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    A ao em rede na implementao de polticas e programas sociais pblicos

    Maria do Carmo Brant de Carvalho*

    "Texto publicado originalmente no site da Rits - Rede de Informaes do Terceiro setor- www.rits.org.br"

    A rede sugere uma teia de vnculos, relaes e aes entre indivduos e organizaes.Elas se tecem ou se dissolvem continuamente em todos os campos da vida societria,esto presentes na vida cotidiana (nas relaes de parentesco, nas relaes devizinhana, nas relaes comunitrias), no mundo dos negcios, na vida pblica eentre elas. O que explica a existncia de mltiplas redes so as necessidades humano-sociais que colocam em movimento a busca de interao e formao de vnculosafetivos, de apoio mtuo, para empreendimentos etc. Uma rede envolve processos decirculao, articulao, participao, cooperao.

    As redes podem assumir caractersticas mais duradouras ou efmeras, vnculos maisdensos ou mais tnues, simples ou complexos.

    No passado, o conceito de rede j era utilizado na gesto dos servios sociais pblicos.Acompanhava o modelo de gesto da poca, ou seja, um modelo centralizado ecaracterizado pela hierarquizao e padronizao na oferta de servios. Falvamos, napoca, em rede escolar, rede de unidades bsicas de sade, rede hospitalar todaselas, no geral, subordinadas a uma organizao-me. A rede era ento percebida comouma cadeia de servios/produtos similares tal qual se expressava tambm na gestoempresarial.

    Queremos afirmar que o conceito de rede no novo. A novidade est na utilizao doconceito de rede para caracterizar a sociedade contempornea e os novos modelos degesto dos negcios privados ou pblicos em escala local ou global. E neste ltimo

    campo que este artigo pretende trabalhar a temtica rede.O mundo mudou. Assistimos a avanos incrveis e cumulativos da cincia e datecnologia com processos de globalizao da produo e do consumo que varreram asfronteiras.

    Vivemos hoje em uma sociedade complexa, multifacetada, tecida pela velocidade dasmudanas e, sobretudo, pelo maior acesso informao e ao consumo o que alteroupadres socioculturais e aumentou o grau de incerteza dos indivduos e dasorganizaes (Nogueira; 1997).

    Movimentos sociais emergiram e emergem, assumindo um papel protagonista no sna revoluo cultural, mas cada vez mais, tambm, na definio da agenda poltica dosEstados. As organizaes no-governamentais so uma expresso desse novo

    protagonismo, alargando a esfera pblica ao mesmo tempo que congestionando-a pelafragmentao de demandas e interesses.

    Se o mundo tornou-se global isto , mundializou-se categoricamente eviu suas reas especficas integrarem-se sempre mais, no temos comoapreend-lo sem trat-lo como um complexo, um todo que tecido junto.Precisamos de uma perspectiva que integre, organize e totalize. (Nogueira:2001:35)

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    Neste complexo de fatores, talvez o principal, para nossa reflexo, que a gestoestatal das necessidades humano-sociais dos cidados tambm se alterou.

    H uma nova interdependncia que fragiliza o conhecido modelo institucional que oEstado-Nao, no campo da poltica econmica e social, tornando quase compulsrio e

    consensual um movimento externo em direo formao e integrao em blocoseconmicos e um movimento interno, de descentralizao, flexibilizao efortalecimento da sociedade civil, para compor um novo pacto e condies degovernabilidade.

    Assim, tem estado na ordem do dia o debate sobre a reforma do Estado, e nela agesto do social.

    As novas e antigas demandas sociais, o agravamento da pobreza e da desigualdade e,ao mesmo tempo, os dficits pblicos para dar conta dessas mesmas demandasexigem um novo compromisso social entre Estado, sociedade civil e iniciativa privada.

    A revoluo informacional ocorrida nas ltimas dcadas, aliada ao processo dedescentralizao ocorrido no mbito das atribuies do Estado, forneceu as bases para

    mudanas substantivas que viriam a ocorrer nos modelos de gesto social e na prpriaalterao no conceito de rede aplicado gesto pblica1.

    Advoga-se a presena de um Estado forte na regulao, sem contudo eliminar ouesvaziar a riqueza democrtica de parcerias com outros atores sociais.

    Neste cenrio, muito se tem falado sobre ao em rede. A rede pressupe umavocao cooperativa, uma forma de organizao horizontal.

    Tambm por isso, outros termos introduziram-se em nosso vocabulrio de ao egesto pblica: articulao, negociao, complementaridade...

    Ganham visibilidade na ao publica os diversos sujeitos do fazer social: o Estado, asociedade civil, a iniciativa empresarial (o mercado), a comunidade e o prprio pblico-alvo da ao pblica.

    Estes sujeitos solicitam uma relao democrtica, horizontal, participativa e pr-ativa.

    A gesto e conduo de polticas e programas sociais ganhou ento, novos padres dedesempenho:

    Quais so estes padres?

    relaes descentralizadas e horizontais substituram as tradicionais relaescentralizadas e hierarquias rgidas;

    negociao e participao de todos os sujeitos envolvidos na ao pblica;

    reconhecimento da incompletude e necessria complementaridade entre servios eatores sociais;

    polticas e programas desenhados pelo prisma da multisetorialidade einterdisciplinaridade substituindo os tradicionais recortes setoriais e especializaesestanques;

    1O Estado no perde seu papel central de normatizao, regulao e de garantia naoferta de bens e servios, porm sociedade e iniciativa privada devem partilhar ocompromisso com o bem comum e com a necessria tarefa de promover a eqidade ea justia social.

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    aes pblicas fortemente conectadas com o conjunto de sujeitos, organizaes eservios da cidade no mais aes isoladas.

    Quem so e como so reconhecidos os sujeitos da ao pblica?

    1. O Estado central no fazer pblico. Reconhecemos no Estado democrtico umpoder regulador central. Se o Estado a mo da justia social, toda ao pblicaprecisa de sua regulao. No se espera mais, e nem se deseja, que o Estado sejao nico e exclusivo agente na conduo das aes pblicas, mas espera-se suaforte presena normativa, indutora e agregadora. O Estado garantia e garantidordos servios de direito dos cidados. O Estado a intelligentia do fazer pblico.

    2. Sociedade civil e iniciativa privada so co-responsveis pelo bem comum, pelocoletivo. Possuem deveres numa sociedade democrtica e de direitos. No poracaso que se fala em terceiro setor para designar o conjunto de organizaessocietrias e comunitrias que operam na defesa ou prestao de servios sociaiscom carter pblico, porm no estatal.

    3. As comunidades e os beneficirios das polticas pblicas no so clientes, socidados. No reconhecimento mais denso da cidadania compreende-se uma relaoconsciente e virtuosa entre direitos e deveres, assim como a garantia deinterlocuo poltica e de exerccio do controle social.

    Todos esses atores sociais na ao pblica assumem um padro de relao marcadopela mxima interatividade.

    Deste modo, a ao social caminha e se produz em redes alimentadas por fluxoscontnuos de conhecimento, informao e interao. A noo de rede aqui defendida secaracteriza como convergente e movente: interconecta servios, organizaesgovernamentais e no-governamentais, comunidades locais, regionais, nacionais emundiais; mobiliza parcerias e aes multi-setoriais; constri participao; mobilizavontades e implementa pactos de complementaridade entre atores sociais,organizaes, projetos e servios. Instaura um novo valor: o da cooperao.

    As parcerias2 ganham imensa importncia nesse modo de pensar e realizar a aosocial pblica. As parcerias asseguram maior sustentabilidade e legitimidade poltica ao. Introduzem a dimenso da cooperao e da participao conjunta, possibilitandoo encontro de diferentes atores em diferentes estgios de organizao. Ampliam aspossibilidades de cada organizao, acrescentando conhecimentos, redefinindo focos.Possibilitam o aproveitamento do potencial de cada organizao participante. Trabalharjuntos o grande desafio.

    Parcerias e redes sugerem uma arquitetura de complementaridade na ao queimplica:

    nova cultura no fazer social pblico (socializar o poder, negociar, trabalhar comautonomias, flexibilizar, compatibilizar tempos heterogneos e mltiplos dos atores e

    processos de ao...)

    2 condio para o desenvolvimento de parcerias a clara definio de objetivos epossibilidades de ganhos para todos os parceiros

    A experincia de ao em parceria, no seu sentido mais denso ainda no se realizou.Porm ela condio para se navegar em rede.

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    as redes precisam ser induzidas, considerando as vantagens em termos dearticulao e atendimento mais integral e integrado. So especialmente relevantes asredes de base local, que do novo sentido dimenso territorial do atendimento e tmforte capacidade de mobilizao social.

    o acesso e o uso de tecnologias de informao que assegurem velocidade,interatividade e pr-atividade dos agentes e organizaes que se movem na rede.

    Pressupostos da gesto pblica em rede

    Vale reforar um pressuposto j dado: somente a articulao/combinao de aes entre polticas, inter-setorial, intergovernamental e entre agentes sociais potencializao desempenho da poltica pblica. Arranca cada ao do seu isolamento e assegurauma interveno agregadora, totalizante, includente.

    Articulao

    A descentralizao e municipalizao impe cada vez mais uma ao articulada entre

    as esferas de governo, ao mesmo tempo que reivindica do governo central o papelassegurador da unidade e da cooperao.

    Manuel Castells (1998) fala em Estado-rede para expressar as novas formasarticuladas de gesto. Em um mundo de empresas-rede, de Estado-rede, aadministrao tambm deve ir assumindo uma estrutura reticular e uma geometriavarivel em sua ao.

    Participao

    As leis infra-constitucionais instituem conselhos no mbito das diversas polticaspblicas, com participao paritria entre governo e sociedade civil, visando decisoe ao controle sobre as aes da poltica.

    O princpio bsico que inspirou a criao dos conselhos nos nveis municipal/estadual enacional foi o entendimento de que os mecanismos tradicionais de representao noeram mais suficientes para garantir o exerccio da democracia e os interesses doscidados. Prev-se ento um conjunto de medidas, dentre as quais a criao deconselhos, como forma de assegurar uma maior participao da sociedade nos frunsde deciso.

    A participao que se quer substantiva, incidindo sobre decises e controle da aopblica, o que implica valores tais como a eqidade e o sentido do bem coletivo. Docontrrio, reeditamos o corporativismo e o fisiologismo.

    No basta, porm, a instituio de conselhos. Na base destes preciso que funcionemfruns dinmicos de debate da ao pblica e de interlocuo poltica, como alimento

    democrtico para o desempenho dos conselhos.

    nfase no cidado

    No h mais espao para conduzir a poltica de forma clientelista, paternalista oututelar. Polticas pblicas pautadas no reconhecimento dos direitos dos cidadosexigem a lgica da cidadania. Ganham primazia as dimenses tica, esttica ecomunicativa.

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    Autonomias solidrias

    Assegurou-se maior autonomia de gesto s unidades de prestao de servios aoscidados (escolas, unidades bsicas de sade...) Contudo essa autonomia implicanecessariamente reconhecimento da malha de servios nos microterritrios, a fim deque os mesmos no caminhem de forma isolada, mas assegurem um fluxo permanentede relaes entre eles, bem como a participao dos usurios e da comunidade.Esta combinao autonomia e interdependncia solicita (exige) uma gil ecompetente circulao de informaes sobre a cidade real, suas demandas eoportunidades, redes e sujeitos que transitam na esfera pblica.

    Controle pblico

    O valor democrtico e de co-responsabilidade com o bem coletivo exige maiorefetividade das aes com evidente preocupao com a transparncia de propsitos eo desempenho dos servios e programas.

    nesta condio que os termos eficincia, eficcia e efetividade tornamse

    prerrogativas da ao pblica.A eficincia percebida como valor democrtico medida que os poucos recursos paraatendimento de todas as demandas de um contingente populacional expressivo exigemprobidade no gasto e maior distributividade de ganhos.

    A eficcia e a efetividade nos resultados requeridos da ao assumem, por sua vez, osentido de um compromisso tico.

    A ausncia de um centro organizador nico nas sociedades ocidentaismodernas no diminui a possibilidade de ao, nem de mudana dasrelaes sociais. As aes em potencial so simplesmente relocadas.Precisamente devido ao carter descentralizado do sistema social, as aesemancipatrias no precisam concentrar-se na mudana de um centro ou

    instituio nico, que tudo abrange e domina, mas podem ser empreendidasem todos os sistemas e subsistemas, em todas as esferas da sociedade,incluindo a vida cotidiana. Nesse contexto, as aes emancipatrias tornam-se difusas. (Heller e Fehr, 1998:54)

    * Maria do Carmo Brant de Carvalho doutora em servio social, professora da PUC-SP, coordenadora geral do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educao,Cultura e Ao Comunitria) e consultora em avaliao de programas e projetossociais.

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