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ACESSO AO EMPREGO E MERCADO DE TRABALHOFORMULAO DE POLTICAS PBLICAS NO HORIZONTE DE 2013

RELATRIO FINAL

PAULO PEDROSO (COORDENADOR) ANTNIO CASIMIRO FERREIRA ANTNIO DORNELAS ELSIO ESTANQUE MRIO CENTENO (PROJECES DE EVOLUO DO EMPREGO) LVARO NOVO (PROJECES DE EVOLUO DO EMPREGO) MARINA HENRIQUES (COLABORAO)

NOVEMBRO DE 2005

ndice

Sumrio Executivo............................................................................................................. 1 Introduo.......................................................................................................................... 9

Captulo I Uma tipologia dos problemas de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho 1.1. Os problemas de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho .................................. 11 1.2. A privao de emprego.............................................................................................. 13 1.2.1. A condio socioprofissional de jovem .......................................................... 13 1.2.2. A capacitao de desempregados ................................................................... 16 1.3. A discriminao e o preconceito................................................................................ 19 1.4. A vida na ponte entre o desemprego e o emprego ...................................................... 22 1.5. Os universos do emprego perifrico .......................................................................... 25 1.5.1. Os riscos sociais da precariedade .................................................................... 25 1.5.2. A desregulao e a concertao: vias para a gesto da flexibilidade no mercado de trabalho ............................................................................................................... 30 1.5.3. O trabalho de facto invisvel ........................................................................... 33

Captulo II O mtodo aberto de coordenao, os organismos supranacionais e as polticas de emprego 2.1. A Estratgia para o Emprego da OCDE..................................................................... 37 2.1.1 As orientaes da OCDE ................................................................................ 38 2.1.2. As recomendaes da OCDE ......................................................................... 42 2.2. A Estratgia Europeia para o Emprego ...................................................................... 46 2.2.1. A poltica social europeia antes da Estratgia Europeia para o Emprego ......... 46 2.2.2. A criao da Estratgia Europeia para o Emprego........................................... 48 2.2.3. A primeira fase da EEE: quatro pilares estruturantes das Directrizes............... 50 2.2.4. A segunda fase da EEE: trs objectivos transversais e dez Directrizes............. 52 2.2.5. A terceira fase da EEE: orientaes integradas para o crescimento e o emprego53 2.2.6. As recomendaes a Portugal sobre a aplicao da EEE ................................. 56 2.2.7. Avaliao da aplicao da EEE em Portugal com base nos indicadores comuns59 2.3. A EEE e a Estratgia para o Emprego da OCDE .......................................................... 61 2.4. Sntese e concluses..................................................................................................... 64 2.4.1. Os problemas do acesso ao emprego no quadro da EEE................................. 64 2.4.2. A aplicao da EEE em Portugal ................................................................... 65 2.4.3. Interrogaes quanto ao futuro da EEE .......................................................... 65

I

Captulo III Os diagnsticos das fragilidades do mercado de trabalho portugus e as necessidades de aco 3.1. Enquadramento macroeconmico Os dfices de produtividade............................... 69 3.2. Caracterizao da estrutura do desemprego ............................................................... 75 3.3. Estrutura empresarial................................................................................................. 82 3.4. Estrutura contratual laboral........................................................................................ 85 3.4.1. Contratos com termo e sem termo................................................................... 88 3.4.2. Emprego por conta prpria ............................................................................. 89 3.4.3. Alguns dados sobre a integrao diferencial no mercado de trabalho: trabalho atpico, trabalho informal e working poor................................................................. 92 3.5. A flexibilidade, a adaptabilidade e a flexisegurana em Portugal ............................... 99 3.5.1. A avaliao da flexibilidade pelo rigor da Legislao de Proteco do Emprego99 3.5.2. As avaliaes da adaptabilidade................................................................... 100 3.5.3. Os caminhos da flexisegurana na evoluo das relaes laborais em Portugal101 Captulo IV Polticas activas de mercado de trabalho a focalizao da interveno do servio pblico de emprego 4.1. Um nvel intermdio de despesa, com menor desenvolvimento das polticas activas 109 4.2. As medidas activas de promoo do acesso ao mercado de trabalho: a focalizao em jovens e desempregados ................................................................................................. 113 4.2.1. Os objectivos das medidas dirigidas a jovens: suprir dfices escolares, elevar o contacto com o mercado de trabalho....................................................................... 115 4.2.2. A activao de desempregados ..................................................................... 121 4.2.3. Transio desemprego-emprego: apoio aos jovens, ocupao dos desempregados, estmulo a micro-investimentos .................................................... 125 4.2.4. As zonas brancas das polticas de acesso ao mercado de trabalho.................. 129 Captulo V O mercado de trabalho em Portugal: Projeces de 2005 a 2013 5.1. Caracterizao da evoluo demogrfica ................................................................. 131 5.2. Relao entre a actividade econmica, o emprego e o desemprego .......................... 134 5.3. Projeco das principais variveis do mercado de trabalho ...................................... 136 5.4. A escolaridade e o acesso ao emprego ..................................................................... 142 5.5. Os rendimentos e a participao ao longo do ciclo de vida....................................... 142 5.6. A evoluo da populao activa por nveis de escolaridade ..................................... 143 5.7. O acesso ao emprego: a evoluo do desemprego por nveis de escolaridade........... 144

II

Captulo VI As coordenadas futuras da poltica de emprego 6.1. A insero profissional dos jovens........................................................................... 147 6.1.1. Pelo acesso universal qualificao profissional inicial de jovens ............... 148 6.1.2. Repensar os estgios profissionais ............................................................... 149 6.1.3. Fim da entrada desqualificada e precoce no mundo do trabalho ................... 150 6.1.4. Focalizao dos apoios contratao de jovens ........................................... 151 6.2. O aumento da empregabilidade dos desempregados ................................................ 152 6.2.1. Manter as taxas de cobertura........................................................................ 152 6.2.2. Ter uma resposta proporcional dimenso dos baixos nveis de escolaridade e de literacia............................................................................................................. 153 6.2.3. Certificar as aprendizagens .......................................................................... 154 6.3. O combate discriminao...................................................................................... 154 6.3.1. Majoraes efectivas no apoio ao emprego de grupos discriminados............ 155 6.3.2. Desenvolver os servios s famlias ............................................................. 156 6.4. Mecanismos de transio desemprego/emprego....................................................... 156 6.5. Os universos do emprego perifrico ........................................................................ 157 Bibliografia.................................................................................................................... 161 Anexos........................................................................................................................... 173

III

Sumrio Executivo 1. Os problemas do acesso ao emprego e ao mercado de trabalho so tratados neste relatrio em funo dos factores que mais fortemente os determinam: a privao de emprego; a vivncia de um processo de transio entre desemprego e emprego; a integrao diferencial no mercado de trabalho que resulta em empregos perifricos. privao de emprego, que tradicionalmente tem sido estudada a partir dos problemas dos jovens procura de primeiro emprego e desempregados procura de novo emprego, rene-se a considerao da situao de grupos que so vtimas de discriminao e preconceito em funo das propriedades sociais dos grupos a que pertencem, que se reflecte no funcionamento do mercado de trabalho, como o caso, nomeadamente, das mulheres e dos trabalhadores idosos. Por outro lado, sustenta-se que as prprias polticas activas de emprego e mercado de trabalho geram um grupo com problemas de acesso prprios, constitudo pelos seus beneficirios e em funo do estatuto que estas lhes conferem: estagirios; ocupados, detentores de um emprego apoiado. Considera-se que deve ser, tambm, tratado no mbito dos problemas de acesso todo o universo dos empregos perifricos, constitudos por trabalhadores que no auferem vencimentos acima do limiar de pobreza ou que vivem uma situao de precariedade laboral, ou ainda que tm uma relao de trabalho de facto, mas no de jure, como acontece com os trabalhadores ilegais e os do sector informal. As tenses no funcionamento do mercado de trabalho tm conduzido a novas formas de regulao do seu funcionamento, que desafiam as noes estabelecidas. Face ao entendimento que temos, o emprego perifrico ser aquele que implica insegurana do posto de trabalho e insegurana do estatuto social do trabalhador. Por isso, reflecte-se, finalmente, sobre as vias da flexisegurana e sobre a necessidade de afinar conceitos para destrinar flexibilidade do trabalho e precariedade social do trabalhador. 2. Prope-se uma tipologia de aces orientadas para a superao dos problemas de acesso identificados. No que diz respeito aos jovens, considera-se que estas devem orientar-se para a superao dos dfices que estes apresentam entrada no mercado de trabalho (de contacto com o mundo do trabalho, de escolarizao ou de qualificao profissional) ou para o dfice de postos de trabalho que este tenha para lhes propor. No que se refere aos desempregados, consideram-se, em primeiro lugar, as polticas dirigidas para a sua capacitao (combatendo dfices escolares e de qualificao ou as consequncias do processo de desqualificao social). Em segundo lugar, aborda-se a aco que visa a superao de factores de discriminao (agindo sobre esteretipos e preconceitos, revogando normas jurdicas discriminatrias, combatendo mecanismos sociais inigualitrios como o familialismo, desenvolvendo aces positivas de ingresso no emprego ou de combate a factores especficos de desvantagem). Em terceiro lugar, analisa-se a situao especfica dos que vivem na ponte entre desemprego e emprego, considerando que as medidas de criao de mercados de trabalho de transio devem procurar combater a perda de competncias sociais, a desvalorizao curricular ou as propriedades sociais que se associam perda de emprego na produo dos

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seus factores individuais de marginalizao. Mas sustenta-se ainda a necessidade de uma aco sobre os contextos espaciais e sociais propiciadores dessa marginalizao, como sejam os dos meios deprimidos, aos quais no chega, de facto, a informao, faltam as capacidades organizativas ou h dificuldades de obteno de financiamento adequado. Finalmente, aborda-se a precariedade social como sub-universo da ocorrncia de problemas de acesso ao mercado de trabalho, que resulta numa amputao de parte (ou da quase totalidade) do estatuto social associado ao trabalho por parte de pessoas que efectivamente trabalham, defendendo a aco dirigida para a limitao num patamar socialmente sustentvel do nvel de empregos perifricos, para a converso de empregos perifricos em empregos tpicos e para a reconsiderao da relao entre as formas perifricas e as formas tpicas de prestao de trabalho atravs de regulao legal eficaz. 3. Dentro do espao de possibilidades tericas que se abrem s polticas de emprego nacionais, h processos de participao em organizaes supranacionais que encorajam ou condicionam o desenvolvimento de certas medidas e orientaes. Em relao ao emprego, h presentemente dois processos em curso, que, alis, se interpenetram, nem sempre complementarmente, no mbito da OCDE e da UE. A estratgia da OCDE para o emprego partiu da constatao dos elevados nveis de desemprego, que considera sintomticos das dificuldades de adaptao das economias mudana e advoga, desde o incio dos anos 90 do sculo passado, polticas macroeconmica favorveis ao crescimento no-inflacionrio, incremento do know-how tecnolgico, flexibilizao do trabalho e facilitao da criao de empresas, reforo das polticas activas de mercado de trabalho, reformas na educao e na segurana social, aperfeioamento da competio nos mercados e da concorrncia internacional. Em reavaliaes recentes, esta organizao intergovernamental tem vindo a considerar aspectos sociais negligenciados no passado, como sejam as preocupaes com a precariedade, o combate ao trabalho informal ou o reconhecimento, da preocupao com o aumento das desigualdades econmicas e sociais, embora considerando-o resultante de especificidades nacionais. A Estratgia Europeia para o Emprego (EEE) surge em reaco aos resultados dos critrios de Maastricht, s disfuncionalidades da poltica social europeia e necessidade de encontrar um espao de aco que respeitasse o princpio da subsidiariedade e os problemas da base legal para a interveno comunitria no domnio do emprego. A resultante o mtodo aberto de coordenao garante orientaes comuns, avaliao inter pares e constrangimento aos governos resultante das recomendaes a cada estado-membro adoptadas em Conselho Europeu. Numa primeira fase (1997-2002), a EEE assentou em quatro pilares (empregabilidade, adaptabilidade, inovao e igualdade), mas constatou-se que a aco dos Estados-membros se concentrava no primeiro e que ou no havia objectivos quantificados ou no havia sequer planos coerentes, ou os objectivos quantificados eram apresentados nos domnios e pases que j se encontravam prximos ou acima dos objectivos comuns. A segunda fase (2003-2006) visava a simplificao do processo, reduzindo-se a alguns objectivos gerais (pleno emprego, qualidade e produtividade do trabalho, reforo da coeso e incluso sociais) e um nmero menor de directrizes, distinguindo um ciclo plurianual de elaborao e aplicao e mudando o processo poltico associado ao procedimento.2

Sumrio Executivo

Uma terceira fase foi aberta na sequncia dos relatrios Wim Kok (de 2003 e 2004), alterando as interaces entre a estratgia para o emprego e a poltica econmica, submetendo tendencialmente a primeira segunda. A comparao entre as duas estratgias aponta para que as suas principais diferenas incidam sobre o contedo e o mtodo. A propsito do primeiro constata-se a contraposio da adaptabilidade negociada (UE) flexibilizao externa do trabalho (OCDE); a relevncia da preocupao com a incluso social (para a UE); a diferena entre a tnica na moderao dos custos totais do trabalho (UE) ou na moderao salarial tout court (OCDE); a relevncia atribuda desigualdade (UE); a questo da generosidade da proteco social (OCDE). A propsito do mtodo, contrape-se o mtodo aberto de coordenao (UE) comparao clssica com um padro pr-definido (OCDE). 4. No que se refere a recomendaes a Portugal, a OCDE tem insistido na melhoria da educao, pelo aumento da escolarizao (em particular no ensino secundrio e superior), da qualidade da educao e das vertentes tecnolgicas e de formao profissional; na liberalizao de certos sectores de actividade (energia, transportes, comunicaes), na reforma das leis laborais (diminuio da proteco do emprego); na reforma da administrao pblica e do sistema fiscal e no incentivo mobilidade do trabalho. No contexto da monitorizao inter pares realizada no quadro da EEE, Portugal tem sido alvo de recomendaes que incidem reiteradamente sobre a modernizao da organizao do trabalho, o abandono escolar precoce, a aprendizagem ao longo da vida e a discriminao das mulheres no mercado de trabalho. A anlise da severidade das recomendaes a Portugal sugere, a partir dos dados do ltimo ano (2004), que no domnio dos investimentos em capital humano que incide maior crtica ao pas. 5. Ao analisar os problemas que Portugal enfrenta no domnio do emprego, registase que o pas entrou nos ltimos anos num perodo de desacelerao ou at regresso da convergncia com a UE, seja a UE-15 ou a UE-25, quer quanto ao dinamismo econmico quer quanto ao do emprego. Nesta conjuntura, apesar da baixa da inflao e do fim das desvalorizaes competitivas, continua a registar-se elevada flexibilidade salarial, tendo a evoluo dos custos unitrios do trabalho demonstrado sensibilidade ao ciclo econmico, quando o crescimento desacelerou, relativamente aos pases parceiros. A variao do emprego continuou a ter, tambm, uma forte componente cclica. 6. Portugal um dos pases que pode cumprir os objectivos de Estocolmo e de Lisboa. As taxas de emprego revelam, por outro lado, que a sua contraco nesta fase do ciclo se deve principalmente componente do emprego jovem, j que, entre os grupos tradicionalmente vtimas de discriminao no mercado de trabalho mulheres e idosos h uma tendncia para a estabilidade da taxa de emprego. 7. A taxa de desemprego est a ter uma evoluo que apresenta riscos e, embora mais baixa que a mdia da UE-15 e da UE-25, est a crescer mais rapidamente que estas, quer na taxa geral, quer no desemprego de longa durao.

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O gap entre a taxa de desemprego jovem e a de mulheres e de DLD est a acentuarse. A incidncia do desemprego por escales de habilitao indica um peso enorme da populao com ensino bsico e que quanto mais baixas so as habilitaes literrias, maior o risco de cair no desemprego de longa durao. Assim, o estudo do desemprego sugere que os jovens e os trabalhadores menos escolarizados em risco de desqualificao social so de momento as faces mais adversas do fenmeno do desemprego. 8. A relao entre o emprego tpico e o emprego perifrico tem uma evoluo histrica previsvel com o primeiro a ser quase imune conjuntura adversa e o segundo a acompanhar, com dcalage temporal o ciclo econmico. No entanto, aps um perodo de tendncia para o crescimento da proporo do emprego perifrico, pode estar-se a entrar numa nova etapa da dualizao do mercado de trabalho portugus. Nesta fase, se a tendncia que se esboa vier a confirmar-se, o emprego tpico no apenas resiste como continua a subir moderadamente, mesmo em conjuntura adversa, estando nos ltimos dois anos a registar, inclusive, uma variao positiva a um ritmo superior ao do crescimento econmico. 9. A anlise do padro de rigidez da legislao do emprego portuguesa, que tem sido salientado pelas comparaes internacionais, demonstra, por um lado, uma grande estabilidade do par flexibilidade-segurana nas ltimas duas dcadas e, por outro, que Portugal se afasta mais da mdia dos seus parceiros na proteco do despedimento individual (em regra, os despedimentos disciplinares) e se aproxima mais deles na proteco dos despedimentos colectivos (isto , por motivos econmicos, tecnolgicos ou de mercado). 10. O custo pblico do desemprego, isto , a despesa com polticas de emprego por relao riqueza do pas e por dcima da taxa de desemprego, tem uma associao com a reduo das taxas de desemprego entre pases da UE-15, no corroborando diagnsticos recorrentes (antes os contrariando). A tendncia entre os pases vai, por outro lado, para que os pases com maior incidncia com despesa de polticas passivas (protectores ou prestacionais) sejam tambm os que tm maior incidncia com medidas activas (de investimento na empregabilidade). Neste contexto, Portugal um pas com uma situao intermdia e indcios de estar a tender para o desenvolvimento mais acentuado da componente prestacional do que da que se prende com a promoo da empregabilidade, risco acrescido pelo facto de a primeira estar ligada a direitos sociais consagrados desde que no haja alterao legislativa e a segunda mais dependente da conjuntura econmica e oramental. 11. O desempenho da instituio pblica que executa as polticas activas de emprego aponta para que as polticas pblicas portuguesas estejam focalizadas nas questes clssicas do acesso ao emprego (capacitao de jovens, apoio transio desemprego-emprego e qualificao de desempregados), sendo exguas as medidas focalizadas na superao de preconceitos e discriminaes que se expressam em gaps de emprego (de mulheres e idosos) e deixando como zonas brancas da poltica activa de

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Sumrio Executivo

emprego o combate precariedade e o incentivo passagem da economia informal economia formal. 12. A insero socioprofissional de jovens incide num esforo massivo de apoio ao primeiro emprego e na superao dos dfices escolares e profissionais dos que no concluem o ensino secundrio. A resposta dirigida aos mais escolarizados deriva da ideia de que o desajustamento maior resulta das dificuldades de contacto dos jovens com o mundo do trabalho, pelo que se concentra em estgios profissionais. As medidas de formao para jovens com habilitao secundria ou superior continuam incipientes. No extremo oposto, parece poder-se intensificar e recalibrar o nvel de respostas dirigidas a jovens em situao de especial vulnerabilidade excluso social. 13. A capacitao profissional de desempregados incide em programas transversais aos nveis escolares. O ncleo central desta poltica a formao-qualificao profissional e tem-se assistido expanso de formas de combate desqualificao social. Apesar dos baixos nveis de escolaridade da populao adulta desempregada, as respostas com dimenso de recuperao escolar continuam a ter uma dimenso limitada. Os desempregados diplomados no parecem ser alvo de medidas significativas de incremento da sua empregabilidade. 14. Est a ser criado um verdadeiro mercado de transio profissional em Portugal, no plano formal. Contudo, excepto no que se refere aos jovens, este est muito concentrado em actividades meramente ocupacionais, com reduzido potencial de insero profissional aps o perodo de durao dos apoios, devendo ponderar-se as condies para a eventual expanso de apoios transio profissional de maior potencial, incluindo as medidas territorializadas e as de apoio ao emprego. No que se refere aos apoios ao emprego de jovens, face s avaliaes disponveis, deve ter-se em conta se elas podem estar a ter dois efeitos perversos. Por um lado, apoiando jovens com reduzida empregabilidade futura devido s suas baixas qualificaes e empresas que no visam investir mas apenas conter custos imediatos com mo-de-obra. Por outro, estaro a ser insensveis modulao interna ao grupo juvenil das dificuldades de emprego. H ainda que ter em conta que a escassa aplicabilidade dos apoios ao emprego nos restantes sub-universos do desemprego mulheres, idosos, DLD pode ter a ver com um alto efeito de substituio pelo recrutamento de jovens, embora seja certo que seja este ltimo o grupo mais afectado pelas quebras de emprego na conjuntura. 15. Na prxima dcada os efeitos da transio demogrfica vo repercutir-se sobre o mercado de trabalho, assistindo-se diminuio do peso dos jovens e ao aumento dos trabalhadores mais idosos. Numa primeira fase, este movimento corresponder, prev-se, a uma menor presso sobre o mercado de trabalho, devido diminuio dos efectivos de um grupo bastante exposto ao desemprego (os jovens). Mas, numa segunda fase, ter um efeito inverso, mas concentrado no outro extremo da pirmide etria, com efeitos na taxa de5

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desemprego natural, dada a tendncia para a persistncia no tempo do desemprego dos trabalhadores de grupos etrios mais elevados. 16. A evoluo econmica tem um peso determinante na situao do mercado de trabalho. Com base nos trs cenrios construdos, chega-se observao de que, a verificar-se o cenrio central, ocorrer uma desacelerao do desemprego, a estabilidade do peso do desemprego de longa durao e maior concentrao do desemprego nos nveis de escolaridade mais baixos. 17. apresentada uma estratgia para a evoluo das polticas de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho que tem em conta a evoluo das diferentes componentes e dos diferentes problemas a considerar. Em relao transio dos jovens para a vida activa sustenta-se a necessidade de alargar drasticamente a taxa de concluso do ensino secundrio e de intensificar os contactos com o mundo do trabalho, sob diversas formas, antes da sada do sistema educativo e de formao profissional inicial. Defende-se, ainda, a adopo de medidas enrgicas de combate entrada precoce e desqualificada no mercado de trabalho e a necessidade de repensar todo o dispositivo de incentivos financeiros ao emprego, em particular quando aplicado aos menores de 20 anos. No que se refere s medidas centradas no aumento da empregabilidade dos trabalhadores desempregados, sustenta-se a necessidade de prosseguir o esforo de simplificao e racionalizao e, sobretudo, de manter nveis adequados de cobertura. Considera-se urgente, por outro lado, a expanso e a melhoria da qualidade das respostas dirigidas a adultos pouco escolarizados e em risco de desqualificao social. Em particular, julga-se necessrio adoptar metas quantificadas de investimento em formao de competncias bsicas e de reconhecimento, certificao e validao de competncias adquiridas ao longo da vida. O combate discriminao no mercado de trabalho dever passar da consagrao legal (praticamente conseguida) para as medidas positivas de promoo da igualdade, ainda tmidas. A interveno neste domnio comea a montante do emprego, pelo que a expanso dos servios s famlias tem um papel essencial na criao de condies de base para uma participao equilibrada no mercado de emprego. Em diversas dimenses, os programas especficos comportam riscos de estigmatizao, pelo que se prope a adopo de condies particulares de acesso a medidas potencialmente transversais, por forma a estimular a cobertura de grupos sub-representados. A melhoria dos mecanismos de transio desemprego-emprego que se prope passa essencialmente pela reduo da concentrao destes mecanismos nas formas mais pobres em aumento da empregabilidade (como os programas ocupacionais), pelo investimento em dispositivos de apoio que confiram ao beneficirio o estatuto de trabalhador (empregos de transio) e pela necessidade de focalizar as medidas para maximizar os seus efeitos. O combate ao emprego perifrico, englobando-se neste as situaes laborais precrias, atpicas, informais e ilegais, foi perspectivado no quadro das disfuncionalidades emergentes da regulao jurdica das relaes laborais. Nessa medida, as propostas avanadas foram no sentido da correco das condies de aplicao da normatividade laboral, constituindo objectivo agregador das intervenes neste domnio, o reforo de um paradigma preventivo e promocional dos direitos laborais acompanhado de aces de

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Sumrio Executivo

fiscalizao e de proteco desses mesmos direitos. As medidas propostas assentaram numa nova abordagem das questes do acesso aos direitos laborais, especialmente dirigida aos fenmenos da atipicidade e da economia informal, onde dado especial relevo governao, preveno e monitorizao das situaes laborais.

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Introduo A abordagem que aqui se faz dos problemas de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho tem trs preocupaes. Procura-se caracterizar bem os problemas a ter em conta. Identifica-se a situao do mercado de trabalho face a eles (actual e previsvel). Finalmente, recenseiam-se as polticas activas existentes e, por comparao com o quadro de problemas definido e com a evoluo previsvel deles, desenham-se orientaes estratgicas para o futuro. No primeiro captulo clarifica-se de que se fala quando se fala de problemas de acesso, adoptando uma perspectiva integrada do acesso ao emprego e ao mercado de trabalho, em que se identificam os factores de vulnerabilidade e as respostas focalizadas no combate aos riscos a ele associados. No segundo captulo passam-se em revista as estratgias para o emprego de carcter supranacional que influenciam as polticas portuguesas. Refere-se a estratgia da OCDE e analisam-se as diferentes fases da Estratgia Europeia para o Emprego, procedendo a uma breve comparao entre elas e apresentando as recomendaes que, nesses mbitos tm vindo a ser feitas a Portugal. O terceiro captulo apoia-se em diagnsticos feitos e na considerao de informao estatstica para fazer o ponto da situao dos problemas de acesso ao emprego em Portugal na presente conjuntura econmica, numa perspectiva comparada. No quarto captulo, aps uma breve considerao de indicadores comparativos sobre os custos das polticas de mercado de trabalho, estuda-se a actividade da instituio pblica encarregue do desenvolvimento das polticas activas de emprego. O quinto captulo apresenta os resultados das projeces de evoluo das variveis fundamentais do funcionamento do mercado de trabalho, face a cenrios de evoluo econmica e demogrfica. Finalmente, o sexto captulo apresenta as orientaes estratgicas propostas para a evoluo das polticas activas de emprego nestes domnios. Este relatrio resulta de intensos debates internos da equipa, nele se procurando verter as aquisies comuns e assumindo esta, colectivamente, por isso, a sua responsabilidade. Evidentemente, na organizao do trabalho, foram designados relatores para cada ponto que no tero deixado de lhes imprimir o reconhecvel cunho da sua autoria pessoal. Beneficiou-se, alis, como era de esperar, em alguns pontos, da interaco entre o objecto do relatrio e linhas de pesquisa individual em desenvolvimento. Somos, no entanto, solidariamente responsveis pelo resultado. Esta regra tem uma excepo, como todas. Neste caso, na pessoa dos colegas Mrio Centeno e lvaro Novo que elaboraram o captulo V, leram cuidadosamente e criticaram profissionalmente os restantes, mas a quem devem ser assacados os mritos desse captulo sem se imputarem os erros ou omisses dos outros.

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Captulo I Uma tipologia dos problemas de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho 1.1. Os problemas de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho Este estudo aborda as questes do acesso ao mercado de trabalho. Trata, pois, dos problemas dos que esto excludos de alguma forma, durante algum perodo de tempo, do emprego ou das formas desejveis de o ter. Esse , alis, o raciocnio tpico das medidas de poltica activa de emprego que se foram consolidando nas ltimas dcadas. Assumindo que h problemas de acesso quando, por estatuto ou problema circunstancial, se marginalizado do mercado de trabalho, sob a forma de sada do desemprego ou dificuldade de entrada no primeiro emprego. A esta luz se produziu um razovel enviesamento destas polticas em direco sua focalizao nos problemas j depois de produzidos: jovens que, sada da escola, no entram no emprego; desempregados de longa durao. Como adiante se ver (cf. Cap. 3), a abordagem preventiva, que a Unio Europeia adoptou com a Estratgia Europeia para o Emprego procura combater esse enviesamento. Mas importa, tambm, precisar o mbito dos problemas de acesso. Com a segmentao dos mercados de trabalho tornou-se algo simplista reduzi-los relao privao de emprego versus obteno de emprego. Neste captulo procedemos a uma breve apresentao integrada dos problemas que considerarmos estarem no mbito do acesso ao emprego e ao mercado de trabalho, independentemente de eles serem como tal, hoje, tratados pelas medidas de poltica activa adoptadas em Portugal. Tem-se considerado que os problemas de acesso ao mercado de trabalho so os do desajustamento entre oferta e procura que levou produo das categorias estatsticas e sociais de jovem procura de primeiro emprego e desempregado. A anlise emprica tem vindo crescentemente a demonstrar, contudo, a existncia de grupos que pelas suas propriedades sociais so discriminados no acesso ao mercado de trabalho, pela interposio de variveis que no so, em primeira instncia, de relao com o trabalho, mas nele se repercutem. o que acontece, em particular, com as mulheres, vtimas de representaes tradicionais do seu papel social e de estruturas sociais nelas baseadas e com os idosos, que sofrem os efeitos dos esteretipos sobre o envelhecimento, tais como o da perda de capacidades e da eroso de competncias1. Esta discriminao, de natureza intersubjectiva, repercute-se em indicadores objectivos que se expressam sob a forma de gaps: menor taxa de emprego, maior taxa de desemprego, diferenas salariais, etc.

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A estes devemos acrescentar os cidados portadores de deficincia e as vtimas do racismo e da xenofobia, cuja situao no ser analisada aqui por se inserirem na problemtica da incluso social, que alvo de investigao por parte de outra equipa no mbito deste conjunto de estudos. 11

Acesso ao Emprego e Mercado de Trabalho

Quadro 1.1. Natureza dos problemas de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho, segundo as propriedades sociais dos grupos vulnerveis Problema de acesso Privao de emprego Preconceito e discriminao Propriedades sociais Jovens procura de primeiro emprego Desempregados procura de novo emprego Trabalhadores idosos Mulheres Emprego dependente de apoios Beneficirios de medidas activas que geram sociais mercados de trabalho protegidos Integrao Diferencial no mercado de trabalho Baixos salrios Trabalhadores pobres (working poor) Precariedade dos Empregos perifricos vnculos laborais Relao de Trabalhadores do sector informal da economia trabalho de facto Trabalhadores ilegais

As prprias polticas activas de emprego produziram um grupo que, se j no est totalmente fora do emprego, ainda no est totalmente dentro dele. So os trabalhadores em transio entre o desemprego e o emprego, beneficirios de medidas activas que geram mercados protegidos, empregos subsidiados, contratos temporrios, actividades ocupacionais. O funcionamento do mercado de trabalho gerou, por sua vez, para os que nele participam, formas de integrao diferencial, em que uns ocupam lugares centrais e outros se encontram numa pluralidade de situaes perifricas. Os working poor podem estar formalmente inseridos, com todos os direitos associados ao trabalho, mas auferem uma remunerao insuficiente para os imunizar da pobreza e, portanto, para conferir as garantias mnimas expectveis por parte de quem presta trabalho nas sociedades contemporneas. H zonas de interseco entre esses working poor e uma nova caracterstica estrutural induzida pela segmentao dos mercados de trabalho, a dos que tm uma insero formalmente consagrada no mercado de trabalho, mas particularmente dbil, porque est ligada a vnculos contratuais frgeis. So os trabalhadores precrios, de quem parece irrazovel dizer que no tm um problema de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho. Finalmente, h que considerar os trabalhadores inseridos no mercado de trabalho de facto mas no de jure, os trabalhadores informais, entre os quais encontramos uma diversidade de situaes que vo das formas proibidas de trabalho (como o trabalho infantil) s simples situaes de prestao de trabalho no declarado e que, por isso, no conferem nenhuma das proteces associadas ao trabalho.

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Captulo I Uma tipologia dos problemas de acesso ao emprego e mercado de trabalho

Nos pontos seguintes abordaremos cada uma das trs dimenses dos problemas de acesso identificados privao, transio, integrao diferencial reflectindo sobre as medidas de poltica que podem agir sobre os factores que as determinam. 1.2. A privao de emprego 1.2.1. A condio socioprofissional de jovem Os estudos sobre a juventude tm sublinhado que uma das caractersticas que levou autonomizao desta como categoria social foi a mutao dos modelos de socializao juvenil que se deu com a industrializao e, em particular, com a escolarizao de massas do ps-II Guerra Mundial. Substituiu-se um modelo de participao precoce no mundo dos adultos pela via da educao familiar e da entrada rpida no mercado de trabalho pelo desenvolvimento de uma instituio especializada na socializao colectiva dos jovens a escola que vivem grande parte do seu tempo com o seu grupo de pares (Grcio, 1990), tendencialmente transversal aos grupos sociais, dado o carcter crescentemente democrtico da escola pblica. Em consequncia deu-se um alongamento do perodo que medeia entre o fim da infncia e a autonomia da famlia de origem, que tradicionalmente ocorria com o casamento e o acesso profisso. Nesse perodo, que progressivamente, se prolongou por mais anos, o jovem tem j autonomia individual e intelectual, mas no conquistou autonomia social, dada a sua posio de dependncia na famlia de origem e a relao de subordinao associada a esta condio (Cruz e tal, 1984; Galland, 1991, Silva, 1999). A escolarizao de massas deu-se em perodo de grande crescimento econmico, pelo que o problema da transio profissional tendia a reduzir-se a uma frico temporria entre o fim da produo das qualificaes e o ingresso na profisso. Mas a desacelerao que se sucedeu, em particular, aos choques petrolferos, gerou um novo alongamento, desta vez do tempo de espera entre a obteno das qualificaes e o ingresso na profisso. Muitos factores se encontraram para produzir este resultado. Desde logo, tal alongamento tem impactos diferenciados segundo a diversidade social. Pois, se os jovens se encontram numa fase da vida comum, distinguem-se eixos de heterogeneidade social (Pais, 1993:35) no modo como a vivem. Tal heterogeneidade reflecte-se no acesso ao emprego e ao mercado de trabalho atravs, entre outras, de uma varivel preciosa para a sua insero profissional, a do nvel escolar que atingiram, que resulta numa primeira produo da hierarquia social futura (Bourdieu, 1980), ainda que vivida nessa fase sob a forma de expectativa. Em segundo lugar, o processo de sada da escola para o emprego, marcado pela existncia de uma dcalage entre os saberes valorizados pela escolarizao e pelo grupo de pares e os que o so pelo mundo econmico. Este desencontro tem sido alvo de incessantes reformulaes curriculares, em particular dos segmentos educativos que so concebidos como potencialmente terminais, mas nunca produziu resultados geralmente aceitveis por ambas as partes. Em diferentes experincias procurou-se aumentar o contacto com o trabalho anterior ao abandono escolar (trabalho em frias, estgios profissionais inseridos nos cursos escolares, formaes em alternncia). Em outras investiu-se na introduo de componentes mais especificamente profissionalizantes no ensino (vias profissionalizantes,

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estruturas curriculares especializadas). E, ainda, na mistura de professores com profissionais que tambm ensinam nas escolas. Em todo o caso, para estes problemas, as respostas aos problemas de acesso tm-se concentrado no afinamento de solues que diminuam os desajustamentos entre os perfis de formao de sada da educao e profissionais de entrada na profisso. O que ocorre ou, preventivamente, dentro da prpria educao, ou, sequencialmente, em processo de formao no perodo que medeia entre a escola e o emprego ou, quando adiado, aps a prpria passagem pelo emprego Este o mais conhecido dos problemas de transio, por ser aquele para o qual se vem acumulando experincia histrica considervel, uma vez que desde os anos 80 que os sistemas educativos assumiram para si a preocupao com a gesto da passagem (Vergne, 1998: 14). Em terceiro lugar, h que considerar o desajustamento entre as expectativas escolarmente geradas e as oportunidades profissionais reais. Vladimir Choubkin (1985) demonstrou bem o problema com o recurso imagem de duas pirmides invertidas: as expectativas dos jovens sada do sistema educativo dariam origem a uma pirmide com o vrtice para baixo (isto , h mais jovens com expectativas de insero no topo da pirmide social do que com expectativas intermdias e com expectativas intermdias do que com expectativas de base); a hierarquia das profisses e das oportunidades que se abrem aos jovens a oposta. Assim, h uma zona de sobreposio em que expectativas e oportunidades se encontram, uma zona de oportunidades sem procura (na base da pirmide real) e uma zona de procura sem oportunidades (no topo da mesma pirmide). Este fenmeno gera uma propenso a que haja um tempo de desemprego de expectativa, por parte dos jovens, que o tempo da reduo do seu irrealismo profissional. Um tempo que ser tanto maior quanto o for o desajustamento produzido, pelo que se desenvolveram, em particular nas ltimas dcadas, mecanismos de introduo de realismo nas expectativas profissionais dos jovens: orientao escolar e profissional; diferenciao curricular de segmentos profissionalizantes de ensino, entre outros. O funcionamento escolar gera, contudo, outro tipo de problemas. H uma tenso estrutural entre a ambio democrtica da escola prolongada universal e a ideologia meritocrtica inerente histria do desenvolvimento dos sistemas escolares. A par do crescimento da escolarizao, desenvolveram-se mecanismos de excluso interior frequncia escolar (taxas de insucesso repetidas, frequncia escolar sem progresses correlatas na aprendizagem). Estes mecanismos comeam por parecer escolares mas, muitas vezes, so simultaneamente reflexo e factor de produo de excluso social. Ou seja, uma franja de cada cohorte etria surge no mercado de trabalho, mais tarde que no passado, desmunida de alguns saberes que a socializao precoce no mundo dos adultos lhe permitiria, mas tambm marginalizada pelo grupo de pares, com problemas de auto-estima, dado que as suas dificuldades de insero foram legitimadas como falta de mrito pessoal e, ainda, desmunida dos saberes que era suposto ter obtido na escola. Este grupo, em sociedades tradicionais, tendia a ser reabsorvido pelos lugares da base social que conduziam a uma insero subordinada e desqualificada. Em rigor, pela via do trabalho infantil, esses lugares concorriam at, por vezes com a escolarizao. Mas com a mutao do trabalho na Europa e com a mutao dos valores sociais quanto ao trabalho das crianas e jovens, os que tm estas propriedades escolares tendem a encontrar-se sada da escolaridade obrigatria sem perspectivas sociais nem oportunidades profissionais. Estes no carecem apenas de qualificao, mas desde uma idade precoce, de uma segunda oportunidade de socializao. Claude Dubar pensa que ela lhes pode chegar atravs dos dispositivos ps-escolares que visam a transio profissional mas conduzem 14

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interiorizao do destino individual no mercado de trabalho secundrio (Dubar, 1987). Ou seja, que estes dispositivos podem tornar-se nas portas de entrada nos empregos perifricos, o que, no mesmo perodo em que Dubar escreveu, uma avaliao de um dispositivo francs de insero corroborava, levando os seus autores a concluir que no estamos perante um problema jovem, mas uma configurao jovem da crise da relao salarial (Mehaut et al, 1987: 169). O dilema enfrentado pelos dispositivos de transio quanto s desigualdades sociais no distinto do que historicamente enfrenta a escola. As respostas centradas na remediao escolar, no desenvolvimento pessoal, na iniciao profissional, na incluso social, no sero panaceias, mas sem elas, a vulnerabilidade marginalizao social aumenta e as ameaas coeso da resultantes crescem exponencialmente. Mas no podemos reduzir os problemas de insero profissional dos jovens ao desempenho dos sistemas escolares e interface escola-empresa. O modelo social europeu parece tambm conduzir a bloqueios que se encontram nos prprios mecanismos de funcionamento do mercado de trabalho. O sistema bismarckiano de proteco social, que, a partir da Alemanha se estendeu para o centro e o sul do continente europeu, como tem sido sucessivamente demonstrado, foi concebido para proteger o trabalhador e a sua famlia. O trabalhador, no sc. XIX era o homem ganha-po, que auferia um salrio familiar, pelo que o seu desemprego desestruturava o estatuto de toda a famlia. Assim se compreende que tenha gerado mecanismos de proteco dos trabalhadores contra a perda de emprego particularmente fortes. O sistema desequilibra-se, contudo, quando o contingente de trabalho disponvel se expande mais moderadamente, pelo acrscimo de produtividade, pelo abrandamento econmico ou por qualquer dos outros factores que levam a que a procura de trabalho supere significativamente a oferta, a clivagem entre os que esto dentro e os que esto fora do mercado de trabalho tende a acentuar-se. Ou seja, a proteco aos que chegaram ao emprego reduz as oportunidades dos que nele ingressariam, por mecanismos de redistribuio de empregos, se o fluxo emprego-desemprego fosse flexibilizado. Como os jovens contribuem mu8ito significativamente para os fluxos de entrada no mercado de trabalho, o modelo de proteco social, em pocas de contraco ou expanso moderada do emprego atinge proporcionalmente mais os jovens do que os restantes trabalhadores. Consequentemente, as medidas que combatem este problema so as que, ou geram emprego expandindo as oportunidades ou promovem efeitos de substituio, isto , levam a que sejam ocupados por jovens empregos que de outra forma o no seriam. A partir desta problematizao, prope-se uma tipologia dos problemas inerentes condio socioprofissional dos jovens privados de emprego que devem ser superados pelas medidas de poltica de mercado de trabalho. O que fazemos no quadro 1.2.

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Quadro 1.2. mbito de aco das medidas de poltica de mercado de trabalho para combater a privao de emprego de jovens Factor de privao de emprego Dfice de contacto com o trabalho mbito de aco Orientao escolar e profissional Trabalho durante as frias escolares Formaes em alternncia Estgios profissionais Dfice de escolarizao qualificao profissional e/ou de Desenvolvimento pessoal Formao pr-vocacional com certificao escolar Estruturas curriculares profissionalizantes no sistema escolar Formao profissional em alternncia com certificao escolar Cursos de formao profissional Falta de postos de trabalho Apoios ao emprego de jovens

1.2.2. A capacitao de desempregados O desemprego uma realidade estrutural dos mercados de trabalho. Segundo certas anlises inclusive necessria ao seu regular funcionamento. A histria do modelo social europeu , neste domnio, a da proteco dos desempregados, primeiro sob a forma de proteco do nvel de rendimento, progressivamente tambm pelo desenvolvimento de oportunidades de diminuio das vulnerabilidades ao desemprego e pela promoo de qualificao e oportunidades profissionais. Nos tempos do velho quase pleno emprego, que era masculino, predominantemente industrial e de carcter duradouro, o desemprego era visto como resultado do desajustamento simples dos volumes de oferta e procura, que poderia ser expandido pelo crescimento econmico, de um lado e pela migrao de mo-de-obra ou aquisio por esta das competncias necessrias ao bom desempenho dos postos de trabalho, do outro. Como o crescimento econmico acelerado se deu ao mesmo tempo que a escolarizao juvenil de massas, a par da migrao, a generalidade dos pases em crescimento ps em marcha dispositivos de formao profissional acelerada, que permitissem a aquisio dos saberes profissionais adaptados s profisses em expanso. A lgica subjacente a da superao de desajustamentos entre a oferta e a procura de trabalho, assumindo uma perspectiva adequacionista: a economia gera empregos; a

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formao prepara pessoas para os ocupar, fornecendo-lhes os saberes profissionais que lhes faltam; quando no h pessoas com esses saberes profissionais suficientes favorece-se a imigrao, quando as h em excesso, a emigrao. No perodo ureo deste modelo de formao, desenvolveram-se estruturas que formavam para as profisses de base (em expanso com o crescimento industrial e dos sectores que o sustentavam), a formao era fortemente padronizada e dirigia-se a pessoas que tinham atingido as qualificaes escolares (frequentemente reduzidas) consideradas adequadas profisso e vinham aprender o gesto profissional, de acordo com uma expresso que esteve bastante em voga. Tratava-se, para usar a expresso de Jos Arocena (1986: 127), de formao profissional e qualificante. Mas, quando o ritmo de crescimento desacelerou e o perfil de necessidades de trabalho se moveu em direco a perfis de qualificao superior, a formao subiu na escala das qualificaes e passou de um instrumento de combate ao desemprego a ser, tambm, um instrumento de promoo social dos trabalhadores, incluindo os desempregados. A formao passa a ser, para os empregados, um instrumento de promoo e, para os desempregados, de integrao profissional. Em ambos os casos se segue o raciocnio adequacionista (CEREQ, 1990): estimao mais ou menos directa das necessidades de formao detectadas na evoluo do emprego sectorial; confronto dessas necessidades com as sadas previsveis do sistema de formao; actuao no sentido da reduo das diferenas. Neste quadro, a alterao da estrutura dos postos de trabalho conduz a alteraes da oferta de formao, pelo que o perfil de exigncias entrada se foi alimentando de pessoas com inputs educativos mais elevados e os perfis de sada foram-se diversificando, abrangendo novas profisses dos servios e o domnio de novas tecnologias de informao. Tal processo, nomeadamente em sociedades que atrasaram a escolarizao de massas, leva a clivagens geracionais profundas e a que os patamares escolares que no momento da formao inicial e do primeiro emprego eram aceitveis se tornem manifestamente insuficientes. Pelo que ocorre algo similar ao que na gerao seguinte acontece a quem sai precocemente da escola e se torna imperioso o desenvolvimento de respostas de formao com uma dimenso escolar. Estas sero algo diferentes das destinadas a jovens, na medida em que a aprendizagem informal ao longo da vida pode ser reconhecida, validada e certificada, quer para efeitos profissionais quer para efeitos escolares, se forem criados e funcionarem efectivamente os dispositivos adequados a esta operao. Tais dispositivos so, alis, de grande importncia para grupos de trabalhadores pouco escolarizados, dado que esta reposta de primordial importncia para grupos de adultos pouco escolarizados (Imaginrio, 1998: 50-51). A par das dificuldades profissionais e escolares, a consolidao das desigualdades sociais no tempo e a marginalizao de certos grupos sociais em relao s oportunidades das sociedades em que esto inseridas2, originou processos de perda de aptides sociais que podemos incluir na designao comum de desqualificao social (Paugam, 1993). Tal como ocorre com os dfices escolares, estes so processos cumulativos e tornam-se em obstculos no apenas ao acesso ao mercado de trabalho ou qualificao profissional, como at s oportunidades sociais. Se o combate desqualificao social de per se, o lugar das polticas de incluso social e de mtodos de estratgias de desenvolvimento social integrado ou de desenvolvimento comunitrio, quando se finaliza sobre o mercado de trabalho, como desejavelmente deve ocorrer com parte significativa da populao em2

Um processo a que com ironia, mas acerto, j foi chamado de lutte des places que teria sucedido lutte des classes (cf. Gaulejac e Leonetti, 1994). 17

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situao de desqualificao social em idade activa e com condies de sade, deve incluir necessariamente medidas que visam suprir os dfices de qualificao por forma a reverter a tendncia para o desemprego de excluso (Wuhl, 1996; Capucha, 1998). O reconhecimento da existncia de processos de desqualificao social segmentou as respostas adequadas a pessoas sem qualificaes profissionais adequadas. Na perspectiva adequacionista da formao-qualificao, tratava-se de preparar pessoas para oportunidades pr-existentes. Na perspectiva do combate desqualificao social, o processo est centrado no empowerment dos agentes (Friedmann, 1996) e visa dot-los de instrumentos que reforcem a sua capacidade de interveno, em dimenses que transcendem o acesso profisso, embora o incluam e que visam a emancipao social em sentido amplo (Freire, 1972; Arocena, 1986; Santos Silva, 1990). Frequentemente tambm um processo que est ligado criao de oportunidades pelos e para os prprios destinatrios, pela via de iniciativas locais de desenvolvimento ou de abordagens diversas de desenvolvimento territorial e desenvolvimento social (Wuhl, 1996; Pedroso, 1997). Por isso um terreno privilegiado de intervenes territorializadas da poltica de emprego, j que h contextos espaciais propcios excluso social (Reis, 1998). As estratgias territorializadas de aco reflectem uma concepo a que chammos de formao-animao (Pedroso, 1998), por inclurem um tipo de medidas que visam dotar os agentes envolvidos de instrumentos que reforcem a sua capacidade de interveno activa na gesto dos recursos. Ou seja, o que se pretende neste quadro no uma formao de carcter estritamente profissional ou de promoo de competncias de uso individual, mas que esta constitua um elemento de uma estratgia de mobilizao de recursos para o reforo da capacidade de aco, de investimento, de descoberta e potenciao de recursos. Num certo sentido, uma formao para a gerao de emprego, por contraponto formao para a ocupao de emprego existente. De entre as intervenes de poltica de emprego sobre desempregados que visam a sua capacitao escolar, social, profissional, sem alterar, pela sua prpria existncia, o estatuto de desempregados3, pode, ento proceder-se a uma tipificao de medidas adequadas que explicitamos no quadro 1.3.

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As que o fazem sero tratadas no ponto seguinte deste captulo do relatrio.

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Quadro 1.3. mbito de aco das medidas de poltica de mercado de trabalho para a capacitao de desempregados Factor de privao de emprego Dfice de qualificao profissional mbito de aco Cursos de formao profissional

Dfice de escolarizao e qualificao Reconhecimento, validao e certificao profissional de competncias Ensino recorrente com certificao (de iniciao ou qualificao) profissional Formao profissional com certificao escolar Desqualificao social Orientao profissional Desenvolvimento pessoal Animao local Educao extra-escolar Formao com adaptao curricular

1.3. A discriminao e o preconceito O mercado de trabalho no uma realidade imune s distines sociais. Bem pelo contrrio, nele se reflectem e nele se produzem as desigualdades mais diversas. O trabalho , por outro lado, uma fonte de identidade social forte, pelo que a incluso ou excluso em relao a este marca os estatutos sociais das pessoas nas sociedades salariais (cf. Castel, 1995). As relaes sociais de sexo (Ferreira, 2003: 304-318) esto na origem de fenmenos de desigualdade e risco de discriminao das mulheres em diversas esferas da vida, entre as quais se inclui o mercado de trabalho. Trata-se das propriedades objectivas e subjectivas da relao entre sexos que operam a diferenciao e que resulta numa discriminao objectiva destas (Andr, 1999: 93). O que no quer dizer que se trate necessariamente de uma discriminao directa, mas pode tambm corresponder a um tratamento reflexo de todas as diferenas de estatuto social associadas. Se a discriminao que ocorre no mercado de trabalho um reflexo de fenmenos mais vastos, ento as aces sobre este devem estar associadas a aces mais amplas. E se ocorre discriminao, ento as aces sobre as suas vtimas devem ser complementadas por aces sobre os mecanismos discriminatrios. Na histria das polticas de igualdade de gnero tem-se assistido a um movimento que parte das vtimas para os contextos e das aces especficas para as aces transversais, de mainstreaming. Os resultados de tais aces, provavelmente a longo prazo, diminuiro a desigual distribuio do trabalho domstico e familiar, bem como as representaes de papeis19

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sociais que classificam e dividem, constroem diferenas sociais que tm tendncia a expressar-se sob a forma de criao de obstculos entrada e permanncia das mulheres no mercado de trabalho. O volume de trabalho das mulheres fora do trabalho cria, em particular, constrangimentos e tenso entre papis sociais (Perista, 1999: 69). Se certo que h uma interaco com as atitudes, no menos verdade que os diferentes regimes de proteco social tm um forte poder explicativo das variaes encontradas. Como demonstrou Esping-Andersen (1999), os regimes familialistas tendem a estar associados a baixos nveis de participao feminina no mercado de trabalho ou participao com baixos nveis de remunerao, desperdiando capital humano e, no seu desenvolvimento, encontraram-se ainda com o fenmeno do declnio da natalidade, produzindo um equilbrio social com baixas taxas de natalidade que, por sua vez, emagrece a base de financiamento dos sistemas sociais. O familialismo das mulheres (Lewis, 1992) ainda, em alguns pases como acontece em Portugal combinado com elevadas taxas de emprego femininas, reforando as presses sociais sobre a natalidade. Neste quadro, muito pode ser conseguido pela alterao dos padres de comportamento na vida familiar e por uma nova atitude em relao a esta, em particular por parte dos homens (Bjrnberg, 1998). Mas, mesmo esta, ter que ser acompanhada ou antecipada por medidas que a favoream, quer no domnio da proteco social e das leis de famlia, quer, particularmente, nas redes de prestao de servios s famlias, geradoras de novos empregos (Esping-Andersen, 1999). Combater a discriminao das mulheres no emprego agindo sobre os factores que estaro a pressionar este modelo demogrfico teria, consequentemente, um triplo efeito positivo: diminua a desigualdade social entre sexos, pela melhoria dos indicadores de emprego das mulheres; aumentava o nvel global de emprego, pelo desenvolvimento de um importante sector de servios s famlias; melhorava a natalidade, pela reduo dos factores de sobre esforo que conduziram as famlias a esta reaco adaptativa ao contexto social. A estas medidas acrescem as que podem agir para inverter a desvantagem de gnero. Por exemplo, garantia de oportunidades de acesso a educao e formao ao longo da vida ou majoraes em apoios criao de emprego. O mesmo tipo de mecanismos que explica as taxas diferenciais de emprego femininas se aplica aos trabalhadores idosos. Neste ltimo caso persistem ainda factores de discriminao legal (por exemplo, barreiras contratao de trabalhadores a partir de um certo limite etrio para a administrao pblica) e o preconceito associa-se representao do envelhecimento como processo de perda de capacidades4. Ora, no est provada a relao directa e imediata entre a idade e a produtividade. H uma combinao de factores que influenciam as performances profissionais: a diminuio do processamento de informao com o envelhecimento compensada por melhor antecipao das tarefas e pela experincia; a perda de rapidez compensada por melhor qualidade do trabalho (Huuhtanen et al, 1999: 14).4

Evidentemente que a inverso desta percepo no pode colidir com as caractersticas fsicas do envelhecimento, pelo que se trata de combater o peso do preconceito que leva a que as diferenas que efectivamente existam no sejam incorporadas, por exemplo, na adaptao de postos e condies de trabalho, que permitam neutralizar tais efeitos (Ilmarinen, 1999: 192-199).

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A adaptao familialista ao emprego de homens e mulheres est a promover, por outro lado, a passagem das actividades da esfera familiar para os idosos, constituindo forte incentivo social sada antecipada de trabalhadoras do mercado de trabalho. Por outro lado, o balano entre o custo da sada de trabalhadores, utilizando mecanismos como as reformas antecipadas e os custos diferenciais dos salrios entre pessoas de diferentes idades para trabalho de natureza prxima, por via das carreiras profissionais e dos incentivos ao emprego de trabalhadores mais jovens, desfavorvel aos idosos. Finalmente, h que ter em conta a forte diferena da estrutura de qualificaes de cada grupo etrio, em claro desfavorecimento dos trabalhadores mais idosos, tanto mais intenso quanto mais rpido seja o salto geracional que se opera. As respostas de poltica de mercado de trabalho que abordam este problema esto, ao contrrio da generalidade das outras, ainda pouco experimentadas (Drury, 1997: 57), embora estejam a ser postas em prtica medidas e programas em diversos pases (Centeno et al, 2005). A avaliao disponvel obriga-nos a ser cautelosos quanto ao seu grau de efectividade at ao momento (Samorodov, 1999). O seu desenho tem, por outro lado, que ter em conta que medidas de aplicao exclusiva comportam riscos de estigmatizao, pelo que, como sublinhou Alan Walker (1997: 135), deve ter-se cuidados especiais com elas e apostar em condies especiais no mbito de programas transversais. Uma poltica integrada de envelhecimento activo deve incluir a sensibilizao do conjunto da sociedade para o potencial de riqueza desperdiado com a perda destes trabalhadores, iniciativa centrada na inverso do preconceito. Urge, tambm, desenvolver os conhecimentos sobre o impacte do envelhecimento nos processos de trabalho, pelo que so necessrios programas de pesquisa que, com os seus resultados, ajudaro a desmistificar preconceitos e a conhecer melhor os reais problemas que carecem de respostas adequadas. Essa poltica ter igualmente que ter uma dimenso preventiva, em que a formao ao longo da vida uma pea decisiva e uma dimenso curativa que interage com as medidas de insero de desempregados, mas necessita de ter em conta os efeitos de substituio de medidas que no tenham nenhum tipo de discriminao positiva de trabalhadores mais idosos. Nestas ltimas, encontra-se o desencorajamento de prticas de reestruturao empresarial baseadas na substituio de geraes, pela reduo ou eliminao de incentivos a reformas precoces e pela manuteno ou introduo de mecanismos como as reformas parciais. Mas tambm o encorajamento activo contratao de trabalhadores idosos, por exemplo, atravs de subsdios (que podem ser isenes contributivas) sua contratao. Importa ter sempre presente que o aumento da idade formal ou real de reforma sem tocar na discriminao no emprego em funo da idade leva simplesmente condenao de mais trabalhadores idosos excluso, aos baixos salrios e eventualmente a penses de reforma mais baixas (Walker, 2001: 22). A discriminao de determinados grupos resulta em indicadores de insero no emprego diferenciados, isto , desde logo em taxas diferentes de actividade e, consequentemente, em taxas de emprego e desemprego, nveis de remuneraes e posies hierrquicas diferenciadas. Tais diferenas expressam-se em gaps, mas a sua superao no pode ser buscada por medidas apenas centradas no ponto em que eles se finalizam,

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antes ter que ser buscada nos factores que a produzem ou condicionam. Partindo das questes estudadas para a discriminao de mulheres e idosos, prope-se, no quadro 1.4, uma tipologia de medidas de aco a aplicar a grupos sociais em situao de discriminao no acesso ao mercado de trabalho. Quadro 1.4. mbito de aco das medidas de poltica de mercado de trabalho para a superao de factores de discriminao Factor de discriminao Esteretipos e preconceitos mbito de aco Aces de informao e sensibilizao Aconselhamento de responsveis de GRH Normas jurdicas Familialismo Revogao de discriminatrias empregadores e

normas

legislativas

Desenvolvimento de servios s famlias Medidas de proteco social amigas do (regresso ou manuteno do) emprego

Gap de participao

Eliminao de desincentivos legais ao trabalho Majorao de apoios criao de emprego e contratao Apoios especficos criao de emprego e contratao

Eroso de competncias

Educao e formao ao longo da vida

Especificidades (maternidade, perda de Adaptao de postos de trabalho capacidades fsicas) Adaptao da organizao do trabalho

1.4. A vida na ponte entre o desemprego e o emprego O desenvolvimento das polticas activas de emprego gerou medidas que criam um novo estatuto aos seus beneficirios, por vezes por tempos longos: o estatuto de apoiado, de pessoa que vive profissionalmente na ponte entre o emprego e o desemprego. Tal como a generalidade das pontes complexas, estas medidas so relativamente dispendiosas, pelo que h que cuidar de estudar bem onde devem surgir e que necessidades da travessia entre o desemprego e o emprego vo suprir. H, por outro lado, que recordar que a ponte um lugar de passagem fundamental porque encurta distncias e liga margens, mas um pssimo lugar para nele se despender a vida.

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Estas medidas visam ultrapassar os efeitos de factores especficos de desvantagem no acesso ao emprego. Pelo que, para alm de criarem novos empregos (que tornam mais baratos), visam substituir grupos recrutados para eles (por lhes conceder apoios especficos, que os tornam competitivos). Logo, para o sucesso de uma medida essencial que ela identifique as propriedades que delimitam o grupo em situao de desvantagem, de modo a que os recursos sejam efectivamente alocados aos seus destinatrios. Mas tambm, necessrio identificar a propriedade socialmente relevante para a produo da desvantagem, no a deixando subsumida noutras que a revestem parcialmente, mas que, assim, reduzem a focalizao adequada. Enquanto beneficirios da medida, os pblicos em desvantagem so pessoas que esto em processo de sada da privao de emprego. A ponte visa que do lado de l sejam pessoas empregadas. Mas, o que est em causa no apenas, embora seja tambm, o acesso ao emprego, a relao das pessoas com o sentido social de desempenho de um trabalho til e a gratificao pessoal que da deriva (Imaginrio et al, 1998: 50). A primeira medida de transio entre o desemprego e o emprego , assim, a recuperao da empregabilidade social, isto , a recuperao de laos com as atitudes e competncias sociais necessrias para desempenhar uma actividade com carcter contnuo. Pelo que admissvel como resposta e para os casos em que h maior perigo de perda dessas competncias ou maior necessidade de as recuperar, que a medida crie um momento de no-emprego com ocupao, um perodo em que a pessoa desempenha com continuidade as tarefas e operaes necessrias a um desempenho profissional sem ter todas as obrigaes (nem os direitos) de um trabalhador. esse o espao de actividades ocupacionais e estgios profissionais para desempregados. Os ocupados e os estagirios no so trabalhadores mas trabalham, (re)tomam contacto, (re)ganham experincia profissional, valorizam-se curricularmente, obtm referncias profissionais positivas. O problema surge se so mal recrutados. Isto , quando ocupada ou estagiria uma pessoa a quem a experincia no valoriza, os recursos pblicos so gastos sem que o seu potencial de insero aumente e at correndo o risco, no limite, de que diminua porque a auto-estima que na situao oposta adquiriria pode, nesta, corresponder a um sentimento de perda. O fechamento nas situaes de transio pode, ele tambm, gerar, na ptica pessoal uma armadilha, confinando os seus beneficirios a uma vida de quase-emprego. Do ponto de vista do sistema, esta situao tende a gerar efeitos canibais sobre o emprego, isto a que a sucesso de estgios ou actividades ocupacionais oferecidas destrua postos de trabalho diminuindo a oferta de emprego. Para que medidas com estas caractersticas religuem a pessoa excluda ao mercado de trabalho no se limitando a legitimar a sua excluso deste e para que estimulem a oferta de emprego a determinados grupos em vez de a retrarem, h que ser cuidadoso e ponderado no recurso que a elas se faz. Elas podem ser um excelente primeiro passo, se inseridas em trajectrias de insero socioprofissional. Falamos de pessoas em processo de insero, pelo que, se possvel, de imediato ou sequencialmente, importante que acedam ao estatuto de trabalhador. o que acontece com as diversas formas de empregos de transio. A sua principal vantagem sobre as actividades ocupacionais e os estgios o facto de concederem o acesso a um contrato de trabalho, ainda que pelo tempo limitado do apoio. O que os assemelha aos beneficirios, para efeitos de insero, a um contrato de durao determinada. certo que assim no se resolve o problema do acesso ao mercado de trabalho, mas constitui inegvel melhoria de23

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estatuto por relao ao de desempregado (ainda que recebendo prestao de desemprego) ou ao de ocupado ou estagirio. Esta afigura-se a resposta adequada sempre que houver no tecido social condies para criar empregos para pessoas em relao s quais, pelos mais diversos motivos, seja necessria uma interveno integrada e especial no apoio elevao da sua empregabilidade. Durante o perodo de tempo em que o ex-desempregado beneficia de um emprego apoiado ele um trabalhador especial. Eventualmente sabe-o e o empregador sabe-o certamente, mas os colegas de trabalho podem ignor-lo por completo. A questo a colocar, para alm da que resulta da ponderao da necessidade de apoiar aquela pessoa para aquele posto de trabalho, a da garantia de que ele perdura aps a concesso do apoio, isto de que este funciona como um factor de reduo do risco de contratar uma pessoa com aquelas caractersticas e no apenas de uma estratgia de conteno imediata de custos com mo-de-obra. Tudo o que se disse se aplica do mesmo modo situao de criao do prprio emprego. Essas medidas, no entanto, fazem parte de uma estratgia adaptativa, de melhoria das oportunidades de certos grupos no mercado de trabalho, tal qual se apresenta. Desde os anos oitenta do sculo passado tem vindo a crescer uma orientao para a criao de emprego, em que o apoio pblico se dirige criao das prprias entidades empregadoras e dinamizao de oportunidades locais. Trata-se do que, noutro contexto, chammos o territorialismo como mtodo de promoo do desenvolvimento (Pedroso, 1997) e deu origem as polticas pblicas de apoio a iniciativas de desenvolvimento local. Atravs da sua promoo visa-se resolver problemas de financiamento (surgem apoios favorveis ao investimento gerador de emprego, em particular de pequena dimenso), de informao (surgem campanhas de informao para a existncia de oportunidades no aproveitadas) ou de incapacidade de organizao (intervm-se, no plano institucional, no apoio organizao de grupos potencialmente geradores de iniciativa) (cf. Coffey e Polse, 1985). A credibilidade das iniciativas de desenvolvimento local passa por que os apoios gerem entidades perenes (Comisso Europeia, 1997: 33), cuja vida se estende para alm de um dado programa de aco. A maneira como intervm leva a que seja possvel que os seus beneficirios finais os desempregados se vejam a si prprios, nelas, apenas como empregados, porque agem a montante, informando, organizando, investindo. Mas tambm neste caso se trata de uma situao de transio, na medida em que pelo perodo de interveno, o emprego gerado est dependente do apoio obtido. Ou seja, das actividades ocupacionais s iniciativas de desenvolvimento local, aquilo a que assistimos criao de um mercado de emprego de transio, condicionado pelo carcter temporrio das intervenes, ainda que visando a emancipao em relao a estas e que se expressa em diversas medidas, que se sistematizam no quadro 1.5.

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Quadro 1.5. mbito de aco das medidas de poltica de mercado de trabalho para a transio entre o desemprego e o emprego Obstculo integrao plena no mercado de mbito de aco trabalho Perda de competncias sociais Desvalorizao curricular Actividades ocupacionais Estgios Profissionais Empregos de transio Propriedade social associada privao de Apoios ao emprego (por conta prpria ou emprego por conta de outrem) Falta de capacidades e Financiamento Apoio ao recursos locais emprego Informao Organizao investimento gerador de

Campanhas de informao Apoio a iniciativas de desenvolvimento local

1.5. Os universos do emprego perifrico 1.5.1. Os riscos sociais da precariedade A histria das sociedades modernas define dois perodos que so frequentemente analisados por recurso a classificaes dicotmicas (industrial/ps-industrial; fordista/psfordista, etc.). Parece adequado descrever duas eras na era moderna. Na primeira, as sociedades secularizaram-se, a indstria pesada desenvolveu-se, o Estado-nao afirmouse, as democracias surgiram. Na segunda, os servios so o motor do desenvolvimento econmico, o hedonismo ganha terreno, surgem novas entidades supranacionais. A esta ltima, Zigmunt Bauman chamou modernidade lquida (Bauman, 1999): uma era em que o poder no pretende subordinar mas fugir e evitar compromissos, responsabilidades, laos, relaes de confiana e lealdade. Uma era que, quando aplicada ao trabalho, gera o risco de desaparecimento da ideia de longo prazo que se projecta, como Sennett (1998) referiu, na diminuio do poder de integrao social da relao de trabalho. Do ponto de vista social, este fenmeno facilitado pela distncia progressiva das opinies pblicas em relao ao trabalho organizado, tornando-as tolerantes, quando no predispostas a aceitar formas de prestao de trabalho que pareceriam inaceitveis, nas suas sociedades, algumas dcadas antes. Traa-se, alis, de modo cada vez mais firme, uma fronteira tica entre o trabalho no socialmente aceite (o trabalho no digno), punido por regulao internacional e legislao nacional e o restante. A maior represso do eticamente inaceitvel vai de par com a abertura fragmentao das restantes formas de prestao de trabalho e com as dificuldades dos movimentos sindicais. Neste perodo as reestruturaes empresariais so profundas (Pedroso, 2005a, b): o trabalho perde visibilidade e a empresa estilhaa-se num conglomerado que trabalha para25

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uma marca; o sistema de concorrncia entre empresas produtoras de um bem ou servio transforma-se na cadeia de gesto de marcas concorrentes; no mesmo produto final renem-se componentes produzidas em diversas partes do mundo, obedecendo, segundo a vantagem competitiva dos seus fabricantes, aos mais exigentes ou aos mais degradados padres de trabalho; o consumidor pretende negcios fabulosos (Reich, 2002), desvalorizando o custo social, inclusive para si prprio, dessa opo. A modernidade lquida gera, usando agora as palavras de Ulrich Beck, a economia da insegurana, em que as barreiras desaparecem, por contraposio velha economia da segurana, de barreiras bem delimitadas (Beck, 2000). Esta uma sociedade de risco (Beck, 1992) que se orienta segundo um princpio de nebulosidade da imagem do trabalho, da sociedade e da poltica. Essa nebulosidade social refora a tendncia para a segmentao dos mercados de trabalho que se vinha notando h bastante tempo, gerando uma verdadeira constelao de situaes sociolaborais por relao a estatutos (de poder ou subordinao) que levaram grande parte do sc. XX, no movimento inverso, a tornar-se razoavelmente claros. Estas tendncias exprimem a enorme complexidade de uma transio problemtica, atravessada por mltiplas contradies e fortes desigualdades sociais em que parece empurrar-se para baixo alguns dos sectores da fora de trabalho que aparentemente j teriam descolado da velha condio empobrecida em que se encontravam. As velhas clivagens mantm-se, juntando-se-lhes agora as novas. s contradies clssicas somamse as novas desigualdades da era da globalizao, entre qualificados e no-qualificados, info-includos e info-excludos, emprego estvel e emprego precrio, trabalhadores legais e ilegais, maiorias e minorias tnicas ou sexuais, etc., etc. Paralelamente, os movimentos econmicos, com deslocalizao de empresas, aumento do desemprego, fragmentao do trabalho e multiplicao dos regimes contratuais precrios, entre outros factores tem vindo a acentuar a precariedade e a contribuir para gerar novos sectores proletarizados, tanto os associados a velhas profisses do sector industrial como alguns dos que se inserem na chamada classe mdia (Esping-Andersen, 1993; Castel, 1995; Estanque, 2003, 2004, 2005). O sentimento geral de precariedade invade os cidados, um sentimento que Bauman (1999: 161) define como sendo de insegurana (de estatuto), de incerteza (quanto ao futuro) e de desproteco (de si prprio e do seu patrimnio). Essa precariedade manifestase no mercado de trabalho sob a forma da fragmentao da relao de trabalho subordinado tradicional (de durao indeterminada, apresentando garantias de carreira e de proteco social). Assim, ela tambm uma forma de privao, embora parcial do estatuto social de trabalhador, tal qual ele emergiu nas sociedades salariais. A vivncia prolongada dessa privao parcial enfraquece o poder socialmente integrador da relao de trabalho (Castel, 1995; Sennett, 1998) e, por isso, parece-nos configurar uma nova forma estrutural de expresso do problema do acesso ao mercado de trabalho. Os que vivem tal precariedade so todos aqueles que so relegados para formas atpicas de trabalho que se afastam do contrato tradicional de trabalho assalariado (Rebelo, 2004: 39-40). Entre ns, existem hoje diferentes modalidades de contrato de trabalho especial que renem estas caractersticas, expressando as trs dimenses da precariedade do trabalho que Serge Paugam (2000: 64) identificou: limitao da durao da relao de trabalho; perda da unicidade do empregador; tempo de trabalho inteiro com salrio correspondente actividade normal e permanente na empresa. Na sua feliz expresso, essa multiplicidade de formas recobre o que designa de empregos perifricos.

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Nestes, desenvolvem-se formas de integrao no trabalho distintas: a integrao incerta marcada pela insegurana quanto sua durao; a integrao desqualificada por um trabalho sem potencial de progresso profissional, inseguro mesmo que se prolongue no tempo (Paugam, 2000: 368-376). Os trabalhadores com este tipo de integrao sero, provavelmente, pouco tocados pelas medidas de educao e formao ao longo da vida e dificilmente poderemos responsabiliz-los por isso (Kovacs, 1999: 12-13; 2004: 58-60). Estes fenmenos esto tendencialmente associados a um outro, embora este possa existir de modo independente em relao a eles, o qual um dos paradoxos do fim do sculo vinte: o dos trabalhadores que auferem salrios inferiores ao limiar de pobreza. Historicamente, uma das funes do salrio mnimo era, precisamente, a imunizao em relao a este tipo de situao. Mas persistem pases em que ele no existe e outros em que o seu valor extremamente baixo. Com os modelos sociais a evolurem para desligar o salrio da sua funo de salrio familiar, h segmentos sociais trabalhadores com baixas qualificaes e famlias numerosas, por exemplo em que a vulnerabilidade a que um salrio no lhes permita chegar ao limiar de pobreza cresce, mesmo onde tal medida exista. Do ponto de vista da proteco social tm sido introduzidos em alguns pases mecanismos de apoio fiscal a Earning Income Tax Credit inglesa um exemplo que so compensaes do Estado s famlias pobres, numa lgica de workfare e procurando fazer coexistir baixo salrio mnimo (ou a sua inexistncia) com melhores condies sociais para os pobres merecedores, ou seja, as famlias em que h um ou mais adultos que trabalham. Se a proteco contra o fenmeno dos trabalhadores pobres radica, do lado social, no aperfeioamento do sistema de apoios sociais e na proteco social integrada, ela tem uma dimenso do lado da regulao do mercado de trabalho, que est associada garantia de que um trabalho deve garantir os meios adequados de subsistncia e uma outra, nas polticas activas, de promoo das qualificaes, atravs de medidas de valorizao pessoal e social que se inserem na aprendizagem ao longo da vida. Deste ltimo ponto de vista, os working poor fazem parte dos beneficirios das medidas de combate desqualificao social (ver quadro 1.3). Parece-nos que as polticas de acesso ao emprego e ao mercado de trabalho tm que abordar a questo do emprego perifrico. A regulao dos mercados de trabalho tem-se adaptado a ele, procurando minorar os seus efeitos sociais negativos. O encorajamento do trabalho a tempo parcial uma parte integrante do milagre holands dos anos noventa. A flexibilizao da cessao da relao de trabalho tpica compensada por um bom nvel de proteco social faz parte da flexisegurana dinamarquesa e vivamente encorajada pelo pensamento reformista e por instncias internacionais. Em grande medida, nas sociedades desenvolvidas, a tendncia parece evoluir no sentido de, conformando-nos com a nova realidade do mercado de trabalho, promover o desligamento da cidadania social por relao ao estatuto de trabalhador5 ou equiparar a proteco social conferida aos trabalhadores perifricos que dada aos trabalhadores tpicos. Na prpria Estratgia Europeia para o Emprego, na primeira gerao, o pilar da adaptabilidade continha diversas propostas nesse sentido.

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Uma proposta radical nesse sentido a da abolio do subsdio de desemprego e sua substituio por um seguro obrigatrio de rendimentos (Reich, 2002), mantendo a flexibilidade no mercado de trabalho e garantindo o nvel de vida independentemente deste quando ocorra perda significativa de rendimentos. 27

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Ou seja, aceitando a integrao diferencial no mercado de trabalho formal, com privao parcial do estatuto de trabalhador tpico, h um conjunto de medidas de reforma dos sistemas de proteco social que podem proteger os cidados quando o trabalho entra numa era de incerteza. Mas os empregos perifricos podero tornar-se empregos predominantes? At onde sustentvel a fragmentao da relao salarial? Pode dizer-se que o maior risco social no deriva da existncia de empregos perifricos enquanto eles forem perifricos, pelo que as polticas activas de emprego deveriam agir quando eles passam um certo limite aceite como correspondendo a uma fronteira de insustentabilidade social. Essa barreira pode estar a ser ultrapassada nomeadamente para as novas entradas no mercado de trabalho6. certo que as polticas activas tradicionais contm medidas que diminuem a tendncia para a contratao de novos trabalhadores com vnculos precrios. Os apoios contratao, por exemplo, apenas so concedidos quando o emprego ocorre com vnculos no temporrios. igualmente necessrio sublinhar que uma parte do problema (e uma parte da soluo) reside na regulao jurdica e legal do mercado de trabalho. Mas, pode haver medidas de auto-regulao do recurso a estas formas de trabalho, como ocorreu em Portugal com os falsos recibos verdes e o trabalho a tempo parcial, com a adopo de cdigos de conduta empresarial acordados com a Inspeco-geral do Trabalho por associaes sectoriais. A isto pode acrescer a monitorizao do turnover dos desempregados que acorrem aos servios pblicos de emprego (Rebelo, 2004: 156). Pode haver incentivos converso de vnculos precrios e no precrios, tal como j acontece, embora muito timidamente em Portugal no caso da contratao a termo de jovens. Trata-se, em todo o caso, de uma nova questo para as polticas activas de emprego, pelo que particularmente til que se conheam melhor as trajectrias dos trabalhadores nesta situao (Kovacs, 1998: 16), de modo a desenvolver as polticas adequadas. Mas, no quadro 1.6. procuramos desenvolver algumas das medidas adequadas ao combate perificidade social em relao ao mercado de trabalho.

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Maria da Glria Rebelo (2004) refere que os trabalhadores mais atingidos pela precariedade so os tradicionalmente desfavorecidos no acesso ao emprego. Jovens, mulheres, detentores de baixas qualificaes.

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Quadro 1.6. mbito de aco das medidas de poltica de mercado de trabalho para o combate ao emprego perifrico Obstculo integrao plena no mercado mbito de aco de trabalho Proporo elevada de emprego perifrico Regulao jurdica resultante da iniciativa estatal e/ou da concertao social Auto-regulao negociada pelos parceiros sociais Dissemelhana de caractersticas entre Reviso da imposio fiscal sobre o emprego tpico e emprego perifrico trabalho Flexibilizao do regime tpico (aproximao entre o regime do trabalho tpico e os das formas aceites de emprego perifrico) Simplificao de procedimentos administrativos de contratao Legalizao de regimes aceitveis de emprego atpico (ex.: trabalho domstico) Atenuao dos riscos sociais da precariedade (salrio mnimo, subsdios salariais, direito a proteco social idntica aos no precrios) Apoios converso de empregos perifricos em empregos tpicos Reduo da aceitao social do emprego Campanhas de sensibilizao pblica para perifrico as consequncias pessoais e sociais das modalidades de emprego perifrico Garantia de cumprimento da legislao do Reforo da capacidade trabalho administrativa da maquina

Aperfeioamento de mecanismos de inspeco fiscal, do trabalho e da segurana social

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1.5.2. A desregulao e a concertao: vias para a gesto da flexibilidade no mercado de trabalho O debate sobre a reforma dos sistemas de emprego, de relaes laborais e de proteco social exige um mnimo de especificao conceptual, sem a qual se correm riscos acrescidos de equvoco, antes de mais pela polissemia do conceito mais frequentemente usado, o de flexibilidade7. A polissemia do conceito de flexibilidade um facto bem estabelecido na literatura (Castel, 2001 [1995]; Boyer, 1986 e 2001; Treu, 1992; OCDE, 1994, 1999 e 2004; Lallement, 1996; Vaz, 1997; Lopes, 1998; Marsden, 1999; Supiot, 1999; Gouliquer, 2000; Nicoletti et al., 2000; Monteiro Fernandes, 2001 e 2002; Algo Consultants et al., 2002, CE, 2002; Kovcs, 2002 e 2004; Rebelo, 2002 e 2004; Correia, 2003; Wilthagen et al., 2003) que se relaciona quer com as suas mltiplas dimenses por exemplo: flexibilidade interna ou externa, numrica ou funcional, dos mercados ou das relaes de trabalho , quer com as diferentes abordagens tericas8 que usam o conceito, quer, ainda, com os problemas ligados sua operacionalizao e validade da medida dela decorrente. O debate em torno do conceito e das suas aplicaes deu lugar definio de conceitos conexos flexibilidade, adaptabilidade, flexisegurana que alargam e aprofundam a problemtica em causa. Porm, por razes ligadas ao objecto deste texto, ser aqui referido apenas o de flexisegurana, proposto por Wilthagen et al (2003). A concepo de flexisegurana , neste quadro, entendida como uma estratgia poltica que tenta, sincrnica e deliberadamente, por um lado, aumentar a flexibilidade dos mercados de trabalho, da organizao do trabalho e das relaes de trabalho e, por outro lado, aumentar quer a segurana de emprego, quer a segurana social, especialmente para os grupos fracos dentro e fora dos mercados de trabalho (Wilthagen et al., 2003: 3). Os autores consideram quatro dimenses de flexibilidade e outras tantas de segurana, que se resumem no quadro seguinte.

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Neste ponto seguiremos o ensaio de Antnio Dornelas, Flexibilidade, adaptabilidade e flexisegurana (ver Dornelas, no prelo) 8 Para citar apenas as referidas por Gouliquer (2000): as teorias neo-clssicas, as abordagens marxistas ortodoxas, as teorias da economia dual e da economia segmentada e as teorias da instabilidade.

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Quadro 1.7. Dimenses da flexiseguranaFlexibilidadeFormaFlexibilidade externa e numrica Flexibilidade interna e numrica Flexibilidade interna e funcional Flexibilidade salarial

Seguran aFormaSeguran a do posto de trabalho Seguran a de emprego ou da empregabilidade

Conte doFlexibilidade em despedir e contratar Flexibilidade de hor rio de trabalho, do trabalho suplementar e do trabalho a tempo parcial Pluralidade de empregadores, organiza o flex vel do trabalho Remunera o em fun o dos resultados

Conte doGarantia de manuten o de um dado emprego com um dado empregador Garantia de manuten o de um emprego, mesmo que com outro empregador Protec o do rendimento em caso de perda de trabalho remunerado Capacidade de combinar o trabalho remunerado com outras responsabilidades e obriga es

Seguran a do rendimento

Seguran a combinada

Fonte: Adaptado de Wilthagen et al. (2003: 4).

A investigao de Wilthagen, Tros e Lieshout, de natureza exploratria - tributria dos debates sobre a recalibragem dos mercados de trabalho - focou quatro Estados membros da Unio Europeia: a Blgica, a Dinamarca, a Alemanha e a Holanda. Em sntese as concluses dos autores so as seguintes: 1. "Cada pas tem formas especficas de segurana e de flexibilidade e esses equilbrios surgiram frequentemente h muito tempo atrs"; 2. "O debate sobre as questes da flexibilidade e