Acervo Performare - MUSICA O CHORO COMO MATERIAL DIDATICO Pratint LFAraujo SABarrenechea

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    O CHORO COMO MATERIAL DIDTICO PARA O ENSINO DA FLAUTATRANSVERSAL

    Larena Franco de Arajo / Srgio Azra Barrenechea

    RESUMO: O artigo busca comprovar, atravs da anlise dos choros e de um estudo comparado com a literaturatradicional de estudos e exerccios tcnicos para flauta, a possibilidade de que os principais aspectos tcnicos daflauta sejam trabalhados atravs do choro. A pesquisa concluiu que o choro pode ser utilizado como ferramentadidtica de aperfeioamento tcnico, em complementao literatura tradicional de estudos tcnicos. Entretanto, ochoro por si s, no constitui alternativa ao modelo tradicional de estudo tcnico, por se tratar de pea musical, cujanatureza implica numa abordagem tcnica mais limitada do que a do estudo, dado o comprometimento com ocontedo artstico. Todavia, se faz necessria a incluso do choro em uma sistematizao de proposta pedaggicadiferenciada, que sirva de alternativa ao modelo tradicional.ABSTRACT: The paper aims to prove the possibility of working the main topics of flute technique trough theperformance of choro. The methodology adopted an analysis of selected pieces of choro and a compared studybetween choro and the traditional literature of studies and technical exercises for the flute. Its results show that chorocan be used as didactic material for teaching the flute in completion to the traditional literature of studies andtechnical exercises. However choro, for itself, does not make up an alternative to that traditional repertoire, since itstechnical approach is limited by its compromise with the distinguished artistic content of musical pieces.Nevertheless, it is necessary to include the choro in a pedagogic proposal which may serve as an alternative to thetraditional one.PALAVRAS-CHAVE: performance musical; ensino da flauta transversal; choroKEYWORDS: musical performance; flute teaching; choro

    OBJETIVOS

    Possibilitar ao flautista uma opo na abordagem do repertrio tcnico do instrumento, apartir da seleo e anlise do repertrio de choros para flauta. Pretende-se aprofundar a discussosobre a importncia do choro no desenvolvimento tcnico do flautista e sugerir a utilizao deobras oriundas deste repertrio com fins didticos.

    JUSTIFICATIVA

    O choro representado, dentro da literatura musical, por peas musicais curtas, que, poranalogia, podem ser comparadas aos estudos tcnicos. Essa idia advm, primeiramente, de umacoincidncia estilstica, manifesta no s nesse formato, como tambm na semelhana meldicaentre alguns choros e estudos virtuossticos para flauta da segunda metade do sculo XIX -

    perodo em que o choro se desenvolveu e estabeleceu. Esta semelhana pode ser ilustrada, porexemplo, ao se comparar a linguagem do choro e os estudos de Andersen, que tiveram suaprimeira edio publicada entre 1894 e 1895 (ANDERSEN, 1944). Alm disso, o choro enfatizaa preocupao com o virtuosismo, a tcnica perfeita, a rapidez e clareza que so caractersticas

    Larena Franco de Arajo ([email protected]) Mestre em Msica pela Universidade Federal de Gois(UFG). Srgio Azra Barrenechea ([email protected]) Doutor em Artes Musicais (DMA) pelaUniversity of Iowa (UIOWA) e professor adjunto do Instituto Villa-Lobos/UNIRIO.

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    tpicas da msica erudita (PIRES, 1995). Da sua sugerida vocao como ferramenta auxiliadorano aprimoramento tcnico do instrumentista.

    Investigar a interpretao do choro como uma opo na abordagem do repertrio tcnicopara flauta parece ser um caminho vivel, que corrobora os atuais esforos doperformerem atuarcom um maior grau de pluralismo esttico. A pluralidade de campos de conhecimento e

    propsitos educacionais estimula a busca por novas opes de fazeres musicais, que enriqueamsua atuao profissional, tornando-a tambm condizente com as exigncias de mercado.A tradio de performance e ensino oficial de flauta no Brasil adota, de uma maneira geral,

    o repertrio de mtodos, estudos e exerccios tcnicos das escolas europias. Esse repertrio muito vasto, apresenta grande qualidade e, por esta razo, utilizado na formao de flautistasem todo o mundo. No entanto, encontra certa resistncia entre os estudantes, pois pode serconsiderado repetitivo, cansativo, desestimulante, talvez por sua dissociao da realidadecontempornea.

    Essa problemtica ocorre tambm entre os estudantes brasileiros, cujo descontentamento agravado por um fator importante: o repertrio tcnico da escola tradicional extremamentedistante da realidade brasileira. Essa literatura , em geral, selecionada com base no modelo dosantigos conservatrios europeus, cuja sistematizao curricular e rigidez acadmica tm,progressivamente, se tornado cada vez mais distantes da realidade atual do ensino musical noBrasil.

    Nesse contexto, emerge a necessidade de novas opes na abordagem do repertrio tcnicopara flauta transversal, de forma a torn-lo mais atrativo e mais prximo da realidade cultural doflautista brasileiro. Para aquele que tem interesse pela msica brasileira, uma opo possvel seriao choro. Existe uma grande afinidade existente entre o choro e a flauta, pois os componentesestilsticos do choro encontram um terreno nas possibilidades tcnicas do instrumento: avirtuosidade, a expressividade, a variedade de registros, de andamentos, de ritmos. Essescomponentes, e tantos outros, podem ser executados pela flauta com apuro e graa.

    Tal afinidade comprovada pela presena da flauta como membro da formao dos gruposde choro desde suas origens, ainda no sculo XIX (CAZES, 1999). Da a abundncia derepertrio de choros para o instrumento, tanto compostos tendo as idiossincrasias da flauta comomodelo (escritos originalmente para flauta, muitas vezes por flautistas chores), como adaptadosposteriormente para esta.

    O choro , de fato, parte da histria da flauta no Brasil. Vrios flautistas consagraram-secomo grandes intrpretes atravs do choro, desde o sculo XIX at os dias atuais. Alguns delesforam Joaquim Antnio da Silva Callado (1848-1880), Viriato Figueira da Silva (1851-1882),Patpio Silva (1880-1907), Pixinguinha (1897-1973), Benedito Lacerda (1903-1958), CarlosPoyares (1928-2004), Niccolo Copia Copinha (1910-1984) e Joo Dias Carrasqueira (1908-2000). Ainda atuantes, destacam-se Altamiro Carrilho, Odette Ernest Dias, Mrio Seve, AndraErnest Dias, Antnio Carlos Carrasqueira, Dirceu Leitte e Alexandre Romanazzi (CAZES, 1999).

    FUNDAMENTAO TERICA

    Alguns autores j trataram da importncia do choro no desenvolvimento tcnico doinstrumentista. O clarinetista Ricardo Freire, professor de clarineta da UnB, apresenta um estudoem que prope a organizao de um currculo para o ensino da clarineta na Universidade baseadona Msica Brasileira. Freire afirma que habilidades especficas podem ser desenvolvidas atravs

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    do choro: a transposio; o tocar sem partitura, apenas de memria; a percepo, aprendendo-sepeas de ouvido; o senso de improvisao. (FREIRE, 2000, p. 3).

    Tambm clarinetista, Jailson Raulino, professor de clarineta na UFPE, em artigoespecificamente voltado ao gnero choro, comenta que o gnero assume papel de destaque para odesenvolvimento da tcnica clarinetstica. Sua prtica, de acordo com o autor, de fundamental

    importncia, porque, inerente execuo de obras do gnero, encontram-se exerccios, comimplicao direta para o desenvolvimento da performance em quaisquer reas de atuao doinstrumentista (RAULINO, 2000, p. 42-43).

    O contrabaixista Alexandre Brasil de Matos Guedes, mestre pela UNIRIO, realizoupesquisa sobre a potica do contrabaixo no choro, buscando construir um discurso investigativoda linguagem do choro, a partir de tcnicas interpretativas familiares a contrabaixistas, comtentativas de aproveitamento das concluses dessa investigao num contexto prtico, em cursosde extenso em contrabaixo (GUEDES, 2004, p. 40 e 42).

    Especificamente voltadas para a flauta, trs publicaes merecem destaque. A primeira datade 1982. Em seu Mtodo Ilustrado de Flauta, Celso Woltzenlogel incluiu uma seo chamadaEstudos sobre a Sincopa, contendo composies de diversos autores em variados estilos(incluindo o choro), todas centradas na figura da sincopa e em sua execuo, tal qual ela empregada na msica popular brasileira. A incluso dessa seo em um mtodo para flautademonstra uma preocupao com a formao do flautista para a realidade do mercado de trabalhoe constituiu um passo muito importante em direo a oferecer material didtico sobre aspectos damsica brasileira para a flauta transversal.

    As duas outras publicaes, mais recentes, destinam-se ao flautista que quer aprender atocar choro, aprofundando-se no estilo e treinando a improvisao: Chorinhos Didticos (1993),de Altamiro Carrilho e Vocabulrio do Choro (1999), de Mrio Sve. uma pena que essaspublicaes, apesar de sua alta qualidade e riqueza de propostas, ainda so pouco exploradaspelos flautistas de formao mais acadmica.

    No mbito dos trabalhos cientficos, cita-se a dissertao de Jos Benedito Viana Gomes,intitulada Os choros de Pixinguinha e o estudo atual da flauta transversal no Brasil. Atravs deum estudo comparado com obras do repertrio brasileiro erudito para flauta (Sonatina em Rmaior, de Radams Gnatalli eBachianas Brasileiras n 6para flauta e fagote, de Villa-Lobos), oautor demonstra a viabilidade da utilizao do choro como ferramenta para o aperfeioamento dainterpretao de obras eruditas que utilizem elementos musicais do gnero.

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    SELEO DE REPERTRIO

    Foram selecionados dez choros do repertrio para flauta, dentre aqueles escritos e/ouadaptados para o instrumento. Na seleo de tais peas, as seguintes delimitaes foram adotadas:escolha de obras contidas na discografia de Altamiro Carrilho, observando-se o nmero deocorrncias (gravaes e reedies) e a presena de aspectos tcnicos relevantes.

    A discografia de Altamiro Carrilho foi utilizada como universo de pesquisa por suarepresentatividade na histria contempornea do choro. Carrilho um mestre da interpretao dechoros flauta, relevante compositor, intrprete virtuose e difusor do gnero. A escolha de suas

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    interpretaes como referencial se deu no s por sua excelncia como intrprete, mas tambmpelo interesse em recolher as peas selecionadas na tonalidade adotada por ele. Isso de especialrelevncia para as peas compostas para outros instrumentos, portanto adaptadas para a flauta.Transcrever essas peas de acordo com a interpretao de Carrilho assegura a sua viabilidade deexecuo flauta, alm de constituir um importante material para aqueles interessados na

    performance de Altamiro Carrilho.Realizou-se um levantamento sobre a discografia de Carrilho. Atravs da Internet, forampesquisados sites de vendas de CDs (www.cliquemusic.com.br; www.americanas.com.br;www.brasilmusik.de) e o site de Altamiro Carrilho (www.altamirocarrilho.com.br). Alm disso,utilizou-se o banco de dados do pesquisador Alexandre Dias, que realiza um trabalho decatalogao e restaurao de gravaes de msicos brasileiros. Optou-se por utilizar as gravaesdisponveis em vinil e CD, que datam de 1958 at o presente. Foram excludas as gravaes emdiscos 78 RPM devido dificuldade de acesso a tais registros.

    Os choros foram catalogados e organizados de acordo com o nmero de ocorrncias nadiscografia de Carrilho. Foi elaborado um ranking dos choros mais gravados, e/ou re-editados. Oalto nmero de gravaes foi considerado um demonstrativo de qualidade composicional einterpretativa, dado sua repercusso junto ao pblico e crtica especializada. Foi, portanto, umcritrio acessrio para a seleo das peas.

    A seleo das gravaes a serem utilizadas como referencial levou em considerao ocritrio da acessibilidade, tendo em vista que a coleta de todas as gravaes presentes nadiscografia de Altamiro Carrilho constituiria um trabalho demasiadamente especfico, nocontemplado nos objetivos da pesquisa. Optou-se por utilizar gravaes obtidas na Internet e/ouque constavam de colees particulares de fcil acesso. Dessa forma, Pedacinhos do Cu eBrasileirinho, de Waldir Azevedo, foram colhidas da Internet em formato mp3, no ano de 2004,enquanto que as demais gravaes foram retiradas da coletnea Memria da Msica Brasileira,lanada pela gravadora Movieplay, em 1992. No foi possvel datar cada gravaoespecificamente.

    A partir da audio das gravaes, decidiu-se transcrever os choros na tonalidade utilizadapor Altamiro Carrilho, respeitando, inclusive, eventuais modificaes na linha meldica inseridaspor ele. Foram selecionados os seguintes choros: Pedacinhos do Cu eBrasileirinho, de WaldirAzevedo; Lamento e Carinhoso, de Pixinguinha; Doce de Coco, de Jacob do Bandolim; Tico-Tico no Fub e Bem-Te-Vi Atrevido, de Zequinha de Abreu; Andr de Sapato Novo, de AndrVictor Corra, Urubu Malandro, de Louro/Joo de Barro eLngua De Preto, de Honrio Lopes.

    ANLISE

    Os choros com maior nmero de ocorrncias foram, inicialmente, observados sob o ponto

    de vista da abordagem tcnica. Foi critrio essencial selecionar peas cujos elementos estilsticoscoincidissem com aspectos relevantes da tcnica da flauta. Para tanto, foi realizada umacompilao de estudos tcnicos tradicionais de diversos autores, dos quais se retirou umalistagem de aspectos tcnicos. Os seguintes autores foram selecionados como referenciais:Taffanel & Gaubert, 1958; Moyse, 1921; Bitsch, 1955 (Frana); Wilkins, s.d.; Nyfenger, 1986;Floyd, 1994 (EUA); Dietz, 1998; Wye, 1988 (Inglaterra); Graf, 1992 (Sua/Alemanha). Noestudo de cada autor, verificou-se a constante incidncia de alguns aspectos tcnicos. Tomou-se,logo, a recorrncia de tais aspectos em todos os autores, como critrio para determinar aqueles

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    que, obrigatoriamente, deveriam ser considerados como objeto de estudo. Tais aspectos foramassim enumerados: Sonoridade (Expresso, Dinmica, Vibrato, Afinao); Registros(Flexibilidade dos lbios, Intervalos, Homogeneidade sonora); Articulao; Controle dos dedos(Velocidade).

    Para a investigao dos aspectos tcnicos, optou-se por discorrer sobre cada um,

    ressaltando tpicos cujo estudo pode ser realizado atravs da performance do choro. Foramutilizados como referencial os seguintes autores: Wilkins, s.d.; Floyd, 1990; Nyfenger, 1986;Wye, 1988 e Putnik, 1970, em cujas obras so identificadas a origem das dificuldades tcnicas,suas manifestaes e possveis solues.

    Ao se comentar sobre as dificuldades tcnicas encontradas nos choros, buscou-se fornecerestratgias para o estudo de tais habilidades. Para tanto, foram adotados como referencialWilkins, s.d.; Floyd, 1990; Nyfenger, 1986; Wye, 1979; Putnik, 1970 e Graf, 1992.

    ESTUDO COMPARADO

    Realizou-se, paralelamente, um estudo comparado entre a literatura tradicional de estudostcnicos para flauta e a seleo de choros analisada. Os objetivos foram (1) comprovar aocorrncia dos aspectos tcnicos explorados nos choros, atravs da exemplificao com excertosda literatura tradicional de estudos tcnicos, (2) comparar a abordagem dos aspectos tcnicos nochoro e na literatura tradicional.

    Para comprovar a ocorrncia dos aspectos tcnicos j reconhecidos nos choros na literaturatradicional, decidiu-se coletar exemplos musicais cuja linguagem fosse semelhante do choro,com o intuito de facilitar a observao de cada aspecto tcnico, tanto no choro, quanto no estudotcnico tradicional. Com base no critrio da semelhana estilstica, foram adotados os seguintesautores para fundamentar o estudo comparado: Theobald Boehm (1794-1881), Joachim Andersen(1847-1909) e Ernesto Koehler (1849-1907).

    DISCUSSO E RESULTADOS

    A investigao dos mencionados aspectos tcnicos no repertrio de choros selecionado foiconduzida a partir da identificao de tais aspectos, explanao de seus elementos e sugesto deestratgias de estudo, como exemplificado a seguir.

    SONORIDADE - Primeira oitava: sons graves

    Apesar de, em geral, o registro grave da flauta no ser muito utilizado no gnero choro, seurepertrio pode servir como material para desenvolvimento de habilidades neste registro. O choroAndr de Sapato Novo, logo em seu primeiro compasso (figura 1), pode servir de material para odesenvolvimento de uma questo tcnica muito importante na flauta: o ataque de notas graves.

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    Figura 1:Andr de Sapato Novo, de Andr Victor Corra, comp. 01 a 10.

    O registro grave na flauta exige um trabalho de sonoridade cujo resultado s se colhe comtempo e amadurecimento. Os sons graves so naturalmente menos potentes na flauta e, paraequipar-los aos sons das demais oitavas, h que se agir segundo um conjunto de estratgias.Uma dessas estratgias envolve pesquisar quanto do orifcio do bocal cobrir para que o som nofique nem muito cheio de ar (orifcio muito aberto) nem falho (orifcio muito fechado). Atendncia na regio grave cobrir demais o orifcio, j que necessrio direcionar o ar paradentro do tubo. No entanto, se o orifcio for coberto excessivamente, os ataques das notas gravestendem a falhar, o que termina por eliminar o som grave por completo.

    Ao mesmo tempo em que se busca a medida exata da abertura do orifcio do bocal, necessrio buscar uma posio da embocadura que auxilie na emisso do som. Essa posio

    geralmente envolve dois pequenos movimentos: (1) movimento do maxilar inferior para trs oupara baixo e (2) um movimento do lbio inferior para as laterais, de forma a espalh-lo sobre oporta-lbio, o que aproxima o lbio superior do orifcio do bocal.

    A obteno de uma boa sonoridade no registro grave pode ser em muito facilitada pelaprtica de harmnicos, que fortalecem a musculatura da embocadura e treinam seu controle.Alm disso, a presena de harmnicos essencial para que a sonoridade dos graves tenha corpo ecor, pois a adio de harmnicos cria o chamado centro do som, seu foco (WILKINS,s.d., p. 25)e (WYE,1979, p.06).

    Recomenda-se, a flautistas de todos os nveis tcnicos, a prtica de sons harmnicos. Elespodem ser exercitados a partir das notas d3, r3 e mib3 do registro grave, buscando alcanarcada som harmnico com exatido, o que exige um cuidadoso estudo da presso de ar e da

    embocadura. Sugere-se uma aplicao do estudo de Harmnicos (figura 2), para o trecho doAndr de sapato novo, utilizando a nota r3 (WYE, 1979, p. 06).

    Figura 2: Exerccio de harmnicos sobre oAndr de Sapato Novo, de Andr Victor Corra

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    REGISTROS Intervalos: flexibilidade dos lbios

    O estudo dos intervalos e da flexibilidade dos lbios, necessria em passagens comutilizao de dois ou mais registros simultaneamente, pode ser realizado em vrias passagensdesta seleo de choros. Saltos descendentes em direo ao registro grave apresentam difcil

    execuo, pois a tendncia a de que a flauta se vire para dentro, o que provoca a falha da notagrave. o caso da passagem abaixo doDoce de Coco (figura 3).

    Figura 3:Doce de Coco, de Jacob do Bandolim, compassos 01 a 08.

    Esse trecho especialmente problemtico, porque a figurao rtmica determina que a notagrave soe por pouco tempo (trata-se de semicolcheia), o que exige grande preciso na execuoda nota. A respeito, recomenda-se que, como exerccio, o intervalo de oitava seja subdividido emintervalos menores (por exemplo, de tera e de quinta, conforme figura 4). Dessa forma, pode-seaperfeioar o movimento dos lbios e a mudana no direcionamento do ar, gradualmente, at quese ajustem execuo da oitava (WYE, 1979, p.12).

    Figura 4: Exerccio para intervalos de oitava descendentes.

    O choroLngua de Preto, na verso elaborada por Altamiro Carrilho, oferece, por sua vez,um excelente estudo para intervalos de oitava, ligados, em velocidade (figura 5).

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    Figura 5:Lngua de Preto, de Honrio Lopes, comp. 01 a 08.

    A seguir, alguns exemplos de estudos que envolvem intervalos de oitava (Figuras 6 e 7):

    Figura 6: Boehm, op. 26, 22, comp. 9 a 11.

    Figura 7: Andersen, op. 30, 21, comp. 1 a 3.

    ARTICULAO - Golpe Duplo

    Um dos problemas na emisso do golpe duplo ocorre quando a articulao soa com o kmais fraco que o t. Wye (WYE, 1979, p. 24) recomenda exercitar a passagem iniciando o golpeduplo com k, colocando acentos em todos os ks. possvel, ainda, criar variaes na passagem,duplicando as notas cuja emisso seja mais difcil, como no exemplo abaixo (figura 8),construdo a partir da verso de Carrilho sobreLamento.

    Figura 8:Lamento, variao em golpe duplo, comp. 42 a 45.

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    O estudo comparado aponta que a mesma prtica de elementos tcnicos abordados emLamento (golpe duplo em notas repetidas, envolvendo, ainda, mudanas de dinmica) pode serobservada no exemplo seguinte (figuras 9).

    Figura 9: Andersen, op. 15, 9b, comp. 53 a 61.

    CONTROLE DOS DEDOS

    Floyd faz referncia ao chamado legato dos dedos (finger legato), ao se referir aomovimento e posio dos dedos em relao s chaves: necessrio pensar em tocar legato nos com o ar, mas tambm com os dedos. A autora faz algumas recomendaes sobre oposicionamento dos dedos em relao s chaves: mant-los bem prximos s chaves, dispostos namesma altura; levant-los e pression-los somente o necessrio para mover o peso da chave,evitando movimentos bruscos; realizar o movimento dos dedos a partir das juntas, evitandoqualquer movimentao dos pulsos (FLOYD, 1990, p. 31).

    O princpio anterior se aplica especialmente s passagens rpidas em legato, em que ocontrole dos dedos fundamental para garantir clareza e preciso. Alguns trechos de Pedacinhosdo Cu exemplificam essa questo (figura 10).

    Figura 10: Pedacinhos do Cu, compassos 08 a 12.

    O estudo comparado aponta que o controle dos dedos em passagens rpidas encontraexemplificao na literatura tradicional (Figura 11):

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    Figura 11:Andersen, op. 30, 15, comp. 01 e 02.

    CONSIDERAES FINAIS

    A anlise da seleo de choros demonstrou que os principais aspectos da tcnica da flauta(sonoridade, registros, articulao e controle dos dedos) esto presentes no choro e podem sertrabalhados atravs desse repertrio. O estudo comparado comprovou que os aspectos tcnicospassveis de serem trabalhados atravs do choro so igualmente explorados pela literaturatradicional da flauta transversal. Revelou, entretanto, que existe uma diferena entre a abordagem

    tcnica realizada pelos estudos tradicionais e aquela realizada pelo choro: os estudos exploram osaspectos tcnicos em profundidade, de forma a eliminar as dificuldades tcnicas; os chorosexploram estes aspectos de maneira menos intensa, sem tantas repeties de padres, dada aprioridade esttica da pea musical, permitindo o aperfeioamento tcnico, porm em menorescala. Portanto, o choro, por si s, no constitui alternativa ao modelo tradicional de estudotcnico; contudo, obras desse gnero podem ser utilizadas como ferramenta didtica deaperfeioamento tcnico, em complementao ao material tradicionalmente utilizado. A pesquisacorrobora a idia de que importante, til e necessrio que o choro seja, assim, includo naelaborao de uma proposta pedaggica diferenciada, que contemple tambm as necessidades darealidade do flautista em formao no Brasil. Espera-se que este trabalho sirva para impulsionar asistematizao dessa proposta em pesquisas futuras.

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