AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142

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7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142 http://slidepdf.com/reader/full/ad-mussalim-fernanda-analise-do-discurso-pp101-142 1/22  i i 4 mklS O DISCURSO ernanda ussalim 1  A GÉNESE DA  DISCIPLIN 1.1. Estruturalismo marxismo  psicanálise: um terreno fecundo Falar  em  Análise  do Discurso pode significar, num primeiro momento, algo vago e amplo, praticamente pode  significar qualquer coisa, já que toda produção  de linguagem pode ser  considerada discurso .  No entanto, a  Análise do Discurso de que vamos falar  neste  capítulo  Jrata-se  de uma disci plina que teve sua origem na  França  na  década  de 1960. Para  entender a  génese  dessa disciplina é preciso compreender as condi ções  que  propiciaram  a sua  emergência.  Maldidier  (1994) descreve a  fundação da Análise  do Discurso  através das figuras de  Jean  Dubois e  Michel  Pêcheux. Dubois,  um linguista,  lexicólogo  envolvido com os empreendimentos da  Lin- guística  de sua  época; Pêcheux um filósofo  envolvido com os debates em torno do  marxismo,  da  psicanálise da epistemologia. O que há de co mum no trabalho desses dois pesquisadores com  preocupações  dist intas é que ambos são toma-  Agradecemos a Sírio  Possenti a  Anna Christina Bentes a Edwiges Morato e a Claudia Bertelli  Reis pelas  contribuições  a  este texto.

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i

i

4

mklS O DISCURSO

ernanda  ussalim

1   A GÉNESE DA

 DISCIPLIN

1 .1 . Es t ru tura l i smo marx ismo  ps icanál i se : um ter reno fecundo

Fa la r

  em

  Aná l i se

  do Discurso

 pode

 significar, num primeiro momento,

algo vago

  e amplo, praticamente

 pode

  significar qualquer coisa, já que toda

produç ão

 de linguagem

 pode

 ser

 considerada discurso .

 No entanto, a

  Aná l i se

do Discurso de que vamos falar  neste

  c a pí tu lo Jrata-se

 de uma disciplina que

teve sua origem na

 França

 na

 d é c a d a

 de 1960.

Para

 entender a

 g é n e s e

 dessa disciplina é preciso compreender as condi

ç õe s

 que

 propiciaram

 a sua

 e m e r g ê n c i a . Maldidier

 (1994) descreve a

  funda ç ão

da Aná l i se

 do Discurso

 através

 das figuras de

 Jean

 Dubois e

 Michel

  P ê c he ux .

Dubois,

 um linguista,

  l e x i c ó l o g o

 envolvido com os empreendimentos da

  L i n -

guíst ica

 de sua

 é poc a ; P ê c he ux

um

  f i ló so fo

 envolvido com os debates em torno

do marxismo, da

 ps i c a ná l i se

da epistemologia. O que há de comum no trabalho

desses dois pesquisadores com

  p r e o c u p a ç õ e s

 distintas é que ambos são toma-

 

Agradecemos a Sír io Possenti a

 Anna Christina

 Bentes a Edwiges

 Morato

 e a Claudia Ber t e l l i Reis

pelas  con t r i bu i ções  a

 este

 texto.

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1 2

INTRODUÇÃO À UNGUÍSTICA

dos pelo

  e s p a ç o

 do marxismo e da

 po l í t i ca ,

 partilhando

  c o n v i c ç õ e s

  sobre a luta

de classes, a

  história

 e o movimento social.

É

 pois, sob o horizonte comum do marxismo e de um momento de

 cresci

mento da

  L i nguí s t i ca

 — que se encontra em franco desenvolvimento e ocupa o

lugar de

 c i ê n c i a

 piloto — que nasce o projeto da

 A n á l i s e

 do Discurso (doravante

A D .

 O projeto da AD se inscreve num objetivo

 p o l í t i c o ,

 e a

 L i nguí s t ica

  oferece

meios

 para

 abordar a

 po l í t i ca .

 Vamos compreender de que maneira.

N a

  conjuntura estruturalista, a autonomia relativa da linguagem é unani

memente reconhecida. Isso porque, devido ao recorte que as teorias estrutura

listas da linguagem fazem de seu objeto de estudo — a

 l í n g u a — ,

 torna-se pos

s í ve l es tudá- l a

 a partir de regularidades e, portanto,

  apreendê- l a

 na sua totalida

de (pelo menos é nisso que crê o

  estruturalismo),

 já que as

 i n f l uênci as

 externas,

geradoras de

  irregularidades,

 não afetam o sistema por não serem consideradas

como parte da

 estrutura.

 A

  l í n g u a

  não é apreendida na sua

 re l ação

 com o mun

do, mas na estrutura interna de um sistema fechado sobre si mesmo.

  D a í

  estru

turalismo : é no interior do sistema que se define, que se estrutura o objeto, e é

este objeto assim definido que interessa a esta

 c o n c e p ç ã o

 de

 c i ênci a

 em vigor na

é p o c a .

  - - - - -

U m

  exemplo. O estruturalismo de vertente saussureana

1

 define as estru

turas da

 l í n g u a

  em

  f u n ç ã o

  da

 r e l a ç ã o

 que elas estabelecem entre si no interior

de um mesmo sistema

  l i n g u í s t i c o . E s s a r e l a ç ã o

 é sempre

  binária

 — ou

 seja,

  os

elementos são sempre tomados dois a dois — e se organiza a partir do

  cr i t ér i o

diferencial, que determina que todos os elementos do sistema se definem ne

gativamente. Tomando como pares os fonemas [p] e [b], para citar um exem

plo no

  n í v e l f o n o l ó g i c o ,

 pode-se

 dizer que, quanto ao

  t raço

 de sonoridade, [p]

se define com

 re l ação

 a [b] por ser [vozeado], ou

 seja,

 [b] é um fonema vozeado

enquanto [p] é desvozeado. Por sua vez, tomando como pares os fonemas [p]

e [t], quanto ao lugar de

  art i cu l ação ,

  pode-se  dizer que [p] se define como [-

dental]2 em

  re l ação

 a [t]. Nessa mesma vertente, o significado

  t a m b é m

 é defi

nido a partir de uma

 r e l a ç ã o

 de

  d i f e r e n ç a s

 no interior do sistema3: o significa

do de uma palavra é aquele que o significado da palavra tomada como par não

é.

 Assim,  homem se define com

  r e l a ç ã o

  à mulher por ser [-feminino]; por sua

1.  Remetemos o

  leitor

 à obra de  Saussure  (1916/1974), Curso  de  Linguística  geral considerada a

obra fundadora da  Linguís t ica por possibilitar uma abordagem da  l í ngua  a partir de suas regularidades e

assim

  defini-la

  como um objeto

  pas s í ve l

  de

  análise científ ica

  para os

  p a d r õ e s

  de

  cientificidade

 da

  época .

2. A respeito das  class if icações dos fonemas, remetemos o

 leitor

 aos cap í t u l os F oné t i ca e  Fonologia ,

no volume 1  desta obra.

3. Remetemos o

 leitor

 ao  cap í t u l o S emân t i ca ,  neste mesmo volume.

ANÁLISE  DO DISCURSO  * ^ • 103

vez, com

 r e l a ç ã o

 a cachorro, homem se define por ser

 [ - q u a d r ú p e d e ] ,

 e assim

po r

  diante.

A L i nguí s t i ca ,

  assim, acaba por se impor, com

  r e l a ç ã o

 às

 c i ê n c i a s

 huma

nas,

  como uma

 área

 que confere cientificidade aos estudos, já que esses deve

riam  passar por suas leis (é nesse sentido que ela se torna uma

 c i ê n c i a

 piloto),

em vez de agarrarem-se diretamente a

  i n s t â n c ia s s o c i o e c o n ó m i c a s 4 .

  E nesse

horizonte que se inscreve, por exemplo, o projeto do

  filósofo

  Althusser, como

afirma  Maingueneau (1990): a

 l i nguí s t i ca

 caucionava tacitamente a linha  de

horizonte do estruturalismo na

 qual

 se inscreve o procedimento althusseriano 5.

E m

 Ideologia

  e

 aparelhos

  ideológicos

  do estado

  (1970),

 Althusser,

 fazen

do uma releitura de

 Marx,

  distingue uma teoria das ideologias particulares ,

que exprimem

 p o s i ç õ e s

 de classes, de uma teoria da ideologia em geral , que

permitiria

 evidenciar o mecanismo

 r e s p o n s á v e l

  pela

 r e p r o d u ç ã o

 das

  r e l a ç õ e s

 de

p r o d u ç ã o ,

 comum a todas as ideologias  particulares. É nesse

  ú l t i m o

 aspecto que

reside o interesse do autor.

A o

  -propor-se a investigar o que determina as

  c o n d i ç õ e s

  de

  r e p r o d u ç ã o

social , Althusser parte

 do pressuposto de que as ideologias

  t ê m e x i s t ê n c i a

 mate

r ia l , ou seja, devem,

 se r

 estudadas não como ideias, mas como um conjunto de

práticas

 materiais qiiereprod

  produ ção . T ra tà - se

 dó materia

lismo

  h i s tór i co ,

 que dá

  ê n f a s e

  à materialidade da

  e x i s t ê n c i a ,

  rompendo com a

p r e t e n s ã o

  idealista de

  c i ê n c i a

  de dominar o objeto de estudo controlando-o a

partir de um procedimento  administrativo

  ap l i cável

  a um determinado universo,

como se a sua

  ex i s t ênci a

  se desse no

  n í ve l

  das ideias.

  Para

  o materialismo, o

objeto  real  (tanto no

  d o m í n i o

  das

  c i ênci a s

  da natureza como no da

  h i s tór i a

existe independentemente do fato de que ele seja conhecido ou

 n ã o ,

 isto é, inde

pendentemente da

 p r o d u ç ã o

  ou não

 p r o d u ç ã o

  do objeto do conhecimento que

lhe corresponde 6. .

U m

 exemplo: no modelo

  e c o n ó m i c o

 do capitalismo (considerando aqui a

c o n c e p ç ã o c l á s s ic a

 de capitalismo, tal como ele foi compreendido pelas teorias

marxistas), as

  re l ações

 de

  p r o d u ç ã o

  implicam

 d i v i s ã o

 de trabalho entre aqueles

que são donos do capital e aqueles que vendem a

  m ã o - d e - o b r a .  Esse

  modo de

4 . L õwy  (1988) faz um interessante estudo da  his tór ia das  c i ê n c i a s sociais. Remetemos o

 leitor

 à sua

obra para compreender como as vertentes  f i losóf icas  —

 positivismo, historicismo,

 marxismo — nortearam

os cr i t é r i os de cientificidade de cada  época , c r i t é r i os que, por sua vez, nortearam os  p r opós i t os , os estudos

e os  m é t o d o s  nas c i ênc i as humanas. *

5. M A I N G U E N E A U , D. A n á l i s e do Discurso: a q u e s t ã o  dos fundamentos. In:  adernos

 de  Estudos

Linguísticos-  Campinas, U N I C A M P  -  1EL,  n.  19, jul./dez.,  1990.

6.  P ê c h e u x ,  M.

 Semântico  e  discurso:

  uma  cr í t i ca  à  a f i r m a ç ã o  do  ó b v i o .  Campinas, Editora da

U N I C A M P .  1988. p. 74,  ( t í tulo or iginal:  Les vérites  de la Palice 1975)

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p r o d u ç ã o

 é a base

  e c o n ó m i c a

 da sociedade capitalista. Na

  metáfora

 marxista do

e d i f í c i o

 social, a base

  e c o n ó m i c a

 é chamada de infra-estrutura, e as

  i nstânci as

po l í t i co - jurí d i cas

 e

  i d e o l ó g i c a s

 são denominadas superestrutura. Valendo-se des

sa m etá fora ,

 Althusser levanta a necessidade de se considerar que a infra-estru

tura determina a superestrutura (materialismo  hi s tór i co ) ,  ou seja, que a base

e c o n ó m i c a

 é que determina o funcionamento das

  i nstânci as po l í t i co - jurí d i cas

  e

i d e o l ó g i c a s

  de uma sociedade. A ideologia — parte da superestrutura do

  edi f í

cio —, portanto, só pode ser concebida como uma

  reprodução

 do modo de pro

d u ç ã o ,

 uma vez que é por ele determinada. Ao mesmo tempo, por uma

  ação

 de

retorno da superestrutura sobre a infra-estrutura, a ideologia acaba por perpe

tuar a base

  e c o n ó m i c a

 que a sustenta. Nesse sentido é que se pode reconhecer a

base estruturalista da teoria de Althusser, na medida em que a infra-estrutura

determina a superestrutura e é ao mesmo  tempo perpetuada por ela,

 como

 um

sistema cuja

 circularidade

 faz com que seu funcionamento

 recaia

 sobre si mesmo.

Como

 modo de

  a p r e e n s ã o

 do funcionamento da ideologia, o conceito de

aparelhos  ideológi os  de Althusser é bastante esclarecedor. Retomando a teo

ri a

  marxista de Estado, o autor afirma que o que tradicionalmente se chama de

Estado é um aparelho repressivo do Estado

 ( A R E ) ,

  que funciona pela  v i o l ê n

c i a

e  cuja

  a ç ã o

 é complementada por

  i nst i tu i ções

 — a escola, a

  rel i g i ão ,

  por

exemplo

  , que funcionam pela ideologia e

 s ã o

 denominadas aparelhos

  ideoló-

gicos  de

  Estado

  ( A I E ) .  Pela maneira como se estruturam e agem  esses apare

lhos

  i d e o l ó g i c o s

  — por

 meio

  de suas

  prát i cas

  e de

  seus

  discursos — é que se

pode depreender como funciona a ideologia (trata-se sempre, para Althusser, do

funcionamento da ideologia dominante, pois, mesmo que as ideologias apresen

tadas pelos  A I E sejam  contradi tór i a s , tal c o n t r a d i ç ã o se inscreve no d o m í n i o da

ideologia dominante).

A

  L i nguí s t i ca , então ,

 aparece como um horizonte para o projeto althusseria-

no da seguinte

 maneira:

 como a ideologia deve ser estudada em

 su a

 materialidade,

a

 linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a ideologia se mate

r i a l i za .

 A linguagem se coloca para Althusser como uma via por meio da qual se

pode depreender o funcionamento da ideologia.

Poderemos agora melhor compreender a

 af i rm ação

 de Maingueneau (1990)

anteriormente citada — a

  l i nguí s t i ca

  caucionava tacitamente a linha de hori

zonte do estruturalismo na qual se inscreve o procedimento althusseriano - e

entender

  t a m b é m

 por que é que, como

 já

 foi dito, presidem o nascimento da AD

o marxismo e a

  L i nguí s t i ca .

 O projeto althusseriano, inserido em uma

  tradição

marxista que buscava apreender o funcionamento da ideologia a partir de sua

materialidade, ou seja, por

 meio

 das  práticas e dos discursos dos  A I E , via com

A N U SE

  O

 DISCURSO

bons olhos uma

 L i n g u í s t i c a

 fundamentada sobre bases estruturalistas. Mas uma

L i n g u í s t i c a

  saussureana, uma

  L i nguí s t i ca

  da

  l í n g u a ,

  não seria suficiente; só

um a teoria do discurso, concebido

 como

 o lugar t e ó r i c o para o qual convergem

componentes

  l i nguí s t i cos

  e

  s o c i o i d e o l ó g i c o s ,

 poderia acolher esse projeto. -

É

  neste contexto  que nasce o projeto da AD. Michel

  P ê c h e u x ,

  apoiado

numa  formação f i losófica^

  desenvolve um questionamento

  crí t i co

 sobre a  L i n

guí s t i ca e, diferentemente de Dubois, não pensa a i nst i tu i ção da AD como um

progresso natural permitido pela

 L i nguí s t i ca ,

 ou seja,

 n ã o

 concebe que o estudo

do discurso seja uma passagem natural da Lexicologia (estudo das palavras)

para

 a

 A n á l i s e

 do Discurso. A

  inst i tuição

 da AD ,

 para

  P ê c h e u x ,

 exige

 uma

 rup

tura

 e p i s t e m o l ó g ic a ,

 que coloca o estudo do discurso num outro terreno em que

i n t ervêm questões t eór i cas

 relativas à ideologia e ao sujeito. Ass im é que, como

afirma Maldidier (1994), o

  objeto

 discurso de que se ocupa  P ê c h e u x  em seu

empreendimento

  n ão

 é uma simples

  ' superação

 da

 L i nguí s t i ca

 saussuriana' 7.

A

  L i nguí s t i ca  saussureana, fundada sobre a dicotomia  l í n g u a / f a l a8  — a

primeira concebida como abstrata e

  s i s t ém i ca ,

 por isso objetivamente apreendi

da ;

 a segunda,

  nã o

 objetivamente apreendida por variar de acordo com os diver

sos falantes, que selecionam parte do sistema da

  l í ngua

  para  seu uso concreto

eni

  dci errn i t i ádás s i tuações

  (lé comunicação - rpcrmitiu à

  c o n s t i t u iç ã o

  da'

Fonologia, da Morfologia e da Sintaxe, mas não foi,  segundo

  P ê c h e u x

  (1988),

suficiente  para permitir a

  const i tu i ção

 da

  S e m â n t i c a ,

 lugar de

  c o n t r a d i ç õ e s

  da

Linguíst ica . Para

 ele, o sentido,

  objeto

 da

 S e m â n t i c a ,

  escapa às abordagens de

uma Linguíst ica

 da

 l í n g u a

9

.

 A teoria do valor de Saussure (1916/1974),  segundo

a

 qual os signos se definem negativamente, subordina, como  aponta

  B r a n d ã o

(1998a), a

  s i g n i f i c a ç ã o

  ao valor, de  onde  decorre que a

  s i g n i f i c a ç ã o ,

  para

Saussure,

 é concebida como

  s i s t ém i ca . Para Pêcheux ,

  ao

  contrário,

 a significa

ç ã o

 não é sistematicamente apreendida por ser da ordem da fala e, portanto, do

sujeito, e não da ordem da

 l í ngua ,

 pelo fato de sofrer

 a l t erações

  de acordo com

as

 p o s i ç õ e s

 ocupadas pelos sujeitos que enunciam. O autor retoma esta dicotomia

saussureana

 para inscrever os processos de

  s i gn i f i cação

 num outro terreno, mas

n ã o concebe nem o sujeito, nem os

 sentidos

 como individuais, mas como h i s t ó

ricos,  i deo l óg i cos .

 Assim é que o autor

 p r o p õ e

  uma

  sem ânt i ca

  do discurso —

7.  Maldidier,  D. Elementos para uma  his tór ia  da  A n á l i s e  do Discur so na  F r a n ç a .  In: Orlandi,  E. P.

(org.)

 Gestos de  leitura da  h i s t ó r i a  no discurso. Campinas. Editora da  U N I C A M P 1994, p. 19.

8. Remetemos o

  leitor

  ao  cap í t u l o  Fonologia no volume 1 desta  obra, que  t a m b é m  aborda  esta

dicotomia.  j

9. Possenti (1995) aponta que para Gvanger (1973) as  l í n g u a s não são sistemas formais, mas  sistemas

s i mból i cos que  con t êm um sistema

  formal,

 pois só se comportam como uma estrutura no  n í ve l f ono l óg i co :

nos outros

  domí n i os

inclusive nos

  domí n i os

  da Morfologia e da Sintaxe, a

  l í ngua

  falha como estrutura.

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1 6

INTRODUÇÃO Ã  LINGUÍSTICA

concebido como lugar para  onde  convergem componentes  l i n g u í s t i c o s  e

s o c i o i d e o l ó g i c o s

 — em vez de uma

  semântica l inguíst ica,

 pois as

  c ondi ç õe s

 só-

c i o -h i s tór i c as

 de

 pr oduç ão

 de um discurso

 sã o

 constitutivas de suas

  s i gni f i c aç õe s .

Pode-se, assim, perceber o paralelismo dos projetos althusseriano e da

A D .  A  A n á l i s e  do Discurso, demonstrando uma vontade de  for mal i z aç ão  do

discurso a partir da proposta de

  P ê c h e u x

  (1969) de uma

  anál ise automática

  do

discurso (doravante

  A A D ) ,

 oferecia um procedimento de leitura que relacio

nava

 determinadas condições  de produção 10  — mecanismo de

 c o l o c a ç ã o

  dos

protagonistas e do objeto do discurso, mecanismo que chamamos de 'condi

ç õ e s

  de

  p r o d u ç ã o

  do discurso'

11

  — com os processos de

  pr oduç ão

  de um

discurso.

  P a r a P ê c h e u x ,  é como se houvesse uma  m á q u i n a  discursiva , um

dispositivo capaz de determinar, sempre numa r e l aç ão com a história, as possi

bilidades discursivas dos sujeitos inseridos em determinadas  formações soci-

ais

conceito

  or i g i nár i o

 da obra de Althusser (1970) que designa, em um deter

minado momento

  hi s tór i c o ,

 um estado de

  r e l aç õe s

 — de

  al iança,

  antagonismo

ou

  d o m i n a ç ã o

  — entre as classes sociais de uma comunidade. Assim é que a

A D i n t e r v ém

 como um componente essencial do projeto althusseriano que visa

va   definir uma  c i ê nc i a  da ideologia que não fosse i d e o l ó g i c a , isto é, que não

implicasse uma  p o s i ç ã o i d e o l ó g i c a de sujeito. O autor, buscando definir uma

teoria

 da ideologia em geral que permitisse evidenciar o mecanismo respon

s á v e l

  pela

  r e pr oduç ão

  das

  r e l aç õe s

  de

  pr oduç ão

  comum a todas as ideologias

particulares,

 vislumbrava a AAD como uma possibilidade

  e mpí r i c a

 de realiza

ç ã o

  de seu projeto. Dialeticamente, o pensamento althusseriano

  t a m b é m

  é

determinante da fase inicial de

 i nst i tu i ç ão

 da AD, cuja proposta se inscreve no

materialismo

  histórico.

Esperamos ter explicitado até aqui o palco do materialismo

 histórico

 e do

estruturalismo sobre o qual surge a AD. O materialismo

 hi s tór i c o

 e o estrutura

lismo estabelecem as bases

 n ão

 só para a

 gé ne se da

 AD e do projeto althusseriano

(o conceito de  máqui na discursiva e a metáfora do e di f í c i o social evidenciam

isso), mas  t a m b é m para a c o n v e r g ê n c i a entre esses projetos.

Ainda um outro elemento

 c o m p õ e

 o quadro

 e p i s t e m o l ó g i c o

 do surgimento

da

 AD: a

  ps i c aná l i se

  lacaniana. Abordaremos o pensamento lacaniano procu-

10. Sobre a origem do termo c o n d i ç õ e s  de  p r odução ,  ver  B r andão  (1998a).

11.

  P ê c h e u x , M . Anál i s e au t omát i ca do discurso ( A A D - 6 9 ) . I n : Gadet, F & Hak, T. (orgs.) Por uma

análise automática  do  discurso:  uma  i n t r o d u ç ã o  à obra de  M i c h e l P ê c h e u x .  Campinas Editora da

U N 1 C A M P .  1990. p. 78.  ( t í tulo or iginal ,  1969)

ANÁLISE

 DO

 DISCURSO

  1 7

rando evidenciar como ele é fundamental neste momento  inicial de f u n d a ç ã o da

A n á l i s e

 do Discurso.

A  partir da descoberta do inconsciente por  F r e ud,  o conceito de sujeito

sofre uma alteração substancial, pois seu estatuto de entidade  h o m o g é n e a passa

a  ser questionado diante da  c o n c e p ç ã o  freudiana de sujeito clivado, dividido

entre o consciente e o inconsciente.

  Lac an

 faz uma

 releitura

 de

 Freud recorren

do ao estruturalismo

 l i nguí s t i c o ,

 mais especificamente a Saussure e a Jakobson,

numa tentativa de abordar com mais

 pr e c i são

  o inconsciente, muitas vezes to

mado como uma entidade misteriosa, abissal.

Para

 poder

 trazer

 à tona seu

 material,

 L a c a n

 assume que o inconsciente se

estrutura como uma linguagem, como uma cadeia de significantes12  latente que

se repete e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as pala

vras, outras palavras, como se o discurso fosse sempre atravessado pelo discur

so do Outro, do inconsciente. A tarefa do analista

13

 seria a de fazer vir à tona,

atr avé s de um trabalho na palavra e pela palavra,  essa cadeia de significantes,

-  essas outras palavras , esse  discurso do Outro . O inconsciente é o lugar des

conhecido, estranho, de

 onde

 emana o discurso do pai, da famí l i a , da lei, enfim,

do Outro e

  e m-r e l aç ão

 ao qual o -sujeito se define, ganha identidade.

 Assim,

  o

sujeito é visto como uma

  r e pr e se ntação

 — como ele se representa a partir do

discurso do pai, da

  famíl ia

 etc. —, sendo, portanto, da ordem da linguagem.

Apoiado em alguns

  critér ios

  do estruturalismo

  li nguí s t i c o , L ac an

  aborda

 esse

inconsciente, demonstrando que existe uma estrutura discursiva que é regida

por

 leis. Decorrem dessa proposta

  i mpl i c aç õe s

  para a

  ps i c aná l i se .

 A que mais

diretamente interessa à AD diz respeito ao conceito de sujeito, definido em

funç ão

  do  modo como ele se estrutura a partir da

  r e l aç ão

  que

  m a n t é m

  com o

inconsciente, com a linguagem, portanto, já que, para

  L a c a n ,

  a linguagem é

c o n d i ç ã o

  do inconsciente

14

.

Saussure, como já apontado anteriormente, define o sistema

  l i nguí s t i c o

 a

partir do  critério  diferencial segundo o qual na

 l í ngua

 não há mais que diferen-

12.  Para Saussure (1916/1974), o signo  l inguís t ico é composto de signi ficante e significado compre

endidos, respectivamente, como imagem

  acús t i ca

 (som com

  f unção l i ngu í s t i ca )

 e conceito. Remetemos o

leitor

 ao  cap í t u l o  Fonologia no volume 1, que  t ambém aborda o conceito de signo.

13 . Maingueneau (1990) aponta uma  ques t ão  interessante com  r e l ação ao uso do termo análise:  é a

mat er i a l i zação   de uma certa  conf i gur ação  do  saber em que o termo

  análise

  funciona  9 mesmo tempo

sobre os registros  l i ngu í s t i co , textual e  ps i cana l í t i co .  Pode-se

 estender

 esta c o l o c a ç ã o aj> termo

  analista

na medida em que, ainda como afirma o autor, a escola francesa de A n á l i s e do Discurse se afirma como

uma  aná l i s e  (= ps i caná l i s e ) aplicada aos textos (Maingueneau, 1990: 69). *

14.  Lacan é citado em B r a n d ã o , H . N .

  Introdução  à Análise  do  Discurso.

  7. ed. Campinas, Editora da

U N I C A M P ,  1998a, p. 56.

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5 0 8 IN T R OD UÇÃO

 À

  LINGUÍSTICA

ç a s .

 Sendo assim, não se pode

 atribuir

 aos elementos do sistema nada de subs

tancial,

 ou seja, não se

 pode

 defini-los por

 eles

 mesmos, tomando suas caracte

rísticas

  independentemente das

  caracter íst icas

  de outros elementos do sistema,

sem referi-las,

 c o m p a r á - l a s .

 Passa-se, assim, como uma

  c onse quê n c i a i ne v i tá

ve l

  do

  cr i tér io

 diferencial, ao

  critério relacional,

  que delimita a

 função

 do Ou

tro no interior do sistema. Dessa

  r e m i s s ã o

 entre os  elementos do sistema tam

b é m

 decorre o

  critério  do lugar vazio

segundo o qual cada elemento adquire

su a

 identidade fora de si, já que, na

 ópt i c a

  estruturalista, são as

 d i f e r e nça s

  que

definem os elementos.

  Es sa s d i f e r e nça s

por sua vez, não são

  intr ínsecas

  aos

elementos e nem

 e x t r í n s e c a s

  a eles, mas só podem ser consideradas a

 partir

  de

u m a p o s i ç ã o

 no interior do sistema. A

 d e f i n i ç ã o

 de cada

 elemento

 é uma defini

ç ã o

  de

  p o s i ç ã o

ou seja, a sua identidade resulta sempre da

  r e l a ção

  que um

elemento, que ocupa uma determinada

  pos i ção i n i c ia l

  no interior do sistema,

m a n t é m

  com outro elemento, que ocupa uma

 p o s i ç ã o

  terminal: o fonema [p],

ponto

  inic ia l

com

  r e l a ç ã o

  ao fonema [b],

 ponto

 terminal; o fonema [p],

 ponto

inic ia l

com

  r e l a ção

  ao fonema [t], ponto terminal, por exemplo. A identidade

resulta sempre dos lugaresUe onde são tomados os elementos na

 re lação b iná

ria.

 Trata-se

 do

  critério

  posicionai.

De sse s - c r i t é r i o s

  decorrem

  i mpl i c a çõe s pa r a

  o conceito

 l a c a n i ã n ó d è

  sujei-

to (Santiago, Í995), ao qual não se pode

 atribuir

 nada de substancial, pois ele só

se define em

  r e l a ção

  ao Outro

  critérios diferencial

  e

  relacional).

  O sujeito

dessubstancializado não

  e s tá

  onde

  é procurado, ou seja, no consciente, lugar

onde reside a

  i l usão

  do sujeito centro como sendo aquele que sabe o que diz,

aquele que sabe o que é, mas

 pode

 ser encontrado onde não

 e s tá

no inconscien

te, lugar onde  reside o Outro — o discurso do pai, da mãe, etc. —, que lhe

imprime

 identidade

  critério

  do lugar

  vazio).  A s i m

a identidade do sujeito lhe

é

  garantida pelo lugar do

 Outro,

 ou seja, por um sistema parental

 s i m b ó l i c o

  que

determina

 a

 p o s i ç ã o

 do sujeito desde sua

 a pa r i ção .

 Como explica Santiago

 (1995),

o pai e a mãe deixam de ser meros semelhantes com os quais o sujeito se

relacionou  numa

 d i m e n s ã o

  de rivalidade ou amor,

  para

 se tornarem lugares na

estrutura ,15

 como se o sujeito

 fosse

 tomado por uma ordem

 anterior

 e exterior a

ele. Dessa forma, o pai, por exemplo,

  pode

 surgir sob diferentes formas busca

das no

  i ma g i nár i o

 — pai complacente, pai

  a m e a ç a d o r

 etc. —, mas

 pode

 tam

b é m

ocupando um lugar no discurso da mãe, tomar formas diferentes pai

ausente, pai presente etc.

  critério posicionai).

15. Santiago. J.

 Jacques

 Lacan: a estrutura dos estruturalistas e a sua. In : M a r i H., Domingues, 1.

Pinto,

 J. (orgs.)

 E struturalismo:

  m em ó r i a  e  r eper cus sões .  Rio de Taneiro, D i a d o rim /UFMG.  1995, p. 221

ANÁUSE

  O

 DISCURSO 109

E s s a

  r e l a ção

  entre o sujeito e o Outro se apoia na

  o p o s i ç ã o

  binaria

  de

Jakobson

  (1960/1970),

  segundo

 a qual um remetente, ocupando uma

  p o s i ç ã o

inic ia l

  no processo de

  c o m u n i c a ç ã o

coloca-se em

  r e l a ção

  comunicativa com

um destinatário

que ocupa uma

 p o s i ç ã o

 terminal no sistema de

  c o m u n i c a ç ã o .

Jakobson

 não é um estruturalista

 stricto

  sensu pois,

  a l é m

  de considerar os

interlocutores do processo comunicativo — fato completamente discordante do

estruturalismo

 de vertente saussureana, que exclui de seu campo de

  a ná l i s e

  a

fala

 por ser do

  âmbi to

 do sujeito — não trata do sistema

  l i n g u í s t i c o

 em si, das

regras

 de

  or ga ni z a ção

 da

  l í ngua

 propriamente ditas. Jakobson é apontado como

estruturalista pelo fato  de abordar o processo comunicativo como um sistema

composto

 de

 elementos

 — remetente,

  de s t i na tár i o c ódi g o

mensagem, contex

to, canal — que se relacionam no interior de um sistema fechado e recorrente,

como um circuito comunicativo.

P ô d e - s e

 perceber, até aqui, em que sentido

  L a c a n

 recorre ao estruturalis

mo, mais especificamente a Saussure e a Jakobson. No entanto, há pontos em

que divergem radicalmente os caminhos do estruturalismo e de

  L a c a n .

  O

  pr i

meiro deles diz respeito à

  i nse r ção

  do sujeito na estrutura, um deslocamento

com

  re lação

 ao estruturalismo saussureano que, num certo sentido e de maneira

.diferente,

  Jakobson.também real izara .

  O segundo ponto se refere à maneira como

é

 concebida a

 r e l a ção

 dó sujeito

  c õ h i

 o

 Outro,

 deslocamento que realiza a

  partir

d a c o n c e p ç ã o

 do processo comunicativo de Jakobson.

Esc l a r e ça mos

  o primeiro ponto, mostrando como a

 i n s e r ç ã o

 do sujeito no

sistema afeta a sua estrutura. O sujeito, por definir-se

  a t r a vé s

  da

  palavra

  do

Outro,

 nada mais é que um significante do

 Outro.

 Mas, por ser um sujeito clivado,

dividido entre o consciente e o inconsciente, inscreve-se na estrutura, caracte

risticamente definida por

  r e l a çõe s b i nár i a s

  entre seus elementos, como uma

descontinuidade, pois emerge no intervalo existente entre dois significantes,

emerge sob as

 palavras,

 sob o discurso.

 L a c a n a s s i n v h ã o

 assume o pressuposto

bás i c o

 do estruturalismo, de completude do sistema, já que o sujeito —

  pura

descontinuidade na cadeia significante — descompleta o conjunto dos

significantes.

No que diz respeito ao segundo ponto, o autor rompe com o estruturalismo

ao romper com a simetria entre os interlocutores. Jakobson atesta uina simetria

entre

 esses

  interlocutores na medida em que não considera a supremacia de

nenhum

 deles

 sobre o outro.

  La c a n

 rompe com essa simetria.

 Para

 éle, o Outro

ocupa uma

 pos i ção

  de

  d o m í n i o

  com

  r e l a ção

 ao sujeito, é uma ordern anterior e

exterior a ele, em

  r e l a ção

  à qual o sujeito se define, ganha identidade.

Feita

 essa breve abordagem de alguns aspectos do pensamento' lacaniano,

poderemos agora explicar em que sentido o pensamento lacaniano é fundamen-

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11 0

 |

  I N TR OD U Ç O

 

LINGUST ICA

ta l

 neste momento

 inic ial  de f u n d a ç ã o da A n á l i s e do Discurso, ou seja, em que

se

 pode

 perceber a r e l e vânc i a do projeto lacaniano para a AD.

O estudo do discurso

 para

 a

 A D ,

 como

 já

 dito

 anteriormente, inscreve-se

nu m  terreno em que  i nte r vê m que stõe s t e ór i c as relativas à ideologia e ao su

jeito. Assim, o sujeito lacaniano, clivado, dividido, mas estruturado a

  partir

da  linguagem, fornecia para a AD uma teoria de sujeito condizente com um de

seus

 interesses centrais, o de conceber os

 textos como

 produtos de um traba

lho

  i d e o l ó g i c o n ã o - c o n s c i e n t e . C a l ca d a

 no materialismo

  hi s tór i c o ,

 a AD con

cebe

  o discurso

 como

 uma  m a n i f e s t a ç ã o ,  uma  mate r i a l i z aç ão  da ideologia

decorrente do

  modo

 de

  o r g a n i z a ç ã o

  dos

  modos

  de

  p r o d u ç ã o

  social. Sendo

assim, o sujeito do discurso não poderia ser considerado

  como

  aquele que

decide sobre os sentidos e as possibilidades enunciativas do

 pr ópr i o

 discurso,

mas

 como

 aquele que ocupa um lugar social e a

  partir

  dele

  enuncia, sempre

inserido no processo  hi s tór i c o  que lhe permite determinadas  i nse r ç õe s e não

outras. Em outras palavras, o sujeito não é livre

 para

 dizer o que quer, mas é

levado, sem que tenha  c o n s c i ê n c i a  disso (e aqui reconhecemos a propriedade

do

 conceito

 lacaniano de sujeito

 para

 a

 A D ) ,

 a ocupar seu lugar em determina

d a f o r m a ç ã o social « e n u n c i a r o que lhe é  p o s s í v e l a

  p ^if ÚoJuj^ q^ ^jj^

Como

 afirma Althusser (1970):

A

 ideologia é bem um sistema de

 representações:

 mas

 estas

 representações

 não

têm, na maior parte do tempo, nada a ver com a

  consciência :

 elas

 s ão

 na maior

parte das

 vezes

 imagens,  às

 vezes

 conceitos, mas é antes de

 tudo como

 estruturas

que elas se

  impõem

 à maioria dos homens, sem passar por suas

 consciências 16 .

Tendo até aqui descrito o terreno em que se funda a A n á l i s e do Discurso

—  um terreno em que se relacionam a Li nguí s t i c a e as C i ê n c i a s Sociais — uma

que stão  importante se coloca: qual a especificidade da AD

 neste

 terreno? É o

que procuraremos responder a seguir.

1.2 .  es p ec i f i c id ad e  da D

Como aponta Maingueneau (1997), o campo da

  Li nguí s t i c a ,

  de maneira

muito  e sque mát i c a , opõe  um núc l e o r í g i do a uma periferia de contornos ins

táve i s ,  que  e stá  em

  contato

  com a Sociologia, Psicologia,  História,  Filosofia

16. Althusser (1970) é citado em Maingueneau, 1990: 69.

ANALISE

 DO

 DISCUR SO 1 1 )

etciO

 nú cle o r ígido17

  se ocupa do estudo da

 l í ngua

 como se ela fosse apenas um

conjunto de regras e propriedades formais, ou seja, não considera a

  l í ngua

  en

quanto produzida em determinadas conjunturas

  hi s tór i c as

  e sociais. A outra

r e g i ão ,  de contornos  i n s t á v e i s18 ,  ao  contrário,  se refere à linguagem apenas à

medida que esta faz sentido  para sujeitos inscritos em e str a té g i as de i nte r l oc uç ão ,

em  p o s i ç õ e s  sociais ou em conjunturas  h i s t ó r i c a s ia A A A n á l i s e  do Discurso

pertence a essa úl t i ma r e g i ão , ou seja, considera

 esse

 ú l t i m o

 modo

 de compreen

der a linguagem, o que não significa que,

  para

 ela, a linguagem não apresente

t a m b é m

  um

  caráter

 formal, como apontava o

  pr ópr i o P ê c he ux

  1 9 7 5 /1 9 8 8 ) , ao

afirmar que

 existe

 uma base

 l i nguí s t i c a

 regida por leis internas, (conjunto de re

gras

  fono l óg i c as , mor fo l óg i c as , s i n tá t ic as )

 sobre a qual se constituem os  efeitos

de sentido,

 como

 poderemos observar a partir da aná l i se da tira que se

 segue:

H á

 duas maneiras de interpretar o enunciado de Stock no

  úl t i mo

 quadri-

nho: que há vinte anos

 atrás

 ele vivia fazendo sexo com a

 própria

 noiva, ou

  então

que há vinte anos

  atrás

 ele vivia fazendo sexo com a

 ripiva

 de Wood, seu amigo.

E m  termos essencialmente

  l i ng uí s t i c os , d i r íamos

 que o que permite essa ambi

guidade é a pr e se nç a do pronome

 possessivo

 de Ia pessoa

  minha .

 Pelo

 fato

 de

ser um d ê i t i c o2 0  — termo que permite identificar pessoas, coisas, ihomentos e

17. Ver os  cap í t u l os F oné t i ca ,  Fonologia e Sintaxe , no volume 1, e  S e m â n t i c a * , no volume 2.

N o que diz respeito ao cap í t u l o  Sintaxe , referimo-nos apenas à Sintaxe Gerativa e, em relaÇão ao  cap í t u l o

S e m â n t i c a ,

  apenas

 à  S emânt i ca Formal

18.  Ver no volume 1 os cap í t u l os  Sintaxe (referimo-nos aqui à Sintaxe funcional),  S oc i o l i ngu í s t i ca

e

  L i ngu í s t i ca

  Textua l ; ver

 neste

 volume os

  cap í t u l os S emânt i ca

(referimo-nos aqui

  ; £ S emânt i ca

  da

e n u n c i a ç ã o ) , P r a g m á t i c a e  Anál i s e de  C o n v e r s a ç ã o . 

19.  Maingueneau, D. Novas  tendências  em  Análise  do  Discurso.  Campinas,  Pontes/Editora da

U N 1 C A M P ,  1997, p . l l .

20 .  Sobre a n o ç ã o de dê i t i co , ver Lahud (1979) e Geraldi &

 l l a r i

 (1985).

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lugares a

 partir

 da

  s i tuação

 de fala —, possibilita que o seu referente seja tanto

Stock quanto Wood, ou  seja, permite ao leitor que ele interprete o pronome

minha como referindo-se à noiva de Stock, o

 r e s p o n s á v e l

  pelo enunciado, ou

à noiva de Wood. Isso porque  p o d e r í a m o s  nos perguntar: sobre que parte do

enunciado o a d v é r b i o t a m b é m da e x p r e s s ã o

  E u

  t a m b é m

incide?

 Sobre Bete

Speed

(eu  t a m b é m  fazendo sexo  com a Bete Speed) ou sobre minha noiva

(eu

  t a m b é m

 fazendo  sexo com minha noiva)?

 E m

 outras

 palavras, qual

 o esco

po 21  de

  t a m b é m ?

  £

E s s a

  primeira

  aná l i se ,

  referente ao funcionamento da

  l í n g u a ,

  explica o

porquê

 da ambiguidade na

 tira,

 mas não explica por que achamos

 graça

 quando

Stock enuncia

  E u t a m b é m

no

 ú l t i m o

 quadrinho. Por que lemos esta

  tira

 como

um

 discurso de

 humor?

 Devido às suas

 c o n d i ç õ e s

 de

  p r o d u ç ã o .

 Produzido

 para

circular

  em uma sociedade em que fazer sexo com a noiva de outro seria um

comportamento bastante fora dos  p a d r õ e s  morais apresentados como adequa

dos a seus membros, a possibilidade de Stock ter feito sexo com a noiva de seu

amigo gera riso, pois coloca Wood em uma  si tuação  bastante constrangedora.

No entanto,

  este

 mesmo discurso produzido no interior da comunidade dos es

q u i m ó s ,

 por exemplo, não geraria riso, pois, segundo os costumes dessa comu

nidade, quando um

  e s q u i m ó

 recebe um visitante em sua casa, ele oferece sua

mulher a ele como  sinal de hospitalidade. Nesse contexto, portanto, o discurso

apresentado nesta tira não seria de humor, seria apenas uma conversa corriquei

ra

 entre dois amigos que relembram

 fatos

 do passado.

A

  ambiguidade se

  m a n t é m

 tanto num como noutro contexto, mas os efei

tos que ela gera são diferentes, e s ão justamente esses efeitos de sentido que

interessam

 à A n á l i s e do

 Discurso.

 No caso da tira em q u e s t ã o , a pergunta que os

analistas

 do discurso fariam seria: por que essa ambiguidade gera riso?  Para a

A n á l i s e  do

 Discurso,

  perguntar somente o que gera a ambiguidade seria muito

pouco, essa pergunta

 já

 seria feita, por exemplo, pela

 S e m â n t i c a

 e pela

 Pragmá

tica (as

  n o ç õ e s

  de escopo e de

  d ê i x i s

  utilizadas

  para anál ise

  da

  tira

  pertencem

respectivamente a essas duas

 áreas

 da

  L i n g u í s t i c a ) ( 0

 que garante a especificidade

da Aná l i se

  do Discurso é a

  f o r m u l a ç ã o

  de uma pergunta subsequente a essa:

qual o efeito dessa ambiguidade? A resposta a essa pergunta reside justamente

ria  rel ação que os analistas do discurso procuram estabelecer entre um discurso

e suas

 c o n d i ç õ e s

  de

 p r o d u ç ã o ,

 ou seja, entre um discurso e as

  c o n d i ç õ e s

 sociais

e

  hi s tór i cas

  que permitiram que ele  fosse  produzido e gerasse determinados

efeitos de sentido e não outros..

21 . Sobre a n o ç ã o  de escopo ver  Ger a l d í  &  Ilar i (1985).

3

É  preciso esclarecer, no entanto, ao falarmos da especificidade da AD,

que

 n ão

 há apenas uma

 A n á l i s e

 do Discurso, esta de que vimos falando. Como

decorrênci a

 dessa fronteira

 i nstável

 sobre a qual se situa a

 A n á l i s e

 do Discurso

e em

 f u n ç ã o

  da disciplina vizinha com a qual ela privilegia o contato, surgem

diferentes

  A n á l i s e s

 do

 Discurso .

 Classicamente considera-se que, se uma de

l a s m antém uma rel ação

 privilegiada

 com a História, com os textos de arquivo,

que  em anánT de i ns tânci as institucionais, enquanto uma outra privilegia a  rela

ç ão  com a Sociologia, interessando-se por enunciados com estruturas mais fle

x í ve i s ,

 como uma conversa informal, por exemplo,

  t ê m - s e

  duas

  Aná l i ses

  do

Discurso diferentes: a

 A n á l i s e

 do Discurso de origem francesa, que privilegia

o contato com a

  História,

  e a

 A n á l i s e

 do Discurso

 a n g l o - s a x ã

22

, área

  bastante

produtiva no

  B ras i l ,

 que privilegia o contato com a Sociologia.

Atualmente,

  no entanto,  este  marco  di v i sór i o  não é tão  r í g i d o assim.

Possenti, no artigo  O

 dado

 dado e o

 dado

  dado (O dado em a n á l i s e do discur

so) ,

 faz uma

 c o n s i d e r a ç ã o

  a esse respeito apontando que a

 d i f e r e n ç a

 entre a

Anál i se

 do Discurso de origem francesa e uma

  a n á l i s e

  conversacional não

precisa ser uma

 di f erença

  de dados, mas de teoria: não é porque os  eventos

de discurso de tipo 'linguagem

 ordi nári a '

 foram objeto de

 d e s c r i ç õ e s

 'conversa-

cionais'

 ou intencionais que eles n ã o sã<v

 discursos,

 que eles não podem ser

tomados em conta numa A D 2 3 { A s s i m ,  o que diferencia a A n á l i s e  do Discur

so de origem francesa da A n á l i s e do Discurso a n g l o - s a x ã , ou comumente  cha

mada de

 americana,

 é que esta

  úl t i m a

  considera a

  i n t e n ç ã o

 dos sujeitos numa

i n t eração

  verbal como um dos pilares que a sustenta, enquanto a

  A n á l i s e

  do

Discurso francesa não considera como determinante essa

  i n t e n ç ã o

 do sujeito;

considera

 que esses sujeitos são condicionados por uma determinada ideolo

gia   que predetermina o que  p o d e r ã o  ou não dizer em determinadas conjuntu

ras h i s tór i co - soc i a i s . Essa é, entre outras, uma das  d i f e r e n ç a s t e ó r i c a s entre as

duas linhas.)

Apontamos de maneira bastante abrangente

  di f erenças

  entre a

 A n á l i s e

  do

Discurso de origem francesa e a de origem

  ang l o - saxã .

 No entanto, há diferen

ça s

 no interior de cada

 uma

 dessas vertentes. No interior da

 A n á l i s e

 do Discurso

de origem francesa, por exemplo,

  Fi ori n

  (1990) aponta diferentes

 j tendênci as .

Fazendo

 uma aná l i se do que foi feito no  B ras i l nas  ú l t im a s d é c a d a s em termos

de  Aná l i se  do Discurso, o autor apresenta  três correntes ordenadas historica-

22 . Sobre a A n á l i s e do Discurso ang l o - s axã  ver. nesie mesmo volume, o c a p í t u l o A n á ^ s e da Conver-

s ação e, no volume 1. o  cap í t u l o L i ngu í s t i ca

  Textual .

23

Possenti, S. O dado dado e o dado dado (O dado em análi se do discurso). I n : Castro. M . F. P. de.

(org.) O

 método

  e o dado no estudo da linguagem Campinas. Editora da  U N I C A M P ,  1996, p. 199.

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114

INTRODUÇÃO

 À

 UNGUÍSTICA

mente e apresentadas a

 partir

 dos interditos, ou

 seja,

 a

 partir

 do que

 n ã o

 é per

mitido fazer no interior de cada uma delas.

A

  primeira corrente proibia ocupar-se do funcionamento interno do tex

to , sob o risco de ser tachado de um

  direitista

 do campo da

 Letras .

 A segunda

corrente  e s b o ç a v a

  um interdito

  contrário:

  é preciso ocupar-se do funciona

mento interno do texto

24

.

  F i or i n

  (1990) analisa

 esse

 interdito relacionando-o

com a

  vitória

do capitalismo, que concebe a

  hi s tór i a

  como contrato , ou

seja,

 como sendo

 regida

 pelos mecanismos internos do

 mercado.

 Analogicamente,

n a A n á l i s e

 do Discurso, os mecanismos internos de

  p r o d u ç ã o

 do sentido é qúe

se r ão

 enfatizados. Não obedecer à

 i nte r di ç ão

 dessa segunda corrente significa

ria pagar o

 p r e ç o

 de ser considerado

  anacrónico ,

 assim como neste momento

é considerado

  anac r óni c o

 o universo conceituai marxista. A terceira corrente,

que representa a

 te ndê nc i a

  atual,

 procura eliminar esses

 dois interditos que pe

saram

 sobre a AD em determinados momentos e abordar o discurso em toda a

su a

  complexidade, concebendo-o como um objeto

  l i nguí s t i c o

  e

  cultural.

 Há,

entretanto, apesar dessas

  d i v e r g ê n c i a s ,

 um elemento comum entre essas

  A n á l t -

ses do Discurso, e esse elemento comum diz respeito à

 própria

  especificidade

d a A D ,

 como ressalta

 Fiorin

 (1990): o que é especifico de todas essas

  A n á l i s e s

do Discurso é o estudo da

  d i s c u r s i v i z a çã o ,

25   õú

  sé jã ,

  ó

  ésruidb

  das

  r e l aç õe s

entre

 c o n d i ç õ e s

  de

 p r o d u ç ã o

 dos discursos e seus processos de

  consti tuição.

Tendo

 apresentado o palco intelectual — ocupado ao mesmo tempo pelo

estruturalismo,

 marxismo e

  p s i c a n á l i s e

  — sobre o

 qual

 emerge a AD e mos

trado

 a sua especificidade, passaremos agora a apontar duas

 i nf l uê nc i as

  deci

sivas

 neste  primeiro momento de

 f u n d a ç ã o

  da

 A D ,

 no que tange aos seus pro

cedimentos de

  aná l i se . Trata-se

 do

  m é t o d o  harrisiano

 de

  aná l i se

 e das

  g r a m á

ticas gerativas.

1 3 Proced imentos

 de

 a n á l i s e :

 a

  contr ibuição

 de

 H a r r i s

 e

  Chomsky

O m é t o d o

 de

  Harris

 (1969) seguia o rumo das

 aná l i se s estruturalistas,

 mas

ampliava a unidade de

  aná l i se .

 Propondo-se a

 analisar

 o texto, concebe tal

 aná

lise como uma

  anál ise transfrást ica,

 isto é, como uma

 aná l i se

  que

 transpunha

 o

limite do enunciado, uma vez que

 n ã o

 toma como unidade de

  anál ise

 os elemen

tos que o

  c o m p õ e m ,

  mas o

  pr ópr i o

  enunciado. É um

  m é t o d o

 fundado basica-

24. Fiorin .

  J. L . Tendenciais da

  A n á l i s e

 do Discurso. In: Cadernos  de  Estudos  Linguísticos Campi-

nas

U N I C A M P

 —

  1EL

jul./dez. 1990 p. 175.

25.   Ibidem

p.174.

ANÁLISE  O DISCURSO

115

mente na

 linearidade

 do

 discurso;

 o autor

 p r o p õ e

 que se observe a

 l i g a ç ã o

 entre

os enunciados a

 partir

  de conectivos, com o objetivo de equacionar essa

linearidade em classes de

  e qui va l ê nc i a .

 Tomaremos como exemplo ilustrativo

de uma

 aná l i se

 pautada pelo

  m é t o d o harrisiano

 o seguinte discurso, analisado

po r

 Osakabe (1979: 12-13):

(1) O

 menino

 viu

 o belo quadro e gostou dele.

 M as

 o pintor

 nã o

 lhe deu o quadro.

Segundo o

 autor, esse discurso,

 já

 na forma

 reduzida

 por

 tr ansfor maç õe s

  e

e qui va l ê nc i as

 fornecidas pela

  gramática

 da

 l í n g u a ,

 poderia ser apresentado da

seguinte maneira:

(1')

  O menino viu o quadro.

O

 quadro era belo.

O

 menino gostou do quadro.

(Mas)

 o pintor

 n ão

 deu o quadro-ao menino.

Partindo

 das

 r e c or r ê nc i as

 e da

 distr ibuição

 dos elementos de cada enuncia

do,

  o b t é ^

contexto, ser tomado como equivalente a gostar e assim

 te r í amos:

(2)

  A: 1. O menino viu o quadro.

2.

 O menino gostou do quadro.

B :  O quadro era belo.

(Mas)

C :  O

 pintor

 nã o

 deu o

 quadro

 ao menino.

Como resultado,

  obte r í amos

 a seguinte forma para esse discurso:

(3)

  Al:

A2:

B :

(Mas)

C :

  ;

O u

 ainda,

•(

(4)

  A: |

B :

  {

(Mas)

C:

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116 I NT RODU Ç O

 

LINGUSTICA

O recurso a esse m é t o d o

 pelos

 iniciadores da AD explica-se por um certo

interesse comum em produzir uma

  aná l i se

  da

  superf í c i e  discursiva:

 Dubois se

valia  desse

  m é t o d o ,

  como relata Maldidier (1994), como um meio de fazer

aparecer as regularidades significativas dos discursos contrastados pelo  corpus ,26

ou seja, como uma forma de evidenciar o que havia de

 regular,

 de constante em

cada

 um dos discursos contrastados.

 P a r a P ê c h e u x ,

 por

 sua

 vez, a

  des l i neari zação

decorrente das t r a n s f o r m a ç õ e s  — (1) e (2) , por exemplo — permitia perceber

os  traços dos processos discursivos — (3) e (4) —, ou seja, os processos  pelos

quais um discurso se

  const i tu í a

 enquanto tal.

Harris,

 como foi

  p o s s í v e l

 perceber, restringe-se a uma

 c o n c e p ç ã o

 de discur

so como uma

  s e q u ê n c i a

  de enunciados.

  E ssa def i n i ção

  mostrou-se insuficiente

para  os  propós i to s  da AD, que buscava reintegrar uma teoria do sujeito e uma

teoria da s i tuação . Assim,  P ê c h e u x , visando a construção de um arcabouç o t eór i

co que lhe permitisse isso, passa a

 considerar

 a  opos i ção enunci ação e enuncia

do27. A

 primeira

 se refere às

 c o n d i ç õ e s

 de

 p r o d u ç ã o

 do discurso (é neste

 ní vel

 que

será poss í ve l

  reintegrar as teorias do sujeito e da ideologia), que permitiriam a

e l o c u ç ã o

 de um discurso e

 n ão

 de outros, isto é, refere-se a determinadas circuns

tânci a s ,

 a saber, o contexto

 hi s tór i co - i deo l óg i co

 e as

 representações

 que o sujeito,

a partir da posiçã o

 que ocupa

 a ó

 enunciar,

 faz dé seu interlocutor dé si mesmo, do

próprio discurso etc; e o segundo se refere à  superfície  discursiva resultante des

sas  c o n d i ç õ e s . O procedimento gerativista de  a n á l i s e28 , já bastante difundido na

é p o c a ,

 vem ao encontro dos interesses de

  P ê c h e u x .

E m

 1957, Noam  Chomsky, aluno de Z. Harri s , publica Estruturas sintáti-

cas   e coloca em  q u e s t ã o  o  m é t o d o estruturalista americano

29

. Chomsky postula

a ex i s t ênci a

 de um sistema de regras internalizadas

  responsável

  pela

  geração

das

  sentenças .

 A possibilidade de produzir uma

  anál ise

  nesses  moldes aponta

um

  caminho

  para

  a A D reintegrar as teorias do sujeito e da

  s i tuação .

  Numa

26. Maldidier ,  1994: 21 .

27 .  Remetemos o  lei tor  aos  cap í t u l os S em ânt i ca e  P r a g m á t i c a neste mesmo volume para uma

maior  compr eens ão da  opos i ção enunc i ado / enunc i ação . Ver t a m b é m Benveniste (1974/1989) e Searle (1981).

Vale dizer, no entanto, que a  n o ç ã o  de  enunc i ação  é reinterpretada pela  A D . Neste  ar cabouço t eó r i co , a

e n u n c i a ç ã o não é compreendida como a s i t uação empí r i ca em que ocorre o discurso, mas como a represen

t a ç ã o ,

 a imagem que o sujeito do discurso, inserido em determinadas

  cond i ções

 sociais, faz das

  cond i ções

de p r o d u ç ã o de seu discurso. Ver, a esse respeito, P ê c h e u x & Fuchs (1975/1990).

28 .  Remetemos o  lei tor  ao  cap í t u l o  Sintaxe no volume 1 desta obra, e aos  cap í t u l os Aqu i s i ção da

Linguagem

e  P s i co l i ng i i í s t i ca neste mesmo volume.

29 .  O gcrativismo, apesar  do  r i go r  de sua  f o r m a l i z a ç ã o ,  é interpretado como uma ruptura com o

estruturalismo. Posicionando-se a esse respeito em entrevista

  dada

 a Jean Paris, como relata

 Silva

 (1995),

Chomsky aponta os

 limites

 do estruturalismo, afirmando a seu respeito não ser t eó r i co suficientemente, por

deixar de pesquisar os processos gerativos subjacentes que determi nam as estruturas que observa e estuda.

117

analogia com o postulado de que o sistema de regras é

 r e s p o n s á v e l

 pela

  geração

das

  s e n t e n ç a s , p r o p õ e - s e

  a

 n o ç ã o

  de

  c o n d i ç õ e s

  de

  p r o d u ç ã o , r e s p o n s á v e l

 pela

geração

 dos discursos.

 E sse

 conceito de

 c o n d i ç õ e s

 de

  p r o d u ç ã o

 é, como aponta

Orlandi

  (1987),

  bás i co para

 a

 A D ,

 pois elas

  caracterizam

 o di scurso, o consti

tuem e como tal são objeto de

 a n á l i s e

30

. Para

 a

 A D ,

 portanto, a

 e n u n c i a ç ã o

 não

é  um desvio, mas um processo constitutivo da m atéri a  enunciada , afirma a

autora31.

É

  este

  ú l t i m o

  procedimento de

  a n á l i s e

  que

  será

 produtivo

  para

  a AD ,

pois

  será

 a

  partir

 dele que ela

  form ul ará

  e

  reform ul ará

  seus procedimentos de

anál ise

 e seu objeto de estudo, que

  d e f i n i r ã o ,

 por sua vez, o que chamamos as

fases da AD.

2

FASES

  DA AD OS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE  A DEFINIÇÃO DO OBJETO

A

  primeira

  é p o c a

  da

  Anál i se

  do Discurso32 (doravante AD-1) explora a

anál ise

  de discursos mais estabilizados , no sentido de serem pouco

  p o l é m i

cos

33

, por

 permitirem

 uma menor carga p o l i s s ê m i c a , isto é, uma menor abertura

para  a  vari ação  d()sentid<)devid(> a urn maior silenciamento do outro (outro

discurso/outro sujeito). Os discursos

  po l í t i cos t eór i co -doutr i nári o s ,

  como um

manifesto do Partido Comunista, são um bom exemplo. Por serem mais estabi

lizados ,

  p r e s s u p õ e - s e

  que tais discursos sejam produzidos a

  partir

  de condi

ç õ e s

 de

  p r o d u ç ã o

  mais

  estávei s

  e

  h o m o g é n e a s ,

  isto é, no interior de

  p o s i ç õ e s

i deo l óg i cas

  e de lugares sociais menos conflitantes: o manifesto comunista é

enunciado do interior do

 Partido

 Comunista e representa seus  p o s s í v e i s interlo-

30. Orlandi , E. P. A linguagem e seu funcionamento:  as formas á discurso. 2. ed. Campinas, Pontes,

1987,  p.110. /

31 .

 Orlandi

 (1987) faz uma  compar ação  entre as diferentes formas de a  S o c i o l i n g u í st i c a , a teoria da

enunc i ação e a A n á l i s e do Discurso trabalharem com a exterioridade. Aponta que a  S oc i o l i ngu í s t i ca visa a

r e l ação  entre o social c o  l i ngu í s t i co ;  a teoria da  e n u n c i a ç ã o  trata da  d e t e r m i n a ç ã o e i i l r e  o funcional

( enunc i ação)  e o  f o r mal  (enunciado); a AD procura

  estabelecer essa

  r e l ação  de forma'mais imanente,

considerando as  c o n d i ç õ e s  de  p r odução  (exterioridade,

 processo

  h í s t ó r i co - s oc i a l )  como constitutivas da

linguagem ( Or l and i ,  E. P. Op. cit . , p.111).

32.  Ver P ê c h e u x  (1969/1990). •

33 . Orlandi

 (1987)

 p r o p õ e

 uma

 tipologia

 discursiva classificando os discursos em

  t r ês : t i pos :

 o

 l úd i co ,

o po l émi co e o au t o r i t á r i o . Essa class if icação é

 feita,

 entre outras coisas, com

 base

 no grau  de^revers ibí l idade

entre os interlocutores: no discurso  autor i tár io esta reversibilidade tende a zero; no  p o l ê m i f o  ela é contro

lada; no l úd i co a reversibilidade é total . Optamos no texto pela  u t i l i zação da  e x p r e s s ã o  me^os  p o l é m i c o s

porque queremos enfatizar apenas esta  reversibilidade que possibilita, de acordo com seuyrrau, uma me

nor/maior abertura para a  var i ação  do sentido devido a um menor/maior silenciamento do outro (outro

discurso/outro sujeito), de onde decorrem discursos menos/mais estabilizados . Ressaltamos, portanto,

que  nã o  temos aqui a  i n t enção de classificar discursos .

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  8

cutores inscritos neste mesmo

  e s p a ç o

  discursivo. Considere,

 para

 contrapor,

u m

  debate

  po l í t i c o

 de que estivessem participando marxistas e

 liberais.

 Nessas

c o n d i ç õ e s

  de

 pr oduç ão ,

 o discurso do Partido

 Comunista

 representaria parte de

seu(s) interlocutor(es) inscrito(s) em um outro lugar social, a saber, no  e s p a ç o

discursivo  liberal.  Neste caso,  te r í amos  uma  r e l aç ão  mais conflitante, pouco

estabilizada .

 Um debate não seria, portanto, objeto de  aná l i se da  A D - 1 .

Com r e l aç ão

 aos procedimentos de

  anál ise

  da AD-1, eles são realizados

po r  etapas, apresentadas a seguir:

a)

  primeiramente se seleciona um corpus  fechado de

  se quê nc i as

 discur

sivas (um manifesto

  p o l í t i c o ,

 por exemplo);

b)   em seguida faz-se a aná l i se l i nguí s t i c a de cada s e q u ê n c i a , consideran

do as c onstr uç õe s s i ntá t i c as (de que maneira sã o estabelecidas as  rela

ç õ e s  entre os enunciados) e o  l é x i c o  (levantamento de  voc abul ár i o ) ;

c)   passa-se depois à aná l i se  discursiva, que consiste basicamente em cons

truir sí t ios de identidades a partir da p e r c e p ç ã o da r e l aç ão de  s i noní mi a

( subst i tu i ç ão

 de uma palavra por outra no contexto) e de

  paráfrase

  (se

quê nc i as subst i tu í ve i s

 entre si no contexto);

d)

  por fim, procura-se mostrar que tais

 r e l a ç õ e s

  de

  s i noní mi a

  e

  paráfrase

s ã o decorrentes de uma mesma

 estrutura

 geradora do processo discur

sivo.

T ê m - s e , e n t ã o ,

  a

  n o ç ã o

  de

  máqui na  discursiva :

  uma estrutura (condi

ç õ e s

 de

  pr oduç ão e s táve i s ) r e sponsáve l

  pela

 ge r aç ão

 de um processo discursivo

(o processo de

  construção

 do manifesto comunista, por exemplo) a

 partir

 de um

conjunto de argumentos e de operadores  r e sponsáve i s  pela  c onstr uç ão  e trans

f o r m a ç ã o  das  pr opos i ç õe s ,  concebidas como  pr i nc í p i os se mânt i c os  que defi

nem,  delimitam um discurso (o comunista, para tom á- l o  como exemplo).

Para a  A D - 1 , cada processo discursivo é gerado por uma máqui na discur

siva. Assim, diferentes processos discursivos (o processo de c onstr uç ão do ma

nifesto comunista e o processo de

  c onstr uç ão

  do manifesto  liberal, por exem

plo) referem-se a diferentes

  m á q u i n a s

 discursivas, cada uma delas

 idêntica

 a si

mesma e fechada sobre si mesma

 ( P ê c h e u x ,

  1983/1990).

N a  segunda fase da A D3 4  ( A D - 2 ) ,  a n o ç ã o de  m á q u i n a  estrutural fechada

c o m e ç a  a explodir. O conceito  d e f o r m a ç ã o  discursiva^tomado de  e mpr é st i mo

do

  f i l ó s o f o  Michel

 Foucault (1969), é o dispositivo que desencadeia

 esse

 pro-

34.   Ver P ê c h e u x  & Fuchs (1975/1990).

AN L IS E

  O

 DISCURSO

cesso de

  transformação

  na

 c o n c e p ç ã o

 do objeto de

  a n á l i s e

  da

 A n á l i s e

  do

  D i s

curso. Foucault (1969) define

  for maç ão  discursiva

 (doravante

 F D )

  como:

um

 conjunto de regras

 anónimas, históricas,

 sempre determinadas no tempo e no

espaço

 que definiram em uma

 época

 dada, e

  para

 uma

 área

 social,

 e c onóm i c a ,

geográfica ou linguística

 dada, as

 condições

 de

 exercíc io da função

 enunciativa35.

E m outras

 palavras, uma F D

 determina

 o que

 pode/deve

 ser dito a partir de

um

  determinado lugar social. Assim, uma

  f o r m a ç ã o

  discursiva é marcada por

regularidades, ou seja, por regras de

 for maç ão ,

 concebidas como mecanismos

de controle36 que determinam o interno (o que pertence) e o externo (o que não

pertence) de uma

 f o r m a ç ã o

  discursiva. Assim,  uma FD , ao definir-se sempre

em  r e l aç ão a um externo, ou seja, em r e l aç ão a outras  F D s ,  não pode mais ser

concebida como um  e s p a ç o  estrutural fechado. E la se r á  sempre invadida por

elementos

 que v êm de outro lugar, de outras f o r m a ç õ e s

  discursivas. Neste

 sen

tido, o  e s p a ç o de uma FD é atravessado

 pelo

  p r é - c o n s t r u í d o 37 ,  ou  seja,  por

discursos que vieram de outro lugar (de uma

  c o n s t r u ç ã o

  anterior e exterior) e

que são incorporados por cia niima

  relação

  de confronto ou

  a l i anç a .

  Uma

 F D ,

portanto, é

  consti tuída

 por um sistema ú

p a r á f r a s e s , j á q u e

  é um

 e s p a ç o

  onde

enunciados são retomados e reformulados sempre num

 e s f o r ç o

  constante de

fechamento de suas fronteiras em busca da p r e s e r v a ç ã o de sua identidade

38

.

Sendo, pois, a

 F D

 um

 e s p a ç o

 atravessado por outras

 F D s ,

 ela

 n ã o

 pode

 ser

concebida como formada por

 elementos

  ligados entre si por um p r i n c í p i o  de

unidade.

 E

 nesse

 sentido que Foucault a concebe como uma d i s p e r s ã o . O papel

do analista do discurso seria descrever essa  d i s p e r s ã o  buscando estabelecer as

regras de

  formação

 de cada

 F D .

 Nesta segunda fase da AD , portanto, o objeto

de

  anál ise passará

 a ser as

 r e l a ç õ e s

 entre as

  máqui i ja s

discursivas. Vale res

saltar, no entanto, que o fechamento da maquinaria ainda é conservado, pois a

p r e s e n ç a do outro (outra F D ) sempre é concebida a partir do interior da FD em

que stão .

35 . Foucault (1969) é citado em Maingueneau, D.

 Novas  tendências  em Análise  do  Discurso

3. ed.

Campinas, Pontes/Editora da  U N I C A M P ,  1997, p,14.

36. Ver Foucault (1969,1971).

 Remetemos

  t ambém

 o

 lei tor

 a Geraldi

 (1993),

 que faz uma esclarecedora

a p r e s e n t a ç ã o dos mecanismos de controle - internos, externos e dos sujeitos - de que fala \ t . Foucault, e ao

cap í t u l o L í ngua e ensino: po l í t i cas de fechamento , neste mesmo volume, que  t a m b é m aborda estes meca

nismos. 

37 .

  Sobre a

 noção

 de

  p r é - cons t r u í do ,

  ver

  P êcheux

 (1975/1988).

38 . B r andão ,  H. N. Introdução  à  Análise  do  Discurso 7. ed. Campinas, Editora da  U N I C A M P .

1998a, p. 39.

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12 0

 

No que diz respeito aos procedimentos de

 a n á l i s e ,

 a

 A D - 2

 apresenta muito

poucas

  i n o v a ç õ e s ;

  o deslocamento efetivo que se dá com

  rel ação

 à AD-1 diz

respeito sobretudo ao objeto de

  anál ise:

  discursos menos estabilizados , por

serem produzidos a partir de

  c o n d i ç õ e s

  de

 p r o d u ç ã o

 menos

  h o m o g é n e a s .

  Um

debate

  po l í t i co ,

 já referido anteriormente,

 seria

 um bom exemplo.

A d e s c o n s t r u ç ã o

 da

 maquinaria discursiva

 só

 ocorrerá

 mesmo na

 terceira

fase da

 A n á l i s e

  do Discurso39  (AD-3).

  E s s a d e s c o n s t r u ç ã o

 é decorrente de um

deslocamento que ocorre no que diz respeito à

 r e l a ç ã o

 de uma FD com as ou

tras.

 Na

 A D - 2 ,

  o outro — outra(s)

 F D ( s )

 — é

 incorporado

 pela

 F D

 em ques

tão ,

 que

 m a n t é m ,

 mesmo sendo

  atravessada

 por outros

 discursos,

 uma identida

de. E

  poss í ve l , a t ravés

  de uma

  aná l i se  discursiva,

  determinar, no interior da

d i s p e r s ã o ,

 o que pertence a uma ou à(s) outra(s)

  F D ( s ) .

N a A D - 3 ,

 por sua vez, adota-se a perspectiva segundo a

 qual

 os diversos

discursos

 que atravessam uma FD não se constituem independentemente uns

dos outros para serem, em seguida, postos em

 r e l a ç ã o ,

 mas se formam de manei

ra  regulada

 no interior de um

 interdiscurso.

  S e r á

 a

 rel ação

 interdiscursiva,

 por

tanto, que

 estruturará

 a identidade das FDs em

  q u e s t ã o .

 E m

 decorrênci a

 dessa

nova c o n c e p ç ã o

 do objeto de

  aná l i se

 — o

 interdiscurso

 —, o procedimento de

a n á l i s e

 por etapas, com ordem

 lixa,

 como

 afirma

  P ê c h e u x

 (1983), explode defi

nitivamente.

A s

 recentes pesquisas

 afirmam

 o primado do interdiscurso sobre o

 discur

so, diferentemente da AD- 1, que concebe a

  r e l a ç ã o

  entre os discursos como

sendo uma

  rel ação

  entre

  m á q u i n a s

discursivas justapostas, cada uma delas

a u t ó n o m a

 e fechada sobre si mesma; e diferentemente

  tam bém

  da AD- 2, que

considera a

 e x i s t ê n c i a

 de FDs

 const i tu í das

 independentemente umas das outras

para

 depois serem postas em

  rel ação .

N a s e ç ã o

 que se segue, faremos a

 aná l i se

 de uma

 cróni ca

 e retomaremos os

conceitos de

  f o r m a ç ã o

 discursiva

 e interdiscurso

 (AD-2,

  A D - 3 ) .

  Optamos por

n ã o

  retomar o conceito de

  m áqui na  discursiva

da AD- 1, mais comumente

chamada

 de

  AAD (aná l i se autom át i ca

 do

 discurso),

 por estar ligada a um

 p e r í o

do muito marcado, no sentido de produzir trabalhos em torno de

 u m a c o n c e p ç ã o

de discurso que foi completamente abandonada nas fases posteriores40. Reto

maremos

  tam bém

 o conceito de

  c o n d i ç õ e s

 de

  produção , a l ém

 de apresentar ou

tros

 ainda não abordados (pelo menos de forma

 direta),

 como os conceitos de

f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a ,

 sujeito e sentido.

39 .  Ver Maingueneau (1984, 1997).

40 .

 Remetemos o

 leitor

 a

 P ê c h e u x

  (1969, parte

 11)

 para maiores esclarecimentos a respeito dos proce

dimentos de  aná l i s e desta primeira  fase.

3

UM NÁLISE

3 1

0

  conceito

 de

  d iscurso

Reproduziremos agora a

  cróni ca

  Um só seu filho de

  B r á u l i o

  Tavares,

publicada no

  Caderno Mais

 da  olha  de S.

  Paulo

no dia 16/3/97, e que

  será

objeto de nossa

  aná l i se .

  A escolha que fizemos deste

  material

  de

  aná l i se

  se

justifica

 pela

 própri a

 forma como esta

 c r ó n i c a

 é

 const i tu í da ,

 de

 maneira

 bastan

te interessante

 para

 um

 primeiro

 contato com os fundamentos

  t e ó r i c o s

 da AD.

E m

  função

 dos objetivos deste artigo,

 nã o

 consideraremos aspectos

  l i terários

 da

cróni ca

 em

 q u e s t ã o ,

 o que

  n ão

 significa que não os

  r e c o n h e ç a m o s .

Naquela noite, o

 papa

 atravessou sua recorrente  insónia  com

 a

 ajuda de

algumas  p á g i na s  do tratado ilustrado de Mary  D l m pé r i o  sobre o manuscrito

Voynich, na e d i ç ã o de luxo de

 1994.

 Leu até que os nomes de John Dee e Roger

Bacon pareceram misturar-se e seus olhos  começaram  a arder. Usando os  óculos

dobrados para marcar a página ,

 colocou

 o  l ivro sobre a mesa de cabeceira e aper

tou  o  bo t ã o quê

 mergulhou

 o quarto nas trevas. Fez suas o r a ç õe s deitado, auto-

indulgência da qual

 teria

 se envergonhado aos 60 anos, mas que agora já  lhe pare

cia  um direito adquiri

cluir as preces; isso  t ambém não o inquietava mais. Pensava:  Deus enxerga meu

coração; ele sabe que meu pecado n ão  é

 este,

 que minhas  d ívidas são outras .

De

  repente, estava sentado no alto de uma montanha. O horizonte imenso

estendia-se à sua frente; o vento era  frio, mas  nã o incomodava.

 Este foi seu

 ú l t imo

 dia sobre a Terra — disse uma voz ao seu lado. Tens

agora o direito de fazer

  um último

 pedido.

A o

 seu lado havia uma forma que a

 pr inc ípio

 ele tomou por um homem de

pé ,

 depois por uma

  á rvore ,

 depois por uma nuvem

 vertical. Seus  t raços

 podiam

corresponder a qualquer uma das coisas, e ele imaginou que aquilo era Deus.

  Obrigado, Senhor — disse.

  Nã o m e re ç o esta graça .

— Todos os homens a recebem — disse a voz. Nã o és melhor do que  n in-

guém.

Sem saber o que responder, ele

 inclinou-se

 mais uma vez. Pensou:

  É

 meu

último

 dia de vida, isto

 nã o

 deve me amedrontar; é como quando apos uma refei

ção a lguém

 retira de minha frente o prato vazio. Por que me rebelat, se já

  fruí

 o

que me interessava? . :.

 Olha para tua

 m ão

 — disse a voz. O que mais

 desejas?

  \

El e

  fitou

  a palma da  própria mão : viu com espantosa nitidez ás linhas e as

comissuras da pele, viu as rugosidades, o intrincamento

 t êxt i l

  qas  camadas

superpostas, viu o fervilhar da

 matér ia viva

  e as

  células

 que se partiam e se

  fun-

diam umas às outras como gotas  d á gua .

 

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 Nascer de novo - respondeu ele, sem pensar.

—  Queres voltar ao passado?

—   Quero nascer de novo, mas no futuro — retrucou. Quero nascer sob a

forma de outra

 pessoa

 e saber se serei novamente seminarista, e padre, e cardeal,

e papa. Quero que algumas destas minhas  células sejam transplantadas para um

tubo de ensaio e dali talvez para um ventre, de onde eu  re na sç a : corpo, rosto e

mente iguais aos que  tive quando nasci.  Cód i go ge né t i c o  igual ao meu, sem a

interferência  abastardante de

 genes

 de uma fêmea, de uma parideira intrusa. Que

ro que meu  espírito se faça carne, mas quero ser o Pai ú n i c o de meu  Filho.

—  Para quê?

El e

 ergueu-se

 e

 maravilhou-se de ver que mesmo diante de Deus podia

 ficar

de pé quando bem

 entendesse

 ( mas,

  aí ,

 pensou, é o

 ú l t i m o

 dia ). Olhou o vale

que se espalhava lá embaixo: à luz roxa que vinha do céu, distinguia florestas,

mares,

  arquipélagos,

 cidades,  desertos de areia intacta, enormes cordilheiras de

gelo rodopiando devagar em

  á gua s

 de um azul

  metá l ico.

 Cruzou os

 braços

 e

 v i -

rou-se para o

  vulto.

—   Se minha alma existe  está ligada sem re m i ssã o a este corpo mortal. Se

meu

  corpo se repetir, minha alma

 pe rm a ne c e rá

 aqui

 n ã T e r r a .

 De novo nascerei e

serei um menino que irá da nç a r ao som de pandeiros e

 rabecas;

 de novo roubarei

fnitas,cx)rrerci  atrás de  cães, beijarei á.boca de alguma  m o ç a  de  tranças

  louravS.

De

 novo estudarei o

 latim

 e a

 á l ge b ra ,

 de novo andarei

  a n ó n i m o

 e de batina por

entre homens arrogantes que

  não suspei tarão

 o meu futuro. Farei voto de pobreza

e viverei depois como um monarca; farei

 voto

 de obediência e subirei degrau  após

degrau das hierarquias de comando;  farei  voto de castidade... e quem sabe da

próx i m a

 vez terei mais sorte.

Lá  embaixo, no vale, a luz crescia, e ele já enxergava centenas de  metrópo

les e cada janela de cada casa, e cada rosto adormecido por  trás de cada janela.

— Ni ngué m

 teve

 esta

 segunda chance — disse a voz, mas sem tentar per

suadi-lo.

— O que pedem os homens,  então?

 Pedem dinheiro, poder, mulheres. Pedem

  ox í m oros ,

 paradoxos: juventu

de eterna, imortalidade do corpo... Tu

 pedes

 que teu corpo se  multiplique. E se,

em

  vez de um, fizerem dois? De quantas almas

  irás

 precisar? E se fizerem 20,

200?

Ele

  voltou

 a sentar-se. Sabia que quem acabara de fazer aquele pedido não

era o

  ancião

  calejado pelos  debates

  escolást icos,

 o erudito capaz de enfrentar a

teologia e a

 metafísica

  em 12 idiomas e, sim, o rapaz que em uma noite de febre

sentira pela primeira vez, no pulsai dos

  próprios gângl ios,

  a semente da morte

crescendo dentro de si.

— Va i , pede — disse a voz; e, sem surpresa, ele soube naquele instante que

aquela voz não era Deus. Estendeu a  m ão para o vulto, e tocou nele.

O

 camareiro,

 que se chamava Gesualdo, encontrou-o pela

 manhã,

 apalpou a

pele

  fria

 de seu rosto, viu os olhos azuis virados para o teto. Gritou por socorro e

teve a

 preocupação

 de

 n ão

 tocar em nada no quarto.

Nessa  crónica é p o s s í v e l perceber que se cruzam, pelo menos, duas ques

tõe s

 mobilizadas pelo autor

 atr avé s

 do devaneio do

 Papa,

 que se vê diante de

seu

  ú l t i m o

 dia de vida. Antes de iniciarmos esta

  aná l i se ,

 no entanto,

  gostar í a

mos de esclarecer que, ao falarmos em devaneio ou discurso do personagem

Papa, estaremos, na verdade, sempre nos referindo a discursos que são mobili

zados  pelo autor por meio  deste personagem.  Neste  devaneio é delatado um

conflito entre dois discursos, um religioso e outro

  c i e n t í f i c o .

  Suspenso entre

duas maneiras de conceber a sua

 e x i s t ê nc i a ,

 o Papa reflete sobre a possibilidade

de nascer de novo, sem a  interferência  abastardante de uma  fê me a ,  de uma

parideira intrusa , numa

 r e fe r ê nc i a

 à clonagem de seres humanos, mas se depa

ra com um conflito

 espiritual:

  T u pedes que teu corpo se multiplique. E se, em

vez de um, fizerem dois? De quantas almas

 irás

 precisar?

A A n á l i s e

  do Discurso considera como parte constitutiva do sentido o

contexto históricq-sqcial; ela considera as c ondi ç õe s cm que este téxtò, por exem

plo, foi produzido. Contextualizado num momento

 h i s t ó r i c o

 em que a clonagem

levantava a

 que stão

 da

 ética

 na

 c i ê n c i a ,

 nada mais representativo desse contexto

que a figura do Papa como contraponto i d e o l ó g i c o . Por meio deste personagem,

o autor presentifica no texto o ponto de vista

 r e l i g i o s o - c a t ó l ic o

 que faz

  o p o s i ç ã o

a uma c i ê nc i a que se confronta com a c o n c e p ç ã o de homem como ser

 espiritual.

Se

 este

 contexto for ignorado,

 todo

 o sentido do

 texto

 é alterado. Basta conside

rar a

 h i p ó t e s e

 de este texto, por exemplo, ter sido escrito no

  s é c u l o

  X I X , em que

a clonagem de seres humanos não passava de

 pura

  ficção c ientí f ica  e não era,

como nos dias atuais, uma possibilidade que a

 c i ê nc i a

 considera. Este texto não

teria o estatuto que  atribuímos a ele, o de colocar em cena um conflito  i d e o l ó g i

co atual, mas lhe seria

 atribuído

  o estatuto de

  f i c ç ão c i e nt í f i c a

por abordar

fatos  i nc onc e bí ve i s ao homem da  é p o c a .  O contexto  hi s tór i c o - soc i a l , e ntão ,  o

contexto de

 e nunc i aç ão ,

 constitui parte do sentido do discurso e

  n ã o

 apenas um

apê ndi c e

 que pode ou não ser considerado. Em outras palavras, pojde-se d izer

que,

 para

 a AD, os sentidos são historicamente

 c o n s t r u í d o s . 

Althusser (1970)

  afirma,

 como já apontado anteriormente, qve a classe

dominante, para manter sua

  d o m i n a ç ã o ,

 gera mecanismos que perpetuam e re

produzem as

  c ondi ç õe s

 materiais,

 i d e o l ó g i c a s

 e

  po l í t i c as

 de

  e xpl or aç ão ,

 dentre

esses mecanismos, os aparelhos

 i d e o l ó g i c o s

 de Estado ( A I E ) . O discurso, como

també m

 já foi apontado, é um aparelho

 i de o l óg i c o a tr avé s

 do qual se dão os

 

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embates entre

 p o s i ç õ e s

 diferenciadas. É

 p o s s í v e l

 compreender melhor esta afir

m a ç ã o

  a

 partir

 da

 c r óni c a

 analisada.

Nela

 é delatado um conflito entre os discursos religioso e

 c i e nt í f i c o . Ocor

re

 que

 esse

 conflito

  n ã o

 é apenas um embate entre

 estes

 dois discursos, mas é,

antes, um confronto entre

  f o r ç a s i d e o l ó g i c a s .

  O conflito, materializado na

a l t e r nânc i a

 das

 p o s i ç õ e s

 que o personagem Papa ocupa durante seu devaneio

  ora desempenha o papel de autoridade da

  Igr e ja C ató l i c a , i ns t i tu i ç ão

  que

representa, ora ocupa o lugar de um homem comum fascinado pelas promes

sas da

 c i ê n c i a

 de sua

 é p o c a

 —, é

  carateríst ico

 de

  p o s i ç õ e s i d e o l ó g i c a s c o n t r á

rias  u m a

 em

  r e l aç ão

 à outra em um momento dado, ou seja, o conflito é

 carac

t e r í s t i c o

  de um embate de nossa

  é p o c a .

  O

  texto,

 portanto, não se apresenta

como um conjunto de enunciados unificados por

  p o s i ç õ e s i d e o l ó g i c a s

 não-

conflitantes, como

 algo

  h o m o g é n e o .

  Ao

 c ontr ár i o ,

 o

 texto

 se constitui de dis

cursos divergentes cujas fronteiras se intersectam (o

  pr ópr i o

 devaneio se ca

racteriza

 pela

  a u s ê n c i a

 de uma

 d e m a r c a ç ã o

 definida entre uma

 p o s i ç ã o

 e ou

tra);

 o texto é

  h e t e r o g é n e o ,

 não é

 p o s s í v e l

  definir um dos discursos sem reme

ter ao outro.

O

 que se pode dizer do devaneio do

 Papa?

 Que ele representa um posi

cionamento da

  Igr e ja Cató l i c a

  com

  r e l aç ão

 à liberdade

  d õ h o m e t n

  diante dá

pr ópr i a

  vida? Que ele representa as possibilidades que a

  c i ê n c i a

  moderna

oferece ao homem de ser senhor da

  própria

 vida? Não é

  p o s s í v e l

  optar por

apenas uma das

  h i p ó t e s e s

  sem incorrer no risco de desconfigurar o sentido

do texto. O devaneio do Papa representa, ao mesmo tempo, o posicionamento

c a t ó l i c o

  e o posicionamento da

  c i ê n c i a

  moderna, ele só existe na verdade

porque existe um conflito,

  é t i c o

  no caso, entre as duas

  p o s i ç õ e s .  Assim,

  o

texto

 não é um ou outro discurso, mas é a

 r e l a ç ã o

 entre eles. A AD chama de

formação ideológica

  (FI)

 este

  confronto de

  for ç as

  em um dado momento

h i s t ó r i c o :

Falar-se-á

 em

  formação ideológica

 para

 caracterizar um

 elemento (determinado

aspecto da luta nos aparelhos)

 susceptível

 de

 intervir

 como uma

 força

 confron

tada

 com outras

 na

 conjuntura

 ideológica característica

 de uma

 formação

 social

em um momento dado; cada

 formação ideológica

 constitui assim um conjunto

complexo de atitudes e de

 representações

 que não são nem individuais , nem

universais

mas se

 relacionam

 mais ou menos

 diretameníe

 a

 posições

 de classe

em conflito umas com as outras4'.

4 1 .

  Haroche, C, Henry, P.

Pê c h e u x

M. (1971) são citados por

  B r a n d ão I I .

 N.

  Introdução  à

Análise  o  Discurso 7. ed. Campinas, Edi tora da

  U N I C A M P

1998a, p. 38.

Sendo assim, uma

  for maç ão i de o l óg i c a

 comporta necessariamente mais

de uma

  p o s i ç ã o

  capaz de se confrontar uma com a outra. Na verdade, numa

for maç ão i de o l óg i c a ,

 as

 for ç as não

 precisam estar necessariamente em confron

to; elas podem entreter entre si

 r e l aç õe s

 de

 a l i anç a

 ou

 t a m b é m

 de

  d o m i n a ç ã o .

 A

ideia

  de confronto foi colocada em destaque aqui unicamente em

  f u n ç ã o

  do

texto

 analisado.

O

 conceito de

  for maç ão

  discursiva

 ( F D ) ,

 já apresentado, é utilizado pela

A D

 para

 designar o lugar onde se

 articulam

 discurso e ideologia. Nesse sentido

é

 que podemos dizer que uma

 for maç ão

 discursiva é governada por uma forma

ç ão i de o l óg i c a .

 Como uma

 F I

 coloca em

 r e l aç ão

 necessariamente mais de uma

for ç a i de o l óg i c a ,

  uma

  for maç ão

  discursiva sempre

  c o l oc ar á

  em jogo mais de

um

 discurso. No caso da

 c r óni c a

  analisada, temos interligados por uma

  r e l aç ão

de

  forças contraditórias

 o discurso da

 c i ê nc i a

e o discurso religioso .

Para

 esclarecer melhor a

 c onst i tu i ç ão

 de uma

 f o r m a ç ã o discursiva,

 gosta

ríamos

  de analisar uma

 tira

 de

  B i l l

 Watterson:

Fonte: Watterson, B. Os dez anos de Calvin v.

 I I,

  1996.

Cal v i n ,

 o personagem-menino que assume o papel de sujeito do discurso

A força para mudar

 o que eu puder, a inabilidade de aceitar o que eu não posso

e a incapacidade de ver a

  diferença ,

  enuncia do interior de uma

  f o r m a ç ã o

discursiva.

 Como uma FD é um dos componentes de uma

 for maç ão i d e o l óg i c a

e spe c í f i c a ,

 o fechamento, o limite que define uma

 f o r m a ç ã o

  discursiva é

  i nstá

vel ,

 pois ela se inscreve em um

 e spaç o

 de embates, de lutas

 i d e o l ó g i c a s .

  Assim,

um a

 F D não consiste em um limite

  traçado

 de maneira definitiva; uma FD se

inscreve

 entre diversas

 for maç õe s

 discursivas, e a fronteira entre elaS se desloca

em

 funç ão

 dos embates da luta

 i de o l óg i c a ,

 sendo

 esses

 embates

  r e c upe r áve i s

  no

interior

 mesmo de cada uma das FDs em

  r e l a ç ã o .

 Vejamos como* isso se dá

no discurso de

  C a l v i n .

  A

  aná l i se , e sboç ada

  no quadro que se  segue,  foi-nos

1 2 6 I NT R OD U Ç O

 

LINGUISTICA ANÁLISE

 DO

 D ISCURSO 127

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apresentada por um aluno do 2 o ano de Tradutor e

 Intérprete

 da Universidade de

F r a n c a

42

,

 por

 o c a s i ã o

 da leitura da primeira

 ve r são

 deste texto. Nós a

 reproduzi

mos aqui como uma  contribuição para a e x p l a n a ç ã o do conceito em que stão .

FD

FD CRISTÃ

FD INDIVIDUALISTA

A força para mudar

o que eu puder

A força para mudar o que

puder

 (objetiva

 transformar)

A força para mudar o que puder

(objetiva uma imposição ditatorial)

A

 inabilidade

 para

aceitar o que eu não

posso

A habilidade de aceitar o que

não

 pode ser mudado

(resignação

 diante dos

obstáculos intransponíveis)

A

 inabilidade

 de aceitar o que não

pode ser mudado (revolta e

insatisfação

 diante dos

 obstáculos

intransponíveis)

A incapacidade de

ver

 a diferença

A capacidade de ver a

diferença (aspira-se à

sabedoria)

A incapacidade de ver a

 diferença

(aspira-se somente à realização

das vontades pessoais, nada deve_

delê-las)

O quadro apresentado mostra o

 discurso

 dé Calvin c õ i i i õ decorrente <le um

embate entre duas  for maç õe s discursivas, a  FD cristã ,  enunciada a partir de

um

  lugar

  i d e o l ó g i c o

 que valoriza a

  c onv i vê nc i a pac í f i c a

 e equilibrada de um

sujeito consigo mesmo e com o

  p r ó x i m o ,

  e a

  F D

 individualista , enunciada a

partir de um lugar

 i de o l óg i c o

 que valoriza a vida pautada pelos desejos pessoais

e particulares do sujeito (os nomes dados às FDs são bastante

  e sque mát i c os ,

no sentido de rotularem os discursos; foram escolhidos em

  f u n ç ã o

 do que julga

mos ser o componente

  se mânt i c o

 mais

  caracter íst ico

 das FDs em

  que stão

 e são

aqui utilizados apenas para fins  di dát i c os ) . De acordo com o quadro, um mesmo

enunciado pode ser compreendido de duas maneiras,

 dependendo

 do lugar ideo

l ó g i c o

 de onde é enunciado. A

 força

 para mudar o que eu puder pode  signifi

ca r

 a luta por uma

  transformação

  pautada na boa vontade e na solidariedade

cristãs

  ou uma

  i m p o s i ç ã o

  ditatorial pautada pelo  egocentrismo e individualis

mo. Ao mesmo tempo, enunciados  como  A inabilidade para aceitar o que eu

n ão

 posso

e A incapacidade

 para

 ver a

 diferença ,

 que parecem nos remeter

univocamente à

  F D

 individualista , no quadro são apresentados  como nos re

metendo  t a m b é m  à FD cristã .  O leitor  deve  estar se perguntando por quê.

U m a

  breve

  apr e se ntaç ão

 do conceito de heterogeneidade discursiva

 poderá

  es-

42 .  Agradecemos a  Eugé nio Rodrigues pela  c ont r ibu iç ã o .

clarecer essa

 q u e s t ã o .

 Antes,

  p o r é m ,

 n ão

 p o d e r í a m o s

 deixar de fazer uma refe

rência

 a Bakhtin (1929/1988) que, fazendo uma

 crít ica

 à

 c o n c e p ç ã o

 saussureana

de

 l í ngua

 como um sistema

 m o n o l ó g i c o ,

 apresenta a

 n o ç ã o

 de dialogismo sobre

a

 qual se funda uma grande parte da

 L i n g u í s t i c a

43

,

 inclusive a AD.

Bakhtin  (1929/1988) considera que a verdadeira s u b s t â n c i a  da  l í ngua  é

c onst i tu í da pelo f e n ó m e n o social da i nte r aç ão verbal e que o ser humano é in

c o n c e b í v e l

  fora das

 r e l aç õe s

 que o ligam ao outro44. E partindo

 desse

 pressupos

to que  critica  a

  c o n c e p ç ã o

  de

  l í ngua

  enquanto estrutura, pelo fato  de, ao ser

tomada como alheia aos processos sociais, não ser

 ar t i c u l áve l

 com uma

 prática

social concreta, com a

 história

 e tampouco com o sujeito.

Segundo

 Authier-Revuz

 (1982) , um paradigma é constante nos estudos do

círculo de Bakhtin: o p õ e m - s e o d i a l ó g i c o ao m o n o l ó g i c o , o  m ú l t i p l o ao ú n i c o , o

h e t e r o g é n e o

  ao

  h o m o g é n e o

45

.

  O dialogismo do

  c í r c ul o

 de  Bakhtin,  no entanto,

n ão

 tem como

 pr e oc upaç ão central

 o

  d i á l o g o

 face a face, mas diz respeito a uma

teoria de

 d i a l o g i za ç ã o

 interna do discurso. E nesse sentido que, para Bakhtin,  o

discurso, cujo dialogismo se orienta  para  outros discursos e  para  o outro da

i n te r l oc uç ão ,

 instaura-se numa perspectiva plurivalente de sentidos, bem como

a própria  palavra que,  pelo fato  de ser atravessada por

 sentidos

  c onst i tu í dos

Ii i stõt ícátr ienfé ,  hão é  thõh  não c neutra, mas atravessada pelos discur

sos nos quais viveu sua

 e x i s t ê nc i a

  socialmente sustentada46.

Recorrendo a

 este

  conceito  de dialogismo47  concebido  pelo

  c í r c u l o

  de

Bakhtin,

 Authier-Revuz

 (1990) indica algumas formas de heterogeneidade mos

trada no discurso, formas que se art iculam sobre a realidade da heterogenei

dade constitutiva de todo discurso. A heterogeneidade constitutiva,  segundo

Maingueneau (1997), não é marcada em  superfíc ie ,  mas a AD pode  defini-la,

formulando  hi póte se s ,  a partir  do pressuposto da p r e s e n ç a  constante do Outro

na c onst i tu i ç ão

  de uma

 for maç ão

  discursiva (é bastante evidente aqui como  o

conceito  de heterogeneidade constitutiva do discurso de que se vale a AD é

43 . Ver os  c a pí tu los  Sintaxe ( referimo-nos à Sintaxe Funcional),  Soc io l inguí s t i c a e  Linguí s t i c a

Textual

no volume 1

 desta

 obra, e os

  c a pí tu los Se mâ nt i c a

(referimo-nos à

  S e m â n t i c a

  da

  Enunc ia ç ã o) ,

Pr a gmá t i c a e  A n á l i s e  da  C onve r s a ç ã o neste mesmo volume. :

44 .  Remetemos o  leitor  a Brait (1997), uma  c o le t á ne a  de artigos que  apresenta estudos sobre  os

principais  conceitos da obra bakhtiniana. ;

45 .  Authier-Revuz (1982) é citada em  B r a n d ã o , H . N ,  Introdução  à  Análise  do  Discurso 7. ed.,

Campinas. Editora da

  U N I C A M P ,

  1998a, p. 52.

  4

46.   Bakhtin

  (1929/1988). *

47 .

 Embora ele se situe na perspectiva da

  Se mâ nt i c a

 da

  Enunc ia ç ã o ,

 cabe citar aqui (Jlexto de Ducrot

(1984/1987),  Esboço  de um teori polifônica  d enunciação em que o autor,  c o n t c s t a n d á a unicidade do

sujeito falante, procura mostrar como em um mesmo enunciado é  pos s íve l  detectar mais de uma voz.

Remetemos o

 leitor

 ao  c apí tu lo Se mâ nt i c a ,  neste mesmo volume, para maiores  inf or ma ç õe s .

 128

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caudatário

 do

 conceito

 de dialogismo de

  Bakhtin) .  Authier-Revuz

 (1982) apon

ta três

 tipos de heterogeneidade mostrada:

a)

  aquela em que o locutor ou usa de suas

  próprias

 palavras

 para

 traduzir

o discurso de um Outro (discurso relatado) ou

 e ntão

 recorta as palavras

do Outro e as cita (discurso direto);

b)

  aquela em que o locutor assinala as palavras do Outro em seu discurso,

por meio, por exemplo, de aspas, de

  itál ico,

 de uma

  r e m i s s ã o

 a outro

discurso, sem que o fio discursivo seja interrompido;

c)   aquela em que a pr e se nç a do Outro não é explicitamente mostrada na

frase, mas é mostrada no

  e s p a ç o

  do

 i mpl í c i to ,

 do sugerido,

  como

 nos

casos do discurso indireto livre, da

  antífrase,

 da

 ironia,

 da

 i mi taç ão ,

 da

a l u s ã o 4 8 .

Essas t r ê s

  formas de heterogeneidade mostrada assinalam a

 pr e se nç a

  do

Outro

 na

 supe r f í c i e

  discursiva de maneira diferente,

  desde

 formas mais eviden

tes (a, b), que Authier-Revuz (1990) classifica

 como

 heterogeneidade mostrada

marcada,  até a forma mais complexa,

  menos

  evidente (c) , em que a voz do

locutor se mistura à do Outro, e que a autora classifica

 como

  heterogeneidade

mostrada n ã o - m a r c a d a .  No entanto, independentemente dessa  c l ass i f i c aç ão ,  to

das essas formas de heterogeneidade

  e s t ã o

 ancoradas no

 pr i nc í p i o

  da heteroge

neidade constitutiva do discurso.

Retornando agora à

 anál ise

  da

  tira

 de Watterson, apresentada no quadro,

ficará  mais claro de compreender por que os enunciados A inabilidade  para

aceitar o que eu não

 posso

e A incapacidade  para ver a di fe r e nç a são apre

sentados como

 nos remetendo  també m  à  FD cristã .

Nos dois enunciados há a

 marca

 da

 n e g a ç ã o

 — o prefixo

  n

 —, uma forma

de heterogeneidade mostrada marcada na superfíc ie do discurso. Por

 meio

 desta

marca,  o que é

  negado

  é justamente o discurso que é apresentado no quadro

como

  nos remetendo à FD cristã :  A habilidade  para  aceitar o que eu não

posso

e A capacidade

  para

 ver a

 diferença .

 Assim, a

 n e g a ç ã o

 de um discurso

necessariamente nos remete a ele, de forma que ele pode ser percebido

 como

 a

pr e se nç a

 do

  Outro

no interior do discurso que o nega.

 o enunciado A

  força para

  mudar o que eu puder ,

 como

 já foi

  dito

anteriormente,  t a m b é m  nos remete à FD cristã e à FD materialista , mas

pela

  pr e se nç a

  da heterogeneidade mostrada

 não-mar c ada

 na

 supe r f í c i e

 discur-

48.

  Authier-Revuz. 1982) é citada em

  Brandão .

  H.

 N .

op.

  c it . .

 p. 50.

siva.  É no  e s p a ç o  do sugerido que percebemos esta heterogeneidade, é em

f u n ç ã o  da r e l a ç ã o  que

 estabelecemos

 entre A  força para mudar o que eu pu

der

e os demais enunciados do discurso de

  Cal v i n

  que percebemos a dupla

a l u s ã o

 deste

 enunciado. Retomando Maingueneau (1997), é formulando  h i p ó

teses desse

 tipo

 que podemos perceber a

 pr e se nç a

 constante do Outro na cons

t i tu i ç ão  de uma  f o r m a ç ã o  discursiva, que

  podemos

 perceber a realidade da

heterogeneidade constitutiva do discurso. A

  própria

  Authier-Revuz (1982)

considera que os dois

  n í v e i s

 de heterogeneidade mostrada, a marcada e a

  n ã o -

marcada, são, na verdade, formas  l i nguí s t i c as  de r e p r e s e n t a ç ã o  de diferentes

modos

 de

  n e g o c i a ç ã o

  do sujeito falante com a heterogeneidade constitutiva,

sendo

 a heterogeneidade mostrada n ã o - m a r c a d a uma forma mais  arriscada  de

n e g o c i a ç ã o

  porque, ao jogar com a

  d i l u i ç ã o ,

  é mais dificilmente controlada

pelo

  sujeito.

F o i p o s s í v e l  perceber, e n t ã o , que existe, numa f o r m a ç ã o  discursiva, sem

pr e a  p r e s e n ç a do Outro, e é esta  p r e s e n ç a que confere ao discurso o caráter de

ser h e t e r o g é n e o . O quadro apresentado a partir da aná l i se da tira de Watterson

mostra de maneira bastante  clara

  esse

  c ar áte r he te r ogé ne o do discurso. Ape

sar

 de

  C a l v i n

  enunciar de um lugar

  i d e o l ó g i c o ,

  digamos, individualista , os

e m h a t e s . e n t r e - e s t e . l u g a r . i d e o l ó g i c o . e  o  cristão' ' são  r e c u p e r á v e i s no interior

mesmo da FD.  C a l v i n ,  ao ironizar o discurso  c r i s tão

  negando-o

  através  de

uma par ódi a ,

  recupera-o como parte constitutiva do discurso. É nesse  sentido

que Maingueneau (1997), considerando que uma

 f o r m a ç ã o

 discursiva

 n ã o

 pode

ser compreendida

 como

 um

 bloco

 compacto e fechado, mas que ela é definida

a partir

 de uma incessante

  r e l aç ão

 com o Outro, afirma o primado do interdis

curso sobre o discurso.  Para  ele, a unidade de  aná l i se pertinente não é o dis

curso,

 mas um  e s p a ç o de trocas entre  vár i os discursos. Os diversos discursos

que atravessam uma FD não passam de componentes, ou seja, em termos de

g é n e s e ,  tais discursos não se constituem independentemente uns dos outros

para

  serem, em seguida,  postos  em

  r e l a ç ã o ,

  mas se formam de maneira

regulada no interior de um interdiscurso.

  Se r á

  a

  r e l a ç ã o

  interdiscursiva,

pois, que

  e str utur ar á

 a identidade das FDs em

  q u e s t ã o .

 A AD-3 e as recen

tes pesquisas tomam,

  como

 já apontado, o interdiscurso

 como

 um pressu

posto  t e ó r i c o .  '

O primado do interdiscurso

 pode

 ser muito bem percebido na

 crónica

  Um

s ó  seu filho , pois o sentido do

 texto

 não

 pode

 ser apreendido q?n um  e spaç o

fechado,

  dependente

 de uma

 p o s i ç ã o

 enunciativa absoluta ou de f)utra, mas ele

deve

 ser apreendido

 como

  circulação dissimétríca de uma pos i ç ão -e nunc i a t i va à

outra. Observemos dois trechos.

130 I N TR OD U Ç O

 

LINGUST ICA ANÁLISE

 DO

 DISCURSO 131

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7/25/2019 AD - MUSSALIM, Fernanda Análise Do Discurso Pp101-142

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Quando a voz pergunta ao Papa qual era o seu

  úl t i mo

  pedido, o Papa,

depois

 de alguma  he s i taç ão ,  responde:

Quero nascer de novo, mas no futuro —

 retrucou.

 Quero nascer sob a forma de

outra pessoa e saber se serei novamente seminarista, e padre, e cardeal, e papa.

Quero que algumas destas minhas  células sejam transplantadas para um

 tubo

 de

ensaio e dali talvez para um ventre, de

 onde

 eu

 renasça:

 corpo, rosto e

 mente

iguais aos que tive quando

 nasci.

 Código genético

 igual ao meu, sem a

 interferên

cia

 abastardante de genes de uma

 fêmea,

 de

 um a

 parideira intrusa. Quero que meu

espírito

 se

 faça

 carne, mas quero ser o Pai

 único

 de meu Filho.

Nesse trecho, podemos perceber que

 h á

 um

 di á l ogo

 incessante entre a voz

da c i ê nc i a

 —

  C ó d i g o g e n é t i c o

 igual ao meu, sem a

 interferência

  abastardante

de genes de uma

 f ê m e a ,

 de uma parideira intrusa.

—•

 e a voz da

 r e l i g i ão

  —

Quero que meu  espír i to se faç a carne, mas quero ser o Pai ú n i c o de meu Filho .

A p o s i ç ã o enunciativa do sujeito do discurso, no caso o personagem Papa, mo

bilizado

 pelo

 autor

 como

 r e s p o n s á v e l por esta e n u n c i a ç ã o ,

 circula

 dissimetrica-

mente pelo

 e s p a ç o interdiscursivo, na medida em que ora enuncia de uma posi

ç ã o ,

 ora de outra. \_

O  mesmo ocorre quando

 esse

 personagem faz uma  reflexão a respeito do

que ele voltaria a viver se nascesse de novo. Atravessando o discurso sobre a

sua trajetória

 na

 Igreja

  Cató l i c a ,

  é

  p o s s í v e l

 perceber a

 pr e se nç a

 de um discurso

de

  crít ica

  à

  Igreja,

 uma vez que faz

  referência

  à

  arrogância

  de alguns de

 seus

companheiros, ao mesmo

  tempo

 que dejxa entrever em sua fala um certo senti

mento

  de orgulho e desforra ao referir-se ao seu brilhante futuro: De

  novo

estudarei o latim e a  álgebra,  de

  novo

  andarei  a n ó n i m o e de batina por entre

homens arrogantes que não suspe i tar ão  o meu futuro .

Nesses dois trechos, o personagem ora enuncia de um lugar

  i de o l óg i c o ,

ora

 de outro. Os trabalhos mais recentes da A D não considerariam que os dois

p ó l o s

 enunciativos de

 onde

 enuncia o personagem Papa

 são c onst i tu í dos

  priori

e só  e ntão  colocados em  r e l aç ão , mas que essa c i r c ul aç ão d i ss i mé tr i c a de uma

p o s i ç ã o  enunciativa à outra ocorre devido ao

  fato

  de o campo discursivo

(Maingueneau, 1984) — conjunto de f o r m a ç õ e s discursivas com mesma  funç ão

social

  que se encontram em  c onc or r ê nc i a , a l i anç a  ou neutralidade aparente e

que se divergem sobre o  modo pelo  qual tal

  funç ão

  deve  ser preenchida —

através

 do qual o sujeito do discurso circula se caracterizar essencialmente por

ser um

 e s p a ç o

 interdiscursivo. Do ponto de vista da

 A D ,

 seria

 poss í ve l

  dizer que

o  efeito de devaneio do sujeito-personagem é

  c onstr u í do

 sobre a possibilidade

de  c i r c ul aç ão entre  pos i ç õe s  enunciativas que o campo discursivo oferece.

3 . 2 .  noção de  sen t ido para a D

Considerando o que foi apresentado até aqui com  r e l aç ão à n o ç ã o de dis

curso com a qual a AD trabalha (conceitos de  f o r m a ç ã o discursiva,  for maç ão

i d e o l ó g i c a ,

  heterogeneidade, interdiscurso), seria quase redundante dizer que,

para

 a AD, o c ar áte r d i a l óg i c o do discurso é constitutivo de seu sentido,

  isto

 é,

que o sentido de uma

 f o r m a ç ã o

  discursiva

 depende

 da

 r e l aç ão

 que ela estabele

ce com as f o r m a ç õ e s  discursivas no interior do  e s p a ç o interdiscursivo.

A

 heterogeneidade constitutiva do discurso o impede,

 como

 vimos, de ser

um e spa ç o e s táve l ,

  fechado ,

  h o m o g é n e o ,

 mas não o redime de estar inse

rido em um

 e s p a ç o

 controlado, demarcado pelas possibilidades de sentido que a

f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a pela qual é governado lhe concede. Uma for maç ão discur

siva,

 apesar de

  he te r ogé ne a ,

  sofre as

  c o e r ç õ e s

  da

  f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a

  em que

e s tá

 inserida. Sendo assim, as

  se quê nc i as l i nguí s t i c as poss í ve i s

 de serem enun

ciadas por um sujeito já  e stão previstas, porque o  e s p a ç o interdiscursivo se ca

racteriza  pela defasagem entre uma e outra

  f o r m a ç ã o

  discursiva. Explicando

melhor: as  se quê nc i as l i nguí s t i c as poss í ve i s de serem enunciadas por um sujei

to circulam entre esta ou aquela

  f o r m a ç ã o

  discursiva que

  c o m p õ e m

  o inter

discurso.

O  devaneio do personagem Papa é bastante esclarecedor

  nesse

  sentido.

O ra

  o personagem fala a

 partir

  de um lugar

  i d e o l ó g i c o ,

 ora de outro. Ora é o

representante da

  Igreja

  Cató l i c a  diante de Deus — Obrigado, Senhor. Não

m e r e ç o esta graça —, ora é apenas umjhomem moderno atormentado pela ideia

da

  morte — Nascer de novo .

Mas não

 seria

 í nve r oss í mi l

 o personagem Papa, mobilizado

 pelo

 autor

 como

r e sponsáve l  pela  e n u n c i a ç ã o ,  pedir  para  nascer de novo? É justamente

  neste

ponto

 que a AD se mostra bastante esclarecedora. Para a A n á l i s e do Discurso, o

que  está em q u e s t ã o não é o sujeito em si; o que importa é o lugar i d e o l ó g i c o de

onde

 enunciam os sujeitos. E m outras palavras, no  e s p a ç o interdiscursivo, enun

ciando do interior de uma

  f o r m a ç ã o

  discursiva de cunho

  i de o l óg i c o c r i s tão -

c a tó l i c o ,

 o personagem jamais poderia pedir para nascer de novo. Ao fazer esse

pedido, o que ocorre é que ele deixa de enunciar inscrito em uma

 E D

 de cunho

c r i s tão -c a tó l i c o

 e passa a enunciar de um outro lugar

 i d e o l ó g i c o ,

  estando  inscri

to, assim, em outra for maç ão discursiva. Dessa forma, apesar do  caráter constitu-

tivamente  h e t e r o g é n e o do discurso, não se

 pode

  c o n c e b ê - l o

  como

 livre de res

t r i ç õe s . O que é e o que não é  p o s s í v e l  de ser enunciado por um sujeito já  está

demarcado pela

  própria formação

  discursiva na qual

  está

 inserido. Os sentidos

p o s s í v e i s

 de um discurso, portanto, são

 sentidos

 demarcados, preestabelecidos

32

ANÃUSE

 DO

  DISCURSO 133

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pela  própria identidade de cada uma das  f o r m a ç õ e s discursivas colocadas em

r e l aç ão no  e s p a ç o interdiscursivo.

No entanto, apesar dos sentidos p o s s í v e i s de um discurso estarem prees

tabelecidos,

  eles

  não são  c o n s t i t u í d o s 

priori

ou seja,

  eles

  não existem

antes do discurso. O sentido vai se constituindo à medida que se constitui o

pr ópr i o

 discurso. Nã o existe, portanto, o sentido em si, ele vai sendo deter

minado simultaneamente às  p o s i ç õ e s i d e o l ó g i c a s  que vão sendo colocadas

em jogo  na  r e l a ç ã o  entre as  f o r m a ç õ e s  discursivas que  c o m p õ e m  o inter

discurso.

Se tomarmos como exemplo a

 pr ópr i a c onst i tu i ç ão

 da

 c r óni c a

  Um só seu

filho , ou melhor, se a tomarmos como uma  metáfora de como se constitui o

sentido  para a AD, ficará  bastante  fáci l de compreender a n o ç ã o  de sentido.

O sentido da c r óni c a não é dado  priori mas vai sendo  c onstr uí do à me

dida que se  c onstr ó i  o texto. Não se tem

 

priori  com muita clareza o que  está

efetivamente ocorrendo com o personagem  Papa.  O personagem vai sendo

c onstr uí do  à medida que o texto vai sendo  c onstr uí do  e, por sua vez, vai-se

construindo o sentido do texto à medida que se dá a sua  própria consti tuição.

E s s e  sentido, no entanto, não é qualquer sentido,

  mas.está.previstQ-.pelas..forças

i d e o l ó g i c a s colocadas em jogo na c r óni c a . A AD diria que os sentidos  poss í ve i s

para  esta  c r ó n i c a  deslocam-se entre (e aqui diremos de maneira bastante

e sque mát i c a

 e simplificadora, apenas

 para

 exemplificar) a

  for maç ão

  discursiva

da c i ê nc i a

e a

  for maç ão

  discursiva

 c ató l i c a .

  No

  e s p a ç o

 de

  c i r c ul aç ão

  entre

essas duas

  f o r m a ç õ e s

  discursivas é que residiria o sentido. O sentido, portanto,

n ão  é ú n i c o , já que se dá num e s p a ç o de heterogeneidade, mas é necessariamen

te demarcado.

U m  outro exemplo que pode ser esclarecedor é pensarmos nas propagan

das eleitorais que a cada quatro anos assistimos pela

 te l e v i são .

 Os discursos de

cada

 partido ou  pol í t i c o não são elaborados previamente e guardados em gave

tas até a data prevista para serem enunciados na T V . Mas, à medida que vai se

dando o embate  p o l í t i c o entre partidos e candidatos, os discursos vão sendo

escritos, re-escritos, e os sentidos,  e ntão , vão sendo c onst i tu í dos no  próprio pro

cesso

 de

 c o n s t i t u i ç ã o

 dos discursos. Evidentemente,

 não são

 quaisquer sentidos

que são c onst i tu í dos a partir de uma f o r m a ç ã o  discursiva, como j á foi dito ante

riormente, mas somente aqueles previstos pela

  for maç ão i de o l óg i c a

  que rege

determinado discurso. Assim, no contexto atual, dificilmente ouviremos de um

candidato do PT algo como Vamos privatizar os setores  bás i c os da economia

ou. então, dc um candidato do P F L ,  Abaixo a  privatização .

3 3 O  conceito  de suje ito  na D

N ã o fica muito difíc i l de prever, considerando o percurso que fizemos até

aqui,

 de que maneira a subjetividade é concebida pela AD. P a r a abordarmos

essa  que stão ,  consideraremos as fases da AD apresentadas anteriormente, já

que, decorrente de cada n o ç ã o de discurso, t ê m - s e diferentes  n o ç õ e s de sujeito.

N a  A D- 1, como cada processo di scursivo é gerado por uma  máqui na

discursiva , o sujeito não poderia ser concebido como um

  i n d i v í d u o

 que fala

( eu falo ), como  fonte do próprio discurso. O sujeito, para a A D - 1 , é concebi

do como sendo assujeitado à maquinaria

 [para

 utilizar um termo do

  próprio

P ê c h e u x (1983/1990)], já que está submetido às regras e s p e c í f i c a s que delimi

tam  o discurso que enuncia. Assim, segundo essa  c o n c e p ç ã o de sujeito, quem

de fato fala é uma insti tuição, ou uma teoria, ou uma ideologia

49

.

N a A D - 2 ,  a n o ç ã o de sujeito sofre uma alteração que precisa ser compre

endida no interior da n o ç ã o  de  f o r m a ç ã o  discursiva de Foucault (1969/1971):

assim como uma FD é concebida como uma di spe r são , no sentido de não ser

formada por elementos ligados entre si por um pr i nc í pi o de unidade, o sujeito

t a m b é m o é. Não existe mais, neste  segundo momento, a n o ç ã o  de um sujei-

7 õ

 marcado

 péla

  ideia de unidade, tal com<) era concebido na

 À D - 1 .

 Ao

 conTra-

rio,

 a n o ç ã o

  de

  di spe r são

 do sujeito (Foucault , 1969/1971) é aqui retomada; o

sujeito passa a ser concebido como aquele que desempenha diferentes  papé i s de

acordo com as

 vár i as pos i ç õe s

 que ocupa no

 e s p a ç o

 interdiscursivo. Dessa for

ma , na A D - 2 ,  vigora a ideia de que o sujeito é uma f u n ç ã o , e que ele pode estar

em mais de uma 50 . No entanto, nesta segunda fase, o sujeito, apesar da possibi

lidade de desempenhar diferentes  p a p é i s ,  não é totalmente  livre;  ele sofre as

c oe r ç õe s

 da

 f o r m a ç ã o

 discursiva do interior da qual

 enuncia,

 já que esta é regu

lada por uma

  for maç ão i de o l óg i c a .

  Em outras palavras, o sujeito do discurso

ocupa um lugar de onde enuncia, e é este lugar, entendido como a  representação

de  traços  de determinado lugar social (o lugar do professor, do  pol í t i c o ,  do

public i tário, por exemplo), que determina o que ele  pode ou não dizer a  partir

dali. Ou seja,

 este

 sujeito, ocupando o lugar que ocupa no interior de uma for

m a ç ã o  social, é dominado por uma determinada  f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a  que

preestabelece as possibilidades de sentido de seu discurso.

Com r e l aç ão ,

 portanto, às

 c o n c e p ç õ e s

 de sujeito da

 A D - 1

  e efa

 A D - 2 ,

 pode-

se dizer que, apesar de diferentes, elas s ão influenciadas por uma|eoria da ideo-

49

Possenti, S.  Apresentação  d Análise  do  Discurso.  Campinas, s.d. h). Mimeograf ado.

5

Possenti, s.d. tb). mimeografado.

  34 INTRODUÇÃO

 À

 UNGUÍST CA ANALISE

  O

 DISCURSO 35

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logia que coloca o sujeito no quadro de uma

 f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a

 e discursiva

( B r a n d ã o ,

 1994). Nesse sentido é que

 para

 a AD

 n ã o

 existe o sujeito individual,

mas apenas o sujeito

  i d e o l ó g i c o :

  a ideologia se manifesta (é falada)

  através

dele.

N a A D - 3 ,

  por sua vez, a

 n o ç ã o

 de sujeito sofre um deslocamento que

 inau

gura uma nova vertente, bastante atual, da

 A n á l i s e

  do Discurso. Nessa terceira

fase,

  a c o n c e p ç ã o

 de sujeito é definida de forma um pouco menos 'estruturalis

ta' 51 .

  C o m p a t í v e l

  com uma

  n o ç ã o

  de discurso marcado radicalmente pela

heterogeneidade — afirma-se na AD-3 o primado do interdiscurso —, tem-se

um

  sujeito essencialmente

  h e t e r o g é n e o ,

 clivado, dividido.

O s

  trabalhos de  Authier-Revuz52 ,  em torno dos quais se desenvolve essa

nova

 vertente, incorporam descobertas das teorias do inconsciente, que consi

deram que o centro do sujeito não é mais o

  estág i o

 consciente, mas que ele é

dividido, clivado entre o consciente e o inconsciente. Inserido nesta base

conceituai, o sujeito da AD se movimenta entre

  esses

  dois

  p ó l o s

  sem poder

definir-se em momento algum como um sujeito inteiramente consciente do que

diz.

  Nesse sentido, o eu perde a sua centralidade, deixando de ser senhor de

si ,

 já que o outro , o desconhecido, o inconsciente, passa a fazer parte de sua

identidade. Õ sujeito é,

 e n t ã o ,

 um sujeito descentrado, que se define agora como

sendo a

 r e l a ç ã o

 entre o

  eu

e o outro . O sujeito é constitutivamente

  heterogé

neo, da mesma forma como o discurso o é.  Para  Authier-Revuz (1982), a

heterogeneidade mostrada é uma tentativa do sujeito de

 explicitar

 a

 presença

 do

outro no fio discursivo, numa tentativa de harmonizar as diferentes vozes que

atravessam

 o seu discurso, numa busca pela unidade, mesmo que

  i lusória.

Apresentadas

 as

  c o n c e p ç õ e s

  de sujeito em

  três

 diferentes fases da AD, é

p o s s í v e l

  perceber que, apesar de distintas, elas possuem uma

 característ ica

  em

comum: o sujeito

 n ã o

 é senhor de sua vontade; ou temos um sujeito que sofre as

c o e r ç õ e s

 de uma

  form ação i deo l óg i ca

 e discursiva, ou temos um sujeito subme

tido à sua

  própria

 natureza inconsciente.

É

 preciso salientar,

 t a m b é m ,

 que, ao contrapormos uma primeira vertente

(AD-1

  e AD -2 ) a uma segunda, mais atual, o fizemos de maneira a focalizar

apenas os aspectos

  di scr í m i nadores

 entre essas vertentes. No entanto, Authier-

Revuz,

 ao

 privilegiar

 o enfoque da

 d i m e n s ã o

 do inconsciente como constitutiva

da

 linguagem e do sujeito, não deixa de

  c o n c e b ê - l o s

 — linguagem e sujeito —

51 Possenti. S. Discurso, sujeito e o trabalho de escrita.

 I n:

 Nascimento, E

  M

F. S..

 Gregolin. M

do

R V. orgs.)

  roblemas  amais da

 Análise

  do

  Discurso

Araraquara, Editora da UNESP. 1994. p. 35.

52 Ver Authier-Revuz 1982. 1990 e 1998).

no interior de uma perspectiva discursiva em que se articulam com o

  i d e o l ó g i

co. Por sua vez, a AD-1 e a

  A D - 2 ,

 ao conceberem o sujeito como interpelado

pela ideologia,

  n ã o

 deixam de

  c o n c e b ê - l o t a m b é m

 como um sujeito inconscien

te. Os esquecimentos 1 e 2 de que tratam

 P ê c h e u x

  &

 Fuchs

  (1975) são uma

e v i d ê n c i a

 disso. Segundo os autores, o sujeito se ilude duplamente: a) por es-

quecer-se de que ele mesmo é assujeitado pela

  f o r m a ç ã o

  discursiva em que

es tá

 inserido ao enunciar (esquecimento

  n. 1);

 b) por

 crer

 que tem plena

  c o n s c i ê n

c ia

 do que diz e que por isso pode controlar os sentidos de seu discurso (esque

cimento n. 2). Esses dois esquecimentos  estão  constitutivamente relacionados

ao conceito de assujeitamento

 i d e o l ó g i c o ,

 ou

 i n t e r p e l a ç ã o i d e o l ó g i c a ,

 que con

siste em fazer com que cada

 i n d i v í d u o

  (sem que ele  tome

  c o n s c i ê n c i a

  disso,

m as,

  ao

  contrári o ,

 tenha a

  i m p r e s s ã o

  de que é senhor de sua

  própria

  vontade)

seja levado a ocupar seu lugar, a identificar-se ideologicamente com grupos ou

classes de uma determinada

 form ação

  social 53 .

O

 personagem

 Papa,

 tal como foi

  const i tu í do

 pelo autor da

 c r ó n i c a ,

 é uma

boa

  m etá fora

 de como se constitui o sujeito

 para

  a

 A D .

 Exemplificaremos aqui

a const i tu i ção

 desse sujeito, considerando-o apenas a

 partir

 das perspectivas da

AD-2eda-AD-3,-por serem-essas as-perspectivas que se mostraram mais produ

tivas no campo da

 A n á l i s e

  do Discurso.

N a

 perspectiva da

  A D - 3 , d i r í am o s

 que o personagem Papa é um persona

gem

  h e t e r o g é n e o ,

 que por alguns momentos

  cr ê

 que tem

  c o n s c i ê n c i a

 do que diz

  Nascer de novo —, mas que, a seguir, se depara com a

 p r ó pr i a i n c o n s c i ê n

ci a

 —  Sabia que quem acabara de fazer aquele pedido não era o

  a n c i ã o

 caleja

do  pelos  debates

  e s c o l á s t i c o s ,

  o erudito capaz de enfrentar a teologia e a

m eta f í s i ca  em 12 idiomas . O personagem em  q u e s t ã o  é uma m etá fora  de um

sujeito dividido pela

  própri a i nconsci ênci a .

N a

 perspectiva da

 A D - 2 ,

  por sua vez,

 d i r í a m o s

  que o personagem Papa é

assujeitado pelas

 f o r m a ç õ e s discursivas

 colocadas em

 r e l a ç ã o

 no texto, por enun

ciar

 apenas o que já

 está

 previsto por estas mesmas

  F D s .

 Assim, o personagem

enuncia inscrito num  e s p a ç o  discursivo demarcado pela  f o r m a ç ã o i d e o l ó g i c a

que o rege. De acordo com o que vimos analisando da

  cróni ca

  em

  questão ,

d i r í a m o s ,

 de maneira bastante

  e s q u e m á t i c a ,

  que este personagejn enuncia ins

crito

 em um

 e s p a ç o

 discursivo que coloca em uma

 r e l a ç ã o

 de conflito os discur

sos religioso e

  ci ent í f i co ; enunci ará ,

 portanto, apenas o que

  está^previsto

  como

enunciados

  poss í ve i s para

  estas

  F D s .

  |

5 3 Bra n d ã o H. N. Op. cit. p. 89.

137

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3 4

s

  condições

 de

 p r o d u ção

 do

 d iscurso

A

 dupla

 i l usão

 do sujeito de que tratam

 P ê c h e u x

  & Fuchs (1975), aborda

da  anteriormente, é, para a AD, constitutiva das  c o n d i ç õ e s de  pr oduç ão do dis

curso. Como

  decorrência

 dessa dupla

  i l usão , mani f e s taç õe s

 que se dão no

  ní ve l

da supe r f í c i e  discursiva,

 como

 a heterogeneidade mostrada, foram interpreta

das por

  P ê c h e u x

  (1969)  como uma

  e v i dê nc i a

  dessa

  relação imaginária

  que o

sujeito tem com o

 próprio

 discurso,

 como

 uma

  manifestação

 da tentativa

  (i lusória)

de controlar o próprio  discurso.

Assim,

 para a AD , o sujeito, por não ter

 acesso

 às reais

 c o n d i ç õ e s

 de pro

d u ç ã o de seu discurso devido à  i nc onsc i ê nc i a de que é atravessado e ao  pr ópr i o

conceito de discurso com o qual trabalha a AD — uma teoria materialista da

discursividade —, representa

  essas

  c o n d i ç õ e s

  de maneira

  imaginária.

  É o que

P ê c h e u x

  (1969) chama de jogo de imagens de um discurso. Reproduziremos a

seguir o quadro que o

  pr ópr i o

  autor apresenta:

Expressão

 que designa as

Significação

 da

Questão implícita cuja

formaç ões imaginárias expressão

resposta subentende a

formação imaginária

correspondente

MA)

Imagem do lugar de

 A

 para

Quem sou eu para lhe

A

  <

MA)

o sujeito colocado em

 A

falar assim?

V

M«*)

Imagem do lugar de B para

Quem é

 ele para que eu lhe

V

M«*)

o sujeito  colocado em

 A

fale assim?

M-B)

Imagem do lugar de B para

Quem

 sou eu para que ele

B

  >

M-B)

o sujeito colocado em B

me fale assim?

^

  MA)

Imagem do lugar de A para

Quem

 é ele

 para

 que me

^

  MA)

o sujeito colocado em B

fale assim?

A

Ponto de vista de

 A

sobre R

De que lhe falo assim?

B

Ponto de vista de B

sobre R

De que ele me fala assim?

onter  Pêcheux , 1969/1990.

A  fim de facilitar a  c o m p r e e n s ã o

  desse

  quadro

54

  para o leitor , vamos

apr e se ntá - l o

 dividindo-o em

 dois

 blocos:

1. A imagem que o sujeito, ao enunciar seu discurso, faz:

a)

 do lugar que ocupa;

b) do lugar que ocupa seu interlocutor;

c)

 do

  pr ópr i o

 discurso ou do que é enunciado.

2. A imagem que o sujeito, ao enunciar seu discurso, faz da imagem que

seu interlocutor faz:

a)

 do lugar que ocupa o sujeito do discurso;

b) do lugar que ele (interlocutor) ocupa;

c)  do discurso ou do que é enunciado.

Esse

 jogo

 de imagens,

  mesmo estabelecendo

 as c o n d i ç õ e s de  p r o d u ç ã o do

discurso, ou seja, aquilo que o sujeito

 pode/deve

 ou não dizer, a partir do lugar

que ocupa e das

  r e pr e se ntaç õe s

 que faz ao enunciar, não é preestabelecido  antes

que o sujeito enuncie o discurso, mas este jogo vai se constituindo à medida que

se constitui o

  pr ópr i o

 discurso. Em outras palavras, o sujeito não é livre para

di/.ef o que quer, a

 pr ópr ia opç ão

 do que dizer

 já

 é

  é ú i s i

  determinada pelo lugar

que ocupa no interior da  for maç ão i de o l óg i c a  à qual  e s tá  submetido, mas as

imagens que o sujeito  c onstr ó i ao enunciar só se constituem no  pr ópr i o  proces

so discursivo.

Ainda  mais uma vez no* valeremos da

  me tá for a

  do personagem, agora

para explicar como as imagens se constituem no

 pr ópr i o

 processo discursivo. O

discurso do sujeito-personagem  não e s tá c onst i tu í do a

 priori

mas vai se deline

ando à medida que ele representa a voz que lhe fala, a partir das imagens que faz

do que lhe é dito. Ass im, por exemplo, num primeiro momento, coloca-se

 como

um

 sujeito que não teme a morte —

  E

 meu

  ú l t i m o

 dia de vida,

 isto

 não

 deve

 me

amedrontar; é como quando

  após

 uma

  r e fe iç ão a l gu é m

 retira de minha frente o

prato vazio. Porque me rebelar, seja

 fruí

 o que me interessava?

— ,

 jmas redefine

todo

 seu discurso a partir da imagem que faz de si naquele  momento — Ele

fitou a palma da pr ópr ia mã o: viu com espantosa nitidez as linhas e ais comissuras

da

 pele,

 viu as rugosidades, o intrincamento

  têxti l

 das camadas superpostas, viu

54 .

  Remetemos

 o leitor a Osakabe (1979), que.  a l ém  fazer uma  ap r es en t ação bastaifie esclarecedora

do jogo de imagens de  P ê c h eu x ( 1969), reestrutura  esse quadro mostrando a  necessidade de se considerar

os  atos de linguagem como pertinentes às  cond ições  de  p r o d u ç ão . Assim,  t e r í amos uma outra  representa-

ç ão :  O que A pretende falando  dessa  forma?''.

13S

I N TRODUÇ O

 

UNGUÍSnC

ANÁUSE

 DO

  DISCURSO

  I S *

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o fervilhar da

  maté r i a

 viva e as

  c é l u l a s

  que se partiam e se fundiam umas às

outras como gotas d' água . E nesse sentido que o jogo de imagens faz parte das

c o n d i ç õ e s  de  p r o d u ç ã o  de um discurso na medida em que as imagens que o

sujeito vai construindo ao enunciar vão definindo e redefinindo o processo

discursivo.

4

CONSIDER ÇÕES

 FIN IS

Abordamos neste artigo o que julgamos ser fundamental

  para

 um primeiro

contato

 com a

 A n á l i s e

 do Discurso buscando ao mesmo tempo esclarecer por

meio das

 a n á l i s e s

  aqui apresentadas os conceitos que foram colocados. Quere

mos ressaltar no entanto que este texto não esgota de forma alguma as ques

tõe s que são colocadas pela AD ; p r o p õ e - s e  apenas a ser uma porta de entrada

poss í ve l par a  o campo fornecendo ao leitor alguns  subs í d i os par a que ele possa

iniciar

 seus estudos na

 área.

Assim

concluir

 este texto

  significa apenas concluir a

  r e f l e xão

  que fize

mos nestas poucas

  pág i nas ,

  já que muitos  aspectos poderiam ainda ser aqui

considerados. O por c o n c l u í - l o  retomando apenas um aspecto já

abordado

 neste  capítulo, por

 julgarmos

  crucial enfatizá-lo

 ao falarmos em

 A n á

lise do Discurso: sua especificidade.

O

  leitor

  deve

  ter percebido ao entrar em

  contato

  com os

  conceitos

 que

embasam a AD que a

 de f i n i ç ão

 de

 todos

 eles se fundamenta sobre uma caracte

rística

  em comum a saber a constitutividade: o discurso o sentido o sujeito as

c o n d i ç õ e s  de  p r o d u ç ã o vão se constituindo no próprio processo de  enunciação.

E   não poderia ser diferente. A A D ao se propor a não reduzir o discurso a

aná l i se s

 estritamente

  l i nguí s t i c as ,

 mas

 abor dá- l o també m

 numa perspectiva his-

tór i c o - i de o l óg i c a ,

  não poderia constituir-se enquanto disciplina no interior de

fronteiras

  rígidas,

  que não levassem em conta a interdisciplinaridade seja com

determinadas

  áreas

 das

  c i ê nc i as

  humanas como a

 História,

  a Sociologia a

 Psi

c aná l i se ,

  seja com certas

  te ndê nc i as

  desenvolvidas no interior da

  própria  L i n

guí s t i c a , como a  Se mânt i c a  da  E n u n c i a ç ã o  e a  Pragmática,  por exemplo.

Devido a essa interdisciplinaridade a

  Anál i se

  do Discurso se apresenta

como uma disciplina em constante processo de c onst i tu i ç ão ,  de onde decorre a

constitutividade dos

  próprios

 conceitos que a fundamentam.

  E s s a

 interdisciplina

ridade diriam alguns poderia colocar a AD numa

  s i tuaç ão

  de extrema fuga

cidade. No entanto

esse  caráter

 interdisciplinar não é o perigo que a espreita.

N a

  verdade o

 ú n i c o

 perigo que poderia

 c o l oc á - l a

 em xeque seria o de

 n ão

 reco

nhecermos sua especificidade e tentarmos excluir de seu campo as contradi-

ç õ e s ,  as irregularidades em vez de simplesmente tentarmos  apr e e ndê - l a s  na

materialidade discursiva.

Se o leitor tiver apreendido esse caráter da A n á l i s e do Discurso terá com

preendido sua

 caracter íst ica

 fundamental. O mais

  será

 uma

  que stão

 de interesse

que obviamente esperamos ter despertado com esta

  i ntr oduç ão .

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 dado dado

  e o

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• •

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 março

 de

1997. Caderno

 Mais.

5

r lEUROLMGÚÍSTIC

Edwiges Morato

1   NEUROUNGÚÍSTICA:  UM  REVE PERCURSO HISTÓRICO

A

  Ne ur o l i nguí s t i c a

  é, sem

  d ú v i d a ,

 um dos campos mais recentes da  L i n

guí s t i c a . P ar a

 se ter uma

 ideia,

 no

  Br as i l ,

 ela aparece como disciplina de curso

de

  gr aduaç ão (Le tr as

  e

  L i n g u í s t i c a )

  e

  també m

 como

  área

 de pesquisa na pós-

gr aduaç ão   apenas na Universidade  Estadual  de Campinas  ( U N I CA M P )  — e

isso a

  partir

  dos anos 1980. Contudo, há

 gente

 dedicando-se cada vez mais à

i n v e s t i g a ç ã o  na área de N e u r o l i n g u í s ti c a ,  seja desenvolvendo pesquisas em ní

ve l

  de

 p ó s - g r a d u a ç ã o

 em outras universidades, seja procurando estimular a pro

d u ç ã o

  de conhecimento na

  área

 por meio do aprimoramento de

  m é t o d o s

  diag

n ó s t i c o s

  e

  terapêuticos

 que procuram compreender melhor o funcionamento da

c o g n i ç ã o

  humana. >

Tanto

 as

 de f i n i ç õe s

 quanto as

 de sc r i ç õe s

 do campo de

  atuaçãolda

 Neurolin

guí s t i c a  que encontramos espalhadas pela literatura produzida efn diferentes

campos  como o da

  L i nguí s t i c a

  e o das

  Ne ur oc i ê nc i as )

  revelam que as frontei

ras

  que delimitam seu objeto sã o algo

 m o v e d i ç a s .

  1

Segundo  Caplan  1987), a Ne ur o l i nguí s t i c a  é o estudo das  r e l aç õe s  entre

c é r e br o

  e linguagem, com enfoque no campo das patologias cerebrais,

 cuja

 in

v e s t i g a ç ã o

  relaciona determinadas estruturas do

  c é r e br o

  com

  distúrbios

  ou as-