Acordos de colaboração premiada e acordos de.docx

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Acordos de colaboração premiada e acordos de leniência Os acordos de leniência – ou leniency no direito comparado - surgiram no Brasil com a Lei 8.884/1994 – antiga Lei Antitruste, depois substituída pela Lei 12.529/2011, que instituiu o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Nele, a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência têm papel preponderante, ali também havendo a participação da Advocacia Geral da União (Procuradoria Federal junto ao CADE) e do Ministério Público Federal. Previstos nos artigos 86 e 87 da Lei 12.529/2011, os acordos de leniência do SBDC são negociados em conjunto com o Ministério Público, tendo em vista seus reflexos sobre a persecução de crimes previstos na Lei 8.137/90, na Lei 8.666/1993 e no art. 288 do CP. É relevante transcrever o primeiro desses artigos, que revela a similitude do instituto com os acordos de colaboração premiada: Art. 86. O Cade, por intermédio da Superintendência- Geral, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais envolvidos na infração; e II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. Em 2013[1], os acordos de leniência foram introduzidos na legislação anticorrupção, para permitir a redução ou extinção da punibilidade administrativa em caso de colaboração com a Administração Pública, mas com evidentes

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Acordos de colaborao premiada e acordos delenincia

Os acordos de lenincia ouleniencyno direito comparado -surgiram no Brasil com a Lei 8.884/1994 antiga Lei Antitruste, depois substituda pela Lei 12.529/2011, que instituiu o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrncia (SBDC). Nele, a Secretaria de Acompanhamento Econmico do Ministrio da Fazenda e o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrncia tm papel preponderante, ali tambm havendo a participao da Advocacia Geral da Unio (Procuradoria Federal junto ao CADE) e do Ministrio Pblico Federal.Previstos nos artigos 86 e 87 da Lei 12.529/2011, os acordos de lenincia do SBDC so negociados em conjunto com o Ministrio Pblico, tendo em vista seus reflexos sobre a persecuo de crimes previstos na Lei 8.137/90, na Lei 8.666/1993 e no art. 288 do CP. relevante transcrever o primeiro desses artigos, que revela a similitude do instituto com os acordos de colaborao premiada:Art. 86. O Cade, por intermdio da Superintendncia-Geral, poder celebrar acordo de lenincia, com a extino da ao punitiva da administrao pblica ou a reduo de 1 (um) a 2/3 (dois teros) da penalidade aplicvel, nos termos deste artigo, com pessoas fsicas e jurdicas que forem autoras de infrao ordem econmica, desde que colaborem efetivamente com as investigaes e o processo administrativo e que dessa colaborao resulte:I a identificao dos demais envolvidos na infrao; eII a obteno de informaes e documentos que comprovem a infrao noticiada ou sob investigao.Em 2013[1], os acordos de lenincia foram introduzidos na legislao anticorrupo, para permitir a reduo ou extino da punibilidade administrativa em caso de colaborao com a Administrao Pblica, mas com evidentes reflexos no ambiente criminal, dado que os atos de corrupo punveis conforme a Lei 12.846/2013 em regra correspondero a crimes previstos no Cdigo Penal ou na Lei de Licitaes.Infelizmente, por deficincia legislativa, os institutos da colaborao premiada e da lenincia, embora irmos siameses, no se comunicam bem. Ambos visam a facilitar a investigao de atos ilcitos; os dois buscam estimular a colaborao do infrator para a cessao da conduta ilegal, para a individualizao de coautores e para a obteno de melhores provas das infraes penais ou administrativas. A legitimidade para negociar e deferir acordos de lenincia da pessoa jurdica de direito pblico, sem participao judicial, enquanto a colaborao premiada negociada pelo Ministrio Pblico e pelo suspeito ou ru e depois homologada em juzo. Os dois instrumentos podem incidir sobre o mesmo fato ilcito. Porm, salvo em causas penais ambientais, a colaborao premiada s se aplica a pessoas naturais, jamais a pessoas jurdicas, ao passo que a lenincia na Lei Anticorrupo Empresarial (LACE) s vale para pessoas jurdicas[2], nos termos do artigo 16 da Lei 12.846/2013:Art. 16. A autoridade mxima de cada rgo ou entidade pblica poder celebrar acordo de lenincia com as pessoas jurdicas responsveis pela prtica dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigaes e o processo administrativo, sendo que dessa colaborao resulte:I a identificao dos demais envolvidos na infrao, quando couber; eII a obteno clere de informaes e documentos que comprovem o ilcito sob apurao.Tal dissociao entre lenincia (administrativa) e colaborao premiada (processual penal) pode dificultar ou inviabilizar estratgias de persecuo criminal e de punio administrativa a infraes categorizadas como atos de corrupo. Acentua esse descompasso a impossibilidade terica de formalizao de acordos de imunidade ou de reduo de pena em casos de improbidade administrativa, tendo em vista o disposto no artigo 17 da Lei 8.429/1992[3]. Restritiva tem sido a orientao dos tribunais:ACAO CIVIL PUBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERARIO. ART. 10, INCISOS I, VIII E XI, DA LEI No 8.429/92. DISPENSA INDEVIDA DE LICITACAO. DELACAO PREMIADA. INSTITUTO RESTRITO A ESFERA PENAL. MULTA CIVIL. CRITERIOS PARA A FIXACAO. PROPORCIONALIDADE.Em se tratando das sancoes por atos de improbidade administrativa, nao ha como se aplicar, analogicamente, os beneficios da delacao premiada, mesmo porque, no presente feito, a procedencia do pedido decorreu da documentacao oriunda do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Mesmo que o instituto da delacao premiada nao se destine ao caso dos autos, a contribuicao do recorrente a justica, aliado a confissao firmada em Juizo, alem dos principios da proporcionalidade e razoabilidade levam a diminuicao da multa civil de duas vezes para uma vez o valor do dano causado ao erario (TJ/DF, Operao Caixa de Pandora, citado no RESP 1.477.982/DF, STJ).Nesta desconexo entre as instncias cvel/administrativa e penal, nosso sistema difere substancialmente do modelo norte-americano, no qual se inspirou. Ali h uma constante articulao entre os rgos reguladores (administrativos-punitivos) como aSecurities and Exchance Commission(SEC) e o Ministrio Pblico, no tocante formalizao dos chamadosNon-Prosecution(NPA) eDeferred Prosecution Agreements(DPA), firmados com pessoas jurdicas para evitar a persecuo criminal de entes morais ou suspend-la, sob determinadas condies, notadamente aquelas voltadas para a implantao de regras decompliance:The increasing use of Non- and Deferred Prosecution Agreements (N/DPAs) has enabled federal prosecutors to incrementally expand their traditional role, exemplifying a shift in prosecutorial culture from an ex-post focus on punishment to an ex-ante emphasis on compliance. N/DPAs are contractual arrangements between the government and corporate entities that allow the government to impose sanctions against the respective entity and set up institutional changes in exchange for the governments agreement to forego further investigation and corporate criminal indictment. N/DPAs enable corporations to resolve allegations of corporate criminal conduct, strengthen corporate compliance mechanisms to prevent corporate wrongdoing in the future, and mitigate the risks that collateral consequences of a conviction can bring for companies, their shareholders, employees, and the economy.[4]

[1]A Lei 12.651/2012, que instituiu o novo Cdigo Florestal, criou uma espcie de lenincia no artigo 60, vlida sempre que houvesse a concluso de acordo para implantao de Programas de Regularizao Ambiental (PRA): Art. 60. A assinatura de termo de compromisso para regularizao de imvel ou posse rural perante o rgo ambiental competente, mencionado no art. 59, suspender a punibilidade dos crimes previstos nosarts. 38,39e48 da Lei no9.605, de 12 de fevereiro de 1998, enquanto o termo estiver sendo cumprido.[2]A lenincia do SBDC aplica-se tambm a pessoas fsicas.[3]Art. 17. A ao principal, que ter o rito ordinrio, ser proposta pelo Ministrio Pblico ou pela pessoa jurdica interessada, dentro de trinta dias da efetivao da medida cautelar. 1 vedada a transao, acordo ou conciliao nas aes de que trata o caput.[4]RHEE, June. The Effect of Deferred and Non-Prosecution Agreements on Corporate Governance Disponvel em:http://corpgov.law.harvard.edu/2014/09/23/the-effect-of-deferred-and-non-prosecution-agreements-on-corporate-governance/#more-66062. Acesso em 10.maio.2015.