ACP CEF Venda Casada

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EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA ___ VARA FEDERAL CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO/RJ Ref.: PA nº 1.30.012.000322/2001-14 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do Procurador da República que esta subscreve, com fulcro nos artigos 5º, XXXII, 127, 129, inc. III e 170, inc. V, da Constituição Federal, artigos 1º, inc. II, 3º e 5º da Lei nº 7.347/85 e artigo 6º, inciso VII, alíneas “a”, “c” e “d” da Lei Complementar n.º 75/93, vem perante V. Exa. propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, empresa pública federal, sediada na Av. Rio Branco 174 – 21º andar, Centro, Rio de Janeiro/RJ, CEP 20040-003, podendo ser citada na pessoa de seu representante legal, com base nos fundamentos a seguir expostos. I – BREVE SÍNTESE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO: Foi instaurado na Procuradoria da República do Rio de Janeiro o Procedimento Administrativo nº 1.30.012.000322/2001-14, a partir da representação 1

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EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA ___ VARA FEDERAL CÍVEL DA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO/RJ

Ref.: PA nº 1.30.012.000322/2001-14

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do Procurador

da República que esta subscreve, com fulcro nos artigos 5º, XXXII, 127, 129, inc. III

e 170, inc. V, da Constituição Federal, artigos 1º, inc. II, 3º e 5º da Lei nº 7.347/85 e

artigo 6º, inciso VII, alíneas “a”, “c” e “d” da Lei Complementar n.º 75/93, vem

perante V. Exa. propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICACOM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, empresa pública federal, sediada na Av.

Rio Branco 174 – 21º andar, Centro, Rio de Janeiro/RJ, CEP 20040-003, podendo ser

citada na pessoa de seu representante legal, com base nos fundamentos a seguir

expostos.

I – BREVE SÍNTESE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO:

Foi instaurado na Procuradoria da República do Rio de Janeiro o

Procedimento Administrativo nº 1.30.012.000322/2001-14, a partir da representação

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formulada pela Sra. Rita Maria Vieira noticiando que, ao pleitear junto à ré um

financiamento imobiliário do Conjunto Residencial Moradas do Itanhangá, lhe foi

exigida a abertura de uma conta, que poderia ser corrente ou de poupança. Alegou

ainda que a mesma exigência teria sido feita aos inúmeros outros candidatos ao

financiamento em questão, posto que tal fato se repetiu em todas as entrevistas as

quais presenciou.

Oficiada para se manifestar sobre o fato, a Ré alegou que não

exigiu a abertura de conta no caso em questão (fl. 14).

Outrossim, em atendimento à requisição deste Parquet, a CEF

encaminhou relação dos adquirentes das unidades do Conjunto Residencial Moradas

do Itanhangá (fls. 41/59 e 83/101), bem como, dos adquirentes que figuram como

titulares de contas da CEF (fls. 60/82).

Às fls. 122/140 foi acostada nova representação ao PA,

narrando a consumidora que, após adquirir um financiamento junto à Ré, foi

surpreendida com o envio de cartão de crédito e talão de cheques não solicitados.

Afirmou ainda que fato semelhante aconteceu com sua amiga, que ao se dirigir à

agência da CEF apenas para pedir informações sobre financiamento, acabou sendo

obrigada a abrir uma conta.

Às fls. 151/165, constam sentenças enviadas pelo 1º Juizado

Especial Federal do Rio de Janeiro, cabendo destacar a sentença de fls. 151/158,

condenando a ré ao pagamento de danos materiais e morais por ter condicionado a

liberação do saldo do FGTS à assinatura de um contrato de acidentes pessoais.

Prosseguindo nas apurações, este órgão oficiou à Ré para que

informasse se o mutuário é obrigado a fazer o seguro de vida com a SASSE

(vinculada à CEF) ou pode optar por qualquer seguradora, tendo a CEF informado que

mantém a Caixa Seguros como seguradora exclusiva nos casos de financiamento de

crédito imobiliário (fl. 173).

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Por fim, foi acostado ao procedimento manifestação da SUSEP

atestando a ilegalidade desta medida, afirmando que o seguro pode ser contratado

com qualquer seguradora habilitada, conforme listagem acostada à fl. 182.

Foram apensados a este procedimento os PAs

1.30.012.000463/2003-07 e 1.30.012.000391/2004-71.

O primeiro consiste na cópia de ação que tramitou no JEF de

São Pedro da Aldeia, em que o magistrado, na sentença de procedência do pedido,

determinou a remessa de cópia do autos ao MPF “em face da constatação da

conduta da Ré-CEF, de condicionar a concessão de financiamento imobiliário

à abertura e manutenção, pelo mutuário, de conta-corrente onerada por

taxas bancárias próprias, prática esta considerada abusiva no art. 39, inc. I,

do Código do Consumidor, e que, ao que se pode apurar nestes autos, impõe-

se rotineiramente a todos os contratos da espécie firmados pela instituição”.

Já o PA 1.30.012.000391/2004-71 foi instaurado a partir de

cópia da Ação Penal 2001.5101.527321-2, que tramita na 4ª VFC do Rio de Janeiro,

onde consta o depoimento de uma testemunha afirmando que ao se dirigir à agência

da CEF para sacar seu FGTS, a gerente o teria obrigado a abrir uma conta poupança e

fazer um seguro residencial SASSE FÁCIL.

II - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO:

Diante dessas circunstâncias, o MPF propõe a presente ação

visando, em síntese, fazer cessar a prática de venda casada pela CEF, bem como, o

pagamento de indenização pelos danos morais causados à coletividade de

consumidores.

Para tanto, vale-se do vigente texto constitucional, que lhe

confere legitimidade para zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos

serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo

as medidas necessárias à sua garantia; ao mesmo tempo, assegura, como função

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institucional, a promoção da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e

social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (artigos 127 e

129, II e III, C.F.):

“Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

“Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

(...)II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”

A legitimidade ministerial é corroborada ainda pelos seguintes

preceitos normativos:

Lei Complementar nº 75/93 - Estatuto do Ministério Público da União

“Art. 5º - São funções institucionais do Ministério Público da União:(...)II - zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos:c) à atividade econômica1, à política urbana, agrícola, fundiária e de reforma agrária e ao sistema financeiro nacional;

1 CF - Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...) V - defesa do consumidor;

(...)

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(...)VI - exercer outras funções previstas na Constituição Federal e na lei. (...)”

“Art. 6º - Compete ao Ministério Público da União:(...)VII - promover o inquérito civil público e a ação civil pública para:c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos;(...)”

Lei nº 7.347/85“Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (...)II – ao consumidor;(...)

Art. 5º - A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que: (...)”

Por fim, a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor),

dispõe em seu artigo 81 e parágrafo único que a defesa dos interesses e direitos dos

consumidores pode ser exercida individual ou coletivamente, entendendo-se dentre

estes últimos, além dos interesses coletivos e difusos, também os interesses ou

direitos individuais homogêneos. A mesma lei atribui ao Ministério Público a

legitimidade para ajuizar as ações civis coletivas alusivas ao assunto (artigos 91 e

92):

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“Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de :(...)II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82 - Para os fins do artigo 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:I - o Ministério Público;(...)

Art. 91 - Os legitimados de que trata o artigo 82 poderão propor em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes”.

Cumpre observar que os direitos defendidos na presente ação

devem ser classificados como coletivos, considerando que os pedidos (cessação da

prática abusiva e indenização por danos morais coletivos a ser revertida ao Fundo de

Defesa dos Direitos Difusos) têm natureza indivisível, já que, caso deferidos,

aproveitarão indistintamente a todos os consumidores que vierem a contratar com a

CEF, como se infere da definição contida no art. 81, II, do CDC.

Ou seja, caso julgada procedente a presente, declarando-se a

nulidade da cláusula que impõe a contratação do seguro imposto pela CAIXA aos

mutuários do SFH, os efeitos desta decisão serão transindividuais de natureza

indivisível, já que beneficiará obrigatoriamente a todos os consumidores que fizerem

parte da relação jurídica em questão.

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Outrossim, é certo que a concessão de financiamento ao

mutuário está sujeita às normas de proteção e defesa do consumidor, conforme se

depreende do disposto no § 2º do artigo 3º da Lei 8.078/90. Neste sentido, merecem

destaque os seguintes julgados do E. Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TAXA DE JUROS. LIMITES. TABELA PRICE.1. O recurso especial não é o meio processual adequado para examinar ofensa a dispositivos da Constituição Federal.2. A ausência de debate, na instância recorrida, dos dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai a incidência da Súmula 282/STF.3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da aplicação do CDC aos contratos de financiamento habitacional, considerando que há relação de consumo entre o agente financeiro do SFH e o mutuário. Precedente: RESP 615553 / BA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 28.02.2005.4. Configura-se abusiva a cobrança de taxa de juros em percentual que exceda ao limite máximo preconizado no contrato e na legislação vigente na data de sua assinatura. Precedente: RESP 638782 / PR, 1ª T., Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 06.09.2004.5. O sistema de amortização pela "Tabela Price" pode importar a incorporação de juros sobre juros, circunstância essa cuja verificação não é cabível em sede de recurso especial, já que supõe exame de prova e de interpretação de cláusula contratual. Precedente: AGA 542435 / RS, 3ª T., Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 14.03.2005.6. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, improvido.(REsp 724.827/SC, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28.06.2005, DJ 01.08.2005 p. 348)”.

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“SFH. CONTRATO DE MÚTUO. CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS. REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO. APLICAÇÃO DO CDC. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS.(...)2. As regras do Código de Defesa do Consumidor, inclusive a que autoriza a inversão dos ônus da prova, são aplicáveis aos contratos de mútuo para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação.(...).”.(STJ, RESP 615553, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Data da decisão: 07/12/2004, DJ DATA:28/02/2005 PG:220, Rel. Min. LUIZ FUX).

Sobre o tema, muito bem se manifestou João Batista de

Almeida (in “A proteção jurídica do consumidor”, Ed. Saraiva, 2ª edição, 2000, págs.

62/63):

“Dentre os vários órgãos encarregados da tutela do consumidor, sobressai o Ministério Público como um dos principais instrumentos dessa atuação protetiva (CDC, art. 5º, II), mercê das incumbências constitucionais e legais da instituição e do alto nível profissional de seus membros. (...)

Por isso mesmo, pondera, acertadamente, Antônio Herman Benjamin que “a tutela do consumidor pelo MP tem como premissa básica a defesa do interesse público, algo mais abrangente que o interesse exclusivo do consumidor. Aí reside a razão principal porque é o MP, e não outro órgão, a instituição mais adequada a carrear a tarefa mediativa nas relações de consumo.”

Por fim, ainda que se vislumbre defesa de interesses individuais

homogêneos nesta ação, tal fato em nada prejudica a legitimidade deste órgão

ministerial, seja pelo fato de tais interesses serem secundários em relação ao

interesse coletivo protegido, seja pela relevância social destes interesses (direito à

habitação), visto que o objetivo primordial do Sistema Financeiro de Habitação, criado

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através da Lei 4.380/64, é a facilitação à aquisição da casa própria para a população

de baixa renda.

Por oportuno, cabe transcrever as seguintes decisões:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRETENSÃO A ANULAR-SE CLÁUSULA QUE PREVÊ REAJUSTE U CORREÇÃO MONETÁRIA DE PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. DIREITOS COLETIVOS. LEGIMITIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.– Tratando-se de ação que visa à proteção de interesses coletivos e apenas de modo secundário e conseqüencial à defesa de interesses individuais homogêneos, ressai clara a legitimidade do Ministério Público para intentar a ação civil pública. Precedentes.Recurso especial conhecido e provido.”.(STJ, RESP 192950, QUARTA TURMA, Data da decisão: 27/04/2004, DJ DATA:14/06/2004 PG:222, Rel. Min. BARROS MONTEIRO).

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. CUMULAÇÃO DE DEMANDAS. NULIDADE DE CLÁUSULA DE INSTRUMENTO DE COMPRA-E-VENDA DE IMÓVEIS. JUROS. INDENIZAÇÃO DOS CONSUMIDORES QUE JÁ ADERIRAM AOS REFERIDOS CONTRATOS. OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER DA CONSTRUTORA. PROIBIÇÃO DE FAZER CONSTAR NOS CONTRATOS FUTUROS. DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.I - O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, em cumulação de demandas, visando: a) a nulidade de cláusula contratual (juros mensais); b) a indenização pelos consumidores que já firmaram os contratos em que constava tal cláusula; c) a obrigação de não mais inseri-la nos contratos futuros, quando presente como de interesse social relevante a aquisição, por grupo de adquirentes, da casa própria que ostentam a condição das chamadas classes média e média baixa.II - Como já assinalado anteriormente (REsp. 34.155-MG), na sociedade contemporânea, marcadamente

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de massa, e sob os influxos de uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania.III - Direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transindividuais, de natureza indivisível. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato; os segundos, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica.IV - Direitos individuais homogêneos são aqueles que têm a mesma origem no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo.V - Embargos acolhidos.”.(STJ, ERESP 141491, Órgão Julgador: PCORTE ESPECIAL, DJ DATA: 01/08/2000, PG:182, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER).

Destarte, resta incontestável a legitimidade do Parquet para o

ajuizamento da presente demanda.

III – DO MÉRITO:

Como se pode verificar, o procedimento em questão é formado

a partir de várias representações e manifestações, oriundas de consumidores a

magistrados, todas no mesmo sentido: a ré pratica, rotineiramente, venda casada.

Aproveitando-se de suas funções públicas, especialmente no

tocante ao SFH e ao FGTS, a CEF impõe a contratação dos mais variados serviços,

valendo-se, na maioria das vezes, da necessidade e ignorância dos consumidores.

Embora a Ré admita a venda casada somente em relação ao

seguro do financiamento imobiliário, negando nos demais casos, resta claro nos autos

que a prática é uma constante em suas agências.

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Neste sentido, destaque-se inicialmente que a 3ª Câmara de

Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável pela áreas de

atuação relativas ao Consumidor, Ordem Econômica e Economia Popular, expediu as

Recomendações nºs 04/2002 e 02/2003 à CEF, justamente em razão das práticas ora

narradas.

A Recomendação nº 04/2002, acostada à fl. 169, diante da

confessada venda casada quanto ao seguro no SFH, recomendou à CEF para que

informasse “aos mutuários do SFH sobre a possibilidade de contratar o seguro

imobiliário obrigatório, nas operações do Sistema Financeiro de Habitação, previsto

no Decreto-lei nº 73/66 e na Lei nº 9.514/97, com outras empresas seguradoras do

setor, autorizadas pela SUSEP a atuar na região, assegurando-lhes a liberdade de

escolha”.

Já a Recomendação nº 02/2003, acostada à fl. 170, em razão

do condicionamento de abertura de conta corrente para aquisição de financiamento

imobiliário, recomendou à CEF para que informasse “aos mutuários do SFH, sobre a

possibilidade de pagamento das parcelas do financiamento imobiliário, mediante

débito em conta corrente ou por meio de boleto bancário, assegurando-lhes a

liberdade de escolha”.

Tais recomendações, totalmente ignoradas pela ré,

demonstram que os problemas em exame ocorrem há vários anos em todo o país, e

com uma lamentável frequência.

Para melhor compreensão da presente demanda, impõe-se

separar o caso da venda casada do seguro do SFH, visto que a CEF reconhece que

obriga os consumidores a contratarem com a Caixa Seguradora, dos demais casos de

venda casada (especialmente a exigência de abertura de conta corrente), em que a ré

não assume tal prática, apesar das evidências.

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A – DA VENDA CASADA DO SEGURO NO SFH:

A exigência feita aos mutuários do SFH de contratação do

seguro através da seguradora escolhida pela CEF é inquestionável, sendo assumida

pela própria. Além disso, a Cláusula Décima Nona do contrato de financiamento

acostado às fls. 125/134 do PA é clara ao estipular que “...são obrigatórios os seguros

contra morte, invalidez permanente e danos físicos do imóvel, previstos na Apólice de

Seguro habitacional Compreensivo para Operações de Financiamento com recursos

do FGTS, os quais serão processados por intermédio da CEF, obrigando-se os

DEVEDORES a pagar os respectivos prêmios”.

A ilegalidade desta exigência é evidente.

Como já mencionado, a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão

do Ministério Público Federal expediu a Recomendação nº 04/2002 no sentido de que

a CEF informasse “aos mutuários do SFH sobre a possibilidade de contratar o seguro

imobiliário obrigatório, nas operações do Sistema Financeiro de Habitação, previsto

no Decreto-lei nº 73/66 e na Lei nº 9.514/97, com outras empresas seguradoras do

setor, autorizadas pela SUSEP a atuar na região, assegurando-lhes a liberdade de

escolha”.

Em decorrência disto, esta Procuradoria oficiou à ré para que

esclarecesse se vinha cumprindo a referida Recomendação ou se persistia na prática

ilegal (fl. 167).

Pois bem, em sua obscura resposta, a CEF, apesar de

reconhecer que a legislação permite ao mutuário a escolha da seguradora, confessa

que exige a contratação da Seguradora Caixa Seguros. Neste sentido, cabe destacar

os seguintes trechos de sua manifestação (fl. 173):

“1.1.4 Paralelamente, para viabilização de tais operações, foram efetuados estudos que culminaram na edição da Medida Provisória nº 1671/98, atual MP 2197/43, que em seu Art. 2º permitiu aos Agentes Financeiros a

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contratação de financiamentos com adoção de apólice de seguro diferente do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação – SFH desde que a operação previsse, obrigatoriamente, no mínimo, a cobertura relativa aos riscos de morte e invalidez permanente.

1.1.4.1 Ressalte-se que a partir da edição da citada MP, o Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução CMN 3.005, de 30 de julho de 2002, ampliou, também, para as operações de financiamento no âmbito do SFH, a adoção de apólice distinta do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro de Habitação”.

“1.1.5 Decorre dessa legislação, portanto, a alternativa de contratação, pelo proponente, sem a interveniência da instituição cedente, inclusive para financiamentos lastreados em recursos do FGTS, os quais são regulamentados pelo conselho Curador do FGTS e operacionalizados no âmbito do SFH, conforme estabelecidos nos Artigos 5º e 8º, respectivamente, da Lei 8036/90”.

“1.1.6 Conforme apontado no subitem 1.1.1 do presente Ofício, a contratação do seguro é imposição legal e não um procedimento particular da instituição financeira, de forma que a CAIXA, na condição de estipulante dos seguros e detentora de parte relevante do capital social da Seguradora Caixa Seguros a mantém como seguradora exclusiva nos seguros de financiamentos de crédito imobiliário, desde que ofereça taxas e condições de cobertura compatíveis com o mercado”.

Assim, está claro que a ré continua obrigando os mutuários a

contratarem o seguro da Caixa Seguros, configurando evidente venda casada, prática

vedada pelo art. 39, inciso I, da Lei 8.078/90, verbis:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas:I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.

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Ilícita, portanto, a prática de condicionar o financiamento à aceitação, pelo mutuário, de contrato de seguro da Caixa Seguros conforme imposição unilateral da CAIXA.

Percebe-se, ainda, ofensa à liberdade de escolha e ao direito à

informação pelo consumidor, previstos no art. 6º, incisos I e II, do CDC, verbis:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Com efeito, a Medida Provisória nº 2.197-43/01 é bastante

clara ao estabelecer que:

“Art. 2º Os agentes financeiros do SFH poderão contratar financiamentos onde a cobertura securitária dar-se-á em apólice diferente do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro da Habitação, desde que a operação preveja, obrigatoriamente, no mínimo, a cobertura relativa aos riscos de morte e invalidez permanente”.

No mesmo sentido, a Resolução BACEN nº 3005/2002 dispõe o

seguinte, verbis:

“Art. 10. Além das demais condições estabelecidas na legislação em vigor, as operações no âmbito do SFH devem observar o seguinte: (...) Parágrafo 1º Os custos de contratação de apólice de seguros de morte e invalidez permanente, danos físicos ao

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imóvel e, quando for o caso, responsabilidade civil do construtor, não estão incluídos na remuneração efetiva máxima a que se refere o inciso III, sendo facultada a contratação de seguro sem a interveniência da instituição concedente do crédito, exceto no caso de opção pela Apólice do Seguro Habitacional do SFH”.

Destaque-se ainda a manifestação da SUSEP, às fls. 177/182,

afirmando expressamente à fl. 181 que “não procede a alegação de que o seguro

necessariamente deva ser efetuado por intermédio da Caixa”, listando ainda uma

série de seguradoras que estão aptas a oferecer este seguro habitacional.

Apesar da clareza da questão, a ré persiste nesta prática

abusiva, justificando a imediata intervenção do Poder Judiciário para cessar a

ilegalidade.

B – DAS DEMAIS VENDAS CASADAS PRATICADAS PELA RÉ:

Como já mencionado, através do procedimento instaurado no

MPF constatou-se que a ré pratica, com lamentável frequência, venda casada,

condicionando o fornecimento de determinados serviços à contratação de outros.

O caso mais frequente parece ser a exigência de abertura de

conta para os consumidores que pleiteiam um financiamento imobiliário, sendo este

fato que deu origem à apuração pelo Parquet.

Comprovando que tal prática ocorre reiteradamente e em todo

território nacional, cabe salientar que a 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do

Ministério Público Federal expediu a Recomendação nº 02/2003, acostada à fl. 170,

recomendando à CEF para que informasse “aos mutuários do SFH, sobre a

possibilidade de pagamento das parcelas do financiamento imobiliário, mediante

débito em conta corrente ou por meio de boleto bancário, assegurando-lhes a

liberdade de escolha”.

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Passados mais de 3 anos, a ré, infelizmente, continua com esta

prática abusiva.

Neste sentido, cabe observar que, em atendimento à requisição

deste Parquet, a CEF encaminhou relação dos adquirentes das unidades do Conjunto

Residencial Moradas do Itanhangá (fls. 41/59 e 83/101), bem como, dos adquirentes

que figuram como titulares de contas da CEF (fls. 60/82).

Pois bem, de um total de 1.482 moradores (total apontado à fl.

59), aproximadamente 1.100 possuem conta na CEF. Ora, este elevado índice (mais

de 70%) não pode ser apenas uma simples coincidência. É evidente que todos

sofreram pressão da ré para abrirem contas, sob pena de serem prejudicados em

suas justas expectativas a um financiamento.

Afinal, qual será o percentual da população que tem conta na

CEF? Certamente, é muito menor do que 70%.

O caso relatado às fls. 122/124 é apenas mais um dentre

tantos outros, em que uma pessoa humilde que adquiriu um financiamento na CEF

recebeu cartão de crédito e talão de cheques não solicitados, os quais deram origem

a uma considerável dívida, em razão dos extorsivos juros cobrados.

Com efeito, merece especial atenção o teor do Processo

2003.5158000044-7 que tramitou no JEF de São Pedro da Aldeia, e que forma o PA

1.30.012.000463/2003-07 (em apenso).

Destaque-se inicialmente os seguintes depoimentos prestados

(fls. 31/33):

Depoimento Pessoal dos autores:

“QUE no momento em que assinaram o contrato de financiamento, o qual leram por alto, foi-lhes dito que as parcelas dos pagamentos seriam debitados automaticamente

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na conta corrente deles. Que tanto isso é verdade que só abriram aquela conta corrente por imposição da CEF, exatamente para que os débitos daquele financiamento fossem feitos automaticamente, sendo ainda que, na ocasião, o gerente que os atendeu disse-lhes que, para obter o financiamento eles ainda deveriam adquirir outros produtos da CEF, como a própria conta corrente já referida e mais um plano de previdência privada, plano este que, por isso, também compraram e cujas prestações seriam debitadas automaticamente na conta corrente deles.

Depoimento da testemunha SHIRLEY OLIVEIRA BARBOSA (funcionária da CEF):

“QUE na assinatura de contratos da espécie a CEF exige a abertura de uma conta corrente para que haja um vínculo maior com os contratantes pois considera só o contrato de financiamento muito pouco, conta esta que paga tarifas normais; QUE na ocasião em que se celebra um contrato de financiamento os funcionários da CEF também sempre oferecem outros produtos da Instituição avisando aos contratantes que, quanto mais produtos adquirirem gerará um aumento na pontuação deles no sistema da CEF que, por conseguinte, facilitará a aprovação do financiamento”.

“QUE, à exceção da conta corrente, nenhum dos outros produtos oferecidos ao mutuário por ocasião do contrato de financiamento é de aquisição obrigatória para a concessão do empréstimo”.

Depoimento da testemunha MARCIA DE SANTANA (funcionária da CEF):

“QUE está dentro das atribuições da depoente explicar aos candidatos de financiamento, como fez aos autores, que para a concessão de um financiamento a CEF exige que eles tenham uma conta corrente aberta na agência exatamente porque a CEF também prefere que os pagamentos das prestações do financiamento sejam feitas mediante débito automático naquela conta corrente, o que cria um vínculo e uma garantia maiores para a instituição”.

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“QUE na ocasião em que explica as condições do contrato de financiamento, a depoente é orientada a oferecer aos clientes os outros produtos da Instituição, esclarecendo-lhes mais, que quantos mais produtos adquirirem gerará uma melhoria nos seus conceitos pelo sistema da CEF, melhora esta que, por sua vez facilitará que obtenham qualquer tipo de crédito da CEF, inclusive financiamento imobiliário”.

“QUE aqueles outros produtos da CEF oferecidos aos mutuários que contratam financiamento imobiliário à exceção da conta corrente, não são de aquisição obrigatória, isto é, se não comprados não impedem a concessão do financiamento, se bem que, como já dito, facilitem”.

Pois bem, diante destes depoimentos, o ilustre magistrado, na

sentença de procedência do pedido, “em face da constatação da conduta da Ré-

CEF, de condicionar a concessão de financiamento imobiliário à abertura e

manutenção, pelo mutuário, de conta-corrente onerada por taxas bancárias

próprias, prática esta considerada abusiva no art. 39, inc. I, do Código do

Consumidor, e que, ao que se pode apurar nestes autos, impõe-se

rotineiramente a todos os contratos da espécie firmados pela instituição”,

determinou a remessa de cópia do autos ao MPF para que adotasse as medidas

cabíveis em defesa dos interesses difusos e coletivos.

Com efeito, mostra-se irretocável tal atitude, tendo o nobre

sentenciante verificado que a prática abusiva da CEF causa danos que afetam toda a

coletividade, sendo imprescindível a atuação do Parquet para fazer cessar tal

ilegalidade.

Há ainda nestes autos comprovação de outros casos de venda

casada, como, por exemplo, aquele apreciado pela sentença, cuja cópia encontra-se

às fls. 151/158, em que a liberação do saldo do FGTS foi condicionada à assinatura de

um contrato de acidentes pessoais.

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Page 19: ACP CEF Venda Casada

Situação semelhante se verifica no PA 1.30.012.000391/2004-

71, instaurado a partir de cópia da Ação Penal 2001.5101.527321-2, , onde consta o

depoimento de uma testemunha afirmando que ao se dirigir à agência da CEF para

sacar seu FGTS, a gerente o teria obrigado a abrir uma conta poupança e fazer um

seguro residencial SASSE FÁCIL.

Diante de todos os exemplos citados, resta inquestionável que

esta é uma prática frequente adotada nas agências da CEF. Os depoimentos dos

próprios funcionários da ré, acima transcritos, assumindo que obrigam a abertura de

conta corrente para concessão de financiamento não deixa margem a dúvidas.

Imagine Exa. como se sente uma pessoa que batalhou a vida

inteira buscando o sonho da casa própria e, ao se dirigir a uma agência da CEF em

busca de um financiamento com base no SFH, lhe é dito que deve abrir uma conta

corrente e contratar ainda outros serviços para facilitar a concessão do financiamento.

É evidente que diante deste sonho, que somente pode ser

realizado através do SFH, e com medo de perder a oportunidade, o cidadão aceitará

contratar quaisquer serviços que lhe foram oferecidos.

Infelizmente, em inúmeros casos, estes sonhos se transformam

em pesadelos, pois estes serviços “empurrados” junto com o financiamento muitas

vezes sobrecarregam o mutuário, que acaba ficando inadimplente e adquirindo

dívidas consideráveis, tendo em vista, inclusive, as absurdas taxas de juros cobradas

pelas instituições financeiras neste país.

O mesmo pode-se dizer em relação a um trabalhador que,

tendo sido demitido, dirige-se à CEF para retirar o saldo de seu FGTS. Diante da

necessidade, acaba aceitando contratar os serviços que lhe forem oferecidos como

necessários para agilizar o processamento de seu pedido.

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Page 20: ACP CEF Venda Casada

Frise-se que na grande maioria dos casos as vítimas desta

prática lastimável são pessoas de baixa renda e com pouca instrução, as quais não

conhecem o Código de Defesa do Consumidor e não sabem sequer o que significa

“venda casada”.

São estas pessoas que o Ministério Público visa proteger

através da presente demanda, sendo certo que apenas uma pequena minoria recorre

ao Ministério Público ou a outros órgãos de defesa do consumidor para denunciar tais

práticas. A maioria, por não ter consciência de que foi vítima de uma ilegalidade ou

não saber a quem recorrer, acaba aceitando o fato e sofrendo os prejuízos.

Como já mencionado, as práticas narradas são consideradas

abusivas e expressamente vedadas pelo art. 39, inciso I, da Lei 8.078/90, verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos e serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;”

Ademais, a “venda casada” é tipificada como crime no art. 5º,

II, da Lei 8137/90, cuja pena varia de 2 a 5 anos de reclusão:

“Art. 5° Constitui crime da mesma natureza:II - subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço”.

A caracterização da “venda casada” como crime demonstra a

gravidade da prática, a qual representa uma enorme afronta às relações de consumo,

causando danos a toda a coletividade.

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Page 21: ACP CEF Venda Casada

Portanto, impõe-se a cessação desta prática, bem como, a

condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais

causados aos consumidores.

IV – DO DANO MORAL COLETIVO:

Preliminarmente, cumpre-nos trazer à baila o conceito de dano

moral coletivo, que consiste na injusta lesão da esfera moral de uma dada

comunidade, ou seja, na violação antijurídica de um determinado círculo de valores

coletivos.

Nesses termos, ensina Carlos Alberto Bittar Filho:

“...chega-se à conclusão de que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial”. (in “Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro.”Direito do Consumidor, vol. 12, ed. RT).

A possibilidade jurídica do pedido de indenização por dano

moral coletivo decorre de expresso dispositivo legal: o art. 1º, caput, da Lei da Ação

Civil Pública (Lei Federal n° 7.347/85):

“Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, AS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE POR DANOS MORAIS e patrimoniais causados” .

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Page 22: ACP CEF Venda Casada

A conduta lesiva e abusiva da ré, empresa pública federal,

aproveitando-se indevidamente da gestão de dois programas de elevada relevância

social, FGTS e SFH, para obter ganhos indevidos, promovendo a venda casada de

produtos às custas da necessidade e desconhecimento dos consumidores, atinge o

sentimento de confiança que o cidadão mantém, e deve manter, em face desta

instituição e, até mesmo, do próprio Estado.

O sentimento de ter sido lesado faz com que o usuário perca a

confiança nas instituições, deixe de acreditar no papel do próprio Estado, enquanto

ente destinado à proteção do consumidor.

Com propriedade, o ilustre colega e Procurador da República

André Carvalho Ramos2:

“Assim, é preciso sempre enfatizar o imenso

dano moral coletivo causado pelas agressões aos

direitos transindividuais. Afeta-se a boa imagem da

proteção legal a estes direitos e afeta-se a

tranqüilidade do cidadão, que se vê em verdadeira

selva, onde a lei do mais forte impera.

(...)

Tal intranqüilidade e sentimento de desprezo

gerado pelos danos coletivos, justamente por serem

indivisíveis, acarretam lesão moral que também

deve ser reparada coletivamente. Ou será que

alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada

notícia de lesão a seus direitos, não se vê

desprestigiado e ofendido no seu sentimento de

pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são

2 in “A ação civil pública e o dano moral coletivo”, Direito do Consumidor, vol. 25, ed. RT, p. 83.

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Page 23: ACP CEF Venda Casada

cumpridas? A expressão popular ‘o Brasil é assim

mesmo’ deveria sensibilizar todos os operadores do

direito sobre a urgência na reparação do dano moral

coletivo.”

Quanto ao valor devido a título de indenização pelos danos

morais coletivos, observa Carlos Alberto Bittar que:

“(...) deve traduzir-se em MONTANTE QUE REPRESENTE ADVERTÊNCIA AO LESANTE E À SOCIEDADE DE QUE SE NÃO SE ACEITA O COMPORTAMENTO ASSUMIDO, OU O EVENTO LESIVO ADVINDO. Consubstancia-se, portanto, em IMPORTÂNCIA COMPATÍVEL COM O VULTO DOS INTERESSES EM CONFLITO, REFLETINDO-SE DE MODO EXPRESSIVO, NO PATRIMÔNIO DO LESANTE, A FIM DE QUE SINTA, EFETIVAMENTE, A RESPOSTA DA ORDEM JURÍDICA AOS EFEITOS DO RESULTADO LESIVO PRODUZIDO. DEVE, POIS, SER QUANTIA ECONOMICAMENTE SIGNIFICATIVA, EM RAZÃO DAS POTENCIALIDADES DO PATRIMÔNIO DO LESANTE. Coaduna-se essa postura, ademais, com a própria índole da teoria em debate, possibilitando que se realize com maior ênfase, a sua função inibidora de comportamentos. Com efeito, o peso do ônus financeiro é, em um mundo em que cintilam interesses econômicos, a resposta pecuniária mais adequada a lesionamentos de ordem moral.”3

Assim, o valor do dano moral coletivo a ser fixado deve

observar, além do enorme abalo causado na credibilidade de todo o sistema, a

capacidade econômica da ré, a fim de que sirva para realmente inibir que práticas

como esta se repitam.

Ademais, a indenização a ser paga pela ré a título de danos

morais deve ser estipulada em relação a cada uma das hipóteses anteriormente

narradas: venda casada do seguro no SFH e os demais casos de venda casada, tendo

em vista as peculiaridades em relação ao SFH.

3 “Reparação Civil por Danos Morais” in RT, 1993, p. 220-222.

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Page 24: ACP CEF Venda Casada

V - DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA:

Cabe na presente ação a inversão do ônus da prova, o que fica

desde já requerido, nos termos do artigo 6º, VIII, do CDC, que dispõe:

“Art. 6º – São direitos básicos do consumidor:(...)VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.

Neste sentido destaque-se a seguinte lição:

“A inversão pode ocorrer em duas situações distintas: a) quando o consumidor for hipossuficiente; b) quando for verossímil sua alegação. As hipóteses são alternativas, como claramente indica a conjunção ou expressa na norma ora comentada. A hipossuficiência respeita tanto à dificuldade econômica quanto à técnica do consumidor em poder desincumbir-se do ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito”.4:

VI – DA TUTELA ANTECIPADA:

Além do poder geral de cautela que a lei processual lhe confere

(CPC, artigos 798 e 799), agora o Código de Defesa do Consumidor, dispensando

pedido do autor e excepcionando, assim, o princípio dispositivo, autoriza o Magistrado

a antecipar o provimento final, liminarmente, e a determinar de imediato medidas

satisfativas ou que assegurem o resultado prático da obrigação a ser cumprida (artigo

845).

4NERY JUNIOR, Nelson. “Código de Processo Civil Comentado”, 6ª ed., São Paulo, RT, p.1658.

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Page 25: ACP CEF Venda Casada

Essa regra é aplicável a qualquer ação civil pública que tenha

por objeto a defesa de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo (artigos 12

e 21, da Lei de Ação Civil Pública6, com a redação dada pelo artigo 117, do Código de

Defesa do Consumidor).

No presente caso, é imperiosa a concessão de tutela liminar,

estando perfeitamente caracterizados os seus pressupostos, consistentes na

verossimilhança das alegações e no risco de dano de difícil reparação.

O fummus boni juris já foi devidamente demonstrado nesta

peça.

Quanto ao periculum in mora, deve-se observar que não é

razoável exigir-se que os consumidores sejam obrigados a continuarem se

submetendo à contratação do seguro imposto nos financiamentos obtidos através do

SFH e a outras situações de venda casada por parte da CEF, até o provimento

jurisdicional definitivo, para depois terem que obter o ressarcimento. Muito mais fácil

para todas as partes que esta prática ilegal seja imediatamente sustada, evitando-se

que o dano aumente cada vez mais.

O dano que a ré está causando é de grande amplitude, uma

vez que atinge milhares de consumidores espalhados por todo o país. Estando mais

do que evidenciada a prática indevida, não há razão para que o Poder Judiciário

permita a sua continuidade. A primordial função da Ação Civil Pública é a tutela

5 Art. 84 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)Parágrafo terceiro - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do

provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.(...)

6 Art. 21 - Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Redação dada pelo artigo 117, da Lei nº 8.078, de 11.09.90).

Nota: O Título III do CDC cuida da defesa do consumidor em juízo, dentro do qual se insere o supra citado art. 84.

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Page 26: ACP CEF Venda Casada

preventiva, evitando-se a ocorrência do dano. A se esperar anos até o provimento

final, a reparação dos danos causados aos consumidores será ainda mais demorada

e burocrática, pelo que muitos clientes menos esclarecidos podem deixar de ser

ressarcidos.

Tanto a Constituição Federal quanto a legislação consumerista

prevêem a possibilidade de prevenção e reparação de danos. O artigo 6º, VI, do

CDC, reza que:

“Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:(...)VI - a efetiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

Dessa forma, é necessário que o Poder Judiciário imponha, com

urgência, o fim da prática ilegal, para impedir que milhares de cidadãos sejam

lesados, e evitar o aumento do prejuízo causado aos consumidores, que certamente

já é expressivo.

Portanto, requer a concessão da tutela antecipada,

"inaudita altera pars" e sem justificação prévia, a fim de determinar à Caixa

Econômica Federal, sob pena de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez

mil reais), que:

a) assegure aos mutuários do Sistema Financeiro de

Habitação – SFH a liberdade de escolha de qualquer das

empresas seguradoras autorizadas a atuar nas condições e

termos estabelecidos pela Superintendência de Seguros

Privados – SUSEP na contratação de seguro imobiliário

obrigatório, devendo adaptar a cláusula contratual

respectiva, a fim de que conste expressamente a liberdade

de escolha do mutuário;

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Page 27: ACP CEF Venda Casada

b) assegure o direito de escolha aos mutuários que já

firmaram contrato de financiamento imobiliário com a

Caixa Econômica Federal, no regime de contratação

obrigatória da Companhia Nacional de Seguros Gerais –

SASSE, por meio de alteração contratual;

c) deixe de exigir a abertura de conta corrente aos mutuários

do SFH, bem como, cesse imediatamente qualquer prática

de venda casada, tais como as mencionadas nesta peça,

especialmente envolvendo o SFH e o FGTS.

d) afixe, em todas as suas agências, nos pontos onde haja

maior concentração de consumidores, avisos visíveis,

esclarecendo que a venda casada é expressamente vedada

pelo Código de Defesa do Consumidor e que sua prática

constitui crime previsto em lei, transcrevendo ainda o art.

5º, caput e inciso II, da Lei 8.137/90.

VII – DOS PEDIDOS:

Ante todo o exposto, requer o Ministério Público Federal:

a) a concessão de tutela antecipada, conforme acima

exposto, cominando-se multa diária de R$ 10.000,00 (dez

mil reais) em caso de descumprimento.

b) a citação da ré para, querendo, contestar a presente

ação;

c) a publicação de edital no órgão oficial a fim de que os

interessados possam intervir no processo como

litisconsortes (art. 94, CDC).

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Page 28: ACP CEF Venda Casada

d) seja julgada procedente a presente ação, a fim de

que seja condenada a ré, sob pena de multa diária a

ser fixada na sentença, a:

I) assegurar aos mutuários do Sistema

Financeiro de Habitação – SFH a liberdade de

escolha de qualquer das empresas

seguradoras autorizadas a atuar nas

condições e termos estabelecidos pela

Superintendência de Seguros Privados –

SUSEP na contratação de seguro imobiliário

obrigatório, devendo adaptar a cláusula

contratual respectiva, a fim de que conste

expressamente a liberdade de escolha do

mutuário;

II) assegurar o direito de escolha aos

mutuários que já firmaram contrato de

financiamento imobiliário com a Caixa

Econômica Federal, no regime de contratação

obrigatória da Companhia Nacional de

Seguros Gerais – SASSE, por meio de

alteração contratual;

III) deixar de exigir a abertura de conta

corrente aos mutuários do SFH, bem como,

cessar imediatamente qualquer prática de

venda casada, tais como as mencionadas

nesta peça, especialmente envolvendo o SFH

e o FGTS.

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Page 29: ACP CEF Venda Casada

IV) afixar, em todas as suas agências, nos

pontos onde haja maior concentração de

consumidores, avisos visíveis, esclarecendo

que a venda casada é expressamente vedada

pelo Código de Defesa do Consumidor e que

sua prática constitui crime previsto em lei,

transcrevendo ainda o art. 5º, caput e inciso

II, da Lei 8.137/90.

V) ao pagamento de indenização pelos danos

morais coletivos, em valor a ser arbitrado por

V. Exa., em razão da prática ilegal de venda

casada do seguro aos mutuários do SFH;

VI) ao pagamento de indenização pelos danos

morais coletivos, em valor a ser arbitrado por

V. Exa., em razão dos demais casos de venda

casada praticados pela CEF, devidamente

demonstrados nos autos;

VII) patrocinar, em pelo menos três jornais

de grande circulação, a publicação do inteiro

teor da sentença.

e) a condenação da ré ao pagamento das custas judiciais

e honorários advocatícios, a ser revertido ao Fundo de

Defesa de Direitos Difusos (arts. 13 da Lei nº 7.347/85,

99/100 do CDC e Lei nº 9.008/97).

Protesta pela produção de todas as provas admitidas em

Direito, especialmente documental, inspeções judiciais e oitiva de testemunhas

(inclusive a dos consumidores lesados que representaram ao MPF e dos funcionários

da CEF cujos depoimentos foram transcritos à fl. 17/18).

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Page 30: ACP CEF Venda Casada

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Rio de Janeiro, 23 de maio de 2006.

CLAUDIO GHEVENTERProcurador da República

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