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    17 Encontro Nacional da Associao Nacional de Pesquisadores em Artes PlsticasPanorama da Pesquisa em Artes Visuais 19 a 23 de agosto de 2008 Florianpolis

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    [ exposio como procedimento ]

    Regina Melim (CEART/UDESC)Adriana Barreto (CEART/UDESC)

    Bruna Mansani (CEART/UDESC)

    [ Resumo ]

    O texto tem como objetivo discutir sobre a noo de exposio como site,como lugar de debate e construo de um espao. Contrrio idia de apresentar-se como um elemento priori, o espao de uma exposio um dado que existepara ser construdo. Neste sentido, a perspectiva deparada sempre em torno depensar a exposio como um procedimento.

    Para discutir sobre algumas questes que emergem de prticas expositivasdesta natureza, escolhemos como objeto de reflexo a exposio EspaosReversveis, realizada no Museu Cruz e Sousa, em Florianpolis (SC), em abril/maiode 2008 e a participao de dois artistas: Rubens Mano e Tatiana Ferraz.Palavras Chaves: exposio, site, procedimento.

    [ Abstract ]The aim of this paper is to discuss the notion of exhibition as site, as a debate

    place and construction of a space. Opposite to the idea of presenting an elementbeforehand, the exhibition space exists to be constructed. In this sense, theperspective is relies on the idea of the exhibition as a procedure.

    So as to discuss some issues related to the exhibition practices of this kind,we chose the exhibition Espaos Reversveis (Reversible Spaces) as object forreflection. This exhibition took place at the Cruz e Sousa Museum, in Florianopolis

    (SC), in April / May 2008, with the participation of two artists: Rubens Mano e TatianaFerraz.Key Words: exhibition, site, procedure.

    O texto que aqui apresentamos tem como objetivo discutir sobre a

    noo de exposio como site, como lugar de debate e construo de um

    espao. Contrrio idia de apresentar-se como um elemento priori, o

    espao de uma exposio um dado que existe para ser construdo. Neste

    sentido, a perspectiva deparada sempre em torno de pensar a exposiocomo um procedimento.

    Para discutir sobre algumas questes que emergem de prticas

    expositivas desta natureza, escolhemos como objeto de reflexo a exposio

    Espaos Reversveisi, realizada no Museu Cruz e Sousa, em Florianpolis

    (SC), em abril/maio de 2008. E a partir desde dado, a participao de dois

    artistas: Rubens Mano e Tatiana Ferraz.

    Cumpre ressaltar, que o museu em questo apresenta-se em suadinmica de espao museolgico duas situaes distintas e separadas entre

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    si: uma parte, que destinada ao Museu Histrico, repleta de mobilirio,

    utenslios e parca memria do estado (sobretudo porque composto dos

    elementos mais dspares possveis, retalhos de outrora da residncia e da

    sede do governo do estado de Santa Catarina). A outra parte do edifcio

    destinada exposies temporrias, cujo carter, conforme a diretriz da

    instituio, de apresentar mostras peridicas de arte contempornea.

    Da mesma forma, cumpre ressaltar tambm, que o espao destinado

    s mostras de arte contempornea possui em seus trs aposentos um vasto

    mobilirio, composto de inmeras cadeiras, mesas, escrivaninhas, vitrines,

    painis com rodzios (utilizados de forma corriqueira como paredes mveis

    em edificaes que so tombadas), biombos e um piano de cauda. Alm

    disso, estas trs salas so utilizadas, ( e com uma certa freqncia), tambm

    para eventos culturais e sociais, como coquetis, palestras, lanamentos de

    livros, apresentaes musicais, entre outros.

    Posto desta forma aos artistas e curadores que queiram expor seus

    trabalhos, uma das primeiras questes que surgiram aos artistas Rubens

    Mano e Tatiana Ferraz, para a exposio Espaos Reversveis, foi a

    construo de um espao que pudesse incorporar todo este mobilirio. Ou

    seja, de tratar desde o princpio aquele espao expositivo, ali oferecido, como

    um componente ativo da experincia. Coberto de informaes, qualquer

    tentativa de neutralizao desta situao oferecida corresponderia em

    colocar todo o mobilirio em algum canto, na tentativa de sua ocultao. O

    que invariavelmente acontece, e da forma mais precria ou escandalosa

    possvel, via de regra, utilizando os biombos e os painis mveis como

    construo de um nicho-depsito.

    Ao se depararem com a situao, tanto espacial quanto contextual,especficas do Museu Cruz e Sousa, os artistas Rubens Mano e Tatiana

    Ferraz que, desde o princpio interessavam-se pela utilizao das duas salas

    laterais do espao, normalmente indisponveis pois funcionam como auditrio

    ou para estocar o mobilirio excedente, planejaram criar uma ao em

    parceria nomeada de MDC Mltiplo Denominador Comum. A estratgia

    utilizada, portanto, seria de propor, durante o perodo da exposio, quatro

    formas de rearranjo deste mobilirio, inserindo-os efetivamente como partedestas trs salas expositivas destinadas s mostras de arte contempornea,

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    ativando-as como um todo que insiste em se estabelecer como cubo branco

    e neutro, que ignora suas particularidades e especificidades, seu entorno,

    sua arquitetura e seus objetos.

    Como primeiro re-arranjo foi construdo, a partir de sucessivos

    deslocamentos das peas, um espao para conversa dos artistas com o

    pblico e um espao para sala de concerto. E ambos, contornados com as

    vitrines, os painis com rodzios e os biombos, criando nichos ativos e

    funcionais. Dispostos dessa forma, em um deles ocorreu dois encontros dos

    artistas com o pblico, que foi convidado em dias consecutivos anteriores

    abertura propriamente dita da exposio. No outro, foi realizado um concerto

    para piano preparado, especificamente para a abertura da exposio

    composto e executado pelo msico Diogo de Haro.Ressalta-se que o piano

    em questo encontrava-se desde longo tempo fora de uso, considerado

    condenado pela prpria instituio.

    Outras trs proposies de re-arranjos foram impressas no formato de

    grandes blocos com folhas destacveis e ficaram durante todo o perodo da

    exposio disposio do pblico, que poderia retir-las e de posse das

    mesmas vislumbrar novas ativaes do espao. Neste sentido, o mobilirio

    como parte integrante da exposio passou efetivamente a existir e cumprir

    uma funo outra que, decididamente no era a de ficar como um conjunto

    amontoado em um canto de uma das salas ii.

    De acordo com os artistas Rubens Mano e Tatiana Ferraz,

    O MDC (Mltiplo Denominador Comum) seria algo como um

    rearranjo formal e arquitetnico com o mobilirio excedente

    diagnosticado na parte inferior do Museu Cruz e Sousa, (sala

    principal e sala auditrio), a fim de recriar um espao multiuso no

    centro da sala principal e liberar as demais. (...) Esta proposta

    reagiria igualmente aos aspectos da arquitetura do espao, como

    colunas, pisos, paredes e demais estruturas protegidas pelo

    Patrimnio, que de muitas maneiras condicionam os usos do

    espao das salas expositivas.

    A inteno devolver para a prpria Instituio os problemasrelativos uma certa indistino entre os espaos expositivos e os

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    espaos necessrios para outras atividades pensadas pelo Museu:

    espao para recitais; eventos efmeros do salo; uso de uma das

    salas laterais como auditrio para atividades com professores;

    entre tantas outras. Alm disso, fazer um comentrio sobre o uso

    do salo principal como epicentro do fluxo no andar trreo.

    (...) A provocao tentaria despertar uma reflexo sobre as

    necessidades institucionais e dos projetos artsticos; sobre a

    existncia de espaos amarrados e a formulao de espaos

    reversveis. Assim, o Museu se confrontaria com uma reflexo

    sobre a organizao do seu prprio espao e programao.

    Tal ao encerraria uma 'contra-proposta' [de certa maneira

    devolver Instituio a imagem de sua oferta] e desvelaria o

    descompasso entre a desejada e propagada reflexo sobre a

    produo contempornea e a soluo normalmente adotada por

    museus e espaos expositivos para acenar sua entrada nesse

    campo de discussesiii.

    Durante o perodo da mostra, um novo re-arranjo deste mobilirio

    ativou mais uma vez as salas expositivas e onde, igualmente o anterior,

    criaram-se novamente dois ambientes: um deles para a realizao de um

    encontro com o pblico a fim de debater sobre a exposio Espaos

    Reversveis, e junto, um monitor de TV projetando o vdeo da ao realizada

    no primeiro re-arranjo. E um outro, para uma segunda realizao do concerto

    para piano preparado. O pblico, portanto, podia assistir tanto a primeira

    ao de contra-proposta empreendida pelos artistas Rubens Mano e Tatiana

    Ferraz para a abertura da mostra que estava gravada em vdeo, bem como, j instalado em uma segunda proposio de re-arranjo, participar da

    discusso acerca das estratgias utilizadas por ambos nesta exposio,

    configurando-a efetivamente como lugar de reflexo e construo de um

    espao de reversibilidade.

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    [ tatiana ferraz - transposio como procedimento ]

    Na seqncia das estratgias utilizadas pelos dois artistas, cada um

    deles passou ento a ocupar uma sala, e a partir de seu prprio processo,

    buscou transpor e dialogar partes ou elementos do museu para estes

    espaos expositivos especficos.

    Em visitas anteriores ao museu, ttulo de inventariar o espao e

    todos os seus elementos constitutivos, foram realizadas uma srie de

    fotografias que no processo de ocupao tornaram-se documentos

    prospectivos da ao empreendida.

    A partir da, Tatiana Ferraz props como trabalho a ser exposto a obra

    denominada MIMEO. A artista ocupou uma das salas laterais transpondo os

    painis com rodzios ali existentes atravs da construo de outros trs

    painis de iguais dimenses. Vazados, esses novos painis traziam em seu

    interior, como se fossem cortinas mveis, placas de acrlico transparente e,

    igualmente vazadas, os elementos decorativos que foram apropriados das

    paredes e salas ocupadas pelo Museu Histrico. Com as janelas abertas, a

    luz que incidia sobre essas placas de acrlico destacava as formas vazadas

    projetando-as no espao e imprimindo-as na arquitetura da sala os padres

    decorativos que foram apropriados do andar acima. A abertura das janelas,

    que esto contguas uma rua extremamente movimentada e que

    normalmente permanecem fechadas, possibilitaram uma permeabilidade, no

    sentido de permitir que o fluxo da cidade ocupasse tambm o interior daquela

    sala, de modo a torn-lo parte constitutiva da experincia que ali se instalou.

    Conforme ressaltou a artista durante a conversa com o pblico, foi

    uma forma de lidar com o espao do museu como um todo, que se expandena admisso de seu entorno. Percebendo suas especificidades internas e

    externa, bem como suas inadequaes, e a partir da, incorporando-as como

    um procedimento que tem sido recorrente em sua trajetria artstica,

    desenvolvidas atravs de trs situaes nomeadas como: memria,

    ocupaoe colagem.

    Alm disso, essa proposio de transpor partes de um espao ao

    outro constituiu-se num exerccio de ativao de dois segmentos existentesno museu. Partes do Museu Histrico deslocaram-se para as salas

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    destinadas s mostras de arte contempornea, possibilitando dilogos,

    conversas entre essas instncias que habitam um mesmo edifcio de forma

    separadas e distantes. Poderamos dizer, que da mesma maneira que o

    mobilirio existente na parte das salas de mostras de arte contempornea,

    estes dois segmentos do museu parte histrica e salas de arte

    contempornea co-habitam insistentemente num jogo de constante

    ocultao um do outro. So distintos, bem verdade, mas isto no os impede

    de se tornarem ativos, e o suficiente para permitir que exista entre os

    mesmos um dilogo freqente. E, se pelas normas de conservao e

    preservao de um patrimnio histrico so impostas atitudes e

    procedimentos de controle de luminosidade e temperatura, de distanciamento

    e nenhum tipo de manipulao, em MIMEO, seja pelo material com que foi

    confeccionado e a luminosidade advinda da abertura das janelas,

    intensificando sua transparncia; seja pelo manuseio das cortinas de acrlico

    dentro dos mdulos (este, tambm mveis), uma interao se tornou

    possvel, carregando consigo no apenas memria referente de sua

    procedncia, mas uma transformao ou reverso de uma relao impositiva.

    A obra MIMEO, construdo especificamente para o Museu Cruz e

    Sousa, trouxe o mesmo vocabulrio dos elementos memria, ocupao e

    colagemutilizado por Tatiana Ferraz em outros projetos. Em Conversa entre

    termos (2002), por exemplo, a artista instalou cinco peas em salas do

    prdio, originalmente residencial e que hoje funciona a Escola da Cidade,

    tentando resgatar uma memria de ocupao da cidade, seus edifcios e sua

    funcionalidade. O antigo edifcio residencial, projetado pelo arquiteto Oswaldo

    Bratke, na dcada de 1950, possua em sua estrutura original sete

    pavimentos, com dois apartamentos por andar. Passado por processos demutaes constantes, alterando-se entre sucessivos abandonos e

    adaptaes de uso, em 2002 passou a ser ocupado por uma escola de

    arquitetura. Poucas eram as unidades, at aquele presente momento, que

    ainda mantinham a estrutura residencial primeira. Apropriando-se, portanto,

    de uma dessas poucas unidades que ainda mantinha a disposio original,

    composta de sala, cozinha, dois quartos e sute, Tatiana Ferraz desenvolveu

    algumas peas, (construdas de compensado de madeira, forrados defrmica rosa claro, vermelho e texturas de madeira, suspensos

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    horizontalmente por cabos de ao), que pudessem ento remeter aos objetos

    domiciliares de uma ocupao familiar, baseado em propores de sof,

    mesa, televiso e cama, como reminiscncias de um passado remoto. Como

    colagemde uma memriado antigo uso residencial nas futuras salas de aula

    que pouco tempo depois ali se instalariam.

    [ rubens mano - dilogo possvel entre o interior e o exterior ]

    Todo o processo artstico de Rubens Mano est baseado na

    percepo e nos dilogos possveis na construo e ativao dos espaos

    que o mesmo ocupa. Dizemos construes de espaos porque como

    situamos sua obra quando esta apresentada ao pblico. Essa condio

    to presente e majoritria que, por exemplo, em 2001, convidado participar

    da Bienal de So Paulo, o artista iniciou seu trabalho realizando uma foto do

    espao expositivo do prdio da Bienal, totalmente vazio, sublinhando que a

    arquitetura a ser ocupada estava sendo incorporada como elemento

    constitutivo da obra.

    Uma outra questo, to presente quanto arquitetura, o coeficiente

    de invisibilidade que acompanha todas as suas ordens propositivas.

    Vazadores (2002), Caladas (1999), Bueiro (1999), entre outros, so obras

    que foram construdas sem nenhuma sinalizao de que se tratavam de um

    trabalho artstico.

    Neste sentido, talvez Visible, realizado para a exposio In Site, na

    fronteira entre Tijuana/Mxico e San Diego/EUA, (2005/2006) tenha se

    configurado como uma das aes mais instigantes. O trabalho definindo a

    relao do espectador com a obra, pois ele participador ativo que

    aciona o trabalho, que o torna visvel. Alm disso, esse espectador, que no

    dizer de Rubens Mano chamado de perceptor, que determina a durao do

    trabalho. Ou seja, ele dura o tempo em que acionado, afirmando que a vida

    da obra mesmo concedida pelo pblico participante.

    Para a exposio Espaos Reversveis, Rubens Mano ocupou uma

    das salas do museu retirando todos os objetos e mobilirio ali existente,

    deixando tambm suas luzes totalmente apagadas. Uma vez esvaziado o

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    espao da sala, o artista cobriu ento suas janelas que abrem para o jardim

    do museu com uma pelcula de vinil adesivo, opaca, e que imita vidro

    jateado. Este ato permitiu a entrada da claridade, porm, impossibilitava a

    viso para a paisagem. Todavia, uma pequena fresta deixada por um crculo,

    recortado nesta pelcula aderida aos vidros, permitia que cada um dos

    visitantes pudesse observar o lado de fora e perceber num canto isolado do

    jardim uma pequena construo. Conjugando sala interna do museu e

    edificao abandonada do jardim como partes possveis para um dilogo,

    Rubens Mano criou um espao luminoso permanente no interior desta

    pequena construo que est na divisa do jardim do museu com o edifcio

    que existe ao seu lado. As janelas dessa pequena edificao tambm foram

    cobertas com a mesma pelcula e em seu interior (vedado entrada do

    pblico), foram instaladas aproximadamente 110 lmpadas fluorescente que

    durante todo o perodo da exposio permaneceram acesas continuamente,

    provocando a imagem de um bloco luminoso.

    Intitulado pelo artista com a sugestiva nomeao: nada/consta, essa

    obra tornou visvel a todo o visitante que se disps a olhar na fresta daquela

    janela da sala do museu no apenas uma construo isolada e sem

    utilizao, ignorada no jardim, mas aproximou-a, trouxe-a para dentro de

    suas salas expositivas. Tornou visvel espaos que ao longo do tempo foram

    perdendo suas funes e, abandonados prpria sorte, ficaram invisveis no

    conjunto da instituio.

    [ o espao do museu como laboratrio ]

    Todos ns, artistas e curadores, nos vemos continuamente quandopensamos uma exposio na condio de enfrentar tiranias de diferentes

    ordens, mas que findam, paradoxalmente, revertendo-se em instigantes

    desafios. Muitas decises estticas, conceituais e contextuais dependem e

    implicam naquilo que se construir como/no espao.

    O museu despeito de muitas omisses sobre quilo que deveria ter

    como pauta permanente de suas funes torna-se como no contexto aqui

    descrito da exposio Espaos Reversveis, ele prprio, um laboratrio paradebater sobre suas prprias funes.

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    As intervenes de Rubens Mano e Tatiana Ferraz para esta

    exposio no apenas questionaram o espao expositivo em si, mas

    ampliaram-se numa rede de situaes que replicou nas pessoas que

    estiveram diretamente ligadas produo, como montadores, monitores,

    direo e coordenao do museu, assim como no pblico que durante o

    perodo de um ms pode participar de algumas de suas ativaes.Foram,

    conforme apresenta James Meyeriv, ativaes continuas operadas dentro de

    uma lgica denominada de functional site, onde ao invs de se ater

    fisicalidade e a monumentalidade do espao fsico (literal sitev), a ao foi

    expandida para um sitede ordem crtica e discursiva. Toda a configurao da

    situao em que os artistas transitaram e construram como espao de

    exposio ocorreu naquilo que Meyer assinala como entre sites. Ou seja,

    como mtodo de investigao e indagao, no trnsito de esferas de

    interesses locais e contingenciais. Acrescentando ainda que,

    (...) o site funcional no precisa incorporar o lugar fsico, pois

    certamente, ele no privilegia esse lugar. Ao invs disso um

    processo, uma operao que ocorre entre sites, um mapeamento

    de filiaes textuais e institucionais e os corpos que se movem

    entre eles, (sobretudo do artista). Trata-se de um site

    informacional, um palimpseto de texto, fotografias e gravaes em

    vdeo, lugares fsicos e coisas: um site alegrico, para emprestar o

    termo de Craig Owen, bem denominado para descrever a

    empreitada polivalente de Robert Smithson, cuja noo vetorial e

    discursiva de lugar se ope ao modelo fenomenolgico de Serra.

    No mais uma parede de ao que obstrui e se anexa a uma

    praa por toda a eternidade. Ao contrrio, o trabalho funcional

    recusa a intransigncia da especificidade do site literal. Trata-se de

    uma coisa temporria, um movimento, uma cadeia de significados

    e histrias intricadas: um lugar marcado com o abandono

    premente. O site mvel ento namora sua destruio,

    intencionalmente temporrio, sua natureza no durar mas simruirvi. (MEYER apud SUDERBURG 2000: 25)

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    Em Espaos Reversveis, a ocupao dos dois artistas foi pensar a

    condio e a disposio do local da exposio numa mediao discursiva das

    partes: instituio e artistas. Levada efeito como um site funcional,

    questionou e problematizou o museu e, como um campo de discusso,

    apresentou MIMEO (integrando salas que dividem descompromissadas o

    mesmo edifcio), nada/consta (tornando visvel espaos desvinculados de

    suas funes e abandonados prpria sorte no conjunto da instituio), e

    MDC - Mltiplo Denominador Comum (como contra-proposta, revelando o

    descompasso existente entre a desejada e propagada reflexo sobre a

    produo contempornea e a soluo normalmente adotada por museus eespaos expositivos como aceno de sua entrada nesse campo de

    discusses).

    [ Referncias Bibliogrficas ]

    MEYER, James. The Functional Site; or The Transformation of Site Specificity. In:SUDERBURG, Erika. (org.). Space, Site, Intervention: Situating Installation Art.

    Mineapolis: University Mineapolis Press, 2000.KWON, Miwon. One place after another: site-specific art and locational identity.Cambridge/London: The Mit Press, 2002.ODOHERTY, Brian. No Interior do Cubo Branco. Trad. Carlos. S. Mendes Rosa. SP:Martins Fontes, 2002.SANS, Jrme e SANCHEZ, Marc. Quattendez-vouz dune instituition artistique du21e siecle?Paris: Palais de Tokyo, 2003.

    Regina Melim. Professora no CEART/UDESC. Doutora em Comunicao eSemitica pela PUC, So Paulo (2003). Coordena desde 2005 o Grupo de Pesquisa:Processos Artsticos Contemporneos, organizando desde ento as exposies:Midiaes: aes orientadas para fotografia e vdeo em debate, MASC,Florianpolis, SC, (2005); e as exposies portteis pf(2006), amor: leve com voc(2007) e COLEO (2008).

    Adriana Barreto. Artista e mestranda no PPGV (CEART/UDESC). Entre asexposies que participou destacam-se: Ulay Babait /Maybe at Home, PyramidaCenter for Contemporary Art, Haifa, Israel, 2007; FIAT Mostra Brasil- So Paulo/SP2006, MAIS PERTO-Ybakatu Espao de Arte, Curitiba 2006; VERBO 2005, GaleriaVermelho, So Paulo, 2005; e das exposies portteis amor: leve com voc, 2007e PF, 2006.

    Bruna Mansani. Artista e mestranda no PPGAV (CEART/UDESC). Entre asexposies que participou destacam-se: FIAT Mostra Brasil , Poro das Artes, SP,2006; MAIS PERTO, Ybakatu Espao de Arte, Curitiba, 2006; VERBO , Galeria

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    Vermelho, SP, 2005; e das exposies portteis amor: leve com voc , 2007 e PF,2006.

    i A exposio Espaos Reversveisteve curadoria de Daniela Labra (RJ) e foi realizada com apoio do

    Edital Funarte, no programa Conexes Artes Visuais. Participaram da mostra, alm de Rubens Mano(SP) e Tatiana Ferraz (SP), a artista Ana Holck (RJ). A coordenao desta exposio esteve cargo deAdriana Barreto. Bruna Mansani participou no programa de montagem e monitoria. Regina Melimrealizou um encontro com o pblico, na ocasio do lanamento do impresso da exposio, cujo tema foia exposio como um procedimento.

    ii Apenas como curiosidade, o mobilirio em questo era composto de: 3 escrivaninhas, 6 biombos, 3vitrines, 5 armrios de vidro, 11 mdulos com rodzios, 86 cadeiras, 1 mesa oval e 1 piano de cauda.

    iii Release enviado pelos artistas Rubens Mano e Tatiana Ferraz equipe que coordenou e monitorou aexposio.

    iv MEYER, James. The Functional Site; or The Transformation of Site Specificity. In: SUDERBURG,

    Erika. (org.). Space, Site, Intervention: Situating Installation Art. Mineapolis: University MineapolisPress, 2000.

    v Neste caso a prtica site specific no comporta mudana, como em Tilted Arc (1981) de RichardSerra, que o autor aponta como um exemplo de literal site, onde o local nico e o trabalho tambm,inseparvel do espao. A mudana do trabalho implicaria na sua destruio.

    vi (...) the functional site may not incorporate a physical place. It certainly does not privilege this place.Instead, it is a process, an operation occurring between sites, a mapping of institutional and textualfiliations and the bodies that move between them (the artists above all). It is an informational site, apalimpsest of text, photographs and videos recordings, physical places, and things: an allegorical site, torecall Craig Owenss term, aptly coined to describe Robert Smithsonss polymathic enterprise, whosevectored and discursive notion of place opposes Serras phenomenological model. It is no longer an

    obdurate steel wall, attached to the plaza for eternity. On the contrary, the functional work refuses theintransigence of literal site specificity. It is a temporary thing, a movement, a chain of meanings andimbricated histories: a place marked and swiftly abandoned. The mobile site thus courts its destruction;it is willfully temporary; its nature is not to endure but to come down.