8/9/2019 Acervo_performare_Ana Golden Stein Carvalhaes - Novas Midias Na Cena Contemporanea Topos Mitho Techne

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Novas Midias na Cena Contempornea Topos mitho-techn

Ana Goldenstein Carvalhaes

PGEHA-USP

Palavras Chave: Novas Midias, Performance Arte, Renato Cohen

Somente por meio de uma srie de repeties e experimentao uma

tcnica pode ser catalizadora de mudanas qualitativas na arte. Lehmann (2007)

identifica uma generalizada virtualizao da realidade e a penetrao do

esquema miditico em todas as formas de percepo o que se desenvolve

muitas vezes na forma de clichs na cena contempornea: Diante da fora

expressiva e da abrangncia quase incontornvel da realidade midiatizada, a

grande maioria dos artistas no v nenhuma outra sada seno enxertar seu

trabalho nos modelos existentes, em vez de fazer a tentativa aparentemente

inglria de chegar a uma formulao diferente e divergente. (Lehmann,

2007:198).

Considerando que faz muito pouco tempo que temos acesso s

ferramentas que nos permitem entrar de forma generalizada nessa moda

midiatica, ou midiatizante, podemos dizer que ainda no entendemos

completamente o efeito e o significado disso em nossas vidas.

reconhecida certa frieza que provocam as mdias eletrnicas,

notadamente nas situaes cnicas, na Performance Arte ou em Happenings.

Certa frieza associada tambm Arte Conceitual. A Performance Arte est

ligada a esta frieza, por se dirigir experincia do presente, do agora. No

necessariamente fria por uma acepsia (do cubo branco, por exemplo), mas pela

crueza e pela brutalidade do real. Por romper com a iluso e discutir a prpria

cena; por se ligar diretamente Arte Conceitual.

No toa que podemos ver na Performance Arte grande quantidade de

produes de experincias com o uso das novas mdias eletrnicas (rede,projees, etc). Como campo de experimentao, vrios domnios so

convocados. J disse Victor Turner (1982) que mais importante o como, que o

se na Performance, e assim se d o lugar da meta-reflexo por excelncia. Mas

isso no justifica esse uso de efeito clich da nova tecnologia, sem densidade

potica, densidade da vida que, em realidade, o que se v de forma to

disseminada.

Na Performance Arte, o aumento da ateno no como se faz, como

acontece, vem acompanhada de uma despreocupao com a interpretao. Issofaz parte de um projeto anti-realista (Cohen, 2002): Se () por um lado vai se

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perder em qualidade esttica, ganhar-se-, pelo outro, no aumento de

espontaneidade e de quebra de representao (Cohen, 1989:68).

Muitas vezes esse mau acabamento (presente em algumas performances,

no necessriamente voluntrio, mas bastante conciente) foi motivo de crticas

Performances que investem todos esforos em referncias irnicas, em reflexes

e discusses internas arte, muitas vezes exaustivas ou mesmo

imcompreenssveis para quem desconhece o contexto da discusso. E tambm

por isso as vezes, h nas Performances o uso de um nmero abusivo de

materiais (projetor, retroprojetor, slides): a tcnica e seus apetrechos esto

sendo discutidos ali, em cena.

Esta crtica qualidade dos trabalhos apresentados pode ser pertinente,

uma vez que muitos fazem da experimentao do suporte uma cena estril, mal

aprofundada, sem nenhuma pesquisa, e chamam de Performance: vem da

confuso em torno deste termo. A Performance de que estamos falando tem

identidade com a experimentao, presena, procura, inveno, enquanto que

experimentos com menor rigor formal deveriam ser chamados de Happenings 1.

H vrios motivos para que a Performance seja um bom lugar para se

trabalhar com novas mdias 2. Um deles seu conhecimento e disposio para o

trabalho com o erro, com o incontrolvel. muito arriscado trabalhar com

tecnologias eletrnicas por que elas proporcionam erros, o que inclue a aceitao

de variveis fora do controle, uma direo mais aberta portanto. Se h algo que

um performer pode ensinar saber usar o erro 3. Ele faz isso quase como uma

postura: o erro atrapalha as convenes, e a est justamente a questo colocada

em pauta pela Performance Arte.

Renato Cohen fala em dois topos cnicos: o esttico, da contemplao

(do Teatro de quatro paredes por exemplo), e o topos mtico, do acontecimento,

do espontneo, da participao. Est entre esses dois modelos o espao que

Cohen encontra para experimentaes, e tambm aspectos para umaperformance ritual.

Mas para Renato Cohen, a cena do topos mtico no significa uma

performance ritual umpluged. Muito pelo contrrio; como quer Cohen, juntamos

as duas coisas, numa transmidia: independentemente da idia da tcnica como

dominao da natura, o contemporneo supera, ao nosso ver, o cinismo ps-

moderno articulado nas idias de pardia, pastiche e fetichismo, resgatando a

prioridade de um sujeito da experincia, de um tempo de presentificao e de

transcendncia, da tecknem estreita relao com a phisis (Cohen, 2002). Noh arte fragmentada.

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curioso que provavelmente Hans-Thies Lehmann no tenha lido Cohen,

e vice versa, apesar de terem se encontrado pelo menos uma vez, durante um

evento internacional em So Paulo, quando estiveram os dois na mesma mesa

de discusso 4. De certa forma, podemos ver convergncias em seus discursos a

respeito deste tema. Lehmann fala em espaos teatrais mltiplos, proporcionados

pela mdia, que vo alm da ilimitada disponibilidade de transmisses eletrnicas

de espaos temporais e tempos espaciais (2007:276). Fala em uma nova arte de

assistir, em conexes perceptivas imprevisveis, estimulado pelas mdias. E mais:

aponta trabalhos aonde se v a mdia proporcionando o tempo-corpo

espacializado, carregado de physis.

A memria articulada na Performance. A questo como se usam as

novas mdias para articular a memria, como se criam conexes novas entre

frequncias diferentes e sincrnicas, como se articulam esferas e planos

diferentes da vida. Como a experincia da leitura em hipertexto, por exemplo,

pode transformar essas articulaes? Que outras formas de pensamento

corporificado estamos produzindo? Por isso experimentar como Work In

Progress 5.

Ora, a Performance cria e atualiza sintaxes para questes atuais das novas

mdias como a polifonia, o corpo expandido, a percepo corpo e aesthesis a

fenomenologia. A percepo sensorial atribui aos estmulos significaes que so

determinadas subjetivamente (Lehmann, 2007:182).

Este discurso no fica no papel: materializado em Performances como

as de Cohen: no procura sentidos imediatos, mas experincias, perseguindo

uma totalidade, como gestalt 6, que surge junto direo, em tempo real. O

imaterial torna-se presente. sobre o campo das transformaes do corpo que

estamos falando, de Artaud a Deleuze e Guatarri.

A relao axiomtica da Performance corpo-texto-audincia, enquanto rito,

totalizao, implicando interaes ao vivo, deslocada para eventos

intermediticosonde a telepresena (on line) espacializa a recepo. O suporte

redimensiona a presena, o texto alcana-se a hipertexo, a audincia alcana a

dimenso da globalidade. Instaura-se o topos da cena expandida. (Cohen,

1999:232)

Pode-se incluir agora novas dimenses percepo da gestalt. Espaos

temporais heterogneos, conectados sem esforo pelas novas mdias, mantm

no entanto o conflito latente em uma articulao sincrnica. como se

entendssemos melhor o funcionamento do sistema nervoso. Semeia-se uma

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cena das pulses, da primeiridade. Operaes que so amplificadas pelos novos

extensores, sensores e suportes de tecnologia e imagem. (Cohen, 2001).

No que se refere cena contempornea, as novas mdias eletrnicas

nos interessam se nos ajudam a trabalhar com o instvel, se nos senssibilizam

para articular uma cultura no linear e inconstante. Com elas pode surgir uma

nova forma de ver, mas tambm de montar, que no opera no paradigma causa

e efeito. Lehmann fala em heterotopos, o que bem se aplica aqui.

No terreno das mdias eletrnicas em rede, interessante trabalhos com a

simulao e o hiperrealismo. Mas outras questes que seu uso faz surgir, ainda

que de forma no intencional, me parecem fundamentais: o falso e o

mascaramento (ambiguidade), o estranhamento, o hibrido, as muitas formas de

interao, e principalmente, a conjuno de alteridades.

Notas

1. Ver Cohen, 1989.

2. A Arte Performance por natureza uma arte miditica, das revolues de

suporte, operadora dos trnsitos e passagens contemporneas. Cohen, 2001.

3. Agradeo a Naira Ciotti por esta observao, feita em reunio do Grupo de

Estudos da Performance.

4. Uma vez que Lehmann no l portugus e Cohen faleceu antes da publicao

brasileira do livro Postdramatiches Theater, de Lehmann. Sobre o evento:

Prximo Ato, 2003. www.itaucultural.org.br/proximoato2003/

5. A cena que Cohen encontra neste percurso de ambivalncias

propositalmente assimtrica, esquerda, estranha (Cohen, 1998: XLI)

6. A construo de gestalt tema frtil. As novas mdias potencializam o

processo de incorporao do texto em toda sua semiose - abarcando registros

sonoros, gestuais, orais, no visveis, literrios, sinestsicos (Cohen, 2001), e

podem potencializar a percepo do todo (gestalt). Um exemplo Gothan SP

(Cia. Teatral Ueinzz, 2003-6).

Bibliografia:

COHEN, Renato. Performance como Linguagem. So Paulo, Ed. Perspectiva 1989.

_____.Work in Progress na Cena Contempornea. So Paulo, Ed. Perspectiva, 1998.

_____. Performance e Contemporneidade: da Oralidade Cibercultura In:Oralidade

em Tempo e Espao: Colquio Paul Zumthor. Org. Jerusa Pires Ferreira. So

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Paulo: Educ, 1999.

_____. Ps-Teatro: Performance, Tecnologia e Novas Arenas de Representao. In:

http://www.itaucultural.org.br/proximoato2003/ (Stio do evento Prximo Ato,

realizado em 2003)

_____. Performance e Tecnologia: O Espao das Tecnoculturas. In: Anais do II

Congresso Brasileiro de Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas, Vol. 2

2001

LEHMANN, Hans-Thies. O Teatro Ps-Dramtico. So Paulo: Cosac Naif, 2007