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UNIVERCIDADE
Escola de Direito
ACIDENTES DE TRÂNSITO CAUSADOS POR
EMBRIAGUEZ: DOLO OU CULPA DO CONDUTOR
Protocolo: 201210001958
Rio de Janeiro
2012
Protocolo: 201210001958
ACIDENTES DE TRÂNSITO CAUSADOS POR
EMBRIAGUEZ: DOLO OU CULPA DO CONDUTOR
Monografia apresentada à Escola de Direito do
Centro Universitário da Cidade – UniverCidade
– como requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Elias Morais
Rio de Janeiro
2012
MDir. 12-1 Protocolo: 201210001958
Acidentes de Trânsito por embriaguez: dolo ou culpa do condutor /
BGDG. Rio de Janeiro, 2012.
62f.
Monografia apresentada à Escola de Ciências Jurídicas do Centro
Universitário da Cidade como requisito parcial à obtenção do Grau de
Bacharel em Direito.
1. Direito do Trânsito. I. Centro Universitário da Cidade do Rio de Janeiro –
Univercidade, Instituição. II. Univercidade – Méier, Instituição.
MDir. 12.1
Protocolo: 201210001958
ACIDENTES DE TRÂNSITO POR EMBRIAGUEZ:
DOLO OU CULPA DO CONDUTOR
Esta monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Bacharel em Direito
Escola de Ciências Jurídicas do Centro universitário da Cidade
UNIVERCIDADE
__________________________________________________
Lúcio de Oliveira Rosa
Coordenador da Unidade
___________________________________________________
Elias Morais
Orientador
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por tudo que tenho e tudo que sou, que me concedeu saúde física e
mental para a realização desse trabalho.
Aos meus queridos e amados pais, Esmeralda e Carlos Magno, responsáveis pela minha
formação moral e acadêmica, e que sempre estiveram ao meu lado.
Aos meus irmãos, Sandro e Waleska, por todos os momentos em que passamos juntos, pelas
conquistas compartilhadas e pela paciência que me proporcionaram.
Aos meus amigos de turma, pelo apoio e companheirismo durante os últimos 5 anos.
À minha amiga Cynthia, um exemplo de amizade e de ajuda ao próximo, que sempre esteve
presente em muitos momentos da minha vida, inclusive este, pois contribuiu com seus
conhecimentos.
Meus sinceros agradecimentos aos professores, em especial ao meu orientador, que não
hesitaram em compartilhar seus preciosos conhecimentos.
RESUMO
Protocolo: 201210001958. Acidentes de trânsito por embriaguez: dolo ou culpa do condutor.
2012. 62f. Monografia (Graduação em Direito) – Centro Universitário da Cidade, Rio de
Janeiro, 2012.
A presente monografia tem o intuito de proporcionar um estudo a respeito da possibilidade da
ocorrência do homicídio doloso em acidentes de trânsito. Sabe-se que tal fato não encontra
respaldo no novo Código de Trânsito (Lei nº 9.503/97), pois previu em seu art. 302 o crime de
homicídio culposo no trânsito. No entanto, com o aumento do número de acidentes
provocados por veículos automotores em que ocorre a incapacidade e até morte dos
envolvidos, ou de terceiros, os Juízes e Tribunais começaram a entender que, em
determinadas circunstâncias evidencia-se a figura do dolo eventual, isso significa dizer que
haveria a possibilidade da caracterização do homicídio doloso em alguns casos de acidentes
de trânsito. Para aprofundar e bem entender sobre o assunto em questão, examina-se e
conceitua-se, em um primeiro momento, a figura do trânsito e dos elementos que o compõem,
assim como as leis que o regulamenta. Em seguida, é analisada a conduta humana como
causa de acidente de trânsito, no caso em questão será a embriaguez ao volante. Por fim, o
homicídio no trânsito propriamente dito é estudado, apontando-se a possibilidade do dolo
eventual, assim como a culpa consciente, demonstrando o entendimento doutrinário e
jurisprudencial sobre o tema em questão.
Palavras-Chaves: Trânsito; Embriaguez; Dolo Eventual; Culpa Consciente; Código de
Trânsito Brasileiro.
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ART Artigo
CETRAN Conselho Estadual de Trânsito
CF Constituição Federal/88
CNH Carteira Nacional de Habilitação
CONTRAN Conselho Nacional de Trânsito
CP Código Penal
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
CTB Código de Trânsito Brasileiro
DENATRAN Departamento Nacional de Trânsito
DETRAN Departamento Estadual de Trânsito
Dg decigramas
Dg/l decigramas por litro
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TJ/SC Tribunal de Justiça de Santa Catarina
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................................10
1 – O TRÂNSITO E SUAS VERTENTES ..........................................................................12
1.1 Breve histórico .................................................................................................................12
1.2 Conceito e origem ............................................................................................................13
1.3 Administração do trânsito ..............................................................................................16
1.4 As mortes no trânsito ......................................................................................................18
1.5 Primeiro acidente de trânsito no Brasil .........................................................................18
1.6 Os acidentes de trânsito e os jovens ...............................................................................19
1.7 Origem da legislação de trânsito no Brasil ...................................................................20
1.8 Alteração legal e suas consequências ............................................................................21
1.8.1 Eximição de responsabilidade .......................................................................................22
1.8.2 Penalização mais grave .................................................................................................23
2 - A CONDUTA HUMANA COMO CAUSA DE ACIDENTE DE
TRÂNSITO............................................................................................................................24
2.1 Conceito de conduta .......................................................................................................24
2.1.1 Excesso de velocidade ...................................................................................................25
2.1.2 Condutor não habilitado ................................................................................................26
2.1.3 Competição automobilística não autorizada .................................................................26
2.1.4 Embriaguez ....................................................................................................................27
2.1.4.1 – Aspectos introdutórios sobre embriaguez.................................................................27
2.1.4.2 – A absorção do álcool pelo organismo, suas reações físicas e suas implicações para o
ato de dirigir.............................................................................................................................29
2.1.4.3 – Embriaguez como infração administrativa...............................................................31
2.1.4.4 – Embriaguez como infração penal..............................................................................33
2.1.4.4.1 – Elementos objetivos do tipo e a natureza jurídica do delito...................................34
2.1.4.4.2 – Elementos subjetivos do tipo..................................................................................36
2.1.4.4.3 – Consumação e tentativa..........................................................................................37
2.1.4.4.3.1 –A comprovação do estado de embriaguez e o procedimento em caso de recusa do
condutor em submeter-se aos exames.......................................................................................37
Capítulo III - A PRÁTICA DO HOMICÍDIO NO TRÂNSITO........................................41
3.1- Homicídio..........................................................................................................................41
3.2- Da culpa............................................................................................................................43
3.2.1- Elementos da culpa.........................................................................................................45
3.2.2- Espécies de culpa............................................................................................................46
3.2.2.1- Culpa consciente..........................................................................................................46
3.2.2.2 – Culpa inconsciente.....................................................................................................47
3.3- Do dolo..............................................................................................................................47
3.3.1- Elementos do dolo...........................................................................................................48
3.3.2 – Teorias do dolo.............................................................................................................49
3.3.3 - Espécies de dolo............................................................................................................49
3.3.3.1 – Dolo direto.................................................................................................................49
3.3.3.2 – Dolo indireto..............................................................................................................50
3.3.4 – Dolo eventual e culpa consciente..................................................................................50
3.3.5 – In dúbio pro reo ou in dúbio pro societate...................................................................52
3.3.6 – Posição jurisprudencial em relação aos casos de homicídio praticado no trânsito por
motorista embriagado...............................................................................................................53
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................57
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................59
10
INTRODUÇÃO
Frequentemente o trânsito tem sido assunto constante das primeiras páginas dos
jornais, dos noticiários da televisão e do rádio. E isso se deve ao grande número de tragédias
ocorridas ao volante, fazendo novas vítimas a cada dia, a cada hora, sem distinção de classe
social, cultural e de idade. A escolha do tema motivou-se em razão da impunidade ocorrida
com a maioria dos infratores, pois não se tem certeza se este deve ser responsabilizado por
dolo ou culpa frente ao crime de homicídio consequente de acidente de trânsito em que se faz
presente à embriaguez comprovada pelos níveis mínimos de alcoolemia exigidos por lei.
O trânsito é responsável pela maioria absoluta de óbitos por causas externas ocorridos
no país, e está em grande parte vinculado à imprudência, imperícia e negligência dos seus
condutores, seja em razão de embriaguez, ou por estar falando ao telefone, ou por estar em
excesso de velocidade. Assim, os acidentes de trânsito têm sido a segunda forma de morte
não natural no Brasil, perdendo apenas, em números, para os crimes dolosos contra a vida.
Em razão disso, houve e continua havendo um grande apelo por parte da sociedade
para que o Código de Trânsito Brasileiro seja alterado, o que acabou ocorrendo com a
revogação da Lei nº 5.108/66 pela Lei nº 9.503/97, porém não foi suficiente, frente à
indignação da população com a branda punição aplicada pelo Estado aos motoristas
imprudentes. E por isso, algumas vezes o magistrado faz uso do seu desejo pessoal de que
seja feita “justiça” para justificar a condenação do réu a uma pena mais severa (dolo eventual)
do que aquela prevista na legislação.
O novo Código de Trânsito Brasileiro implementou vários dispositivos de penalização
ao condutor infrator, tais como: multa pecuniária, apreensão do veículo e até a suspensão do
direito de dirigir. Porém, passados doze anos de sua reforma, evidencia-se a incapacidade do
CTB de oferecer punições que correspondam às expectativas da sociedade.
Para elaboração do trabalho foi necessária a realização de pesquisa bibliográfica, bem
como a pesquisa de artigos, publicações na internet sobre determinados assuntos
juridicamente relevantes, relacionados ao tema em comento, com a finalidade de obter um
conhecimento mais abrangente sobre o tema. Foi realizada também uma pesquisa
jurisprudencial, no intuito de verificar o que está sendo aplicado pelos magistrados no caso
concreto.
11
No primeiro capítulo, este trabalho iniciar-se-á com a demonstração da evolução do
trânsito e sua composição, através de um breve histórico, bem como das políticas adotadas
nos transportes rodoviários, contendo seus conceitos e pressupostos. Trará ainda a alteração
da nova lei de trânsito e suas consequências.
Em seguida, o segundo capítulo, trata-se da conduta humana evidenciando que o
homem é o grande responsável pelos acidentes de trânsito com vítimas fatais, e para isso o
foco será dirigido às definições clínicas pertinentes à embriaguez, com um demonstrativo das
diferentes fases da embriaguez, classificações e peculiaridades relativas aos diferentes níveis
de tolerância ao álcool em cada indivíduo.
Por fim, no terceiro capítulo faz-se uma abordagem dos crimes de trânsito sob a ótica
jurídica, contendo as classificações e penas impostas pelo CTB. Além de trabalhar os
conceitos e teorias relacionados a dolo e culpa (dolo eventual e culpa consciente), com ênfase
nas circunstâncias que abrangem a situação hipotética do condutor embriagado que causa o
sinistro fatal. Dessa forma, procura-se confrontar as teorias da culpa consciente e do dolo
eventual, a fim de verificar qual dessas matizes é aplicada, majoritariamente, em crimes de
trânsito envolvendo ingestão de bebida alcoólica.
12
CAPÍTULO I
O TRÂNSITO E SUAS VERTENTES
Este capítulo iniciar-se-á com uma abordagem geral do sistema rodoviário e do
trânsito, a começar pela sua evolução histórica, conceito e análise de alguns aspectos, bem
como das políticas adotadas nos transportes rodoviários, finalizando com as alterações
ocorridas na lei de trânsito.
1.1 - Breve histórico
No Brasil, desde o Estado Novo, a administração pública vem adotando políticas de
transporte que privilegiam o sistema rodoviário em detrimento do fluvial ou sobre trilhos.
Esse posicionamento se acentuou durante o período do regime militar (1964 a 1988), pois foi
quando a malha rodoviária se expandiu grandemente em face da necessidade de gerar, perante
a opinião pública, a impressão de desenvolvimento econômico.
Paralelamente à adoção de uma política de transportes inadequada às dimensões
continentais de nosso país, não se pode deixar de mencionar que vigora no Brasil um modelo
de sociedade capitalista, no qual, em regra, os indivíduos são rotulados pela riqueza que
ostentam e não por seus valores culturais e morais. Em razão disso, a posse de um veículo
‘caro’ e ‘possante’ transforma-se em objeto de desejo, em meta de vida a ser alcançada por
toda uma sociedade, em especial o público jovem, que alavanca a venda de carros e
motocicletas cada vez mais modernos e velozes. O somatório desses fatores acarreta na
evolução contínua da frota nacional de veículos, bem como na manutenção de elevadíssimos
índices de vítimas de acidentes de trânsito.
Estudos técnicos têm demonstrado que os custos com acidentes automobilísticos no
Brasil consomem cifras bilionárias, tratando-se exponencialmente de caso de saúde pública.
E assim, em virtude de tudo isso, além dos alarmantes índices de óbitos em acidentes de
trânsito e do intenso clamor popular por punições mais severas, o poder legislativo achou por
bem revogar o Código Nacional de Trânsito (Lei 5.108/66 – CNT) em detrimento do Código
de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), vigente até o momento.
13
Houve sim um inegável avanço legislativo com a nova lei, que passou a criminalizar
uma série de condutas antes vistas como contravenções, além de majorar a punição em
diversas condutas, como também implementaram vários outros dispositivos que objetivavam
a penalização do condutor infrator pela via administrativa (multa pecuniária, apreensão do
veículo e até a suspensão do direito de dirigir). Porém, apesar de todos esses dispositivos
legais, a nova lei, por vezes, é incapaz de oferecer uma punição correspondente à expectativa
da população, pois muitos motoristas imprudentes causam a morte ou invalidez de diversas
pessoas inocentes (sendo muitas vezes, membros da mesma família) e no fim, recebem uma
branda punição por parte do Estado.
O clima de impunidade resultantes desse binômio (crimes bárbaros x punições
brandas) gera reflexos nos órgãos do poder judiciário que, para não serem desacreditados
perante a sociedade, aumentam o quantitativo das condenações dos envolvidos em delitos de
circulação.
E assim, um dos conceitos doutrinários utilizados para justificar a majoração das
punições dos envolvidos em crimes de trânsito é o da incidência do dolo eventual, mormente
nos crimes de homicídio, o qual não encontra amparo na legislação e na doutrina, mas tão
somente no desejo do magistrado de que seja feita “JUSTIÇA”.
1.2 – Conceito e origem
Não se pode precisar ao certo por quem e quando surgiu o primeiro veículo. Sabe-se é
que com a história evolutiva do homem muitas transformações ocorreram, desde as
carruagens puxadas a cavalos, passando pelos veículos a vapor, com posterior sistema de freio
e aumento de velocidade, até chegar-se aos veículos modernos, que podem atingir uma
velocidade de até 300 Km/h. Os primeiros veículos destinavam-se ao transporte de bens;
posteriormente, passaram a ser usados para transportar o homem e seus pertences, e, nos
últimos séculos, já se construíam veículos de transporte exclusivos para pessoas.
Quanto ao local onde transitavam esses veículos eram estradas feitas com pedras, no
caso das vias urbanas, e, em se tratando das estradas rurais, estas não tinham qualquer
pavimentação.
14
A partir do momento que se criaram os elementos básicos do sistema viário – os
veículos e as estradas – surgiram o trânsito e seus problemas.
Nesse sentido, segundo o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 1º, §1º:
“Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em
grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de
carga e descarga.” Desse conceito, algumas observações importantes merecem explicação.
A primeira parte fala de vias, mas o que são vias e o que o CTB considera como via?
No seu anexo I, a via é descrita como sendo a superfície por onde transitam veículos, pessoas
e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central, e no
artigo 2º do CTB é dito que as ruas, avenidas, logradouros públicos, caminhos, passagens,
estradas e rodovias são vias terrestres, como também as praias abertas ao público e as vias
internas pertencentes aos condomínios, onde cada apartamento é uma unidade autônoma.
Para que exista o trânsito, e é isso que fala a segunda parte, é necessário que as vias
sejam utilizadas por pessoas, veículos, animais. A esse conjunto de elementos chamamos de
usuários do trânsito, não importa se os veículos estejam sendo conduzidos ou não, basta ele
estar sobre uma via terrestre, estacionado, para que o trânsito exista segundo o seu conceito;
quer as pessoas sejam pedestres ou passageiros de veículos, estejam sozinhas ou em grupos,
andando nas vias, sobre a pista ou calçada, elas estão fazendo parte do trânsito, assim como os
animais, sozinho ou em grupo, conduzido ou não, estes também compõem o trânsito. Por fim,
temos a última parte do conceito a qual fala da finalidade, que é a de circulação, parada,
estacionamento e operação de carga e descarga.
Nesse sentido, Alves assim conceitua o trânsito: “é a utilização isolada ou grupal das
vias por meio de pessoas, veículos e semoventes. Esse uso pode efetivar-se para fins de
circulação, parada e estacionamento, inclusive para as operações de carga ou descarga de
bens”1.
Por sua vez, segundo Honorato: “Trânsito é um fenômeno mais amplo do que
geralmente é compreendido, em razão de englobar todos os usuários das vias terrestres, e
1 ALVES,Vilson Rodrigues. Acidentes de Trânsito e Responsabilidade Civil. Bookseller,1 ed. Tomo I, 2002,
p.177
15
mesmo que não se encontrem em deslocamento. Uma pessoa caminhando ou sentada em um
banco de uma praça estará sujeita as normas impostas pelo Código de Trânsito Brasileiro.”2
O trânsito teve início já na descoberta do Brasil, pois nessa época foram abertos
caminhos pela mata que mais tarde tornaram-se estradas. Com a vinda dos imigrantes
europeus surgiu a primeira locomotiva a vapor, que impulsionou o desenvolvimento
econômico da época, bem como o surgimento das grandes cidades (São Paulo e Rio de
Janeiro). Os primeiros carros e bicicletas a circularem no Brasil foram trazidos da França em
meados de 1891.
O presidente Juscelino Kubitschek criou o Grupo Executivo da Indústria
Automobilística – GEIA, que ficou responsável em estabelecer normas para a fabricação de
veículos no Brasil. A partir de então, o trânsito no Brasil teve grande crescimento, até que em
23 de setembro de 1997 foi constituído o Código de Trânsito Brasileiro, com o objetivo
principal de regulamentar o trânsito nacional.
O trânsito está alicerçado em 3 diretrizes básicas que caracterizam as ações e
atividades que devam ser adotadas para que o trânsito flua com segurança. São conhecidos
como o TRIPÉ DO TRÂNSITO, são eles:
Engenharia;
Esforço legal (legislação, justiça e policiamento);
Educação.
A engenharia está diretamente ligada às vias e aos veículos. É ela que através de
pessoal qualificado vai projetar, construir e manter as vias e os veículos de forma que
ofereçam condições adequadas de segurança e de fluidez aos seus usuários.
O esforço legal se subdivide em legislação, justiça e policiamento. A legislação é a
base de tudo, é ela que regulamenta as normas, as obrigações, os deveres e direitos de todos
os cidadãos, seja no comportamento, seja na parte técnica (veículos, equipamentos, vias, etc.).
Já a justiça julga e determina as sanções e penas às infrações ou irregularidades cometidas por
condutores e proprietários, como também observa se os direitos estabelecidos pela
Constituição Federal e outras leis não estão sendo feridos de alguma forma, principalmente
em razão do Princípio da ampla defesa e do contraditório. E o policiamento é o grande
2 HONORATO, Cássio Mattos. Trânsito, infrações e crimes. Millennium: Campinas, primeira edição, 2000.
16
executor do sistema, através dele são desencadeadas a fiscalização, prevenção, educação e
repressão. Além disso, fiscaliza se as leis e normas de trânsito estão sendo cumpridas, como
também controla e ordena o mesmo, socorre vítimas de acidentes, atenuando as
consequências e por ser de execução, são normalmente os policiais que primeiro chegam ao
local onde existe o problema e são deles as primeiras medidas tomadas visando a solução ou
atenuação do problema.
Por fim, temos a educação, que é a formação do ser humano voltado para o
conhecimento e a vida em sociedade, permitindo ao homem conviver harmonicamente no
trânsito, e é tratada numa seção específica (Educação/regras).
Cabe ressaltar também que com o trânsito também vieram problemas, e por isso fez-se
necessárias algumas iniciativas. No período do Império Romano já se registrava
congestionamentos, e em razão disso foram criadas sinalizações, marcos quilométricos,
indicadores de sentido e as primeiras regulamentações de tráfego.
Além dos dispositivos legais, as autoridades de trânsito também passaram a utilizar
vários meios para sinalizar e disciplinar o uso da via, tais como: placas indicativas, placas
proibindo manobras perigosas, e no final do século XIX (1868), surgiu na Inglaterra um
dispositivo para controle de tráfego mediante luzes coloridas – o semáforo.
A desenfreada e descontrolada frequência dos acidentes de trânsito no Brasil, nos
últimos anos, nos situa, cada vez mais, na posição de campeões mundiais do genocídio
motorizado. Além das mortes, há avultados casos de mutilações, feridos e de catastróficos
danos materiais, que destroçam veículos, cargas preciosas, danificando as próprias rodovias e,
até mesmo, destruições causadas com cargas perigosas que são transportadas e esparramadas
ao longo da via.
Esses números tornam os acidentes de trânsito um importante problema de saúde
pública e sobrecarrega o setor em função dos elevados percentuais de internação e dos altos
custos hospitalares, além de gerarem problemas para a sociedade com perdas materiais,
despesas previdenciárias e grande sofrimento para as vítimas e seus familiares.
1.3 – Administração do trânsito
17
Devido aos grandes problemas surgidos com a evolução do trânsito fez-se necessário
que o Estado, responsável pela administração pública, criasse um órgão e até mesmo leis que
o regulamentasse. Criou então, o Sistema Nacional de Trânsito, através da Lei 9.503/97 – Lei
de Trânsito. O legislador, em seu artigo 5º, declarou
que esse sistema compreende um conjunto de órgãos e entidades da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que tem por finalidade o
exercício das atividades de planejamento, administração, normalização,
pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, educação,
engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização,
julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.3
Mais adiante, no artigo 7º do mesmo diploma legal o legislador teve a preocupação de
especificar quais são esses conjuntos de órgãos e entidades, são eles: o CONTRAN (Conselho
Nacional de Trânsito), os CETRANs (Conselhos Estaduais de Trânsito), o CONTRANDIFE
(Conselho de Trânsito do Distrito Federal), os órgãos e entidades executivos rodoviários da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a Polícia Rodoviária Federal, as
polícias dos Estados e do Distrito Federal, e as JARIs (Juntas Administrativas de Recursos de
Infrações). Estes são os responsáveis em estabelecer diretrizes da política nacional de
trânsito, objetivando a segurança, a fluidez, o conforto, a defesa ambiental e a educação para o
trânsito, além de fiscalizar seu cumprimento.
Todos esses órgãos , assim como as atribuições dadas a cada um, perfazem o que se
entende por administração do trânsito. É, portanto, um conjunto de procedimentos,
selecionados para determinados órgãos e instituições, no sentido de orientar e fiscalizar as
condutas relacionadas ao trânsito em geral.
Sobre a administração, Di Pietro4
informa:
Quer no direito privado, quer no direito público, os atos de administração
limitam-se aos de guarda, conservação e percepção dos frutos dos bens
administrados, não incluem os de alienação. Neles, há sempre uma vontade
externa ao administrador a impor-lhe a orientação.4
Os atos de administração de trânsito também merecem comentários de Ribeiro5,
salientando que:
3 SABATOVSKI, Emílio; FONTOURA, Iara; SAIKI, Tânia. Código de Trânsito Brasileiro. Juruá, primeira
edição, 1997, p.18. 4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas: São Paulo, 11 edição, 1999, p. 53.
18
Pode-se dizer que a administração de trânsito em sentido formal é o conjunto
de órgãos instituídos pela consecução dos objetos do governo; em sentido
material, é o conjunto de funções necessárias aos serviços públicos em geral;
em acepção operacional, é o desempenho permanente e sistemático, legal e
técnico, dos serviços próprios do poder público ou por ele, consumidor, no
interesse comum5.
1.4 – As mortes no trânsito
Lamentavelmente o nosso país continua sendo um dos campeões mundiais em
acidentes e mortes no trânsito.
O CTB entrou em vigor a partir de janeiro de 1998. No primeiro ano de vigência,
houve uma queda substancial no número de acidentes e de mortes no trânsito devido a sua
ampla divulgação, as sanções eram contundentes e parecia que havia vontade política para
aplicação da nova legislação. Após cinco anos de vigência do código, o mesmo tem
apresentado um grande retrocesso, pois as mortes nas estradas brasileiras aumentaram
assustadoramente.
Não se sabe ao certo o motivo disto ter ocorrido. Houve a diminuição do número de
policiais e de agentes de trânsito (pois os que existem não estão treinados para educar o
trânsito, mas para arrecadar fundos para o erário público), o emperramento da Justiça, os
pontos perdidos pelos motoristas infratores contabilizados pelos jurássicos sistemas
informatizados dos DENATRANs, CNH “cassadas” em razão dessa pontuação continuam
válidas, a falta da efetiva regulamentação do código, as condições de tráfego das vias,
inspeção veicular, o descrédito dos órgãos públicos, a falta de valor do bem público, etc.
Assim, para evitar ou ao menos atenuar essa tragédia nacional não basta punir ou
obedecer à sinalização de trânsito. É necessário que haja consciência, educação, formação,
informação do trânsito ao condutor, e que o governo venha a executar suas atribuições com
ética, bom senso e confiança.
1.5 – Primeiro acidente de trânsito no Brasil
5 RIBEIRO, Dorival apud HONORATO, Cássio Matos. Trânsito, infração e crimes. Millennium: Campinas,
primeira edição, 2002, p.5.
19
O primeiro acidente registrado no Brasil ocorreu em 1897, no Rio de Janeiro, quando
José do Patrocínio importou um veículo da França e o deu para o escritor Olavo Bilac dirigir,
o qual sem possuir habilitação, bateu na primeira árvore que encontrou. O Veículo andava a
uma velocidade de 3 quilômetros por hora e o acidente ocorreu na Rua da Passagem, em
Botafogo, no Rio de Janeiro.
A partir de então, o número de veículos em circulação no país começou a crescer
rapidamente e a máquina inventada pelo homem para ajudar no desenvolvimento do país,
tornou-se um dos maiores problemas sociais.
1.6 – Os acidentes de trânsito e os jovens
O automóvel, esse estranho objeto de desejo, que muitas pessoas, em especial os
jovens almejam e outros o possuem, tem uma forte conotação de poder e posição social em
uma sociedade de consumo, na qual a competitividade acontece muito cedo. Na opinião de
especialistas, tanto para os jovens que têm o bem, como para aqueles que apenas o anseiam, o
carro significa poder e status.
A adolescência do ser humano é o período mais crítico, pois passa por várias fases e
momentos, como: de descoberta, de rebeldia, de contestação de valores, de confrontos com os
pais, familiares e professores, de isolamento da família, de apego ao grupo e de alteração de
vestuário. Por isso, quando estão ao volante de um veículo e acompanhados por colegas,
bebidas ou outras substâncias, as situações podem se complicar. Obviamente não se pode
generalizar. A maior causa de morte entre os jovens é em razão de acidentes de trânsito.
Destarte, são acidentes que poderiam ser prevenidos, sendo muitas mortes e
mutilações evitadas se os médicos identificassem adolescentes com problema de álcool. E o
mais agravante é que os pais estão perdendo o poder de comando sobre seus filhos
adolescentes.
O mau uso do automóvel por condutores muito jovens, inexperientes e que ainda não
atingiram a idade hábil para que tenham habilitação, é uma das questões preocupantes, pois
alguns pais buscam compensar os filhos com aquilo que eles não tiveram na sua época, ou
mesmo por alguma deficiência que apresentam, devido à falta de tempo.
20
Uma pesquisa realizada em 1998 com 2004 jovens adultos, com idades entre 18 a 25
anos de idade, candidatos a possuir a CNH no DETRAN revelou que 51% admitem a
possibilidade de virem a dirigir embriagados em algumas situações. A maioria dos
entrevistados revelou já ter tido contato com situações de risco envolvendo volante e álcool.
Entre eles, 55% afirmaram já ter pegado carona com motorista bêbado.
Entretanto, lamentavelmente o Brasil continua sendo um dos campeões mundiais em
acidentes e mortes no trânsito, principalmente de jovens na faixa de 18 a 25 anos.
É por demais sabido que a educação tem um papel extremamente importante no
processo de melhoria da segurança entre motoristas, mas os brasileiros precisam buscar uma
mudança no sistema educacional. Conjuntamente a isso deve ter um treinamento do motorista
num programa específico como usuário das vias, mudanças drásticas precisam ser
implantadas, tanto na educação oferecida como também no sentido de conscientizar a
sociedade do quanto esta atitude é justa e importante para a educação de trânsito.
1.7 - Origem da legislação de trânsito no Brasil
O Código de Trânsito Brasileiro é a Lei nº 9.503, sancionada em 23 de setembro de
1997. Possui 341 artigos que proporcionam instrumentos e condições para que o processo de
circulação de bens e pessoas no espaço físico brasileiro, sendo ele rural ou urbano, para que se
desenvolva dentro dos padrões de segurança, eficiência, fluidez e conforto.
O artigo 340 define que a lei entraria em vigor 120 dias após a sua publicação. Como
ele foi publicado no Diário Oficial da União em 24 de setembro, o CTB então, só entrou em
vigor no dia 22 de janeiro de 1998. Assim, o artigo estabelece diretrizes da política nacional
de trânsito visando, excepcionalmente, a segurança, a defesa do meio ambiente, a educação e
a fluidez no trânsito, que significam uma boa circulação, livre das dificuldades possíveis.
No Brasil, a primeira legislação de trânsito surgiu em 1910, com a finalidade de
disciplinar os serviços de transporte por automóvel. Ela determinava, por exemplo, a
verificação das condições do veículo, a fim de preservar a segurança dos usuários e pedestres.
O primeiro Código de Trânsito do Brasil, porém, só foi aprovado em 1941, quase duas
décadas depois de implementada a indústria automobilística no Brasil. A partir daí, houve um
grande crescimento da frota de veículos em circulação no país. Esse fato exigiu uma revisão
21
das leis em vigor para adequá-las à nova realidade. E assim, em 21 de setembro de 1966,
através da Lei nº 5.106, foi aprovado o Código Nacional de Trânsito, regulamentado dois anos
mais tarde, ficando vigente até a implantação do atual CTB.
O CTB se caracteriza por ser um Código da Paz, um código Cidadão. Antes de ser
enviado ao Congresso, o Ministério da Justiça publicou o anteprojeto da Lei no DOU por um
período de trinta dias. O projeto recebeu cerca de cinco mil emendas, além de trazer um
capítulo destinado ao cidadão, um ao transporte de escolares, um sobre crimes de trânsito e
um para os pedestres e condutores de veículos não motorizados.
Portanto, o Código de Trânsito abrange toda população brasileira, não só o motorista,
mas o condutor e o pedestre também têm direitos e, acima de tudo, responsabilidade sobre a
nova lei.
1.8 - Alteração legal e suas consequências
Com o aumento de acidentes de trânsito ocasionados pela falta de responsabilidade de
motoristas e condutores de veículos automotores, a sociedade como um todo, vem solicitando
aos entes públicos, um maior rigor no texto e na aplicação das leis, sendo que isso só seria
possível com a alteração do Código de Trânsito.
O novo e atual Código de Trânsito Brasileiro trouxe muitas inovações, é composto de
leis, decretos e resoluções, respeitando a abrangência na posição hierárquica das leis. As leis
estabelecem as normas em caráter geral; os decretos regulamentam, detalham e disciplinam a
aplicação das leis. As resoluções editadas através do Conselho Nacional de Trânsito
(CONTRAN) estabelecem normas detalhadas nas leis.
A legislação que regulamenta o trânsito no Brasil é composta de:
Constituição Federal;
Código de Trânsito Brasileiro;
Convenção de Viena;
Acordo do MERCOSUL;
Resoluções e Deliberações do CONTRAN;
Portarias do DENATRAN;
Leis, Decretos e Portarias Estaduais;
22
Leis, Decretos e Portarias Municipais.
O Código de Trânsito Brasileiro é um código ao cidadão, pois traz um capítulo inteiro
destinado ao mesmo; um à condução de escolares, outro sobre os crimes de trânsito e um
exclusivo para pedestres e veículos não motorizados. Diretamente o CTB atinge toda a
população com o intuito de proteger e proporcionar maior segurança, fluidez, eficiência e
conforto. Prevê ainda que, o cidadão tem o direito de solicitar, por escrito, aos órgãos,
alterações/sugestões à sinalização, fiscalização, implantação de equipamentos ou alterações
em normas.
Outro ponto que fica claro, é que o legislador, ao alterar a lei, viu na embriaguez uma
possível forma de vislumbrar na conduta do condutor a presença de dolo eventual, o que já
havia sido feito por alguns tribunais do país.
Se não fosse isso, não teria o mínimo sentido a legislação remeter ao Código Penal a
conduta delituosa em que estivesse caracterizada a culpa, e não o dolo do motorista, uma vez
que a pena prevista no CTB é mais grave do que aquela aplicada ao homicídio culposo do
Código Penal.
Possivelmente, a alteração ocorreu justamente em razão de se evitar que continuasse
ocorrendo o que já estava se tornando um hábito no judiciário, no qual um número
considerável de julgadores aderiam à tese acusatória, entendendo que tão somente o fato de
ter ocorrido ingestão de bebida alcoólica antes do sinistro fatal acabava por caracterizar
automaticamente a existência de dolo eventual na conduta do autor do crime.
Tal abordagem, visivelmente equivocada, acontecia, via de regra, por dois possíveis
motivos: um meio de eximição de responsabilidade e uma tentativa de penalização mais grave
ao agente infrator.
1.8.1 - Eximição de responsabilidade
Era vista como a hipótese mais pessimista, uma vez que atingia diretamente a atuação
do magistrado que julgava o caso, isso porque ao se deparar com um fato de maior
repercussão, na sua maioria agravado pela mídia, este magistrado deveria agir com cautela ao
entender existir culpa consciente e não dolo eventual.
23
O motivo disso é que, uma vez que, entendendo o juízo haver culpa consciente,
acabaria por ser o responsável pela sentença com minguada condenação; por outro lado, ao
entender haver o dolo eventual, caberia ao Tribunal do Júri a condenação, restando-lhe tão
somente o cálculo da pena.
Somado a isso, temos a força dada a sanção, pois a pena prevista no Código de
Trânsito Brasileiro vai de 2 a 4 anos, acrescida de um terço à metade, aplicável ao homicídio
culposo, enquanto que a pena para a modalidade dolosa (dolo eventual) é pelo Código Penal
de 6 a 20 anos. Pena esta que partiria de um mínimo igual ao máximo possível aplicável pelo
Código de Trânsito Brasileiro: 4 anos acrescidos da metade.
1.8.2 - Penalização mais grave
Do outro lado, tem-se a segunda hipótese, a qual visa à aplicação de pena mais severa
ao agente que cometeu o crime de homicídio em acidente de trânsito sob efeito de álcool ou
substância entorpecente.
Ora, inexistindo previsão legal para aplicação de uma sanção proporcional à lesão
causada ao maior bem jurídico tutelado – a vida, considerando-se as circunstâncias, utilizou-
se a máquina da justiça, em mais de uma ocasião, de artimanha para sanar a deficiência.
Portanto, como já foi mencionado, o mínimo da pena aplicada em um caso de dolo
eventual e, portanto, pelo art. 121 do CP é igual ao máximo aplicável pelo não mais vigente
art. 302 parágrafo único do inciso V do CTB, desconsiderando-se outros fatores que
possibilitem aumento ou diminuição da pena.
Adotou então como praxe entre muitos julgadores, a vinculação direta entre dolo
eventual e embriaguez quando se deparavam com crimes de trânsito fatais, impulsionados
pelo argumento de se estar evitando a impunidade dos agentes delinquentes perante a
sociedade.
24
CAPÍTULO II
A CONDUTA HUMANA COMO CAUSA DE ACIDENTE DE TRÂNSITO
Neste momento tratar-se-á da conduta humana e suas consequências nos acidentes
ocorridos no trânsito. Não se pretende aqui, esgotar-se com o tema em questão, pois como é
sabido, seria complexo delimitá-lo e pesquisá-lo por completo.
2.1 – Conceito de conduta
Segundo a definição de Aurélio6, “conduta pode ser entendida como uma manifestação
do pensamento ou de uma vontade, ou seja, como uma ação humana, consciente e voluntária,
praticada com o intuito de alcançar um determinado fim”.
No mesmo padrão, Damásio7 conceitua conduta como sendo “a ação ou omissão
humana consciente e dirigida à determinada finalidade”.
Ainda no que tange ao estudo proposto, Capez8 nos ensina que conduta:
“é a ação e omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma
finalidade. Os seres humanos são seres dotados de razão e vontade. A mente
processa uma série de captações sensoriais, transformadas em desejos. O
pensamento, entretanto, enquanto permanecer encastelado na consciência,
não representa absolutamente nada para o Direito Penal. Somente quando a
vontade se liberta do claustro psíquico que a aprisiona é que a conduta
exterioriza no mundo concreto e é perceptível, por meio de um
comportamento positivo, ação (um fazer), ou de uma inatividade indevida, a
omissão (um não fazer o que era preciso)."8
6 AURÉLIO, Buarque de Holanda Ferreira. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Correspondente à 3ª
ed., impressão da Editora Positivo, revista e atualizada do Aurélio Século XXI, O Dicionário a Língua
Portuguesa, 2004 by Regis Ltda. 7 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Volume I: 28 ed. ver.atual. São Paulo: saraiva, 2005. p.227.
8 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol.1:parte geral, 9 ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p.114
e 115.
25
Como se nota com as definições dadas acima, em razão da ausência de uma definição
na legislação nacional de ação ou omissão, ocorre uma multiplicação de conceitos sobre esse
assunto.
Contudo, para efeito de conclusão, pode-se dizer que conduta penal é uma ação
humana ilícita, omissiva ou comissiva, que afronta um bem jurídico tutelado pelo Estado.
Em suma, pode-se dizer que a ação comissiva seria o fato de concretizar um
comportamento antijurídico e culpável. Já a omissão estaria atrelada a uma espécie de ação,
que embora não seja concreta, palpável, é um dever de agir no qual o sujeito se omitiu.
E assim, Leal ressalta que muitos podem ser os fatores que influenciam nos altos
índices de acidentes de trânsito, e que estes podem ser classificados como fatores de natureza
técnica e de natureza humana.
Dentre os fatores técnicos, pode-se citar o defeito mecânico apresentado pelo veículo,
pela pista de rolamento, pela sinalização inadequada, ou até mesmo em razão dos fenômenos
da natureza, como a neblina e as chuvas. Só que, no entanto, apesar de todos esses elementos,
estes só seriam responsáveis por 12% dos acidentes de trânsito com vítimas fatais.
Já o fator de natureza humana, como excesso de velocidade, embriaguez ao volante e
condutor não habilitado, muitas vezes estando um associado ao outro, seriam responsáveis por
85% dos acidentes de trânsito com resultado de morte.
Vale mencionar aqui que, as mortes ocorridas no trânsito só poderão ser evitadas a
partir do momento em que o condutor do veículo automotor tiver educação e primar pelo
cumprimento das regras previstas na legislação, tornando assim o trânsito mais humano e
seguro para todos.
2.1.1 – Excesso de velocidade
A maioria dos acidentes de trânsito tem como causa a imprudência dos próprios
condutores, originada, na sua grande maioria, pelo consumo de álcool e pelo excesso de
velocidade.
A Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997 ao tratar sobre excesso de velocidade, prevê
em seu art. 311, que é crime: “Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas
26
proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros,
logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas,
gerando perigo de dano”. A pena imposta a quem infringi-la é de detenção, de 6 meses a 1
ano, ou multa.
Segundo Nucci, quando a lei fala em velocidade incompatível, não se refere àquela
não permitida para a via, dispostas nas placas de sinalização, mas sim à velocidade que não é
adequada a uma determinada ocasião. Portanto, isso quer dizer que, o condutor sempre tem
que agir com cautela, pois nem sempre conduzir um veículo com a velocidade permitida é
sinônimo de sensatez.
É pertinente ressaltar que, no mundo atual sentem-se, frequentemente obrigadas e
incentivadas a serem mais rápidas em tudo, seja no trabalho, na escola e até nos pequenos
momentos de lazer. Só que essa busca constante de superação, de competitividade com o
próximo reflete na velocidade imprimida nas vias, que resulta em grandes tragédias.
2.1.2 – Condutor não habilitado
O atual Código de Trânsito trata no seu art. 309 sobre o crime de conduzir veículo sem
permissão, definindo como conduta típica o fato de “dirigir veículo automotor, em via
pública, sem a devida permissão para dirigir ou habilitação, ou ainda se cassado o direito de
dirigir, gerando perigo de dano, sendo a pena prevista para esse delito a de detenção de 6
meses a 1 ano, ou multa."
Isso quer dizer que, só pode dirigir veículo automotor em via pública aquele que
estiver devidamente autorizado pelo Estado. Caso contrário, se gerar perigo de dano,
incorrerá no crime acima citado, o qual visa proteger a segurança no trânsito. Agora, se não
geral perigo de dano aos transeuntes comete somente um ato ilícito administrativo, estando
sujeito à autuação, pois se trata de uma infração gravíssima, e à apreensão do veículo, isso é o
que dispõe o art. 162 do CTB.
2.1.3 – Competição automobilística não autorizada
27
A competição automobilística que ocorre em vias públicas, sem autorização da
autoridade competente, é conhecida popularmente como “rachas”, “pegas”. Essa conduta
encontra previsão no art. 308 do CTB, que prevê como sanção as penas de detenção, de 6
meses a 2 anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão ou habilitação para
dirigir veículo automotor.
Segundo o entendimento majoritário, quando o agente pratica uma disputa
automobilística não autorizada e, em consequência disso, causa a morte de alguém, a conduta
é vista como homicídio doloso, e não culposo, pois ao participar de um “racha”, o agente
assumiu o risco de produzir esse resultado e, assim, deve responder por dolo eventual.
2.1.4 - Embriaguez
É inegável que a embriaguez constitui um dos maiores problemas sociais da
atualidade, caracterizando-se como a razão principal de uma série de crimes, acidentes e
fracassos pessoais de um número realmente alto de indivíduos. O álcool e as demais
substâncias embriagantes atuam diretamente sobre o sistema nervoso central, diminuindo
sensivelmente a capacidade de reação diante das adversidades surgidas no trânsito.
Não há dúvidas, portanto, de que é preciso prevenir e reprimir o uso de álcool por
aqueles que irão conduzir veículo automotor. Faz-se necessário uma fiscalização maior no
trânsito, para demonstrar de forma efetiva ao condutor que ao dirigir embriagado e/ou sob
efeito de substância psicoativa é uma conduta perigosa e irresponsável, que pode trazer
consequências graves a todos os envolvidos.
Vale destacar, contudo, alguns pontos básicos desse mal, começando pelo conceito do
termo “embriaguez”, bem como de suas espécies em particular, cuja menção se faz a seguir.
2.1.4.1 – Aspectos introdutórios sobre embriaguez
A palavra “embriaguez” deriva do latim inebriare (embriagar-se, embebedar-se) e,
segundo Costa Júnior, no âmbito do Direito Penal, a “[...] intoxicação, aguda e transitória,
28
causada pelo álcool ou substância análoga, que elimina ou diminui no agente sua capacidade
de entendimento ou de autodeterminação”. 9
Vários são os conceitos de embriaguez. No Aurélio significa “estado de indivíduo
embriagado; bebedeira; ebriedade”. Na Medicina Legal, embriaguez é o “conjunto das
perturbações psíquicas e somáticas, de caráter transitório, resultantes da intoxicação aguda
pela ingestão de bebida alcoólica ou pelo uso de outro inebriante”. Já a Organização Mundial
da Saúde (OMS) define embriaguez como sendo toda forma de ingestão de álcool que excede
ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam
os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores, como a
hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas adquiridas.
De qualquer forma, vale aqui ressaltar que a embriaguez não deve se confundir com a
alcoolemia, que é o teor de álcool etílico no sangue.
Segundo a corrente mais aceita, o estado de embriaguez pode ser dividido em três
fases distintas, a saber: excitação, confusão e sono. Sobre essas fases, esclarece Genival
Veloso França que:
Na fase de excitação o indivíduo se mostra loquaz, vivo, olhar animado,
humorado e gracejador; diz leviandades, revela segredos íntimos e é
extremamente instável; é a fase da euforia. Na fase de confusão surgem as
perturbações nervosas e psíquicas, anda cambaleando e apresenta
perturbações sensoriais, irritabilidade e tendências às agressões. Já na fase
do sono ou comatosa, o paciente não se mantém em pé, caminha se apoiando
nos outros ou nas paredes e termina caindo sem poder erguer-se,
mergulhando em sono profundo; sua consciência fica enfraquecida, não
reagindo aos estímulos normais; as pupilas dilatam-se e não reagem à luz, os
esfíncteres relaxam-se e a sudorese é abundante.10
Além disso, cumpre assinalar que, temos como forma de embriaguez:
Voluntária: ocorre quando o indivíduo ingere substância tóxica, com o intuito de
embriagar-se;
Culposa: ocorre quando o indivíduo, que não queria se embriagar, ingere, por
imprudência, álcool ou outra substância de efeitos análogos em excesso, ficando
embriagado;
9 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1986, p.220, apud
KOERNER JÚNIOR, Rolf. Op. Cit. 10
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 5 ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 1998. p.274.
29
Patológica: é aquela decorrente de enfermidade congênita existente, por exemplo, nos
filhos de alcoólatras que se ingerirem quantidade irrisória de álcool ficam em estado
de fúria. Nesse caso, pode haver a isenção ou atenuação da pena (art.26 CP);
Fortuita: é quando o agente desconhecia os efeitos da substância ingerida no seu
organismo. Pode ocorrer a exclusão da culpabilidade;
Por força maior: é quando o agente é coagido física ou moralmente a ingerir a
substância. Pode ocorrer a exclusão da culpabilidade;
Acidental: é aquela em que o indivíduo ingere substância, desconhecendo seu caráter
inebriante, ou que por reações químicas dentro do organismo, esta adquire a presente
capacidade;
Habitual: é quando o sujeito faz uso de bebidas alcoólicas e se encontra
constantemente em estado de ebriez;
Preordenada: é quando o agente embriaga-se propositalmente para o cometimento do
delito. É imputável, sendo punido com agravante (art. 61, I CP).
Todavia, há que se entender que o álcool não age da mesma maneira em todas as
pessoas, pois cada indivíduo reage de uma maneira diferente à mesma quantidade de álcool
ingerida.
2.1.4.2 – A absorção do álcool pelo organismo, suas reações físicas e suas implicações
para o ato de dirigir
De acordo com as lições de Genival Veloso França:
Uma pequena parcela do álcool introduzido no organismo é absorvida pela
mucosa da boca, entretanto, a grande maioria é absorvida pelo estômago e
intestino delgado, e daí vai para a circulação sanguínea. O processo de
absorção do álcool é relativamente rápido, aproximadamente 90% em uma
hora.11
Já o processo de eliminação não ocorre com tanta rapidez, demora de seis a oito horas,
sendo feita 90% através do fígado, 8% pela respiração e 2% pela transpiração. 12
11
FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 5 ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 1988. p.274 12
SOUZA, Avelino José de. Beber e dirigir. Disponível em: WWW.historiaeletronico.com.br/secoes/faces/3/0.html#bio.
30
É importante ressaltar que esses dados são aproximados, levando-se em consideração
uma pessoa de mais ou menos 70 quilos, uma vez que tanto os níveis e velocidades de
absorção e eliminação variam de pessoa para pessoa, e de situação para situação. A.Almeida
Júnior e J.B. de Oliveira13
citam uma série de circunstâncias que influenciam diretamente a
metabolização do álcool como: a diluição (que é o volume alcoólico da bebida ingerida, isso
quer dizer que, quanto maior for o volume alcoólico, mais rápida será a absorção); o estado de
vacuidade ou de plenitude do estômago (isso significa que, quanto mais cheio o estômago,
mais lenta será a absorção do álcool); o ritmo da ingestão (pois que, quanto mais rápida for a
ingestão, mais rápida será a absorção); e a habitualidade.
Por tudo isso, é que se explica que, muitas pessoas, acostumadas a beber, não ficam
impossibilitadas de dirigir veículo automotor com a ingestão de pequena quantidade de álcool,
agora outras sim, pois apresentam pequena resistência ao álcool.
Dessa forma, no que se refere à embriaguez, o ideal seria analisar e avaliar cada caso,
não se adotando um critério fixo de concentração de álcool no sangue para sua configuração,
uma vez que, como ficou demonstrado, cada pessoa reage de forma diferente diante de uma
mesma quantidade de álcool.
Portanto, a influência do álcool somente será diagnosticada da maneira correta, diante
do caso concreto, isto é, diante da análise das características do indivíduo, suas reações físicas
e psíquicas, seus atos, enfim, seu comportamento como um todo.
Mas, não é o que vislumbra o novo Código de Trânsito, que considerava impedida de
dirigir a pessoa com concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas por litro de
sangue. A nova redação menciona “qualquer quantidade de álcool”, pouco importando o
estado de embriaguez, basta a ingestão de álcool para ensejar a penalidade administrativa
prevista no art. 165 do CTB, estando o referido limite limitado à configuração do crime de
embriaguez ao volante.
Para melhor compreender o exposto, propõe-se uma análise da tabela abaixo em
decigramas, que explica como o metabolismo do indivíduo se altera após a ingestão de álcool.
Concentração: dg/1 Reação física Reação do motorista
2
A capacidade de realizar
problemas complexos está
Falsa estimativa de distância
e velocidade. Início do risco
13
JÚNIOR, J. B. de Oliveira Costa e JÚNIOR, A. Almeida. Lições de medicina legal, 8 ed. São Paulo: nacional
31
reduzida. Você sente uma
pequena tensão e calor.
de acidente.
5 Você está mais excitado.
Início da dificuldade de
coordenação.
A fusão ótica das imagens é
perturbada e a sensibilidade
diminuída.Risco aumentado.
6 (Este era o limite máximo
permitido por lei para
condutores de veículos).
Tempo de reação alongado.
Euforia do condutor. Risco
multiplicado por 4.
8
A memória está debilitada.
Você exagera nas coisas e
fala alto. Dificuldade
definitiva na coordenação e
julgamento.
Tempo de reação alongado.
Euforia do condutor. Risco
multiplicado por 4.
15 Você está realmente bêbado.
Sente vertigens, náuseas e
sonolência.
Reflexos mais alterados.
Diminuição da vigilância.
Condução perigosa. Risco
aumentado em 25x.
20 Você tem problemas para
falar e vê coisas duplas.
Diplopia (visão dupla).
Condução perigosíssima.
30
Você está completamente
bêbado. Não sabe o que
acontece ao seu redor.
Diplopia (visão dupla).
Condução perigosíssima.
35 a 40
Inconsciência. Respiração
reduzida. Grande risco de
causar lesões cerebrais, até
mesmo a morte.
Embriaguez profunda.
Condução impossível.
Acima de 40 Game over! O jogo acabou.
Você está morto.
Virou passageiro.
( Fonte: www.arrivealive.co.za/document/classification.pdf)
Claro que, as informações da tabela, como já afirmado, vão depender do consumo de
álcool de pessoa para pessoa. Por isso, é completamente possível que um condutor apresente
reações físicas decorrentes do consumo de álcool, sem, contudo, exteriorizar esse
comportamento no ato de dirigir. Esse entendimento será de fundamental importância para
uma melhor compreensão das alterações trazidas pela Lei 11.705/08, como a diferença entre a
infração administrativa e a criminal de embriaguez ao volante.
2.1.4.3 – Embriaguez como infração administrativa
É pertinente ao assunto proposto verificar as modificações do Código de Trânsito
trazidas recentemente pela Lei 11.705 de 19 de junho de 2008.
32
Há uma diferenciação básica que precisa ser feita desde o princípio, no que concerne à
embriaguez como infração administrativa e como infração penal de trânsito.
Conduzir veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer substância
entorpecente caracteriza uma infração administrativa, considerada gravíssima, conforme
dispõe o art. 165 do CTB e cuja pena, antes do advento da Lei 11.705/2008 era de multa
(cinco vezes) e de suspensão do direito de dirigir, tendo sido acrescentado pela nova lei que a
suspensão deve durar doze meses.
Além disso, o dispositivo prevê como medida administrativa, a retenção do veículo até
a apresentação de um condutor habilitado, bem como o recolhimento do seu documento de
habilitação.
A verificação da embriaguez de acordo com o parágrafo único do art. 165 do CTB é
feita na forma do art. 277 do mesmo Código. Anteriormente, havia a previsão legal de que
seria considerado embriagado aquele condutor que tivesse ingerido bebida a ponto de ser
constatado em seu sangue um nível de substância alcoólica superior a seis decigramas por
litro de sangue.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina – TJ/SC, com
base na legislação anterior, decidiu de forma reiterada que ainda que fosse constatado no
agente um nível superior a seis decigramas de teor alcoólico, por litro de sangue, não seria
crime se ele estivesse conduzindo o veículo normalmente, sem gerar perigo a outrem.
Assim, de acordo com o Tribunal Catarinense, nessas hipóteses seria possível, apenas,
a caracterização da infração administrativa, por ter o condutor do veículo automotor excedido
os limites fixados na lei, mais precisamente no art.276.
Então, anteriormente a concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue
comprovava o impedimento do condutor para dirigir. O que sofreu modificações com a nova
lei que não previu qualquer percentual de álcool por litro de sangue para que haja a
configuração da embriaguez, caso contrário comete infração administrativa.
Por serem recentes as alterações, ainda não há resultados precisos, julgados ou
doutrina, a esse respeito. E assim, o objetivo da nova lei é evitar que mortes desnecessárias
aconteçam e por isso, as penalidades para aqueles que dirigem embriagados foram agravadas.
33
2.1.4.4 – Embriaguez como infração penal
A embriaguez no trânsito como crime está prevista no art. 306 do CTB.
Anteriormente às alterações trazidas pela Lei, não bastava a embriaguez do condutor para
caracterizar o crime de embriaguez ao volante, se fazia também, necessário, que a sua conduta
ao volante fosse anormal, de forma a causar algum perigo para outras pessoas. Agora, com o
advento da lei 11.705/08, no referido artigo, isso não é necessário, basta que o agente conduza
o veículo automotor com concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro
de sangue, ou então sob a influência de outra substância psicoativa para que configure o
crime. Tendo em vista a intolerância da nova legislação, esta passou a ser chamada de “Lei
Seca”.
Recentemente, o desembargador Solon D’Éça Neves, do TJ/SC, teve a oportunidade
de se manifestar sobre o tema:
RECURSO CRIMINAL – HOMICÍDIO E LESÕES CORPORAIS –
PRONÚNCIA – DOLO EVENTUAL – ACIDENTE DE TRÂNSITO –
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE – AGENTE
EMBRIAGADO – EXCESSO DE VELOCIDADE EM TRECHO COM
LOMBADAS – FATO PREVISÍVEL – RECURSO PROVIDO.
Age com dolo eventual o motorista embriagado que imprime velocidade
excessiva ao veículo em trecho com lombadas, perdendo o controle do
automóvel e chocando-se contra um poste de iluminação, porquanto,
conscientemente assumiu o risco pelos danos pessoais a terceiros.
Assim, com base na jurisprudência mencionada, o agente que conduz veículo
automotor após o consumo de bebida alcoólica, age de forma consciente, assumindo o risco
de produzir um resultado danoso, razão pela qual, caso se envolva em um acidente com
vítima, a ele poderá ser imputada uma conduta dolosa (dolo eventual).
Capez, ao tratar sobre o tema, considera apropriado o rigor preceituado pela doutrina e
pela jurisprudência ao reconhecer como dolo eventual a conduta daqueles que associam álcool
e direção, aduzindo que “não poderá ocorrer mais uma vez a tão nefasta e perniciosa
impunidade, desta vez, de ébrios assassinos que, ao volante, manifestam seu desprezo pela
vida alheia e própria”.
34
Para configurar o delito de embriaguez ao volante era necessário que determinados
requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelo tipo penal fossem cumpridos, eram as
chamadas elementares do tipo, o qual serão tratados a seguir.
2.1.4.4.1 – Elementos objetivos do tipo e a natureza jurídica do delito
Os elementos objetivos do tipo eram três:
1º) Dirigir ou conduzir veículo automotor;
Consideram-se veículos automotores, segundo Damásio “automóvel, motocicleta,
motonetas, ciclomotor, trator, ônibus elétrico, caminhão, caminhão trator, caminhonete,
camioneta, micro-ônibus, motor casa e utilitários”.14
O conceito legal de veículo automotor é encontrado no anexo I do CTB, que prevê:
Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios e que
serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a
tração viária de veículos utilizados para transporte de pessoas e coisas. O
termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não
circulem sobre trilhos (ônibus elétrico).
Desse modo, o ébrio que pilota sua bicicleta (veículo de propulsão humana) ou que sai
pela via pública com sua carroça (veículo de tração animal), expondo a sua própria vida e a de
outras pessoas a perigo de dano, podendo provocar sérios acidentes, não responde pelo delito
ora em tela, pois é elemento objetivo do tipo, a figura do veículo automotor.
2º) Que a condução do veículo fosse feita em via pública;
De acordo com o anexo I do CTB, “é a superfície por onde transitam veículos, pessoas
e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central”.
Vias públicas, na definição de Fernando Capez e Victor Eduardo Rios Gonçalves “é o
local aberto a qualquer pessoa, cujo acesso seja sempre permitido e por onde seja possível a
passagem de veículo automotor (ruas, avenidas, alamedas, praças, etc.)”15
.
14
JESUS, Damásio Evangelista de. Crimes de trânsito. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.73 15
CAPEZ, Fernando; RIOS GONÇALVES, Victor Eduardo. Aspectos Criminais do Código de Trânsito
Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.45.
35
Agora, José Marcos Marrone cita exemplos que não configuram via pública, para
efeito de punição: lugar ermo, propriedade privada sem acesso ao público, pátio de posto de
combustível, pátio de bar, pátio de escola, de faculdade”16
.
Sendo assim, em regra, exige-se que pela via transitem habitualmente pessoas e
veículos, pois se de outro modo for, caracterizará lugar ermo e não será considerado “via
pública” para efeitos da incidência no crime em tela por ausência do objeto jurídico
(incolumidade pública).
3º) Que essa condução se desse de maneira anormal, expondo à perigo de dano potencial a
incolumidade de outrem (Natureza Jurídica)
A posição majoritária é de que é um crime de mera conduta e de lesão ao bem jurídico
– segurança viária. Desse modo, adotar-se-á a posição de que o crime de embriaguez ao
volante não é um crime de perigo concreto, nem de perigo abstrato, consistindo, na realidade,
em um crime de perigo à coletividade, ou seja, um crime de perigo à segurança do trânsito
como um todo.
Acrescentando mais a esse entendimento, Fernando Capez e Victor Eduardo Rios
Gonçalves, ensinam que:
O tipo exige que o agente exponha a dano potencial a incolumidade de
outrem, e, por isso, não basta que o agente se encontre embriagado, sendo
necessário que se demonstre que ele dirigia de forma anormal (zigue-zague,
contramão de direção, subindo na calçada, cruzando sinal vermelho, etc.).
Nesses casos, o bem jurídico é atingido, ou seja, a segurança viária tem seu
nível rebaixado pela conduta do agente e, assim, o delito se configura, ainda
que a conduta não tenha atingido pessoa certa e determinada. Por isso, pode-
se afirmar que o crime de embriaguez ao volante não é crime de perigo
abstrato ou concreto (à incolumidade de outrem), mas crime de efetiva lesão
ao bem jurídico (segurança viária).17
Assim, conclui-se que o crime de embriaguez ao volante é, de fato, um crime de
perigo (a coletividade) ou de lesão (ao bem jurídico protegido), que se revela na expressão
“expor a dano potencial a incolumidade de outrem”, que significa, criar uma probabilidade de
lesão ao bem jurídico protegido pela norma, maior do que a comumente aceita pelo
16
MARRONE, José M. Delitos de trânsito: Aspectos penais e processuais do CTB. 1ed. São Paulo:Atlas,98.p.64 17
CAPEZ, Fernando; RIOS GONÇALVES, Victor Eduardo. Aspectos criminais do Código de trânsito
brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.43.
36
ordenamento jurídico. Sendo assim, pratica o crime em tela, aquele que conduz veículo
automotor, em via pública, embriagado (leia-se, sob o efeito de substância alcoólica) e de
forma anormal, isto é, perigosa, pois reduz o nível de segurança das relações de trânsito, o que
por si só já é capaz de expor a perigo de dano (dano potencial) a segurança viária
(incolumidade de outrem) e, por conseguinte, configurar o delito.
2.1.4.4.2 – Elementos subjetivos do tipo
Quanto aos elementos subjetivos do tipo, para a doutrina majoritária, defendida por
doutrinadores com Fernando Capez, Rios Gonçalves, Damásio de Jesus, Luiz Flávio Gomes e
outros, são dois:
1º) O dolo, caracterizado pela vontade livre e consciente de dirigir veículo automotor após ter
ingerido substância alcoólica;
2º) Que o condutor estivesse sob a influência de álcool ou de substâncias de efeitos análogos,
de modo a exteriorizar em seus atos ao volante uma conduta anormal decorrente do consumo
dessas substâncias, isso significa que o tipo não exige a embriaguez, basta que o condutor
esteja sob a influência de álcool.
A grande questão aqui é quanto à quantidade de álcool necessária para que o agente
seja considerado sob a influência de álcool.
Como o art. 306 não tratava do assunto, ou seja, não previa um limite matemático,
como os presentes nos arts. 165 e 276 do CTB, que toleravam a presença de até 6 dg de álcool
por litro de sangue ou 0,3 mg de álcool por litro de ar alveolar expelido pelos pulmões,
surgiram, em virtude disso, duas posições. A primeira, fundamentada nos arts. 165 e 276 do
CTB, que afirmava que para a configuração do crime de embriaguez ao volante, o condutor
deveria necessariamente estar com uma concentração etílica superior a 6 dg por litro de
sangue, o que comprovaria que estava impedido de dirigir veículo automotor, do contrário a
figura seria atípica. A segunda, majoritária, entendia que a análise deveria ser feita caso a
caso, pois o tipo penal não limitava sua incidência à concentração de álcool prevista na
infração administrativa, devendo, a acusação, demonstrar que a quantidade de álcool (maior
ou menor que 6 dg) ingerida pelo agente foi capaz de lhe causar alterações psíquicas
decorrentes do consumo de substância alcoólica, como: redução da capacidade motora e de
37
raciocínio, redução da percepção, alteração do comportamento e outros sintomas. E, que
essas alterações foram capazes de causar uma direção anormal por parte do condutor, gerando
um perigo excessivo, isto é, maior que o comumente aceito nas relações de trânsito e, por
conseguinte, idôneo a lesar o bem jurídico protegido pela norma (segurança viária).
Conclui-se então que, o condutor que ingeria álcool, mas guiava seu veículo de
maneira correta, sem expor a perigo de dano a incolumidade de outrem, a segurança viária,
sem apresentar sinais de embriaguez, ou seja, sem estar sob a influência de álcool, não
praticava infração alguma; agora, aquele condutor que ingeria álcool, e guiava seu veículo de
maneira normal, sem atingir a segurança viária, mas que apresentava sinais de embriaguez,
excitação ou torpor decorrentes do consumo de álcool, isto é, estava sob a influência de
álcool, cometia a infração administrativa de embriaguez ao volante (art. 165 do CTB), mas
não a penal, por não “expor a dano potencial a incolumidade de outrem”; e por fim, aquele
que ingeria bebida alcoólica e guiava anormalmente, expondo a dano potencial a segurança
viária, subindo calçadas, trafegando na contramão, ultrapassando o sinal, ziguezagueando, aí
sim, sob a influência de álcool, praticava o crime de embriaguez ao volante (art. 306 CTB),
bem como a infração administrativa (art. 165 CTB).
2.1.4.4.3 – Consumação e tentativa
Como o crime de embriaguez ao volante trata-se de um delito de mera conduta que se
consuma com a simples lesão ao bem jurídico – segurança viária, isto é, com a mera
exposição da coletividade a perigo de dano, e nesse caso, não há de se falar em tentativa.
Se o condutor, sob a influência de álcool, conduz seu veículo em via pública de
maneira anormal ou irregular, o crime estará consumado, se não dirige de forma irregular ou
anormal, infringe apenas o art. 165 (infração administrativa de embriaguez ao volante) e não
há crime.
2.1.4.4.3.1 – A comprovação do estado de embriaguez e o procedimento em caso de
recusa do condutor em submeter-se aos exames
A comprovação de que o condutor, envolvido em acidente ou que for alvo de
fiscalização, encontra-se sob a influência de álcool será realizada através de testes de
38
alcoolemia, exames clínicos, perícias ou outro exame que, por meios técnicos e científicos,
em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
A grande novidade nesse contexto ficou por conta do art. 277, que teve seu antigo § 2º
praticamente dividido em duas partes, dando origem aos novos §§ 2º e 3º, que receberam as
seguintes redações:
§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada
pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito
admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor
apresentados pelo condutor.
§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas
no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer
dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
Desse modo, fica claro que o art. 2º, § 1º da Resolução 206/06 do CONTRAN
permanece em vigor, disciplinando o que já fora dito que, o procedimento a ser aplicado pelo
agente de trânsito para a caracterização da infração administrativa de embriaguez ao volante
com base nos “notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor” decorrentes do consumo
de bebida alcoólica apresentados pelo condutor, a serem relatados sempre de acordo com o
modo descrito no anexo da referida Resolução. Assim, pode-se afirmar que se manteve o
procedimento, aprimorando-se, todavia, a redação do dispositivo.
Já no que se refere ao novo § 3º do art. 277 do CTB faz-se um enorme esforço
interpretativo para descaracterizar a inconstitucionalidade que recai sobre o mesmo. Isso
porque, de acordo com este dispositivo, o condutor passou a ser obrigado a realizar todos os
testes, exames e demais procedimentos previstos no caput do art. 277. Além disso, dá a
entender que se o condutor recusar-se a realizar “qualquer dos procedimentos” ser-lhe-ão
aplicadas as penalidades e medidas administrativas dispostas no art. 165 do CTB.
Isso é totalmente descabível, visto que “ninguém é obrigado a produzir prova contra si
mesmo”, ferindo assim o Princípio da não auto-incriminação, além da violação do Princípio
da Presunção de Inocência.
Sendo assim, a única maneira possível e viável de se salvar o referido § 3º do efeito
nocivo da inconstitucionalidade será através de uma interpretação sistemática com o § 2º do
mesmo art. 277. Aí, sim, diante da recusa do condutor em submeter-se aos exames,
exercendo regularmente um direito que lhe é constitucionalmente garantido, caberá ao agente
39
de trânsito caracterizar a infração administrativa mediante a obtenção de outros meios de
prova em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor
apresentados pelo condutor e na forma do estabelecido na Resolução 206/06 do CONTRAN.
Também compartilham de tal entendimento, João José Leal e Rodrigo José Leal no
que tange ao fato de que havendo recusa por parte do motorista sob a influência de álcool ou
qualquer droga afim cabe ao agente de trânsito descrever detalhadamente os sinais objetivos e
indicadores do uso de bebida alcoólica antes de assumir o volante do veículo. Para tanto, ele
deverá observar os notórios sinais de embriaguez apresentados pelo condutor como: a
excitação, a fúria, o torpor, o caminhar desaprumado, a fala truncada, desconexa ou exaltada.
Nesse mesmo sentido, também se posiciona a jurisprudência, uma vez que o relator do
HC 2008.041165-4, no despacho de concessão da liminar, admitiu a possibilidade e a
validade da aplicação “das medidas administrativas – independentemente da negativa do
motorista em se submeter ao bafômetro – quando a pessoa demonstrar estar claramente sob a
influência do álcool”.
Assim, segundo esse entendimento, o condutor pode, sim, negar-se a submeter-se aos
exames, sem que por isso lhe seja imputada qualquer finalidade. No entanto, se for fato de
embriaguez patente e claramente evidenciada, o agente de trânsito estará legitimado a
produzir outras provas em direito admitidas, a fim de provar a existência de uma possível
influência de álcool através do seu relato dos fatos, testemunhas, laudo de médico plantonista,
etc. (conforme Resolução 206/06 do CONTRAN).
Portanto, ainda que elogiável a redação do § 2º, pois deixa claro que sua aplicação
restringe-se ao âmbito administrativo, não abrindo margem à dúvidas, de modo geral, as
alterações relativas à comprovação da influência de álcool configuram um verdadeiro
retrocesso, isso porque a única maneira de não se considerar completamente inconstitucional
o § 3º é através de um grande esforço interpretativo, e ainda assim, depois desse esforço,
concluir-se-á que a fórmula para constatação da embriaguez ao volante continua a mesma
daquela descrita pela Lei 11.275/06, isso quer dizer que, somente no caso de recusa do
condutor em submeter-se aos exames é que o agente de trânsito estará legitimado a lavrar o
auto de infração com base nos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor do agente,
exatamente como era antes da Lei 11.705/08, com a diferença de que antes desta não houve
casos tão gritantes de desrespeito ao direito constitucionalmente garantido.
40
Superadas as questões relativas ao âmbito administrativo, passar-se-á à análise das
novidades referentes ao crime de embriaguez ao volante e todas as suas implicações.
Feitas essas considerações, importantes para o entendimento do presente trabalho,
passa-se, no Capítulo 3, à abordagem do homicídio no trânsito e as nuances existentes entre
os institutos do dolo e da culpa.
41
CAPÍTULO III
A PRÁTICA DO HOMICÍDIO NO TRÂNSITO
Neste capítulo busca-se elencar os principais aspectos do delito de homicídio, crime
este que está inserido no Código Penal como o primeiro do rol dos crimes praticados contra a
vida. Além disso, apresentar os elementos subjetivos do tipo penal, mais especificadamente a
culpa consciente e o dolo eventual.
3.1 – Homicídio
O delito de homicídio é um crime que ocorre com bastante frequência nas sociedades,
sempre causando muita repercussão por atentar contra a vida de um ser humano.
Este delito está inserido no art. 121 caput do Código Penal Brasileiro que prevê como
conduta típica: “Matar Alguém”, estabelecendo como sanção para essa prática a pena de
reclusão de 6 a 20 anos.
O conceito deste crime é de fácil compreensão, uma vez que consiste na morte de uma
pessoa, provocada por outra.
Sua tipificação penal não inclui apenas os crimes dolosos, mas também a modalidade
culposa. É o que dispõe o parágrafo 3º do referido art. 121 CP, que trata do homicídio
culposo, prevendo a pena de detenção de 1 a 3 anos.
Para haver crime é necessária então uma conduta dolosa ou culposa que se encontra
como um dos elementos do fato típico. O dolo e a culpa são definidos pela doutrina como os
elementos subjetivos do crime e se encontram tipificados pelo Código Penal no art.18
Art.18 – Diz-se o crime:
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-
lo;
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,
negligência ou imperícia.
Sabe-se que o maior bem jurídico tutelado pela norma penal é a vida, motivo pelo qual
é plausível que se puna severamente quem atenta contra esse bem.
42
O crime de homicídio tem sua consumação com a morte da vítima, daí porque a
importância de se analisar o conceito de morte.
Para Júnior “ocorre a morte, não só com o silêncio cerebral, mas concomitantemente
com a parada circulatória e respiratória, em caráter definitivo”.e
Assim, será diagnosticada a morte após a cessação do funcionamento cerebral,
circulatório e respiratório.
Capez18
, outrossim, explica que o critério proposto pela medicina legal é chamado de
morte encefálica, em razão da Lei 9.434/97, que regula a retirada e o transplante de tecidos,
órgãos e partes do corpo humano, com fins terapêuticos e científicos.
Feita essa constatação, é importante ressaltar que o crime de homicídio, como é
evidente, também pode ser cometido no trânsito, que é objeto do presente trabalho.
Tanto é assim que o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 302 preceitua:
Art. 302 – Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas de detenção, de 2 a 4 anos, e suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Verifica-se, portanto, que o agente que estiver na direção de veículo automotor e matar
alguém, culposamente, incidirá no disposto no art. 302 do CTB, e não no art. 121 do Código
Penal.
Versando sobre o tema, Fukassawa assevera:
Este crime é, por atropelamento de pedestre ou colisão entre veículos, sem
nenhuma sombra de dúvida, os de maior incidência dentre os chamados
crimes de trânsito. Os prejuízos e consequências deles resultantes sejam de
ordem material ou moral, são imensuráveis. [...] contam-se as vítimas mortas
e feridas, mas não se contam, estatisticamente, aquelas pessoas que ficaram
em eterno estado de abandono material e moral, e também aquelas outras
que inválidas restaram para sempre, num estranho abandono presente.19
18
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte especial. Aspectos Criminais do Código de Trânsito Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999.p.16. 19
FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de Trânsito: de acordo com a Lei 9.503/97: Código de Trânsito
Brasileiro. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p.114 e 115.
43
Como já visto anteriormente, a ocorrência de acidentes de trânsito com morte no
Brasil é imensa, mas os dados estatísticos, apesar de alarmantes, não conseguem refletir o
quanto pode atingir a vida das pessoas envolvidas direta ou indiretamente nesses infortúnios.
O bem jurídico tutelado no crime de homicídio, seja qual for o meio empregado para
se chegar ao resultado gravoso, é a vida.
Nesse sentido, Júnior assevera “que a objetividade jurídica no crime de homicídio é a
tutela da vida humana, sem distinção de idade, sexo, raça ou condição social. O direito penal
assegura um direito à vida e não sobre a vida”.20
No homicídio de trânsito, bem como nos demais crimes descritos no CTB, alguns
autores entendem que o bem jurídico vida e a integridade física são tutelados de forma
indireta. Assim ensina Damásio:
Nos delitos de trânsito, a objetividade jurídica principal pertence à
coletividade (segurança no trânsito), sendo esse o seu traço marcante. Nada
impede que se reconheça nesses delitos uma objetividade jurídica
secundária, já que a norma penal, tutelando os interesses individuais, como a
vida, a integridade física, etc.21
Assim, de forma primária, procura-se proteger a coletividade, por meio da segurança
no trânsito e, secundariamente, o homicídio causado no acidente de trânsito. Este autor
aponta que o objeto jurídico deste crime é o bem ou interesse que a norma penal tutela. É o
bem jurídico que constitui em satisfazer a vontade do homem, como a vida, a integridade
física, a honra e o patrimônio.
3.2 – Da culpa
Segundo o art. 18, II do CP é crime culposo quando o agente deu causa ao resultado
por imprudência, negligência ou imperícia. Contudo, essa definição não demonstra
suficientemente um conceito concreto, necessitando assim de uma busca doutrinária para um
melhor entendimento da modalidade culposa.
20
COSTA JÚNIOR, Paulo José. Curso de direito penal: parte especial dos costumes, das pessoas, contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. 2 ed. atual. aum. São Paulo, 1992.p.15. 21
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, 2006.p.115
44
Bitencourt conceitua culpa como “a inobservância do dever objetivo de cuidado
manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente
previsível”.22
Isso faz com que a culpa seja considerada um elemento normativo da conduta.
Dando um aprofundamento maior ao instituto em tela, Capez nos informa que:
Culpa é o elemento normativo da conduta. Culpa é assim chamada porque
sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não se sabe
se ela está ou não presente. Com efeito, os tipos se definem os crimes
culposos são, em geral abertos, portanto neles não se descreve em que
consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se em dizer: “se o crime é
culposo a pena será de [...], não descrevendo como seria a conduta. [...] Em
suma, para se saber se houve culpa ou não será sempre necessário proceder-
se a um juízo de valor, comparando a conduta do agente no caso concreto
com aquela que uma pessoa medianamente prudente teria na mesma
situação.23
De fato, ao prever crimes culposos, o Código Penal limita-se a definir que, se um
determinado resultado for atingido a título de culpa, haverá crime, sem tecer maiores detalhes
sobre a conduta típica, o que reforça o argumento da doutrina de que o importante para a
caracterização de um delito culposo não é verificar a produção de um resultado, e sim a
maneira como ele foi provocado.
Oportuna, por isso mesmo, as observações de Zaffaroni e Pierangeli:
[...] na forma que se obtém essa finalidade, viola-se um dever de cuidado, ou
seja, como diz a própria lei penal, a pessoa, por sua conduta, dá causa ao
resultado por imprudência, negligência ou imperícia. As circunstâncias de
que o tipo não individualiza a conduta culposa pela finalidade [...].24
Percebe-se, portanto, que o dever de cuidado objetivo constitui um elemento do fato
típico nos crimes culposos, justamente porque, para se aferir a presença da culpa, é preciso
averiguar se o indivíduo agiu com as cautelas necessárias, comparando a sua atitude na
situação específica àquela esperada de um homem dotado de mediana prudência e
discernimento.
Como se pode observar em todos os conceitos dados, a doutrina busca uma
complementação do que o Código Penal afirma. Em todos eles percebe-se que o agente age
22
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1. 10 ed. São Paulo, 2006.p.347. 23
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, 2005.p.205 24
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal, volume 1:parte geral / José Henrique Pierangeli. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p 435.
45
de uma maneira voluntária, mas com imprudência, negligência ou imperícia, sem a intenção
de praticar o ato, pois acharia que o incidente não iria acontecer.
3.2.1 – Elementos da culpa
Para que se caracterize uma conduta culposa é necessária a observação de alguns
elementos, que, de acordo com Damásio, são os seguintes:
a) Conduta humana voluntária, de fazer ou não fazer. No delito culposo,
porém, o agente não pretende praticar um crime, nem quer expor terceiros a
perigo de dano, mas lhe falta o dever de diligência, razão pela qual, agindo
voluntariamente, ele acaba praticando um crime não querido;
b) inobservância do cuidado objetivo, manifestada por meio da
imprudência, negligência ou imperícia. Nesse ponto, é importante ressaltar
as modalidades de culpa – imprudência, negligência e imperícia, previstas no
art. 18, II do CP. A imprudência é um agir sem a cautela necessária, ocorre
quando o condutor efetua manobra de ultrapassagem, em uma curva, sem a
necessária visibilidade à frente. A negligência, por sua vez, se manifesta
pela inércia do agente, que podendo agir para não causar ou evitar o
resultado lesivo, não o faz por preguiça, desleixo, desatenção ou
displicência, e ocorre quando o condutor do veículo não substitui os pneus
gastos pelo uso. Quanto a imperícia vem a ser a incapacidade, a falta de
conhecimentos técnicos precisos para o exercício da profissão ou arte, e
ocorre quando falta habilitação no conduzir o veículo (motorista
profissional);
c) previsibilidade objetiva, que quer dizer que, qualquer pessoa dotada de
prudência mediana deve ser capaz de prever o resultado;
d) ausência de previsão, ou seja, é necessário que o agente não tenha
previsto o resultado, mas se o agente previu a possibilidade, não estaremos
no terreno da culpa, mas do dolo, pois que a culpa é a imprevisão do
previsível;
e) resultado involuntário, que é quando o agente não deseja efetivamente
o resultado causado;
f) nexo de causalidade: é necessário que exista um nexo causal entre a
conduta humana voluntária e o resultado naturalístico, quando o crime
culposo exigir esse resultado;
g) tipicidade: para que exista um crime culposo é preciso que ele esteja
tipificado na lei.25
Portanto, o agente que agir (ação) ou deixar de agir (omissão) e ocasionar um
resultado típico, previsível ou não, porque deixou de adotar os cuidados necessários para sua
não ocorrência, age de forma culposa.
25
JESUS, Damásio E. Direito penal, 2005.p.300 e 301.
46
3.2.2 – Espécies de culpa
Existem várias espécies de culpa classificadas por diversos doutrinadores, sendo elas:
culpa inconsciente, culpa consciente ou com previsão, culpa imprópria, culpa presumida e
culpa mediata ou indireta. Porém, no presente trabalho, a que merece destaque é a culpa
consciente, pois está diretamente ligada aos crimes de homicídio decorrentes da condução
displicente de veículo automotor, e é constantemente discutida sua aplicabilidade em relação
ao dolo eventual, a qual será mais a frente discutida.
3.2.2.1 – Culpa consciente
Age nessa espécie de culpa, o agente que sabe do resultado que sua ação poderá gerar,
mas acredita verdadeiramente que não irá acontecer, pois confia em sua habilidade e acredita
que pode evitá-la.
Damásio acentua que “na culpa consciente o resultado é previsto pelo sujeito, que
espera levianamente que não ocorra ou que possa evitá-lo. É também chamada de culpa com
previsão”.26
Seguindo com a definição de culpa consciente ou com previsão, Luiz Régis Prado
(2008, p.331)27
ensina que o autor prevê o resultado como possível, mas espera que não
ocorra. Há efetiva previsão do resultado, sem a aceitação do risco de sua produção (confia que
o evento não sobrevirá). Sem dúvida, há uma consciente violação do cuidado objetivo. A
previsibilidade no delito de ação culposa se acha na culpabilidade e não no tipo de injusto.
Entende-se assim, que na culpa consciente, o autor prevê o resultado, mas acredita que
este não ocorra, pois acredita que de alguma forma possa evitar o resultado previsto; diferente
do dolo eventual, no qual o autor prevê o resultado, sabe que sua conduta poderá gerar um
dano ao bem jurídico e mesmo assim assume o risco, não se importando com o que possa
ocorrer.
26
JESUS, Damásio E. Direito penal, 2005.p.301. 27
PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal, parte geral: arts 1 ao 120. Vol. 1. 8 ed. revista atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.p.331.
47
3.2.2.2 – Culpa inconsciente
Nessa espécie de culpa, o agente não prevê ou desconhece o resultado que sua conduta
poderá causar, por mais perigosa que seja sua conduta. Assim, diferenciando da culpa
consciente, pois como o próprio nome diz, o autor sabe, prevê, ou em outras palavras, tem
plena ciência do resultado que sua conduta poderá gerar, porém acredita fielmente que poderá
evitá-lo.
Para Damásio “na culpa inconsciente o resultado não é previsto pelo agente, embora
previsível. É a culpa comum, que se manifesta pela imprudência, negligência ou imperícia”.28
Nesse caso, o agente realiza uma conduta sem a previsão de que o resultado lesivo
possa ocorrer. Essa possibilidade de obtenção de um resultado, aliás, nem sequer passa pelo
pensamento do autor.
3.3 – Do dolo
Após discorrer sobre a culpa e suas espécies, este tópico tratará do dolo, que também é
um dos elementos subjetivos do crime de homicídio. Como já mencionado, sem a presença
de dolo ou culpa, não há infração penal.
O dolo pode ser conceituado como a vontade de concretizar os elementos objetivos do
tipo, ou seja,é a consciência e a vontade da realização de uma conduta descrita como tipo.
O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 18, inciso I, dispõe que é considerado doloso
o crime quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.
A doutrina acentua que é inerente ao dolo a consciência da ilicitude do fato, sendo
consciência e voluntariedade do fato conhecido como contrário ao dever.
Ainda no que tange ao tipo penal doloso, Welsel e Zaffaroni, apud Rogério Greco
(2010, p.51), conceitua dolo da seguinte maneira:
Dolo é a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo
penal incriminador. Conforme preleciona Welsel, “toda ação consciente é
conduzida pela decisão da ação, quer dizer, pela consciência do que se quer
– o momento intelectual – e pela decisão a respeito de querer realizá-lo – o
momento volitivo. Ambos os momentos, conjuntamente, como fatores
28
JESUS, Damásio E. Direito penal, 2005.p.301.
48
configuradores de uma ação típica real, formam o dolo (= dolo do tipo)”; ou,
ainda, na lição de Zaffaroni, “dolo é uma vontade determinada que, como
qualquer vontade, pressupõe um conhecimento determinado”. Assim,
podemos perceber que o dolo é formado por um elemento intelectual e um
elemento volitivo.29
Diante dessa visão percebe-se que dolo nada mais é do que a vontade livre e
consciente do agente praticar uma ação lesiva ao bem jurídico tutelado.
3.3.1 – Elementos do dolo
O dolo, de acordo com entendimento generalizado na doutrina, apresenta dois
componentes subjetivos: um intelectivo e o outro volitivo. Esses componentes do dolo são
assim definidos por Leal: “
[...] podemos dizer que o elemento intelectivo consiste na
consciência da conduta e do resultado, além da relação causal entre uma e outra, enquanto que
o elemento volitivo consiste na vontade de praticar tanto a conduta quanto o resultado.”30
Os elementos do dolo, segundo o doutrinador Damásio31
, são os seguintes:
a) consciência da conduta e do resultado: o objetivo que o sujeito deseja
alcançar;
b) consciência da relação causal objetiva entre a conduta e o resultado: os
meios que emprega para isso;
c) vontade de realizar a conduta e produzir o resultado: as consequências
secundárias que estão necessariamente vinculadas com o emprego dos
meios.
Compreende-se então, que tanto a vontade (querer, assumir ou admitir), quanto o
consentimento (previsão) são elementos que configuram o dolo.
29
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, arts 1 ao 120 do CP, vol. 1, 12 ed. revista, ampliada e atualizada. Niterói: Impetus, 2010. 30
LEAL, João José. Direito penal geral, 2004.p.241. 31
JESUS, Damásio E. Direito penal, 2005.p.289.
49
3.3.2 – Teorias do dolo
São três as teorias que estabelecem o conteúdo de dolo: a da vontade, a da
representação e a do assentimento.
Para a teoria da vontade, age dolosamente quem pratica a ação consciente e
voluntariamente.
Já para a teoria da representação, o dolo é a simples previsão do resultado, embora não
se negue a existência de vontade na ação. Argumenta-se que a simples previsão do resultado,
sem a vontade efetivamente exercida na ação, nada representa. Portanto, a representação já
está prevista na teoria da vontade.
Por fim, para a teoria do assentimento, também denominada do consentimento, faz
parte do dolo a previsão do resultado a que o agente adere, não sendo necessário que ele o
queira. E assim, para essa teoria existe dolo simplesmente quando o agente consente em
causar o resultado ao praticar a conduta.
A teoria da vontade foi adotada pelo Código Penal quando dispõe na primeira parte do
artigo 18, inciso I, que “o agente quis o resultado” (dolo direto) e a teoria do consentimento na
parte final, quando preconiza “ou assumiu o risco de produzir o resultado” (dolo eventual).
3.3.3 - Espécies de dolo
Percebe-se que o dolo é a consciência e a vontade de realizar certa conduta que acaba
produzindo o resultado morte. O dolo, assim como a culpa, apresenta duas espécies em
especial, o dolo direto e o dolo indireto, sendo este último dividido entre alternativo e
eventual.
3.3.3.1 – Dolo direto
É a vontade de realizar a conduta e de produzir o resultado. Para Capez ela ocorre
quando o agente quer diretamente o resultado.
50
Damásio Evangelista de Jesus (2006, p.71) ensina que no dolo direto, o sujeito visa
certo e determinado resultado. Como por exemplo, quando o agente desfere golpes de faca na
vítima com intenção de matá-la. O dolo se projeta de forma direta no resultado morte.
Assim, tem-se como mais um exemplo de dolo direto ou determinado, o fato de que,
quando o agente, querendo matar seu desafeto, vai ao encontro dele e desfere vários tiros a
queima roupa, vindo a matá-lo. Nessa situação, o agente preencheu os elementos do dolo,
agiu com vontade e consciência do resultado que sua ação ocasionaria.
3.3.3.2 – Dolo indireto
Damásio ensina que há dolo indireto quando a vontade do sujeito não se dirige a certo
e determinado resultado. Possui duas formas: a) dolo alternativo (o agente quer produzir um
ou outro resultado, por ex: matar ou ferir); b) dolo eventual (o agente não quer produzir o
resultado, mas com sua conduta, assume o risco de fazê-lo), sendo este último, motivo de
acirradas discussões quando o assunto é homicídio praticado no trânsito.
O dolo indireto ou indeterminado, portanto, é aquele em que o agente, deseja o
resultado, entretanto, não há um querer específico na sua conduta delituosa.
3.3.4 – Dolo eventual e culpa consciente
Inúmeros acidentes de trânsito ocorridos nos últimos anos estão sendo enquadrados
como dolo eventual. Nessa categoria entraram o caso do carro Porsche em São Paulo, o caso
da nutricionista que atropelou um rapaz na Vila Madalena (SP), o caso do ex-deputado
paranaense que matou duas pessoas em Curitiba e muitos outros. Casos esses a serem
julgados pelo Tribunal do Júri, a quem compete (finalmente) dizer se efetivamente houve ou
não dolo eventual.
O motorista que conduz seu veículo em alta velocidade, só por isso já está atuando de
forma dolosa? Quem dirige embriagado, só por isso já deve ser enquadrado no dolo eventual?
Dolo eventual como já foi visto, ocorre quando o agente prevê o resultado, aceita-o
(assume o risco de produzi-lo) e atua com indiferença frente ao bem jurídico lesado. Três são
as exigências do dolo eventual: previsão do resultado, aceitação e indiferença. O dolo
51
eventual não pode ser confundido com a culpa, seja ela consciente ou inconsciente, visto que
nesta o agente não aceita o resultado, nem atua com indiferença frente ao bem jurídico.
Uma outra diferença marcante entre tais conceitos é a de que no crime culposo, o
agente se soubesse que iria matar alguém não teria prosseguido na sua ação. Já no dolo
eventual o agente, contrariamente, mesmo sabendo que pode matar alguém prossegue no seu
ato, porque esse resultado lhe é indiferente, ou seja, se ocorrer, ocorreu (tanto faz acontecer ou
não, visto que lhe é indiferente a lesão ao bem tutelado).
Então, percebe-se que, teoricamente não é complicado distinguir um instituto do outro.
Mas, na prática, no entanto, a questão não é tão simples, visto que nem sempre contamos com
provas inequívocas do dolo eventual.
Se um terceiro diz para o motorista (que está embriagado) que ele pode matar pessoas
e ele diz que “se matar, matou”, “se morrer, morreu”, sem sombra de dúvida está comprovado
o dolo eventual. Mas nem sempre, ou melhor, quase nunca, temos essa prova no processo,
daí a grande dificuldade de enquadrar tal conduta.
Agora, se enquadrada a conduta como dolosa, a competência para o julgamento do
caso é do Tribunal do Júri, pois julga os crimes dolosos contra a vida. Mas, se o juiz instrutor
não vislumbrar nenhuma pertinência em relação ao dolo eventual, cabe desde logo,
desclassificar a infração, retirando do referido Tribunal.
Havendo um mínimo de justa causa (provas), compete ao juiz proferir a decisão de
pronúncia. A pronúncia é a decisão que leva o acusado a julgamento perante o Júri, tendo o
juiz se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria
ou de participação (art.413 CPP). Depois, é da competência do Tribunal do Júri a conclusão
final, se o fato se deu mediante culpa (consciente ou inconsciente) ou dolo eventual.
Este, aliás, foi o posicionamento que fundamentou a negativa do pedido de Habeas
Corpus no HC 199.100-SP (4/8/11), pela 5ª Turma do STJ, de relatoria do ministro Jorge
Mussi.
O paciente do writ mencionado acima foi pronunciado por ter causado a morte da
vítima porque, supostamente, estando embriagado, dirigia em alta velocidade, tendo se
envolvido em acidente fatal.
52
Contemplando com os demais doutrinadores, Guilherme de Souza Nucci (2010,
p.223), discorre sobre a diferença entre dolo eventual e culpa consciente:
É tênue a linha divisória entre a culpa consciente e o dolo eventual. Em
ambos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo
eventual o agente admite a possibilidade de o evento ocorrer. Na culpa
consciente, ele acredita sinceramente que conseguirá evitar o resultado,
ainda que o tenha previsto.
Observa-se que o limite entre dolo eventual e culpa consciente é que no primeiro está
a previsão e a aceitação do resultado; o agente sabe do risco e do resultado que poderá
provocar, não quer que ocorra, mas mesmo assim assume o risco e não deixa de agir. Já no
segundo, o agente sabe do resultado que sua conduta poderá gerar, também não quer que
ocorra, mas confiante em sua astúcia não deixa de agir devido ao fato de acreditar que nada
ocorrerá, e caso aconteça, deixará de fazer.
Por fim, conclui-se que a caracterização de uma conduta ou outra pelo magistrado vai
depender do caso concreto. Percebe-se que muitas vezes o Tribunal entende que homicídio
praticado no trânsito por motorista embriagado deve ser punido de acordo com a legislação
especial, ou seja, o Código de Trânsito Brasileiro, editado com o fim de punir exclusivamente
os crimes de trânsito na modalidade culposa. Porém, em outros casos, pune o condutor do
veículo de acordo com o Código Penal, por entender que está configurado o dolo eventual na
conduta do mesmo, e assim é levado ao Tribunal do Júri.
3.3.5 – In dúbio pro reo ou in dúbio pro societate
Uma outra questão que merece atenção e destaque é quanto a aplicabilidade do
Princípio do in dúbio pro reo ou do in dúbio pro societate, no que se refere a existência de
dúvida sobre a capitulação do fato à modalidade culposa (culpa consciente) ou dolosa (dolo
eventual).
O Princípio do in dubio pro reo é um dos preceitos fundamentais do direito penal, e
consubstancia-se na presunção de que, pairando qualquer espécie de dúvida no decorrer do
processo, esta deve ser decidida de forma mais favorável ao réu.
Agora, o Princípio do in dubio pro societate teria sua aplicação na esfera penal
limitada ao momento da decisão de pronúncia, a ser aplicada exclusivamente nos crimes que
53
sigam o rito especial do Tribunal do Júri (em crimes dolosos contra a vida), que nada mais é
do que um mero juízo de admissibilidade da acusação, nos termos em que foi proposta a
denúncia.
Trata-se de princípio antagônico ao anterior, pois neste, em caso de dúvida, o
magistrado deverá optar pela medida mais grave para o réu, buscando com isto a proteção da
sociedade.
O ilustre promotor Paulo Rangel explica que a corrente majoritária afirma que:
“(...) na dúvida, diante do material probatório que lhe é apresentado, deve o
juiz decidir sempre a favor da sociedade, pronunciando o réu e o mandando
a júri, para que o conselho de sentença manifeste-se sobre a imputação feita
no libelo”, todavia, logo em seguida assume posição contrária, defendendo a
interpretação a favor do réu no caso de dúvida, pois, se há dúvida, é porque o
Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua
denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que
sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado, mandando-o a
júri, onde o sistema que impera, lamentavelmente, é o da íntima convicção.32
3.3.6 – Posição jurisprudencial em relação aos casos de homicídio praticado no trânsito
por motorista embriagado
Os homicídios praticados no trânsito por motorista embriagado sempre são de grande
repercussão, pois o condutor do veículo praticou a conduta após ter ingerido bebidas
alcoólicas, que sempre causam alterações nos reflexos de uma pessoa, e a sociedade
imediatamente clama pela condenação daquele condutor pela modalidade de dolo eventual,
pois se entende que ele assumiu o risco de produzir o resultado lesivo.
Entretanto, o STJ já se manifestou afirmando que nestes casos, mesmo diante da
embriaguez do condutor, há culpa consciente e não dolo eventual.
a RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 6 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p.441
Um dos casos trata-se de um réu que fora denunciado perante a 1ª Vara Criminal de
Florianópolis como incurso no art. 121 caput c/c art. 70, ambos do CP e art. 304 do CTB, pela
prática de homicídio na direção de veículo em estado de embriaguez. O juízo de 1º grau
32
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 6 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.p.441
54
afastou a possibilidade de dolo eventual, desclassificou as condutas imputadas para os delitos
inscritos no art. 302, parágrafo único, inciso III e art. 306, ambos da Lei 9.503/97.
Irresignado, o órgão do Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito,
pleiteando a reforma da sentença de desclassificação, pleito este que foi acatado em 2º grau,
onde a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça Catarinense reformou a decisão para
pronunciar o réu nas sanções do art. 121 caput do CP, determinando seu julgamento pelo
Tribunal do Júri.
O réu, por sua vez, apresentou Recurso Especial, dirigido ao Superior Tribunal de
Justiça, que então decidiu pela desclassificação para a modalidade culposa:
PENAL. PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS
DECLARATÓRIOS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. HOMICÍDIO.
ACIDENTE DE TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL. CULPA
CONSCIENTE. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE.
PRONÚNCIA. APLICAÇÃO DO BROCARDO IN DUBIO PRO
SOCIETATE. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DO DOLO
EVENTUAL. DÚVIDA NÃO CARACTERIZADA.
DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA QUE SE IMPÕE. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO.
Inexistente qualquer ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no
aresto impugnado, insubsistente a alegada contrariedade ao art. 619 do CPP.
A revaloração do contexto probatório firmado pelo Tribunal a quo, diferente
do reexame de provas vedado pela Súmula 7/STJ, é permitida em sede de
recurso especial.
A pronúncia do réu, em atenção ao brocardo in dúbio pro societate, exige a
presença de contexto que possa gerar dúvida a respeito da existência de dolo
eventual. Inexistente qualquer elemento mínimo a apontar para a prática de
homicídio, em acidente de trânsito, na modalidade dolo eventual, impõe-se a
desclassificação da conduta para a forma culposa.33
Noutro caso trata-se de competência originária, em que um desembargador do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul praticou homicídio na direção de veículo
automotor, em estado de embriaguez e velocidade incompatível com o local do acidente.
Denunciado pela prática do crime previsto no art. 302 do CTB, decidiu a Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PENAL – AÇÃO PENAL – CRIME DE TRÂNSITO –
HOMICÍDIO CULPOSO – MATERIALIDADE COMPROVADA PELOS
LAUDOS DO EXAME CADAVÉRICO E DO LOCAL DA
OCORRÊNCIA, BEM COMO PELA PROVA TESTEMUNHAL –
AUTORIA DEMONSTRADA EM FACE DA PRISÃO EM FLAGRANTE
33
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 705416. Relator: Min. Paulo Medina. Brasília, DF, 23 de maio de 2006.
55
– CONFIRMADAS A EMBRIAGUEZ DO DENUNCIADO E A
VELOCIDADE SUPERIOR À PERMITIDA NO LOCAL DO ACIDENTE
– OMISSÃO DE SOCORRO – OCORRÊNCIA – PROCEDÊNCIA, EM
PARTE, DA DENÚNCIA – DETENÇÃO MAJORADA DE 1/3 (TERÇO) –
SUBSTITUIÇÃO PELAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS –
DELEGAÇÃO PARA EXECUÇÃO DA PENA.
I – Em ação penal, comprovada a materialidade do crime de trânsito, pelos
laudos de exame cadavérico, do local da ocorrência e pela prova
testemunhal, do qual resultou atropelamento com vítima fatal, configura-se o
cometimento de homicídio culposo, cabendo ser imposta a condenação do
responsável pelo acidente nas penas do art. 302 da Lei nº 9.503, de 23/09/97
(CTB).
II – A autoria do crime resta demonstrada, se houve auto de prisão em
flagrante e prova de que o motorista estava dirigindo embriagado,
imprimindo velocidade superior à permitida para o local.
III – Ocorrente, na espécie, omissão de socorro (art. 302, parágrafo único,
inciso III do CTB), a pena poderá ser majorada de 1/3 (um terço).
[...]
VI – Decisão por maioria.34
Observa-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar a Ação
Penal, entendeu que a embriaguez do motorista não é causa determinante para configuração
do dolo eventual. O Código de Trânsito Brasileiro é a lei especial que regula os crimes de
trânsito e, portanto, é ela que deve ser aplicada.
De outro norte, em alguns casos o réu restou pronunciado por entender que no
momento do delito, o elemento subjetivo norteador da conduta do motorista foi o dolo
eventual, como será demonstrado a seguir.
Em um dos casos, o motorista foi denunciado como incurso na sanção dos arts. 121
caput e 129 § 2º, III c/c art. 70, todos do Código Penal, porque, na direção de veículo
automotor, sob efeito de bebida alcoólica e desenvolvendo velocidade incompatível com a via
em que transitava, teria provocado o atropelamento e morte de uma pessoa e lesões em outra.
Pronunciado, o réu interpôs Recurso em Sentido Estrito ao Tribunal de Justiça de
Minas Gerais que desclassificou o delito para a modalidade culposa, sob fundamento de não
reconhecimento da modalidade de dolo eventual nos delitos de trânsito. Inconformado com a
decisão, o Ministério Público interpôs Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça,
pugnando pelo reconhecimento de dolo eventual, sendo o recurso conhecido e provido nos
seguintes termos:
CRIMINAL. RESP. DELITO DE TRÂNSITO. PRONÚNCIA. DOLO
EVENTUAL. EXCLUSÃO PELO TRIBUNAL A QUO.
34
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ação Penal n.189. Relator: Min. Garcia Vieira, Brasília, DF, 05 de setembro de 2001.
56
GENERALIZAÇÃO. INADMISSÃO. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO.
I – É incabível a desclassificação do delito de trânsito para sua forma
culposa, ao fundamento de que, nessa modalidade de crime, não se admite a
hipótese de dolo eventual, uma vez que o agente não assume o risco de
produzir o resultado.
II – Inadmissível a generalização no sentido de que os delitos decorrentes de
acidentes de trânsito são sempre culposos. Precedentes.
III – Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do Relator.35
Deste modo, percebe-se que no Superior Tribunal de Justiça também há decisões em
que o motorista que pratica homicídio estando sob influência de álcool, é punido a título de
culpa consciente como também, em outros casos, é punido a título de dolo eventual, onde a
decisão final fica nas mãos dos jurados que compõem o Tribunal do Júri.
Outro exemplo prático de reconhecimento do dolo eventual no trânsito pelos tribunais
é quando o condutor do veículo, ao dirigir embriagado, causa um acidente com vítimas.
Sobre o tema, já se posicionou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJ/RS:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO – TRÂNSITO –
EMBRIAGUEZ – DOLO EVENTUAL – PRONÚNCIA.
O motorista que dirige veículo automotor embriagado causando a morte de
outrem, assume o risco de produzir o resultado danoso, restando
caracterizado o dolo eventual. Em elitos dessa natureza, neste momento
processual impõe-se a pronúncia, cabendo ao Tribunal do Júri julgar a
causa.36
A condução de veículo automotor em estado de embriaguez denota o descaso do
condutor do veículo com os semelhantes, daí porque a jurisprudência costuma considerar que
há, nessa hipótese, dolo eventual, pois o motorista se arrisca a produzir um resultado lesivo.
Destarte, após apresentar alguns julgados oriundos do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina e do Superior Tribunal de Justiça, nos quais os réus foram condenados pela prática
de homicídio no trânsito sob influência de álcool, na modalidade culposa ou dolosa.
35
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 719477. Rel.: Min. Gilson Dipp, Brasília, DF,
4/8/05. 36
TJ/R – SER 70003230588-3º Câmara Criminal. Rel.: Des. Danúbio Edson Franco – data da decisão 18/4/02.
57
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve por principal objetivo verificar a possibilidade da conduta
dolosa em caso de morte em acidente de trânsito em razão da embriaguez do condutor. Não
obstante, em nenhum momento teve-se a intenção de esgotar o tema, mesmo porque é um
assunto bastante complexo e que tem apresentado novas dimensões por parte dos
doutrinadores e magistrados, além de uma cobrança constante por parte da sociedade de
medidas mais severas, e assim muito há para ser discutido e aprimorado na legislação de
trânsito como um todo.
Diante dos diversos pontos analisados no decorrer deste trabalho, pode-se concluir que
a Lei 11.705/08 foi mais uma lei como tantas outras em nosso ordenamento, que surgem com
a promessa de acabar com todos os problemas, mas, após algum tempo, observa-se que são
completamente ineficazes para os fins inicialmente alardeados.
O modo verdadeiramente adequado para se reduzir às condutas criminosas, no caso
em tela, a embriaguez ao volante, é a educação, conscientização, prevenção e fiscalização
constantes.
Vislumbrou-se que os crimes de homicídio vêm ocorrendo com mais frequência no
trânsito brasileiro, e diversos fatores contribuem para isso, tais como: falta de educação dos
motoristas para o trânsito, excesso de velocidade, falta de campanhas, consumo de álcool,
entre outros fatores, que colocam o Brasil como um dos países com maior índice de violência
no trânsito.
Entretanto, o grande vilão dos acidentes de trânsito, é o consumo de álcool, que aliada
à direção de veículo automotor, acaba causando muitas mortes no trânsito. Diante dessa
problemática envolvendo o consumo de álcool, recentemente o legislador editou a Lei
11.705/08 que alterou alguns dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro, dentre os quais se
podem mencionar o índice de concentração alcoólica no sangue dos motoristas e as
penalidades impostas.
Em relação ao homicídio praticado por motorista embriagado, o legislador revogou o
inciso V do art. 302 do CTB, o que segundo alguns doutrinadores, abriu caminho para
aplicação do dolo eventual nestes casos de homicídio.
58
Entendeu-se que o homicídio deve ser considerado doloso, segundo alguns autores e
operadores do direito, porque o motorista que ingere bebidas alcoólicas e sai às ruas, já está
assumindo o risco de matar uma pessoa. Este motorista não está preocupado com o resultado
que poderá advir da sua conduta e, consequentemente, deve ser julgado pelo Tribunal do Júri,
uma vez que nestes casos deve vigorar o Princípio do in dúbio pro societate.
Por outro lado, percebeu-se que há entendimentos de que a legislação especial deva ser
aplicada, e o homicídio ser considerado culposo, sob pena de se elastecer de maneira
desmesurada o conceito de dolo eventual, uma vez que no trânsito, salvo raríssimos casos, não
há dolo na conduta do agente, pois o fato de beber e dirigir não significa que o agente esteja
assumindo o risco de matar uma pessoa.
Acerca destes dois posicionamentos, o Superior Tribunal de Justiça, bem como o STF,
já decidiram diversos casos, encontrando decisões que classificam a conduta como culposa e
outras inclinando para a conduta dolosa, na qual o condutor do veículo é pronunciado e
julgado pelo júri.
Observou-se que não é o enquadramento como dolo eventual ou culpa consciente que
vai reduzir esse número de mortos nas rodovias. Pois se assim fosse, tantas pessoas não
perderiam suas vidas por motivos tão banais, uma vez que a Lei de Crimes Hediondos trouxe
profundas alterações no crime de homicídio.
Verificou-se que, mesmo havendo a modalidade culposa no CTB, a doutrina e os
tribunais também reconhecem a figura do dolo eventual nos homicídios de trânsito.
Afinal, não se pode esquecer que o Estado tem a obrigação de resguardar a integridade
dos bens jurídicos tutelados por ele, e o bem jurídico mais importante, sem sombra de
dúvidas, é a vida.
59
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