AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação...

30
EXCELENTÍSSIMA SRA. DRA. JUÍZA DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE SALTO DO LONTRA O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, representado por seu Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 37, §§ 1º e 4º, 127, caput, e 129, incisos II e III, da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, alíneas "a" e "b", da Lei Federal nº 8.625/93, e com fundamento na lei nº 7.347/85, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: MUNICÍPIO DE SALTO DO LONTRA, pessoa jurídica de direito público interno, representado, na forma do artigo 12, inciso II do Código de Processo Civil, pela pessoa de MAURÍCIO BAÚ, prefeito de Salto do Lontra, residente e domiciliado na Prefeitura Municipal de Salto do Lontra, sediada na Rua Rio Grande do Sul, nº 174, nesta cidade, pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

Transcript of AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação...

Page 1: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

EXCELENTÍSSIMA SRA. DRA. JUÍZA DE DIREITO DA VARA DE FAZENDA

PÚBLICA DA COMARCA DE SALTO DO LONTRA

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ,

representado por seu Promotor de Justiça que esta subscreve, no uso de

suas atribuições legais, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência,

com fundamento nos artigos 37, §§ 1º e 4º, 127, caput, e 129, incisos II e

III, da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, alíneas "a" e "b", da Lei

Federal nº 8.625/93, e com fundamento na lei nº 7.347/85, propor a

presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela

pelo procedimento ordinário, em face do:

MUNICÍPIO DE SALTO DO LONTRA, pessoa jurídica de direito

público interno, representado, na forma do artigo 12, inciso II do Código de

Processo Civil, pela pessoa de MAURÍCIO BAÚ, prefeito de Salto do

Lontra, residente e domiciliado na Prefeitura Municipal de Salto do Lontra,

sediada na Rua Rio Grande do Sul, nº 174, nesta cidade, pelos fatos e

fundamentos que passa a expor:

Page 2: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

DOS FATOS

Foi este órgão ministerial procurado por moradores do bairro de

Santa Maria, município de Salto do Lontra/PR, solicitando providências

acerca de recente aprovação do Projeto de Lei nº 026/2013 (anexo I, fl.

04), cujo objeto era a desafetação das áreas verdes constituídas pelos Lotes

12 da quadra 04 e 13 da quadra 05 anexo I, fl. 10, 11 e 14), objetos da

matrícula 03368 do Registro de Imóveis de Salto do Lontra (anexo I, fl. 13),

e afetação das mesmas como áreas de uso dominial. Questionavam a

legalidade de tal ato, apresentando documentação que subsidia a presente,

em especial abaixo-assinado dos moradores do referido bairro, solicitando

ao Prefeito e aos Vereadores a manutenção daquela área em seu estado

original (anexo I, fl. 15 a 32).

Instaurou-se, então, Notícia de Fato nº MPPR – 0126.13.000031-

1, a fim de apurar tais alegações.

Verificou-se que referida área possui natureza jurídica de bem de

uso comum, afetada como “área verde”, fruto de loteamento residencial

Santa Maria realizado pela Companhia de Habitação do Paraná – COHAPAR ,

cujo memorial descritivo foi aprovado em 23 de fevereiro de 1988 (anexo

II, fl. 44/46), transmitida ao Município de Salto do Lontra, por força do

inciso II do artigo 7º da Lei Municipal 072/2007, através de Escritura

Pública de Doação lavrada às fls. 122 do livro nº 01-Aux (anexo I, fl.09).

Ao tomar conhecimento da aprovação do referido projeto de lei,

publicando-se a Lei 029/2013 (anexo I, fl. 33), este órgão ministerial

encaminhou, através de ofício 091/2013, em 24 de julho de 2013,

Recomendação Administrativa nº 01/2013 ao Município de Salto do Lontra,

recomendando a anulação de referida lei, por se tratar, materialmente, de

ato administrativo, por conta da ilegalidade de seu objeto, solicitando

Page 3: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

resposta com parecer jurídico, concedendo-se prazo de 05 dias.

Posteriormente, em 22 de julho de 2013 foi encaminhado à

Câmara de Vereadores, Projeto de Lei nº 067/2013 (anexo II, fl. 67) com

objetivo de autorizar-se o Poder Executivo Municipal a alienar na forma de

leilão os bens imóveis supracitados, ressaltando-se o disposto em seu

artigo 2º, no sentido de que “O valor arrecadado com a alienação dos

imóveis será utilizado para Programa habitacional de moradias populares a

ser implementada no Município de Salto do Lontra”, denotando-se que a

alienação de referida área dar-se-á para fins diversos, não especificados.

Desta forma, novamente expediu, este órgão ministerial, em 05

de agosto de 2013, Recomendação Administrativa, registrado sob nº

02/2013, desta vez ao Presidente da Câmara dos Vereadores de Salto do

Lontra, recomendando a retirada de pauta de votação do referido projeto de

lei, enquanto não encaminhado parecer jurídico, pelo Município, em

resposta à Recomendação Administrativa nº 01/2013.

Na mesma oportunidade, requisitou-se à Câmara Municipal

informação acerca do regime de tramitação denominado “Regime de

Urgência Urgentíssima”, utilizado quando da tramitação do Projeto de Lei

026/2013 que culminou na edição da Lei 029/2013, uma vez que o

Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores de Salto do

Lontra/PR – Resolução 13/2008 – em seu artigo 152 prevê apenas os

regimes de tramitação denominados “Urgência Especial”, “Urgência” e

“Ordinária”.

Não acatando à referida Recomendação, o projeto de lei

067/2013 foi posto em votação e aprovado, segundo Ata nº 20 da 20ª

Sessão Ordinária do dia 05 de agosto de 2013 (anexo II, fl. 73 a 75), tendo

sido publicada a Lei Municipal 065/2013, no Jornal de Francisco Beltrão,

Page 4: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

edição de 14 de agosto de 2013 (anexo II, fl. 76). Da mesma forma, até a

presente, não foi enviada quaisquer informações acerca do referido regime

de tramitação denominado “Regime de “Urgência Urgentíssima’”.

Em 09 de agosto de 2013, através de ofício 223/2013, foi

encaminhado a este órgão ministerial parecer jurídico (anexo II, fl. 59 a

63), assinado pelo Sr. Prefeito Maurício Baú, e documentação (anexo II, fl.

64 a 72), em resposta à Recomendação Administrativa nº 01/2013, no

intuito de justificar o referido ato de desafetação.

DO DIREITO

I - Dos Efeitos Concretos Da Lei Municipal em questão e da sua

Ilegalidade e/ou Inconstitucionalidade

É cediço que as leis têm como característica inerente, além da

inovação no mundo jurídico, o caráter abstrato, geral e autônomo. Isso está

ligado à ideia de perpetuação no tempo que a lei sempre visa.

Entretanto, alguns diplomas normativos, justamente por lhe

faltarem esses pressupostos, não são tidos como lei no sentido material ou

real da expressão. São leis sob o aspecto formal porque são votadas pelo

legislativo e sancionados pelo chefe do executivo, mas não gozam de

abstração, generalidade e autonomia. São verdadeiros atos administrativos

revestidos de formalidades e carapuça de lei, mas que produzem efeitos

concretos e infralegais. Exemplo disso são as leis federais que visam

aposentadoria de servidores federais post mortem. Essas leis em mero

sentido formal são úteis e até necessárias em determinadas situações.

Pois bem. A Lei Municipal 029/2013 é justamente umas dessas

leis, uma vez que tem mais a "fisionomia" de um ato administrativo do que

Page 5: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

um texto legal, já que não apresenta nenhuma das características de norma

jurídica a não ser sua devida promulgação por órgão competente, bem

como transcurso por etapas legislativas. Isso porque traz em si mesmo o

resultado específico pretendido, possuindo, portanto, eficácia temporal

limitada ao ato. Dessa forma, não possui o caráter de generalidade e de

abstração comum à maior parte das leis existentes.

Além disso, toda lei, justamente pelo seu caráter genérico, deve

ter um decreto administrativo que lhe dê eficácia e regularize em que

termos a norma legal será aplicada. Neste caso não há qualquer decreto

promulgado pelo Poder Executivo Municipal que venha dar-lhe fluidez. Ora,

o próprio texto legal carrega em si a sua eficácia; trata-se assim, do que a

doutrina denomina de lei de efeito concreto e, portanto, passível de

invalidação judicial. Não é outra, senão esta, a lição de Hely Lopes

Meirelles:

"Não se confunda lei auto-executável com lei de efeito concreto,

aquela é normativa e independente de regulamento, mas depende

de ato executivo para sua atuação; esta não depende nem de ato

executivo para a produção de seus efeitos, pois atua desde sua

vigência, consumindo o resultado de seu mandamento. Por isso, a

lei auto-executável só pode ser atacada judicialmente quando for

aplicada e ensejar algum ato administrativo, ao passo que a lei

de efeito concreto é passível de invalidação judicial desde

sua entrada em vigência, pois já traz em si o resultado concreto

de seu objetivo. Exemplificando: uma lei autorizativa é auto

executável, mas não é de efeito concreto, diversamente, uma lei

proibitiva de atividade individual é de efeito concreto, porque ela,

por si só, impede o exercício da atividade proibida."1

Prossegue o saudoso Mestre,

1 MEIRELLES, Hely Lopes in Direito Administrativo Brasileiro, 22ª ed., Malheiros, p. 163.

Page 6: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

"Dentre os atos ilegais e lesivos ao patrimônio público pode estar

até mesmo a lei de efeitos concretos, isto é, aquela que traz em si

as consequências imediatas de sua atuação, a que desapropria

bens, a que concede isenções, a que desmembra ou cria

municípios, a que fixa limites territoriais e outras dessas espécies.

Tais leis só o são em sentido formal, visto que materialmente se

equiparam aos atos administrativos e por isso mesmo são

atacáveis por ação popular ou por mandado de segurança,

conforme o direito ou interesse por elas lesado"2.

Uma vez superada qualquer dúvida acerca da possibilidade do

controle judicial de referida lei municipal, resta analisarmos os diplomas

legais aviltados.

II – Da Impossibilidade de Desafetação de Área Verde

Demonstrou-se que as áreas, objeto desta lide, são originalmente

bens de uso comum do povo, afetados como áreas verdes, que tem sua

utilização reconhecida à coletividade, sem discriminação de seus usuários

ou ordem especial para sua fruição. Tais bens são inalienáveis e não estão

disponíveis para autorização, permissão ou concessão de uso. Para tanto,

seria necessária sua desafetação através de lei, conforme autoriza o artigo

100 do Código Civil, interpretado pela respeitável doutrina de Gustavo

Tepedino:

“Quanto aos bens públicos de uso comum do povo e de uso

especial, a alienação dependerá de prévia alteração de sua

natureza jurídica, segundo lei específica. Só ao perderem tais

qualificações é que escapam à inalienabilidade dos bens públicos,

pois, se penhorados, passariam do patrimônio do devedor ao do

credor, por meio de execução judicial (Sílvio Venosa, Direito Civil,

2 HELY LOPES MEIRELLES, in Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado

Page 7: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

p. 330). [...] Os bens suscetíveis de valoração patrimonial podem

perder a inalienabilidade, que lhes é peculiar, pelo instituto da

desafetação. (...) A desafetação é a mudança da destinação do

bem, visando incluir bem de uso comum do povo, ou bens de uso

especial, na categoria de bens dominicais, para possibilitar a

alienação, nos termos das regras de Direito Administrativo.”.3

(grifei)

Não há empecilhos, portanto, a que um bem de uso comum,

passível de valoração econômica, seja desafetado mediante lei específica.

Ocorre que há determinados bens que são intrinsecamente públicos, vez

que a própria lei assim determina, não podendo, portanto, terem sua

destinação alterada.

Possui aplicação in casu a Lei Federal 6.766/79 que impede a

alteração ou modificação de área transferida ao domínio público em virtude

de loteamento. De fato, assim determina o artigo 22 do referido diploma:

"Art. 22º. Desde a data de registro do loteamento, passam a

integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços

livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros

equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial

descritivo.". (grifei e negritei)

Da mesma forma, rege o artigo 17 da Lei 6.766/79:

“Art. 17. Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as

áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos

urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não

poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a

de Injunção e Habeas Data", pág. 95, Ed. RT, 14ª ed., 1991.

3 TEPEDINO, Gustavo, Heloisa Helena Barboza, Maria Celina Bodin de Moraes in Código Civil

interpretado conforme a Constituição da República – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p.

104

Page 8: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da

licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas

as exigências do art. 23 desta Lei.”

Da análise do citado artigo 17, criou-se um vácuo legislativo, vez

que o Legislador silenciou acerca do grau de discricionariedade do Município

para descaracterizar as frações de solo que aufere a partir dos

parcelamentos regularmente aprovados

O Superior Tribunal de Justiça, contudo, manifestou-se,

preenchendo o vácuo legislativo com exercício de hermenêutica sistemática:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO URBANO.

DESAFETAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS. ALEGAÇÃO DE OFENSA

AO ART. 17 A LEI N. 7.347/85. INEXISTÊNCIA. ART. 1º DA LEI N.

7.347/85. MATÉRIA PROBATÓRIA. RECURSO NÃO CONHECIDO.

(...)

Insurge-se o recorrente contra a interpretação que considerou tal

dispositivo [art. 17 da Lei 6.766/79] aplicável também ao

Município. Não resta dúvida de que a norma se dirige

prioritariamente ao incorporador. A questão de fundo está, no

entanto, em saber-se se a finalidade da estatuição legal não revela

alguns princípios que devem ser aplicados à Administração. Para

tanto, creio que o problema se desdobra em duas questões: qual o

espírito da norma em apreço, e a questão da autonomia da

Administração municipal para alterar a destinação do bem público,

depois que fica incorporado a patrimônio do Município.

O art. 17 não pode ser compreendido isoladamente. Ao contrário,

impõe-se uma interpretação sistemática com os arts. 4º, 22, 28 do

mesmo diploma.

Page 9: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

(...)

Essa estatuição [art. 22 da Lei 6.766/79] pretendeu, sem

dúvida, vedar o poder de disponibilidade do incorporador

sobre essas áreas. Coloca-as, portanto, sobre a tutela da

Administração municipal de forma a garantir que não terão

destinação diversa. Este parece ser o espírito da lei. De outra

forma, estaria a norma legalizando uma desapropriação indireta

ou, pior, permitindo o confisco por parte do poder público. Por

outro lado, visa, também, a aumentar o patrimônio comunitário,

pois esta é a utilidade e função social dos bens públicos de uso

comum do povo, a de servirem os interesses da comunidade.

Essa tese é reforçada por análise teleológica do art. 17 com o art.

4º do mesmo diploma legal.

(...)

Esse dispositivo destaca os pressupostos mínimos do loteamento

relativamente às áreas de uso comum, cuja fiscalização depende

da municipalidade. Exige, portanto, que o loteador destaque áreas

mínimas, tendo em vista a comodidade da população a saúde e a

segurança da comunidade. Portanto, embora a norma se dirija ao

loteador, parece-me, mais uma vez, que a idéia que lhe é

subjacente é a de proteger o interesse dos administrados,

outorgando ao poder público essa tutela.

(...)

Como salientei, o objetivo da norma jurídica é vedar ao

incorporador a alteração das áreas destinadas à comunidade.

Portanto, não faz sentido, exceto, em casos especialíssimos,

possibilitar à Administração a fazê-lo. No caso concreto, as

áreas foram postas sob a tutela da administração municipal,

não com o propósito de confisco, mas como forma de

salvaguardar o interesse dos administrados, em face de

possíveis interesses especulativos dos incorporadores.

Ademais, a importância do patrimônio público deve ser aferida em

razão da importância da sua destinação. Assim, os bens de uso

comum do povo possuem função ut universi. Constituem um

patrimônio social comunitário, um acervo colocado à

Page 10: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

disposição de todos. Nesse sentido, a desafetação desse

patrimônio prejudicaria toda uma comunidade de pessoas,

indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de

vida do grupo. (STJ. Recurso Especial n. 28.058-SP. Segunda

Turma. Relator Ministro Adhemar Maciel. Julgamento: 13 de

outubro de 1998).

Assim, se o loteador não podia modificar essa destinação, já que

no momento em que o loteamento é registrado tais bens passam a ser bem

público de uso comum do povo, a Municipalidade, por igual, também não

pode fazê-lo, já que a população tem direito à sua fruição. Aliás, o titular

dos direitos de uso do bem público de uso comum do povo é a comunidade,

cabendo ao Poder público Municipal apenas sua guarda, administração e

fiscalização, por comezinho. Mais uma vez, Hely Lopes Meirelles:

"Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem esse

caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do

povo. Sob esse aspecto – acentua Rui Cenre Lima – pode o

domínio público definir-se como a forma mais completa de

participação de um bem na atividade de administração pública.

São os bens de uso comum, ou do domínio público, o serviço

mesmo prestado ao público pela administração, assim como as

estradas, ruas e praças".4

O eminente Paulo Affonso Leme Machado, um dos juristas

brasileiros que mais se debruçou sobre o Direito Ambiental, assim deixou

estatuído:

"Retirou-se de modo expresso o poder dispositivo do loteador

sobre as praças, as vias e outros espaços livres de uso comum

(art. 17 da Lei 6.766/79) mas, de modo implícito, vedou-se a

livre disposição desses bens pelo município. Este só teria a

liberdade de escolha, isto é, só poderia agir discricionariamente

4 MEIRELES, Hely Lopes op. cit. p. 418.

Page 11: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

nas áreas do loteamento que desapropriasse e naquelas que

recebeu a título gratuito. Do contrário, estaria o município se

transformando em município-loteador através de

verdadeiro confisco de áreas, pois receberia as áreas para

uma finalidade e, depois, a seu talente as destinaria para

outros fins"5. (negritei)

Importante ressaltar que a preocupação do legislador não foi

proporcionar acréscimo patrimonial ao Município. A lei tem o claro propósito

de evitar o crescimento desordenado da cidade, aumentando sobremaneira

a densidade de determinadas áreas do Município sem nenhum controle ou

regulação por parte do Poder Público. Ademais, a reserva da "área

institucional" não se refere, somente, ao atendimento de uma demanda

atual, pois também assegura a reserva fundiária para a consecução de

políticas públicas e sociais pro futuro. Nem é por outra razão que, nos

dizeres de Marçal Justen Filho:

“a desafetação dos bens de uso comum e de uso especial

depende de lei, mais isso não significa que a lei possa

produzir a desafetação dos bens intrinsecamente públicos”6

(grifei e negritei)

Desta feita, é do teor implícito da Lei n. 6.766/1979, que as áreas

institucionais sejam bens intrinsecamente públicos, subtraindo-se, portanto,

à margem de discricionariedade do administrador e ao juízo de

oportunidade do Poder Legislativo.

Consentânea é a opinião sustentada por Lúcia Valle Figueiredo:

"Assim sendo, é dever do Município o respeito a essa

destinação, não lhe cabendo dar às áreas que, por força da

5 MACHADO, Paulo Affonso Leme in Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: RT, 1989, p. 244

6 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 925

Page 12: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

inscrição do loteamento no Registro de Imóveis, passaram

a integrar o patrimônio municipal qualquer outra utilidade.

Não se insere, pois, na competência discricionária da

Administração resolver qual a melhor finalidade a ser dada

a estas ruas, praças, etc. A destinação já foi previamente

determinada."7 (grifei e negritei)

Finalmente, vale citar o magistério do eminente Prof. José

Afonso da Silva, pioneiro no estudo de direito urbanístico em nosso país:

"O que é certo é que a via urbana pública, assim como as praças,

como tal, será inalienável, impenhorável e imprescritível. Tornar-

se-á alienável se deixar de ser via urbana ou praça, pela

desqualificação jurídica ou desafetação, com o que a área

respectiva passará à qualificação de bem patrimonial e sujeitar-se-

á ao seu regime jurídico, tornando-se alienável nos termos da

legislação que regula a alienação de bens públicos, que, no

mínimo, exige autorização legislativa, prévia avaliação e

concorrência, salvo as exceções quanto a esta. É claro que,

assim mesmo, há que levar-se em consideração o interesse

dos usuários moradores ou não da rua. Vale dizer, a rua só

pode ser desafetada de sua qualificação de bem de uso

comum do povo mediante lei municipal, que somente será

legítima se a rua perder, de fato, sua utilização pública, por

ter-se tornado desabitada e perdido seu sentido de via de

circulação pública. Sem esses pressupostos de fato,

qualquer pessoa do povo pode impugnar a desafetação,

porque lhe ocorre o direito subjetivo de transitar pela via e,

consequentemente, o direito de exigir da Municipalidade

que se abstenha de perturbar-lhe ou impedir-lhe o livre

trânsito por via que venha sendo usada regularmente pelo

povo, pois a livre circulação em via existente é

manifestação do direito fundamental de ir, vir e ficar, em

7 FIGUIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. São Paulo: RT, 1980, p. 41.

Page 13: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

situação mais rigorosa ainda do que aquela que já referimos antes

em relação à estrada pública, dada a vocação urbanística da via

urbana, sempre predisposta ao interesse do povo e,

particularmente, de seus moradores, tema que examinaremos

depois"8.

Não é diferente a orientação jurisprudencial, consignada em

diversos V. Acórdãos. Já em 1961 o Conselho Superior de Magistratura

do Tribunal de Justiça de São Paulo firmou a seguinte tese (RT

318/285):

"Aprovada a planta do loteamento, e inscrito este, tornam-se

inalienáveis por qualquer título as vias de comunicação, praças e

espaços livres. Não pode, portanto, a Municipalidade

transformar uma praça, destinada ao uso comum do povo,

em propriedade sua para doá-la a uma entidade particular".

O nunca assaz citado Prof. José Afonso da Silva comenta o

referido acórdão:

"A forma, como a situação se apresentara, realmente tornava

ilegítima a conduta da Municipalidade, pois, mal o loteamento fora

inscrito, já pretendeu transformar a área em bem patrimonial

para, em seguida, doá-la a uma entidade desportiva

particular. Parece que, no caso, muito sinteticamente

apresentado no acórdão, ocorrera verdadeiro desvio de

finalidade, além da falta de motivo de interesse público que

justificasse a medida, e não está indicado se a medida fora feita

por prescrição de lei"9.

8 DA SILVA, José Afonso in Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, p. 184/185

9 DA SILVA, José Afonso op. cit. p. 184

Page 14: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

Outrossim, pela razoabilidade e fundamentação que a respalda, o

Poder Judiciário pátrio tem acatado essa interpretação, como demonstram

seguidos julgados dos diversos Estados da Federação:

DUPLO GRAU DE JURISDICAO E APELACAO CIVEL. ACAO

POPULAR. AFRONTA A LEI FEDERAL. HIERARQUIA DAS LEIS. LEI

MUNICIPAL ILEGAL. LOTEAMENTO. DESAFETACAO. PERMUTA.

VEDACAO AO MUNICIPIO. 1 - REGENDO A HIERARQUIA DAS LEIS,

HA A IMPOSICAO DE QUE AS LEIS MUNICIPAIS DEVEM SE

ADEQUAR AS LEIS ESTADUAIS E FEDERAIS. HAVENDO

CONFRONTO ENTRE ELAS, PREVALECE A LEGISLACAO QUE SE

ENCONTRAR EM NIVEL MAIS ELEVADO NA PIRAMIDE

HIERARQUICA. 2 - APOS A APROVAÇÃO DO LOTEAMENTO E

CONSEQUENTE PASSAGEM DE DETERMINADAS ÁREAS PARA

O PODER PÚBLICO MUNICIPAL, É VEDADA A MODIFICAÇÃO

DA DESTINAÇÃO CONFERIDA A TAIS ÁREAS, DADA A

REDAÇÃO INEQUÍVOCA DO INCISO I, DO ARTIGO QUARTO

DO ARTIGO 22 E DO ARTIGO 28 DA LEI N. 6766/79. 3 - A LEI

N. 6766/79 AO FIXAR A RESERVA DE AREAS INSTITUCIONAIS

NOS LOTEAMENTOS URBANOS, OBJETOU VEDAR UTILIZACAO

DIVERSA DESSAS ÁREAS, COLOCANDO-AS SOB A TUTELA DA

ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, PRESERVANDO ASSIM O

INTERESSE COLETIVO E SUA DESTINAÇÃO PRÓPRIA E A LEI

COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 111/05, LC N. 111/05

DESAFETOU BEM DE USO COMUM DO POVO CONSISTENTE

NAS AREAS VERDES DESTINANDO-AS A LOTEAMENTO,

PADECE DE ILEGALIDADE POR DESCONFORMIDADE COM A

LEI FEDERAL MENCIONADA. O MUNICIPIO TEM O PODER

DEVER DE REGULARIZAR LOTEAMENTO URBANO. 4 – É

INADMISSÍVEL A DESAFETAÇÃO E PERMUTA DOS BENS

PASSADOS AO DOMÍNIO DO MUNICIPIO, EM DECORRÊNCIA

DAS REGRAS CONSTANTES DA LEI N. 6766/79; A

FINALIDADE DO LEGISLADOR AO PASSAR TAIS ÁREAS

PARA O DOMÍNIO PÚBLICO FOI, EXATAMENTE, A DE COIBIR

O USO DESSES ESPACOS PARA OUTROS FINS QUE NÃO

Page 15: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

AQUELES PREVISTOS NO PROJETO ORIGINAL. REMESSA

CONHECIDA E IMPROVIDA. PRIMEIRA APELACAO CONHECIDA E

PARCIALMENTE PROVIDA. SEGUNDA APELACAO PREJUDICADA

(TJGO. 1ª CÂMARA CÍVEL. RELATOR: DES. VITOR BARBOZA

LENZA. FONTE: DJ 93 DE 21/05/2008).

Ação popular - Bem público - Desafetação - Praça pública - Não

podendo o bem público destinado à praça pública ter sua

destinação desvirtuada por acarretar verdadeira

desafetação e lesão ao meio ambiente ao suprimir área

verde e urbanística, a ação era de ser julgada procedente.

Recursos providos (TJSP. Recurso n° 399.097.5/6-00, Relator

Desembargador Lineu Peinado, julgado em 13 de agosto de 2009).

REEXAME NECESSÁRIO. Lei Municipal que desafetou parte de

praça, fins de doá-la à Escola de Samba. Manifesta

ilegalidade da referida lei. Reconhecimento da nulidade da

doação, assim como da impossibilidade da edificação, via

ação civil pública (TJRS. 1ª. Câmara Cível. Reexame Necessário

nº 597.166.016, Relator Desembargador Armínio José Abreu Lima

da Rosa, julgado em 28.10.1998).

No mesmo diapasão, inolvidável citar o Egrégio Tribunal de

Justiça do Estado do Paraná, que firmou símile entendimento no bojo da

Apelação Cível n. 983837-1, originária da Comarca de Londrina:

Inclusive, referida legislação federal com redação dada pela

Lei nº 9.785, de 29.01.1999, DOU de 01.02.1999,

estabeleceu área “non edificandi” obrigatória, sendo que tal

espaço é cedido obrigatoriamente ao Município, tornando-

se bem público. Denota-se, portanto, que a legislação quis

proteger, portanto, os bens de uso comum do povo, nos quais se

incluem as praças e áreas verdes preservadas nos loteamentos

urbanos. Além disso, devesse levar em conta que, os planos de

urbanização e os planos habitacionais devem ater-se às diretrizes

Page 16: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

das normas de direito federal, estadual e municipal, sendo as

vedações impostas nestes aos particulares também sejam

adotadas aos entes públicos, a fim de que não haja violação ao

disposto no art. 225 da Constituição Federal, que impõe

expressamente o dever de preservação do ambiente não apenas

pelos cidadãos, mas também pelo Poder Público. (...) Entender

de maneira diversa estaria a conceber ao município a

possibilidade de ter afetadas áreas e após alguns anos, o

mesmo dar destinação diversa que foi dada quando de

referido ato, configurando, assim, verdadeiro confisco de

áreas (TJPR. Apelação Cível nº 983837-1, da Comarca de

Londrina, 2ª. Vara Cível. Relator: Des. Luiz Mateus de Lima. Data

do Julgamento: 26 de fevereiro de 2012).

E, alfim, remeta-se novamente à clara síntese da Corte

Superior:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

PRAÇAS, JARDINS E PARQUES PÚBLICOS. DIREITO À CIDADE

SUSTENTÁVEL. ART. 2º, INCISOS I E IV, DA LEI 10.257/01

(ESTATUTO DA CIDADE). DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL MUNICIPAL DE

USO COMUM À UNIÃO PARA CONSTRUÇÃO DA AGÊNCIA DO INSS.

DESAFETAÇÃO. COMPETÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA

150/STJ. EXEGESE DE NORMAS LOCAIS (LEI ORGÂNICA DO

MUNICÍPIO DE ESTEIO/RS).

1. O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou

Ação Civil Pública contra o Município de Esteio, em vista da

desafetação de área de uso comum do povo (praça) para a

categoria de bem dominical, nos termos da Lei municipal

4.222/2006. Esta alteração de status jurídico viabilizou a doação

do imóvel ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com o

propósito de instalação de nova agência do órgão federal na

cidade.

2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos

constituem uma das mais expressivas manifestações do

Page 17: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de

qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada

no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu

transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções

toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende

banhado pelo saudável, belo e aprazível.

3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de

disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º,

IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem,

entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis,

para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres

humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é

própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de

comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do

domínio privado e viabilizam nobres aspirações

democráticas, de paridade e igualdade, já que neles

convivem os multifacetários matizes da população: abertos

a todos e compartilhados por todos, mesmo os

“indesejáveis”, sem discriminação de classe, raça, gênero,

credo ou moda.

4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e

inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta

explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino

inevitável do adensamento –, os espaços públicos urbanos

cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social

(recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e

protestos populares), estético (embelezamento da paisagem

artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples

contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e

veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o

dever não discricionário do administrador de instituí-los e

conservá-los adequadamente, como elementos

indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve,

simultaneamente, os interesses das gerações presentes e

futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto

Page 18: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

da Cidade). (...) Quando realizada sem critérios objetivos e

tecnicamente sólidos, maldotada na consideração de

possíveis alternativas, ou à míngua de respeito pelos

valores e funções nele condensados, a desafetação de bem

público transforma-se em vandalismo estatal, mais

repreensível que a profanação privada, pois a dominialidade

pública encontra, ou deveria encontrar, no Estado, o seu

primeiro, maior e mais combativo protetor (STJ. Relator:

Ministro Herman Benjamin. RECURSO ESPECIAL Nº 1.135.807 –

RS. Julgamento: 15 de abril de 2010).

Vislumbra-se nos autos que o Poder Público Municipal pretende

“justificar” a referida desafetação com o argumento de que “a área em

espeque terá como destino a venda para aquisição de imóvel adequado à

implantação de projeto habitacional” (anexo II, fl. 61).

Já no relatório desta petição inicial, atentou-se para a redação do

artigo 2º do Projeto de Lei 067/2013 (anexo II, fl.51), enviado à Câmara

Municipal em 22 de julho de 2013, que tem por objeto autorizar o Poder

Executivo Municipal a alienação dos referidos imóveis:

“Art. 2º. O valor arrecadado com a alienação dos imóveis será

utilizado para Programa Habitacional de moradias populares a ser

implementada no Município de Salto do Lontra”.

Ora, assume expressamente, o Poder Executivo Municipal que sua

intenção em relação a tais áreas é aliená-lo para fins outros, que não

aquele que atenda diretamente o interesse público primário. Se é certo que

em casos excepcionalíssimos a Jurisprudência Pátria admite10 a

desinstitucionalização como modalidade especialíssima de desafetação de

bens públicos, exigindo ritos e critérios igualmente particulares, como para

fins de regularização fundiária (que, diga-se, não implica em alienação da

10 (STJ, Recurso Especial n. 448216/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma. Julgado em 14/03/2003)

Page 19: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

propriedade pública, mas sim em concessão de direito real de uso aos

particulares hipossuficientes, quando já exista ocupação historicamente

consolidada na área, o que apenas se permite mediante juízo de

proporcionalidade sobre a menor lesão aos bens jurídicos fundamentais em

colisão), de fato não se trata da hipótese no presente caso.

E nem se argumente, como faz o Poder Executivo Municipal de

que “o Município estará afetado na autonomia de planejamento urbano e

desenvolvimento de políticas públicas da habitação” (anexo II, fl. 63). Isto

porque o Município não só pode, como deve, proceder ao planejamento

urbano e desenvolvimento de políticas públicas de habitação, desde que

adequadas ao ordenamento jurídico pátrio, sob pena de controle judicial de

tais atos, o que de maneira alguma viola o princípio da separação dos

poderes (art. 2º, CF/88). Pelo contrário, o respeita, tendo em vista o

sistema dos freios e contrapesos, bem como respeita a inafastabilidade da

jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, CF/88). Segue breve comentário da

doutrina acerca do referido princípio,:

“O modelo clássico de separação de poderes, seja na formulação

de Montesquieu, seja na formulação madisoniana, tem aplicação

mitigada hoje em dia por um primeiro aspecto, que é de

conceberem uma tripartição de poderes, enquanto atualmente se

falam em cinco, seis ou até mais exercendo funções estatais.

(...)

Na verdade, pode-se concluir que o modelo clássico de separação

de poderes, de nítida feição liberal, não dava conta da

complexidade da ordem jurídica e do sistema social, de modo que

hoje é uma função estatal a implementação de direitos

fundamentais de vários matizes, tarefa compartilhada por uma

série de órgãos e mesmo pela sociedade.

Assim, a discussão sobre como e quando implementar direitos

sociais, como meio ambiente, trabalho, moradia e saúde,

Page 20: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

componentes de uma nova perspectiva de vida humana, plena em

suas múltiplas dimensões, coloca sob os ombros do Estado, muitas

vezes a tarefa de discutir como atender a tantos anseios em um

quadro de escassez de recursos.

(...)

Uma política pensada no âmbito do Poder Executivo, com análise

em vários de seus Ministérios, pode vir a ser complementada por

alguma legislação editada pelo Parlamento e, ao final, quando

discutida a constitucionalidade do pacote de medidas

governamentais e da legislação que lhe completa, o Judiciário

pode ainda dar sua colaboração, aprimorando o debate, e

afastando alguma das medidas governamentais ou

indicando a forma como executá-la que mais atenda a

direitos fundamentais.

(...) Essa é a nova realidade; esse, o admirável mundo novo

na ordem jurídico-política, da qual não mais se pode

afastar, invocando modelos apriorísticos sem

correspondência com a realidade e deletérios aos próprios

anseios da sociedade.”.11 (grifei e negritei)

Busca ainda, o Município, justificativa no sentido de que “não

houve supressão de área de uso comum, mas sim redimensionamento da

área verde para outro local mais adequado” (anexo II, fl. 61). Tal

compensação seria dada por conta da afetação como área verde dos Lotes

14 da quadra 107 (RGI 07361, Livro nº 2 – AJ, Ficha 1, fl. 16, e planta,

documentos em anexo II, fl. 68/69); 18 da quadra 01; 01 da quadra 02; 02

da quadra 02; 03 da quadra 02; e 04 da quadra 02 (estes constantes do

RGI 09275, Livro 02-AT, Ficha 1, Fl. 075 e planta, documentos em anexo II,

fl. 70/73), todos do patrimônio de Salto do Lontra, conforme Lei 064/2013

(anexo II, fl. 65), publicada em 07 de agosto de 2013.

11 DE PAULA, Daniel Giotti in Ainda Existe Separação de Poderes? A Invasão da Política pelo Direito

no Contexto do Ativismo Judicial e da Judicialização da Política in As Novas Faces do Ativismo

Judicial. 2ª Tiragem. Editora: Juspodium. 2013. p. 307/309

Page 21: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

Ocorre que, ainda que fosse possível a compensação, o que

restou afastado, segundo argumentos acima expostos, da mera leitura dos

documentos referentes à “nova área verde”, vislumbra-se não haver real

compensação. Isso porque foram afetados diversos lotes separados (foto

extraída do Google Earth em anexo II, fl. 64). O que antes eram duas áreas

retangulares contíguas, agora estaria “espalhada” pelo bairro em três

“pedaços”. Em primeiro plano, nota-se que a proteção das áreas

institucionais in situ deriva da necessidade de que se proceda a um modelo

de urbanização controlada, sem excessivo adensamento regional. A

desproporção é patente. Vez que sua destinação inamovível, ex vi das

disposições legais, é recepcionar espaços e equipamentos públicos e

comunitários, não basta aferir a equivalência quantitativa de tais lotes sob

permuta, mas, sobretudo, sua adequação qualitativa para o fim propício.

Analogicamente falando, seria trocar um diamante de 1kg por cem de 10g.

Em suma, não resta dúvida que a pretendida desafetação da área

em questão, através de sua transformação de bem de uso comum do povo

em bem dominial, visando sua alienação, viola a Lei 6.766/76, bem como a

Constituição Estadual em seu art. 151, incisos I, IV e VI e a Constituição

Federal em seu art. 24, I, além de ferir o próprio bom senso e a própria

lógica das regras de parcelamento do solo através de loteamento.

III – Da Tutela de Remoção do Ilícito

Como apontado e devidamente demonstrado pela documentação

encartada, constitui ato contrário ao direito, portanto, ilícito, a desafetação

de áreas verdes, tendo em vista serem consideradas bens de uso comum

“intrinsecamente públicos”, nas quais subtrai-se a discricionariedade do

administrador público na sua destinação. Por se tratar, também

demonstrado, de ato administrativo material, referida Lei Municipal é

passível de ter seu objeto reconhecido como ilegal, com a consequente

declaração de nulidade.

Page 22: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

A tutela jurisdicional pretendida neste ponto encontra guarida no

próprio direito material, por se tratar de ato que viola normas de proibição,

quais sejam, os artigos 17 e 22 da Lei Federal 6.766/79. Por já ter havido a

violação ao direito, e permanecendo tal violação, surge imperiosa a tutela

jurisdicional de remoção do ilícito. Nesse sentido, são as lições de Luiz

Guilherme Marinoni:

“A legislação processual tem apenas o dever de instituir técnicas

processuais que sejam capazes de viabilizar a obtenção da tutela

do direito prometida pelo direito material. Ou seja, a legislação

processual deve se preocupar com as técnicas processuais – p.

ex., técnicas antecipatória e sentença mandamental – e não com

as tutelas do direito – p. ex., tutela inibitória.

(...)

A exposição didática recomenda acompanhar a trajetória dos atos

de agressão dos direitos. Se a tutela inibitória se destina a impedir

a lesão do direito, o próximo passo na visualização das formas de

tutela deve parar no instante em que um ato viola uma norma,

mas não acarreta um fato danoso.

(...)

É certo que a admissão de uma outra fonte de tutela contra o

ilícito implica superação de um dogma que vem desde o direito

romano. A assimilação entre ilícito e dano é o resultado de um

processo histórico que levou a doutrina a admitir que a tutela

contra o ilícito seria apenas o pagamento do equivalente ao valor

da lesão ou, quando muito, a aceitar que determinados danos

poderiam ser reparados in natura.

Contudo, na dimensão do Estado constitucional, em que avulta o

dever de o Estado proteger os direitos fundamentais mediante a

proibição ou a imposição de condutas, a necessidade de tutela

contra o ilícito exige uma nova postura dogmática voltada a

explicar a necessidade de uma outra forma de tutela,

derivada da existência de normas de natureza protetiva,

Page 23: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

características a um Estado ciente do seu dever de

proteção.

(...)

Num Estado preocupado com a proteção dos direitos

fundamentais, o processo civil também deve ser utilizado como

instrumento capaz de garantir a observância das normas de

proteção, para o que a ocorrência de dano não tem importância

alguma.

(...)

Não existindo dano, mas uma simples situação antijurídica, a

tutela jurisdicional deve estabelecer a situação que lhe era

anterior. Daí por que essa forma de proteção do direito constitui

uma tutela jurisdicional de remoção do ilícito, a qual também é

uma tutela específica, na medida em que não se conforma com a

transformação do direito em dinheiro.

A tutela de remoção do ilícito é imprescindível para a

jurisdição dar atuação específica às normas de proteção dos

direitos fundamentais. Alias, sem esta espécie de tutela

jurisdicional, o dever de proteção estatal aos direitos se

tornaria impossível e o direito de proteção normativa dos

direitos fundamentais quase que inútil.”12 (negritei e grifei)

Para tal, é imprescindível a atuação jurisdicional para que cesse o

ilícito, declarando-se a nulidade da Lei Municipal 029/2013, com o retorno

ao status quo ante no que tange à natureza jurídica das áreas objeto deste

processo.

IV – Da Antecipação dos Efeitos Práticos da Tutela

Tutela antecipada, segundo as lições de Leonardo Greco, é:

12 MARINONI, Luiz Guilherme in Teoria Geral do Processo – 6ª ed. rev. – São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2012 – (Curso do processo civil; v. 1), p. 252/254

Page 24: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

“Uma decisão interlocutória de mérito que o juiz pode proferir no

próprio processo de conhecimento, a requerimento do autor,

quando houver prova inequívoca e verossimilhança das suas

alegações e, por meio da qual se antecipam provisoriamente os

efeitos da sentença final (CPC, art. 273). A finalidade, na lição

precisa de José Roberto Bedaque, é ‘acelerar a produção de efeitos

práticos do provimento, para abrandar o dano causado pela

demora do processo’”.13

Acelerar a produção dos efeitos práticos do provimento. Ou, nas

palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “garantir a frutuosidade da

eventual tutela final do direito ou de impedir que, enquanto essa não é

concedida, possa ser produzido dano”.14

Ou seja, requer-se apenas a antecipação dos efeitos práticos da

tutela requerida, consistente na suspensão dos efeitos da Lei Municipal

029/2013, ora impugnada.

Segundo o artigo 273 do Código de Ritos, no caso da tutela

antecipada de urgência, para que tal medida seja concedida, são

necessários os requisitos da verossimilhança da alegação em conjunto com

o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

O primeiro, verossimilhança da alegação, nada mais é do que do

que o fumus boni iuris, ou seja, a probabilidade da existência do direito.

Nas palavras de Leonardo Greco:

“A verossimilhança da alegação, fundada em prova inequívoca,

nada amis significa, em linguagem exótica, do que o mesmo juízo

13 GRECO, Leonardo in Instituições de Processo Civil, volume II: processo de conhecimento – Rio

de Janeiro: Forense, 20120. p. 401

14 MARINONI, idem, p. 363

Page 25: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

de probabilidade da existência do direito (fumus boni iuris), que é

pressuposto das medidas cautelares”.

Ora, no presente caso, por toda a documentação acostada, bem

como pelos entendimentos doutrinários e jurisprudencial transcritos, a

verossimilhança das alegações trazidas se mostra latente.

O segundo, e último requisito, está previsto no inciso I do citado

artigo 273 do CPC, que é o mesmo pressuposto de qualquer medida

cautelar, um juízo firme de que o dano ocorrerá, se a tutela não for

concedida em caráter de urgência, ou seja, o periculum in mora. Acerca

deste requisito, são as lições de Luiz Guilherme Marinoni:

“De outra parte, é preciso considerar que o tempo necessário para

o juiz formar a sua convicção pode obstaculizar a efetiva tutela do

direito material. A antecipação da tutela contra o perigo derivado

da demora do processo objetiva propiciar a efetividade da tutela

preventiva (inibitória), isto é, da tutela que tem por fim evitar a

violação do direito, assim como a efetividade das próprias tutelas

posteriores ao ato contrário ao direito (de remoção do ilícito) e ao

dano (ressarcitória).

(...)

Contudo, a técnica da antecipação fundada em perigo não é

necessária apenas para dar ao juiz oportunidade de apreciar a

ameaça de lesão de modo tempestivo, mas também para permitir

a tempestividade da tutela de remoção do ilícito e até mesmo da

tutela ressarcitória.

(...) A tutela de remoção se volta contra a conduta que viola a

norma, mas não produz dano, sendo imprescindível para atuar o

desejo de proteção da norma violada, qual seja o de evitar a

prática da conduta presumida pela norma como capaz de produzir

dano.”15

15 MARINONI, idem, p. 279/280

Page 26: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

Nem se diga ser incabível a concessão de referida medida em

demandas de cunho declaratório, como a presente, visto que, por serem

antecipados apenas os efeitos práticos do provimento jurisdicional

almejado, não há incompatibilidade para tal, como leciona abalizada

doutrina processualista:

“Cabe antecipação de tutela em relação a efeitos de direito

material de pedidos de qualquer natureza (declaratória,

constitutiva ou condenatória), ressalvados certos efeitos que, pela

sua própria natureza, dependem do trânsito em julgado.”16

“Além disso, a antecipação da tutela também é viável nas ações

declaratória e constitutiva.”17

Da mesma forma, resta clara a possibilidade de dano de difícil

reparação, visto que, uma vez que foi aprovada e promulgada Lei Municipal

067/2013 autorizando a alienação dos referidos imóveis através de

leilão, a realização deste ato demandaria gastos de recursos públicos, bem

como ampliação do objeto da presente demanda, a fim de anular-se

referida alienação, havendo, inclusive, necessidade de inclusão no pólo

passivo de eventuais adquirentes.

Ademais, Excelência, vislumbra-se, uma nova, e iminente,

violação à ordem jurídica pátria, eis que o artigo 17, inciso I da Lei

Federal 8.666/93 impõe a concorrência como modalidade de licitação

aplicável à alienação dos bens imóveis da Administração Pública,

excepcionando-a apenas, no que se autoriza o uso da modalidade leilão,

nas hipóteses do §5º do artigo 22 c/c artigo 19, situações não enquadráveis

no presente caso.

16 GRECO, idem, p. 403

17 MARINONI, idem, p. 280

Page 27: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

Demonstrou-se, afinal, que está havendo uma ofensa

continuada à ordem jurídica e, nessas hipóteses, a lei permite ao

magistrado a concessão de medida liminar. Assim prevê a Lei da Ação Civil

Pública:

“Art. 12 - Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem

justificação prévia, em decisão sujeita a agravo, [...] para evitar

grave lesão à ordem [...]”.

Tratando-se de um ilícito permanente, isto é, de um ilícito

instalado pelo então Prefeito Municipal e que ainda se encontra em plena

consumação, é imperiosa a atuação emergente do Poder Judiciário para

cessar a sua continuação e resguardar a ordem jurídica.

Antecipando eventual argumentação de não cabimento de tutela

antecipada contra a Fazenda Pública, destaca-se que a Lei 9.494/97, que

aplicou à tutela antecipada as regras da Lei 8.437/92 não o fez em relação

ao artigo 2º deste diploma normativo, do que se conclui pela possibilidade

de concessão de antecipação de tutela, conforme autoriza o artigo 12 da Lei

Federal 7.347/85, bem como o artigo 273, inciso I do Código de Processo

Civil.

Deve-se anotar, portanto, que esta Ação Civil Pública busca a

declaração de nulidade da Lei 029/2013 (lei de efeitos concretos,

conforme demonstrado), resguardando-se o patrimônio público.

Para restabelecer a ordem jurídica (“congelando” o ilícito) e

acautelar o interesse da coletividade, é indicada a antecipação da

suspensão dos efeitos da Lei Municipal 029/2013, e, por via de

consequência, a imposição de não realização ou, se já em trâmite, a

suspensão de quaisquer atos que visem à alienação dos imóveis objetos da

referida lei, sob pena de multa diária, aplicando-se, a esta última hipótese,

Page 28: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

se for o caso, o disposto no §7º do artigo 273 do Código de Processo Civil.

V – Dos Pedidos

Ex positis, requer o Ministério Público:

a) seja a presente recebida e autuada;

b) seja o Município notificado para se manifestar dentro do prazo

de 72 (setenta e duas) horas, nos termos do art. 2º da Lei

Federal 8.437/92;

c) liminarmente, seja determinada, até a análise definitiva do

mérito, a suspensão dos efeitos da Lei Municipal 029/2013,

bem como dos atos decorrentes da mesma, em especial, da

anotação/averbação na matrícula dos imóveis referentes aos

Lotes 12 da quadra 04 e 13 da quadra 05, objetos da

matrícula 03368 do Registro Geral do Cartório de Registro de

Imóveis da Comarca de Salto do Lontra/PR, dando conta da

alteração de sua destinação, retornando os imóveis à

categoria de bens de uso comum do povo, afetados como área

verde;

d) em decorrência da decisão concedendo o pedido em “c”, seja

determinado ao Município de Salto do Lontra/PR,

liminarmente, a abstenção, ou, se já em trâmite, a

suspensão, de quaisquer atos que visem a alienação dos

imóveis expostos em “a”, até análise definitiva do mérito da

presente demanda, sob pena de multa diária18, conforme

18 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - RECURSO EPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA -

Page 29: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

autoriza o §3º do artigo 273 em conjunto com o §4º do artigo

461, todos do Código de Processo Civil, no valor de

R$5.000,00 (cinco mil reais), a ser recolhida em favor do

fundo estadual de reparação dos interesses difusos lesados a

que se refere o art. 13 da lei 7.347/95;

e) seja o requerido citado para integrar o pólo passivo da

relação jurídico-processual, dando-lhe oportunidade para, se

quiser, apresentar resposta ou reconhecer a procedência

do pedido, no prazo legal, sob pena de revelia, devendo

constar do mandado a advertência do artigo 285, segunda

parte, do Código de Processo Civil;

f) no mérito, seja a presente demanda julgada procedente,

para fins de declarar-se a nulidade da Lei Municipal 029/2013

de 03 de maio de 2013, bem como dos atos realizados em

decorrência da mesma, em especial da averbação/anotação na

matrícula (RGI nº 03368) dos imóveis referentes aos Lotes 12

da Quadra 04 e Lote 13 da Quadra 05, retornando os mesmos

à categoria de bens de uso comum do povo, afetados como

área verde;

g) seja comunicado o Serviço de Registro de Imóveis da Comarca

de Salto do Lontra para que proceda às devidas providências

em decorrência da decisão que julgar procedente a presente

demanda;

LOTEAMENTO IRREGULAR - MULTA DIÁRIA COMINATÓRIA - ASTREINTES - APLICABILIDADE

CONTRA A FAZENDA PÚBLICA - POSSIBILIDADE. 1. Inexiste qualquer impedimento quanto a

aplicação da multa diária cominatória, denominada astreintes, contra a Fazenda Pública, por

descumprimento de obrigação de fazer. Inteligência do art. 461 do CPC. Precedentes. 3. Recurso

especial provido. (STJ - REsp: 1360305 RS 2012/0272164-3, Relator: Ministra ELIANA CALMON,

Data de Julgamento: 28/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/06/2013)

Page 30: AÇÃO CIVIL PÚBLICA Com Pedido de Antecipação dos Efeitos ... · Com Pedido de Antecipação dos Efeitos da Tutela pelo procedimento ordinário, em face do: ... urbanos, constantes

h) a condenação do réu às custas processuais, honorários

advocatícios e demais verbas de sucumbência, a serem

revertidos em favor do Fundo Especial do Ministério Público

(Lei Estadual n. 12.241/98);

i) a observância do art. 18 da Lei 7.347/85 e do art. 27 do

Código de Processo Civil quanto aos atos processuais

requeridos pelo Ministério Público;

j) a intimação pessoal do Ministério Público para acompanhar

todos os atos praticados no processo civil ora instaurado;

k) produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em

especial, prova testemunhal e documental, muito embora, em

princípio, se trate de causa em que está presente a

possibilidade do julgamento antecipado da lide, vez que

se trata de prova eminentemente documental, não havendo

necessidade de prova testemunhal (CPC, art. 330, I, segunda

parte);

Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),

exclusivamente para fins de alçada.

Nestes termos, pede deferimento.

Salto do Lontra, 16 de agosto de 2013

HERIC STILBEN

Promotor de Justiça