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José Adriano de Freitas Carvalho José Adriano de Freitas Carvalho ANTES DE LUTERO: A IGREJA E AS REFORMAS RELIGIOSAS EM PORTUGAL NO SÉCULO XV. ANSEIOS E LIMITES ANTES DE LUTERO: A IGREJA E AS REFORMAS RELIGIOSAS EM PORTUGAL NO SÉCULO XV. ANSEIOS E LIMITES X CITCEM A

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José Adriano de Freitas Carvalho

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ANTES DE LUTERO:A IGREJA E AS REFORMAS

RELIGIOSAS EM PORTUGAL NO SÉCULO XV.

ANSEIOS E LIMITES

n

Colecção «Via Spiritus», III Série – Acta et Monumenta

1. José Adriano de Freitas Carvalho – O meu reinopor um sereno… Viajantes Portugueses emEspanha (1847-1952). Achegas para umaBibliografia

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A

ANTES DE LUTERO: A IGREJA E AS REFORMAS RELIGIOSAS

EM PORTUGAL NO SÉCULO XV. ANSEIOS E LIMITES

ANTES DE LUTERO: A IGREJA E AS REFORMAS RELIGIOSAS

EM PORTUGAL NO SÉCULO XV. ANSEIOS E LIMITESq

José Adriano de Freitas Carvalho

X

À Maria da Graçapor todas as reformas que fizemos e por tantas que não poderemos fazer.

TítuloRevisitando um velho tÍtulo: A igreja e as reformas religiosas

em Portugal no século XV. Anseios e limites

AutorJosé Adriano de Freitas Carvalho

Co-ediçãoCITCEM

Faculdade de Letras da Universidade do PortoVia Panorâmica, s/n.º

4150-564 [email protected]

Edições Afrontamento, Lda.Rua Costa Cabral, 859, 4200-225 Porto

[email protected]

Ano: 2016

Execução gráficaRainho & Neves Lda. / Santa Maria da Feira

[email protected]

ISBN Edições Afrontamento: 978-972-36-1485-5ISBN CITCEM: 978-972-8351-55-5

Depósito legal: 410422/16

Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/HIS/04059/2013,

e pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através do COMPETE 2020 – Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (POCI).

AGRADECIMENTO

Agradeço, de todo o coração, ao Prof.Luís Miguel Duarte o nihil obstat: imprima-tur que, generosamente, apôs no final da lei-tura destas páginas de 1995 – que só o pude-ram receber, porque, além disso e do mais,as actualizou bibliograficamente; e à Prof.ªZulmira Coelho dos Santos o empenhoamigo que determinou a sua sorte editorial,avalizada pela nossa coordenadora cientí-fica, Prof.ª Cristina Cunha, a quem, uma vezmais, tenho de manifestar a minha gratidão.

«… poser un problème, c’est précisément le com-mencement et la fin de toute histoire. Pas de problè-mes, pas d’histoire».

L. Febvre, Professions de Foi au Départ (in Combats Pour I’Histoire)

O título, mesmo se definido por um vagolimite cronológico – século XV – e explici-tado, de algum modo, nos objectivos –anseios e limites – não pretende mais querevisitar, atendendo com mais cuidado asinais de alerta e a rumos de futuro, algu-mas nossas antigas hipóteses de trabalhoque, mal grado a visão esquemática que ascondiciona, poderão ter ainda mais oumenos sentido se projectadas em função de2017, quando, auscultando então precisa-mente os seus anseios, se remeditar, à som-bra dos seus quinhentos anos, na grandeReforma… O que nos propomos analisar éum modesto conjunto de casos – propostasprincipescas…, intervenções reais…, pro-jectos de renovação da vida religiosa… – em

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não de Igreja, mas de dois partidos eclesiais– Roma e Avignon – durante muito dotempo do século XV… Não apenas de dezas-sete ou dezoito anos, mas de quase meioséculo… Um longo meio século.Verdadeiramente, só em 1449, com a renún-cia de Félix V, se poderá falar de uma uni-dade eclesial plenamente restabelecida… Écerto que a quase absoluta fidelidade dePortugal a Roma parecia, de certo modo, tê--lo posto à margem de disputas e facilitado,assim, as reformas que se exigiam… Equando dizemos «as reformas que se exi-giam», queremos aqui também significarnão só as de decisões nesse sentido tomadas,mas também os meios para as tornar efec-tivas. Tantas reformas feitas que, por outrastantas razões, nunca passaram de umadecisão de papel… Não esqueçamos que,mesmo depois de 1417-1418, isto é, depoisque o Concílio de Constança decretou queo futuro único pontífice, que veio a serMartinho V, reformaria a Igreja, bispos por-tugueses houve, como Luís do Amaral,bispo de Viseu, presidindo ainda em 1439à deposição de Eugénio IV em Basileia, quereflectiam as opções, entendamos as hesita-ções do Poder – eclesiástico e civil – quanto

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que senhores, religiosos e leigos afirmam, aolongo de Quatrocentos, a sua vontade deintervir – adaptar…, eliminar…, renovar… –nas estruturas eclesiásticas e religiosas doReino para, segundo os casos, as reformarou para se reformarem, que talvez ofereçaum pequeno índice de «soluções» que seconectavam com «reformar». E isso antesque Lutero transformasse (1517-1521) empoderosa vaga profundas aspirações e,então, mal apercebidas rupturas.

Comecemos, então, por nos perguntar oque poderemos entender por esse título:Antes de Lutero: A Igreja e as reformas reli-giosas em Portugal. Anseios e limites. Umapanorâmica sobre o estado da Igreja esobre as reformas que ao longo de Quatro-centos se foram fazendo ou tentando fazerrectrospectivados hoje como se 1517 tivessede ser um ano fatal? Ou, um pouco maisprecisamente, uma panorâmica sobre aIgreja e as reformas nos tempos de ManuelI e dos Reis Católicos – atrever-nos-emos adissociá--los? –, isto é, nesses fins do séculoXV peninsular que poucas cores tinham deOutono? Mas tal panorâmica, no entanto,parece implica, em termos precisos, falar

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neado Libellus, a Leão X, na esperança deque fosse ele, o jovem e recém eleito papaMedici, o seu motor… A concretização detais exigências implicava então – e implica-ria também aqui – o conhecido e vasto catá-logo de virtudes, ignorâncias, abusos evícios eclesiásticos e profanos, de dirigentese dirigidos, de pastores e ovelhas, comoainda alguns outros dos desenganos – dashiper-legalidades e ilegalidades às pressõesà mão armada… – com que, ao longo doséculo, se viram confrontados os reformado-res e/ou os que se diziam reformadores…Porque tentativas de reformas houve, pug-nando, mesmo com violências, pelo cumpri-mento de obrigações, deveres e votos…,por fazer restaurar ou impor uma vitacanonicale não só no sentido jurídico, mastambém, e talvez principalmente, no sentidomoral e espiritual com base na corretio e nacorreptio…, na ascese e na penitência…

Daí derivaria, igualmente, oferecer umapanorâmica sobre a reforma da jurisdiçãode alguns bispados – Braga…, Tuy…, porexemplo – resultante das fronteiras de obe-diência entre Roma e Avignon…, ou aindasobre a jurisdição civil por parte de algunsbispos – o do Porto, por exemplo também –,

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aos caminhos da reunificação, quer dizer,também de reforma da Igreja… Nesta ordemde ideias, um dos sentidos que encerra a per-gunta da proposta poderia ser como emPortugal se foi reagindo a essa grandereforma da cristandade – a sua reunificaçãona obediência… Seria uma hipótese sedu-tora, mas que, para não resumir a síntese deFortunato de Almeida na sua História daIgreja em Portugal (1930), conduziria, antesde mais, ou a uma enumeração de embaixa-das, bulas, breves, súplicas, cartas, etc.,ainda, no seu conjunto, mal conhecidas enem todas inventariadas, ou a apontar umou outro caso que poderia ser, pontual-mente, significativo, mas não exemplar damarcha da reforma assim entendida… Emqualquer dos casos, mais do que perantereformas estaríamos presentes à reforma daunidade, essa reforma que, a partir dos mea-dos do século, deveria ter permitido come-çar a reorganizar sem apelos a vida espiri-tual da cristandade, isto é, a ir materiali-zando as exigências de reformas, cujo rol,num quadro de «conversão» de judeus,maometanos e «sete nações cristãs» separa-das, Paolo Giustiniani e Pietro Quiriniapresentavam, em 1513, no seu bem pla-

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nhados pelos poderes – reis…, senhores…,prelados… – como outras tantas abandona-dos pelos seus promotores com um non pos-sumus com que traduziam oposições decla-radas aos mesmos poderes ou a inércia comque se viam confrontados… Por exemplo: seo Venturoso nos começos do século XVI sevia confortado com um breve de AlexandreVI (Cum sicut praefactus rex de 13-10-1501)para proceder à reforma dos conventosfemininos, nomeadamente das clarissas,que, segundo a linguagem tópica dos abre-viadores, levavam uma vida lasciva, deso-nesta e, a bem dizer, estranha à religião,alguns anos depois, o piedosíssimo e obses-sivo reformador que foi João III não se coí-bia de levar ao desespero a abadessa das cla-rissas de Vila do Conde impondo-lhes e pro-tegendo uma escandalosa D. Isabel deAtaíde, coroando ainda a protecção comuma tença pessoal que, obviamente, contra-riava todas as regras e todos os votos depobreza… Um Fernando da Guerra, arce-bispo de Braga, visitador do seu clero,reformador de mosteiros, legislador contrao clero irresidente e escandaloso…, comissio-nou, porém, o seu chantre, Vasco Rodrigues,um futuro lóio, para confirmar numa igreja

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ou até sobre a reforma da eleição dos bis-pos…, para não falar de reforma comoextensão de privilégios de algumas institui-ções eclesiásticas – v.g. da Colegiada deNossa Senhora da Oliveira de Guimarães –,ou mesmo sobre a eterna polémica acercada reserva dos benefícios eclesiásticos –tema escaldante em Constança e depois emBasileia –, ou ainda sobre o hiper-melin-droso assunto das comendas abaciais emque tanto e com tanto desengano se empe-nharam Sisto IV e Inocêncio VIII…, ou atésobre a reforma – sempre proposta e sempreposposta na prática e tantas vezes na letra– da acumulação de benefícios eclesiásti-cos…, sem esquecer esse sempre útil lugarcomum do mau viver do clero.., a suatópica ignorância…, ou – para encerrar umalista longe de estar completa – sobre areforma dos abusos na colação de ordensmenores… Poderia ser este o objectivo maisfundo da nossa proposta? Ou deveremos pre-tender uma reflexão sobre as relações – inci-tamentos…, dificuldades…, esquecimen-tos… – entre a Igreja na sua dimensão hie-rárquica e os movimentos de reforma, quede modo mais ou menos institucional – ounão –, foram surgindo, tantas vezes acari-

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talmente, lhe eram não diremos – poramor da paz – estranhos, mas distantes,como os que diziam respeito à conversio cor-dis…, ao modus orandi…, quer dizer, à espi-ritualidade…

Seria este um quadro que organizasseestas pistas no sentido do que já se pôdedizer, durante muitos anos, a pré-reforma –não, evidentemente, por referência àReforma, mas a Trento… Ou deveríamospreferir, como primeira etapa, atender, emuito mais simplesmente, sugerir as linhasde um quadro muito vasto em que se inscre-vessem, a modo de ilustração, alguns factosmais significativos de alguns movimentos –fundação de novas ordens, v. g., os jerónimosou os cónegos de S. João Evangelista, o for-talecimento dos movimentos das observân-cias franciscana e dominicana, a lenta e nemsempre bem vista difusão dos terceirosfranciscanos, por exemplo – que podemrepresentar uma das faces mais logradas dosanseios de reformação desse século? Dequalquer modo, parece evidente a pertinên-cia de tal quadro, pois, apesar de divisões –e, talvez, em parte, por elas – a reformatio,como um anseio permanente e tentativasmais ou menos logradas, atravessou Quatro-

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do arcebispado um clérigo de ordens meno-res que não sabia ler nem contar… É certoque esse reitor minorista jurou que apren-deria dentro de um ano… Não conhecemosa sequência, mas podemos perceber queesse partidário de reformas que parece tersido o arcebispo Guerra não tenha tido assi-nalável êxito, pois ainda – e, talvez, uma vezmais – em 1477 se retomam com urgênciaas ameaças contra o relaxamento da disci-plina eclesiástica…

E olhando para os dias em que, dado ocontexto da recente reunificação da obediên-cia na Igreja, pareceria viver-se sub reforma-tionis signo, atentemos que um rei D.Duarte, em 1436, tentou obter de Roma anomeação do célebre reformador benedic-tino Gomes Eanes – seu assíduo agente emItália –, para visitador geral do clero emPortugal, desejo que não se viu realizado,porque o papa não quis chocar o prior deAlcobaça, seu partidário em Basileia… Esteúltimo exemplo poderia, inclusivamente,introduzir um tema importante que ponde-raremos um pouco mais adiante: o daomnipresença, senão da omnipotência, dojurídico, não só nas reformas de instituições,mas também em domínios que, fundamen-

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Por outro lado, como sabemos e já tive-mos ocasião de recordar, as reformas, mui-tas vezes, foram ou pretendiam ser actos quese reclamavam, antes de mais, do domíniodo jurídico…, sobretudo, naturalmente,canónico, ainda que, alguma vez, como aca-bámos de aludir, o civil cedesse à tentaçãode intervir ou de ameaçar intervir… E com-preende-se que num contexto de interdepen-dências e de interesses os poderes tendes-sem, mais ou menos interessadamente tam-bém, a competir, em nome das reformas, nacorrecção de abusos…, no precisar o alcancede privilégios e insenções…, de dízimos eanatas…, colação de ordens…, etc. O séculoXV português talvez tenha, antes de mais edurante muito tempo, por tal entendido areformatio… E, no entanto, essas necessáriasreformas não relevam dos princípios deonde derivaram as reformas mais profundase duradoiras e, até certo ponto, antecipado-ras dessa reforma que, em grande parteditada por novas divisões, mas, desta vez,pondo em questão as próprias instituiçõese fundamentos doutrinais, se consagrouentre 1545 e 1563… A fundação de novasordens religiosas…, a fragmentação deoutras em aras de uma mais autêntica

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centos… e, como sabemos, só teve as suasconsequências plenas depois de 1563…Estas considerações deram por assente umentendimento basilar acerca da extensão eda compreensão de um termo tão ambíguocomo «reformas»… e, por tal, atrevemo-nosa sugerir alguns factos…, algumas disposi-ções.., algumas situações que costumamoster presentes quando abordamos – quandonão a que, simplificadoramente, reduzimos– as reformas religiosas no século XV… Nasua ampla variedade, tal evocação sugereque por «reformas» entendemos, geral-mente, o que vai da correcção – voluntáriaou imposta – à conversio interior orientadapor ou para a ascese e a compunção…, pas-sando por decisões mais ou menos interes-sadas de, sob o manto de reformação, favo-recer a subtracção de instituições e ordensreligiosas a um controle mais directo oumais perfeito dos seus legítimos órgãos degoverno centrais para, mais independentes,com maior facilidade se submeterem a umpoder régio em avanço… Um pouco por todaa parte, ia vingando o velho ditado DuxCliviae est papa in territoriis suis… E assimprocedeu Afonso V em relação às ligações deAlcobaça com Cister em 1449…

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bulário – e os seus campos semânticos – que,para lá das fórmulas das chancelarias, podetraduzir as perguntas e respostas à volta doreformar, poderá, algum dia, confirmar-nosse os tópicos a que costumamos referir asreformas do século XV – antes de mais à cor-recção mais ou menos frustrada desse rol deabusos conhecidos e que, documentos namão, parecem ter sido de sempre – corres-pondem à ideia que o próprio século, navariedade dos seus cem anos – que não ter-minarão em 1500 –, se fazia do que por tan-tos meios se propunha levar a cabo…

Para já anotemos que reformar pareceser uma aposta desse largo Quatrocentos nasua capacidade de retornar à pristina sani-tas…, de reformare in pristinas vires… – umaaspiração proporcional à do Humanismonascente, o que traduziria, à primeira vista,uma confiança que, usualmente, não costu-mamos levar em conta…, sobretudo quandonos pautamos, unicamente, pelas páginas deJ. Huizinga que nunca poderemos deixar dereler sobre esse Outono da Idade Média…Mas, enquanto tais perspectivas não são pos-síveis, estaremos sempre condenados, paranão repetir, resumidamente, dados mais oumenos conhecidos, a tentar, uma outra

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vivência da própria regra…, o zelo pastoralde alguns prelados derivam de zonas maisprofundas e mais silenciosas em que, atravésda reforma interior, nos tornam patente,como ensinou esse inesquecível Mestre quefoi Dom Jean Leclercq, quanto une réformeecclésiastique n’est pas en premier lieu unequestion de structures institutionnelles, dontseuls les canonistes seraient responsables. Ellesuppose, elle exige un rejeunissement doctri-nal, une rénovation morale, une intensifica-tion de la vie de prière…

E neste sentido, seria extremamenteurgente, na sequência de um antigo, mastanto quanto sabemos, ainda não supe-rado, trabalho de Gebhart B. Ladner paraos tempos patrísticos (The Idea of Reform.Its impact on Christian Thought and Actionin the Age of the Fathers, Cambridge, Mass.,1959) estudar a ideia de reforma no séculoXV – obviamente não apenas no Quatro-centos português – antes de mais em todoo seu vocabulário que poderá ir tambémdesde formare…, reformare…, reformatio…,informare…, commutari in melius…, conver-sio ad meliora…, até corrigere…, emmen-dare…, sanare…, curare…, reficere…, reflo-rescere…, restaurare…, etc. Todo esse voca-

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referentes de uma dinâmica actualizadorado velho princípio ecclesia sempre reno-vanda…, como momentos de um longocaminho – mais de dois séculos – que irádesembocar, como escreve com grandeacerto, P. Chaunu, vers 1500, sur le consen-sus qui n’est pas de la Réforme, mais de sanécessité.

Um dos primeiros documentos em queo ideal de emenda e de emendar vem plas-mado é a célebre carta que o infante Pedro,o das «Sete Partidas», escreveu de Bruges,esse bom mirante da Europa e onde foi tãobem acolhido, em 1426, a seu irmão Duarte,que viria a ser rei de Portugal (1433-1438),um rei cuja cultura se compaginará bemcom o humanismo peninsular dos seusdias – Alonso de Cartagena, um seu altorepresentante, foi seu escutado conse-lheiro – e até com algumas orientações dohumanismo florentino de que o «estóico»Coluccio Salutati talvez tenha sido o repre-sentante atendido pelo rei. Será necessáriolembrar quanto, por exemplo, os seus leaisconselhos sobre o modo de lidar com a pesteparecem reflectir, pese embora a divergên-cia das soluções, o conhecimento da posição

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vez, através do reexaminar do sentido maispreciso de alguns casos – projectos de refor-mas…, observâncias e recolecções…, tenta-tivas de disciplinarização de residência e debenefícios…, fundação de novas ordens…,etc. – tomados como outras tantas etapas,fornecer algumas sugestões para que asreformas religiosas em Portugal venham,algum dia, a ser, mais do que um simplesconjunto de alusões, um quadro em que pos-samos compreender o complexo jogo darenovatio ecclesiae ao longo de Quatro-centos… Alguns dos projectos que reexami-naremos insinuam, alguma vez com a justi-ficação surpreendente das coisas urgentes,caminhos que se verão consagrados, comoutra urgência e justificação, pela Contra--Reforma…, uma designação que, comosabemos, porque guarda, apesar de tudo,tanta utilidade de periodização e defini-ção, parece, como o tem sido, dever ser reva-lorizada quando queremos perceber tantoo «nascimento» como a «afirmação» daReforma…

E um pouco mais: tal designação podepermitir-nos aqui, pertinentemente, ava-liar, num tempo sem contrastes nem divisõesinsanáveis, tais projectos mais que como

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samento… É natural que quem como Pedrode Portugal se empenhou na questão do offi-cius por meio da tradução do De Officiis deCícero e do beneficius pela tradução de DeBeneficiis do Cordovês, pondere,como basedos seus avisos, a importância do ofício derei na repartição dos benefícios espirituaise dos materiais que esses, então, sempre con-levavam…

Se ao rei pertence encamjnhar – apalavra é do infante e pelo contexto pareceque há que tomá-la, exactamente, à letra –aquelles [feitos] que mais principalmentesão seus [de Deus] e estes sem os que perten-çem a Jgreja ou a clerezia…, compreende--se que se ponha imediatamente a questãodos prelados – as suas qualidades e eleição –,questão a que dedicou, em outro «escrito»,um inteiro «conselho» oferecido ao mesmofuturo rei. Se no que toca à sua eleiçãoremete para esse escrito especial em que,fundamentalmente, se limita a explanar oslimites da intromissão dos diversos poderesna sua escolha e que aqui, na carta de1426, resume num simples que sejam feytosdireitamente, no que diz respeito às suasqualidades sublinha, com o rigor caracte-rístico dessa concepção de sociedade que

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do grande chanceler de Florença sobre otema?

De qualquer modo, a carta do Infante éum texto muito interessante para o nossoponto de vista, não só por vir de quem vem,mas também pelas propostas que nela sefazem sem, curiosamente, ter em conta, apa-rentemente, pelo menos, as primeiras e epi-sódicas tentativas (1424-1425) de reforma dealguns mosteiros beneditinos (Xabregas…,Alpendurada…) que por esses dias de 1426,se revelavam já, claramente, sem futuro, ape-sar de conduzidas pelo experiente abadeGomes e um grupo de monges da reformadaabadia de Florença e apoiadas pelo rei de«Boa Memória» e pelo destinatário da carta.O interesse do documento aumenta, porém,quando vemos o seu autor reclamar-se já dasua imediata experiência cosmopolita, istoé, de algu~as outras [coisas] que me pareçe-rom despois que de la me party… Tais«outras coisas» interessariam especialmenteo futuro rei e, se assim for, compreender-se--á melhor que este, em escrito em que, comliberdade de leal conselheiro, fala franca-mente com o irmão sobre as suas virtudese defeitos, tenha ordenado que despois quefosse em esta terra vos fizesse hu~ escrito d’avj-

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he… O futuro rei sabe…, e, talvez, por isso,o irmão não se terá sentido obrigado aexplicitar as razões por que, um tanto para-doxalmente, um tão grande número é detão pouco serviço a Deus… Gostaríamos deas conhecer…, porque, curiosamente, nummovimento simétrico bem natural nos qua-dros culturais do tempo, Pedro de Portugalrecorda que esses mesmos muytos clerigosde ordens menores são igualmente de poucoserviço ao rei, mas, agora, contrastandocom o silêncio anterior, explicita que essepouco serviço se pode resumir no grandeembargo que constituem para a justiça real(a vossa justiça) esses muytos clerigos deordens menores. Percebemos, sem dificul-dade, que reclamando-se desse estado cle-rical reclamassem, consequentemente, pri-vilégios que os isentavam, no todo ou emparte, da justiça do rei que se confrontava,assim, com uma cada vez maior extensão dajustiça eclesiástica… A solução preferidapelo príncipe em ordem à redução dosmenoristas, entendamos, para estender ajustiça real a um maior número de gente,parece passar, naturalmente, por umacordo com os prelados – os que agora sãocomo quãesquer outros que despois vyerem

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no rei e no senhor via o espelho em quecada qual – vassalo…, súbdito…, ovelha… –se devia contemplar, que a bondade dos pre-lados faz grande emenda em os subditos…As qualidades dos prelados – assim, gene-ricamente – são a base da emenda…, masdeve exigir-se que, como dissemos, além debons, sejam feytos direitamente…, querdizer, segundo as normas de direito… Decerto modo, poderia mesmo dizer-se quesão as eleições «feitas direitamente» quegarantem, na sua dimensão social, essa«bondade» e os seus resultados manifesta-dos na emenda…, o que, se for verdade,parece apontar para uma concepção moral,mas também e, talvez, antes de mais, jurí-dica da emenda, o que nos confirmaria queessa era, então, a que mais interessava aopoder régio. Por isso, coerentemente, opríncipe, logo depois, coloca uma questãoque, suspeitamos, afligia, então, o poderreal: o elevado número de clérigos deordens menores.

Vale a pena atentar com algum cuidadonesse trecho da carta. Constatando os muy-tos clerigos de ordens menores, o infantelembra que o príncipe sabe quanto tãogrande número quão pouco serviço de Deos

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além do mais, que se confeririam cada vezmais, donde decorriam privilégios ou aspossibilidades de os obter, o que agravavao problema; por outro lado, o exigir que osclérigos in minoribus soubessem latim,introduzia um requisito não absoluta-mente canónico e, depois, uma dificuldadeque, relevando tanto da ciência como daeconomia, se reduzia o número desse clero,já que o número dos que sabiam ou viriama saber latim seria menor, obrigaria arepensar as condições da sua aprendizageme de formação por se os prelados não se escu-sarem que por mjngoa de latynados nãopoderão ter esta ordenança… O curioso,independentemente de meio século depois,nas cortes de 1481-1482, os povos virem areclamar neste sentido, nos mesmos termose quase com as mesmas palavras, é que seos prelados aceitassem a primeira alterna-tiva – aquela que, segundo cremos, prefe-ria o infante –, o estudo do latim não seriadeterminante e, assim, não só o clero deordens menores podia continuar na sua tra-dicional e, pelos vistos, tolerável ignorânciada língua latina, mas também os estudosnão seriam, pelo menos por estas própriasrazões, reformados…

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– para que nom dessem ordens senão ahomem que quisese ser clerigo, fazendo lheantes que as ordens meores filhase çerto quefilharia as ordens sacras… Mas o príncipeparece admitir antecipadamente que, comolembra Luís Miguel Duarte, os bispos quenão estavam e nunca viriam a estar de bemcom D. Duarte, levantariam dificuldades atal solução, já que a alternativa só deve serapresentada no caso que os prelados em estonom quisesem acordar… Com efeito, se talacontecer, que ao menos fação muyto quenom dem ordens a nenhu~a pesoa que nomsayba falar latym. Os bispos, porém, comosaberia Pedro de Avis, sempre encontra-riam – já vimos um exemplo de Fernandoda Guerra – algum modo de contornar talexigência… Se sentimos, através das diferen-tes condicionantes e concessões mínimasque o príncipe prevê ou exige, as dificulda-des em reduzir – e reformar passou nestesdias, muitas vezes, por reduzir – o elevadonúmero de gente que não sendo civil vivia,no entanto, civilmente, também percebe-mos a íntima relação de dificuldades queo príncipe estabelece. Na verdade, conferirordens menores a quem se sabia que nãoviria a tomar ordens sacras significava, para

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administração, ainda que, naturalmente,com consequências importantes resultantesdessa bondade dos prelados… É possível pen-sar que vai no mesmo sentido de em estascousas que a Igreja pertencem [deve o rei]filhar autoridade…, aviso que o infante dáacerca dessa muyto principal parte da spri-tualidade que são os religiosos… O príncipe,lembrando ao futuro rei, sem que se possamedir exactamente o sentido de tal aviso,que em os quaes [religiosos] vos aindapodeis ser mais prelado que em outros cleri-gos, limita-se não só a exigir que o rei exijasuperiores que lhes exijam que sejam enten-didos, honestos e sesudos… – há que subli-nhar esta exigência «autoritária» –, mastambém a mostrar como se vjrdes que levamo feyto a de çima e não curão, hum preladoque vos o mandeis tirar e dizer ao provjnciale ministro que asy fareis a elle…, será sufi-ciente violência e exemplo para que sejamcorrigidos… Uma série de exigências emcadeia que a autoridade real deve desenca-dear…, o que poderia confirmar que nestacarta de 1426 haverá que considerar opoder real, mesmo se em choque com «inte-reses creados» e falsas tradições, não só omotor e centro das reformas – tema que

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Será, então, interessante recordar queestas últimas propostas de meios para justi-ficar a redução de os muytos clerigos deordens menores e, consequentemente, aper-feiçoar a formação dos de ordens sacras –tudo medidas que, globalmente, diríamos dereforma – aparecem nesta carta como umaalternativa e não como um primeiro objec-tivo. Letra por letra, o infante dir-se-ia pre-ferir a primeira solução – era, aparente-mente, a mais económica e estruturalmentemenos complexa –, mas crê que, apesar detudo, a segunda lograria mais facilmente oacordo dos bispos… E, por isso, estendeu-se,logo depois, a expor – acentuando algunsinstrumentos (os colégios universitários) eestreitando os objectivos – como a unjversi-dade devja ser emendada… Daí se seguiriaque crecerião os leterados e as sciencias e ossenhores acharião donde tomassem capellãeshonestos e entendidos… e, por sua vez, o reileterados pera officiaes da Justiça… e, final-mente, todos encontrariam bons beneficia-dos que serião bons electores e deshy bons bis-pos… De qualquer modo, a este nível daletra e, talvez, mesmo do espírito do escritodo infante, a reforma a haver seria, antes demais, um projecto ao serviço da justiça e da

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berá o rei bom galardão… Convirá, então,recordar que concebida, antes de mais,como um meio de defender ou reforçar aautoridade e, logo, a administração real, talreforma se apresentava, mesmo num quadrocultural que tolerava ou favorecia tais pro-cedimentos e meios, extremamente limitada– para não dizer empobrecida – por essecarácter predominantemente júrídico-admi-nistrativo que, compreendemos, era aqueleque um poder que lhe era estranho lhepodia, enquanto tal, imprimir…

Pelas mesmas datas, ainda que umpouco posteriormente, Fr. André Dias deEscobar, um dominicano que terminousendo beneditino, bispo de várias dioceses epartidário de vários papas antes de seratraído à órbita de Martinho V, correu, comoprofessor, pregador e bispo, toda umaEuropa atravessada por exigências reforma-doras. Autor de uma vasta obra, tomou partee teve um papel activo – de larga enverga-dura, diz um seu excelente editor – nos con-cílios de Constança e de Basileia, MestreAndré Dias propunha no GubernaculumConciliorum (anterior a 1435) um programaem que, como seria de esperar, a reforma –

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muitas profecias, sobretudo as de carácterdinástico, dos fins da Idade Média universa-lizavam ao propô-lo como um forte objectivodo (vivo ou ressuscitado) «Imperador dosúltimos dias» (em sintonia com o «PapaAngélico»), o que traduzia a sua importân-cia e urgência, como então assinalava, porexemplo maior, J. de Rupescissa –, mas tam-bém o definidor dos seus limites. Um cami-nho de largo futuro que percorrerão oVenturoso, o Piedoso, o Cardeal-Rei e ainda,de braço dado com este último alguma vez,o Prudente Filipe aquando, por exemplo,duma pretendida profunda reforma que foia supressão dos franciscanos conventuais naPenínsula Ibérica… E o que diz, logo depois,sobre os fraires – que temos de entenderpelos freires das ordens militares –, excep-tuando algum pormenor sobre costumesinternos e eleições que deve ser reformado,confirma a legitimidade dessa intervençãodesde que sem tyranja ou temporal cobiça,entendamos com entenção de fazer servjçoa Deus e com acordo dos prelados e doutroshomens sesudos que a voso parecer sejam deboa conçiençia… Compreende-se que o prín-cipe que traduziu Cícero e Séneca concluaque, fazendo-se desse modo o «ofício», rece-

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insistência, alguma violência e chantagempolítica –, mas atentemos como larga partedeste seu precioso programa de reformandaecclesia assenta, principalmente, em refor-mas de carácter moral de fundamento jurí-dico visando abolir a simonia…, o tráfico ecobiça de benefícios…, a sua acumulação…,a sua péssima distribuição…, etc., paralograr, como diz um pouco depois, reformara Igreja apostólica segundo os primitivos cos-tumes e acções de virtude… Tal desideratoalcançar-se-ia, no fundo, com a correcção detudo o que, como bem sabemos, as leis ecle-siásticas, repetindo-o tantas vezes, condena-vam e que, por recurso à autoridade papal,práticas e isenções e privilégios de vário tipoe data perdoavam, permitiam, toleravam oufavoreciam… Daí que para André Dias«reformar» pareça ser, antes de mais, umrigoroso cumprimento das «primitivas»leis… E se tal programa encontra dificul-dade de realização é porque choca aberta-mente com mais fundos e tradicionais inte-resses, isto é, como esclarece um pouco maisadiante o bispo português, porque receiamo papa e os seus adjuntos que sejam limita-dos e reduzidos ao direito escrito antes deBonifácio VIII as colações e regressos das

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o conceito e a palavra – é um verdadeiro leit-motiv: Ninguém, segundo o Apóstolo, nospoderá ser nocivo, se formos bons obser-vadores da lei evangélica, espíritos zelosos dafé cristã, sobretudo se reformarmos a Igrejade Deus na sua cabeça e nos seus membros,multiplicando os concílios gerais, arguindo asimonia, ambição e tráfico dos benefícios, asua acumulação, o adultério, o concubinato,a fornicação e a pompa dos clérigos, a tiraniados prelados, a péssima distribuição dosbenefícios e outros vícios públicos, quaisquerque sejam, incluindo os maus costumes; ins-tando os clérigos e prelados virtuosos, afáveise benignos a dirigirem por bons exemplosaqueles que estão debaixo de seus cuidadospastorais, a reformarem assim no temporalcomo no espiritual os benefícios e igrejas quelhes estão afectos e a neles residirem pessoal-mente increpando e, com penas e censuraseclesiásticas, corrigindo e reformando osrelaxados e desobedientes, rebeldes, litigiosose recalcitrantes sem acepção de pessoas…

Deixemos a importância que André Diasatribui à convocação do concílio geral comoinstrumento de reforma – um instrumentoque só veio a ter algum futuro, importan-tíssimo, aliás, porque, então, imposto com

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nunca terá passado de um projecto perdidonas páginas do Gubernaculum Conciliorum,e independentemente de ter exercido cominsistência o munus de pregador…, de se terempenhado na difusão da devoção ao Nomede Jesus – talvez até inaugurando uma medi-tação espiritual cristocêntrica que passarápelo Tratado do santísimo nombre de Jesús(Sevilla, 1525), uma devota compilação detextos patrísticos a que não falta algumatonalidade erasmiana «exigível» na arquidio-cese de D. Alonso Manrique, e, mais tarde,pelo De divimo nomine Iesus, per nomentetragramaton significato (Toledo, 1550) doarcebispo Juan Martínez Silíceo (sob osigno de um nominalismo parisino doscomeços do século adrede adaptado) em queestão presentes traços de hermetismo ecabala cristã, até culminar em Los nombresde Cristo (Salamanca, 1583-1586) de Fr. Luisde León – e dela ter fundado em S. Domin-gos de Lisboa uma confraria a quem desti-nava as laudes e cantigas espirituais que, nosderradeiros anos de vida, ia compondo outraduzindo, como algumas de Jacopone daTodi – outros tantos gestos que haveria queestudar sob o alo do seu zelo apostólico –,Fr. André Dias, sob o patrocínio desse refor-

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pensões e comendas, a acumulação de digni-dades e de ofícios e benefícios, a usurpaçãodas reservas de bispados e dignidades, mos-teiros e quaisquer outros benefícios, a absol-vição dos pecados e excomunhões, a legitima-ção dos bastardos, a dispensa dos graus deconsanguinidade, e outras reservas semelhan-tes, feitas pela cúria e igreja romana contrao direito escrito e autêntico, tal como se lê noslivros de Decretais e de Decretos dos SantosPadres… É neste quadro que se diria apenasdefinido pelos interesses do «caso reser-vado», que há que compreender muitas dasdificuldades de reformas no século XV – enão só português – e quanto o recurso aosclérigos e prelados virtuosos propugnadopor André Dias é quase – ou sobretudo? –um recurso alternativo que, pacificamente,salvando o salvável, propõe aprofundar avivência religiosa assente no exemplo e nocuidado pastoral, centrando um e outro naresidência – do clérigo…, do bispo…, no seubenefício…, na sua diocese… –, essa residên-cia cuja obrigatoriedade só viria a receber– e com que polémicas e dificuldades! – jus-tificação teológica que lhe conferia a indis-cutibilidade decisiva nos últimos tempos deTrento… De qualquer modo, tal programa

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ria, convirá não esquecer a inelutabilidadedos limites que os reformadores – ou os que,por motivos vários, se diziam reformadores– se impunham ou se lhes viam impostos aoreduzirem ou acentuarem as vertentes jurí-dicas ou meramente morais ou disciplinaresdo reformar…

Esta ordem de ideias poderia mesmo ser,até certo ponto, exemplificada nas suasconcretas dimensões num quadro de umadiocese portuguesa através de alguns aspec-tos da acção de D. Fernando da Guerra, umarcebispo de sangue real que rejeu a arqui-diocese de Braga durante meio século…Curiosamente, segundo queixas em cortes,que, verdadeiras ou falsas, podemos retercomo um reflexo da aura «popular» do arce-bispo, teria sido um dos que muito teria dis-pendido com aquela presunção em a cortesobre este capelo [de cardeal]… Anotemo-lo,antes de mais, como um intrépido defensordos direitos eclesiásticos, tanto dos da suacatedral, levando sempre, mesmo em Lisboa,indiferente aos protestos do seu arcebispo –questão precedências que durará séculos –,alçada a cruz primacial, como, diante dopoder real ou senhorial, os civis inerentes ao

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mador que prometera ser Martinho V, nãodeverá ter sido um modelo de bispo resi-dente. E, compreende-se, não se coibiu de,acumulando e desejando acumular benefí-cios em que também não podia residir, vira ser um comendatário de um mosteiro(Alpendurada) onde, por se sentir desonrrarsem culpa e com maapostramaria derivadosda perda dos seus rendimentos, se opunhaa que, de novo, se tentasse introduzir aobservância e no qual, por ser declarado tan-quam notorium concubinarium, heretico-rum defensorem ac fautorem scandalosumnecnom lesemaiestati criminis reum et cons-cium veio, após justificações, perdões, atri-bulações e intrigas, a ser recluído e depois,mais tarde, dele privado por faltas à agoraresidência obrigatória… Curiosamente, estasfaltas, alguma vez, parecem ter ainda deri-vado do seu zelo de reformador e de sempreamador e pregador do maravylhoso nome eespantoso ]hesu… Contradições de um fradepassado a monge em anos em que se eviden-ciavam as suas oposições culturais? Serianecessário estudar o caso desde esta perspec-tiva há muito reconhecida, mas, indepen-dentemente dos casos em que concorria anecessidade de precatar a mampostama-

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firma plenamente por meio de uma análisecuidadosíssima que quase se diria de devo-ção… E para além dessas visitas ao clerodirectamente seu dependente e em que seempenhou pessoalmente ou por visitadoresda sua confiança, a sua acção ao longo des-ses cinquenta anos de governo pastoral fez--se, sobretudo, sentir na tentativa de reformade algumas ordens religiosas, especialmentedos beneditinos e cónegos regrantes, que pra-ticamente davam o tom à Braga eclesiásticae religiosa de Quatrocentos… E, no entanto,quando olhamos esse quadro global emque o arcebispo Guerra teve de intervir porvariadas razões, as mais delas dizendo res-peito a um estado de decadência dos mostei-ros traduzida num despovoamento que, emmuitos casos, canonicamente os liquidava enum depauperamento das suas rendasdevido tanto a conjunturas económicascomo a rapina de estranhos que não sempredos comendatários, temos de constatar quea sua acção, na larga maioria dos casos,parece ter sido ditada pela inevitabilidadedas situações em que se encontravam taiscasas ou em que diziam os seus superioresque se encontravam… Por outro lado, talreformismo que, durante muito tempo, se

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senhorio de Braga, não duvidando em opor--se ao próprio rei, seu tio, ou a um grandesenhor, o duque de Bragança, igualmenteseu parente. É, talvez, neste contexto de afir-mação de uma autoridade que faz cumprira lei e a disciplina que deverão inscrever-sealguns dos seus gestos que bem gostaríamosde dizer, sem mais, de reforma, não no sen-tido de regresso a uma forma primitiva econsiderada, por isso, mais perfeita, mas,sim, no de dar uma forma moral ou juridi-camente mais eficaz a alguns dos aspectosda vida eclesiástica e religiosa da sua dioceseem vista da sua missão própria…

Compreendemos, face a uma situaçãoque na variedade das geografias e das distân-cias se terá prolongado para além de 1441,que, de acordo com um historiador como D. Rodrigo da Cunha – também, sucessiva-mente, bispo de Portalegre, do Porto, arce-bispo de Braga e de Lisboa –, Fernando daGuerra tenha, logo que tomou posse canó-nica da diocese (1418), começado por refor-mar o estado ecclesiastico e regular, a quemas guerras passadas tinhão grandementedescomposto… É uma afirmação que a maisrecente investigação sobre a arquidiocese deBraga no tempo de Fernando da Guerra con-

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à difícil visitação dos também escassamentepovoados mosteiros beneditinos da sua dio-cese por intermédio de Fr. João Álvares, umfreire de Avis… De todos os modos, quer noplano nacional quer no plano diocesano taisreformas ficaram muito aquém das expec-tativas, facto que até hoje parece ainda nãoter recebido cabal – cabal? certamentemúltipla – explicação, limitando-se os quetêm abordado tal assunto a constatar a suanão concretização… Atrevemo-nos a pergun-tar, quando verificamos, através dessa siste-mática investigação que lhe foi dedicada porJosé Marques, o empenhamento do arce-bispo na reorganização administrativa, eco-nómica e canónica do religioso e eclesiásticoda sua diocese sem que nada se insinue quevá além da reforma institucional, qual a ver-dadeira compreensão daquelas optimistaspalavras, sempre citadas, com que em 1376,outro arcebispo de Braga, Lourenço, tinhajustificado a sua acção pastoral diante deUrbano VI: obrigou esta vossa creatura aviver honestamente a muitos clérigos que nemde nome conheciam a honestidade. Vive-se jáagora com religião em muitos mosteiros deSão Bento e cónegos regulares de santoAgostinho, a quem se perguntassem d’antes

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resumiu, fundamentalmente no aconselharou no impor a união de mosteiros pobres oudepauperados com outros em melhorescondições ou ainda na sua redução a igre-jas diocesanas – um meio bastante bemconhecido e praticado de reforma – nãoparece ser ditado pelas mesmas razões noscomeços do seu governo (1418) e a partir decerca de 1452… Nos primeiros tempos –assim indefinidamente – dir-se-ia ter predo-minado a urgência em resolver situaçõesdifíceis e abusivas do ponto de vista canó-nico desse clero que encontrou descomposto,para depois se empenhar num vago climanacional de reformas favorecido pela Etsiromanus pontifex (1452) de Nicolau V… Noque toca aos planos do arcebispo Fernandoda Guerra, tal clima, a nível da sua diocese,concretiza-se, especialmente, ainda que umpouco mais tarde, na Religiosorum excessus(1462) em que o papa Piccolomini confiavaa D. Fernando a reforma dos mosteiros,mesmo isentos, da sua arquidiocese, consa-grando, deste modo, uma atenção que aoassunto sempre, pelas razões que fosse,tinha vindo a dar o arcebispo… E isto pordatas em que o que seria seu sucessor, D. Luís Pires, então bispo do Porto, presidia

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Em 1433, quando determina a redução dealgumas dignidades, da sé de Braga, a jus-tificação mais consistente que apresentapara essa polémica decisão é a maior dota-ção de renda que caberá às restantes paraestarem sempre na dieta de residentes e,desse modo, cumprirem as suas obrigações,entendamos, em primeiro lugar, oficiarsuas missas… Daqui parece poder deduzir--se que, neste caso, a não residência encon-trava ou podia encontrar uma justificaçãona não abundância de rendimentos – umtema que Paolo Giustiniani e Pietro Quirininão esquecerão no seu Libellus – e, logo, nanecessidade de, por outros meios – algunsbenefícios, por exemplo, que também obri-gassem a residência –, compensar essa faltade rendimentos de esse único benefício… Éuma boa hipótese que tantas súplicas pare-cem favorecer…, e, assim, se for correcta talinterpretação, com essa medida o arce-bispo obrigava à residência e atingia a acu-mulação de benefícios… No entanto, em1461, isto é, na última fase do seu governo,voltando uma vez mais à crónica ausênciade párocos e reitores das suas igrejas,decreta o seu regresso imediato (dentro dedois meses) sob pena de proceder contra os

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de que regra eram não saberiam responder…Sem desdizer o optimismo das palavras emapologia do trabalho feito, somos levados,muitas vezes, a interrogar-nos sobre a realeficácia de uma acção pastoral que, quasesempre, fundia, quando não confundia,viver reformadamente com viver numa legi-timidade de cânones que continham a regrae aceitavam explorar a sua dispensa…Devemos, contudo, referir-nos ainda à acçãodo arcebispo Guerra no combate ao concu-binato – ao tópico concubinato a que sem-pre voltam, como a um leit-motiv, sínodos,constituições, decretos… –, ao absentismo decuras e reitores das suas igrejas…, de bene-ficiados dos seus benefícios…, etc., que setraduziu, inclusivamente, como reclamavatambém André Dias, em ameaças e censu-ras…, sem olvidarmos que, se bem que pormotivos justificáveis no quadro mental daépoca – o exercício de cargos palatinos e degoverno –, Fernando da Guerra não poderáconsiderar-se um modelo de bispo resi-dente, mesmo que não lhe apliquemos apauta por que se baterá e se medirá umBartolomeu dos Mártires, um seu sucessor…Notemos, no entanto, alguns matizes nosmeios para conseguir impor a residência…

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ção mais eficaz do seu governo e administra-ção… Mas, por estes dias, poderia uma irsem a outra? Seria interessante precisar estaperspectiva…, mas atrevemo-nos a sugerir,valha o que valer amanhã tal sugestão, que,precisamente por nessas datas, administra-ção eficaz – do «material» e do «espiritual»– não significava, «necessariamente», con-versão… E uma última alusão: apesar detudo o que se tem escrito, não cremos – nãonos parecem – que as tendências reforma-doras deste grande prelado que era também,por sangue e por hierarquia eclesiástica, umgrande senhor sempre grato aos que o ser-viam e, talvez por isso, sempre à procura deprivilégios reais e de benefícios para cria-dos e servidores, fiquem mais bem demons-tradas com o inicial acolhimento que fez em1425 a esses clérigos e leigos que se propu-nham viver em companhia e donde viria aresultar, mais tarde, a Congregação deCónegos Regulares de S. João Evangelista…Em abono, porém, da verdade diga-se que setal companhia e depois tal congregação aca-bou por nascer ao arcebispo o ficou adever… Todos os grandes senhores, como jáfoi observado, gostaram, por autêntico zelode religião ou por amor de novidades, de

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irresidentes ou de os privar do lugar… Con-taria entre eles alguns dos familiares de seuirmão Luís da Guerra, antigo deão da sé pri-maz, para quem este, ao ser elevado à sé daGuarda, pediu (l7-IV-1427) dispensa de resi-dência nos benefícios, mas continuando areceber por inteiro as respectivas rendas?De qualquer modo, agora, a justificaçãopara tal decisão não se limita a referir a obri-gação de oficiar suas missas, mas, sim,que, por essa ausência, os fregueses pade-cem grande mingoa…, encorren em muitosperigos de suas almas…, os bens temporaisdas igrejas e casas se vão à perdiçom…, tudorazões que, mesmo a última, talvez, permi-tam perceber um aprofundamento do seuzelo pastoral – esse zelo que a escolásticaparece, efectivamente, ter postergado –num quadro mais directamente referido auma espiritualidade que, antes de mais, dizrespeito à conversio cordis… Tal perspectiva,a ser verdadeira – e haveria que a investigarcuidadosamente –, poderia permitir falar,para esses dias, com plena propriedade daspalavras, num projecto, mesmo que«embrionário» ou «incipiente», de reforma,entendida como renovatio ecclesiae e nãoapenas ou sobretudo como uma reorganiza-

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tão pelas pautas tridentinas dos meados doséculo XVI, havemos de dizer exigida e exi-gível no contexto cultural desses dias? Talveznão tanto… Se nos quisermos lembrar queum Gerard Grote no seu programa de leitu-ras espirituais (De sacris libris studendis) quetraça nos seus Conclusa et Proposita nonVota incluiu, excepcionalmente, os Decreta…ut videas grossos ecclesiae primitivae fruc-tus, ut scias a quibus debes cavere et quibusmonere cavendum… e que as polémicasacusações de um André Dias à cúria romanao levavam, com grande proximidade à letrado reformador flamengo, à exaltação e, logoa exigências da sua reposição, do direitoescrito e autêntico, tal como se lê nos livros deDecretais e de Decretos dos Santos Padres…,percebemos que essa aliança – para nãodizer supeditação do Direito à espirituali-dade – fazia já parte, pelo menos desde osfins de Trezentos, dos programas de refor-mas… E isto, completando, incidentalmente,o que atrás enunciámos, talvez nos ajude acompreender um pouco melhor esse vómitoque, segundo Alvar Gómez de Castro, diziasentir um reformador da talha de um Cis-neros pelos legistas e o lugar consequente-mente não relevante que na sua Universi-

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proteger ordens novas ou reformas religio-sas… As observâncias, nomeadamente afranciscana – lembre-se o papel do Ventu-roso em 1517 –, devem grande parte dosseus êxitos e supremacias a tais tipos deprotectores… Contudo, os choques bemconhecidos do arcebispo Guerra com anova congregação, choque em que algumascircunstâncias políticas terão tido umaquota parte, parecem, como concluiu o seumais autorizado investigador, ter, essen-cialmente, resultado do desengano do arce-bispo ao aperceber-se de que, como paga dasua alta protecção, ao empenhar-se emadoptar as constituições de S. Jorge deAlga, a nova congregação se subtraía à suajurisdição… E a sequência e as consequên-cias desse conflito que durará alguns anos– verdadeiramente só terminará em 1461 –parecem confirmar que o rigoroso quadrojurídico e jurisdicional em que, primordial-mente, se concebia o grande arcebispo –donde brotava também a sua permanenteafirmação e defesa dos seus direitos – deter-minava e, cremos por agora, limitava os seushorizontes de reformador… Uma limitaçãonatural que, para não cairmos em anacro-nismos que resultariam de pensar tal ques-

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Um outro tipo de ensaio de reforma –cremos seria «ensaio» o termo que permiti-ria melhor definir alguns êxitos e as muitashesitações dessa incipiente ou embrionáriareforma de um Fernando da Guerra ou estaa que vamos aludir de um abade comenda-tário – foi proposto por Fr. João Álvares. Épersonagem bem conhecida, já que secretá-rio do infante Fernando, El Príncipe Cons-tante, acabou por ser como que o diarista doseu cativeiro em Fez e, depois, criado doPríncipe Navegador e cavaleiro da Ordem deAvis… Um cursus honorum e de martírioque, na sequência de uma conflituosa visi-tação, em nome do bispo, aos beneditinos dadiocese do Porto, culmina com a sua nomea-ção, em 1460, como abade comendatário dePaço de Sousa, um dos mosteiros visitados…Logo em 1461, ano em que tomou posse dacomenda, João Álvares que já teria consta-tado o abandono espiritual, moral e econó-mico do mosteiro, tenta, como lembrará,mais tarde, em 1467, em carta que aos seusmonges escreverá desde Bruxelas, reno-var… algu~as cousas boas e honestas damonastica e regular disciplina, as quaeeseram ja envelhecidas e lançadas do uso e forade memoria de todos vos outros? E Fr. João

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dade de Alcalá, desterrando o Direito Civil,quis conceder ao Direito Canónico… equanto, na certa sequência de tal questio-nar, um Bartolomé de Carranza ou umBartolomeu dos Mártires discutirão a com-petência dos canonistas para se ocuparemde problemas teológicos ou de espirituali-dade ou, consequentemente, para serem pre-feridos na elevação ao episcopado…

Dentro do vasto quadro que, rapida-mente, traçámos até aqui poderia propor-seesse inútil exercício de pensar como seteriam desenrolado as reformas – não areforma religiosa no Portugal do século XV– se o célebre reformador de Valombrosa,Gomes Eanes, marcado por certos desenvol-vimentos da sempre evocada, a propósito oua despropósito, devotio moderna – que nãotem que ser, forçosamente, a de Deventer –,tivesse logrado ver-se confirmado e regia-mente apoiado na sua qualidade de reforma-dor das ordens monásticas em Portugal que,em 1436, lhe fora optimisticamente atri-buída pelo rei D. Duarte e para a qual pediua confirmação romana… Curiosamente, asdificuldades, como já lembrámos, terãovindo tanto de Alcobaça como de Roma…

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hum de vos outros, monges, nom sabia cousanehu~a da regra, a partir dessa data nenhumdesses pouquíssimos monges pôde, comolhes declarava o abade nessa mesma carta de1467, alegar ignorância no que prometerana sua profissão, cuja fórmula lhes recorda.E por esta merecidamente célebre carta,fundamental para a história da reformabeneditina de Paço de Sousa e para a histó-ria dos obstáculos postos à reforma dos ben-tos em Portugal, sabemos que por esserenovar… algu~as cousas boas e honestas damonastica e regular disciplina se há-deentender não só a pacificação do mos-teiro…, reformação do hábito…, a reforma-ção da pobreza…, a reformação de costumese cerimónias…, mas também uma defesa –intransigente até aos limites dessa paciênciaque não permite pereçer nem corromper averdade e ho direito e justiça – de privilégiose liberdades…, de que nossos caseiros e vas-salos [não] se absentem de nos e que nos […]accudam com nossas rrendas e pensõees e ser-viços que nos som dividos pollo bees e heran-ças do cruçifixo que de nos tem… E não dei-xará de ser esclarecedor, confirmando o quedisse sobre a oposição que a ordem lhemoveu – bem sabees como vos unistes e vies-

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Álvares, no meio de todas as dificuldadeslevantadas por essa comunidade de setemonges, dos quais alguns seriam por eleexpulsos por terem mancebas, e pela própriaordem, principiou por alguns actos dereforma administrativa. Tais começos cre-mos terão retardado o ensaio de verdadeirareforma até 1464, ano em que, por compo-sição entre ele e essa mínima comunidade,se sanaram algumas duvidas e discordias porcausa das rações e direitos alguns… Nãoparece, portanto, crível que actos mais con-sistentes dessa reforma espiritual de que,com alguma razão, se gloriará, possam ter--se verdadeiramente iniciado, como cos-tuma escrever-se, logo após o ter tomadoposse… Uma tal reforma, mesmo que comalguma violência, não se faz no meio deduvidas e discórdias… Por isso, pensamosque a carta que antecede como um prefácio--dedicatória o envio da tradução que, pes-soalmente, levou a cabo João Álvares daRegra de S. Bento, de que não existia emPaço de Sousa qualquer tradução – nãosabemos se existia em latim, mas, como logovemos, era como se não existisse… –, deveráser colocada cerca de 1464 ou, talvez,mesmo depois. Se, então, nem tam somente

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testemunhos, senão mesmo o primeiro, dacirculação da Imitatio Christi em Portugal,pois é ainda essa, a terceira, que serve comoque de prefácio-dedicatória da tradução,uma vez mais levada a cabo pessoalmentepor João Álvares, do primeiro livro da obritade (ou será ainda atribuída a?) T. de Kempis…De longe ou de perto, o antigo secretário doInfante Santo concebe e afina a reforma doseu mosteiro como uma renovação global,quer dizer, que sem descurar uma defesa –firmíssima até aos limites da paciência quedá direito à revolta – de privilégios e liberda-des do mosteiro, tenha por fundamento esseamor cellae… onde se recolhe também a per-severança em oraçom e en vigília e jeju~u…Mas, ao parecer, talvez, precisamente, pelasbatalhas e contradições no campo destemundo…, pelas viagens do abade – Flan-dres…, Roma… – que o distanciam do mos-teiro…, pelas dificuldades e oposições váriascontra que não cessa de prevenir…, a reno-vação da vida monástica em Paço de Sousaparece ter-se institucionalizado tão lentacomo superficialmente. Com efeito, aprova-das em Roma em 1470…, confirmadas pelorei Afonso V em 1471…, só em 1477 é que asconstituições do mosteiro – as primeiras de

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tes contra mim todo los da hordem por metorvardes que non visitasse – que entreesses nomeie, sem qualquer indício de queapenas está a fazer uma evocação quereleva do exagero retórico, em primeirolugar os nossos prelados e depois os bispos eseus vigairos… E nesta carta que, de novo –haverá ainda mais uma – acompanha a tra-dução, também por ele pessoalmente feita,de vinte e cinco sermões então atribuídos aSanto Agostinho (dos quais hoje apenasconhecemos onze) e outra, em 1468, escritade Bruges, João Álvares dá a entender aosseus monges a cizania, odio e desacordo que,por mil modos, queriam semear entre ele eos seus monges, esses monges em que já viaos signaaes e as condições dos que som esco-lheitos e de quem já podia dizer que, comele, queremos semelhar aaqueles boos mon-jes do tempo antigoo… Passemos sobre o quese revelará um santo optimismo… Curiosa-mente, esta carta que encerra por uma reco-mendação que é a pedra de toque da espiri-tualidade do monge e de qualquer reformamonástica sem que seja necessário apelarpara S. Bernardo ou para T. de Kempis –Continuaae a claustra em que estaa a vidado monje – acompanha um dos primeiros

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tário do Infante Santo? Mesmo sabendo queera o destino de tantas reformas pontuais enão amparadas por um movimento engloba-dor de outras casas que lhes oferecesse coe-são e solidariedade institucional, mesmo selevadas a cabo por reformadores tão presti-giados como o abade Gomes Eanes emValombrosa, cremos, apesar de todo oesforço de João Álvares, tal reforma não terápassado de um ensaio que quase só conhe-cemos através de algumas cartas suas. Senelas o seu autor parece assinalar uma reno-vação que gostamos de ler como algo deindiscutível, a verdade é que o abade dePaço de Sousa nos deixa perceber – confir-mando-nos estudos feitos para outras casasde S. Bento, como Santo Tirso – as perma-nentes oposições internas e externas a talrenovação da monastica e regular disci-plina… Por outro lado, essa facilidade e rapi-dez com que, aparentemente, pelo menos,foi posta em causa, mais do que a sua obra,o seu admirável esforço, só parece poderáexplicar-se pela pouca ou nula resistência dapequena, mas rica, comunidade… De todosos modos, a experiência de Fr. João Álvaresassente no apelo à conversão pessoal cimen-tada por medidas várias – exemplo do

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uma casa de S. Bento em Portugal – foramintimadas aos oito monges súbditos de JoãoÁlvares… Se conhecemos alguns dos seusactos administrativos, escapa-nos ainda,porém, toda a sua acção espiritual posteriora essa data até 1485, ano em que, por renún-cia de 1484, deixa de ser abade de Paço deSousa. Seria interessante poder avaliar senesses momentos sabia ou suspeitava queestava a renunciar à reforma do mosteiro…ao aceitar ou ao ser-lhe imposto – seria inte-ressante esclarecê-lo, algum dia – como seusucessor e prior do mosteiro Fr. João LopesOsório, um monge que ainda em 1477 nãofazia parte da comunidade… e que, de ime-diato até 1520, se tornou, no dizer de umbeneditino que no século XVIII recompilouas memórias da casa, em hu~a espada defogo, hum raio abrazador que cahio sobre omosteiro, cujas funestas impressõis e estragosdurarão até a epoca da reforma geral dosmosteiros benedictinos em Portugal…

Passemos a documentada justificaçãodeste acerto por Fr. António da AssumpçãoMeireles que nos remete para antes da che-gada de Fr. João Álvares em 1461… Comopoderá ter sido tão rapidamente posta emcausa a acção reformadora do antigo secre-

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tro e, por isso, um vigilante defensor dosilêncio que aí deve muito, muito, muito rei-nar… E toda a sua obra literária – em portu-guês ou em latim – brota em inspiração, rit-mos e temática desse ruminare que é a medi-tação do monge sobre a sacra pagina…, dalectio sacra. Compreende-se que a espiritua-lidade deste doctor parisiensis, explorando asEscrituras – os salmos antes de mais –, assentaprecisamente nessa traditio monástica quequer, criando-lhe condições para tal, refor-mar, entendamos, «renovar» para melhorproceder nas cerimónias de acordo com assuas origens, para a manter viva… JoãoClaro foi eleito por sufrágio dos monges, em1492, para suceder a Fr. Isidoro de Porta-legre, um comendatário de tão triste memó-ria que, no dizer do autor de AlcobaçaIlustrada (1710), na sua morte pareceo aosmonges de Alcobaça que arribavam ao dese-jado porto…, mas em Roma, o célebre car-deal de Alpedrinha, D. Jorge da Costa, um«dos mais lamentáveis expoentes da secula-rização da Igreja na Renascença», na defi-nição de Mário Martins – um vulto que, ape-sar de juízos deste tipo, ainda espera por umestudo global que o situe no tempo de Por-tugal / Roma entre a segunda metade de

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abade…, conhecimento da regra…, leiturasespirituais de precisa orientação monásticade que nem sequer é excepção esse primeirolivro da Imitatio Christi…, defesa das liber-dades e da economia do mosteiro comogarantias da sua independência – é uma dasmais belas e bem travadas propostas dereforma feitas no século XV português.

Um novo abade, mas agora cisterciense,João Claro, poderá, para os fins de Quatro-centos e princípios de Quinhentos, permitirnão só assinalar uma diferente dimensão doreformar, mas também fazer ver como refor-matio nem sempre corresponde a um movi-mento no sentido de um regresso idealistica-mente idêntico ou muito próximo ao pro-jecto primitivo ou fundacional… Alguma vez,como lembram certas fórmulas, reformatio,em lugar de restaurare in pristinas vires,ganha o sentido de conformare, quer dizer,guardar com precisão, esses costumes…,usos…, cerimónias…, modos de fazer que atraditio, base de uma sapientia e de uma sani-tas, garante como memória de uma origem.Era João Claro, monge criado em Alcobaça,como várias vezes proclama nos seus escri-tos, um exemplo fervoroso de amor ao claus-

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e assy em rezar, e livros, e cerimonias, e ves-tidos, por hu~a maneira… Entendamos,então, que as visitações têm por precisa fina-lidade saber se achão modo de fazer dis-forme…, caso em que mandã que se reformeou conforme ao que manda a religião…Curiosamente, percebemos, pouco depoisdestas importantes considerações, que areforma que Manuel I queria introduzir emAlcobaça e que discute com alguém quenessa casa se criara em tempos em que,segundo ele, havia silencio e lectus no dor-mitório, isto é, com alguém que, para alémde uma experiência em outras casas daordem, nomeadamente nos seus corações,guardava a memória do fazer em umaépoca em que a grande casa abacial portu-guesa, entre as três mil que tinha a ordem,era das seis melhores e podia ser modelo aseguir… Com efeito, João Claro semprerecordará como forma o que se faz em cazasbem regladas e se fazia em Alcobaça notempo em que me cryei… Ora, o Venturoso,na sequência de ter acompanhado à abadiaseu filho, Afonso, que dela era administra-dor, pretendia reformar a sacristia…, alivraria…, introduzir varandas…, construirum coro novo…, etc., tudo obras assi magni-

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Quatrocentos e os primeiros anos de Qui-nhentos –, contrariou a eleição, desafioujuridicamente o eleito e fez-se nomear elemesmo abade comendatário de Alcobaça…com avisos de que nunca a largaria, pois erao seu refúgio no caso de que o Turco inva-disse Roma… Mais tarde, João Claro, jáabade de S. João de Tarouca – uma abadiaque, em 1513, tinha sido comprada por umleigo italiano – deu ao Venturoso, em cartaque publicou Sousa Viterbo, o seu parecersobre a reforma dessa abadia, reforma queera um santo propósito do rei… E como deveesta nossa pobre de amigos religiam ser refor-mada? Invocando a sua experiência de estu-dante e peregrino por casas da ordem emFrança e Flandres e evocando, filialmente,os seus tempos já longínquos de noviço emAlcobaça, pensa que Cister e Claraval, casasdevotíssimas onde vyvem segundo a fformada religiõ, devem ser as pautas de qualquerreforma cisterciense… E, no fundo, tal exi-gência percebemo-la melhor quando atenta-mos na sua definição de reforma – umadevota conformidade aas maneiras defazer…, isto é, essas devotas cerimonias quesão comuns a todas as casas, pois as nossascazas sam todas fundadas em uniformidade

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fazer muito mais urgentemente… João Claroenumera-as – uma nova sacristia para seassoalharem e guardarem capas, vestimentase tapeçarias…, livros novos para a livraria…,alargar os espaços nos domitórios…, nasacristia armários muito honrados…, substi-tuir as lages por ladrillhos bem feitos naigreja e no claustro… – e todas são tenden-tes a honestar Alcobaça, destacando ainda ocuidado daquela cerca que, em França e emFlandres, viu rodear, como uma muralha deuma só porta, os mosteiros e que lhes dágrande honestidade… Quando, depois, comoem desafio à magnificência reformadora dorei, conclui que Alcabaça nom vy em estohonestada, percebemos com rigor os limitesque se impunha o abade ao exigir – e já nãoera pouco – que a forma material só fossereformada no que não se conforma com aforma espiritual, medida esta sempre pelatraditio. Esta é aquela memória que se con-serva como um saber vivo e que Fr. JoãoClaro recordava, com alguma nostalgia,ter, precisamente, recebido em Alcobaçaquando noviço e que era igualmente docu-mentável nas casas devotíssimas de Cister ede Claraval, origens que devem ser o padrãode qualquer reforma dos cistercienses… e do

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ficas…, mas a que Fr. João ou opõe sériasreservas, porque não são conformes à hones-tidade primeira ou, porque, ainda que, apa-rentemente proveitosas, como as varandaspara apanhar sol, não são conformes aosusos de Cister… Estas, as varandas, porexemplo, como verificava em Tarouca, maisdo que um solheiro, são um palratorio hon-rado onde facilmente se quebra o silêncio,outras, como o novo coro projectado, por-que crê interpretar, depois de ter visto emClaraval, o mesmo choro que fez Bernardo eporem nem roto nem çujo, mas muuytodevoto, o pensamento genuino do «ultimodos Padres». Com efeito, S. Bernardo screve– e escreve-o, por sua vez, João Claro ao rei– que as nossas igrejas e altares nom sejõmuyto pyntados, senã limpos e honestos e darezom que as igrejas muito pyntadas distra-hem os sentydos humanos a ver e resquardarbem aquellas pynturas e nom se proveratanto a devoçam porque stã distractos…Ora, ho choro […] que oje he em Alcobaça hemelhor e mais novo que nenhum que eu lavysse e muito bem feito e, por isso, tal comoo órgão – esse tema tão querido a reforma-dores dos meados do século – ha y outrastantas bõas cousas e muito necessarias pera

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sivo avanço dos movimentos de observâncianas ordens mendicantes, especialmente, osfranciscanos e os filhos de S. Domingos.

Será legítimo referir o significado fun-dacional destes casos ao quadro das refor-mas religiosas no século XV europeu? Dequalquer modo, independentemente dassuas cronologias mais precisas, as observân-cias mendicantes e a fundação dos jeróni-mos relacionam-se com antigos movimentosde vivência e defesa das suas identidadesgerados no interior dos próprios francisca-nos e dominicanos que não, rigorosamente,com quaisquer horizontes reformadores instrictu sensu. Quando muito, a aprofundareste ponto de vista, poderá dizer-se que osmovimentos de defesa da identidade francis-cana que remetiam directamente paraFrancisco lido nos textos biográficos não ofi-ciais e ouvido nas tradições orais que pervi-viam na ordem, se concebiam como adefesa e ilustração de uma reforma que emsi mesma tinha já incoado em dias deFrancisco…

Com efeito, e tratando dele em primeirolugar por ser o mais antigo, o caso daobservância franciscana – que depois será

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santo propósito, com discreta prudência, doVenturoso ao dispor-se a honestar tão mag-nifica casa…

Como teremos anotado, todos osmomentos que nos serviram para ilustrartipicamente – ou topicamente? – algumasdas orientações – sentidos e limites – doreformar ao longo do século XV em Portugalforam, directa ou indirectamente, projecta-dos ou desencadeados pelo Poder – civil oueclesiástico – e, em algum caso, por alguémque, formalmente, por um longo período,reuniu, em alto grau, os dois poderes… E afazer fé nas conclusões que se insinuam aolongo dessa análise, estaremos, talvez, deacordo em que a reforma não só de obser-vantia regulae pelas ordens religiosas, mastambém do outro clero, qualquer que sejaa sua situação na escala hierárquica, é umobjectivo que só será claramente assumidocom todas as suas consequências depois deTrento… No entanto, caberá examinar umoutro aspecto a que, normalmente, como dealgo de óbvio se tratasse, se costumam refe-rir as reformas religiosas do século XV.Aludimos à fundação de novas ordens reli-giosas – como os Jerónimos e os Cónegos deS. João Evangelista, por exemplo – e ao deci-

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ciar a todo o privilégio e interpretação, natu-ralmente de origem ou de sanção pontifíciada Regra, que, por razões várias, punhamem causa, salvaguardando-a, à custa dealgum artifício, sob dimensão jurídica, apobreza como elemento definidor da iden-tidade franciscana. A observância francis-cana consagrada em 1368 na acção dePaoluccio de Trincis e, depois, com mais oumenos independência, em toda a Europa,logo também em Espanha e Portugal nosfins de Trezentos, não representa, pois, ummovimento que deva referir-se às reformasreligiosas no século XV… E, no entanto, nãoreferir as minúsculas comunidades que, emPortugal – como em Castela –, com mais oumenos radicalismo, se organizavam numaforma vitae que baseada, embora, em severainterpretação da Regra, era, em certamedida, o resultado da representação – mui-tas vezes por via de fontes literárias polémi-cas ou partidárias ou assim seleccionadas –que elas mesmas se faziam dos primeirostempos da ordem, seria, mais que uma injus-tiça, um erro de método. Com efeito, serianão só esquecer alguns nomes – Fr. GonçaloMarinho…, Fr. Diego Arias…, Pedro Díaz…dentre os fundadores e, mais tarde um Fr.

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também o da sua fragmentação ao longo dosséculos XV e XVI – representa, à volta de1446 (a bula de Eugénio IV que a reconheceoficialmente), um decisivo ponto de nãoretorno não na reforma da ordem – os claus-trais continuarão a existir até hoje e naPenínsula Ibérica até 1568 –, mas na con-sagração de jure de um modo de ser francis-cano cujo abandono algum Menor maisradical como um A. Clareno ou um Uber-tino da Casale se atreveria a datar dos últi-mos anos do seu Fundador com as consabi-das culpas a Elias de Cortona quando nãoa Boaventura de Bagnoregio… Efectiva-mente, durante quase dois séculos vinhasendo, como se sabe, reclamada, com maisou menos dramatismo e com mais oumenos trágicas consequências individuaisou comunitárias, a reposição da forma vitaefundacional com base no reconhecimentodo direito de comunitariamente – nuncaterá sido oficialmente posta em causa umaopção individual – observar à letra, isto é,no rigor da letra, a Regra de S. Franciscoconfortada, especialmente, pelas recomen-dações do seu Testamento… Tal rigor obri-gava, aliás numa declarada fidelidade atantas declarações do Fundador, a renun-

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opções foram, sem qualquer dúvida edurante muito tempo, ainda que, natural-mente nem sempre bem recebidas – e, talvez, por isso mesmo – autenticamentereformadoras…

O que acabámos de dizer sobre este sen-tido possível a atribuir às questões de obser-vantia regulae entre os franciscanos se asquisermos referir ao quadro das reformasreligiosas no Portugal de Quatrocentos,poderá, com algum matiz, aplicar-se, natu-ralmente, aos dominicanos. E um matizimportante resulta dessa trajectória percor-rida por observantes e claustrais que tornoupossível, em 1513, graças à influência de umreformador da estatura do austeríssimo Fr.Juan Hurtado – personagem em quem setecem e destecem tantos projectos dereforma dos dominicanos –, acabar com adiferença «odiosa», segundo escreve Fr.Luis de Sousa, entre reformados e claustrais.O feo monstro da claustra ou seja, na defini-ção do mesmo cronista, essa vida descan-sada, solta e livre no convento proporcionalà boa vida alegre e folgada que reinava noséculo, brotaria, no fundo – uma razão tãoclássica como discutível, mas argumentoválido junto da cúria romana – dessa Peste

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João da Póvoa… –, mas também alguns luga-res – Insua…, Mosteiró…, S. Clemente dasPenhas…, Tentúgal…, Alenquer… e essaIlha da Madeira que parece ter surgido aosolhos de observantes e reformados ibéricoscomo o lugar onde, na profunda e longín-qua solidão, era possível reviver, nas suasgrutas e tugúrios, os dias inaugurais deRivotorto… Mas seria também esquecer – oque era metodologicamente mais grave doponto de vista em que aqui nos situamos –quanto essas representações e consequentesopções – trabalho manual…, eremitismo…,estricta pobreza de casas, teres e livros…, ummínimo de trabalho apostólico, etc. – se tra-duziram nesses dias e ao longo desse séculoXV pré-reformador – ou, a considerarmos ascamadas mais profundas das realidadeseuropeias – simplesmente reformador –,sabendo nós, porém, que la pré-réforme n’estpas simplement une reforme qui se cherche,numa presença discretíssima, mas insofismá-vel, que proclamava, em desafio silenciosocomo tantas vezes exigiu Francisco, asequella Christi vivida no abandono total àprecaridade do quotidiano. E neste sentido– e apenas neste sentido de desafiante pre-sença exemplarmente «reformada» – tais

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orientações que faziam de Benfica umnovo Claraval… A comparação é extrema-mente reveladora do tom monástico quereveste – ou à luz da crónica de Luís deSousa parece revestir – a «reforma» origi-nada em Benfica, tom que receberá aindaconfirmação no convento de Azeitão fun-dado numa serra e lugar muito a propósitopara hu~a companhia de anachoretas… E istojá num tempo (1435) em que, significativa-mente, não só entrava nella muita gentenobre, mas também, motivo de sérios desgos-tos, muitos religiosos que na claustra tinhãonome de letras se passavam aos observan-tes…, o que, naturalmente, terá facilitadouma certa evolução que foi, por sua vez, faci-litando esse momento de 1513… É desteclima recoleto que, um tanto mais tarde,religiosos portugueses passarão a Castelacomo reformadores, o que no dizer de Luísde Sousa, significava, antes de mais – eesquecemos tantas vezes esta dimensão doreformar – desfazer parcialidades e extinguirambições… Tal colaboração parece indicara dinâmica – e tal como nos franciscanosuma certa evolução – da observância domi-nicana portuguesa que – a menos que este-jamos a ser vítimas dos espelhismos de um

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Negra que, além do mais, teria causado,também entre os dominicanos, grande baixa[…] em cantidade e calidade de sugeitos… Énesta sequência, agravada pelo GrandeCisma, que Fr. Vicente de Lisboa, antigoprovincial de Castela e de Portugal, decide,na esteira do movimento de Conrado dePrússia, reduzir a vida relaxada a toda a per-feição e rigor… Não nos interessam aqui asperipécias e apoios – como sempre de reise senhores –, mas anotar que a fundação(1399) de S. Domingos de Benfica, a pri-meira casa «reformada», entendamos fun-dada com espírito de recolecção, servirá,naturalmente, de pauta a outras que seforam fundando. Aí, para além da solidãobuscada num «deserto» longe do centrourbano, reforçada pela consequente reclu-são e traduzida ainda num profundo amorà cela, vivia-se a extrema pobreza – essapobreza que, como mostrou M.-H. Vicaire,não entrava como elemento caracterizadordos primeiros tempos fundacionais deDomingo de Guzmán –, trabalhava-semanualmente (do fazer colheres ao cultivoda horta…) sem abandonar, ainda que, tal-vez, reduzindo, o pregar e o estudar, comopraticava o próprio Vicente de Lisboa… São

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desenvolvimento se encontre um portu-guês, a sua instituição de um e de outro ladoda fronteira, tal como foi levada a cabo emmomentos distintos, também não se deveaos seus mesmos promotores originais… Eisto, uma vez mais, em consequência, fun-damentalmente que de modo nenhumexclusivamente, da divisão de obediênciaspapais na Península Ibérica. De todos osmodos, quando em 1378, Gregório XI, emAvignon, aprova a fundação dos jerónimosem Espanha a pedido de alguns eremitãosque, alguns anos antes, tinham abandonadoaltos cargos palatinos e administrativos equando, mais tarde, em 1400, Bonifácio IX,em Roma, aprova a sua criação em Portugal– onde, momentaneamente, já houvera umatentativa de fundação com base na apro-vação avinhonesa –, assistia-se a um coagu-lar de experiências e fundações que tinhamcomeçado cerca de vinte anos antes…Verdadeiramente, tudo viria a ter os seuscomeços no regresso de Itália de um grupode eremitãos – ou um dos grupos de eremi-tãos, como foi sugerido recentemente – che-fiados, a fazer fé em memórias e crónicas atéhoje não postas em causa, por um Vasco[Martins?], português, que, durante alguns

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cronista de Seiscentos, que para os contras-tar com o seu tempo, gosta de apresentar osprimeiros tempos da ordem em Portugalcomo uma vida angélica numa novaTebhaida, notemos, de novo, o tema monás-tico – não teve que esperar pela strictissimaobservantia de Savonarola em S. Marcospara, como propunha il Frate, «edificar con-ventos pobres e simples, vestir pano gros-seiro, velho e remendado, comer e bebersobriamente, ter quartos pobres sem objec-tos supérfluos, guardar silêncio, dedicar-seà contemplação e solidão…», nem pela «ins-pirada» – divinamente, claro – e não menosstrictissima que Soror Maria de SantoDomingo organizou em em Piedrahita.

Com um significado muito próximodeste que acabámos de sugerir para asobservâncias medicantes quando vistas peloângulo da intentio que as determinara ori-ginariamente – mesmo quando essas ori-gens são tão complexas como as da obser-vância dos Menores –, poderemos situar afundação e desenvolvimento da Ordem de S.Jerónimo. Ordem eminentemente peninsu-lar, ainda que na preparação e no centro dasua fundação e em algum momento do seu

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crónicas e memórias são unânimes em garan-tir que a sua vinda com alguns companhei-ros entre os quais se contariam, ao parecer,portugueses, castelhanos e italianos, se devea uma profecia de Tomasuccio sobre a imi-nente descida do Espírito Santo sobreEspanha para aí fundar uma ordem reli-giosa… De qualquer modo, por desconheci-dos caminhos e etapas – a estadia de Fr.Vasco entre os eremitas da Serra de Ossa,etapa tão querida e tão defendida pelos cro-nistas «ossiânicos», mais do que uma reali-dade não terá resultado de confusão hiper-trofiada pela rivalidade de jerónimos e ere-mitas que, aliás, tinham contas antigas a sal-dar remontando a 1476? –, a companhiaregressa, portanto, para um pentecostesque demorou mais de vinte anos a concre-tizar-se, por vontade de alguns, na Ordem deS. Jerónimo. Com efeito, tal decisão nãodeverá ter resultado de uma evidência dessalonga espera por todos, pois a fundação dosjerónimos peninsulares (1378-1400) nãocontou com a adesão de alguns dos princi-pais que tinham vindo de Itália, nomeada-mente de Fr. Vasco… O eremita portuguêssó mais tarde entrará na ordem e, mesmoassim, fundando em Valparaíso (Córdoba)

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anos – cerca de trinta, como defende SophieCoussemacker (citada e discutida por J. L.Inglês Fontes), ou, como ainda nos parece,muito menos do que afirmam os números--adjectivos desse tipo de documentação? –tinha vivido em círculos espirituais nitida-mente marcados por tradições fraticelescasfranciscanas, o mesmo é dizer por todosaqueles – e eram em grande número – que,ortodoxa ou heterodoxamente, se reclama-vam da herança radical de muitos dos ditos«espirituais» italianos… É possível que tudoisto possa insinuar, a partir de algum casoindividual, a existência em Portugal de cor-rentes de espiritualidade que se sentiamatraídas por essas zonas de geografia físicae espiritual – Úmbria…, Piceno…, Ligúria…– ou até por outras que lhes eram espiritual-mente próximas – Provença…, Catalunha…–, mas de certo continuamos só a conhecerque o último círculo a que o eremita portu-guês pode, com segurança, ser referido é aode Tomasuccio de Foligno, um terceirofranciscano que vai do emparedamento àpregação ambulante, passando por experiên-cias de eremitismo nas montanhas umbrase pela mensagem profética de tom moral ede consequências políticas… Ora, as mesmas

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nismo radical, mas ortodoxo – pelo menos,assim parecem –, acabam por combinar aregra de Santo Agostinho com um acen-tuado fundo monástico, decisão que osleva a optar, claramente, pela solidão doslugares e pela celebração esplendorosa doofício divino. Tais circunstâncias e opçõesparecem ter permitido que, durante muitotempo, se tivessem eles próprios visto e fos-sem mesmo vistos como os novos – maisoutros… – viris spirituales que haviam de seros reformadores da ecclesia spiritualis dosúltimos tempos… Deste modo, conjugandoestes referentes do quadro da espiritualidadede que se reclamavam com essa atençãoesplendorosa ao opus Dei numa época emque, segundo parece, este ia em abandonoou se praticava desatentamente mesmo poraqueles que durante séculos dele tinhamfeito o centro da sua vida espiritual, os jeró-nimos podiam aparecer, nos fins do séculoXIV e ainda depois, como uma ordem quemais que um ordo novus era «o» ordo novus,a ordem reformada por excelência, prestígioque compartiam com essa Cartuxa nun-quam deformata… E isto, talvez, nos expli-que o altíssimo favor que logo recolheu detodos os poderes e mais tarde – muito mais

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uma casa a que imprimiu alguma nota dasua própria espiritualidade… Não interessadiscutir aqui a extensão e compreensão deum certo alo joaquimita – um joaquimismo«popular» (o que nem sempre desdizia dasua origem culta) e de vários matizes pre-gado em praças e «importado» / «exportado»de boca em boca ou de cópia em cópia – quepoderá ter envolvido a profecia de Tomasuc-cio e consequentemente a marcha dos ere-mitãos para Espanha e a sua longa esperanas montanhas de Toledo e de Portugal…Do ponto de vista, porém, do quadro dasreformas religiosas no século XV que aquinos ocupa, importa assinalar – mesmo que,por esses dias, um ordo novus formado porfuturi predicatores (contemplativos e prega-dores) nos apareça como um elemento dacomposição de lugar de qualquer apelo auma reformação da Igreja e, naturalmente,da sociedade – não só o imediato sentidoescatológico de que parece se terá revestidoo regresso e a espera dos eremitãos «italia-nos» e de outros que, entretanto se lheshaviam juntado, mas também a profunda«novidade» que se esperava revestiria a«ordem nova»… Renunciando às suas anti-gas origens referíveis a franjas do francisca-

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gestões de Afonso V. Renovando-lhes privi-légios ou concedendo-lhes outros, o rei,acreditando estar a apoiar – um apoio queem algum caso seria maior do que o dese-jado ou esperado pelos pobres eremitas –gente que afirmava e defendia, em temposem que a tentação eremítica assaltava ou re--assaltava, com mais ou menos perenidade,a vida de algumas religiões, a sua vocação –e o direito inerente – a viver, plena e perma-nentemente, no ermo sem ter que o inven-tar por fragmentação cada vez mais radicaldo próprio instituto (os franciscanos obser-vantes, por exemplo) ou pela criação dedesertos em que, mais ou menos temporaria-mente, era permitido retirar-se como, maistarde, acontecerá com os carmelitas, porexemplo também. O Africano percebia noseremitas da Serra de Ossa ou em outros quecom eles estavam em irmandade um movi-mento com vitalidade para contribuir, a seumodo, para a reforma da vida religiosa doreino, isto é, para o dizer com as palavrascerteiras de João Luís Fontes, «para um pro-jecto renovador da vida religiosa de âmbitomais vasto». E se é certo que as queixas dealguns eremitas obrigavam a uma interven-ção do poder real – independentemente do

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tarde, é certo – o ter sido escolhida comoum instrumento de reformas num Portugalonde, por então, ainda não havia cartuxos…

Com estas tentativas eremíticas – trans-figuradas, como tantas outras anteriores econtemporâneas, em institutos cenobíticos,metamorfose que, muitas vezes, se propu-nha ou era proposto como «reforma» –poderá relacionar-se o foco eremítico emtorno da Serra de Ossa, magistralmente estu-dado por João Luís I. Fontes em páginasque, finalmente, nos permitem superar –não esquecer – as antigas de F. Manuel deS. Caetano Damasio.

Perdidas nas sombras dos tempos as suasorigens – segundo este cronista de finais deSetecentos os seus primeiros professoresseriam «coevos do cristianismo» primitivo…–, os arranques mais visíveis e francamentedocumentáveis desse foco agregador demuito do eremistismo medieval em Portugal– poder-se-á falar de eremistismo português?– devem datar-se, independentemente doscasos mais ou menos avulsos assinaláveis noséculo XIV, dos começos da sua instituciona-lização em 1477, com a bula In suprema deSisto IV, documento que corresponde a

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nho que, aliás, já tinham percorrido os fran-ciscanos logo depois – ou ainda em tempo? –de Francisco. É uma reforma que, podemospensá-lo, levou à institucionalização de umaforma vitae, com tudo o que qualquer ins-titucionalização costuma conlevar de traiçãoà forma vitae originária centrada «no santoexercício da oração» «pelo bem da Igreja edos Povos», na mendicância – eram, antes demais, pobres – e no trabalho manual – fazer,como os eremitas de todos os tempos, «colhe-res de pau e cestos e outras manufacturas»…,o cultivo «por si mesmo [de] seus pomares ehortas»… Por outro lado, a institucionaliza-ção dessa reforma – uma forma vitae refor-mada – também terá levado, segundoparece, a que novos grupos eremíticos nãose agregassem aos pobres da Serra de Ossaa partir de 1482… O sentimento de perda deuma certa liberdade inerente aos pobres?…

A imposição, em 1536, da regra de SantoAgostinho aos eremitas da Serra de Ossa, asua integração, em 1578, na ordem de S.Paulo, Primeiro Eremita, significam já, evi-dentemente, outras reformas onde já podiamabundar os «Reverendíssimos Padres Mestres»e os «Doutores» que, talvez, já não dissessembem com as tradições da Tebaída Portuguesa…

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concurso que tais intervenções, como algumaque outra que já assinalámos, prestaram aoque já se tem dito a territorialização daIgreja (não esqueçamos a sua legitimidadeao tratar-se, neste caso concreto, de comuni-dades formadas, em larga maioria, por lei-gos) – num sentido «reformador», tais quei-xas diziam, sobretudo, respeito «à gestãoirresponsável e prepotente de muitas comu-nidades», o que podemos traduzir por umaimplícita falta de caridade – pessoal ou ins-titucional – que decorria de querer imporreformas sem respeitar a vocação essencialda maioria dos eremitãos. Um bom exemploé o da tentativa de absorção, imposta manumilitari ou para-militar, dos eremitas pelosJerónimos do Espinheiro…, o que significavaa cenobitização dos mesmos eremitas. Ten-tações de vizinhos… E se no meio de lutas,avanços e recuos, encontramos uma institui-ção que só entre 1478 e 1482 ganha forosque lhe permitem afirmar-se, bom grado oumal grado, como ordem religiosa de direito– exigência do voto de castidade…, institucio-nalização ao nível «provincial» de uma con-gregação –, o que talvez mais importe subli-nhar é o movimento, por exigências internase externas, rumo à clericalização… Um cami-

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como inscrever tal fundação no quadro des-sas reformas e, logo, o seu significado maispreciso. Terão, realmente, concebido o con-gregar-se como um protesto e uma propostade reforma?

Recordemos que a fundação da congre-gação propriamente dita se estende, comose percebe pelo tamisado do Memorial de Fr.Paulo de Portalegre, por uma série de itine-rários individuais e comunitários ao longode vinte e seis anos, itinerários – certezas,dúvidas, pausas – que hoje podemos seguirgraças a essas notáveis investigações. Umlargo período em que foram confluindo,quando não se contrastaram, experiênciaspessoais e dificuldades de vária ordem – ubi-quação…, protecções e oposições… – queacabaram por coagular numa congregaçãoque, talvez, mais como meio de ultrapassardificuldades iniciais do que por um realconhecimento do modelo – este parece serapenas bem conhecido por um dos fundado-res, Afonso Nogueira – se invoca da expe-riência e objectivos dos venezianos cónegosazuis de S. Jorge de Alga. Com efeito, numprimeiro período que poderá ir de c. 1420a 1430, o itinerário pessoal de alguns dosfundadores – e é o caso de Mestre João

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Neste ligeiríssimo panorama sobre aIgreja e as reformas religiosas no século XVem Portugal que aqui abordamos, antes demais, como um ensaio de observações, decerto modo tipológico e exemplificativo,sobre a compreensão do significado de cer-tas propostas e dos seus limites, teremosainda de evocar a fundação de uma outraordem religiosa – a Congregação dos Cóne-gos Seculares de S. João Evangelista, vulgar-mente conhecida por «Lóios». Apesar da cui-dadíssima atenção que lhes dedicaramrecentemente P. Vilas Boas Tavares e MariaIsabel Castro Pina, são ainda relativamentemal conhecidos os verdadeiros propósitosiniciais dos fundadores, dos quais algunsnem clérigos eram – é o caso do físico real,João Vicente, a quem as crónicas da Ordemapontam como o principal fundador –,embora já se tenha podido escrever ter sidoessa congregação «o protesto mais vee-mente contra os costumes do clero e a ten-tativa mais séria de reforma que se fez emPortugal no decurso do século XV». Nãointeressa discutir a amplidão de tal juízo –talvez demasiadamente aferido pelo quesabemos do seu futuro próximo comoordem –, mas, sim, uma vez mais, tentar ver

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modo de S. Jorge de Alga, como propunhaAfonso Nogueira em 1427, ou priorado daOrdem de Santo Agostinho, como solicitavaem Roma em 1430 Mestre João Vicente? Talpercurso insinua-se ainda em dificuldadespara encontrar um lugar – igreja…, mos-teiro… – em que levar vida em comum e issoobrigou uns homens de vária formação eextracção – a quem e a quantos não sabe-mos com exactidão – não só a circular entreos Olivais (Lisboa), Campanhã (Porto) eVilar de Frades (Braga) onde, e não todos osda primeira hora, sob a protecção inicial doarcebispo Fernando da Guerra, vieram aconstituir-se em companhia ou congregaçãode bons homens, mas também a peregrinarpor Flandres e Roma e a recorrer a protec-tores na cúria, como essa figura que jáencontramos várias vezes, o abade GomesEanes. É um peregrinar que, com algumintervalo, acaba pela dispersão dos fundado-res – Mestre Vicente será logo (1431) bispode Lamego e depois (1446) bispo de Viseu…,Martim Lourenço ficará – ficará? Porquanto tempo? – pela Flandres como confes-sor rigorista da duquesa Isabel de Avis,Afonso Nogueira, remetido ao silêncio, masa reaparecer como bispo de Coimbra (1453)

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Vicente – passa, aparentemente, pelomenos, por uma atracção pela observânciadominicana e pelo eremitismo na Serrad’Ossa ou – e é o caso de Afonso Nogueira,um doutor in utroque, que em 1427, ao soli-citar a admissão às ordens sacras se diz ora-tore acolitus professus observantiae Ulixbone–, a partir de Roma e mercê de apoios nacúria, por uma visita exploratória (?) àpouco receptiva comunidade de S. Jorge deAlga…, por escassez de recursos para expe-dição de bulas e por um silêncio de dez anos(1428-1438), ou ainda – e trata-se do que sediz o terceiro homem da congregação,Martim Lourenço, um teólogo – pelo desâ-nimo perante dificuldades e falta de protec-ção de príncipes, pela busca de uma soluçãoque, em 1426, se resumia a obter hu~acapela em as casas em que moro com os meuscompanheiros aqua na cidade de Lisboa, naqual podessemos dizer missa he oras e ficarassi pera sempre… E isto, se possível, mar-cado pelo toque de sino próprio… Poroutro lado, tal itinerário, delineado sobremuitos itinerários, parece ter sido mar-cado por hesitações acerca do modelo insti-tucional a seguir e do enquadrar canonica-mente a fundação: cónegos seculares ao

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prestígios que, acumulado ao longo de per-sistências e contrastes, terá resultado maisdo que da sua assiduidade ao coro e à ora-ção mental, da sua dedicação, desde 1442,ao hospital de Santo Elói em Lisboa e, sobre-tudo, ainda que seja difícil de materializartais aspectos, da sua actividade como prega-dores e catequistas…, esse traço que distin-guirá, como bispo, em Lamego e em Viseu,o «fundador» da Congregação.

É um longo percurso de um quarto deséculo, mas que parece deixar percebernas suas hesitações e dificuldades o que foia procura de uma solução diferente domonaquismo…, das observâncias mendi-cantes…, do eremitismo… E, por isso, o quenos deve interessar agora é sugerir o sentidoda novidade da proposta dessa companhiade clérigos e leigos que transparece no votosimples dos congregados…, na maturidadeexigida para a sua admissão…, na sua maiorliberdade no abandono da congregação –traços que fizeram dela um paradigma parareformadores de cunho, para o dizer dealgum modo, vagamente erasmisante noséculo XVI português – e, aliando-se a tudoisto, como já aludimos, a sua vocação assis-tencial a par do seu empenho na pregação

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e arcebispo de Lisboa (1460 ou 1462). Umadispersão de fundadores de uma companhiaque apenas em 1446 se tinha visto definiti-vamente instituída como congregação decónegos seculares. Curiosamente, só em1471, por bula de Pio lI, num movimentonatural de atracção e de prestígio, terá o seugoverno canonicamente erguido em Lisboa,num mosteiro (Xabregas) que fora da fugazobservância beneditina a que terá perten-cido A. Nogueira… Parece, assim, concluir--se uma série de itinerários que fizeram deuma simples companhia de bons homensuma congregação de cónegos…, de umacomunidade diocesana uma comunidade«nacional»…, de uma companhia «rural»uma congregação de «capital» e de marcadapreferência pela ubiquação urbana, o quenão quer dizer que apenas tivesse fundadoem cidades e seus arredores… Tudo isto sófoi possível por protecções reais – a da rai-nha Isabel, mulher de Afonso V…, a daduquesa de Flandres… –, senhoriais – oduque de Bragança… –, curiais em Florençae Roma – o abade Gomes… –, etc., pelainfluência, exercida mesmo à distância,pelo bispo santo de Viseu (Mestre JoãoVicente) e, sobretudo, por um capital de

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seja permitido organizarem-se em prioradode cónegos regrantes de Santo Agostinho?…Haverá que atribuir esse significado à ausên-cia de referências, em tal súplica, a S. Jorgede Alga, modelo em que se empenhavaAfonso Nogueira em 1427? Também aindao não sabemos… De todos modos parece sernestas zonas e nesse sentido – um modomoderno de ser devoto – que talvez valha apena buscar o significado mais profundodessa nova ordem…, até porque nele terãoinsistido e por ele terão persistido, se noslembrarmos das relações que já se têm que-rido estabelecer entre a Devotio Moderna fla-menga e S. Jorge de Alga, modelo sob queacabaram por se institucionalizar… Aliás,neste campo, continuam a faltar-nos indica-ções precisas sobre os modelos da sua espi-ritualidade, pois, apesar de invocado comopadroeiro, S. Lourenço Justiniano e a suaRegra e perfeição dos monges só com gran-des adaptações podia ser leitura para uns«cónegos» que, seguindo a regra de SantoAgostinho, se iam integrando cada dia maisno tecido urbano, mesmo se, muitas vezes,de periferias, em detrimento das solidõesmonásticas. E verdadeiramente, nos dias emque iam tentando definir o seu modelo canó-

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e na catequese…, aspectos estes últimos emque seria interessante, algum dia, ultrapas-sar estas alusões de cronista de casa…Compreendemos que um cronista da ordema tenha reivindicado, nos fins do séculoXVII, como uma precursora da Companhiade Jesus… Não discutamos a pertinência deuma tal antecipação, mas anotemos, explo-rando, talvez abusivamente, a mesma pers-pectiva, que o projecto inicial dessa associa-ção de clérigos seculares de votos simples nosparece hoje mais próximo dos horizontes porque se definirão outras experiências que coa-golarão no Oratório de S. Filipe de Neri…Mas, porque não nos ficaremos pela suges-tão de que tal associação de bons homens emVilar de Frades traduzia no Portugal de 1420a 1446, com todas as consequências, ummodo moderno de ser devoto de que não hápor que buscar nem imediatamente nemdirectamente as raízes na Flandres de Win-desheim?… Será, contudo, também possívelque, um dia, venhamos a descobrir que, afi-nal, era esse mesmo o modelo que MestreVicente tinha presente quando, em Outubrode 1430, depois de ter andado pela Flandrescom Martim Lourenço, pede, em Roma, emseu nome e de seus companheiros que lhes

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dos projectos, propostas ou simples modosde conceber o reformar referíveis a um qua-dro de reformas religiosas ao longo doséculo XV em Portugal? Mesmo partindo doângulo restricto por que perspectivámos oobjecto – a reforma do clero – temos, since-ramente, muitas dúvidas. Com efeito, volun-tariamente, é certo, esquecemos os capítu-los catedralícios – cónegos e outras dignida-des – e, consequentemente, os bispos já con-frontados estes com alguma proposta reformapautada por um ideal que não era – oupouco era – o que há-de perfilar-se, commatizes e variedades, em torno a Trentocuja «vigilância» se traduzirá, muitas vezes,num «absolutisme épiscopal» que, comolembrou F. Quero, praticaram, por exemplo,um Carlos Borromeo e um Bartolomeu dosMártires… Esquecemos ainda as ordensmilitares, um universo cada vez mais rare-feito onde a procura da reformulação dosseus objectivos passará, cada vez mais, porreformas quase sempre ex manu regia que,pouco a pouco, vão acentuando de factoquando não de iure uma secularização que,mais tarde, virá a ser como que consagradana dimensão económica e, muito maistarde ainda, na sua dimensão honorífica…

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nico, que livros liam? A Vita Christi deLudolfo de Saxónia? Esta também liam osfranciscanos, os cistercienses, os beneditinos,os dominicanos, muitas freiras e até muitosleigos. Os Moraes de S. Gregório que comen-tava, com um seu companheiro, Fr. Paulo dePortalegre? Outra das «leituras tradicionais».A já aludida Regra e conversão dos mongesde Lourenço Justiniano que, estatutaria-mente, deveria existir e ser lida em todas ascasas da ordem? Dada a importância da obraem contexto lóio, tal é bem possível, maslembremo-nos que, pelos mesmos dias, tam-bém os beneditinos deviam ler a regra de S.Bento e muitos deles nem de nome a conhe-ceriam… O que importará é tentar determi-nar por onde passava a diferença do seumodo de ler os livros que elencavam ou pos-suíam. Toda uma investigação a continuar,principiando por descortinar o significadoda avultada presença de R. Lullo na livrariade Vilar de Frades pelos fins do século XV,como assinalou Isabel de Castro Pina.

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Teremos conseguido insinuar o que nosparece o sentido mais profundo de alguns

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– que, antes e depois de todas as reformas,ensinavam…, pregavam…, confessavam…,eram assíduos ao coro…, oravam…, davamde comer a quem tinha fome e de beber aquem tinha sede…, corrigiam os que erra-vam…, visitavam os enfermos…, consolavamos tristes…, vestiam os nus… e enterravamos mortos… O anónimo e eruditíssimoautor de Boosco Deleitoso Solitário (Lisboa,1515, cps. LI, LII) cujos apelos à reforma seancoram na conversio cordis que, pela fugado «segre» (de contemptu mundi), dispõepara a vida contemplativa, como que os con-tabilizou: eram poucos – mais os clérigosque os bispos –, mas existiam. Mas como tra-zer tanta gente sem documentos à linha deágua da História?

Arrisquemos a abandonar alguns dosnossos prejuízos e tentemos ler sistematica-mente os exemplos – homens e números –que as crónicas – das ordens religiosas, dereis e senhores – e outras fontes documen-tais nos oferecem dessa gente de que nãocostumamos apreciar as hagiografias… Sesabemos, com mais ou menos rigor e habi-lidade, recorrer a tal documentação para as«hetrodoxias» – dos votos, da fé, da moral –,porque não lhe conceder, com os mesmos

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Do mesmo modo, à parte qualquer alusão,nada dissemos da reforma das ordens femi-ninas, em que, pelo que às clarissas diz res-peito, se empenhou, cerca de 1495, a rainhaLeonor, viúva de João II de Portugal…, massó com lentos frutos no século XVI e XVIIcomo deixam avistar as suas crónicas estu-dadas por Moreno Pacheco. Por outro lado,quase apenas fizemos entrever – e, mesmoassim, seleccionadamente – os reformadores,pondo em alguma evidência vícios, violên-cias e abusos dos reformandos de que, se nãocabe, de nenhum modo, duvidar, muitasvezes só tomamos conhecimento através decríticas e acusações desses mesmos reforma-dores… e seus protectores… e até de simplescobiçadores, como aquele Martinho Anes,clérigo de Braga, que, em 1429, alegando,em extenso rol, o mau viver e mau adminis-trar do abade beneditino de Vimieiro, pediapara si a Martinho V o dito mosteiro emcomenda… E, sobretudo, apesar de um ououtro caso a que, individual ou comunitaria-mente, aludimos, esquecemos tantos daque-les clérigos e prelados virtuosos, afáveis ebenignos – até parece que temos de ter asgarantias de um bispo, André Dias, para con-tinuar a crer que, apesar de tudo, existiam…

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coincidentes e, cada qual a seu modo, sufi-cientemente claros… e qualquer colecção debulas e súplicas desse tempo nos põe desobreaviso sobre as legalidades que haviaque ultrapassar para reformar… E mais:como qualquer reforma in membris, pressu-punha uma reforma in capite… Por algo,como já recordamos, a Idade Média – assim,sem mais – apreciou de sobremaneira e ele-vou à categoria de princípio estruturador demuito do seu pensamento político e socialo espelho como símile do príncipe… – ondeo contemplou, com argúcia e saber, AnaIsabel Buescu –, mas também por algo, ape-sar de textos e declarações de intenção desérios programas e estratégias, tais reformasse viram, para além de alguns pormenores– importantes, sem dúvida, mas pormeno-res –, sucessivamente adiadas… Muitas atécerca de 1545… e outras até depois de1563… E ainda assim… Por tudo isto, lem-brámos – teremos até sido demasiado cons-tantes a lembrá-Io – a dimensão marcada-mente – quando não unicamente – jurídicae moral que deu o tom a muitos desses pro-jectos de reforma…, uma limitação que,muitas vezes também, continha já o apeloou o protesto que conduziam à sua própria

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critérios, crédito para as «ortodoxias»? Revi-sionismo? De modo nenhum, apenas abriralguma brecha para ver melhor – e com-preender melhor – o que tantos queriamreformar… E desde esta precisa perspectiva,algum dos casos que examinámos, nomea-damente o dos Lóios, pode ainda deixar-nosentrever o que poderá ter sido, para muitosdesses que hoje não conhecemos, a procurade meios e modos de desenvolver e legitimarem moldes «reformados» a sua acção e pie-dade, o que, ao fim e ao cabo, era o motorda sua busca de perfeição evangélica… Masneste nosso quadro esquecemos mais: desublinhar que reformas limitadas a corrigirvícios e abusos estavam destinadas, quasesempre, a corrigir algo que a prática curiaI– da romana à diocesana – sancionavacom base em interpretações e em concessõesde excepções de que não cabe aqui discutiros fundamentos… Aqui apenas caberá lem-brar que em l’Église de la fin du Moyen Âge,[…] les forces en faveur de la reforme et cellesdu statu quo s’équilibraient à peu près et […]s’apprêtaient à intervenir pour bloquer lerenouveau dans la vie de l’Église comme dansla dévotion et la spiritualité (H. Schilling). G.Grote e André Dias foram, a este respeito,

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gem» de D. Manuel…, «passagem» anun-ciada em saraus palacianos e exposta, comcertezas de disponibilidade em que poucosacreditariam, em cartas a outros monarcas«passageiros», como Fernando, el Católico…Consequentemente, conhecemos muito piornão só os fundamentos teóricos de certosinstrumentos de reforma – a pregação…, acatequese… –, mas também os seus proces-sos e extensão…, o que equivale a dizer queignoramos ainda o real impacto de tantaspalavras e de tantos gestos que dizem se dis-seram ou fizeram. Umas que terão sido rea-lidade, outros que não terão passado de sim-ples projecto… Contudo, em dias de esperanos últimos tempos de um mundo in pecca-tis senescente et canescente ou numa novaidade em que a reformatio guarda, tantasvezes, tons de ideologia, talvez correspondes-sem a uma ansiosa espera, próxima dosonho, de uma renovatio final… Mas tam-bém isto representa uma dimensão de queainda mal suspeitamos no quadro das refor-mas religiosas do século XV em Portugalque haverá que ver, porque dele não desdiz,na moldura mais vasta do movimento refor-mador – se de tal for verdadeiramente legí-timo falar – que percorria a Europa e que

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anulação ou adiamento… Compreende-se,então, que nesses dias de Quatrocentos –um Quatrocentos que são tantos Quatro-centos… – as reformas mais logradas oumais admiradas em Portugal – ou naFlandres de Kempis…, na Itália de LorenzoGiustiniani ou de Ludovico Barbo…, naEspanha de García de Cisneros…, no Por-tugal de João da Póvoa… – foram, por issomesmo, as que se viram continuadas ou,então, implantadas por pequenos gruposque, com alguma solidariedade entre si etantas vezes numa situação canonicamentepolémica quando não duvidosa, assim pre-tendiam, em vida comunitária, mais do quea reformatio ecclesiae, a renovatio cordis decada qual e a dos que lhes estavam próxi-mos… O que pressupunha a renovação daespiritualidade do modus orandi à devotio…Dramaticamente, de tudo isto, como deve-remos ter verificado por alguns dos casos aque aludimos, conhecemos ainda hoje malos precisos contornos desse Portugal de umQuatrocentos que abre com Ceuta e seencerra, não com Melinde, mas com os pro-jectos – reais ou simplesmente propagandís-ticos explorando o que já foi apelidado develhas «imposturas» medievais – da «passa-

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talvez nos pareça hoje que poderia ser umaalternativa à Reforma e que, depois de 1545,se consolidou, com o pesar de muitos, sobo signo do agere contra… Atrevemo-nos,porém, a perguntar ainda se nesse quadroque esboçamos não se poderiam ter inscrito,como sinal dessas rupturas mal apercebidasa que aludimos inicialmente, aqueles queAfonso V, ao dar conta que são trasladadosalguns livros de João Wicleff e JoãoHuss e fr.Gáudio e outros alguns, mandava perseguir,porque fazem conventículos e se apartam aler os ditos tratados e livros… Isto à volta de1451…, quer dizer, cerca de dois anosdepois da abdicação de Félix V que repre-senta o real fim do tempo de divisão que,desde 1378, impedia ou dificultava as refor-mas e dois anos antes que o cardeal Nicolaude Cusa escrevesse esse admirável De PacisFidei que, brotando dos acontecimentos de1453, poderia marcar o início de um larguís-simo tempo de reforma, intimamente cen-trada em Cristo – o mais fundo anseio deMartinho Lutero –, donde resultasse unareligio in ritum varietate…, um tempo e umareforma por que ainda esperamos…

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José Adriano de Freitas Carvalho

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ANTES DE LUTERO:A IGREJA E AS REFORMAS

RELIGIOSAS EM PORTUGAL NO SÉCULO XV.

ANSEIOS E LIMITES

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Colecção «Via Spiritus», III Série – Acta et Monumenta

1. José Adriano de Freitas Carvalho – O meu reinopor um sereno… Viajantes Portugueses emEspanha (1847-1952). Achegas para umaBibliografia

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CITCEM

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