Acustica Rodoviaria - Fundamentos e Medidas de Controle

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1 ACÚSTICA RODOVIÁRIA Fundamentos e Medidas de Controle (1,2) EDUARDO MURGEL A poluição sonora nas imediações de rodovias constitui, sem dúvida, um aspecto ambiental de grande importância, mas só recentemente vem surgindo uma preocupação das autoridades gover- namentais e instituições ambientalistas com relação a este problema. Neste sentido, estão se tornando comuns as exigências para se garantir um adequado nível sonoro resultante da operação destas vias, mas ainda não contamos com procedimentos de rotina e adequada normalização técnica. O RUÍDO EM RODOVIAS As fontes de ruído de tráfego em rodovias podem ser divididas em duas categorias princi- pais: ruído de motor e escapamento; atrito entre pneus e pavimento. O ruído de motor e escapamento é determinado basicamente pelo nível tecnológico e modo de operação dos veículos. As recentes leis de controle de emissão têm obrigado os fabricantes a de- senvolverem veículos menos ruidosos, principalmente nas condições de aceleração com carga do motor, visto ser esta a condição de ensaio. A influência da rodovia, neste aspecto, está relacionada com as condições gerais de tráfego e topografia, sendo emitido maior nível sonoro nos trechos de maior movimento, sinuosos e em aclive. O ruído gerado pelo atrito entre pneus e pavimento está diretamente relacionado com a velo- cidade desenvolvida, com a rugosidade do pavimento e com o tipo de pneus utilizado. Como o en- saio de homologação de ruído veicular é feito em aceleração, a 50km/h, o ruído dos pneus tem pou- ca interferência no mesmo, não sendo o foco de preocupação prioritária dos fabricantes. Logo, neste caso, a influência das características da rodovia no ruído resultante é bastante relevante, sendo de- terminado pelo tipo e condições do pavimento utilizado, e tanto mais intenso quanto maior a veloci- dade de tráfego. Medições realizadas indicam que uma rodovia com tráfego intenso, com grande número de veículos pesados, pode chegar a gerar níveis sonoros de cerca de 80 dB(A) à margem das mesmas, a cerca de 30 metros do eixo da pista. A legislação brasileira determina que o máximo nível sonoro, no período noturno, seja de 60 dB(A), mas também nunca ultrapassando em mais de 10 dB(A) o ruído de fundo. Assumindo-se um ruído de fundo de 40 dB(A) para uma área residencial, à noite, o máximo permissível seria de 50 dB(A). A Organização Mundial da Saúde, por sua vez, recomenda que em áreas residenciais o nível de ruído não ultrapasse os 55 dB(A). Logo, no caso de existirem residências às margens de rodovi- as de tráfego intenso, faz-se necessário uma redução do nível sonoro da ordem de 20 a 30 dB(A). O controle do nível de ruído pode ser obtido por três vias distintas: reduzindo o ruído da fonte; limitando a transmissão do som; ou isolando o receptor. 1 Resumo de: Murgel, E. - “Medidas de Controle de Ruído em Rodovias”, painel apresentado no I Congresso Iberoame- ricano de Acústica / 18 o Encontro da SOBRAC, FIA (Federação Iberoamericana de Acústica) e SOBRAC, Florianó- polis, Abril/98 2 Publicado na Revista Infra-Estrutura, n o 2, SINICESP, 1999

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ACÚSTICA RODOVIÁRIA Fundamentos e Medidas de Controle (1,2)

EDUARDO MURGEL

A poluição sonora nas imediações de rodovias constitui, sem dúvida, um aspecto ambiental de grande importância, mas só recentemente vem surgindo uma preocupação das autoridades gover-namentais e instituições ambientalistas com relação a este problema. Neste sentido, estão se tornando comuns as exigências para se garantir um adequado nível sonoro resultante da operação destas vias, mas ainda não contamos com procedimentos de rotina e adequada normalização técnica. O RUÍDO EM RODOVIAS As fontes de ruído de tráfego em rodovias podem ser divididas em duas categorias princi-pais: ruído de motor e escapamento; atrito entre pneus e pavimento. O ruído de motor e escapamento é determinado basicamente pelo nível tecnológico e modo de operação dos veículos. As recentes leis de controle de emissão têm obrigado os fabricantes a de-senvolverem veículos menos ruidosos, principalmente nas condições de aceleração com carga do motor, visto ser esta a condição de ensaio. A influência da rodovia, neste aspecto, está relacionada com as condições gerais de tráfego e topografia, sendo emitido maior nível sonoro nos trechos de maior movimento, sinuosos e em aclive. O ruído gerado pelo atrito entre pneus e pavimento está diretamente relacionado com a velo-cidade desenvolvida, com a rugosidade do pavimento e com o tipo de pneus utilizado. Como o en-saio de homologação de ruído veicular é feito em aceleração, a 50km/h, o ruído dos pneus tem pou-ca interferência no mesmo, não sendo o foco de preocupação prioritária dos fabricantes. Logo, neste caso, a influência das características da rodovia no ruído resultante é bastante relevante, sendo de-terminado pelo tipo e condições do pavimento utilizado, e tanto mais intenso quanto maior a veloci-dade de tráfego. Medições realizadas indicam que uma rodovia com tráfego intenso, com grande número de veículos pesados, pode chegar a gerar níveis sonoros de cerca de 80 dB(A) à margem das mesmas, a cerca de 30 metros do eixo da pista. A legislação brasileira determina que o máximo nível sonoro, no período noturno, seja de 60 dB(A), mas também nunca ultrapassando em mais de 10 dB(A) o ruído de fundo. Assumindo-se um ruído de fundo de 40 dB(A) para uma área residencial, à noite, o máximo permissível seria de 50 dB(A). A Organização Mundial da Saúde, por sua vez, recomenda que em áreas residenciais o nível de ruído não ultrapasse os 55 dB(A). Logo, no caso de existirem residências às margens de rodovi-as de tráfego intenso, faz-se necessário uma redução do nível sonoro da ordem de 20 a 30 dB(A). O controle do nível de ruído pode ser obtido por três vias distintas: reduzindo o ruído da fonte; limitando a transmissão do som; ou isolando o receptor.

1 Resumo de: Murgel, E. - “Medidas de Controle de Ruído em Rodovias”, painel apresentado no I Congresso Iberoame-

ricano de Acústica / 18o Encontro da SOBRAC, FIA (Federação Iberoamericana de Acústica) e SOBRAC, Florianó-polis, Abril/98

2 Publicado na Revista Infra-Estrutura, no 2, SINICESP, 1999

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REDUÇÃO DA FONTE DE RUÍDO Controle dos Veículos. A atual resolução CONAMA de controle de emissão veicular limita o nível sonoro de auto-móveis a 77 dB(A) e de veículos pesados entre 78 e 84 dB(A), dependendo de suas características, conforme método de ensaio em aceleração, segundo NBR-8433. Estudos realizados pela CETESB (3) concluíram que, na prática, após a completa substituição da frota circulante por veículos projetados segundo a legislação atual, o ruído resultante nas vias de tráfego deverá diminuir entre 3 e 5 dB(A). Tipo de Pavimento O tipo de pavimento da rodovia tem grande influência no ruído resultante, especialmente em trechos de mais alta velocidade. O pavimento de concreto gera um nível sonoro cerca de 2 dB(A) maior que o asfalto con-vencional, sendo por isto não recomendável em trechos urbanizados ou próximos a residências. (4) Por outro lado, o uso de pavimento asfáltico de baixa rugosidade acarreta em uma redução do nível sonoro resultante de até 3 dB(A), em relação ao asfalto convencional. (5) Estudos recentes demonstraram que reduções desta ordem podem ser obtidas com uso de pavimento asfáltico poroso com polímero, que apresenta a vantagem de garantir as condições de aderência dos pneus. (6)

Velocidade de Tráfego Com o aumento da velocidade de tráfego, os motores passam a operar em maiores rotações e, principalmente, o ruído do atrito entre pneus e pavimento aumenta proporcionalmente. Limitar a velocidade máxima em 80 km/h, para os automóveis, e em 60 km/h, para os cami-nhões e ônibus, traz o efeito de diminuir o ruído resultante em cerca de 2 dB(A), em relação a um limite de 100 km/h. (3) Logo, a simples medida de impor um limite de velocidade máxima mais rigoroso no período noturno, com a instalação de “lombadas eletrônicas”, conjugado com o uso de pavimento asfáltico de baixa emissão de ruído, pode reduzir o ruído nas áreas urbanizadas próximas a rodovias em cerca de 5 dB(A). Considerando-se também o efeito a longo prazo da Resolução CONAMA, de controle dos veículos, conclui-se que a rodovia, como fonte sonora, poderá reduzir o nível de emissão de ruído, no máximo de 8 a 10 dB(A), portanto muito aquém das necessidades ambientais. Assim sendo, para se atingir o objetivo de redução de ruído, no receptor, de 20 a 30 dB(A), torna-se indispensável que se parta para a limitação da transmissão sonora e/ou o isolamento do receptor, sempre que estes estiverem localizados muito próximos à rodovia. ISOLAMENTO DO RECEPTOR Medida amplamente utilizada no Japão, o isolamento do receptor, mediante a instalação de janelas de vidro duplo, entre outros artifícios arquitetônicos, tem o potencial de garantir, no interior das residências, baixíssimos níveis sonoros, independente do que se passa no exterior. No entanto, trata-se de ação de grande interferência na propriedade privada, sendo recomen-dável apenas nos casos em que todos os demais recursos não foram suficientes. Para o caso do Brasil, onde o tratamento acústico das rodovias não está sequer começando, não faz sentido dirigir maiores atenções para este procedimento, enquanto os demais métodos de controle não forem amplamente aplicados. 3 Schmidt, D.E.et alli - “Impacto do Programa de Controle de Ruído Veicular” - Cetesb, Anais do Seminário de Emis-

sões Veiculares, AEA, 1992. 4 CEDAR - Central European Environmental Data Request Facility - “National Environmental Plan”, Austrian,1997. 5 European Commission Green Paper - “Future Noise Policy”, Brussels, 1996. 6 Murgel, E. – “Influência do Uso de Pavimento Asfáltico Poroso com Polímero na Emissão de Ruído de Tráfego”, apresentado no V SIBRAV (Seminário de Acústica Veicular), SP – Agosto/99

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LIMITAÇÃO DA TRANSMISSÃO SONORA A transmissão sonora pode ser limitada por meios naturais ou artificiais. Os meios naturais são as condições topográficas e presença de vegetação. A existência de taludes tem um grande efeito redutor da transmissão sonora sendo, portanto, recomendável que, ao cruzar trechos urbanos, as rodovias sejam construídas em linhas de corte ou aterro, sempre que possível. A vegetação natural existente deve ser mantida o máximo possível, pois tem o efeito de ab-sorver as ondas sonoras, dificultando a transmissão. No entanto, plantar à beira de rodovias não constitui um método muito eficaz de controle sonoro, visto que para ter efeito perceptível é necessá-ria uma alta densidade de vegetação, de pequeno médio e grande porte, e por uma faixa de no mí-nimo 50 metros de largura, o que nem sempre é possível. Logo, sempre que houverem residências ou outros receptores sensíveis próximos a rodovias, e as condições naturais do local não limitarem a transmissão sonora em níveis desejáveis torna-se recomendável a instalação de barreiras acústicas. As Barreiras Acústicas. (7)

A instalação de barreiras acústicas possui a finalidade de impedir a livre propagação do som, levando a um decaimento bem mais intenso do que ocorreria em condições naturais. Ao se deparar com um obstáculo, as ondas sonoras podem ser refletidas, absorvidas ou des-viadas (refratadas). Na prática, dependendo do material do obstáculo, sua forma e posição relativa à fonte sonora, parte da onda sofrerá cada um destes três efeitos. A parcela refletida seguirá na direção oposta; a parte absorvida é dissipada, havendo uma pequena parcela, transmitida, que atravessa o obstáculo e segue na mesma direção; e a parcela refratada contorna o obstáculo e atua como uma nova fonte, de menor intensidade, localizada no ponto de contorno do obstáculo. O grau de eficiência, na prática, de uma barreira instalada, vai derivar da composição destes efeitos (transmissão sonora, desvio e reflexão). O adequado dimensionamento de uma barreira con-sidera estes efeitos separadamente, sendo que ter uma atenuação por transmissão direta muito mais elevada do que a que será obtida pelo desvio da onda sonora significa um superdimensionamento do material utilizado, sem acarretar uma melhoria da eficiência global da barreira. Naturalmente, o grau de redução sonora de uma barreira vai depender de inúmeros fatores de localização, geometria e material empregado. A grosso modo, pode-se afirmar que uma barreira de pequena altura, com 2m, instalada à margem da via, pode reduzir cerca de 10 dB(A), enquanto que dispositivos mais altos, com cerca de 4m, podem atenuar até 15 a 20 dB(A). Dependendo das con-dições locais e da geometria da barreira, é possível lograr níveis de atenuação ainda maiores. As barreiras acústicas são construídas nos mais diversos materiais, desde placas de madeira ou metálicas, paredes de alvenaria convencional, concreto armado ou leve e chapas transparentes em acrílico, entre outras alternativas. CONCLUSÃO Para tornar o nível de ruído gerado em uma rodovia aceitável em zonas residenciais lindei-ras, é necessária uma atenuação do ruído de 20 a 30 dB(A). A atual legislação de controle de ruído veicular trará, a médio prazo, uma redução global de 3 a 5 dB(A). Com o uso de pavimento asfáltico de baixa rugosidade e a limitação da velocidade máxima em 80 km/h para automóveis e 60 km/h para caminhões, é possível uma redução adicional de até 5 dB(A). Mesmo assim, ainda falta uma atenuação sonora de 10 a 22 dB(A) nos casos mais críticos. Este nível de atenuação sonora só pode ser obtido com o uso de barreiras acústicas, cuidado-samente projetadas. Dado o seu potencial de atenuação de ruído, na maior parte dos casos, a instala-ção da barreira por si só já é suficiente, dispensando cuidados adicionais.

7 Murgel, E. – “Barreiras Acústicas Rodoviárias: Um novo parâmetro de especificação de vias de tráfego”, Revista En-genharia, Instituto de Engenharia – SP, no 532, 1999

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Em outras ocasiões, quando o nível de atenuação necessária for baixo, basta a correta especi-ficação do pavimento e a limitação da velocidade. É tudo uma questão de incorporar a análise acús-tica ao projeto de qualquer rodovia, buscando-se a solução ideal para cada trecho.

Ruído da Rodo-via

85 dB(A)

Padrão Diur-no

O.M.S. 55

Necessidade de Redução 20 a 30 dB(A)

Controle dos Veículos 3 a 5 dB(A)

Métodos de Contro-le

Tipo de Pavimen-to

Velocidade de Tráfe-go 2 dB(A)

Barreiras Acústi-cas Rodoviárias 10 a 20 dB(A)