Achados ultrassonográficos nas malformações do trato...

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einstein. 2009; 7(4 Pt 1):494-502 ARTIGO ORIGINAL Achados ultrassonográficos nas malformações do trato geniturinário: ensaio pictórico Ultrasonographic findings in genitourinary tract malformations: a pictorial essay Martha Hanemann Kim 1 , Yoshino Tamaki Sameshima 2 , Miguel José Francisco Neto 3 , Marcelo Buarque de Gusmão Funari 4 RESUMO Objetivo: Demonstrar de maneira didática os diferentes achados ultrassonográficos de diversas malformações congênitas do sistema geniturinário. Métodos: Foram estudados retrospectivamente 12 casos de pacientes que apresentavam malformações do trato geniturinário (com ou sem sintomas relacionados), detectados nos exames de ultrassonografia com aparelhos de ultrassom Phillips ATL / HDI – 5000, no período de agosto de 2007 a junho de 2009 no Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein. Resultados: Seis pacientes eram do sexo feminino e seis do sexo masculino, e as idades variaram entre algumas horas de vida até 15 anos e 9 meses. Todos foram avaliados e acompanhados pelo setor da radiologia pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein. Os casos estudados foram: dois casos de hidrocolpo um deles consequente a hímen imperfurado, um caso de estenose congênita da junção ureteropiélica, um caso de ureterocele, um caso de duplicidade do sistema coletor bilateral, um caso de rim em ferradura, um caso de divertículo de Hutch, dois casos de rim pélvico, um deles apresentando hidronefrose, um caso de rim displásico multicístico, um caso de rim policístico (forma adulta) e um caso de megaureter congênito. Conclusões: O estudo ultrassonográfico é um valioso método para a identificação precoce, muitas vezes intrauterina, dessas e de diversas outras anomalias do trato geniturinário passíveis de tratamento. Além disso, apresenta também a vantagem de não utilizar radiação ionizante, o que é de grande importância especialmente na faixa etária pediátrica. Descritores: Trato urinário/ultrassonografia; Trato urinário/ anormalidades; Sistema urogenital ABSTRACT Objective: To demonstrate didactically the different ultrasound findings of various congenital malformations of the genitourinary system. Methods: Twelve cases were retrospectively studied, comprising patients who presented with genitourinary tract malformations (with or without related symptoms), detected by ultrasound testing carried out with Phillips ATL / HDI – 5000 ultrasound equipment, during the period of August 2007 to June 2009 at the Imaging Department of the Hospital Israelita Albert Einstein. Results: Six patients were females and six were males, and ages varied from a few hours of life to 15 years and 9 months. All individuals were evaluated and accompanied by the Pediatric Radiology sector of the Hospital Israelita Albert Einstein. The study was carried out as follows: two cases of hydrocolpos, one of them a result of imperforate hymen and one a case a congenital stenosis of the ureteropyelic junction, one case of ureterocele, one case of bilateral double collection system, one case of horseshoe kidney, one case of Hutch’s diverticulum, two cases of pelvic kidney, one of them with hydronephrosis, one case of multicystic dysplastic kidney, one case of polycystic kidney (adult form), and one case of congenital megaureter. Conclusions: The ultrasonographic study is a valuable method for the early identification, often in the uterus, of these and several other treatable anomalies of the genitourinary tract. Additionally, it also presents the advantage of not using ionizing radiation, which is very significant, especially in the pediatric age group. Keywords: Urinary tract/ultrasonography; Urinary tract/abnormalities; Urogenital system INTRODUÇÃO As anomalias congênitas do trato urinário são relativa- mente frequentes e encontrados em cerca de 3 a 4% da população (1-2) . A incidência de anomalias do trato urinário detectadas em estudos ultrassonográficos pré- natais de rotina varia, em diferentes instituições, de 1 para 154 gestações a 1 para 1.200 (1) . Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 1 Médica Radiologista da Divisão de Ultrassonografia do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 2 Médica Radiologista da Divisão de Ultrassonografia do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 3 Doutor, Coordenador do Serviço de Ultrassonografia do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 4 Doutor, Chefe do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. Autor correspondente: Martha Hanemann Kim – Rua Prefeito Prestes Maia, 247 – Vila Zampol – CEP 09424-310 – Ribeirão Pires (SP), Brasil – Tel.: 11 4827-5601 – e-mail: [email protected] Data de submissão: 20/3/2009 – Data de aceite: 26/10/2009

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einstein. 2009; 7(4 Pt 1):494-502

Artigo originAl

Achados ultrassonográficos nas malformações do trato geniturinário: ensaio pictórico

Ultrasonographic findings in genitourinary tract malformations: a pictorial essayMartha Hanemann Kim1, Yoshino Tamaki Sameshima2,

Miguel José Francisco Neto3, Marcelo Buarque de Gusmão Funari4

rESUMoobjetivo: Demonstrar de maneira didática os diferentes achados ultrassonográficos de diversas malformações congênitas do sistema geniturinário. Métodos: Foram estudados retrospectivamente 12 casos de pacientes que apresentavam malformações do trato geniturinário (com ou sem sintomas relacionados), detectados nos exames de ultrassonografia com aparelhos de ultrassom Phillips ATL / HDI – 5000, no período de agosto de 2007 a junho de 2009 no Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein. resultados: Seis pacientes eram do sexo feminino e seis do sexo masculino, e as idades variaram entre algumas horas de vida até 15 anos e 9 meses. Todos foram avaliados e acompanhados pelo setor da radiologia pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein. Os casos estudados foram: dois casos de hidrocolpo um deles consequente a hímen imperfurado, um caso de estenose congênita da junção ureteropiélica, um caso de ureterocele, um caso de duplicidade do sistema coletor bilateral, um caso de rim em ferradura, um caso de divertículo de Hutch, dois casos de rim pélvico, um deles apresentando hidronefrose, um caso de rim displásico multicístico, um caso de rim policístico (forma adulta) e um caso de megaureter congênito. Conclusões: O estudo ultrassonográfico é um valioso método para a identificação precoce, muitas vezes intrauterina, dessas e de diversas outras anomalias do trato geniturinário passíveis de tratamento. Além disso, apresenta também a vantagem de não utilizar radiação ionizante, o que é de grande importância especialmente na faixa etária pediátrica.

Descritores: Trato urinário/ultrassonografia; Trato urinário/anormalidades; Sistema urogenital

ABStrACtobjective: To demonstrate didactically the different ultrasound findings of various congenital malformations of the genitourinary system.

Methods: Twelve cases were retrospectively studied, comprising patients who presented with genitourinary tract malformations (with or without related symptoms), detected by ultrasound testing carried out with Phillips ATL / HDI – 5000 ultrasound equipment, during the period of August 2007 to June 2009 at the Imaging Department of the Hospital Israelita Albert Einstein. results: Six patients were females and six were males, and ages varied from a few hours of life to 15 years and 9 months. All individuals were evaluated and accompanied by the Pediatric Radiology sector of the Hospital Israelita Albert Einstein. The study was carried out as follows: two cases of hydrocolpos, one of them a result of imperforate hymen and one a case a congenital stenosis of the ureteropyelic junction, one case of ureterocele, one case of bilateral double collection system, one case of horseshoe kidney, one case of Hutch’s diverticulum, two cases of pelvic kidney, one of them with hydronephrosis, one case of multicystic dysplastic kidney, one case of polycystic kidney (adult form), and one case of congenital megaureter. Conclusions: The ultrasonographic study is a valuable method for the early identification, often in the uterus, of these and several other treatable anomalies of the genitourinary tract. Additionally, it also presents the advantage of not using ionizing radiation, which is very significant, especially in the pediatric age group.

Keywords: Urinary tract/ultrasonography; Urinary tract/abnormalities; Urogenital system

introDUÇÃo As anomalias congênitas do trato urinário são relativa-mente frequentes e encontrados em cerca de 3 a 4% da população(1-2). A incidência de anomalias do trato urinário detectadas em estudos ultrassonográficos pré-natais de rotina varia, em diferentes instituições, de 1 para 154 gestações a 1 para 1.200(1).

Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.1 Médica Radiologista da Divisão de Ultrassonografia do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.2 Médica Radiologista da Divisão de Ultrassonografia do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.3 Doutor, Coordenador do Serviço de Ultrassonografia do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.4 Doutor, Chefe do Departamento de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

Autor correspondente: Martha Hanemann Kim – Rua Prefeito Prestes Maia, 247 – Vila Zampol – CEP 09424-310 – Ribeirão Pires (SP), Brasil – Tel.: 11 4827-5601 – e-mail: [email protected]

Data de submissão: 20/3/2009 – Data de aceite: 26/10/2009

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Grande parte dos casos de insuficiência renal na in-fância é atribuída a anomalias congênitas dos rins e do trato urinário.

As anomalias do trato genital e urinário podem ocorrer simultaneamente devido à inter-relação no de-senvolvimento embrionário desses dois sistemas.

O rastreamento ultrassonográfico é importante para detecção de outras anomalias associadas que po-dem indicar a presença de uma síndrome ou anomalias cromossômicas.

Deve-se ressaltar, também, a importância do estu-do ultrassonográfico dos familiares de fetos ou crianças que apresentem anomalias renais como forma de au-xílio no diagnóstico e para detectar eventuais afecções renais assintomáticas nos pais ou irmãos.

O diagnóstico precoce dessas malformações é es-sencial para o tratamento e prevenção de deterioração da função renal. O estudo ultrassonográfico tem papel fundamental nessa investigação por ser um método acessível de diagnóstico em tempo real e que dispensa o uso de radiação ionizante, um fator importante, princi-palmente nessa faixa etária pediátrica.

oBJEtiVoDemonstrar de maneira didática os diferentes achados ultrassonográficos de diversas malformações congêni-tas do sistema geniturinário para o diagnóstico preciso e precoce, auxiliando a conduta clínica.

MÉtoDoSForam estudados retrospectivamente, no Departamen-to de Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein, 12 casos de pacientes que apresentavam malformações do trato geniturinário detectados nos exames de ultrasso-nografia, realizados com aparelhos de ultrassom Phillips ATL / HDI – 5000, no período de agosto de 2007 a junho de 2009, em pacientes de ambos os sexos, com idades que variavam entre algumas horas de vida até 15 anos e 9 meses, com ou sem sintomas relacionados. Esses casos foram selecionados por apresentarem alterações típicas de cada afecção, sendo assim de interesse didático.

rESUltADoSSeis pacientes eram do sexo feminino e seis do sexo mas-culino. Todos foram avaliados e acompanhados pelo se-tor da radiologia pediátrica do Hospital Israelita Albert Einstein. Os casos estudados foram: dois casos de hidro-colpo, um deles consequente a hímen imperfurado, um caso de estenose congênita da junção ureteropiélica, um caso de ureterocele, um caso de duplicidade do sistema coletor bilateralmente, um caso de rim em ferradura,

um caso de divertículo de Hutch, dois casos de rim pél-vico, um deles apresentando hidronefrose, um caso de rim displásico multicístico, um caso de rim policístico (forma adulta) e um caso de megaureter congênito.

Caso 1: hidrocolpoP.M., sexo feminino, 15 anos e 9 meses, portadora de paralisia cerebral, realizou exame ultrassonográfico de rotina que revelou distensão líquida da cavidade vaginal sem outros achados associados (Figura 1A-D).

Figura 1A-D. Hidrocolpo em adolescente. Dilatação vaginal por conteúdo líquido anecogênico

A

B

C

DVAG: vagina

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Caso 2: hímen imperfuradoRecém-nascido de D.M., sexo feminino, 20 horas de vida, com ultrassonografia fetal realizada em outro ser-viço evidenciando formação cística interpretada como cisto ovariano.

Realizada ultrassonografia abdominal da criança logo após o nascimento para diagnóstico que eviden-ciou uma grande formação alongada de conteúdo líqui-do espesso, com finos resíduos, medindo 13,7 x 5,9 x 4,9 cm, ocupando a região mediana do abdome, estenden-do-se desde a região pélvica, na topografia vaginal, até a região mesogástrica, rechaçando e comprimindo os órgãos abdominais adjacentes (útero rechaçado para a região mesogástrica), acarretando moderada ureterohi-dronefrose bilateral (Figura 2A-D).

Figura 3. Hímen imperfurado

Figura 4. Himenotomia

Figura 5. Himenotomia com saída de material mucoide

Figura 6. Himenoplastia para tratamento do hímen imperfuradoFigura 2A-D. Volumoso hidrocolpo secundário a hímen imperfurado congênitoRD: rim direito; RE: rim esquerdo

A

B

C

D

As Figuras 3 a 6 mostram aspecto clínico da criança antes e após himenotomia, e as Figuras 7 e 8 apresen-tam o controle ultrassonográfico após a himenotomia.

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Caso 3: estenose congênita da junção ureteropiélica (JUP)A.M.M., sexo masculino, seis anos e quatro meses, rea-lizou estudo ultrassonográfico para controle de esteno-se congênita da junção ureteropiélica à direita, eviden-

Figura 7. Controle ultrassonográfico pós-himenotomiaBEX: bexiga; R: reto; VAG: vagina

Figura 8. Controle ultrassonográfico pós-himenotomia. Não se observa mais a dilatação do sistema coletor bilateralmente

RD: rim direito; RE: rim esquerdoFigura 10. Não há dilatação ureteral associadaUD: ureter direito

ciando-se acentuada dilatação do sistema pielocalicinal à direita com predomínio da dilatação piélica, notando-se afilamento do parênquima renal sem evidência de dilatação ureteral (Figuras 9A-B e 10).

Caso 4: ureteroceleRecém-nascido de I.M.I., sexo masculino, um dia de vida, ultrassonografia fetal realizada em outro serviço evidenciou ureterohidronefrose à direita. O estudo de controle pós-natal evidenciou ureterocele bilateral obs-trutiva à direita com hidronefrose a montante e não-obstrutiva à esquerda (Figura 11).

Figura 9A e B. Cortes longitudinal e transversal do rim direito demonstrando acentuada dilatação pielocalicinal com a pelve renal proeminente

A

B

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Caso 5: duplicidade do sistema coletorM.G.F.C.S., sexo feminino, um mês de vida, estudo ul-trassonográfico realizado para controle de hidronefrose evidenciou duplicação completa do sistema pielocalici-nal de ambos os rins, com ureterocele ectópica obstruti-va bilateral acarretando dilatação acentuada do grupa-mento superior de ambos os rins (Figura 12A-C).

Caso 6: anomalias de fusão renalRim em ferraduraM.A.O.S., sexo feminino, quatro anos e quatro meses, com história de infecção de repetição do trato urinário. Foi solicitada ultrassonografia para pesquisa de cicatriz renal, que evidenciou fusão dos rins pelos polos inferio-res (rim em ferradura) (Figura 13A-C).

Caso 7: divertículos da bexigaDivertículo congênito de HutchP.G.P.R., sexo masculino, quatro anos e nove meses, com história de infecção de repetição do trato urinário. Soli-citou-se ultrassonografia para controle, evidenciando-se presença de divertículo adjacente à junção ureterovesical com refluxo urinário para o seu interior (Figura 14A-B).

Caso 8: ectopia renal

Rim pélvicoRecém-nascido de M.C.S.R.P., sexo feminino, um dia de vida. Rim esquerdo não caracterizado em ultrasso-nografia fetal realizada em outro serviço. Solicitou-se ultrassonografia pós-natal de controle, que evidenciou rim esquerdo de localização pélvica (Figura 15A-B).

Figura 11. Paciente com ureterocele bilateral, obstrutivo à direita e não-obstrutivo à esquerdaUD: ureter direito; UE: ureter esquerdo; RD: rim direito; RE: rim esquerdo

Figura 12A-C. Duplicação completa do sistema coletor de ambos os rins com ureterocele ectópica obstrutiva bilateral, acarretando dilatação acentuada dos grupamentos superiores

A

B

C

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Figura 13. (A) Rim em ferradura, (B) fusão renal ao longo dos pólos inferiores, (C) DMSA comprovando a fusão

A

B

CDMSA: Ácido Dimercaptosuccínico

Figura 14. (A) Refluxo urinário para o interior do divertículo de Hutch; (B) Divertículo de Hutch adjacente à junção ureterovesical

A

BUE: ureter esquerdo; D: divertículo

Figura 15. (A) Rim esquerdo de localização pélvica; (B) loja renal esquerda ocupada por alças intestinais

A

BBEX: bexiga; UT: útero; RE: rim esquerdo

Caso 9: ectopia renalRim pélvico com hidronefroseK.R.S.S., sexo masculino, 3 meses de vida. Rim esquer-do não caracterizado em ultrassonografia fetal realizada em outro serviço. Solicitou-se ultrassonografia pós-natal de controle, que evidenciou rim esquerdo de localização pélvica com acentuada hidronefrose (Figura 16A-C).

Caso 10: rim displásico multicísticoD.A.S., sexo masculino, 3 meses de vida, ultrassonografia fetal realizada em outro serviço evidenciou massas renais. A ultrassonografia de controle demonstrou rim esquerdo com múltiplos cistos de conteúdo anecogênico e paredes finas, de variadas dimensões, sem evidência de parênqui-ma renal normal entre os mesmos (Figura 17A-B).

Caso 11: doença policística renal do adultoS.S.L., sexo feminino, seis anos e nove meses, paciente portadora de anemia falciforme, com hepatomegalia. Ul-trassonografia realizada em outro serviço evidenciou cis-tos renais bilaterais. Foi solicitada ultrassonografia para controle, evidenciando-se cistos de dimensões variadas envolvendo o córtex e a medular renal bilateralmente com áreas de parênquima normal (Figura18A-B).

Caso 12: megaureter congênitoG.T., sexo masculino, oito meses de vida, história de in-fecção do trato urinário. Foi solicitada ultrassonografia para investigação diagnóstica que evidenciou dilatação ureteral bilateral à montante de um segmento ureteral distal de calibre reduzido e rins normais (Figura19A-B).

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DiSCUSSÃoGrande parte dos casos de insuficiência renal na in-fância é atribuída a anomalias congênitas dos rins e do trato urinário. As anomalias do trato genital e urinário podem ocorrer simultaneamente devido à inter-relação no desenvolvimento embrionário desses dois sistemas. O diagnóstico precoce dessas malformações é essencial para o tratamento e prevenção de deterioração da fun-ção renal. Portanto, é de fundamental importância que o radiologista conheça os principais achados ultrasso-nográficos de cada caso para o diagnóstico preciso, per-mitindo conduta clínica e tratamento corretos.

O hidrocolpo é uma distensão da vagina por con-teúdo líquido, devido à obstrução vaginal, geralmente causada por hímen imperfurado ou atresia vaginal(3) com o acúmulo de secreção mucoide, mais raramente por septação vaginal ou cisto de Gartner. Pode estar associado a malformações de outros órgãos e sistemas, como urinário, gastrintestinal, cardiovascular.

Figura 18A e B. Cistos de dimensões variadas envolvendo o córtex e a medular renal bilateralmente com áreas de parênquima normal

A

BRD: rim direito; RE: rim esquerdo

Figura 19. (A) Dilatação ureteral bilateral à montante de um segmento ureteral distal de calibre reduzido; (B) Rins normais

A

BUD: ureter direito; BEX: bexiga; UE: ureter esquerdo

Figura 16A-C. Rim esquerdo de localização pélvica com acentuada hidronefrose

A

B

CBEX: bexiga

Figura 17A e B. Forma pelvinfundibular do rim multicístico apresentando múltiplos cistos simples de variadas dimensões, sem evidência de parênquima renal normal entre os mesmos.

RE: rim esquerdo

A

B

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O hímen imperfurado é a malformação congênita mais frequente do trato genital feminino. A ocorrên-cia isolada é a apresentação mais comum e a incidência é estimada em 0,1% das mulheres nascidas vivas(4-6). A manifestação do hímen imperfurado como massa ab-dominal no período fetal ou em neonatos é extrema-mente rara, com incidência estimada em 0,006% das nascidas vivas(5,7). A maioria dos casos permanece as-sintomática até a puberdade. As malformações associa-das são raras(5,7), e podem ser: polidactilia, malforma-ções do trato urinário, malformações gastrintestinais, malformações esqueléticas, síndromes familiares raras (McKusick-Kaufman). O estudo ultrassonográfico no período pré-natal é importante para o diagnóstico de malformações associadas e para um correto planeja-mento terapêutico.

A estenose congênita da junção ureteropiélica (JUP) é a anomalia congênita mais comum do trato urinário, estimada em 1 para 1000 casos(8). Implica na obstrução do fluxo urinário da pelve renal para o ureter e é a prin-cipal causa de hidronefrose em crianças; quando bilate-ral, pode levar à insuficiência renal. O diagnóstico pré-natal pode ser feito facilmente por ultrassonografia(8).

A ureterocele é a dilatação cística da porção intra-mural do ureter distal que pode ser uni ou bilateral(9), ocorrer em ureteres normais, duplicados ou de implan-tação ectópica. A duplicação ureteral está presente em cerca de 75% dos pacientes com ureteroceles(9-10) e é mais frequente no ureter que drena a unidade supe-rior, sendo geralmente de implantação ectópica. Está geralmente associada a importante hidronefrose dessa unidade. As ureteroceles volumosas podem obstruir o orifício ureteral contralateral e/ou o orifício uretral na região do colo vesical. Podem ser assintomáticas ou le-var à obstrução, causando infecções urinárias recorren-tes ou persistentes.

A duplicidade do sistema coletor é uma alteração frequente do trato urinário(8) e muitas vezes assintomá-tica. Pode ser completa ou incompleta, sendo esta última mais comum (1 em cada 500 pessoas)(10). Quando com-pleta, pode ocorrer obstrução do grupamento superior por uma inserção ectópica do ureter ou pela presença de ureterocele ectópica e refluxo para o grupamento inferior. O ureter que drena o grupamento superior insere-se inferior-medialmente à sua inserção habitual e o ureter que drena o grupamento inferior insere-se superior-lateralmente ao local de inserção habitual.

Das anomalias de fusão renal, o rim em ferradura é a anomalia de fusão mais comum.

Em mais de 90% dos casos, a fusão ocorre ao longo dos polos inferiores. As principais complicações envol-vidas são nefrolitíase e infecções recorrentes devido ao refluxo vesicoureteral. Pode haver associação com es-tenose da JUP e aumento no risco de desenvolvimento

de tumores. Por vezes, o diagnóstico ultrassonográfico pode ser limitado(11).

Os divertículos da bexiga (divertículo congênito de Hutch) são herniações da mucosa através da parede muscular vesical. O divertículo congênito de Hutch é classificado como primário da bexiga, ocorre na junção ureterovesical ou próximo a ela(12). Associa-se a reflu-xo vesicoureteral e a outras complicações, como a for-mação de cálculos no seu interior e a displasia epitelial com aumento do risco de desenvolvimento neoplásico.

Ectopia renal é o rim em posição anormal, sendo a localização mais frequente a posição ilíaca ou pélvica. A incidência varia de 1 em 500 a 1 em 1200 crianças. É mais frequente em meninos e mais comum do lado esquerdo(13). Pode se associar à má rotação renal. O rim pode ser displásico e sujeito a refluxo devido à in-competência da junção ureterovesical. O rim displásico multicístico não é uma doença hereditária. É causada por uma atresia ureteropiélica durante o desenvolvi-mento intrauterino.

Na forma hidronefrótica do rim multicístico, somen-te o ureter é atrésico e os cistos representam o sistema pielocalicinal. Na forma pelvinfundibular do rim mul-ticístico, a atresia envolve o ureter e a pelve renal, os múltiplos cistos representam os cálices dilatados. Ge-ralmente, é diagnosticada intraútero ou nos primeiros dias de vida. O envolvimento bilateral é incompatível com a vida. É a segunda causa mais frequente de massa abdominal em recém-nascidos(13). O tratamento é con-servador.

A doença policística renal do adulto é uma doença autossômica dominante. Pode afetar rins e fígado, ser uni ou bilateral. Caracteriza-se por cistos de dimensões variadas que envolvem o córtex e a medular renal com áreas de parênquima normal. Pode manifestar-se no recém-nascido (massa abdominal uni ou bilateral) ou somente na fase adulta (hipertensão, hematúria, insufi-ciência renal)(13). A história familiar é fator importante no diagnóstico.

O megaureter congênito é a dilatação ureteral à montante de um segmento distal, justavesical e aperis-táltico, de calibre normal ou reduzido(9,14). Usualmente, é congênito e diagnosticado na infância e o tratamento é conservador em 49% dos casos(9). É mais frequente no sexo masculino, do lado esquerdo e pode ser bilate-ral em 20% dos casos. Pode, ainda, ter associação com outras anomalias.

ConClUSÕESO estudo ultrassonográfico é um valioso método para a identificação precoce, muitas vezes intrauterina, dessas e de diversas outras anomalias do trato geniturinário passíveis de tratamento. Além disso, apresenta a vanta-

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gem de não utilizar radiação ionizante, que é de grande importância especialmente na faixa etária pediátrica.

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