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    Cadernos da Escola de Negcios da UniBrasilJan/Jun 2004

    Accountabilitye Controle Social: Desafio Construo da Cidadania

    Ely Clia Corbari*

    Resumo: A busca pela cidadania requer que cada cidado entenda o seu papel na sociedade,conhecimento este que se adquire atravs da participao consciente e ativa nessa sociedade. OEstado tambm tem papel importante na medida em que propicia informaes teis e tempestivasa toda populao. Neste sentido, a accountability e o controle social tm importncia fundamental

    para a construo da democracia.

    Palavras-chave: Accountabil ity; Controle Social; Cidadania.

    1 Introduo

    A sociedade tem se tornado cada vez mais crtica em relao aos servios eaos produtos disponibilizados pelo poder pblico. Dois fatores contribuem fortemente

    para isso: o contato com melhores produtos e servios ofertados pelo mercado emgeral e os anncios publicitrios divulgados pelos meios de comunicao.

    Em virtude do fcil acesso e da fora de persuaso que possuem com o fim deatrair clientela ou de suscitar uma determinada reao nos telespectadores, os meiosde comunicao acabam influenciando a sociedade em sua maneira de compreender avida, o mundo e a sua prpria existncia, sobretudo no que se refere s suas motivaes,aos seus critrios de escolha e de comportamento.

    Esse acesso informao e a grande presso para que as organizaes busquemmais eficincia, eficcia e efetividade em suas atividades exigncias que se intensificarama partir da dcada de 70 colocaram as administraes pblicas sob enorme presso, detal forma que a prosperidade ou mesmo a sobrevivncia de uma organizao depende dasua habilidade em prever mudanas e reagir positivamente a elas.

    Buscando acompanhar as transformaes ocorridas mundialmente em virtudedo desenvolvimento tecnolgico e da globalizao econmica, o poder pblico alterouseu modelo estatal de Administrao Pblica Burocrtica para Administrao Gerencial.O primeiro enfatiza os procedimentos e tem como foco o controle das atividades; o

    segundo prioriza a reduo de custos e a qualidade dos servios prestados e o cidado.Essa alterao no sistema estatal buscou implementar aes que promovessem

    a cidadania por meio da participao da sociedade nas aes pblicas e da informaoque o governo colocava disposio da sociedade.

    * Especialista em Contabilidade e Gesto Estratgica pela UNIOESTE e professora da disciplina deTeoria da Contabilidade e de Contabilidade e Analise de Balano da UNIBRASIL.

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    Com a Constituio de 1988, implementou-se o princpio democrtico, o qualse baseia na idia da representao popular em que algumas pessoas representam ointeresse coletivo e tomam as decises pblicas respeitando esse interesse. Nessesistema, os princpios centrais so a soberania popular e o controle dos governantes

    pelos governados, cuja nfase rendeu Carta Magna o ttulo de Constituio Cidad(OLIVEIRA, 2002).

    Historicamente, o controle das aes dos gestores pblicos era garantidope lo co nt ro le de pr oc ed ime nt os qu e se da va at rav s do co nt rol e da

    constitucionalidade das decises, garantia dos direitos dos cidados frente aosgovernantes, fiscalizao e ao de promotores pblicos no controle aos polticos ,pelo controle parlamentar e, em menor proporo, por alguns mecanismos de participaopopular ou controle social. Esses controles surgiram em um momento de grandeexpanso do aparato estatal (perodo ps-II Guerra Mundial), fazendo com que diversosespaos de ao governamental escapassem do controle social (VALLE, 2002).

    Com a Reforma Gerencial, passou-se a pregar a utilizao de novas formas deresponsabilizao dos agentes pblicos, atravs do controle pelos resultados, docontrole pela competio administrada e do controle social de polticas pblicas, sendoeste ltimo considerado o efeito da ao do cidado participante sobre os servios

    pblicos, ou seja, da sociedade sobre o estado, o que confere Democracia cartermais participativo.

    Nesta perspectiva, a sociedade no exerce seu papel apenas no momento dovoto, mas passa a legitimar os seus representantes ao longo do perodo em que oseleitos permanecem no poder. Assim, a responsabilidade pelas decises polticas passaa ser dividida com o pblico-alvo.

    No Brasil, um importante elemento esteve ausente da fiscalizao e dojulgamento dos atos da administrao pblica durante muitos anos: o cidado.Entretanto, no h uma receita nica e certa para que as organizaes pblicas propiciem sociedade a oportunidade da participao desejada.

    Este trabalho foi construdo com o objetivo de discutir as mudanas ocorridasna administrao pblica e apresentar uma perspectiva para a construo da cidadaniaembasada em dois mecanismos primordiais: accountability e controle social.

    2 Transformaes Poltico-Administrativas Recentes no Brasil

    Com o fim do regime militar e o advento da Nova Repblica, floresceu no pasuma demanda que aspirava a democracia e o exerccio da cidadania, a participao nasdecises e na vida poltica do pas. A sociedade comeou a organizar-se em grupossociais para defender seus direitos, o Legislativo recuperou seus poderes, ressurgiramos sindicatos, multiplicaram-se os partidos polticos, enfim, surgiram novos vnculos erepresentatividade entre Estado e sociedade (MAWAD, 2002).

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    Neste perodo, foi instaurada a Assemblia Nacional Constituinte para adequara Constituio conhecida como Constituio Cidad aos novos anseios dasociedade. Esta adequao legitimou o novo regime poltico, sobretudo com a extensodos direitos individuais e sociais, com o restabelecimento das eleies diretas e com arestaurao do equilbrio entre os trs poderes (Executivo, Legislativo e Judicirio).

    Entretanto, apesar de suas caractersticas fortemente democrtica resultadode uma demanda reprimida por representatividade e do temor do retorno ao poder doregime autoritrio , a Constituio Cidad no conseguiu resgatar a cidadania

    plena do povo brasileiro. E nem poderia, pois a construo da cidadania passaprimeiramente pelo investimento em educao, pela formao crtica dos cidados epela supresso da pobreza poltica, to malfica quanto a pobreza material.

    Simultaneamente a essas transformaes polticas, houve uma redefinio nagesto pblica. Buscou-se adequar o poder pblico nova realidade poltica do pas es transformaes econmicas ocorridas no cenrio mundial, o que acarretou oafastamento do modelo de intervencionismo estatal.

    Com as transformaes econmicas mundiais, que resultaram na globalizaoeconmica, surgiu a necessidade de uma nova forma de administrar o Estado. Este

    precisava ser forte e barato, bem como ter um custo reduzido para ser competitivo emsuas atividades comerciais externas.

    A dcada de 80 foi marcada pelo crescente dficit pblico e pelo aumento do

    endividamento externo, o que levou impossibilidade de dar continuidade s polticaspblicas que tomavam o Estado como o principal promotor direto do bem-estar sociale do desenvolvimento econmico (MAWAD, 2002).

    Para fazer frente ao modelo intervencionista, a partir dos anos 1950 seintensificou a necessidade de um aparato institucional, o que induziu a gesto

    burocrtica a se revestir de extremo formalismo legal para absorver a diversidade deatividades impostas ao Estado. O resultado foi a elevao dos custos da gesto

    burocrtica, tornando-a lenta e ineficiente. As crescentes despesas j no eram maissuportadas pelo governo e contribuam ainda mais para o aumento do dficit pblico.

    Estes fatores acentuaram a crise institucional do Estado brasileiro no final dosculo XX e, por conseguinte, sua forma de organizao no mais se adequava smudanas no cenrio nacional e mundial. Alm das necessrias mudanas estruturais,

    o resgate da democracia demandava o surgimento de um novo modelo de gestovoltado para a transparncia e para a participao dos cidados no processo poltico.Neste processo de democratizao, a informao teve importncia fundamental paraque o governo se aproximasse mais da sociedade, e vice-versa (SILVA, 2002).

    ELY CLIA CORBARI

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    necessrio ter em mente que o controle social no se faz a partir daabundncia de informaes, mas da disponibilidade de informaes suficientes e deentendimento simples para o cidado mdio que dela faz uso.

    No entanto, em virtude de tantas manchetes de corrupo, desvios e desmandono trato dos recursos pblicos, grande parte da sociedade no acredita mais nasinformaes apresentadas pelo governo. Isso faz com que os meios de comunicaoexeram certo poder sobre o Estado, pois podem apresentar contribuies positivasem um momento e negativas em outro. Em termos gerais, uma publicidade apenas um

    anncio pblico que se destina a transmitir informaes, a atrair a clientela ou a suscitaruma determinada reao. Isso significa que a publicidade tem dois objetivos essenciais:informar e persuadir.

    Assim, cria-se um problema tico e moral que envolve os meios de comunicao,que tanto podem contribuir para o processo democrtico como dificult-lo. Nesta

    perspectiva, pode-se dizer que os meios de comunicao tm duas faces: aquela livree responsvel, que no seio da democracia pode impedir as tentaes de monopolizaodo poder por parte de oligarquias e de interesses particulares; e aquela que considerada um entrave ao processo democrtico em virtude das deturpaes dasidias, das informaes e das aes pblicas apresentadas pelo governo, com o objetivode levar o Poder Estatal ao descrdito para favorecer algum interesse particular.

    Quando a mdia no possui uma conduta tica e moral, a construo da

    cidadania fica comprometida. Isso porque as divergncias de informaes fazem comque a sociedade passe a desacreditar na ao estatal e, conseqentemente, afugentamos cidados da participao popular. O resultado disso a manuteno do sistemaexistente, formando um ciclo vicioso: o poder pblico se utiliza de prticas paternalistas

    para agradar o eleitorado, o qual, por sua vez, fica a espera de favores, validando aconduta dos agentes pblicos.

    4Accountability: Informao e Cidadania

    Cidadania conquista. No surge por estar presente em normas edeterminaes legais, mas parte da prpria evoluo da democracia e do amadurecimento

    poltico da sociedade. Ela cultivada e vai sendo incorporada ao longo do tempo e,neste processo de conquista, a informao tem papel preponderante. natural, nas sociedades democrticas, esperar que os governos tenham

    postura responsvel com relao aos cidados, pois estes, alm de clientes, soacionistas do Estado. como se houvesse uma espcie de relao empresarial emque os cidados investem seus recursos e o governo os gerencia com o nico objetivode gerar benefcios para a prpria sociedade. Resulta disso a relao em que o cidado o mandante, o principal, e o Estado a delegao, seu agente.

    ELY CLIA CORBARI

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    Na construo da cidadania, a educao poltica necessria para que aspartes compreendam seus papis, mudando a situao ainda hoje encontrada: de umlado o Estado sem conscincia de quem so seus clientes; e, de outro, o cidado comsua atitude passiva, sem noo de seu papel na sociedade.

    Um dos passos importantes para a edificao da cidadania acabar com acultura da prtica paternalista. necessrio entender que exercer o direito de cidado acompanhar a gesto pblica, participar das diretrizes das polticas pblicas, organizar-se politicamente para definir suas prioridades e principais demandas e, por fim, ter

    acesso aos resultados das aes governamentais.O principal e maior passo para o amadurecimento da sociedade a compreenso

    de que o processo eleitoral apenas um dos passos para a democracia. Tambm necessrio que se tenha claro que a cidadania um exerccio permanente. Ela construda e mantida atravs da participao contnua nas aes de governo e daavaliao permanente da pessoa eleita para gerenciar os recursos angariados dasociedade.

    A qualidade da informao preponderante para que essa participao ativada sociedade se efetive. A falta e a assimetria de informao acabam resultando nodistanciamento entre sociedade e governo, pois o que muitas vezes utilizado para amanuteno do prprio sistema como o caso a informao imprecisa sobre os atosda Administrao Pblica acaba aumentando a desconfiana e o descrdito da

    sociedade em relao ao governo.Estes fatores resultam em um governo que mantm o status e no v a

    necessidade de evoluir, partindo, s vezes, para prticas paternalistas e para amanuteno da ignorncia poltica de seus eleitores. A sociedade, por ser desinformada,limita-se a criticar por criticar, sem ter base concreta para fundamentar seus argumentos.

    Entretanto, utopia achar que existe informao absoluta e plena, pois hperda de informao em qualquer relao, inclusive na relao cidados-governo. Amelhor maneira de minimizar a assimetria de informao entre o principal (cidado) e oagente (governo) exercer a democracia diretamente. Na democracia direta, o vis deinformao tenderia a zero, j que os prprios cidados administrariam seus recursos.

    Porm, no parece factvel exercer a democracia direta em todas as decisesde governo, uma vez que a lentido do processo e os altos custos envolvidos

    inviabilizariam esse tipo de gesto. Por isso que a democracia representativa substituta da direta no exerccio da cidadania, ou seja, h uma relao contratual entreas partes no momento em que os cidados delegam a algum o poder de decidir em seunome.

    Nessa relao contratual, em que so acertados direitos e obrigaes entre oprincipal e o agente, j h perda de informao, uma vez que num sistema eleitoral asescolhas so efetuadas de acordo com a expectativa de desempenho futuro de umdeterminado candidato, que pode valer-se de meias-verdades para agradar o eleitorado.

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    Essa assimetria de informaes existente no processo eleitoral demonstraque uma das partes teve mais acesso informao do que a outra e s reduzida comos processos eleitorais repetitivos, com a avaliao feita pela populao do histricodas gestes sucessivas de seus representantes. No entanto, de se esperar quecontinue existindo algum desvio de informao em razo dos interesses distintos entresociedade e representantes governamentais.

    Levando em considerao a relevncia da informao no exerccio da cidadania,o desafio buscar formas de minimizar a assimetria da informao e as conseqentes

    perdas nesse processo. No processo de controle social, a transparncia e o acesso informao so fatores condicionantes, uma vez que s se pode controlar aquilo deque se tem conhecimento efetivo.

    5 Controle Social: Um Processo Cultural

    Nesse momento de transformao, inspirado no resgate da importncia daparticipao popular nas decises de Governo, surge o controle social. Este entendidocomo o controle que os cidados exercem de forma direta sobre as aes do Estado, ouseja, o controle da sociedade sobre o Estado.

    Com relao a esse assunto, h um conceito parcial cercado de

    incompreenses, pois, na maioria das vezes, as pessoas se inclinam a entender essecontrole simplesmente como um ato de verificao de falhas e irregularidade. Naverdade, sua importncia muito mais ampla, deveria ser entendido como uminstrumento de auxlio na busca da organizao governamental, como um instrumentoque busca garantir uma boa administrao que leve concretizao dos objetivosestabelecidos.

    Oliveira (2002, p.150) acredita que esse clima preconceituoso se deva prpriaambigidade do assunto: a existncia de controles pressupe sempre dois lados odo controlador e o do controlado sendo que no gostamos do primeiro, tido comoalgoz, e simpatizamos com o segundo, tido como vtima.

    Para mudar essa mentalidade, necessrio que se veja o controle como aspectofundamental da vida da sociedade e do Estado, porque, inversamente, o descontrole

    resulta na perda das aes socialmente significativas e at da prpria interao entreEstado e sociedade. O controle sob essa tica influencia o processo decisrio,aprimorando-o em favor da comunidade.

    Oliveira (ano) resgata a etimologia da palavra controle e diz que este termosignifica: [...] Vigilncia e verificao administrativa [...] Ato ou poder de dominar,regular, guiar e restringir [...] Fiscalizao exercida sobre as atividades de pessoas,

    rgos, departamentos, ou sobre produtos, etc. para que tais atividades, ou produtos,

    no se desviem das normas preestabelecidas (OLIVEIRA, 2002, p.151).

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    A declarao constitucional de 1988 de que todo poder emana do povo e emseu nome exercido tem se apresentado mais como enunciado de princpio, em que anoo de povo se revela essencialmente abstrata, do que como uma prtica real no ato

    poltico. O efetivo controle social dos recursos pblicos baseia-se em uma cidadaniaativa, ou seja, na insero da sociedade na Administrao Pblica. Com isso, os cidados

    buscam garantir o cumprimento dos programas do governo, o qual deve viabilizarprojetos sociais de interesse da nao.

    Para que haja um controle efetivo dos gastos pblicos, a responsabilizao

    dos gestores pblicos to necessria quanto a existncia dessa relao democrtica,que garante a participao social ativa. Esses dois princpios imprescindveis naAdministrao Gerencial so sustentados pelo conceito de accountability, que podeser assim definido: [...] como sinnimo de responsabilidade objetiva e, portanto,como um conceito oposto ao de responsabilidade subjetiva. Enquanto

    responsabilidade subjetiva vem de dentro da pessoa, a accountability

    (responsabilidade objetiva) acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou

    organizao perante uma outra pessoa, por algum tipo de desempenho(MOSHERapud SILVA, 2002, p.38).

    Neste sentido, quem falha no cumprimento de diretrizes legtimas consideradoirresponsvel e sujeito penalidade. A inexistncia de controle efetivo e de penalidadesaplicveis ao servio pblico, em caso de falhas na execuo de diretrizes legtimas,acaba enfraquecendo o ideal democrtico do governo pelo povo.

    Para Bresser Pereira apud Oliveira (2002, p.145) quanto mais clara for aresponsabilidade do poltico perante os cidados, e a cobrana deste em relao aogovernante, mais democrtico ser o regime.

    Entretanto, o controle social no algo fcil de se concretizar. A exposioterica do controle social no leva em conta o despreparo geral da sociedade, aocontrrio, pressupe uma sociedade capaz de compreender o funcionamento da mquina

    pblica.O desenvolvimento do processo democrtico depende de aprendizado, requer

    um projeto de educao de massa de longo prazo: [...] para que o controle socialfuncione preciso conscientizar a sociedade de que ela tem o direito de participar

    desse controle; preciso criar instrumentos de participao, amplamente divulgados

    e postos ao alcance de todos. Enquanto o controle social no fizer parte da cultura

    do povo, ele no pode substituir os controles formais hoje existentes(PIETRO apud

    SILVA, 2002, p.60).A ampliao do controle social, de responsabilizao dos agentes pblicos, e

    a busca de maior transparncia so questes imprescindveis para a construo dacidadania, alm de estarem vinculadas necessidade de enfrentar a corrupo naesfera pblica.

    Os controles burocrticos demonstram ter sido incapazes de defender ocidado dos abusos de poder, da corrupo, das condutas antiticas e arbitrrias do

    poder e de garantir que o governo trabalhe para o povo.

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    Neste sentido, os controles sociais so essenciais na Administrao Pblicana medida em que compensam a reduo do controle legal de procedimentos e apontam

    para um controle de resultados. Em outras palavras, a reduo da rigidez burocrtica compensada pela satisfao popular dos resultados alcanados pelo governo.

    Nesta perspectiva, no basta que o governo seja eficiente e cumpra com asformalidades legais. Tambm necessrio que as polticas pblicas garantam oatendimento dos interesses da sociedade.

    O controle social no pode existir sem a accountability, pois, para que haja a

    fiscalizao por parte do cidado, duas condies so imprescindveis: [...] do lado dasociedade, o surgimento de cidado consciente e organizado em torno de reivindicaescuja consecuo pelo poder pblico signifique a melhora das condies de vida detoda a coletividade; e, da parte do Estado, o provimento de informaes completas,claras e relevantes a toda a populao (MAWAD, 2002, 522).

    Governo e sociedade precisam partilhar informaes num processo de modupla cujo objetivo seja sempre a defesa do errio e a eficincia na aplicao dosrecursos pblicos. A informao fundamental para que a sociedade possa fiscalizarcom eficincia o Poder Estatal.

    6Accountabilitye Mecanismos de Controle Social

    A Administrao Burocrtica foi de vital importncia na instaurao doprocesso de racionalizao na gesto dos recursos pblicos. Com o intuito de combatero patrimonialismo onde o aparelho do Estado funcional como uma extenso do poderdo soberano , a gesto burocrtica concentrou seus mecanismos de controle naestrita observncia dos procedimentos legais, limitando a autonomia do gestor a regras

    bem definidas.Entretanto, a nova administrao voltada para os resultados demonstra a

    necessidade de desburocratizar a gesto, uma vez que a nfase do controle no maispode estar nos processos, mas sim nos resultados. Num regime democrtico, o controlesai da esfera formal para uma esfera de efetiva participao e acompanhamento dosresultados. E, nesse novo modelo, o controle burocrtico com enfoque no processodeixa de ser eficaz para a gesto descentralizada.

    Enquanto a autonomia da burocracia estatal pode conduzir adoo demedidas no condizentes com o interesse pblico por no haver um acompanhamentoda sociedade, na administrao gerencial os cidados devero estar suficientementeinformados a fim de poderem atuar no processo de controle social dos resultados dagesto pblica. Assim, nota-se que qualquer que seja o modelo estatal, a assimetria deinformao pode ser nocivo construo da cidadania. Da a importncia de se contarcom os dois grandes aliados j citados anteriormente: a gesto participativa naformulao de polticas e a accountability .

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    A dificuldade de traduo do termo accountability parece estar associadacom sua prtica ainda incipiente no Brasil. Segundo alguns autores, accountabilityaproxima-se do conceito da obrigao de se prestar contas dos resultados obtidos emfuno das responsabilidades que decorrem de uma delegao de poder (autoridade),conseqentemente, h a gerao de uma responsabilidade, que a de prestar contasde seu desempenho e seus resultados.

    Nakagavaa (1993) expem: Sempre que algum (principal) delega parte deseu poder ou direito a outrem (agente), este assume a responsabilidade, em nome

    daquele, de agir de maneira correta com relao ao objeto de delegao e,periodicamente, at o final do mandato, prestar contas de seus desempenhos e

    resultados. A dupla responsabilidade, ou seja, de agir de maneira correta e prestar

    contas de desempenho e resultados, d-se o nome de accountability (NAKAGAWA,1993, p.17).

    Pelo fato da nfase ser dada aos procedimentos, os mecanismos de controleburocrtico e formais no so compatveis para a avaliao dos resultados alcanadosna gesto pblica, o que dificulta a responsabilidade efetiva dos gestores pblicos.As burocracias so impessoais, no fica claro para o cidado quem produziu ou deveria

    produzir um determinado resultado, dificultando a responsabilizao do mesmo. Aaccountability s poder existir quando houver a identificao precisa entre osresultados e as pessoas por eles responsveis. Se houver possibilidade de saber quaisso as metas e quem so os responsveis, as assimetrias de informaes podero serminimizadas.

    A accountability entra em cena quando se tem conscincia de que aadministrao pblica e poltica caminham juntas, conforme acredita Rui Barbosa:

    Ns queremos adm inis trao, queremo-la severa na sua just ia, levada nas suas

    concepes, ampla nas suas medidas, despreocupada nas suas formas, conciliadora e

    audaz a um tempo nas suas inovaes, guiada, iluminada e fortalecida pela publicidade

    de todos os seus atos. Queremos administrao; mas queremos tambm poltica; porque

    a administrao sem poltica, nos governos representativos, a corrupo sob uma das

    suas mais perigosas formas; porque a poltica a alma da administrao, a sua fora

    impulsora, o elemento que a fecunda, o princpio, o nexo, o preservativo dessas

    convices, dessas adeses, dessas fidelidades indispensveis pureza, solidez e

    energia de uma administrao honesta e reformadora

    (BARBOSA apud SANTOS, 2000, p.180).

    Uma administrao deveria ser controlada pelos mecanismos burocrticosapenas quando ela caminha separada da poltica, quando ela caminha isoladamente. A

    partir do momento que compreende sua ligao nata com a poltica, no se justifica umcontrole estrito da prpria administrao.

    No se devem negar os valores do controle burocrtico, mas se ter conscinciade que so secundrios, que no devem ser considerados como objetos finais docontrole. Um controle burocrtico voltado para dentro do prprio governo e busca o

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    cumprimento de formalidades legais e a honestidade dos gestores pblicos, enquantoque um controle de resultado busca avaliar o retorno dos impostos em bens e servios,ou seja, os benefcios gerados sociedade. Nas democracias representativas, busca-se o cumprimento de uma seqncia lgica: programas de campanha; programa degoverno; execuo; resultados; prestao de contas sociedade.

    A accountabilityno se limita a dar publicidade aos atos do governo e aofinal do exerccio prestar contas em veculos oficiais de comunicao, demonstrandoque a gesto pblica cumpriu todas as determinaes legais e seus gestores foram

    honestos na aplicao dos recursos pblicos. Tambm no se restringe troca doscontroles formais pela fiscalizao direta da sociedade. A accountability a integraode todos os meios de controle formais e informais , aliada a uma superexposio daadministrao, que passa a exibir suas contas no mais uma vez ao ano e em linguagemhermeticamente tcnica, mas diariamente e por meio de demonstrativos capazes deampliar cada vez mais o nmero de controladores (OLIVEIRA, 2002).

    Accountability surge, ento, como novo mecanismo de controle exercidopela sociedade, auferindo se os resultados atingidos foram condizentes com aspropostas efetuadas pelo governantes.

    7 Consideraes Finais

    A prtica do exerccio permanente da accountability e do controle socialpode elevar a governana na medida em que se amplia a confiana mtua entre Estadoe sociedade. Quanto melhor governana, mais eficiente tende a ser o governo e,conseqentemente, mais benefcios sero gerados para a sociedade. Este um crculosaudvel que precisa ser implantado pelos gestores pblicos.

    Quanto menos amadurecida for a sociedade, menor a probabilidade que sepreocupe com a accountability no servio pblico. Nos pases politicamente menosdesenvolvidos como o Brasil, o exerccio da democracia fica limitado participaonas eleies, cujo trao caracterstico a aceitao passiva do domnio do Estado.Assim, se a democracia fundamenta-se na soberania dos cidados, o modelodemocrtico nestes pases est longe de ser caracterizado como tal (CAMPOS apud

    SILVA, 2002).Para a construo da cidadania e, conseqentemente, da democracia, duascondies se fazem imprescindveis: do lado da sociedade, o surgimento de cidadosconscientes e organizados em torno de reivindicaes cuja consecuo pelo poder

    pblico signifique a melhora das condies de vida de toda a coletividade; e, de parte doEstado, o provimento das informaes corretas, claras e relevantes a toda a populao,reforando a legitimidade das polticas pblicas e a segurana de seus atos.

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    Num pas democrtico, onde o poder deve emanar do povo e ser exercido emseu nome, a accountability e o controle social na conduo das polticas pblicasemergem como instrumentos eficazes de proteo aos direitos fundamentais do cidado.

    No entanto, verifica-se uma grande dificuldade da sociedade em avaliar aconduta dos gestores pblicos, notadamente em funo da ausncia de informaestempestivas, suficientes e confiveis. O acesso s informaes refora a importnciaat mesmo no processo de escolha dos governantes, atravs de eleies seguras elivres, uma vez que, sem ela, os cidados no possuem os dados necessrios para fazer

    uma seleo criteriosa de seus representantes.No basta divulgar dados, no basta publicar. No se trata de amesquinhar oprincpio constitucional da publicidade. O que se prope que os dados divulgadossejam compreensveis para que possam atingir um objetivo bastante nobre: permitir ocontrole, sobretudo o controle social, que a forma mais eficaz de controle daAdministrao Pblica.

    A Lei de Responsabilidade Fiscal obriga a participao popular no processode elaborao dos oramentos. O que no passado era prtica de alguns gestores na

    busca da legitimao da deciso poltico-administrativa, passa a ser uma obrigaolegal.

    Essa lei elegeu a transparncia como um de seus pilares, a qual no praticadapela mera disponibilizao de informaes, mas pela disponibilizao de informaesque possam ser compreendidas pelo cidado mediano. necessrio que existacompatibilidade entre a linguagem adotada para informar com a linguagem usual dodestinatrio da informao; do contrrio, torna-se impossvel o exerccio do controle

    por parte daquele que a recebe.O Brasil vive um momento mpar de sua histria, caracterizado, sobretudo,

    pela consolidao do Estado de Direito e pelo fortalecimento da Democracia. Dentre asmanifestaes representativas desse estgio evolutivo, destacam-se a plenitude daliberdade de expresso e o avano significativo do controle social, seja este visto soba perspectiva da conscientizao de sua importncia por parte da populao, sejaconsiderado quanto aos meios disponveis para o exerccio da cidadania.

    Pode-se dizer que este o momento apropriado para a criao e aprimoramentode sistemas de controles que proporcionem maior facilidade de entendimento por

    parte do cidado, para que este possa analisar crit icamente as informaes

    disponibilizadas pela gesto pblica.

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    ELY CLIA CORBARI