainda de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004), os biomas brasileiros apresentam características individuais como:

- Amazônia, o maior Bioma brasileiro, corresponde a quase metade do território nacional. Abrange os estados brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima; parte de Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins. O Clima dessa região é quente e úmido e sua vegetação característica é a floresta fechada com árvores de grande porte. Nesse bioma, entre as diversas unidades do EB localizadas nesta região pode-mos citar o 1º Batalhão de Infantaria de Selva.

- Cerrado, o segundo maior bioma do Brasil em extensão abrangendo os estados: Maranhão, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mi-nas Gerais e Tocantins. Além disso, ocupa uma pequena área de outros seis estados. O clima predominante é tropical sazonal e sua vegetação característica é composta de árvores de troncos retorcidos, gramíneas e arbustos. No Cerrado, como em outros biomas, também há uma di-versidade de Organizações Militares do EB, entre elas está o 41º Bata-lhão de Infantaria Motorizado.

- Mata Atlântica, ocupa a faixa litorânea de norte à sul do país, a qual engloba a totalidade de três estados brasileiros: Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina; grande parte do Paraná e pequenas porções de onze estados. O clima predominante é o tropical úmido com altas temperaturas e índice pluviométrico. A Vegetação nesse bioma é mar-cada pela presença de árvores de grande e médio porte. Com relação ao exército neste bioma, salienta-se que é onde se encontra localizado a maior concentração de quartéis do Brasil, e podemos citar o 1º Bata-lhão de Defesa Química Biológica Radiológica e Nuclear.

- Pantanal, considerado o bioma de menor extensão territorial do país, abrange dois estados brasileiros: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O clima predominante é tropical continental com altas temperaturas e chuvas, com verão chuvoso e inverno seco. A vegetação é marcada pelas gramíneas, árvores de médio porte, plantas rasteiras e arbustos. Nele, encontra-se sediado o 2º Batalhão de Fronteira.

- Pampa, é o único bioma presente somente numa unidade federati-va, ou seja, ocupa mais da metade do território do Rio Grande do Sul. O clima é subtropical, com as quatro estações do ano bem definidas e sua vegetação é marcada pela presença de gramíneas, arbustos e árvores de pequeno porte. Além disso, esse bioma é constituído de grandes áreas de pastagens. Podemos citar neste bioma a 6ª Bateria de Artilharia Antiaérea Autopropulsada.

q O Exército Brasileiro e o Bioma Caatinga328

- Caatinga (Figura 2), de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2012), o semiárido brasileiro, onde está inserido o bioma Caatinga, úni-co no mundo, se estende por oito estados da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergi-pe) e pelo Norte de Minas Gerais, totalizando uma extensão territorial de 980.133,079 km2, distribuídos em 1.135 municípios, nos quais reside uma população de 22.598.318 habitantes. É nesse bioma, especifico e único, que está inserido o 72º Batalhão de Infantaria Motorizado.

Figura 2: Bioma Caatinga No Brasil

Fonte: Adaptado por Santos, 2015.

O desmatamento causado pelo uso da madeira para produção de energia é um dos maiores problemas do bioma Caatinga. Os dados do desmatamento na Caatinga divulgados pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento

Maria Betânia Moreira Amador; Wagner de Souza Coutinho q 329

dos Biomas Brasileiros por Satélite (2009) mostram que o bioma ainda pos-sui 53% de vegetação nativa (dados do período entre 2002 e 2008). Ainda de acordo com o Projeto apenas cerca de 1% dos recursos naturais remanescen-tes do bioma Caatinga são protegidos por unidades de conservação.

Logo, promover a conservação da biodiversidade da Caatinga não é uma ação simples, uma vez que grandes obstáculos precisam ser superados. É um dos biomas mais ameaçados e alterados pela ação antrópica, principalmente o des-matamento, apresentando extensas áreas degradadas (MMA, 2012) e solos sob intenso processo de desertificação (GARDA, 1996). Dados mostram que 62% das áreas do território nacional suscetível à desertificação, processo de degradação ambiental que ocorre em áreas áridas, semiáridas e subúmidas estão em zonas originalmente ocupadas por caatinga, sendo que muitas destas já estão bastan-te alteradas (MMA, 2012). A falta de inclusão do componente ambiental nos pla-nos regionais de desenvolvimento faz com que sucessivas ações governamen-tais para melhoria da qualidade de vida da população sertaneja contribuam para a destruição de seus recursos naturais. Cerca de 80% das áreas do bioma já estão antropizadas e sua biodiversidade já foi significativamente reduzida (MMA, 2012).

2 O EXÉRCITO BRASILEIRO E O MEIO AMBIENTE

O Exército Brasileiro regulamentado no Art. 142 da Constituição Brasilei-ra, define sua destinação, qual seja: à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Desde 2001 o Exército Brasileiro tem buscado o alinhamento no que tan-ge a gestão ambiental com a publicação da portaria nº 570 que aprovava a Política de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro (PGAEB).

Porém, apenas em 2010, quando o Comandante do Exército publicou a portaria nº 1138 determina que a Política de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro (PGAEB) seja implantada em todo EB, tendo como finalidade:

Estabelecer a Política de Gestão Ambiental do Exército Brasilei-ro (PGAEB), em consonância com a Política Nacional de Meio Ambiente, visando assegurar o aperfeiçoamento contínuo do desempenho do Exército no tocante à: preservação, proteção e melhoria da qualidade ambiental. (PGAEB, 2010, p.2)

O Plano de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro tem como principais objetivos:

q O Exército Brasileiro e o Bioma Caatinga330

Manter ligação com os Ministérios do Meio Ambiente e da De-fesa, a fim de atuar em harmonia com a orientação geral da Po-lítica Nacional do Meio Ambiente e com a legislação específica das Forças Armadas. Implementar e desenvolver, no Exército, a gestão ambiental, permitindo a continuidade do cumprimento de sua destinação constitucional e atribuições subsidiárias. Ca-pacitar talentos humanos especializados em gestão ambiental, com a finalidade de elaborar estudos e decorrentes relatórios de impactos ambientais, referentes aos empreendimentos e às ativi-dades a serem realizados pelo Exército. Estimular a formação e o desenvolvimento da consciência ambiental do público interno, voltada à preservação, melhoria e à restauração de recursos am-bientais. Praticar a preservação ambiental, empregando os meios disponíveis e adotando medidas que evitem ou mitiguem a de-gradação do meio ambiente. Executar a recuperação ambiental, sempre que possível, nas áreas degradadas sob a jurisdição do Exército. Estabelecer critérios e padrões de qualidade ambiental e normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais. Di-fundir dados e informações da gestão ambiental, demonstrando o comprometimento do Exército no esforço brasileiro da preser-vação ambiental. (PGAEB, 2010, p.3)

Dessa forma legitimando o uso das Forças Armadas nos interesses da segurança nacional à proteção da dignidade da vida humana e o meio am-biente.

Diante dos poucos estudos realizados no eixo: atividades de segurança – atividades ambientais, como têm acontecido na Amazônia com o projeto SISFRON, Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras que é um sis-tema integrado de sensoriamento, de apoio à decisão e de emprego ope-racional cujo propósito é fortalecer a presença e a capacidade de ação do Estado na faixa de fronteira, conforme destaca a Estratégia Nacional de De-fesa (END, 2008). Não só o SISFRON, mas à atuação e ocupação das Forças Armadas (FA) na Amazônia é de vital necessidade para segurança nacional. A adaptação do clima, o conhecimento do terreno, o desenvolvimento de técnicas de sobrevivência, bem como os hábitos culturais, são fatores pre-ponderantes na defesa e manutenção do espaço geográfico.

Maria Betânia Moreira Amador; Wagner de Souza Coutinho q 331

3. O 72º BATALHÃO DE INFANTARIA MOTORIZADO

3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

Em uma região caracterizada por latifúndios improdutivos, no interior do estado da Bahia, uma pequena aldeia batizada de Belo Monte aos arredores da Fazenda Canudos, que em 1896 e 1897 aconteceu uma histórica guerra, entre um movimento popular de cunho sóciorreligioso e o Exército Brasilei-ro, conhecida como Guerra de Canudos.

O clima da região era quente e seco, típico do semiárido brasilei-ro, a vegetação espinhosa e de difícil progressão, os militares uti-lizavam-se de uniformes à base de lã, o que lhes causava insola-ção e consequentemente baixas as tropas, como se não bastasse, a fome também os acompanhava. (BRASIL, 2009, p.30).

Nesse momento, soldados buscavam o alimento na vegetação local.

Catavam umbuzeiros em roda, arrancando-lhes os tubérculos tú-midos; catavam cocos dos ouricuris, ou talhavam os caules moles dos mandacarus, alimentando-se de cactos que por um tempo lhes disfarçavam ou iludiam a fome e a sede... Alguns morreram envenenados pela mandioca brava e outras raízes, que não co-nheciam. (CUNHA, 1995, p.397).A doutrina francesa que o Exército Brasileiro seguia trazia dificul-dades para combater na Caatinga, pois as peças de artilharia ato-lavam nos areais e por diversas vezes eram surpreendidos por em-boscadas... Os uniformes vermelhos dos oficiais eram facilmente identificados, pois não lhes permitiam nenhuma camuflagem, os tornando alvos fáceis durante os ataques. (BRASIL, 2009, p.30).

Este é um exemplo histórico de que o conhecimento do terreno, do cli-ma e do adversário é imprescindível para o combate. Após aquela guerra o Exército não poderia mais permanecer indiferente aos conhecimentos sobre aquela região.

q O Exército Brasileiro e o Bioma Caatinga332

3.2 A ESTRUTURA DO 72º BATALHÃO DE INFANTARIA MOTORIZADO

Com um efetivo aproximado de 600 militares o 72º BIMTz está assim or-ganizado: 02(duas) Companhias de Fuzileiros, 01 (uma) Companhia de Co-mando e Apoio, 01 (uma) Base Administrativa e 01 (um) Centro de Instrução de Operações na Caatinga. Possui uma área de mais de 300 hectares de Caa-tinga preservada. E é o único batalhão do Brasil que traja o uniforme especial de Caatinga, popularmente conhecido como o “gibão”.

3.3 O CENTRO DE INSTRUÇÃO E OPERAÇÕES NA CAATINGA (CIOPC)

O CIOpC foi implantado no 72º BIMTz em 21 de dezembro de 2005, de acordo com a Portaria nº 208-EME, de mesma data e tem como missão prin-cipal:

1) Contribuir para a pesquisa, o desenvolvimento e a validação da doutrina de emprego da F Ter, no tocante às técnicas, táticas e procedimentos peculiares ao ambiente de caatinga. 2) Planejar e conduzir estágios, visando à especialização de militares (oficiais e sargentos) nas técnicas, táticas e procedimentos específicos de emprego em ambiente operacional de caatinga, conforme o previsto na Port nº 135-EME, de 08 Nov 05. 3) Cooperar com os Estabelecimentos de Ensino do Exército. 4) Cooperar com o ades-tramento de militares e frações das OM do CMNE e da FAR Estrt nas técnicas, táticas e procedimentos de combate específicos de emprego em ambiente operacional decaatinga.5) Cooperar com as demais Forças Armadas, com órgãos públicos e entidades afins, no tocante à adaptação ao ambiente de caatinga. (BRASIL, 2006, P.5)

Para cumprir estes objetivos o CIOpC realiza durante o ano de instrução, diversos estágios, divididos em três tipos: o Estágio de Adaptação à Caatinga (EAC), com duração de uma semana, tem como finalidade adaptar os militares que servirem no Nordeste ao ambiente operacional de Caatinga, capacitando--os a sobreviver nessa região; o Estágio do Combatente de Caatinga (ECC), tem duração de duas semanas, e suas instruções visam capacitar não só a sobre-vivência na Caatinga, mas a planejar e empregar tropas nesse ambiente em operações continuadas; o Estágio de Operações na Caatinga (EOC), se estende

Maria Betânia Moreira Amador; Wagner de Souza Coutinho q 333

por quatro semanas, e busca o desenvolvimento ainda maior da capacidade operacional dos militares sendo acrescentadas instruções de emprego fluvial e operações tipo polícia, completando a formação do militar e o tornando um especialista em operações na Caatinga.

3.4 O PARQUE ZOOBOTÂNICO DO 72º BIMTZ

Desde 2007 o 72º Batalhão de Infantaria Motorizado tem buscado ex-pandir seus conceitos de preservação ambiental. E em janeiro deste mesmo ano foi inaugurado o Parque Zoobotânico do 72º BIMTz, primeiro parque voltado para o bioma Caatinga (figura 3). Espaço este que abriga mais de 40 espécies de vegetais nativos da Caatinga, onde se pode encontrar árvores cactáceas e bromélias.

Figura 3 – Parque Zoobotânico do72º BIMTz

Fonte: Revista: A casa do combatente de caatinga, 2009.

q O Exército Brasileiro e o Bioma Caatinga334

Este parque desempenha um papel fundamental no estudo e pesquisa através de convênio firmado com a Universidade do Vale do São Francisco para o monitoramento de endemias, manejo e rastreamento dos animais da Caatinga, assim como social, (figura 4), pois é por intermédio dele que a sociedade percebe o envolvimento do Exército com a preocupação am-biental. Cumpre assim, indiretamente, um importante papel no contexto da educação ambiental.

Figura 4 – Parque Zoobotânico do72º BIMTz

Fonte: Revista: A casa do combatente de caatinga, 2009.

2. CONCLUSÃO

Ao finalizar a presente pesquisa não fica a menor dúvida que o tema abordado, Exército Brasileiro – Bioma Caatinga é muito extenso e que po-dem surgir diversas pesquisas nesse campo. Pois preservação ambiental vem sendo cada vez mais necessária nos dias atuais, visto que é um dos ca-minhos para que os biomas sobrevivam.

E o que falar do lema “braço forte, mão amiga”, onde a mesma Força que tem dever constitucional de ser o “braço forte” tem buscado a cada dia esta-belecer como visão de futuro, cuja “mão amiga” contribui com a sociedade no que diz respeito aos valores estabelecidos na Carta Magma.

Maria Betânia Moreira Amador; Wagner de Souza Coutinho q 335

Para o Exército Brasileiro a política ambiental é de fundamental impor-tância, visto que, embora tenha seus objetivos particulares e claros, não resta dúvida de que o seu trabalho termina por contribuir, ainda que indi-retamente na questão do entendimento e difusão local, da necessidade de se interagir com os diversos meios de preservação, conservação, exploração de forma sustentável, mesmo que na Caatinga, procurando desta forma se alinhar com os anseios da nação brasileira.

Logo, percebe-se que essa atuação pode ser entendida como uma ação realizada de acordo com o que prega a Organização das Nações Unidas (ONU), no relatório Brundland, (1987), no qual está explicitamente posto que “desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem a suas necessidades e aspirações”. Concebe-se, então, o alinha-mento das diretrizes de estratégia e ação coadunadas com essas perspecti-vas de sustentabilidade.

Em sequência, tem-se que em sentido lógico, sustentabilidade é a ca-pacidade de se sustentar, de se manter. Uma atividade sustentável é aquela que pode ser mantida a longo prazo. Em outras palavras: uma exploração de um recurso natural exercida de forma sustentável durará por muito tempo, esperando-se suprir necessidades de gerações. É o que o Exército Brasileiro tem realizado em Petrolina, mas especificamente no 72º Batalhão de Infan-taria Motorizado que tem contribuído de forma singular para a manutenção e preservação do bioma Caatinga naquele lugar.

Após o término da pesquisa é que se tem a dimensão exata do que foi o trabalho realizado, diante dos problemas encontrados não podemos deixar de citar a pouca ou quase nenhuma bibliografia nos bancos acadêmicos e até mesmo nas instituições do EB sobre o assunto em tela, isso revela que não conhecemos nem um pouco do que tem sido realizado em prol do bio-ma Caatinga, não só dele, mas em todos os outros, onde existem órgãos sérios comprometidos com o meio ambiente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AMADOR, Maria. B. M. Sistemismo e sustentabilidade: questão interdisciplinar. São Paulo: Scortecci, 2011.

CUNHA, E. Os sertões: campanha de Canudos. 34 ed. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves, 1989, 416 p.

q O Exército Brasileiro e o Bioma Caatinga336

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______. Exército Brasileiro. Revista: A Casa do Combatente de Caatinga. 72º Batalhão de Infantaria Motorizado. Petrolina, n. 06, 2009.

______. Exército Brasileiro. Revista: Verde-oliva. Exército Brasileiro. Brasília, Centro de Co-municação Social do Exército, n. 207, 2010.

______. Exército Brasileiro. Portaria n. 1138, de 22 de novembro de 2010. Aprova a Política de Gestão Ambiental do Exército Brasileiro (PGAEB). Secretaria Geral do Exército. Brasília, Boletim do Exército, n.47, 26 Nov 10. p. 2-4.

GARDA, E. C. Atlas do meio ambiente do Brasil. Editora Terra Viva, Brasília, 1996.

MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. 2012. Bioma Caatinga. Disponível em < www.mma.gov.br/biomas/caatinga >. Acessado em 30 de setembro de 2015.

SEIFFERT, Mari Elizabete Bernardini. Gestão ambiental: instrumentos, esferas de ação e educação ambiental. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2011.

VERGARA, Sylvia C. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 2 ed. São Paulo. Ed. Atlas, 1998, p.40-43.

337

INDICADORES AMBIENTAIS: SUBSÍDIO AO MONITORAMENTO DE PROJETOS DE RECUPERAÇÃO DE MATAS CILIARES

Edilma Nunes de Jesus; Adauto Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral.

INTRODUÇÃO

As matas ciliares realizam papéis ecológicos vitais, principalmente em relação à conservação dos rios, dos córregos e dos ribeirões que formam as bacias hidrográficas. Embora exerçam grande influência na manutenção dos componentes naturais, essas formações florestais são alvo de inúmeros im-pactos gerados pela pressão antrópica (DARANCO; MELO; DURIGAN, 2013; DIAS; SALVADOR; BRANCO, 2014).

Dentre as várias causas de degradação ambiental das matas ciliares no Brasil, destacam-se desmatamento, incêndio, extração de areia no leito dos rios, urbanização ou implantação de empreendimentos mal planejados. Dessa forma, tais danos ambientais culminam na imperativa necessidade de trabalhos de recuperação das florestas ciliares como medida mitigadora e de regularização das atividades produtivas (MAGNAGO et al, 2012; RODRIGUES; GANDOLFI; HERMÓGENES FILHO, 2001).No entanto, segundo Brancalion et al., (2012) muitas vezes os trabalhos de recuperação são vistos apenas como pro forma de licenciamento e certificações ambientais, sem que exista com-promisso com a sustentabilidade ambiental.

Diante disto, cresce a necessidade de pesquisas que contemplem a avaliação periódica dos trabalhos de recuperação da vegetação ciliar. Atu-almente, um dos grandes desafios está relacionado ao uso de indicadores de avaliação e monitoramento dos projetos implantados (MONTAGNINI; FINNEY, 2011).

Para o sucesso dos projetos de RAD em matas ciliares, a utilização de indicadores ambientais se destaca como etapa de grande importância, inde-pendente do objetivo do projeto ou do tipo de modelo aplicado na área. E, para execução de sua finalidade que se destina é necessário que o indicador apresente transparência e facilidade de compreensão, assim como o baixo custo (MARTINS, 2007).

Indicadores são parâmetros de caráter quantitativo que representam e traduzem fenômenos, construindo um panorama da situação atual analisa-

q Indicadores Ambientais338

da. Os indicadores ambientais geralmente apresentam a capacidade de ex-plicar uma situação complexa, sistematizando o objeto de estudo por meio de uma visão totalizadora (MMA; 1996).

Nos projetos de recuperação de vegetações ciliares, os indicadores atu-am como ferramentas de verificação, especificamente com relação aos pro-cessos para o favorecimento da auto sustentabilidade da área ao longo do tempo (MARTINS, 2007). Porém, embora as áreas em recuperação apresen-tem características abrangentes, geralmente, os estudos de monitoramento aplicados restringem-se a indicadores ambientais, voltados para parâmetros físicos, químicos ou ecológicos, separadamente, e que não esclarecem se os trabalhos implantados terão sustentabilidade.

Dentre as diversas abordagens de indicadores ambientais aplicadas, destaca-se a proposta de matriz estabelecida pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), onde o sistema é estudado juntamente com as suas relações causa-efeito, salientando as questões an-trópicas, político-governamental e natural. Dessa forma, esta análise não pri-vilegia um ângulo do problema, ao contrário, busca-se integrar e verificar as dimensões que este apresente (OCDE 1993; BRAGA; FERREIRA, 2011).

A matriz PEIR (Pressão/ Estado/ Impacto e Resposta) é um válido instru-mento de tomada de decisão, pois compara de forma sistemática as ações humanas e seus impactos, juntamente com as intervenções da sociedade e Poder Público, possibilitando uma visualização ampla do sistema analisado (OLIVEIRA et al, 2014). Nesse contexto, o presente estudo objetivou selecio-nar indicadores ambientais que possam ser aplicados no monitoramento de matas ciliares recuperadas, a partir da metodologia Pressão/Estado/Impac-to/Resposta.

1 MATERIAIS E MÉTODOS

A metodologia aplicada foi composta por revisão bibliográfica de traba-lhos relacionados ao monitoramento dos PRAD’s e de matas ciliares. Após esta etapa foram criados descritores com base no sistema em estudo (matas ciliares em processo de recuperação) e em seguida, foi realizada a seleção de indicadores que possam ser aplicados ao monitoramento de áreas em processo recuperação.

É válido ressaltar que as matrizes de indicadores apresentadas neste estudo, apenas especificam as características e justificam a importância de cada indicador selecionado, entretanto, o gestor, técnico ou demais

Edilma Nunes de Jesus; Adauto Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral q 339

interessados deverão analisar quais indicadores poderão traduzir da melhor forma a sua realidade em estudo, considerando os custos, fase de implantação do projeto, periodicidade do monitoramento e/ou outras variáveis que possivelmente estarão incluídas.

1.1 MATRIZ DE DESCRITORES E INDICADORES SELECIONADOS

A seleção de descritores e indicadores foi realizada com base no modelo proposto pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Eco-nômico) (OCDE, 1993) denominado PEIR Pressão, Estado, Impacto e Respos-ta), conforme os seguintes princípios:

a) Indicadores de Pressão: referem-se às ações humanas que alteram o ambiente, direta ou indiretamente;

b) Indicadores de Estado: apresentam as condições do ambiente (fa-tores bióticos e/ou abióticos) em detrimento das alterações provoca-das por meio da pressão exercida pela ação antrópica;

c) Indicadores de Impacto: identificam os efeitos ou grau de impacto da pressão antrópica no meio ambiente;

d) Indicadores de Resposta: informam as ações que já foram realiza-das como medidas mitigadoras diante dos impactos identificados no sistema em estudo. Essas medidas podem ter sido realizadas pelos cidadãos, poder público, empresas privadas, ONG’s. etc.

e) Indicadores Prospectivos: tratam-se das sugestões de ações de manejo que poderão futuramente auxiliar na melhoria dos resulta-dos dos projetos de matas ciliares em recuperação (NERI; SÁNCHEZ, 2010).

Para este trabalho consideraram-se indicadores ambientais, que fossem simples, de baixo custo na aplicação e que se relacionassem a vários parâ-metros, abrangendo desde aspectos abióticos e bióticos até fatores socio-econômicos envolvidos. De maneira geral, buscou-se identificar, por meio deste instrumento, como as áreas estão respondendo aos trabalhos de re-florestamento, medidas que foram eficazes ou passíveis correções e, a influ-ência dessas práticas junto aos atores envolvidos.

q Indicadores Ambientais340

2. RESULTADOS E DISCUSSÃO

2.1 MATRIZ DE DESCRITORES/INDICADORES DO SISTEMA EM ESTUDO

Os descritores foram selecionados de acordo com cada enfoque inves-tigado: ecológico, econômico e social. Ao incluir os três aspectos citados buscou-se analisar o processo de recuperação de forma integrada, sem prio-rizar apenas um fator. Para esta etapa consideraram-se os fatores que mais se relacionariam com o sistema em estudo (matas ciliares em processo de recuperação). Com base nos descritores, foram propostos 32 indicadores (12 ecológicos; 10 econômicos e 10 sociais para o monitoramento de matas ci-liares em processo de recuperação ambiental). A seguir, as discussões sobre os indicadores propostos para as referidas dimensões.

a) Indicadores Ecológicos Os Indicadores Ecológicos descrevem como as condições de estrutura da

paisagem influenciam os processos ecológicos, em diversos níveis do ecos-sistema (QUINTA-NOVA, 1999). E, com relação a ambientes em processo de recuperação, estes indicadores poderão refletir desde as principais causas de degradação, incluindo os efeitos dos trabalhos de recuperação no tocan-te a: cumprimento de instrumentos legais e melhoria das condições de dis-persão, fluxos biológicos, dentre outros (Tabela 1).

Tabela 1. Matriz de Indicadores Ecológicos para o monitoramento de áreas em recu-peração.

Cate-gorias

DESCRITORES INDICADORES Critério de Seleção

Pres

são

Histórico de degra-dação na área:

Principais fatores que impac-taram a área promovendo a degradação: n°;

Documentos que relatem impactos ocorridos na área de estudo.

Esta

do

Área de Preservação Permanente (APP);Vegetação nativa; Espécies exóticas invasoras em APP

Mata ciliar conservada (ha); Diversidade de espécies vegetais nativas (n°);Espécies exóticas invasoras (ha).

Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012.Presença de espécies exó-ticas em áreas em processo de restauração.

Edilma Nunes de Jesus; Adauto Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral q 341

Impa

cto

Fragmentação da vegetação; Fluxo gênico; Dispersão de frutos e sementes; Fauna.

Desmatamento da vegeta-ção nativa (ha);Conectividade dos fragmen-tos (m);Densidade do banco de sementes (nº/m²); Presença de dispersores (presença/ausência)Análise da regeneração natural (nº spp./área); Deposição de serapilheira (% na área).

Aspectos da paisagem: extensão da cobertura de vegetação nativa na área.Regeneração natural em áreas em processo de res-tauração: características da paisagem (conectividade entre os fragmentos flores-tais); banco de sementes; dispersores; regenerantes e serrapilheira.

Resp

osta

Ações de Restau-ração de Áreas Degradadas (RAD); Pesquisas que apontem melhorias com relação às con-dições ambientais locais.

Práticas de RAD realizadas (n°);Artigos e dissertações produzidos sobre a área de estudo (n°).

Dados locais sobre proje-tos implantados (órgãos ambientais).Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012.

Pros

pect

i-vo

s

Retirada dos fatores de degradação; Ações de manejo de espécies invasoras; Adensamento com espécies raras ou de estágio sucessional posterior; Plantio de áreas formando corredores ecológicos.

Fonte: Elaborada pelos autores (2015).

I. Pressão (O histórico de degradação da área): as ações que promoveram a degradação da área determinam a intensidade dos impactos e possibilida-des de resiliência da mesma. Segundo Silva e Reis (2000) a capacidade de resiliência de uma área degradada, vincula-se as condições de regeneração natural que, em ambientes alterados deverão ser restabelecidas.

II. Estado (Mata ciliar/ riqueza de espécies vegetais/ espécies vegetais exóticas): a mata ciliar tem como parâmetro a extensão que é determinada pela lei federal 12.651/2012 (BRASIL, 2014). Além desse indicador, a riqueza de espécies traduz a diversidade da área e, neste caso poderá ser recomenda-do o enriquecimento florístico caso esta seja muito reduzida (BRANCALION, 2012; RODRIGUES, 2009). Porém, a ocorrência de espécies exóticas prejudica o projeto de recuperação, justamente pelo fato destas competirem com a ve-getação nativa, ocupando rapidamente toda área caso nenhuma medida de manejo seja realizada (COSTA; DURIGAN, 2010).

III. Impacto (Cobertura vegetal e Conectividade/ Regeneração natural/ Presença de fauna): a cobertura vegetal aponta as atividades que influen-ciam diretamente o entorno, no sentido de favorecer ou interromper pro-

Continuação

q Indicadores Ambientais342

cessos naturais fundamentais para a recuperação. O grau de conectivida-de trará informações de como os processos de dispersão/fluxo gênico se caracterizam, possibilitando ainda relacioná-los com as possibilidades de favorecimento da regeneração natural e ocorrência de dispersores na área (ALANDI et al, 2009; VOGOT et al, 2009). A regeneração natural é uma consta-tação de êxito da área em recuperação, com a possibilidade do surgimento de espécies de outros locais, oriundas inclusive da presença de fauna, que é um sinal de interação das espécies vegetais com outras formas de vida (DA-RONCO; MELO; DURINGAN, 2013; REIS; KAGEYAMA, 2008).

IV. Resposta (Práticas de RAD realizadas/ Pesquisas) indicadores de res-posta são voltados para a verificação de como a necessidade da recuperação tem sido considerada. Assim, poderão ser investigados através da compro-vação de quais ações realmente foram executadas? Quantos projetos/pro-gramas foram implementados? Se existem pesquisas que possam contribuir em melhorias nas práticas de RAD locais? O feedback destes questionamen-tos irá fornecer um panorama local com relação ao que já foi realizado, bem como, o que necessita ser fortalecido.

V. Prospectivos - para a dimensão ecológica, os prospectivos propostos relacionam-se a alternativas que poderão auxiliar na auto sustentabilidade da área em recuperação com o passar do tempo. Assim, são sugeridas: a retirada dos fatores de degradação; ações de manejo de espécies invaso-ras; adensamento com espécies raras ou de estágio sucessional posterior; plantio de áreas formando corredores ecológicos. Esse conjunto de ações permeia desde as etapas iniciais às pós-implantação do projeto.

b) Indicadores Econômicos O aspecto econômico se destaca como “força” que impulsiona ou freia as

ações de RAD e, os custos envolvidos nas etapas de implantação deverão ser considerados como parte do planejamento prévio (AMADOR, 2008). Assim, os Indicadores Econômicos, relacionam-se principalmente as questões de custo-benefício, que permeiam os trabalhos de RAD. Desta forma, conside-rarão fatores como: acesso a créditos rurais, preço dos materiais, principais atividades produtivas, renda dos produtores, etc. (Tabela 2).

Edilma Nunes de Jesus; Adauto Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral q 343

Tabela 2. Matriz de Indicadores Econômicos para o monitoramento de áreas em re-cuperação

Cate-gorias

Descritores Indicadores Critério de SeleçãoPr

essã

o Uso e ocupação do soloCusto médio do material para realizar as atividades de RAD.

Atividades produtivas predominantes (%);Estrutura fundiária pre-dominante (%);Valor médio para os tra-balhos de RAD por hec-tare ($).

Dados locais de uso e ocupação do solo.

Dados locais de custo dos materiais.

Esta

do

Área recuperada; Renda dos pequenos pro-dutores rurais;

Área reflorestada (ha); Renda média dos produ-tores ($);Alternativas de renda via projetos de RAD (presen-ça/ausência).

Dados locais de órgãos ambientais. Dados locais de acordo com relato dos produ-tores.

Impa

cto Área degradada;

Acesso a créitos rurais.

Área que permanece degradada mesmo após os trabalhos (ha); Produtores beneficiados (n°).

Lei Federal nº 12.651/ 2012.Decreto Federal nº 84.685/ 1980 (módulo fiscal de cada municí-pio).Dados locais de acordo com relato dos produto-res.

Resp

osta

Incentivo à prática de RAD locais;Técnicas que tenham sido aplicadas, classificadas de acordo com os custos.

Cadastro Ambiental Ru-ral- CAR (presença/au-sência);Técnicas implantadas (alto, médio ou baixo custo).

Dados locais de órgãos ambientais. Dados locais de acordo com relato dos produ-tores.

Pros

pect

ivos

Classificação das técnicas aplicadas de acordo com os custos médios; análise do número de projetos implantados na área e/ou região.

Fonte: Elaborada pelos autores (2015).

I. Pressão (Uso e ocupação do solo/ Custo do material para os trabalhos de RAD): o uso e ocupação do solo refere-se a forma como o solo foi utili-zado, não apenas na área do projeto, assim como no seu entorno. Este in-dicador demonstra como as ações humanas que ocorreram (ou presentes) podem ir além do grau de degradação existente, atingindo inclusive a sus-

q Indicadores Ambientais344

tentabilidade da área. Segundo Attanasio et al., (2008) os impactos de uso e ocupação do solo no entorno dos cursos d’água (áreas de APP), são informa-ções necessárias para o planejamento e conservação destas áreas, devido a interferência que estas provocam no ambiente natural. Nesse sentido, dados relativos ao uso e ocupação do solo, bem como a estrutura fundiária predo-minante, corroboram para que se identifique como as atividades antrópicas podem pressionar todo o sistema.

Os custos, por sua vez, configuram-se como um dos grandes entraves para que as práticas de RAD sejam mais acessíveis (VIEIRA, 2012). Conhecer os custos do projeto, incluindo toda a etapa de monitoramento, favorece o planejamento de projetos futuros, principalmente com relação a possíveis alternativas mais viáveis que possam ser testadas.

II. Estado (área reflorestada/ renda média dos produtores/ alternativas de renda via RAD): o total de área reflorestada expressa como se estabelece a dinâmica de trabalho em campo (metas), na área de estudo (ex: bacia hi-drográfica, sub-bacia, microbacia, trechos de cursos d’água, dentre outros) juntamente com o cronograma de implantação. Assim, com base nestas in-formações será possível traçar melhores estratégias de trabalho, até que a área restabeleça condições determinadas nos objetivos do projeto e, sejam reduzidas as verificações em campo.

Para Neri e Sanchéz (2010), com o monitoramento das atividades reali-zadas nos PRAD’s, identifica-se se as medidas empregadas realmente estão cumprindo os objetivos propostos. Corroborando com esta visão, Santos (2013) relata que ao verificar que as ações e cronograma planejados não es-tão sendo seguidos, o profissional responsável poderá rever o que havia sido estabelecido na metodologia adequando-a.

As alternativas de renda por meio de trabalhos de recuperação represen-tam um forte potencial no Brasil e, de acordo com estudos são enquadradas como “Pagamentos por Serviços Ambientais - PSA” (ALTAMANN, 2008). As-sim, o PSA, é uma ferramenta eficaz para o desenvolvimento rural e estímulo às mudanças de uso da terra que degradam as matas ciliares. Nesse sentido, para que as contrapartidas oriundas da recuperação de áreas degradadas incluam além dos elementos ecológicos, a geração de renda é fundamental, para redução da pobreza, e fomento de novas práticas que poderão mo-bilizar a participação de pequenos produtores (BENAYASI; BULLOCK, 2012; BULLOCK et al, 2011; MONTAGNINI; FINNEY, 2011).

III. Impacto (área degradada/ produtores beneficiados): a análise da proporção de área a ser recuperada, ou que permanece degradada mesmo após as intervenções, representa a existência de conflitos relacionados ao

Edilma Nunes de Jesus; Adauto Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral q 345

que está previsto legalmente com relação à obrigatoriedade da recuperação de APP’s e, poderá indicar ainda se as medidas de RAD tiveram sucesso ou não, pela permanência da degradação. Além disso, servirá como ponto de partida para avaliação e análise do que deverá ser aplicado para reverter essa situação.

Caso os efeitos da degradação não sejam reduzidos na área, gradual-mente altera-se todo sistema (solo, água, interações, etc.) e os prejuízos se estendem ao meio e ao produtor que perde capital e ainda, poderá ficar impossibilitado de investir novamente na recuperação ou em suas próprias atividades de subsistência (TOWN; COSTA; PEREIRA, 2010).

O número de produtores beneficiados representa diretamente se existem incentivos financeiros para as práticas de RAD locais, e esse fato já é apresenta-do na lei 12.651/2012 onde está prevista a criação em escala nacional do Pro-grama de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, com incentivos voltados para a recuperação de áreas degradadas favorecen-do em especial aos pequenos produtores rurais (BRASIL, 2012).

IV. Resposta (inscrição no CAR/ projetos implantados/ tipos de técnicas mais utilizadas): a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (BRASIL,1980; 2012) diz respeito aos possíveis acessos a créditos rurais futuramente, e não so-mente isso, evidencia conseqüentemente se existirão políticas públicas ati-vas, como resposta às causas de degradação no sistema em estudo.

V. Prospectivos - Poderá ser realizada a classificação das técnicas apli-cadas de acordo com os custos médios, esta ação poderá identificar se os modelos de RAD foram selecionados visando a utilização de técnicas mais acessíveis, pois, o emprego de técnicas de custos mais reduzidos poderá ser mais um incentivo. De acordo com Bento (2010), os valores empregados e as atividades indicadas de acordo com cada situação, são dados primordiais para a exeqüibilidade dos projetos de recuperação ambiental. E, a análise do número de projetos implantados na área e/ou região corrobora nesse sentido, com a verificação do que realmente está sendo posto em prática, não somente planejado pelos atores de interesse: gestores, produtores ru-rais, órgãos fiscalizadores etc.

C) Indicadores Sociais Indicadores Sociais são de grande valia para todas as etapas do projeto,

por envolver as perspectivas de participação e tomada de decisões. Assim, os programas de recuperação florestal necessitam identificar o interesse e sensibilização de comunidades envolvidas, de forma a fortalecer o diálogo e direcionamento de ações (BRANCALION et al, 2014). Desta forma deverão

q Indicadores Ambientais346

ser incluídos nos diagnósticos aspectos como: organizações sociais, conhe-cimentos tradicionais, escolaridade, ocorrência de conflitos, etc. (Tabela 3).

Tabela 3. Matriz de Indicadores Sociais para o monitoramento de áreas em recuperação

C a t e -gorias

Descritores Indicadores Critério De Seleção

Pres

são

Modelo produtivo vi-gente.

Organizações sociais locais;

Escolaridade dos produ-tores.

Principal atividade pro-dutiva (%);Organizações de produ-tores locais (n°);Grau de escolaridade dos pequenos produtores.

Dados locais de uso e ocupação do solo. Dados locais de acordo com relato dos produto-res.

Esta

do

Conhecimento técnico sobre práticas de RAD; Serviços Ecossistêmi-cos.

Práticas de RAD que os pequenos produtores co-nhecem (n°);Percepção acerca do re-torno dos serviços ecos-sistêmicos (presença/ausência).

Dados locais de acordo com relato dos produto-res e visita técnica.

Impa

cto

Dificuldades encontra-das para manutenção de atividades produti-vas; Conflitos locais para a implantação de técni-cas de RAD.

Percepção dos pequenos produtores rurais sobre o solo e recursos hídricos de acordo com a produ-ção local;N° de conflitos para a im-plantação de técnicas de RAD.

Dados locais de acordo com relato dos produto-res. Resolução Conama nº 369/2006.

Resp

osta

Assistência técnica para as práticas de RAD; Cursos de Capacitação para práticas de RAD;Ações de Educação Am-biental locais voltadas para RAD.

Visitas/ fiscalização(n°); Cursos realizados (n°);Atividades de Ed. Am-biental realizadas (n°).

Dados locais de acordo com relato dos produto-res.

Pr

os

-pe

ctiv

os

Cursos e atividades de Educação Ambiental em espaços formal e não-formal; Cursos de Viveiristas; Orientações para coletas de sementes.

Fonte: Elaborada pelos autores (2015).

I. Pressão (principal atividade produtiva/organizações de produtores/ grau de escolaridade): o modelo produtivo vigente é determinante na predominân-cia de atividades produtivas em maiores escalas e, muitas vezes de impactos mais significativos. Nesse contexto, a presença de organizações sociais de pro-

Edilma Nunes de Jesus; Adauto Souza Ribeiro e Ivana Silva Sobral q 347

dutores, é de grande relevância, pois, o contexto local no tocante as causas de degradação e atividades produtivas desenvolvidas é uma realidade comum ao grupo. Assim, as possibilidades de estruturar projetos de RAD em parceria com vários produtores (organizações) contribuem para o sucesso dos trabalhos no sentido de gerar uma gestão mais participativa e em consequência mais efetiva.

Chabaribery et al. (2008) relata que a adesão de proprietários rurais a projetos desta natureza, quando é realizada de forma participativa, assinala a corresponsabilidade dos mesmos, o que fortalece a continuidade. O grau de escolaridade, juntamente com os elementos citados (atividades produ-tivas e organizações) é presente neste cenário, devido as eventuais dificul-dades encontradas para que os produtores compreendam todos as etapas necessárias dos trabalhos em campo, e ainda se percebam como atores im-portantes em todo o processo (PATÊS, 2011; MARTINS; MELO, 2012).

II. Estado (conhecimento técnico de práticas de RAD/ Serviços Ecossistê-micos): avaliar o conhecimento local de técnicas ou outras ações pertinentes as práticas de RAD, apontará se existem informações ou noções sobre os trabalhos de RAD aplicados. Para Dias et al., (2014) a junção entre conheci-mento técnico e tradicional, fortalece o desenvolvimento local.

A percepção dos Serviços Ecossistêmicos (SE) adquiridos a partir da RAD, é mais um componente de verificação, justamente pelo fato de que é fun-damental que os produtores compreendam como benéficas e necessárias as ações desenvolvidas e por sua vez, possam reconhecer como válido o en-gajamento e participação em todas as etapas de trabalho, o que os coloca como peça chave nas ações planejadas. A compreensão da comunidade quanto aos benefícios e/ou limitações gerados pelo projeto de recuperação, auxiliará tanto na continuidade dos trabalhos atuais quanto à execução dos futuros (BRANCALION et al, 2012; BRANCALION et al, 2014).

III. Impacto (condições de solo e recursos hídricos/ conflitos locais): as características do solo e recursos hídricos poderão ser monitorados, como indicadores que refletem desde o grau de impacto nestes componentes (DIAS et al., 2014), bem como, se as ações realizadas a partir dos projetos de recuperação estão conseguindo estabelecer melhorias locais. No entanto, a presença de conflitos territoriais, constitui-se em entraves que poderão com-prometer todo o trabalho realizado (DIAS et al.,2014)neste sentido, identifi-car e analisar estratégias para lidar com este tipo de entrave deverá também ser mais uma meta incluída no planejamento das atividades de RAD.

IV. Resposta (fiscalização/ cursos/ Educação Ambiental): a fiscalização enquanto ação de acompanhamento e assistência técnica poderá colaborar para que durante o projeto, principalmente, nas etapas iniciais, dúvidas, e/

q Indicadores Ambientais348

ou possíveis técnicas mal implementadas sejam corrigidas. As dificuldades de fiscalização em projetos de RAD são muito comuns, esbarra-se geralmen-te com uma quantidade de técnicos insuficiente e às vezes sem preparo para as questões em campo (DURIGAN et al, 2010).

V. Prospectivos- Os cursos e atividades de Educação Ambiental são com-plementares a estes, visto que auxiliam para uma maior orientação e sensibi-lização acerca da importância deste tipo de trabalho (GONÇALVES; GOMES, 2014), portanto, deverão ser previstos e aplicados em conjunto. Dessa forma, monitorar verificar a ocorrência e número destas atividades será um relevante indicador se realmente as atividades aplicadas assumem um caráter contínuo, assegurando condições de continuidade futura aos projetos. Além disso, po-derão ser incluídas orientações para coleta de sementes e criação de viveiros, como alternativas de renda complementar aos trabalhos de RAD.

3. CONCLUSÃO

O monitoramento de projetos de reflorestamento em matas ciliares é de fundamental importância para o sucesso dos trabalhos, além de representar uma oportunidade de aprendizado e reflexão, para que se evitem erros e criem-se alternativas de melhoria. Assim, esta etapa deverá ser realizada de forma criteriosa, considerando-se os objetivos do projeto.

A partir da seleção de 29 descritores e 32 indicadores e 9 prospectivos, foi possível identificar vários fatores que influenciam os trabalhos de recupe-ração de áreas degradadas, o que aponta a necessidade de abordagens de monitoramento mais abrangentes.

As propostas de monitoramento de matas ciliares em recuperação, a partir de indicadores ambientais, que não contemplem aspectos sociais e econômicos da área estudada (por exemplo), não irão traduzir vários ele-mentos–chave nos trabalhos de RAD, o que posteriormente poderá amea-çar a perpetuação das ações realizadas.

Diante do exposto, conclui-se que os indicadores ambientais seleciona-dos, com base nas dimensões ecológica, social e econômica, poderão sub-sidiar o monitoramento mais amplo e integrado dos projetos de RAD em matas ciliares.

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q Indicadores Ambientais350

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351

O USO DO SIG NA ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL DO MONUMENTO NATURAL GROTA DO ANGICO EM SERGIPE, BRASIL

Rodrigus Oliveira Feitosa, Roberto Rodrigues de Souza, Maria do Socorro Ferreira da Silva

INTRODUÇÃO

A preocupação para com o meio ambiente aumentou consideravelmen-te após a publicação do Relatório de Brundtland, “Nosso Futuro Comum”, em 1987, quando a questão ambiental entrou na agenda internacional (SACHS, 2002), e, principalmente, com a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992. A partir de então, observou-se o crescimento da consciência coletiva a respeito da necessidade de conservação do meio ambiente, frente ao processo de desen-volvimento humano, que foi acompanhado pela degradação ambiental, na medida em que houve o aumento pela demanda de recursos naturais.

Na contemporaneidade, a preocupação com os recursos naturais é uma exigência da própria legislação ambiental brasileira e internacional, ne-cessitando a reavaliação das relações entre sociedade e natureza. Entre os instrumentos previstos para a harmonização destas relações, estão aqueles que visam à disseminação de informações sobre o meio ambiente, o plane-jamento e a Educação Ambiental (EA), elementos essenciais para uma mu-dança no paradigma ambiental mundial e nacional.

Conforme ressalta o National Research Council (1999), para alcançar a sustentabilidade precisamos avançar, experimentando, acertando e erran-do. Entretanto, entraves científicos, políticos, econômicos e socioambientais dificultam esse processo de desenvolvimento, revelando a necessidade da criação de ferramentas que permitam a difusão de dados e informações, no escopo desse trabalhado, sobre as Unidades de Conservação (UC) existentes no país.

Tais instrumentos devem considerar elementos como: diferentes níveis de informação e tecnologia existentes; dificuldade de obtenção e troca de informações de dados científicos; quantidade de variáveis que ainda não pu-deram ser reveladas ou mensuradas; dificuldade de tomar decisões diante de informações insuficientes ou inexistentes; e dificuldade existente na co-leta, processamento e divulgação de dados.

q O Uso do SIG na Análise Socioambiental do Monumento Natural Grota do Angico em Sergipe, Brasil

352

Uma das maiores e mais inovadora ferramenta desenvolvida na segunda metade do século passado foi a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Inicialmente restrita aos ciclos acadêmicos, mas rompeu o século XXI como elemento acessível e utilizado por parte da população como recurso fundamental de incremento de produtividade em várias as esferas das ati-vidades humanas.

A principal utilidade das tecnologias da informação reside na capacida-de de armazenar, organizar, compilar e expor informações de forma prática, acessível e eficiente, permitindo dinamizar o processo de estudo, análise e disseminação de dados e informações, contribuindo assim para o desen-volvimento das ações voltadas para o planejamento e gestão ambiental. O emprego da TIC permite reunir e disseminar quantitativa e qualitativamente dados e informações sobre as UC das diversas dimensões: econômica, social, ambiental, cultural e institucional (SACHS, 2002; LEFF, 2009).

Em Sergipe os dados e informações sobre as UC, resultantes de estudos científicos, estão dispersos em documentos, bibliografias e sistemas públi-cos. Dessa forma, há necessidade de se criar mecanismos de pesquisa mais eficientes que possibilitem o alcance dessas informações ao público acadê-mico e governamental.

Na busca desse objetivo não se pode deixar de utilizar os recursos que a TIC dispõe para o planejamento, gestão e monitoramento ambiental em face da carência de informações geográficas. Os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) são uma importante ferramenta para alcançar as metas projetadas.

Este estudo foi realizado na UC de Proteção Integral Monumento Natural Grota do Angico (MONAGA), e tem por objetivo analisar os impactos socio-econômicos e ambientais que comprometem a conservação da unidade. A unidade está situada em uma área que compreende os municípios de Ca-nindé de São Francisco e Poço Redondo, no Sertão do Estado de Sergipe, en-globando áreas públicas e particulares, com área de 2.138 hectares, estabe-lecida pelo Decreto n.º 24.922 de 21 de dezembro de 2007 (SERGIPE, 2007).

O MONAGA é também constituída por Áreas de Preservação Perten-centes (APPs)dos assentamentos Monte Santo e Jacaré-Curituba IV. A área abrange o bioma Caatinga e guarda relevantes aspectos históricos do início do Século XX. No MONAGA está localizada a Grota do Angico, local da morte dos integrantes do bando de Virgulino Ferreira, o Lampião, mais emblemáti-co representante do movimento conhecido como Cangaço (SEMARH, 2011).

Esse trabalho foi motivado pela necessidade de desenvolver uma ferra-menta que vise sistematizar e disseminar dados e informações geográficas

Rodrigus Oliveira Feitosa, Roberto Ro.de Souza, Maria do Socorro F. da Silva q 353

sobre o MONAGA, proporcionando livre acesso aos pesquisadores, gesto-res e população em geral através de meios digitais, constituindo-se numa ferramenta ágil e acessível com fins científicos, educacionais e gerenciais. Também permitindo a integração e compartilhamento de informações para auxiliar no planejamento e gestão ambiental e nos programas de pesquisa e educação, atendendo ao que prescreve a Política Nacional do Meio Am-biente (PNMA), em seu inciso V do Art. 4º quanto à divulgação de dados e informações ambientais e como um dos instrumentos previstos no inciso VII do Art. 9º da mesma legislação, que trata do Sistema Nacional de Informação sobre o Meio Ambiente (SINIMA) (BRASIL, 1981).

1 MATERIAL E MÉTODOS

Buscando atingir os objetivos traçados, utilizou-se como meios: pesquisa bibliográfica e documental, entrevista e pesquisa de campo. Além de dados documentais, também foram utilizados mapas e informações do Atlas de Recursos Hídricos do Estado de Sergipe versão 2013 (SRH, 2013), do GeoCa-tálogo do MMA (MMA, 2014) e do Plano de Manejo da unidade pesquisada.

Foram empregados os softwares QuantumGIS versão 2.4.0, GlobalMapper 15 e Garmin BaseCamp. O Datum utilizado na pesquisa foi o SIRGAS 2000 e sistema de coordenadas cartesianas Universal Transversa Mercator (UTM).

Os mapas digitais foram obtidos do Atlas Digital de Recursos Hídricos de Sergipe versão 2013, elaborado pela Secretaria de Recursos Hídricos (SRH) e do GeoCatálogo do Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2014). Além de imagens da constelação de satélites RapidEye capturadas no ano 2011.

Foram realizadas entrevistas em dois encontros com o Coordenador Ad-junto do MONAGA no período de 20 a 30 de maio de 2014.

Como resultado da pesquisa elaborou-se os mapas de uso e cobertura do solo e das principais ameaças à UC estudada.

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da pesquisa se basearam na análise dos mapas gerados pela sobreposição do mapa da ZA sobre as camadas de informações georre-ferenciadas, adicionando-se informações necessárias ao processo de análise para planejamento ambiental.

Segundo o Diagnóstico Florestal de Sergipe, realizado em 2012, a cobertura vegetal nativa está preocupantemente fragmentada, correspondendo em sua to-talidade a 13,03% da extensão territorial do estado (SEMARH, 2012). No contexto

q O Uso do SIG na Análise Socioambiental do Monumento Natural Grota do Angico em Sergipe, Brasil

354

sergipano, o diagnóstico aponta ainda que mais de 98% das manchas de vegeta-ção possuem no máximo 250ha, sendo que a maioria possui menos de 50ha, e as manchas com mais de 750ha estão em sua maior parte inclusas em UC.

No Estado de Sergipe existia um total de 20 (vinte) UC criadas até janeiro de 2014. Destas unidades, as 06 (seis) de Proteção Integral correspondem a 1,57% do território sergipano, e as outras 14 (catorze), de Uso Sustentável, correspondem a 4,43%. Entretanto, vale reforçar que as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) do Rio Sergipe e da Foz do Rio Vaza-Barris – Ilha do Paraí-so e da Paz não possuem delimitação territorial fixada, encontrando-se em processo de recategorização.

Destarte Sergipe ser marcado pela degradação das áreas de vegetação nativa, principalmente devido à predominância histórica da atividade pe-cuária (SEMARH, 2012), e ainda possuir a menor extensão territorial do país, as UC de Proteção Integral guardam peculiaridades relevantes do ponto de vista socioambiental.

Nos limites do MONAGA foram catalogadas várias espécies da fauna e flora endêmicas da Caatinga, inclusive as espécies de aves jaó-do-litoral (Crypturellus noctivagus) e o chorozinho-de-papo-preto (Herpsilochmus pectoralis), constantes na lista de espécies ameaçadas com o status de vul-neráveis à extinção (MMA, 2008). E existe ainda a possibilidade de ampliação do número de espécies identificadas na região por ainda ser um ambiente pouco estudado do ponto de vista biológico (SEMARH, 2014). A Caatinga ainda é pouco estudada, mas guarda considerável representatividade ecoló-gica e sociocultural, motivo pelo qual sua conservação é tão relevante. Neste MONA possui um sítio de valor nacional histórico e cultural, a Grota do An-gico, que dá nome à unidade, local onde no início do século XX foi palco da emboscada do Bando de Lampião, mais conhecido bando do movimento do Cangaço, no dia 28 de julho de 1938.

A unidade é constituída por áreas públicas e particulares, possui Plano de Manejo, recentemente aprovado, e Conselho Gestor, e busca promover atividades educativas e interpretativas voltadas aos visitantes. A divulgação da região do Cânion de Xingó em programas televisivos estimulou a explo-ração turística na UC, fato que explica a maior frequência de visitantes nas trilhas e na Grota do Angico.

No MONAGA há um número reduzido de funcionários para a fiscalização e manutenção das ações de conservação da biodiversidade tanto no espaço interno como em seu entorno. Até Agosto de 2014 existiam 03 funcionários efetivos e 11 terceirizados, sendo que a maior parte destes se dedicavam basicamente à atividade de vigilância das instalações. Um fato a destacar é

Rodrigus Oliveira Feitosa, Roberto Ro.de Souza, Maria do Socorro F. da Silva q 355

a inexistência do Guarda-Parque, que, segundo o Decreto n.º 6.515, de 22 de julho de 2008, seria o encarregado de monitorar as atividades dentro das unidades, identificar ações que violem as leis ambientais e proteger a UC, suas instalações, funcionários e visitantes, e teria ainda a responsabilidade de participar de ações que envolvem as comunidades residentes e do entor-no das Áreas Protegidas (BRASIL, 2008).

Igualmente ao que ocorre em outros estados do Brasil, as UC de Proteção Integral sergipanas sofrem com os mesmos problemas de pressões antrópi-cas, questões fundiárias, escassos recursos humanos e financeiros, conflitos de acesso a recursos naturais e uso do solo e deterioração das instalações (SANTOS, SILVA e SANTOS, 2009). Além destas ameaças, as ações de conser-vação também ficam seriamente prejudicadas pela ausência ou dificuldade de efetivação dos Planos de Manejo.

2.1 USO E COBERTURA DO SOLO

A partir do uso das funcionalidades estatísticas do SIG QuantumGIS, proce-deu-se a soma das áreas dos polígonos correspondentes a cada classe de uso e cobertura do solo, sendo possível traçar a análise quantitativa da UC estudada.

A maior parte da área mapeada apresenta vegetação de Caatinga que cor-responde a 73,39%. E a área ocupada por pastagens corresponde a 18,23%, onde, segundo a SEMARH (2011) predomina a criação de bovinos com baixo nível tecnológico por pequenos produtores, inclusive em áreas internas da UC (Tabela 1). A distância das vias de grande fluxo, a escassez de água e as carac-terísticas do clima, do solo e a importância socioambiental estão entre explica-ções para a manutenção ou recuperação da vegetação nativa.1

Tabela 1. Análise quantitativa do uso e cobertura do solo no MONA Grota do Angico, em Canindé do São Francisco e Poço Redondo.

Classe Área (ha) Proporção (%)Caatinga Arbustiva Arbórea 6.208,08 66,57Caatinga Arbustiva 636,23 6,82Corpos D’Água 30,32 0,33Pastagem 1.700,57 18,23Área Degradada 154,27 1,65Povoados 33,17 0,36Não Mapeado1 563,51 6,04

Fonte: FEITOSA, 2014.

1 Áreas não mapeadas correspondem às áreas das imagens dos satélites cobertas por nuvens.

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356

Os resultados mostram a necessidade de adoção de medidas mais efeti-vas por parte dos órgãos gestores do Estado de Sergipe na criação e imple-mentação de reais condições para conservação, sendo necessário o monito-ramento constante do avanço das pastagens na área da UC e proximidades, e atentar para o uso de agrotóxicos no manejo das pastagens (Figura 1).

No MONAGA há a presença de assentamentos rurais originados de pro-gramas de reforma agrária do governo federal, implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Parte da Reserva Legal desses assentamentos estão inclusas nas áreas da UC. O objetivo deste ma-peamento foi apresentar a situação fundiária na área de influência da UC.

O MONA está inserido numa área com considerável concentração de assentamentos para reforma agrária, existindo 08 dessas unidades rurais sobrepondo a ZA desta UC de Proteção Integral. Os assentamentos Jaca-ré-Curituba IV e Monte Santo II possuem áreas em sobreposição à UC, que compreendem suas Reservas Legais e correspondem às áreas particulares que compõem a UC.

É importante ressaltar que a criação e instalação dos assentamentos rurais mencionados nesta pesquisa são anteriores à criação dessa UC de Proteção Integral, e que os assentados ainda sofrem com a falta de alternativas econômicas, o que pode explicar a ocorrência de casos de caça e exploração vegetal irregular nas proximidades dos povoamentos.

1.1 POTENCIALIDADES E PRINCIPAIS AMEAÇAS

Boa parte da área do MONAGA é ocupada por vegetação de Caatinga Ar-bustiva Arbórea, porém, nota-se o avanço das pastagens em direção à Área Protegida. Apesar de pouco explorado, compreende também o potencial ecoturístico da unidade relacionado ao fato histórico-cultural ocorrido na grota que dá nome à UC, além da beleza cênica do contraste entre a Caatin-ga e o Rio São Francisco. A Caatinga também guarda potencial fitogeográ-fico para o desenvolvimento da apicultura nos territórios sertanejos, sendo este um ótimo exemplo de produção econômica ambientalmente sustentá-vel (SILVA, 2013).

A partir do Plano de Manejo foram verificadas as principais ameaças e as classes de uso do solo conflitantes com os objetivos de conservação am-biental (Figura 2).

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Rodrigus Oliveira Feitosa, Roberto Ro.de Souza, Maria do Socorro F. da Silva q 359

Com o georreferenciamento das ameaças a partir dos mapas do Plano de Manejo foi possível observar que a proximidade de concentrações po-pulacionais e atividades agrícolas são fatores catalizadores para a degrada-ção ambiental, principalmente pela disposição inadequada de resíduos no entorno da UC, presença de animais domésticos, exploração mineral, ma-nejo de cultivos por meio do fogo, caça de animais silvestres e exploração da vegetação nativa. O uso do solo para pastagens e cultivos agrícolas são ameaças que colocam em risco a conservação ambiental dos fragmentos florestais face à pressão exercida nos fatores biofísicos.

Com o uso do SIG pode auxiliar a monitorar as mudanças nesses padrões de ameaças ao longo do tempo, permitindo criar estratégias de combate mais eficazes em benefício da conservação ambiental, atuando pontualmen-te nos locais onde as ameaças são mais presentes. Para tanto, é importante a coleta constante e periódica de dados georreferenciados de novos casos de ameaças, a fim de manter atualizada a base de dados digital, permitindo que gestores possuam uma série histórica de suas ações e das ocorrências na UC.

No MONAGA os assentamentos rurais e povoamentos também estão en-tre os vetores de vulnerabilidades, pois são responsáveis pelo avanço das áreas de pastagens. A caça, a presença de animais domésticos e o desmata-mento são as principais ocorrências registradas na região (SEMARH, 2011). E as atividades ecoturísticas, que deveriam ser empregadas de forma benéfica à UC, também se tornam uma ameaça, uma vez que são realizadas com pou-co ou nenhum controle por parte do órgão gestor.

As atividades incompatíveis identificadas no MONAGA foram:a) A prática da vaquejada em área pertencente à UC;b) Práticas agrícolas com uso de agrotóxicos;c) Invasão de áreas públicas da UC para construções ilegais.A UC possui uma área extensa para um número escasso de recursos hu-

manos disponível, contribuindo diretamente para a quantidade de ameaças detectadas. Porém, é necessário destacar que a previsão legal da coexistên-cia de cultivos e pastagens em propriedades particulares incluídas em UC de Proteção Integral, é, indubitavelmente, prejudicial aos objetivos de conser-vação, pois a necessidade de supressão da vegetação nativa para as ativida-des agropastoris em uma área natural que deveria ser de Proteção Integral se mostra, no mínimo, um paradoxo.

Através da análise dos dados georreferenciados, ficam evidentes os desa-fios de criar e implementar ZA considerando os aspectos socioeconômicos e políticos pré-existentes à criação de uma UC, em especial das categorias de

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360

Proteção Integral, o que leva a se pensar na recategorização dessas unidades ou tomada de ações mais firmes frente ao descumprimento da legislação ambiental. Tal premissa aumenta a necessidade de monitoramento e fisca-lização das ameaças levantadas nos locais de maior incidência e o avanço e manejo das áreas de cultivo e pastagem.

CONCLUSÃO

O uso de SIG se mostra uma ferramenta importante para o registro e ob-tenção de dados úteis ao planejamento ambiental, enriquecendo a docu-mentação e registro de atividades das UC, com outra visão da evolução das ações de conservação e ameaças. O georrefecenciamento e visualização dos dados e informações em mapas digitais, possibilitam estabelecer uma base de dados histórica para comparações, certificar informações sobre recursos naturais e munir gestores com informações, de forma a auxiliá-los nas toma-das de decisões, na elaboração de políticas públicas e nas ações de manejo.

As desvantagens no emprego de SIG para o planejamento, gestão e mo-nitoramento ambiental por órgãos públicos se dão pela ausência de pessoal capacitado diretamente ligado à coordenação das UC, a escassez de recur-sos financeiros para aquisição de produtos de sensoriamento remoto atuali-zados e de informações biofísicas confiáveis.

Sergipe reúne excelentes condições para empregar SIG para os objetivos da conservação ambiental de suas UC, por ter uma pequena extensão ter-ritorial, já possuir uma boa base de dados georreferenciados e pessoal com conhecimento técnico para desenvolvimento e atualização dessa base, que são os técnicos da SRH. Uma das dificuldades na utilização do Atlas de Re-cursos Hídricos da SRH, por parte dos técnicos que trabalham diretamente com as UC é o manuseio da ferramenta, que poderia ser facilmente solucio-nado com cursos ou treinamentos promovidos pela própria secretaria. Outra dificuldade relatada pelos coordenadores é o número reduzido de funcio-nários efetivos na UC, que comprometeria as atividades de coleta periódica de dados em áreas extensas, sendo importante para essa tarefa as parcerias com universidades e centros de pesquisas.

Os conflitos criados com o deslocamento das populações nas áreas de-marcadas ou alterações mandatórias no modo de vida e de produção deve ser o foco dos estudos prévios para implantação de UC, pois esses são a ori-gem de consideráveis e persistentes problemas futuros que podem inclusi-ve inviabilizar os esforços de conservação ambiental. Sendo assim, as ações de pesquisa socioeconômicas devem ser tão intensas e minuciosas quanto

Rodrigus Oliveira Feitosa, Roberto Ro.de Souza, Maria do Socorro F. da Silva q 361

os estudos físico-ambientais, explorando ao máximo a potencialidade da pesquisa interdisciplinar.

Haja vista a situação preocupante das Áreas Protegidas em Sergipe, é ne-cessário que antes de se pensar em novas UC, se busque criar e implementar os Planos de Manejo exigidos pela legislação. Tal esforço deve ser feito pelos atores sociais interessados na conservação dos recursos e serviços socioam-bientais, em especial pelos órgãos governamentais que necessitam prover mais e melhores recursos financeiros para os responsáveis pela proteção do meio ambiente em todas as suas esferas administrativas, bem como fiscali-zar e punir as pessoas que ferem as leis ambientais de forma mais rigorosa. Considerando também que há a necessidade urgente de aumento no efeti-vo de técnicos ambientais e Guarda-Parques para efetivar a atuação na de-fesa da conservação ambiental, exigindo a promoção de concursos públicos por parte do Governo Estadual.

Cabe ainda a responsabilidade das instituições de pesquisa promover estudos e prover informações que subsidiem ações voltadas à conservação ambiental, inclusive sugerindo a recategorização de UC, a fim de adequá-las à realidade social, ambiental e cultural existente.

Apesar de o MONAGA possuir Plano de Manejo, diante das pressões exis-tentes (desmatamento, caça, avanço de cultivos e pastagens, e outras), se faz necessário maior atuação do órgão gestor para garantir os objetivos da conservação nesta unidade. As ações de conservação devem buscar uma maior sensibilização dos indivíduos (visitantes, estudantes, comunidades do entorno). Para tanto, o Conselho Consultivo deve investir maiores esforços nos programas de EA voltadas ao ensino formal nas escolas públicas e par-ticulares do Estado e aos visitantes, além de campanhas junto às comunida-des do entorno.

Faz-se necessário maior fiscalização das atividades executadas no inte-rior da unidade e do manejo das pastagens e plantações no entorno, princi-palmente na aplicação de agrotóxicos e manejo por fogo.

O retorno social desta pesquisa está focado principalmente na disponi-bilização de informações socioambientais que permitirão o desenvolvimen-to de programas voltados à EA, como fonte de dados para pesquisas sociais ligadas à UC e o desenvolvimento de atividades econômicas com menor im-pacto ambiental. Do ponto de vista ambiental, a pesquisa buscou a reunião de dados e informações dispersas em diversas bases de dados em uma única ferramenta que sirva como instrumento para o planejamento ambiental do MONAGA.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SRH. Atlas de Recursos Hídricos do Estado de Sergipe versão 2013.1. Aracaju: SEMARH, 2013.

363

A INTEGRALIDADE DO CUIDADO AOS USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS NO MUNICÍPIO DE ARACAJU-SE 

Flavia Regina Sobral Feitosa; Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes

INTRODUÇÃO

 Historicamente o uso de substâncias psicoativas, tais como álcool, ma-conha, crack, cocaína e outros, sempre esteve presente no cotidiano das pessoas, seja como meio de socialização, medicação ou como instrumento de fuga da realidade (MORAES, 2006). Entretanto, as instituições médico--jurídicas que “assistiam” aos usuários dessas substâncias sempre trataram o consumo nocivo de drogas sob uma perspectiva punitiva, de maneira que os recursos terapêuticos utilizados se reduziam a excluir o usuário do convívio social para evitar as mazelas que o mesmo trazia a sociedade, tra-tando-o como doente e fixando-o numa posição de passividade (BASA-GLIA, 2003). 

Com o advento da Reforma Psiquiátrica no Brasil, surge uma nova pers-pectiva de cuidado para as pessoas que fazem uso nocivo de substâncias psicoativas, sendo criada uma rede de assistência em saúde que procura compreender os aspectos biológicos, psíquicos e culturais do processo saú-de doença, trabalhando a ideia de desconstituição da proposta de clausura. De maneira que, para a consolidação desse novo modelo de atenção algu-mas exigências foram impostas: desospitalização, desmedicalização, clínica ampliada, horizontalização das relações intra-institucionais, trânsito livre nas unidades de saúde, atendimento integral e territorializado, superação do paradigma psiquiátrico e institucionalização da rede psicossocial (COS-TA-ROSA, 2003). 

Assim, no SUS, o modelo de atenção em saúde se fundamenta no res-peito às “particularidades do indivíduo, do grupo, do tipo de droga e do am-biente sociofamiliar” (MORAES, 2006). Para que este objetivo seja concretiza-do, o Programa de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras drogas do Ministério da Saúde (MS), define que os principais componentes da rede de assistência aos usuários de drogas psicoativas são: Atenção Primária, CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial para Dependentes de Álcool e Outras Drogas), ambulatórios e outras unidades hospitalares especializadas, aten-ção hospitalar de referência e rede de suporte social, etc. (BRASIL, 2004). 

q A Integralidade do Cuidado aos Usuários de Substâncias Psicoativas no Município de Aracaju-Se

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Além disso, o MS lança a proposta de redução de danos, que preconi-za uma assistência pautada sobre duas diretrizes básicas: 1) é impossível existir uma sociedade completamente sem drogas; 2) a guerra às drogas contraria os princípios éticos e direitos civis das pessoas, ferindo o direito à liberdade do uso do corpo e da mente. Assim, a abordagem da redução de danos põe em ação estratégias de autocuidado imprescindíveis para minimizar os danos e riscos advindos do consumo imoderado dessas subs-tâncias (COLTRIN, 1999). 

Desta forma, embora na saúde a assistência aos usuários de substâncias psicoativas seja prestada diretamente pela Atenção Primária e Psicossocial (através do CAPS AD), os diversos equipamentos e serviços devem estar arti-culados entre si e com outros serviços fora da saúde para assegurar a reabili-tação e reinserção desse público na sociedade, restaurando assim a dignidade e qualidade de vida dessas pessoas que foram ao longo dos anos estigmatiza-das e desassistidas na perspectiva da integralidade (MENDES, 2010). 

Enfim, o modelo de atenção para os usuários de droga deve ser pensado em rede, pois as necessidades de saúde desse público são complexas e ne-cessitam de um alto financiamento público, de maneira que um único ente administrativo e/ou serviço, agindo de forma isolada, sobretudo nos muni-cípios, não poderia arcar sozinho com um cuidado pautado na integralidade (MENDES, 2010). 

Entendem-se Redes de Atenção à Saúde (RAS) como “arranjos organi-zativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológi-cas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado” (BRASIL, 2010, p. 57).  Esta forma de organização da saúde assegura resultados mais eficientes dos sistemas de saúde, uma vez que aumenta a acessibilidade  dos usuários aos serviços, reduz os custos e diminui a fragmentação do cuidado. 

O modelo de rede preconizado para o Sistema Único de Saúde (SUS) em Aracaju segue a lógica do Governo Federal, ou seja, é composto pela aten-ção primária, secundária e terciária, pelos centros de comunicação, sistemas logísticos, de apoio e de gestão (MENDES, 2010). Um dos princípios mais importantes dessa rede de cuidado é a integralidade, face ao seu caráter inclusivo, pois a assistência prestada deve satisfazer as necessidades de todo o indivíduo e/ou grupo de pessoas, da forma mais ampla possível (BRASIL, 2005).  As redes de atenção à saúde de Aracaju, de acordo com Santos (2006) são compostas por: Rede de Atenção Psicossocial - REAPS (formada por qua-tro residências terapêuticas, seis Centros de Atenção Psicossocial e duas clínicas psiquiátricas conveniadas); Rede de Urgência e Emergência - REUE

Flavia Regina Sobral Feitosa; Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes q 365

(constituída por um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU, ca-racterizado como pré-hospitalar móvel, dois serviços pré-hospitalares fixos e também pela Urgência Mental Hospital São José). E, por fim, pela Rede de Atenção Primária – REAP, que é organizada em quatro polos administrativos, oito regiões de saúde e 43 Unidades Básicas de Saúde – UBS. Dentre estas unidades, seis são referências ambulatoriais de saúde mental: UBS Dona Si-nhazinha, UBS Francisco Fonseca, UBS Anália Pina, UBS Geraldo Magela, UBS Edézio Vieira de Melo e UBS Osvaldo de Souza. 

Assim, a rede de cuidado da capital possui vários dispositivos de saúde que tem por função acolher as necessidades dos dependentes químicos e seus familiares em diversos equipamentos do sistema, com atribuições e tecnologias singulares adequadas para especificidade de cada caso identi-ficado. Logo, as principais linhas de cuidados visualizadas para esse públi-co são: as unidades de saúde da família da Atenção primária, ambulatórios de referência em saúde mental, CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e outras Drogas), CAPS i (Centro Atenção Psicossocial Infan-til), Urgência mental, Clínicas conveniadas, SAMU, residências terapêuticas (SANTOS, 2006).  

Porém, o número de atendimentos na rede pública de saúde a usuários de substâncias psicoativas, principalmente o crack, aumentou significativa-mente nos últimos anos. De modo que, em 2009, apenas 7% dos usuários atendidos no CAPS para álcool e drogas de Aracaju eram usuários de crack e em 2010, esse percentual foi de 82% dos atendimentos desse serviço (ARA-CAJU, 2010). A crescente procura dos  usuários de drogas aos serviços de Atenção Psicossocial motivou essa pesquisa a compreender o modo como a assistência em saúde é prestada a esse público e se ela contempla um cuida-do pautado na integralidade.  

Esse estudo resolveu analisar o perfil e percepção da gestão do municí-pio de Aracaju quanto à noção de integralidade do cuidado, pois a partir da formação desses profissionais e da maneira como eles concebem a amplitu-de desse principio se pode compreender como foram delineadas as estraté-gias de cuidado a esse segmento da sociedade. 

Frente ao exposto, percebe-se a complexidade e multicausalidade que envolve os usos e padrões de consumo de drogas e consequentemente o cuidado ampliado que deve ser dado a esses usuários. Portanto, este estudo tem por objetivo analisar a percepção dos gestores locais quanto à integra-lidade do cuidado aos usuários de substâncias psicoativas em Aracaju/SE, considerando que os atores sociais que integram a pesquisa empírica são determinantes na elaboração da política pública de saúde.

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1 MATERIAIS E MÉTODOS  

A pesquisa ocorreu na cidade de Aracaju, situada na região Nordeste do Brasil, limitando-se ao Norte e Oeste com os munícipios de Nossa Senhora do Socorro, ao Sul com São Cristóvão e a Leste, com o Rio Sergipe e o Oce-ano Atlântico. A capital sergipana possui 571.149 habitantes, 40 bairros, 04 distritos, 08 regiões de saúde, 43 Unidades de Saúde da Família, totalizando um percentual de 97,43% da cidade assistida pela Estratégia de Saúde da Fa-mília (SMS, 2014) e uma alta densidade demográfica com 3140,65 hab/km², correspondendo a 28% de toda população de Sergipe (IBGE, 2010). 

O presente estudo é descritivo e de natureza qualitativa. A coleta de da-dos ocorreu através de pesquisa bibliográfica, documental e de campo. A etapa de campo foi realizada através de observações in loco e entrevistas semi-estruturadas com os gestores da Secretaria Municipal de Saúde, espe-cificadamente das redes de: Atenção Primária (REAP), Psicossocial (REAPS) e de Urgência e Emergência (REUE). 

Assim foram entrevistados nove gestores, sendo quatro da Rede de Aten-ção Primária (01 Coordenador da REAP, 02 gerentes da Unidade de Saúde da Família Sinhazinha e Francisco Fonseca e 01 Coordenadores do Projeto de redução de Danos), três da Rede de Atenção Psicossocial (01 Coordenadora da REAPS, 01 Coordenador do CAPS AD e 01 Coordenadora do CAPS i) e dois da Rede de Urgência e Emergência (01 Coordenadora da REUE e interina do SAMU municipal e 01 Coordenadora do Hospital de Urgência Mental). 

O roteiro dessas entrevistas continha questões abertas e fechadas, sen-do estruturado em duas partes: a) identificação e perfil dos gestores e b) percepção dos gestores quanto à integralidade do cuidado aos usuários de substâncias psicoativas.  

Os critérios de inclusão na pesquisa foram: ser gestor das redes de assis-tência em saúde do município de Aracaju/SE; aceitar participar do estudo e apresentar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado. Na rede de Atenção Primária optou-se em escolher duas das seis unidades de referência, sendo uma da zona sul e outra da zona norte da capital. É im-portante frisar ainda que, manteve-se o anonimato dos entrevistados, atri-buindo códigos de 01 a 09 para suas falas. 

Para analisar os dados qualitativos, utilizou-se a Técnica da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2010). Após a realização das entrevistas, os dados foram sistematizados, classificados em categorias de respostas, ana-lisados e discutidos. 

Flavia Regina Sobral Feitosa; Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes q 367

As categorias de respostas sistematizadas foram: o perfil e percepção dos ges-tores quanto à integralidade do cuidado aos usuários de substâncias psicoativas e as principais facilidades e potencialidades ao funcionamento da rede de assis-tência a esse público. A discussão desses aspectos permitiu visualizar quais medidas precisam ser adotadas para alcançar um cuidado mais efetivo a esse segmento da sociedade, minimizando os impactos do consumo imoderado de drogas. 

2 RESULTADOS E DISCUSSÃO  

2.1 PERFIL E PERCEPÇÃO DOS GESTORES QUANTO À INTEGRALIDADE DO CUIDADO AOS USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS. 

 Os entrevistados apresentam predominantemente os seguintes perfis: sexo feminino (78%), formação em psicologia (44%), comissionados da Se-cretaria Municipal de Saúde de Aracaju (67%), faixa etária média mais pre-valente de 31-40 anos (56%), tempo de formação superior a 10 anos (67%) e tempo médio de serviço na instituição de 05-10 anos (67%) (Quadro 1).

Quadro 1: Perfil dos gestores da rede assistência psicossocial do município de Ara-caju/SE.

Características Frequência (%)

SexoFemininoMasculino

N77,7 %22,2%

Idade (anos)25 - 3031 - 4041 – 50

11,1%55,5%33,3%

Categoria profissionalAssistente SocialEnfermeiroPsicólogoGeógrafo

22,2%22,2%44,4%11,1%

LotaçãoUnidades de saúde da famíliaSede das redesCaps ADCaps iHospital-de Urgência Mental

33,3%33,3%11,1%11,1%11,1%

q A Integralidade do Cuidado aos Usuários de Substâncias Psicoativas no Município de Aracaju-Se

368

Vínculo EmpregatícioConcurso públicoComissionadoCedido

22,2%66,6%11,1%

Tempo de formado 2 - 1212 - 2121 – 34

22,2%66,6%

11,11%Tempo de serviço na instituição 5 - 1010 – 20

66,6%33,3%

Fonte: Elaborado pela pesquisa (2015).

As respostas fornecidas pelos entrevistados foram classificadas em duas categorias de análise: I- conceito de integralidade do cuidado e potencialida-des e II- entraves para o acolhimento dos usuários de substâncias psicoativas.  

2.2 O CONCEITO DE INTEGRALIDADE DO CUIDADO AOS USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 

 Entende-se por Integralidade do cuidado aos usuários de substâncias psicoativas a prestação de uma assistência ampla e efetiva, com irrestrito acesso as ações e serviços ofertados na rede, obtendo-se assim resolutivida-de no atendimento das necessidades da população. 

Magalhães Júnior (2006, p.27) entende a integralidade do cuidado sobre três perspectivas: 

A integralidade no sentido vertical que pressupõe a busca das necessidades dos usuários a partir de um olhar integral, amplia-do, procurando captar holisticamente o que pode beneficiar sua saúde nos seus contatos com os diferentes pontos do sistema; a integralidade horizontal, no qual se evidencia que as respos-tas às necessidades dos usuários geralmente não são obtidas a partir de um primeiro ou único contato com o sistema de saúde, havendo necessidade de contatos sequenciais, com diferentes serviços e unidades, e monitorização do trajeto de uns aos outro; e a integralidade sob o prisma da interação entre políticas públi-cas e, portanto, à intersetorialidade, ou seja, as redes de atenção à saúde não devem ser restritas ao setor saúde, devendo incluir políticas de outros setores relacionados às determinantes do pro-cesso saúde-doença. 

Flavia Regina Sobral Feitosa; Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes q 369

Os entrevistados apontaram a necessidade de garantir uma assistência integral aos usuários do SUS. No entanto, suas falas revelaram a compreen-são desse conceito de forma parcial, pois eles acreditam que cabe apenas à saúde garantir esse direito, quando de fato sua efetivação demanda a união de vários campos do saber (educação, trabalho, geração de renda, seguran-ça, etc.). Isso pode ser observado nos diálogos abaixo:   

(...) possibilitar ao usuário o acesso a todos os instrumentos e ser-viços de saúde (E1,E9). (...) somar esforços de toda a rede e equipe de saúde em prol de uma assistência que satisfaça as necessidades do indivíduo (E4). (...) pensar na integralidade é pensar nos diversos dispositivos existentes na rede de cuidado para solucionar as necessidades dos indivíduos (E5). (...) pensar nas diversas necessidades, inclusive percebendo que elas não são estanques, indo resgatar a ideia de promoção, pre-venção e recuperação (E5). (...) integralidade tem muito a ver com a noção de clínica amplia-da. A integralidade tá muito associado à intersetorialidade (E8).  

Observa-se que a integralidade foi retratada num enfoque restrito aos instrumentos e serviços oferecidos pela saúde e respostas efetivas de cui-dado que só serão alcançadas se esse princípio for pensado no seu sentido amplo, extrapolando a assistência prestada por esse setor. Logo, é preciso trabalhar em redes intra e intersetoriais para a obtenção de um cuidado in-tegral, pois não há integralidade sem esta possibilidade de transversalidade.  

2.3 PRINCIPAIS FACILIDADES E POTENCIALIDADES AO ACOLHIMENTO DOS USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS.

Os entrevistados responderam que as principais potencialidades para prestação de assistência integral aos usuários de drogas em Aracaju/SE são: a ampla cobertura de Estratégia de Saúde da Família (55,6% das respostas), seguido do grande nº de capacitações promovidas aos funcionários das re-des de atenção à saúde (22,2%) e da estruturação e formatação dos serviços em rede, partindo da Atenção Primária (22,2%) (Quadro 2). 

q A Integralidade do Cuidado aos Usuários de Substâncias Psicoativas no Município de Aracaju-Se

370

Quadro 2: Potencialidades e fragilidades ao acolhimento dos usuários de substâncias psicoativas na percepção dos gestores da rede assistência psicossocial do município de Aracaju/SE.

Classe Temática Categorias Subcategorias Freqüência (%)

ACOLHIMENTO AOS USUÁRIOS DE SUBSTÂN-CIAS PSICOA-

TIVAS

Facilidades Ampla cobertura do PSF e grande nº de ESF. 55,5%Grande nº de capacitações promovidas aos funcionários das redes de atenção à saúde

22,2%

Estruturação e formatação dos serviços em rede, partindo da atenção primária.

22,2%

Outros 22,2%

Dificuldades

Precária comunicação entre as redes 66,6%Abandono familiar 44,4%Dificuldade de acesso aos diversos instru-mentos e serviços de saúde

33,3%

Discriminação dos usuários nos serviços de saúde

33,3%

Formação dos profissionais que prestam à assistência a esse público/falta de manejo

33,3%

Outros 22,2%Fonte: Elaborado pela pesquisa (2015).

 Assim, percebe-se que Aracaju possui uma rede bem planejada,

com uma ampla cobertura de ESF (97,4%) e alta capilarização (43 USF em todo território), o que facilita a execução de ações integradas e in-tersetoriais de cuidado, pois a construção de vínculo com a população adstrita é mais facilitada, já que existem muitas unidades de saúde es-palhadas no território, o que permite uma maior aproximação com a população assistida:  

Dentro das redes de Atenção Primária eu acho que a principal facilidade é estar inscrita num território, pois a quantidade de informação sobre o cotidiano é muito maior, a possibilidade de intervenções e de acompanhamento então é diferenciada, isso é um ganho (E05). A facilidade é que a gente tem noventa e sete por cento de co-bertura do Programa de Saúde da Família dentro do município de Aracaju (...) outra coisa também é a composição das equipes, que é uma facilidade, as nossas equipes estão praticamente com-pletas (E08). Pronto, a facilidade é que a rede já está sendo composta, já é uma rede montada (E09). 

Flavia Regina Sobral Feitosa; Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes q 371

Os entrevistados apontaram, ainda, como potencialidade o grande nú-mero de capacitações e reuniões para avaliação do serviço destinadas aos profissionais dos CAPS. Essa frequência de encontros não ocorre da mesma forma na Atenção Primária e na Rede de Urgência e Emergência. 

A gente consegue garantir na rede de atenção psicossocial que uma vez por semana os serviços parem para fazer discussão de casos, para avaliar o processo de trabalho. Isso não acontece nas outras redes. Esse é nosso grande diferencial (E05). 

Como fragilidades à prestação do cuidado a esse público, a gestão apon-tou: a precária comunicação entre as redes (66,7%), o abandono familiar (44,4%), a dificuldade de acesso aos diversos instrumentos e serviços de saúde (33,3%), a discriminação dos usuários nos serviços de saúde (33,3%), a falta de manejo dos profissionais que prestam à assistência (33,3%) e ou-tros (22,2%), sendo neste último aspecto mencionados a precariedade do matriciamento e a falta de avaliação e monitoramento das ações e serviços de saúde.  

Observa-se que a falta de comunicação entre as redes foi a maior dificul-dade apontada, pois mesmo estando formalmente estruturada, se não hou-ver comunicação entre os serviços a resolutividade das necessidades dessa clientela fica fragilizada. Desta forma, Ferreira; Cruz (2011, p.10) afirmam que “a rede não esta pronta em lugar algum, embora haja serviços em diferentes níveis de complexidade dirigidos a diferentes situações clínicas encontradas na dependência de drogas”. Isso ocorre porque a rede se configura como uma teia de possibilidades em permanente movimento, sensível às necessi-dades de mudanças, as dinâmicas apresentadas e são as pessoas a variável mais importante na prestação de uma assistência pautada na integralidade. 

Além disso, o matriciamento é deficitário, o que fragiliza a construção da harmonia entre as redes de cuidado. Uma vez que, o apoio matricial é visto como: “um arranjo organizacional que viabiliza um suporte técnico em áreas específicas para equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde” (BRASIL, 2005).  

A efetividade do apoio matricial minimizaria a precariedade da assistên-cia oferecida na Atenção Primária, sobretudo nas referências ambulatoriais em saúde mental. Pois nesses espaços a assistência consiste em meros aten-dimentos clínicos de uma gama de profissionais (médicos, psicólogos, psi-quiatras, enfermeiros, etc.), sem ser traçado um cuidado mais direcionado para esse público. 

q A Integralidade do Cuidado aos Usuários de Substâncias Psicoativas no Município de Aracaju-Se

372

Desse modo, na Atenção Primária, a concepção de cuidado na prática ainda está muito fragmentada e compartimentalizada, ficando o acolhimen-to desses usuários restrito aos cuidados medicamentosos para a resolução de problemas clínicos e especializados de saúde dessa população, o que di-ficulta a elaboração de ações integrais e que provoquem de fato impactos na vida dos sujeitos envolvidos (CAMPOS, DOMITTI, 2007).  

Outros entraves apontados pela gestão são: a dificuldade de acesso e, a estigmatização dos usuários nos serviços de saúde. A luta por uma assis-tência digna e integral a esse público começa por esbarrar numa limitação geográfica, pois só existe um CAPS AD Primavera situado na zona sul da Ca-pital e, muitas vezes, pela distância e condições financeiras (transporte, ali-mentação) os usuários de drogas da zona norte da cidade deixam de acessar este serviço de saúde.  

(…) Tanto a atenção primária quanto na rede de urgência e emer-gência ele permite com mais facilidade o esquadrinhamento do sujeito(...). A dificuldade vem no preconceito, não raro a gente tem relatos, principalmente do SAMU, que diz que não vão aten-der usuários de drogas ou vão demorar no atendimento para que esses “vagabundos” sofram. Outros profissionais ainda dizem: “Olha se você não quiser passar isso de novo, não use drogas”, a gente ver um atravessamento moral nisso tudo. E outra dificulda-de vivida  pelas três redes é a questão da comunicação, apesar de estarmos na mesma secretaria, termos o mesmo objeto de saúde, mas a dificuldade (E05).  (...) Atenção Primária foi ficando muito protocolar, o acolhimento é só formal não entende as particularidades do uso das drogas. Pois, a pessoa passa a noite fazendo o uso, vai dormir tarde e quase nunca consegue chegar no horário do acolhimento, ou nunca é atendido. E se conseguir chegar cedo, só vai marcar uma consulta daqui há quinze ou vinte dias. Esses protocolos rígidos dificultam ou impedem o acesso desse público (E05). 

  Assim, a assistência prestada é fragmentada, burocratizada e efetivamente não está se responsabilizando pelo cuidado com esse usuário, seja pelo despreparo de seus profissionais, ou por desconhecimento das atribuições dessa rede. E, apesar de formalmente haver uma rede estruturada foi observada uma série de dificuldades no acolhimento e na construção de uma proposta de cuidado integral. 

Flavia Regina Sobral Feitosa; Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes q 373

  Nesse sentido, Trad (2010, p.58) enfatiza que a possibilidade de assistência não está condicionada ao “substrato psicológico ou biológico do usuário, mas ao que a sociedade possa decidir a respeito de incluir o indivíduo nela; independente de sua vontade, como condição necessária para que se possa ser introduzido o dispositivo assistencial”. 

Sendo assim, para que exista uma efetiva integralidade da rede de assis-tência deve-se levar em consideração a melhoria da estrutura dos serviços, a capacitação e sensibilização de gestores e profissionais para que estejam ap-tos a compreender a complexidade e multicausalidade que envolve o uso/dependência de substâncias psicoativas, realizando um cuidado em saúde contextualizado, pautado na autonomia do sujeito e condizente com a es-tratégia de redução de danos. 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A maioria dos entrevistados define a integralidade da assistência aos usuários de substâncias psicoativas num enfoque restrito, acreditando que os instrumentos e serviços de saúde podem garantir esse cuidado, no entan-to sua dimensão ampliada perpassa por questões sociais que demandam a intervenção de outras redes de assistência, inclusive externas a saúde. 

As facilidades ao acolhimento dos usuários de substâncias psicoativas mais citadas foram a ampla cobertura da Estratégia de Saúde da Família e o grande número de equipes de saúde da família, uma vez que a alta capila-rização da Atenção Primária permite uma maior aproximação das unidades de saúde com o seu território adstrito, facilitando o acesso desses usuários aos serviços da rede.  

Como principal entrave a realização do acolhimento aos usuários de substâncias psicoativas foi citada a precária comunicação entre as redes de saúde, visto que as diversas redes de assistência não estão compartilhando saberes, o que vem dificultando o acesso e inviabilizando a construção de um projeto terapêutico pautado na integralidade da assistência.  

Desta forma, compreende-se que uma rede de assistência adequada de-manda a existência de serviços de atenção suficientes em oferta/necessida-de/acesso, além de serem distribuídos no território de forma equânime, per-mitindo a fluidez dos serviços da rede, o que 3de fato não está ocorrendo. 

Assim, necessita-se fortalecer o papel da Atenção Primária, pois a efeti-vidade da rede de assistência depende de seu adequado funcionamento, já que ela é o eixo ordenador do cuidado e o primeiro contato do usuário geralmente ocorre nesse serviço. 

q A Integralidade do Cuidado aos Usuários de Substâncias Psicoativas no Município de Aracaju-Se

374

Logo para assegurar um cuidado integral aos usuários de substâncias psicoativas, alguns aspectos do modelo de atenção em saúde precisam ser melhorados, dentre eles: 

- A capacitação técnica dos profissionais da Estratégia de Saúde da Fa-mília com a concretização da proposta de Redução de Danos e a disse-minação da capilarização desse saber entre os Agentes Comunitários de Saúde, para que esses sejam parceiros e fomentadores dessa polí-tica, face a grande vinculação dessa categoria com o território, objeto do cuidado. 

- A efetivação dos mecanismos de monitoramento das ações desenvol-vidas nos serviços, a fim de que se constatar se a implantação das dire-trizes propostas para assistência dos usuários de substâncias psicoati-vas está na realidade condizente com as descritas nos eixos da política local em vigência. 

- Efetivação do apoio matricial na Atenção Primária, a fim de colaborar para que este nível de atenção deixe de trabalhar de forma fragmenta-da, burocratizada, passando, de fato, a se corresponsabilizar pelo cui-dado desses usuários.   

- Capacitação e formação continuada dos profissionais que compõem a gestão ou que lidam diretamente com o cuidado desse público, para que se comece a desconstituir o olhar preconceituoso sobre esse seg-mento da sociedade, possibilitando condições para que os usuários de drogas de fato tenham acesso aos serviços de saúde. 

Portanto, a articulação das redes de saúde é imprescindível para asse-gurar a autonomia, dignidade, acessibilidade, equidade e continuidade do cuidado ao paciente. E para isso, é preciso o comprometimento de todos os atores dessa rede em busca de um atendimento integral. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edi-ções 70, 2010.281p. 

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CAMPOS, G.W.S; DOMITTI, A.C. Apoio matricial e equipe de referencia: uma metodolo-gia para gestão do trabalho interdisciplinar em saude. Caderno de Saúde Publica, v.23, n. 07, 2007. 

Flavia Regina Sobral Feitosa; Ivana Silva Sobral e Gicélia Mendes q 375

CECÍLIO, L.C.O. As necessidades de saúde como conceito estruturante na luta pela in-tegralidade e equidade na atenção em saúde. In: PINHEIRO, R., MATTOS, R.A. (Eds.). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ-IMS- Abrasco, 2001.  

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COTRIM, BC. A prevenção ao uso indevido de drogas nas escolas. In: Sudbrack MFO, organizadora. Prevenção ao uso indevido de drogas: diga sim à vida. v.1. Brasília: CEAD/Unb; SENAD; 1999. p. 58-67. 

CRUZ, M. S.; FERREIRA, S. M. B. A rede de saúde na assistência a usuários de álcool e outras drogas: papel das USB, CAPS-ad, hospitais gerais e hospitais psiquiátricos. In: As redes comunitárias e saúde no atendimento aos usuários e dependentes de substâncias psicoativas. Módulo 6 – coordenação do módulo: Marcelo Santos Cruz. 4. ed. Brasília: Se-cretaria Nacional de Políticas sobre drogas, 2011. p. 30-42. 

GIL, Célia RR. Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singula-ridades do contexto brasileiro. Rio de Janeiro: Caderno de Saúde Pública; 2006. 

MATTOS, R.A. A integralidade na prática e sobre a prática da integralidade. Caderno de Saúde Pública, v.20, n.5, 2004. 

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PINHEIRO, R.; MATTOS, R.A. (Orgs.). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ-IMS- Abrasco, 2001. p.39-64. 

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MÉTODO DA TRIANGULAÇÃO EM PESQUISAS INTERDISCIPLINARES: COMBINANDO AS DIMENSÕES QUANTITATIVAS E QUALITATIVAS

Daniela Teodoro Sampaio; Marcos Antônio Pedlowski, Carlos Ramón Ruiz-Miranda

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas há um crescente debate sobre o potencial decor-rente da combinação de pesquisas quantitativas e qualitativas na geração de conhecimento científico (BAUER et al., 2007). Entretanto, como veremos no presente capítulo, a realização de estudos que combinem dimensões quanti-tativas e qualitativas não é uma tarefa corriqueira, pois demandam níveis de treinamento sobre a construção de processos de investigação que utilizem estas duas dimensões de forma sinérgica, e não de forma auto excludente.

O fato é que a compartimentação disciplinar que ocorreu no desenvol-vimento da ciência moderna, principalmente no Século XIX, criou uma série de empecilhos para a combinação de dados quantitativos e qualitativos. Entretanto, a crescente compreensão de que o mundo real é muito mais complexo do que estipulado pelo método científico clássico está servindo para identificar suas limitações, e encorajando o desenvolvimento de novas formas de desenhar experimentos científicos.

Após analisar como se deu a construção do método da Ciência moder-na, o presente capítulo irá apresentar e discutir o Método da Triangulação enquanto uma opção viável para pesquisadores interessados em superar as limitações impostas pelo emprego dos métodos quantitativos e qualitativos como se fossem irreconciliáveis. A proposição que está subjacente é de que a complexidade de processos e fenômenos é mais bem captada em termos de confiança e validade a partir da combinação de duas dimensões: quanti-dade e qualidade. Além disso, a partir da apresentação das diferentes formas de triangulação, com seus potenciais e limitações, o que se busca é clarifi-car que o emprego do Método da Triangulação não pode ser tratado como algo trivial, visto os desafios que o seu emprego acarreta para pesquisadores acostumados a tratar a realidade de forma estanque.

q Método da Triangulação em Pesquisas Interdisciplinares378

1 A PESQUISA QUANTITATIVA E A PESQUISA QUALITATIVA E A VALIDAÇÃO CIENTÍFICA

A ciência moderna tem sua gênese nos grandes debates realizados no período imediatamente anterior à Revolução Industrial quando os pri-meiros cientistas modernos se debruçaram sobre o esforço de estabele-cer formas mais rigorosas para se chegar à verdade científica. Dentre os principais pensadores daquele período, um que se destacou foi o inglês Francis Bacon que defendeu o estabelecimento de leis e teorias científicas a partir do uso do chamado método indutivo que possuía um forte com-ponente empírico. Nesse mesmo período histórico se destacaram outros pensadores, entre os quais, Galileu Galilei, que propugnavam a adoção de um modelo baseado em formulações teóricas de caráter universal para a produção do conhecimento científico, no que ficou conhecido como mé-todo dedutivo. Entretanto, alguns filósofos da ciência têm sugerido que em sua versão contemporânea, o método científico é, na prática, um híbri-do dedutivo-indutivo (ROSSI, 1992).

Em relação à forma de abordagem do problema, pesquisas que utili-zam o método quantitativo tiveram sua origem, no campo da Filosofia da Ciência, no Século XIX, com Auguste Comte, o fundador da corrente posi-tivista. Nesta configuração, questões e hipóteses de investigação derivam dos modelos teóricos ou de resultados empíricos anteriores; as hipóteses são derivadas da teoria e são formuladas com a maior independência pos-sível em relação aos casos concretos que estudam e são testadas e opera-cionalizadas em relação às novas condições empíricas; os instrumentos de coleta de dados são predefinidos; procura-se abordar uma amostra que seja representativa da população; da análise de dados regressa-se às hipóteses a fim de corroborá-las ou refutá-las; e por fim, recorre-se à generalização dos resultados (DUARTE, 2009).

A principal forma de validação deste método é o emprego de medi-das quantitativas para testar a generalização de hipóteses, enfatizando as medidas e análises de relações causais entre variáveis (Denzin e Lincoln, 1998), com os resultados sendo expressos em terminologias estatísticas (CHARLES, 1995).

Na pesquisa quantitativa, as situações em que os fenômenos e as rela-ções estudadas ocorrem são controladas até o limite do possível, a fim de determinar com o máximo de clareza e segurança as relações causais e a validade de seus postulados. Os estudos são desenhados de forma que seja excluído, na medida do possível, a influência do pesquisador (FLICK, 2005).

Daniela T. Sampaio; Marcos Antônio Pedlowski, Carlos Ramón Ruiz-Miranda q 379

Dois pressupostos exaustivamente perseguidos na pesquisa quantitati-va são a confiança e a validade. Na medida em que os resultados do estudo são consistentes ao longo do tempo e representativos de uma população, e ainda podem ser reproduzidos por meio de uma metodologia similar, os ins-trumentos de pesquisas serão considerados como sendo confiáveis (Joppe, 2000). A validade na pesquisa quantitativa se refere à questão de como po-demos ter certeza de que uma dada medida realmente reflete o conceito o qual se pretende investigar, ou quão verdadeiros são os resultados. Nesse modelo, os pesquisadores geralmente determinam a validade de um estudo estabelecendo uma série de predições, e muitas vezes irão procurar as res-postas obtidas em outras pesquisas (JOPPE, 2000; BRYMAN, 2004) que tam-bém se apoiaram num mesmo método, pretendendo rejeitar ou corroborar às respectivas teorias que lhe serviram de princípio (OLSEN, 2004).

Já nas pesquisas chamadas de qualitativas, apesar dos postulados esta-rem também presentes, o processo de investigação se desenvolve no sen-tido de que, mais do que testar teorias, o que se busca é descobrir novos pressupostos teóricos, seguindo um processo indutivo. Em função disso, a seleção dos casos a serem estudados privilegia sua importância para o tema sendo investigado, ao invés de sua representatividade e, frequentemente não pode ser planejada antecipadamente. Em função disso, a complexidade é aumentada pela inclusão do contexto e não reduzida, como acontece na pesquisa quantitativa, pela decomposição de variáveis. Além disso, as ques-tões de pesquisa vão sendo reformuladas, ou mesmo, elaboradas ao longo do processo de investigação. Finalmente, a subjetividade do pesquisador e dos sujeitos estudados faz parte do processo de investigação (DUARTE, 2009; FLICK, 2005).

As análises qualitativas pretendem ainda entender um fenômeno num específico contexto sem utilizar procedimentos que gerem significados quantificados ou estatísticos. Dessa forma, os dados coletados são predomi-nantemente relativos a aspectos ligados à essência dos processos. Em fun-ção disso, o processo de análise tende a privilegiar ou iluminar e compreen-der uma situação ou fenômeno, sem buscar a generalização (GOLDENBERG, 1999; HOEPFL, 1997; PATTON, 2001). Para atender esta finalidade, diversos procedimentos metodológicos são utilizados, tais como observação parti-cipante (por meio da participação na vida cotidiana do grupo estudado); entrevistas informais ou conversas para descobrir as interpretações sobre as situações que observou, podendo comparar e interpretar as respostas dadas em diferentes momentos e situações; fotografias; documentos oficiais; sons e; também entrevistas formais (BAUER, 2007).

q Método da Triangulação em Pesquisas Interdisciplinares380

Contudo, assim como a pesquisa quantitativa, a qualitativa também preci-sa demonstrar graus de confiança e validade científicas. Entretanto, enquanto a primeira pretende confirmar sua qualidade por meio da confiança e valida-de da explicação de seus objetivos, a segunda é avaliada pela capacidade de gerar conhecimento por meio da confirmabilidade ou neutralidade (o conhe-cimento gerado pode ser obtido por outra pessoa conduzindo o mesmo estu-do), credibilidade (habilidade do pesquisador em demonstrar que obteve os resultados do objetivo do estudo a partir do(s) método(s) que propôs, confian-ça (neste caso, no sentido de segurança, habilidade do pesquisador de levar em conta as mudanças no desenho da pesquisa e mudar as condições em torno de seu estudo) e transferibilidade (habilidade de aplicar os resultados da investigação de um contexto para outro, estabelecendo conexões entre elementos do estudo e suas próprias experiências) (CONSTABLE et al., 2005).

Num contexto em que a aplicação dicotômica de pesquisas ancoradas nos princípios da quantidade ou da qualidade é que vem ocorrendo a dis-seminação dos chamados métodos mistos ou múltiplos, dentre os quais se destaca o Método da Triangulação. Em essência, a triangulação é uma das técnicas que pode ser utilizada para confirmar as condições de validade em uma pesquisa qualitativa (Lincoln e Cuba, 1985), e ainda, inter-relacionar dados de natureza quantitativa e qualitativa em um mesmo estudo, contri-buindo assim para identificar de maneira precisa os processos relevantes e a profundidade de uma dada descrição.

2 A NATUREZA DA TRIANGULAÇÃO NO PROCESSO DE PES-QUISA

O conceito de triangulação tem sua origem na navegação e nos levanta-mentos geodésicos, que consistia em traçar a relação entre pontos bastante afastados sobre a superfície terrestre (Cox e Hassard, 2005). Neste contexto, a triangulação era um método eficiente e preciso de localização de um pon-to C, por meio da observação de dois pontos, A e B. Se o observador tivesse informação suficiente acerca da distância e ângulos entre A e B, poderia en-tão determinar as distância entre B e C e entre A e C (DUARTE, 2009).

Em 1956, Campbell e Fiske, pesquisadores da área de Psicologia expe-rimental, popularizaram o conceito de triangulação ao utilizar uma matriz de métodos múltiplos quantitativos para complementar ou testar empirica-mente os resultados de uma determinada pesquisa. A estratégia pretendia aumentar a validade das pesquisas, por meio da análise de convergência dos resultados (TASHAKKORI e TEDDLIE, 1998).

Daniela T. Sampaio; Marcos Antônio Pedlowski, Carlos Ramón Ruiz-Miranda q 381

Em 1970, Norman K. Denzin incorporou o termo à Sociologia e propôs que uma hipótese testada com o emprego de vários métodos podia ser con-siderada mais válida do que uma hipótese testada a partir do uso de um único método (Duarte, 2009). Em 1978, o próprio Denzin ampliou o conceito e propôs o emprego de vários recursos para estudar um mesmo fenômeno (TASHAKKORI e TEDDLIE, 1998). A partir daí foram propostos quatro tipos possíveis de triangulação: de teorias; de dados; de pesquisadores e; de mé-todos (COX e HASSAD, 2005).

Na triangulação teórica o uso de diferentes teorias pode trazer benefí-cios ao impedir que o pesquisador investigue e interprete o fenômeno sob apenas um ponto de vista (uma teoria particular). Alguns autores sugerem que é inadequado usar um único paradigma teórico para entender a com-plexidade de um problema. A triangulação teórica pode ser realizada a partir de duas estratégias: a) uso de múltiplas teorias dentro da mesma tradição, sem diferenças epistemológicas, ontológicas e filosóficas e; b) triangulação entre teorias, que é a mais ambiciosa e difícil delas, pois pre-tende conduzir uma pesquisa baseando-se em pressupostos fundamentais diferentes (HOQUE, 2006).

Na abordagem da triangulação teórica, talvez o mais prevalente seja o esforço do pesquisador em integrar diferentes perspectivas dentro de um mesmo fenômeno, os quais irão enriquecer o conhecimento gerado a respeito das práticas cotidianas. Um esforço ainda mais desafiador no uso dessa abordagem é identificar se as análises dos resultados a partir de múl-tiplas perspectivas são convergentes ou não, embora essa estratégia possa também oferecer alternativas de interpretação para o mesmo fenômeno. O maior dilema para pesquisadores iniciantes na triangulação teórica é saber qual ou quais teorias podem ser combinadas para gerar explicação. Uma es-tratégia para minimizar esse dilema é fazer uma ampla revisão na literatura sobre teorias relevantes para um dado estudo, o que permitiria ao pesqui-sador escolher uma teoria para testá-la no campo durante o estudo piloto, confirmando-a ou rejeitando-a. A partir daí surgirão discernimentos que poderão então ser utilizados para proceder com a escolha de outras teorias (Hoque, 2006).

A triangulação de dados é empregada no uso de diferentes fontes de informantes categorizados em grupos ou tipos, com um número compará-vel de indivíduos avaliados em cada um (DENZIN, 1998; GUION, 2002). A triangulação dos resultados de um estudo desenvolvido por Sampaio e co-laboradores (2014) sobre a caça ilegal de animais silvestres, por exemplo, abordando caçadores e gestores ambientais de unidades de conservação

q Método da Triangulação em Pesquisas Interdisciplinares382

pode demonstrar a congruência dos resultados revelados pelos grupos, su-gerindo o peso da evidência como um resultado verdadeiro.

Ainda na tipologia de triangulações, a triangulação de pesquisadores envolve o emprego de um grupo de pesquisadores abordando um mesmo fenômeno de investigação dentro de um mesmo projeto de pesquisa, utili-zando os mesmos métodos (entrevista, observação, grupo de estudo, estu-do de caso). A partir daí, dados são coletados, independentemente uns dos outros, e se procede para a comparação dos resultados, buscando verificar a influência de vários pesquisadores sobre os problemas e resultados da pes-quisa. Se os resultados levarem às mesmas conclusões, então a validade do estudo estará confirmada. Entretanto, se as conclusões diferirem substan-cialmente, então, é justificável a aplicação de um estudo mais aprofundado (DENZIN, 1998; GUION, 2002). Os pesquisadores atuando no estudo pode-rão ser da mesma área de atuação disciplinar, ou poderão possuir perspecti-vas e fundamentações paradigmáticas distintas.

Por fim, a triangulação metodológica foi o primeiro método sugerido por Denzin, em 1970, e foi descrita como uma combinação de metodologias para estudar um mesmo fenômeno em um mesmo estudo. O princípio é de que não existe um método específico, uma vez que todos os métodos têm falhas e vantagens que podem ser reunidos numa pesquisa. Essa aborda-gem aumenta o nível de precisão e o nível de confiança dos resultados, fa-vorece a geração de conhecimentos novos pela síntese de resultados oriun-dos de várias abordagens e a concatenação de múltiplas construções de um mesmo fenômeno (TEIXEIRA, 2008).

Na triangulação metodológica é possível utilizar métodos quantitativos e/ou qualitativos e se os métodos levarem às mesmas conclusões, então a validade estará estabelecida (GUION, 2002).

A triangulação metodológica pode ser desenvolvida por meio de dois métodos: 1) Métodos Mistos ou Intra-métodos: onde mais de uma estraté-gia quantitativa e/ou qualitativa pode ser utilizada dentro de um mesmo projeto de pesquisa; 2) Métodos Múltiplos ou Inter-métodos: quando dois ou mais projetos de pesquisa são conduzidos, cada um completo em si mesmo, para abordar perguntas de pesquisa e/ou hipóteses. Assim como nos métodos mistos, os estudos podem ser uma combinação de métodos quantitativos, qualitativos ou ambos. Os projetos podem ser executados concomitantemente ou sequencialmente. No entanto, diferentemente dos métodos mistos, no desenho de métodos múltiplos, cada projeto de estudo é planejado independentemente e conduzido de modo a responder uma sub-questão específica (Morse, 2003).

Daniela T. Sampaio; Marcos Antônio Pedlowski, Carlos Ramón Ruiz-Miranda q 383

A triangulação, contudo, pode representar mais do que confiabilidade e validação convergente, pois também pode capturar uma descrição mais completa e contextual de uma unidade em um dado estudo. Nesse senti-do, a triangulação metodológica pode servir não apenas para examinar o mesmo fenômeno a partir de múltiplas perspectivas, mas também para enriquecer o conhecimento, permitindo com que novas e mais profundas dimensões sobre o estudo possam surgir.

Ao se elaborar estudos que pretendem combinar abordagens quantita-tivas e qualitativas, pesquisadores da área interdisciplinar devem, portanto, decidir quais tipos de Triangulação ajudarão a elaborar a estrutura metodo-lógica de seus estudo, mas, é importante também considerar previamente em quais parâmetros irão se apoiar para analisarem os dados; esta decisão cabe à escolha de modelos de triangulação adotados, que se dará em fun-ção, principalmente das perguntas de pesquisa; objetivos e/hipóteses.

Fielding e Schreier (2001) descreveram três modelos de triangulação que, combinados com os tipos de triangulação, podem fortalecer pesquisas interdisciplinares: 1) modelo de validade, para corroborar resultados obti-dos a partir de métodos diferentes; 2) modelo de trigonometria que indica a necessidade de combinar métodos a fim de obter um cenário do fenômeno estudado (mas não objetiva validar os resultados derivados dos métodos es-colhidos, tal como no modelo citado anteriormente); 3) modelo de comple-mentaridade que pode combinar Triangulação de dados, de pesquisadores, de métodos e/ou de teorias diferentes, objetivando alcançar uma visão mais ampla e completa do fenômeno estudado

3. O PROCESSO ANALÍTICO NO ÂMBITO DA TRIANGULAÇÃO

Embora a análise de dados seja uma das mais importantes fases de de-senvolvimento de qualquer pesquisa é, ao mesmo tempo, a parte mais difícil de ser compreendida na abordagem da Triangulação. Estudos publicados a partir do emprego da Triangulação, normalmente descrevem locais de pes-quisa e métodos de coleta de dados, mas dão pouca ênfase e espaço para discussão das análises realizadas e, muitas vezes, criam um abismo entre os dados e as conclusões a que os pesquisadores chegam (EISENHARDT, 1989).

Um aspecto fundamental que é trazido pelo emprego da Triangulação é de que a melhor estratégia para analisar dados é contrariar a tendência de observá-los de maneira divergente. Uma tática é selecionar categorias ou dimensões, e então buscar por pares similares dentro dessas dimensões. As dimensões podem ser sugeridas pelos problemas de pesquisa, ou pela

q Método da Triangulação em Pesquisas Interdisciplinares384

literatura, ou o pesquisador pode simplesmente escolher aquelas que julga possuir maior capacidade explicativa. A segunda estratégia é selecionar pa-res de casos, e em seguida listar similaridades e diferenças entre cada par, o que força o pesquisador a olhar as similaridade e diferenças entre os casos. A justaposição de casos aparentemente semelhantes por um pesquisador procurando diferenças pode auxiliar na quebra de interpretações simplistas. Da mesma forma, a busca de similaridades em um par aparentemente dife-rente pode levar a um entendimento mais sofisticado da realidade sendo in-vestigada. O resultado dessas comparações pode originar novas categorias e conceitos que o pesquisador não antecipou (EISENHARDT, 1989).

Outra estratégia analítica é a divisão de dados por suas respectivas fon-tes. Por exemplo, um pesquisador pode vasculhar dados observacionais, dados em entrevista e evidências em jornais ou revistas. Esta tática é usada na separação da análise qualitativa e quantitativa em estudos de tomada de decisões estratégicas. Quando um padrão de fontes de dados corrobora evi-dências de outra fonte, o achado torna-se mais forte e melhor sustentado. Já quando evidências são conflitantes, o pesquisador pode, por vezes, conciliar as provas através de sondagem mais profunda do significado das diferenças. Outras vezes, este conflito pode expor um padrão espúrio ou aleatório, ou ten-dencioso do pensamento identificado por meio do processo analítico. Uma variação desta tática é dividir os dados em grupos de casos inicialmente, e posteriormente, focar nos casos restantes. A idéia por trás dessa tática é forçar os pesquisadores a irem além das impressões iniciais, especialmente através de interpretações já estruturadas por influências diversas (Eisenhardt, 1989).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Decidir se os resultados de uma determinada pesquisa são convergen-tes ou não faz parte de um delicado exercício. Em teoria, múltiplas confir-mações podem indicar rotina, normalidade e, dessa forma, a congruência é presumivelmente aparente. Na prática, existem poucas orientações para ordenar sistematicamente dados ecléticos para determinar congruência ou validade. Além disso, enquanto testes estatísticos podem ser aplicados de acordo com métodos particulares, não há nenhum teste formal de discrimi-nação entre métodos para avaliar sua aplicabilidade na pesquisa qualitativa. O conceito de diferença significante quando aplicado em estudos qualitati-vos não pode ser comparado aos testes estatísticos que demonstram resul-tados significativos (Jick, 2006). Não é possível fazer essa distinção entre as duas abordagens de pesquisa, mas a Triangulação pretende complementar

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e inter-relacionar as interpretações derivadas de resultados quantitativos e qualitativos, quando é esta a proposta de uma pesquisa.

Finalmente, é importante considerar ainda que o emprego do Método da Triangulação não deve ser interpretado como um meio de legitimar a supe-rioridade de um método (seja ele de dados, de pesquisadores, metodológicos e teóricos) sobre outro numa pesquisa. Além disso, é preciso considerar tam-bém que Triangulação não é um método para ser usado em pesquisas cujas perguntas não são claras ou não são adequadas. Se o pesquisador não fizer essa consideração, nenhuma triangulação irá produzir resultados satisfatórios.

Apesar das vantagens do método e dele encorajar muitas pesquisas nas últimas décadas, demonstrando que dados quantitativos e qualitativos podem ser associados para produzir interpretações robustas, é importante considerar que o uso da triangulação implica em alguns requisitos essen-ciais, tais como a disposição do pesquisador de ser bastante criativo ao ela-borar um projeto de pesquisa, e de que se considere com cuidado a questão da duração e do custo financeiro de uma determinado processo de investi-gação científica (JICK, 2006).

AGRADECIMENTOS

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) - E-26/150.436/2007; Lion Tamarins of Brazil Fund (LTBF); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC) – EDITAL CAPES/FAPITEC/SE N° 11/2012.

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SOBRE OS AUTORES

Adauto de Souza Ribeiro, Doutor em Ciências (Energia Nuclear na Agricultura) pela Universidade de São Paulo - USP. Professor Associado da Universidade Fede-ral de Sergipe, Departamento de Biologia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe. Email: [email protected]

Alane Regina Rodrigues dos Santos, Licenciada em Geografia pela Universidade Tiradentes(UNIT/SE), Mestre e Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) – Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]

Alceu Pedrotti, Professor Associado. Dr. em Solos e Nutrição de Plantas, Departa-mento de Engenharia Agronômica – DEA/Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento e Meio Ambiente-PRODEMA, da Universidade Federal de Sergipe - UFS, São Cristovão – Se. E-mail: [email protected].

Ana Lucia Oliveira Filipin, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Con-ceito 5), Especialista em Gestão Ambiental, Bacharela em Direito e Assistente em Administração do Instituto Federal de Sergipe. Tem experiência na área de Ges-tão de Pessoas, Assistencia Estudantil e Direito Eleitoral (Funções Administrativas e de Execução da Justiça Eleitoral). Membro do Grupo de Pesquisa em Educação, Tecnologia e Gestão do Conhecimento, vinculado ao Instituto Federal de Edu-cação, Ciência e Tecnologia de Sergipe. Pesquisadora Bolsista do Programa de Pesquisa Técnicos Administrativos em Educação do Instituto Federal de Sergipe.

Ana Paula Silva de Santana, geógrafa, MSC em Desenvolvimento e Meio Am-biente, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e De-senvolvimento e Meio Ambiente-PRODEMA, da Universidade Federal de Sergipe - UFS, São Cristovão – Se. E-mail: [email protected]

Antenor de Oliveira Aguiar Netto, Pós-doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina, Doutor em Agronomia pela Universi-dade Estadual Paulista. Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvol-vimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]

Ariovaldo Antonio Tadeu Lucas, Doutor em Ecologia Aplicada. Universidade de São Paulo - USP, Professor Adjunto da Universidade Federal de Sergipe no Pro-grama de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universida-de Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]

Bruno Gomes Cunha, Graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Vi-çosa - UFV, Mestre em Agronomia (Solos e Nutrição de Plantas) pela Universidade

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Federal de Viçosa - UFV e Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente. pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Carlos Ramón Ruiz-Miranda, Laboratório de Ciências Ambientais, Centro de Biociências e Biotecnologia - Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro

Carolina Seixas da Rocha, Engenheira Ambiental, Universidade Tiradentes; Es-tudante de graduação, Bolsista Pibic, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Sergipe

Cláudia Fernanda Teixeira de Mélo, Pedagoga pela Universidade de Pernambu-co - UPE, Mestre e doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Univer-sidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Daniela Teodoro Sampaio, Pós-doutoranda e professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) – Univer-sidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Daniela Venceslau Bitencourt, Graduada em Administração pela Faculdade de Negócios de Sergipe - FANESE, Mestre e Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail:[email protected]

Débora Catherine Santos Oliveira, Graduada em Direito pela Universidade Fede-ral de Sergipe - UFS e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universi-dade Federal de Sergipe - UFS. E-mail:[email protected]

Edilma Nunes de Jesus, Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Sergipe - UFS, Mestre em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Sergi-pe - UFS e Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Eronides Soares Bravo Filho, Graduada em Ciências Biológicas pela Faculdade de Formação de Professores de Penedo, Mestre e Doutoranda em Desenvolvi-mento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Flávia Moreira Guimarães Pessoa, Doutora em Direito pela Universidade Fede-ral da Bahia - UFBA. Professora Adjunta da Universidade Federal de Sergipe, De-partamento de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]

Flavia Regina Sobral Feitosa, Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT e em Odontologia pela Universidade Federal de Sergipe - UFS e Mestran-

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da em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Genésio José dos Santos, Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Professor Adjunto da Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Am-biente da Universidade Federal de Sergipe -UFS.

Giane Florentino Rodrigues de Brito, Graduada em Licenciatura em Ciências pela Universidade de Pernambuco- UP, Mestre e doutoranda em Desenvolvi-mento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Gicélia Mendes, Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Professora Adjunta da Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambien-te da Universidade Federal de Sergipe- UFS. E-mail: [email protected]

Gregório Guirado Faciolli, Professor. Doutor. do Departamento de Engenharia Agronômica – DEA/Programa de Pós--Graduação em Meio Ambiente e Desen-volvimento (Prodema) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão – SE. E-mail: [email protected]

Inaja Francisco de Sousa, Possui graduação em Meteorologia pela Universidade Federal da Paraíba (1987), mestrado em Meteorologia Aplicada pela Universida-de Federal da Paraíba (1991), doutorado em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (2005) e pós-doutorado pelo Instituto de Agricultu-ra Sostenible (IAS-CSIC) em Córdoba, Espanha (2014). É professor Associado da Universidade Federal de Sergipe. Atua como professor permanente nos Progra-mas de Mestrado: PRODEMA- Programa de Desenvolvimento e Meio Ambiente e PRORH- Programa de Recursos Hídricos, da Universidade Federal de Sergipe.

Isabel Cristina Barreto Andrade, Graduada em Administração pela Faculdade de Negócios de Sergipe - FANESE, Mestre e Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. e-mail: [email protected]

Ivana Silva Sobral, Pós-doutoranda pela Universidade Federal de Sergipe - UFS, Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Professora Vi-sitante da Universidade Federal de Sergipe - UFS do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe-UFS. E-mail: [email protected]

Jadson de Jesus Santos, Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe – UFS, Mestre e Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

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Jaqueline Chaves da Silva, Graduada em Engenharia de Pesca pela Universi-dade do Estado da Bahia - UNEB e em Administração pela Faculdade Sete de Setembro - FASETE, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Uni-versidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Joelma Santos Araújo, Estudante de graduação, Bolsista PibicVol, Departamen-to de Psicologia, Universidade Federal de Sergipe:

Josevania de Oliveira, Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Fede-ral de Sergipe - UFS, Mestre em Geociências e Análise de Bacias pela Universida-de Federal de Sergipe - UFS e Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambien-te pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Katiane dos Santos Costa, Estudante de graduação, Bolsista Fapitec, Departa-mento de Psicologia, Universidade Federal de Sergipe

Laura Jane Gomes, Doutora em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de Campinas. Professora Associada da Universidade Federal de Sergipe, Depar-tamento de Ciências Florestais e do Programa de Pós-Graduação em Desenvol-vimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe- UFS. E-mail: [email protected]

Ligia de Oliveira Braga, Possui Graduação em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças FENSG / UPE (2000). Especialista em Obstetrícia pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE (2003). Especialista em Centro Cirúrgico, Recuperação Pós Anestésica, Centro de Material e Esterili-zação (Clínica Cirúrgica) pelo Instituto de Ensino Superior Santa Cecília convênio Espaço Enfermagem (2010). Especialista em Administração de Serviços de Saúde e Hospitalar pela Faculdade Guararapes (2011). MBA em Gestão Hospitalar e Ser-viços de Saúde pela Faculdade das Ciências de Administração de Pernambuco FCAP/UPE (2015). Doutoranda e Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFS.

Lucas Ribeiro Rocha, Estudante de graduação, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Sergipe.

Marcos Antônio Pedlowski, Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico, Cen-tro de Ciências Humanas – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.

Marcos Cabral de Vasconscellos Barretto, Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal da Bahia (1981), mestrado em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1990) e doutorado em So-los e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1995). Possui ainda Graduação em DIREITO pela Universidade Federal de Sergipe (2010). Atualmente é professor Associado Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência na área

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de Agronomia, com ênfase em Fertilidade do Solo e Adubação, atuando princi-palmente nos seguintes temas: Fertilizantes minerais, matéria orgânica, poluição de solos, manejo de resíduos e Direito Ambiental.

Maria Benedita Lima Pardo, Pós-doutora em Educação Escolar pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Estadual Paulista - UNESP, Doutora em Ciências (Psicologia Experimental) pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professora Associada da Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Psico-logia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe.- UFS. E-mail: pardombl@hotmail

Maria Betânia Moreira Amador, Pós-doutora pela Universidade Federal de Per-nambuco-UFPE, Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Pernam-buco-UFPE.

Maria do Socorro Ferreira da Silva, Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvi-mento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe. e-mail: [email protected].

Maria José Nascimento Soares, Doutora em Educação pela UFRN. Atualmente é professora Associada da Universidade Federal de Sergipe, com experiência na área de Educação, com ênfase nos seguintes temas: prática pedagógica, edu-cação, formação do educador, formação e educação em assentamento. email- [email protected]

Patrícia da Silva Cerqueira, Economista (UCSal), Especialista em Planejamen-to e Gestão Governamental (UNIFACS), Mestre em Análise Regional (UNIFACS), Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFS, Docente do IFBA e Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Meio Ambiente e Energia IFBA – Cam-pus Paulo Afonso. E-mail: [email protected]

Phellipe Cunha da Silva, Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Alagoas – UFal, Mestre e Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Roberto Rodrigues de Souza, Pós- Doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Doutor em Engenharia Química pela Universidade de Campinas. Professor Associado da Universidade Federal de Sergipe, Departamento de En-genharia Química do Centro de Ciências Exatas e Tecnologia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe - UFS. e-mail - [email protected].

Rodrigus Oliveira Feitosa, Analista de Tecnologia da Informação e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected].

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Ronise Nascimento de Almeida, Graduada em Economia pela Faculdade Católica de Ciências Econômicas da Bahia, Mestre e Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Docente do Instituto Fede-ral de Sergipe- IFS. E-mail: [email protected].

Rosemeri Melo e Souza, Pós-Doutora the University of Queensland (Austrália), Dou-tora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília – UNB. Profes-sora Associada da Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Engenharia Ambiental e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Sérgio Silva de Araújo, Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe, Mestrado e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Desen-volvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Simone Marcela dos Santos Souza, Graduada em Ciências Biológicas pela Uni-versidade Federal de Sergipe - UFS, Mestranda em Desenvolvimento e Meio Am-biente da Universidade Federal de Sergipe - UFS. E-mail: [email protected]

Thaiza Monteiro Paz de Araujo, Engenheira Florestal pela Universidade Fede-ral de Sergipe (2008); Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Uni-versidade Federal de Sergipe (2015). Especialista em Perícia, Auditoria e Gestão Ambiental, pelas Faculdades Oswaldo Cruz/SP (2012). Possui experiência na área de Recuperação de Ambientes Degradados, Sistemas Agroflorestais, Agricultu-ra Familiar, Permacultura, Educação Ambiental, Potencial de Captação de Água de Chuva, Elaboração de Laudos Técnicos e Inventários Florestais para diversas finalidades.

Vera Lúcia Israel, Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná e em Fisioterapia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mes-tra em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Estágio Pós Doutoral no PRODEMA na Universidade Federal de Sergipe (2012/2013). Professora Asso-ciada do Curso de Graduação em Fisioterapia da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Wagner de Souza Coutinho Integrante do Programa Operação Pipa do Exército Brasileiro; Graduando em Geografia. E-mail: [email protected]

Zenith Nara Costa Delabrida, Doutora em Psicologia, Professora Adjunta IV, Departa-mento de Psicologia, Universidade Federal de Sergipe, Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos, Centro de Ciências Humanas. e-mail: [email protected].