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Portugal e o Mar: Importância da Oceanografia para Portugal Dias, J. A. (2003)

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PORTUGAL E O MARIMPORTÂNCIA DA OCEANOGRAFIA

PARA PORTUGAL

J. Alveirinho Dias

ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................ 1

2. A ZEE PORTUGUESA.................................................................................................................................................... 1

3. O TRÁFEGO MARÍTIMO .............................................................................................................................................. 2

4. AS PESCAS E A AQUACULTURA .............................................................................................................................. 3

5. A INFLUÊNCIA DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS ................................................................................................... 3

6. AS ZONAS COSTEIRAS ................................................................................................................................................ 4

7. ENERGIA ......................................................................................................................................................................... 5

8. RECURSOS MINERAIS ................................................................................................................................................. 5

9. ESPECIFICIDADES DA MARGEM PORTUGUESA.................................................................................................. 7

10. ALGUNS ASPECTOS COM INTERESSE CIENTÍFICO ....................................................................................... 7

10.1. Banco do Gorringe........................................................................................................................................................ 7

10.2. Montanhas Marginais do Noroeste Ibérico.................................................................................................................. 7

10.3. Crista Madeira Tore ...................................................................................................................................................... 8

10.4. Planície Abissal do Tejo ............................................................................................................................................... 8

10.5. Montanha Submarina de Tore ...................................................................................................................................... 8

10.6. Contornitos da Margem Algarvia................................................................................................................................. 8

10.7. Canhões Submarinos .................................................................................................................................................... 8

10.8. Hidrotermalismo Submarino ........................................................................................................................................ 9

11. Sismicidade e Protecção Civil ..................................................................................................................................... 9

12. Modificação Climática Global................................................................................................................................... 10

13. Elevação do Nível Médio do Mar ............................................................................................................................. 11

14. Considerações Complementares................................................................................................................................ 13

15. Bibliografia................................................................................................................................................................. 14

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Portugal e o Mar: Importância da Oceanografia para Portugal Dias, J. A. (2003)

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PORTUGAL E O MARIMPORTÂNCIA DA OCEANOGRAFIA

PARA PORTUGAL

J. Alveirinho Dias

1. INTRODUÇÃO

Portugal, país com longa tradição marítima, tem também,actualmente, múltiplas razões (políticas, económicas,sociais, científicas) para continuar a considerar o marcomo sector prioritário. Como só se pode exercersoberania plena sobre o território que se conhece, talcomo só se pode gerir convenientemente o que seconhece, as Ciências Marinhas (e mais especificamente aOceanografia) pela importância de que se revestem, têmque constituir, em Portugal, domínio prioritário.

Fig. 1. A Zona Económica Exclusiva de Portugal (ZEE) éconstituída por 3 áreas: Portugal Continental, Madeira e Açores.Confina com as ZEE de Espanha e de Marrocos.

Como se referiu, são múltiplas as razões pelas quais o marsurge com importância muito especial em Portugal. Nosparágrafos seguintes expõem-se, sem qualquerpreocupação de ordem de importância, e sem tentar serminimamente exaustivo, algumas dessas razões.

Muitas outras existem, entre as quais surgem com realcenotável a tradição histórica e as condicionantes queforçaram Portugal a lançar-se, com grande coragem eempreendorismo, na aventura das descobertas. Podemesmo afirmar-se que investir na oceanografia e ampliaro conhecimento do “mar português” é a melhor forma, e amais eficaz, de homenagear esses heróis que,parafraseando Camões, “deram novos mundos aoMundo”.

2. A ZEE PORTUGUESA

Na sequência da Convenção das Nações Unidas sobre osDireitos do Mar, adoptada em 1982, após nove anos denegociações, foi definida em Portugal uma ZonaEconómica Exclusiva (ZEE) com 200 milhas marítimasde largura (fig. 1).

Fig. 2. As Águas Territoriais e a Zona Económica Exclusiva(ZEE) de Portugal continental, desenhadas com base na Leinº33/77 e no Decreto-Lei nº 495/85. A linha a cor de laranjacorresponde à linha de base recta. A linha vermelhacorresponde ao limite das Águas Territoriais. A linha a roxocorresponde ao limite da ZEE.

Consequentemente, de acordo com a normas de direitointernacional, Portugal tem direitos soberanos sobre aZEE e sobre a Plataforma Continental (no conceito

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jurídico) para prospectar e explorar, conservar e gerirtodos os recursos naturais vivos e não vivos, do fundo domar e do seu subsolo, e das águas sobrejacentes, bemcomo sobre todas as outras actividades que tenham porfim o estudo e a exploração económica da zona, tais comoa produção de energia a partir da água, das correntes e dovento.

Como se aludiu atrás, para exercer completa soberania epara bem gerir tão vasta área, é imperativo que seampliem os conhecimentos do que aí existe e dosprocessos que aí actuam, o que só pode ser conseguidoatravés de financiamento minimamente adequado àcomunidade oceanográfica nacional.

Constituída por três sectores (ZEE de PortugalContinental, ZEE do Arquipélago da Madeira e ZEE doArquipélago dos Açores), esta é a mais extensa ZEE naUnião Europeia. Tal confere ao País especiaisresponsabilidades sobre grande parte do AtlânticoNordeste.

3. O TRÁFEGO MARÍTIMO

A extensa ZEE portuguesa, que integra também as ÁguasTerritoriais nacionais, é atravessadas pela rota depassagem obrigatória da maior parte do tráfego marítimode e para o norte da Europa, o que confere ao Paísgrandes responsabilidades em termos de segurança danavegação, bem como na prevenção e combate à poluiçãomarinha. Ao longo dos corredores de tráfego marítimonacionais (fig. 3) navegam diariamente, em média, cercade 200 navios, transportando mais de 500 toneladas demercadorias diversas, 40 dos quais são petroleiros.

Com frequência os navios navegam mais próximo da orlacosteira, fora dos corredores de tráfego marítimo, e nãoexiste ainda um sistema fiável de controlo do tráfego.Este intenso tráfego marítimo exige que o País disponhanão só de um sistema eficaz de controlo do tráfego, mastambém que conheça, o mais profundamente possível, ascaracterísticas oceanográficas das águas sob jurisdiçãoportuguesa, designadamente no que se refere à agitaçãomarítima e ao regime de temporais, às correntes, e a todosos outros factores que podem interferir com a segurançada navegação.

A intensa navegação aludida constitui uma fonte muitoimportante de poluição das águas, da orla costeira e dosfundos marinhos. Verifica-se que, com frequência, osnavios, com especial destaque para os petroleiros,efectuam a lavagem de tanques em águas sob jurisdiçãonacional, o que é uma das principais fontes de poluição daorla costeira portuguesa. Tal verifica-se, seguramente,porque, apesar de algumas medidas legislativas efiscalizadoras recentes, é conhecida a falta de eficácia dafiscalização das nossas águas (as menos vigiadas de todasna União Europeia).

O intenso tráfego marítimo que cruza águas portuguesasimplica a existência de elevados riscos de acidentes, quepodem ser altamente poluentes. O recente acidente, a 13de Novembro de 2002, a 65 milhas da costa galega, dopetroleiro “Prestige”, que transportava 77 mil toneladasde fuelóleo, e seu posterior afundamento, a 19 de

Novembro, a 250 quilómetros da Galiza, em fundos decerca de 2600m de profundidade, muito próximo da ZEEportuguesa, comprova o risco muito elevado diariamenteexistente. Estima-se que este petroleiro tenha derramadocerca de 15000 toneladas de hidrocarbonetos, provocandouma catástrofe ecológica, económica e social semprecedentes na Galiza. Calcula-se que, no fundo, nointerior do casco que se partiu em dois, e que apresentanove fissuras (quatro na proa e cinco na popa)permaneçam ainda cerca de 65000 toneladas de fuel.

Fig. 3. Corredores de navegação da ZEE portuguesa(CNADS, 2001)

Para fazer face a eventuais acidentes deste tipo éimprescindível que o País se dote com meios eficazes decombate a eventos altamente poluentes e que tenha umconhecimento tão aperfeiçoado quanto possível dascaracterísticas oceanográficas (físicas, geológicas,químicas e biológicas) da ZEE portuguesa.

Portugal é fortemente dependente das suas infra-estruturas portuárias (designadamente no que se refere aocomércio marítimo, às pescas e à navegação de recreio),verificando-se necessidade de criação de novas infra-estruturas ou ampliação das existentes, o que deve serconcretizado com o mínimo de impactes negativos paraos ambientes costeiros. Os principais portos são os deLisboa, de Leixões e de Sines, mas têm também grandeimportância regional os de Viana do Castelo, de Setúbal,de Portimão e de Faro.

Há ainda a considerar os vários portos de pesca, derecreio e marinas. Também neste aspecto o conhecimentodas características oceanográficas surge comosustentáculo basilar para a correcta gestão deste sector de

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actividades. Efectivamente, a minimização dos impactesambientais adversos gerados por estas actividades, aadequada preparação para a eventualidade de acidentes(nas zonas portuárias ou no mar), bem como amanutenção e a ampliação da operacionalidade dos portossó pode ser efectuada através do conhecimento científicoaprofundado do meio marinho.

Fig. 4. Imagem de satélite, da ESA (European SpaceAgency), obtida a 17 de Novembro de 2002, em que se vêmnitidamente os derrames provenientes do acidente com opetroleiro Prestige.

4. AS PESCAS E A AQUACULTURA

A pesca em Portugal é importante fonte de subsistência edesenvolvimento para as comunidades costeiras eribeirinhas. Os hábitos alimentares portugueses integramuma dieta diversificada, do tipo mediterrânico, onde opeixe constitui um dos componentes básicos.Efectivamente, segundo valores de 1992-94 da FAO,Portugal detém o primeiro lugar da União Europeia noconsumo per capita de peixe (62kg/ano)., com quase odobro do consumo do segundo maior consumidor, aEspanha (38kg/ano). É certo que os valores emquantidade de desembarques em Portugal (Fig. 5) revelamtendência decrescente das capturas desde 1986, apesar dovalor da produção final total registar crescimento regularde 1986 a 1992, e depois começar a decrescer.

Segundo dados estatísticos da Direcção-Geral de Pescas edo Instituto Nacional de Estatística, a pesca nacionalactual diminuiu de cerca de 50% em relação ao períodoanterior a 1986, tendo a diminuição sido muito maisimportante em águas internacionais e de países terceiros(70%) do que em águas nacionais (25%). Em 1996 ascapturas na ZEE representaram 82% do total, o que o querevela a importância crescente desta zona também nestesector da vida nacional.

Quer devido à drástica diminuição dos stocks de muitasdas espécies com valor comercial, quer para enfrentar a

forte concorrência de outros países da UE, quer paraoptimizar o esforço de pesca nacional, é da máximaimportância que se adquira um mais amplo conhecimentosobre a oceanografia (física, geológica, biológica equímica) da ZEE portuguesa.

Como o esforço de pesca nacional tem vindo a decrescer,quer devido a restrições de acesso a pesqueiroslocalizados fora da ZEE portuguesa, quer a diminuiçãogeneralizada dos stocks (tanto na nossa ZEE como for adela), mas como o consumo de peixe revela tendência decrescimento, é importante encontrar alternativas viáveis.

Fig. 5. Evolução dos desembarques totais de pescado emPortugal e do seu valor final total. (CNADS, 2001).

A aquacultura é a alternativa óbvia. Embora, em Portugal,a aquacultura represente apenas 5% do total de pescado,na União Europeia, esta actividade representa já cerca de15% desse total.

Relacionado com este sector, é de referir, também, aaquacultura em mar aberto (de que agora se estão a dar osprimeiros passos) e as acções de protecção da ictiofaunamarinha (de que os recifes artificiais são apenas umexemplo). Em todos os casos referidos, o conhecimentocientífico da oceanografia das águas sob jurisdiçãonacional surge, também, como imperativo básico.

5. A I N F L U Ê N C I A D A S B A C I A SHIDROGRÁFICAS

Como se sabe, muitas das características oceanográficas(principalmente no que se refere às áreas oceânicasadjacentes às massas continentais) são dependentes dasbacias hidrográficas que para aí drenam. Todavia, aamplitude destas influências só agora começam a servislumbradas de forma mais global. Aliás, tal foirecentemente reconhecido pela União Europeia, ainda quede forma bastante tímida, através da Directiva Quadro daÁgua.

As consequências, na ZEE portuguesa, das múltiplasintervenções (desmatações, construção de barragens,aplicação intensiva de compostos químicos na agricultura,exploração de inertes fluviais, etc.) que ocorreram nasbacias hidrográficas que aí afluem, principalmente a partirdos anos 30 do século XX, são ainda muito malconhecidas. Sabe-se que a maior parte da erosão costeiraverificada no litoral português se deve a redução drásticado abastecimento sedimentar induzido por essas

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actividades. No entanto, não se sabe minimamente quaisestão a ser os impactes dessa redução nos padrões dedistribuição sedimentar do meio oceânico e,consequentemente, na globalidade dos ecossistemas. Talconhecimento só poderá ser obtido através dainvestigação científica no domínio das Ciências do Mar.

6. AS ZONAS COSTEIRAS

Portugal é detentor de um extenso litoral, do qual éfortemente dependente em termos sócio-económicos.Nessa dependência ressalta, de forma extremamente clara,o turismo, principalmente o turismo balnear.

Apesar do turismo ser uma actividade bastante recente,tendo adquirido grande expressão apenas no século XX, éactualmente o principal responsável pela utilização dolitoral. Porém, é o turismo, principalmente após o boomque se verificou nos anos 60 do século passado, que estána base, entre outros, de gravíssimos problemas deordenamento do território, da degradação de valoresambientais, estéticos e históricos, e de grande parte dacontaminação de águas balneares.

A ocupação de zonas de risco, designadamente de riscomuito elevado, está, infelizmente, vulgarizada, nãoexistindo, na maior parte dos casos, estruturas quepermitam actuar com eficácia caso esses riscos seconcretizem. Aliás, não existem ainda, no País, mapas devulnerabilidade e de riscos costeiros credíveis ecientificamente suportados.

Verifica-se erosão costeira na generalidade do litoralportuguês (fig. 6), a qual assume aspectos preocupantesem mais de 30% da sua extensão. Raros são os locaisonde se verifica avanço da linha de costa (isto é,acumulação sedimentar), estando estes fenómenossistematicamente associados a grandes estruturastransversais (principalmente molhes de entrada emportos) que interrompem a deriva litoral. Nestes casos,essa interrupção da deriva litoral que propicia aacumulação sedimentar, induz, forte intensificação daerosão costeira a sotamar. É o que se verifica, porexemplo, em Aveiro, na Figueira da Foz, na zona da barrade Faro-Olhão e junto à foz do Guadiana.

É quando a erosão costeira começa a ameaçar patrimónioconstruído que, por via de regra, se efectuam intervençõestendentes a salvaguardar esse património. Nestes casosconstata-se que, sistematicamente, são as consequências(as tendências de recuo da linha de costa) que sãocombatidas.

Praticamente nunca se tenta resolver a situação actuandoao nível das causas (das quais, a principal é,indubitavelmente, a deficiência de abastecimentosedimentar ao litoral, induzida pelas actividadesantrópicas). Consequentemente, o litoral portuguêsencontra-se, desde há várias décadas, num processo deforte artificialização progressiva, sendo as estruturas fixas(esporões, paredões, etc.), apelidadas de “protecçãocosteira”, já uma constante em vastas extensões do litoral.É uma tentativa, condenada à partida, de tornar estáticoaquilo que, por natureza, é profundamente dinâmico, coma consequente perda de potencialidades intrínsecas às

zonas costeiras. É uma guerra contra a Natureza, na qualse sabe, à partida, que se podem vencer algumas batalhasmas em que a derrota final é certa.

Nos últimos anos, nalgumas áreas, com relevância muitoespecial para o Algarve e, neste, para a zona da RiaFormosa, têm-se ensaiado, com sucesso, novasabordagens, mais consentâneas com as característicasnaturais das zonas costeiras. Tal abordagem baseia-se emintervenções tendentes a manter o dinamismo do litoral,mantendo, tanto quanto possível, as suas potencialidades.

Fig. 6. A erosão costeira, traduzida em recuo médio anual dalinha de costa, em Portugal. Adaptado de Ferreira et al. (inpress).

É o que internacionalmente é, com frequência, referidocomo “Building with Nature”, em que as intervenções têmcomo filosofia básica “dar uma ajuda à Natureza” e“tornar a Natureza uma aliada”, e não a de “lutar contra aNatureza”. Esta abordagem envolve realimentações depraia, reconstrução dunar, plantação de espécies

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endógenas desses locais, relocalização de habitações eoutras estruturas, etc. etc. Todavia, a expansão deste tipode actuação, que começa a ser vulgar em muitos paísesdesenvolvidos, esbarra, entre outros, com interessesvários instalados, com carências de conhecimentos sobrea matéria por parte de muitos dos órgãos de gestão, e comfalta de sensibilização das populações.

E no entanto, embora tal não seja, infelizmente, doconhecimento generalizado da população, dos meiostécnico-científicos, e do mundo político-partidário, váriasdas intervenções estão, actualmente, a servir de referênciainternacional, mesmo nos países mais desenvolvidos(caso dos Estados Unidos da América). É o caso, porexemplo, da abertura artificial da Barra do Ancão(também apelidada de Barra de S. Luís), efectivada em 23de Junho de 1997, e que, a partir dessa altura, se temdeixado evoluir naturalmente. Outro exemplo é o dareconstrução da Península de Cacela, que estavaextremamente debilitada e onde, no inverno de1995/1996, se abriu mesmo, naturalmente, uma novabarra, a Barra de Fábrica. Corria-se mesmo o risco dapenínsula desaparecer na primeira década deste século.No inverno de 1996/97 procedeu-se à “reconstrução” dapenínsula, com materiais dragados do canal interno,tendo-se deixado, desde então, que esta zona evoluíssenaturalmente, com resultados positivos assinaláveis.

Ao longo do extenso litoral português existem extensaszonas húmidas de grande importância ambiental eeconómica (muitas das quais protegidas por directivascomunitárias). Exemplos dessas zonas húmidas são ossistemas lagunares costeiros designados por “Ria”Formosa, “Ria” de Aveiro e “Ria” de Alvor, e por lagoasde Óbidos, Albufeira, Melides e Santo André, e ossistemas estuarinos do Lima, do Mondego, do Tejo, doSado, de Mira e do Guadiana. As zonas costeiras são,tipicamente, zonas de conflito de actividades, sendoimperativo que se estabeleçam bases sólidas para a suagestão integrada. Em todos os aspectos referidos a intensaintervenção de investigadores e técnicos relacionadoscom as Ciências Marinhas é absolutamente fundamental,sendo para isso também imperioso que se adquira ummelhor conhecimento do funcionamento desses sistemas edas relações de interdependência com o meio oceânico ecom as bacias hidrográficas respectivas.

7. ENERGIA

O oceano é, também, fonte de energia praticamenteinesgotável. Se em Portugal, durante os tempos históricos,a energia das marés foi intensamente aproveitada através,por exemplo, dos moinhos de maré Portugal, não existemactualmente notícias do aproveitamento desta energia“limpa”. Certo é que o litoral português, localizado numambiente de mesomarés, não apresenta as melhorescondições para tal aproveitamento. todavia, o mesmo nãose verifica no que se refere ao aproveitamento da energiada onda. Com efeito, no que respeita à agitação marítima,o litoral português é de alta energia. Para se ter noção dopotencial energético associado à onda, basta referir que sefosse possível armazenar a energia dissipada no litoralportuguês durante um único temporal, o País teria as suas

necessidades energéticas supridas durante vários anos. NoPaís existe uma estação experimental para aproveitamentoda energia da onda nos Açores, estando duas outrasplaneadas para Viana do Castelo e para os molhes doDouro.

Porém, existem muitas outras formas possíveis deaproveitamento da “energia oceânica”, e deve-se tersempre presente que se trata de energia “limpa” erenovável. Quando se considera que Portugal depende empraticamente 90% de combustíveis fósseis (petróleo,carvão, gás natural), que importa de outros países, a quasetotalidade do qual é transportado por mar e processado nazona costeira, que são combustíveis não renováveis, e queo transporte e armazenamento destes combustíveis temriscos inerentes, nomeadamente o de explosão e o dederrame, com consequente poluição das águas e dosecossistemas marinhos, o investimento nas energiasalternativas surge como alternativa correcta e viável. Noentanto, o aproveitamento destas energias alternativasmarinhas está profundamente dependente de umconhecimento aprofundado do meio marinho, o qual sópode ser obtido através da investigação oceanográfica.

8. RECURSOS MINERAIS

Na realidade, os recursos não vivos marinhos (sejamenergéticos, sejam minerais) são, na grande maioria doscasos, apenas potenciais. Porém, com a progressivaexaustão dos jazigos em terra, com exigências ambientaiscada vez mais restritivas, com o aumento do valor dosterrenos, e com a ampliação do consumo, é de prever quemuitos desses recursos se tornem exploráveis a curto oumédio prazo.

O reconhecimento das potencialidades do solo e subsolomarinhos afectos a Portugal está longe de estar efectuada,embora se conheça a existência de variados recursosminerais. Por exemplo, em domínio profundo, sabe-se daexistência de nódulos de manganês e de nódulosfosfatados. Nas zonas hidrotermais associadas ao riftemédio-atlântico há elevada probabilidade da existência dedepósitos de sulfuretos. Na plataforma continental,bastante mais conhecida, há depósitos de inertes (areia ecascalho), de glauconite, de carbonatos (conchas), alémda possibilidade de existirem depósitos tipo placer (porexemplo, de estanho e volfrâmio). Conhece-se, também, aexistência de jazigos de hidrocarbonetos, embora dereduzida dimensão, não sendo a sua exploraçãoeconomicamente rentável no contexto actual.

O reconhecimento das potencialidades em recursosminerais da área marítima sob jurisdição nacional é,obviamente, uma obrigação que devemos assumir,designadamente perante a comunidade internacional. Éum exercício de soberania e, simultaneamente, é umacautelar do futuro. É certo que, na maior parte dos casos,é muito duvidoso que o País tenha a tecnologia necessáriapara proceder à exploração quando este se revelareconomicamente exequível. Porém, o reconhecimentodesses recursos valorizá-los-á e colocará o País emvantagem nas negociações tendentes á sua exploração poroutros países. Se, simultaneamente, dispusermos deinformações pormenorizadas que permitam determinar

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com fiabilidade os impactes ambientais das explorações,adoptar medidas minimizadoras e controlar asactividades, poder-se-á, então, falar em verdadeira gestãodo território sob jurisdição nacional. Em todos estesaspectos o investimento firme no conhecimentooceanográfico é fundamental.

O recurso mineral marinho mais explorado a nívelmundial (não considerando os hidrocarbonetos), e o queeconomicamente envolve maiores verbas, é constituídopelos inertes (areias e cascalhos).

Desde há muito que os depósitos de areia e cascalho daplataforma continental são explorados de formacompetitiva relativamente aos mesmos produtosexplorados em terra. Entre as áreas onde estasexplorações têm vindo a ser efectuadas há mais tempopodem referir-se o Mar do Norte, os Estados Unidos daAmérica e o Extremo Oriente. No entanto, o volumeglobal destas explorações corresponde apenas, ainda, apequena percentagem do total de inertes consumidos pelomercado. Porém, verifica-se tendência clara paracrescimento percentual destas explorações nãoconvencionais, prevendo-se acréscimo bastantesignificativo nos próximos anos, principalmente nospaíses mais desenvolvidos, onde a procura é maior e alegislação ambiental é mais restritiva. Por exemplo, noReino Unido, a extracção de inertes submarinos era, em1959, de apenas 3,9 milhões de toneladas, o quecorrespondia a 5,7% dos materiais consumidos por estepaís. No entanto, no início da década de 70 a produçãoatingia já 13 milhões de toneladas (12% dos inertesutilizados pelo mercado) e, no início dos anos 80 ovolume extraído de depósitos marinhos rondava os 16,5milhões de toneladas, ou seja, 19% da produção total deinertes. No entanto, o maior produtor mundial é o Japãoque, no início dos anos 80, produzia já 57 milhões detoneladas de inertes submarinos. No entanto, por vezes aexploração de areias em depósitos submarinos é efectuadanão para alimentar a indústria, mas sim para proceder arealimentação de praias. É o que se verifica, por exemplo,na Holanda, onde a manutenção da linha de costa temvindo a ser efectuada, desde há vários anos, através dadeposição, na praia, de grandes volumes de areiasexploradas no Mar do Norte.

Em Portugal, desde há muito que se extraem volumesmuito significativos de inertes nas zonas estuarinas elagunares, seja com objectivos comerciais declarados,seja sob o encapotamento de dragagens portuárias. Porexemplo, em S. Jacinto (a Norte de Aveiro), só em 1980,

extraíram-se, devidamente autorizados, 4x105m3 deareias, havendo razões para pensar que o somatório dasextracções legais e ilegais tem atingido volumes

superiores a 1x106m3/ano, nos últimos anos. Outro bomexemplo é o do troço inferior do rio Douro, incluindo oestuário, onde, no início da década de 80, as dragagens deareias e cascalhos atingia valores da ordem de

1,5x106m3/ ano.

Na plataforma continental, o reconhecimento prévio daspotencialidades em areias e cascalhos está efectuado hácerca de duas décadas (fig. 7), embora não existam

explorações comerciais. Na realidade, há empresasinteressadas, mas o contexto legal e de licenciamento daactividade é complexo, existindo lacunas legislativas, oque tem impedido a efectivação dessas explorações.

Fig. 7. Principais depósitos de inertes (areia e cascalho) daplataforma continental portuguesa. Segundo Dias et al. (1980).

Nas regiões insulares o panorama é um pouco diferente,existindo explorações nas plataformas insulares, emborasem os adequados estudos de impactes ambientais.Todavia, nos últimos anos, na plataforma continental,principalmente na do Algarve, têm sido efectuadasalgumas explorações de areias submarinas pararealimentação de praias. Como é óbvio, também em todasestas actividades, quer para a exploração, quer paradeterminação dos impactes ambientais, quer paraminimização dos impactes negativos, o conhecimento dosdiferentes aspectos oceanográficos (físicos, geológicos,biológicos e químicos) é absolutamente essencial.

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9. ESPECIFICIDADES DA MARGEM PORTUGUESA

É também de referir que a margem continental portuguesaé das únicas margens europeias com característicasoceânicas. Tal é evidente no mapa da figura 8, onde estãorepresentadas as plataformas continentais da Europaocidental.

Fig. 8. Plataformas continentais (representadas a verde) daEuropa ocidental.

No domínio marinho europeu podem considerar-se quatrograndes áreas: a) o Mar Báltico, que corresponde a umrelativamente pequeno mar interior, continental, muitoconfinado e de pequenas profundidades; b) o Mar doNorte, correspondente a parte da placa continentaleuropeia inundada após a última glaciação, e que maisnão é do que uma extensa plataforma continental, em queas profundidades são pequenas; c) o Mar Mediterrânico,constituído a partir do antigo Mar de Tethys, poraproximação das placas africana e euro-asiática, comsubducção da primeira (o que conduziu à formação dacadeia alpina), e que actualmente é um mar interior, comambiente de micro-maré, em que as plataformas sãoestreitas e as profundidades podem ser relativamentegrandes; d) a área atlântica, correspondente à fachadaocidental europeia, que é a única com característicasoceânicas. A jurisdição desta área oceânica é da Irlanda,do Reino Unido, de França, de Espanha e de Portugal.Como é evidente na figura, nesta área, as plataformascontinentais do Reino Unido, irlandesa e francesa sãolargas, e as portuguesa e espanhola são estreitas,

atingindo-se grandes profundidades a pequena distânciada costa.

É por essa razão que, com frequência, os testes eexperiências de equipamentos oceanográficos concebidospara operarem a grandes profundidades, desenvolvidospelos países europeus tecnologicamente maisdesenvolvidos (França, Alemanha, Reino Unido), sãoefectuados na ZEE continental portuguesa, onde os locaisde operação se localizam a pequena distância deinstalações portuárias. A comunidade oceanográficaportuguesa tem beneficiado com isso pois que, além domais, tal actua como elemento catalisador dodesenvolvimento científico nacional. Também oconhecimento da ZEE portuguesa tem, por esta forma,sido ampliado, embora nem sempre os organismosnacionais competentes tenham tido uma postura quepossibilite que esses conhecimentos fiquem no País, e quea comunidade científica a eles tenham acesso.

10. ALGUNS ASPECTOS COM INTERESSECIENTÍFICO

Portugal detém, na área submersa sob sua jurisdição,diversificados pontos de interesse científico, muitos quesão únicos nas ZEE europeias, sendo mesmo váriosnotáveis a nível mundial. Como tal, são objecto de intensainvestigação por parte de vários grupos científicos daUnião Europeia e dos outros países. Entre os muitospontos de interesse científico podem referir-se osseguintes:

10.1. Banco do Gorringe

O Banco do Gorringe, impressionante relevo submarino,com orientação NE-SW, com 250km de comprimento e80km de largura, que, emerge de profundidades da ordemde 5000m, localizando-se as partes menos profundas aapenas 24m (Monte de Gettysburg) e a 50m (Monte deOrmonde) de profundidade. Corresponde a um segmentode litosfera oceânica (série ofiolítica) exposta devido aintrodução da placa africana, por sul, sob a placa euro-asiática. Durante o último glaciário o Gorringecorrespondia a uma ilha.

É nesta zona que se localiza o epicentro de grande partedos sismos que afectam o território nacional continental.É aqui se tradicionalmente se tem localizado o epicentrodo sismo (e subsequente tsunami) de 1755, que tãocatastróficas consequências tiveram.

10.2. Montanhas Marginais do Noroeste Ibérico

As Montanhas Marginais do Noroeste Ibérico, em que seincluem, além, da montanha da Galiza, as montanhas deVasco da Gama e de Vigo (em frente ao Porto), separadasda plataforma continental pela Depressão de Valle-Inclan,e que está relacionada com um primeiro episódio derifting, abortado, por ocasião da abertura inicial dooceano Atlântico.

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10.3. Crista Madeira Tore

A Crista Madeira Tore, rosário de elevações comorientação SW-NE que, desde a ilha da Madeira seprolonga até à montanha submarina de Tore, e cujaorigem ainda não está completamente explicada.

10.4. Planície Abissal do Tejo

A Planície Abissal do Tejo, limitada a oriente, sul,ocidente e norte respectivamente pela vertente continentalsudoeste portuguesa, pelo Banco de Gorringe (e pelamontanha de Hirondelle), pela Crista Madeira-Tore e pelochamado Esporão da Estremadura (saliência continentalque se conecta, de certa forma, com a Montanha de Tore),e cuja parte oriental é constituída por crusta continental.É, aliás, um dos raros pontos, em todo o globo terrestre,em que a crosta continental se localiza a tão grandeprofundidade.

10.5. Montanha Submarina de Tore

A montanha submarina de Tore, interessante estrutura,única a nível mundial, que constitui o limite NE da CristaMadeira-Tore. Corresponde a uma elevação pronunciadaque tem a particularidade de, na parte central, terprofunda depressão (que atinge os 5000m deprofundidade).

Fig. 9. Batimetria da margem Oeste Ibérica, com indicaçãodos principais acidentes morfológicos. Segundo Dias (1987).

Apesar das variadas hipóteses apresentadas ao longo dasegunda metade do século XX, a origem desta estruturaainda não está completamente esclarecida. A sua formapeculiar está, provavelmente, relacionada com a tectónica

regional. No entanto, a hipótese mais interessante, mas aque falta consubstanciação científica, é a de que estaestrutura corresponderia à cicatriz de um impactemeteorítico, talvez do que induziu a extinção dosdinossáurios.

10.6. Contornitos da Margem Algarvia

A margem algarvia, com os seus planaltos submarinosmarginais (de Sagres, de Lagos, de Portimão, deAlbufeira, de Faro e de Bartolomeu Dias), em geralcorrespondentes a depósitos contorníticos relacionadoscom a actuação da Veia de Água Mediterrânica. Esta, queflui do estreito de Gibraltar, sofre inicialmente intensamistura vertical e lateral com a Água Atlântica, o que lheprovoca diminuição de densidade. O fluxo subsequente,sob forma de nível intermédio, constituído por três veiasprincipais escalonadas entre 500m e 1300m deprofundidade, é caracterizado por alta temperatura edensidade. Progredindo para norte desde o estreito deGibraltar, devido à força geostrófica, esta corrente ébruscamente desviada para Oeste devido ao obstáculoconstituído pela vertente continental do Algarve. É entãosujeita a frequentes efeitos de canalização, tendo aí sidodetectadas velocidades superiores a 10cm/s, as quaischegam a atingir 50cm/s na fossa Diogo Cão. Os efeitoserosivos, desta corrente de contorno, na vertente algarviasão grandes, depositando-se parte dos materiaissedimentares a sul, constituindo espessas acumulaçõescontorníticas que deram origem a planaltos marginais.

10.7. Canhões Submarinos

Os canhões submarinos da margem oeste-ibéricaconstituem traços morfológicos muito impressivos,principalmente os que cortam transversalmente toda aplataforma até muito próximo da linha de costa. Estes,cientificamente designados por canhões submarinos dotipo gouf, derivado do “Gouf de Cap Breton” que lhesserviu de modelo, são relativamente raros a nívelmundial. Porém, na margem continental portuguesa,definem-se três canhões submarinos deste tipo, oscanhões da Nazaré, de Lisboa e de Setúbal.

Fig. 10. O canhão submarino da Nazaré.

O mais impressionante destes acidentes, e talvez o maisimpressionante a nível mundial, é o da Nazaré, queprovoca profundo entalhe na plataforma continental com

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mais de 60km de comprimento. Este canhão submarino,descrito cientificamente, pela primeira vez, por Freire deAndrade, em 1937, não apresenta relação directa comqualquer curso de água actual importante (o único rio quedesagua na Nazaré é o pequeno Alcôa).

Definindo-se a menos de 500m da costa, o troço inicialdeste canhão submarino apresenta orientação WSW,formando profundo entalhe na plataforma continental. Acerca de 6km da costa inflecte para NW, voltando àdirecção WSW a cerca de 12km da Nazaré, acabando porse orientar para W no troço terminal, desembocando naPlanície Abissal Ibérica a cerca de 5000m deprofundidade. Com 170km de comprimento, constituiverdadeira garganta submarina até mais de 2000m deprofundidade.

10.8. Hidrotermalismo Submarino

Foi em 1992 que, durante um cruzeiro científico norte-americano, ao efectuar dragagens no fundo oceânico, numsegmento da Dorsal Médio Atlântica, se recolheramfragmentos de chaminés hidrotermais e seres vivos típicosdestes interessantes ecossistemas. A descoberta foiabsolutamente casual, isto é, foi um “golpe de sorte”, epor essa razão este campo hidrotermal, localizado na ZEEdos Açores, foi baptizado de “Lucky Strike”.

Desde o início dos anos 70 que muitos investigadoresdefendiam a existência de fontes hidrotermais emprofundidade, nas zonas dos riftes, onde o magma, comtemperaturas superiores a 1 000ºC, está a chegar àsuperfície, para constituir nova crusta oceânica. Assim,não foi uma surpresa completa quando, em 1977,investigadores descobriram fontes hidrotermais quentes aprofundidades da ordem de 2 500 metros, no rifte dosGalápagos, ao largo do Equador. Surpreendente foi, atéporque totalmente inesperada e imprevista, a descobertade vida abundante e desconhecida (vermes, amêijoas emexilhões gigantes) na dependência dessas fonteshidrotermais submarinas. Posteriormente, foramdescobertas muitas outras fontes hidrotermais submarinasassociadas aos riftes, designadamente na Crista doPacífico Oriental (East Pacific Rise), onde pela primeiravez os cientistas puderam observar ao vivo, a bordo dosubmersível norte-americano Alvin, as surpreendentescomunidades que vivem na sua dependência. No entanto,até à década de 90 do século XX, nada de semelhantetinha ainda sido detectado no oceano Atlântico.Compreende-se, assim, o grande impacte que a descobertado campo “Lucky Strike”, em águas açorianas, teve nacomunidade científica.

A intensa actividade da comunidade científicainternacional que se seguiu à descoberta, em 1992, do“Lucky Strike”, localizado a 1730m de profundidade,conduziu à detecção dos campos “Menez Gwen” (em1994, a 840m de profundidade), “Rainbow” (em 1997, a2300m de profundidade), e “Saldanha” (em 1998, a2200m de profundidade). As actividades de investigação,neste domínio científico, continuam bastante activas, peloque não será de estranhar que, no futuro próximo, surjamnotícias de novas descobertas.

Fig. 11. Localização dos campos hidrotermais submarinoslocalizados na ZEE dos Açores

A investigação neste domínio, quer pelos meiosenvolvidos, quer pela tecnologia de ponta que é precisoutilizar, é tipicamente uma investigação em consórcio. Nocaso específico dos trabalhos na ZEE dos Açores, acomunidade científica portuguesa tem desempenhado umpapel de elevada relevância, sendo mesmo, nalguns casos,de liderança. Este é outro domínio em que a Ciêncianacional, se devidamente financiada (como, até certoponto, se tem verificado), se pode afirmarincontestavelmente a nível internacional.

11. Sismicidade e Protecção Civil

A região onde se localiza o território português constituiuma zona de sismicidade importante, localizando-se amaior parte dos epicentros no mar (fig. 12). Estasismicidade tem origem variada, embora, na grandemaioria, corresponda a sismicidade interplacas.

Fig. 12. Distribuição de epicentros de sismos históricos einstrumentais (entre 33dC e 1991). A vermelho estão indicadasas fronteiras de placas. Adaptado de J. Cabral (1993).

A sismicidade que se faz sentir nos Açores estárelacionada quer directamente com o vulcanismo, quercom movimentações interplacas. Efectivamente, najunção tripla dos Açores confluem a crista médio-atlânticae o chamado "Rift da Terceira", de direcção WNW-ESE,que corresponde ao segmento mais ocidental da Zona deFractura Açores-Gibraltar. Esta, a SE da ilha de S.Miguel, inflecte para a direcção E-W, sendo o movimentoessencialmente do tipo desligamento direito.

Esta zona de fractura foi identificada, pela primeira vez,em 1971, pelo sonar de pesquisa lateral de longo alcanceGLORIA, e por essa razão é conhecida pela designaçãode "Falha de Glória". Tem comportamento assísmico, oque tem sido interpretado como resultado possível dedeslizamento assísmico ao longo da zona de fractura, oucomo reflexo dos intervalos de recorrência dos sismosque aí ocorrem serem longos, superiores ao período deregisto da sismicidade instrumental, devido à reduzidataxa de movimentação neste acidente tectónico. Todavia,

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em 25 NOV 1941, registou-se um sismo de grandemagnitude (8,4), com epicentro localizado junto àextremidade oriental da falha de Gloria, cujo mecanismofocal indica desligamento direito, perfeitamentecompatível com a atitude daquele acidente. É possível queo presente comportamento assísmico desta falha estejarelacionado com a grande queda de tensão produzida poreste sismo.

Para oriente do cruzamento com a Crista Madeira-Tore (acerca de 20ºW) torna-se particularmente difícil de definira fronteira entre as placas eurasiática e africana devido àcomplexidade da morfologia submarina e ao facto dasismicidade, embora aumentando de intensidade, seapresentar acentuadamente difusa. O movimento dedesligamento dextrogiro passa a cavalgamento da placaeurasiática sobre a placa africana, com componentesecundária de desligamento direito.

Junto ao Banco do Gorringe localizam-se os epicentros demuitos dos sismos que afectam o território continentalportuguês, designadamente os de 1 de Novembro de 1755(M>8.5) e de 28 de Fevereiro de 1969 (M de 7.3 a 8.0).Neste sector, a fronteira de placas correspondeessencialmente a uma subducção intraoceânica incipiente,denunciada pela presença de hipocentros até 67 km deprofundidade.

A oriente de 17ºW os mecanismos focais de sismosocorridos na zona de fronteira de placas revelam umacombinação de desligamento e de falhamento inverso,passando os mecanismos de falha inversa a predominar apartir da área do Banco do Gorringe até ao Golfo deCádis, com a ocorrência de eventos de profundidadeintermédia, atingindo 130km.

Para oriente abandona-se o domínio oceânico e entra-seno domínio continental. A sismicidade torna-se maisdifusa estendendo-se por uma faixa com mais de 500 kmde largura, correspondendo à colisão continental entre aÁfrica e a Eurásia. A fronteira de placas entre a Eurásia ea África cruza as margens continentais ibérica e africana,passando as placas a interagir por colisão continental nazona bético-rifenha, incluindo o Mar de Alboran e acordilheira do Atlas. A colisão continental processa-seessencialmente por deformação entre numerosos blocoslitosféricos delimitados por falhas que atravessam toda alitosfera continental, desenhando um mosaico demicroplacas cuja interacção complexa origina sismicidadedifusa, com hipocentros predominantemente superficiais,mas também com ocorrência de importante sismicidadeintermédia (30 a 150km).

Além desta sismicidade associada à deformaçãolitosférica na fronteira de placas Açores-Gibraltar, existetambém actividade sísmica significativa no interior doterritório português e junto ao litoral, caracterizada pelaocorrência de alguns sismos históricos com magnitudeestimada em cerca de 7. A simples observação do mapade epicentros da Península Ibérica (fig. 12) permiteidentificar, de imediato, uma banda de concentração deactividade sísmica ao longo da fachada atlântica daPenínsula, mais intensa para sul da Galiza, sugerindoalgum processo de interacção entre as litosferas oceânica

e continental ao longo da margem atlântica oeste-ibéricaque seja responsável pela actividade tectónica e sísmicaregional.

Admitindo que a margem oeste-ibérica é uma margempassiva, a referida actividade sísmica será gerada emfalhas activas no interior da placa litosférica eurasiática,correspondendo, consequentemente, a sismicidadeintraplacas. No entanto, grande parte desta sismicidadepode ser explicada se se aceitar a hipótese da existênciade uma zona de subducção em iniciação ao longo damargem continental ocidental.

É precisamente nesta faixa de transição entre os domínioscontinental e oceânico que ocorreram alguns dos eventoshistóricos mais fortes de que há conhecimento,nomeadamente os que se verificaram na região do valeinferior do Tejo (1531 e 1909), na plataforma continentala sul de Setúbal (1858), e na plataforma continental doAlgarve, ao largo de Portimão (1719) e de Tavira (1722).Estima-se que todos estes eventos tiveram magnitudepróxima de 7.

Vários dos eventos sísmicos que, ao longo da história, sesentiram em território português, geraram tsunamis,alguns deles catastróficos, sendo o mais conhecido oocorrido a 1 de Novembro de 1755. embora aprobabilidade de ocorrência de um grande tsunami serpequena, as consequências negativas podem ser muitograndes, pelo que o risco intrínseco é grande. Para ternoção do risco, basta pensar no que aconteceria se umgrande tsunami assolasse a costa algarvia num dia deAgosto…

Com tal enquadramento, é absolutamente essencial, atépara uma melhor protecção civil, que se aprofunde, tantoquanto possível, o reconhecimento das estruturassismogénicas e tsunamigénicas, o que, obviamente, temque se feito, pelo menos em grande parte, através detrabalhos de mar.

12. Modificação Climática Global

É actualmente aceite pela generalidade da comunidadecientífica que está em curso uma modificação climáticaglobal, provavelmente sem precedentes nos 4,6 biliões deanos de história da Terra, Essa modificação é induzida,principalmente, por actividades antrópicas diversificadas,com especial relevância para a queima de combustíveisfósseis. Efectivamente estas actividades, entre outrasconsequências, têm vindo a provocar a ampliação doefeito de estufa e o aumento do buraco do ozono.

Trata-se de um problema complexo, mas intimamenterelacionado com o funcionamento do sistema climáticoterrestre, no qual o oceano desempenha um papelaltamente regulador. Na análise desta problemática temforçosamente que se ter em atenção que a população daTerra mais que duplicou nos últimos 50 anos, prevendo-seque, em 2045, o planeta atinja os 11 biliões de habitantese, em 2100, os 14 biliões. Este crescimento brutal está aprovocar pressões ambientais de consequênciasdificilmente previsíveis nos ecossistemas marinhos eterrestres.

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Um dos principais problemas relacionados com esteassunto é o do aumento dos teores dos gases de estufa naatmosfera. O aumento da concentração de na atmosferainiciou-se antes da revolução industrial, devido àsdesflorestações, verificando-se crescimento exponencialna sequência da industrialização e consequente ampliaçãoda queima de combustíveis fósseis. Segundo o IPCC(International Panel on Climate Change), os teores deCO2, que actualmente são de 365ppmv, aumentaram 31%desde 1750, um acréscimo sem precedentes nos últimos20 mil anos, atingindo valores que nunca estiveram tãoaltos nos últimos 420 mil anos. A razão de acréscimo,desde 1958, é de 1,2ppm/ano (fig. 13).

Grandes crescimentos nos teores na atmosfera sãotambém detectados noutros gases de estufa,designadamente no que se refere ao metano (emitido pelaqueima de combustíveis, pelos intestinos dos ruminantes,pelos campos de arroz, pelas lixeiras, etc.) que, desde1750, registou um acréscimo de 151%, ao N2O (queaumentou 8%) e aos CFCs/freons (que não existiam antesde 1930). Sobre estes últimos, é de referir que o CFC-11,por exemplo, é 12 000 vezes mais eficaz como gás deefeito de estufa do que o CO2.

Fig. 13. Evolução das concentrações de CO2 no observatóriode Mauna Loa, no Hawaii. Como está localizada no meio doPacífico, longe dos centros industriais, esta evolução reflecte aevolução global. É interessante verificar a marcadasazonalidade atribuível à fotossíntese.

Devido à amplificação do efeito de estufa, estima-se queas temperaturas atmosféricas globais à superfície tenhamaumentado cerca de 0,5ºC no último século, comaceleração nas últimas décadas (0,19ºC/década). Esteaumento de temperatura é principalmente devido àqueima de combustíveis fósseis e às desflorestações.Vários modelos climáticos prevêem que os teores de CO2,em 2100, se situem entre 540 e 970ppm, ou seja, quecresçam entre 50% e 165% relativamente à actualidade.As concentrações de metano podem ser, em 2100, de 1,76ppm. Embora o teor deste último gás parecer muitopequeno, contribui com quase 30% para o aquecimentoglobal.

Segundo as estimativas do IPCC, o aumento dos gases deestufa fará crescer a absorção de radiação infra-vermelha), em consequência do que, em 2100, atemperatura média do planeta poderá ser entre 1,4 e 5,8ºCmais quente do que em 1990.

Em Portugal Continental, segundo o Instituto deMeteorologia, desde meados do século XIX que atendência para aumento da temperatura média anual do ar(fora da influência urbana) tem sido de 0,0074ºC/ano,havendo sinais de que a taxa de aumento da temperaturado ar tem vindo a crescer. No que se refere àstemperaturas máximas, o aumento médio tem sido de0,0161ºC/ano (fig. 14).

Fig. 14. Médias anuais das temperaturas mínima, máxima emédia do ar em Lisboa, entre 1856 e 1999), estando tambémrepresentadas as rectas de tendência correspondentes erespectivos declives em ºC/ano. A probabilidade de ocorreremestas tendências sem que estivesse a ocorrer uma alteração noclima seria inferior a 1 em 1 milhão.(adaptado dewww.meteo.pt/InformacaoClimatica).

Para perceber melhor a mudança climática em curso éimprescindível conhecer mais completamente ofuncionamento do sistema climático da Terra e,principalmente, a influência definitiva que, neste, éexercida pelo oceano. Pode afirmar-se que a importânciadas interacções oceano-atmosfera só agora começam a servislumbradas em toda a sua plenitude, pelo que éimprescindível, até para se poder preparar o futuro deforma mais confiável, aprofundar bastante oconhecimento científico neste domínio científico.

13. Elevação do Nível Médio do Mar

Uma das consequências mais importantes da modificaçãoclimática global é a elevação do nível médio das águas domar. Da análise das séries maregráficas longas de todo omundo conclui-se que, ao longo do século XX, o nívelmarinho tem vindo a subir a taxas médias da ordem de1,5mm/ano, havendo indícios de que essa subida seacelerou nas últimas décadas.

Segundo o IPCC, prevê-se um aumento do nível médiodas águas do mar de 2 cm a 10 cm, por década, nospróximos 100 anos. As causas desta elevação relacionam-se com a elevação da temperatura atmosférica, a qualprovoca fusão dos gelos (nos glaciares de montanha e nascalotes) e expansão do volume das águas oceânicas.

As consequências desta elevação do nível marinhopoderão ser catastróficas em todo o mundo. Se a subidafor da ordem de um metro durante este século, vários dosestados-ilha do Pacífico acabarão por desaparecer e áreasmuito grandes de terrenos costeiros serão inundados.

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Quando se tem em atenção que essas áreas sãoprecisamente as mais produtivas do ponto de vistaagrícola, e das quais muitos países (por exemplo, dosudoeste asiático) são altamente dependentes, começa-sea percepcionar a dimensão real do problema.

Em Portugal, observações realizadas em 5 estaçõescosteiras indicam que a taxa de variação da temperaturapassou de 3ºC por século nos últimos 40 anos para 6ºCpor século nos últimos 20 anos. Tal provocou já oaparecimento de espécies de águas mais quentes na nossacosta, como, por exemplo, o sargo do Senegal, e têmtendência a reduzir a biodiversidade.

Fig. 15. Médias anuais da temperatura da água do mar àsuperfície em Leixões (adaptado de www.meteo.pt).

Pode afirmar-se que as variações do nível médio do marem Portugal são bem conhecidas. Tal deriva do facto de,em 1882, ter sido instalado em Cascais um marégrafo, oqual tem funcionado quase ininterruptamente até àactualidade. Essa série maregráfica é uma das mais longasdo mundo, apresentando, ainda, a vantagem de ser umaestação “oceânica”, isto é, não instalada num estuário oucorpo lagunar, situação esta que, até há poucos anos, nãoera frequente a nível mundial.

A análise da série maregráfica de Cascais revela que,entre 1882 e 1987, o nível médio do mar subiu, em média,1,3 mm/ano. Todavia, considerando apenas o período1920-1987, a taxa de subida foi de 1,7mm/ano (fig. 16).

Fig. 16. Variação do nível médio do mar na estaçãomaregráfica de Cascais (adaptado de Dias & Taborda, 1992).

A comparação da variação do nível médio do mar emCascais com a evolução da temperatura média àsuperfície do Atlântico Norte permite deduzir que a causaprincipal dessa elevação do nível marinho é, muitopossivelmente, a expansão térmica do oceano, isto é, oaumento de volume das águas marinhas devido a elevaçãoda sua temperatura (fig. 17).

Se o nível médio do mar se elevar um metro até ao finaldeste século, as implicações para Portugal não serão tãodramáticas como as que se verificarão nos países em quea cota média é muito baixa, como acontece, por exemplo,no Bangladesh, nas Maldivas ou na Holanda. No entanto,deve-se considerar que estes impactes se adicionarão aosque já se estão a verificar com grande intensidade, e quesão induzidos por deficiências de abastecimentosedimentar devido a actividades antrópicas diversificadas.

Fig. 17. Comparação da evolução do nível médio do mar emCascais com a temperatura superficial do Atlântico Norte,utilizando o método das médias móveis com janelas de 5 anos(adaptado de Dias & Taborda, 1992).

No território continental, as áreas que provavelmenteserão mais afectadas pela elevação do nível marinho sãoas lagunas costeiras, com especial relevância para a RiaFormosa e a Ria de Aveiro, e as zonas estuarinas,principalmente os estuários do Tejo e do Sado (fig. 17).

Nestas áreas, é de esperar, entre outros, intensificação doassoreamento dos canais, erosão acentuada de sapais eoutros terrenos localizados a cotas muito baixas,intensificação da acção marinha (designadamentepenetração para o interior da cunha salina), e maiorintrodução de sedimentos marinhos para estas zonas detransição. Nos litorais arenosos é expectável que severifique aumento das taxas de recuo da linha de costa, eforte redução da área de praia emersa quando estas estãoconfinadas por arribas ou por estruturas artificiais. Noslitorais rochosos baixos, verificar-se-á, também,intensificação do recuo da linha de costa edesaparecimento das pequenas praias aí existentes. Noslitorais de arribas rochosas verificar-se-á intensificação daactividade destas, com consequente recuo da crista daarriba.

As consequências sócio-económicas atingirão grandeamplitude, sendo os sectores directamente mais afectados

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o turismo, a navegação e actividades portuárias, e váriasactividades tradicionais (apanha de bivalves, pescaartesanal, etc.).

Fig. 18. Vulnerabilidade do litoral continental português àelevação do nível médio do mar. Adaptado de Ferreira et al.(in press).

Neste contexto, verificar-se-á, também, salinização dosaquíferos costeiros. É um problema de grandecomplexidade pois que, além do mais, as consequênciasdas cheias fluviais atingirão maiores amplitudes, as zonasmais baixas das cidades costeiras serão inundadas, emuitas das edificações localizadas próximo da linha decosta serão destruídas. Para obviar a estes problemas, seránecessário construir muito mais e maiores obras deprotecção costeira, o que implicará mais frequentesintervenções para reconstrução, reacondicionamento oumelhoria de tais estruturas, sendo de prever que as verbasinvestidas nestas obras terão que aumentar em algumas

ordens de grandeza. Em alternativa, podem-se adoptaroutros tipos de intervenção ambientalmente menosagressivas (como a protecção não estática), o queimplicará, também, o investimento de verbasextremamente avultadas.

Estes problemas são de tal forma graves e podem atingiramplitudes de tal formas grandes que é totalmenteimprescindível investir de modo muito claro numa melhorcaracterização da situação e na monitorização contínua, oque, em Portugal, não se tem verificado de modominimamente adequado.

14. Considerações Complementares

A Comissão Mundial Independente para os Oceanos, nocapítulo 4º do seu Relatório "O Oceano...Nosso Futuro"(1998), refere que "a utilização económica eecologicamente sustentável dos recursos oceânicosimplica muito mais do que a melhoria da gestão emsectores individuais, como o das pescas, do transportemarítimo e da extracção off-shore de petróleo, gás eoutros minerais. Diz igualmente respeito aoreconhecimento da forma como as actividades realizadasem terra afectam o oceano. O enorme crescimento daactividade económica e o estabelecimento de cada vezmais pessoas nas zonas costeiras estão a ameaçar o valorecológico dos oceanos”. Tal como se lembra nesserelatório, “As palavras "economia" e "ecologia" têmorigem na palavra grega oikos, que significa "larcomum" (...). Tem como principal objectivo salientar asinterfaces entre economia e ecologia e explora o valordos serviços mercantilizados e dos serviços esquecidos,não mercantilizados, prestados pelos oceanos , com vistaa aumentar a consciência sobre o seu verdadeirocontributo para o bem-estar individual e colectivo".

É imprescindível que os diferentes sectores da sociedadeadquiram consciência de que o Homem é profundamentedependente, praticamente a todos os níveis, do oceano. Sóatravés dessa consciencialização será possível obter osmeios financeiros adequados e a vontade política firmepara se desenvolver uma política consequente deinvestigação científica, para construir sistemas integradosde informação, para implementar sistemas demonitorização adequados, e para formar técnicosdevidamente preparados, capazes e eficazes.

Principalmente na última década, no seu conjunto, acomunidade científica portuguesa dedicada ás CiênciasMarinhas tem vindo a produzir resultados bastanteinteressantes, embora o principal financiamento tenhasido conseguido através de programas da União Europeia.Actualmente, bastam alguns incentivos dos órgãosgovernamentais competentes para que essa comunidadecomece a produzir o tipo de informação necessária parauma mais correcta gestão, cientificamente suportada, dodomínio marinho sob jurisdição nacional. Na realidademuita dessa informação existe já, embora, por via deregra, não existam. receptores válidos dessa informação,com preparação para a compreender e com interesse emutilizá-la. Compete á Administração Central e àsadministrações regionais e locais dotar os diferentes

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organismos de técnicos capacitados para usar e aplicaressa informação.

Verifica-se, porém, que a disponibilidade do País emtécnicos com formação interdisciplinar no que se refereao meio marinho é quase inexistente. Por essa razão (evárias outras), os técnicos que trabalham nos organismosestatais não têm, em geral, a adequada preparação paragerir os ambientes marinhos, e quando têm algumapreparação, esta é, por via de regra, de carizprofundamente disciplinar. São biólogos, químicos,geólogos, físicos, engenheiros, arquitectos, etc., quepodem ser muito conhecedores da sua área técnico-científica específica, mas a que falta o conhecimentogenérico básico que lhes permita ter a adequadapercepção da vasta amplitude das problemáticas emcausa. Com frequência, o próprio diálogo interdisciplinaré difícil, porquanto lhes falta o conhecimento dosconceitos e da terminologia utilizada nas outras áreascientíficas.

Compete ás Universidades dotar o País com os técnicosde que este carece. Por um lado, é importante que aformação disciplinar seja complementada com algumamultidisciplinaridade (o que deve ser efectuado tanto anível da formação inicial, como de cursos de pós-graduação, como os mestrados). Por outro lado, éimportante que existam licenciaturas de “banda larga”vocacionadas para o meio marinho, através das quais seformem técnicos com preparação multidisciplinar einterdisciplinar, sendo a especialização obtida através decursos de pós-graduação (como os mestrados).

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www.meteo.pt/InformacaoClimatica/AltClimaTemp -(acedido em Março 2003)