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Abril de 2005 • Ano 2 • nº 9 www.desafios.org.br do desenvolvimento SAÚDE Estudo calcula o investimento necessário para a redução da mortalidade infantil METAS DO MILÊNIO Como anda o combate à fome e à pobreza no mundo e no Brasil R$ 8,90 ApontoZ.com Abril de 2005 • Ano 2 • nº 9 desafios A importância da modernização das ferrovias para o crescimento econômico desafios Transportes Capadesafios09 07/04/05 17:25 Page 1

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Desaf ios • abril de 2005 3

Carlos Álvares da Silva Campos NetoUma boa lei de PPP

José Aroudo MotaA riqueza dos corredores ecológicos

Lauro RamosBons ventos?

Angélica Duarte de AguiarRede de solidariedade no setor informal

desafiosdo desenvolvimento

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Entrevista Jomo Kwane SundaramReceita asiática: proteger para exportar

Tecnologia Programa livreAdministração federal estimula a adoção de softwares livres em seus computadores

Finanças Dinheiro farto e baratoA indústria de capital de risco começa a favorecer empresas inovadoras

Infra-estrutura Uma corrida sobre trilhosÉ urgente o investimento na modernização da malha ferroviária brasileira

Saúde O valor da vidaEstudo calcula o investimento necessário para a redução da mortalidade infantil

Metas do Milênio As boas intenções e o mundo realFome e a pobreza atormentam o planeta. Mas o Brasil tem indicadores positivos

Trabalho Corporação de informaisFlanelinhas de Brasília formam organização que replica a sociedade formal

Melhores Práticas Justiça high-techOs Juizados Especiais Federais paulistas são exemplos de eficiência no Judiciário

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Sumário

Artigos Giro

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4 Desafios • abril de 2005

desafiosdo desenvolvimento

A reportagem de capa desta edição trata de um tema que pode ser vital para o desenvolvimento sustentável brasileiro:a necessidade de mudança na matriz do sistema de transportes,fortemente dependente das rodovias. Mostra a situação dotransporte ferroviário, o avanço alcançado com a privatização e asmedidas que o governo está prestes a lançar para fortalecer o setor.

Nesta edição, ainda, Desafios dá início a uma empreitada depeso: uma série de seis reportagens que, uma a cada mês, analisarãoo que tem sido feito, os obstáculos a enfrentar e a atual situação dospaíses no que diz respeito ao compromisso firmado na Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) para fazer do mundo um ambientemenos desigual até o ano de 2015. No primeiro trabalho da série,que começa na página 46, o leitor verá que a fome e a pobreza seagravaram em várias regiões do planeta.As providências acertadasquando da assinatura das Metas do Milênio, em 2000, em geral nãoforam tomadas. No caso brasileiro, foram registradas melhoriasnos dados estatísticos. No entanto, problemas de ordem social – especialmente no que tange à saúde e à educação – permanecemcomo entraves para a redução do fosso que separa os ricos dos milhões de pobres.

Na página 38 o leitor encontra uma análise dos fatores quedeterminam a mortalidade infantil – além de cálculos sobre osinvestimentos necessários para salvar a vida de crianças.

Esta edição traz, também, histórias de experiências positivas.Uma é a dos Juizados Especiais Federais paulistas, exemplo de eficiência no mar de marasmo do Poder Judiciário. Outra conta quea indústria de capital de risco – essencial para o fortalecimento dasempresas inovadoras – começa a se estruturar no país. Uma terceirafala das vantagens da adoção do software livre na administraçãopública. E há uma quarta, que mostra como guardadores de carro de Brasília, trabalhadores informais, conseguem sobreviver e reproduzem, em sua organização, muitos dos aspectos da sociedade formal. Esperamos, com esse cardápio variado,satisfazer as suas expectativas.

Ottoni Fernandes Jr., diretor de redação

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: cartas@desaf ios.org.brDiretoria de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 801 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.org.br

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EDITORES ASSISTENTES Clarissa Furtado, Lia Vasconcelos, Pedro Ivo Alcântara

COLABORADORES Edmundo M. Oliveira, Eliana Simonetti, Mônica Teixeira(redação), Anderson Schneider, Ricardo Labastier, Sommer Andrey(fotografia), Ivana Gomes, Regina Pereira (revisão)

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6 Desafios • abril de 2005

GIROp o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

Na semana de 10 a 15 de maio,Brasília estará movimentada. Pelomenos oito chefes de Estado depaíses árabes e 1.000 empresáriosárabes e sul-americanos estarãona cidade para a primeira CúpulaAmérica do Sul-Países Árabes,para a qual foram convidados re-presentantes dos 22 países quecompõem a Liga Árabe e de todasas nações sul-americanas.

É primeiro encontro político eeconômico formal entre as duasregiões fora da programação re-gular de trabalho da Organização

das Nações Unidas. O objetivo écomeçar a tornar realidade a pro-posta do presidente Luiz InácioLula da Silva de aumentar a inte-gração Sul-Sul e criar uma nova“geografia comercial” no mundo.A Cúpula será composta de doiseventos paralelos, um político eoutro econômico. “Na reuniãopolítica, serão discutidas questõesde interesse comum às duas re-giões nos foros multilaterais, co-mo melhor acesso a mercados pa-ra produtos agrícolas, em discus-são na Organização Mundial do

Comércio, e iniciativas para refor-ma do sistema financeiro interna-cional”, diz Ernesto Rubarth, che-fe de gabinete da SubsecretariaGeral de Política do Ministériodas Relações Exteriores. Do en-contro, deve sair uma carta assi-nada pelos chefes de Estado. ParaRubarth, a Cúpula estabeleceuma agenda positiva num mo-mento em que os árabes estãosendo hostilizados em todo omundo.“O Brasil tem tradição desempre se esforçar pela pro-moção da paz. Temos credibili-

dade suficiente e a necessáriaisenção para dialogar com osenvolvidos, sem sermos confun-didos com um movimento pró-árabe”, afirma. No encontro co-mercial, a idéia é descobrir cam-pos em que seja possível umacomplementariedade entre asduas regiões. É bom lembrar quesó a visita do presidente Lula àregião, no final de 2003, já provo-cou aumento de 50% das expor-tações brasileiras para aquelespaíses, o que demonstra o poten-cial de comércio.

Mapeamento de potencial energético mostrouquais as regiões brasileiras têm maior capacidadepara geração de energia solar e eólica. Os estados daBahia, Pernambuco, Ceará e Piauí são os campeõesem termos de luz solar.“No dia mais nublado do ano,a incidência de radiação solar é de 4,5 quilowatts-hora (kWh) por metro quadrado no Ceará. Na Ale-manha, onde essa energia é mais usada, a incidênciaé de apenas 0,8 kWh/m2”, afirma Stefan Krauter,presidente para a América Latina do ConselhoMundial de Energias Renováveis (WCRE, das ini-ciais em inglês). A maior dificuldade para o aprovei-tamento dessa luz é o alto preço da tecnologia reque-

rida, mas a tendência é de queda nos preços com acrescente utilização.Em relação ao potencial eólico,olitoral nordestino novamente é o local mais adequa-do, porém o norte mineiro, o oeste pernambucano, oestado de Roraima e a Região Sul também são áreaspropícias para a geração de energia com os ventos.Devido a esse imenso potencial, o WCRE defende acriação de uma universidade internacional paraestudo de fontes renováveis de energia sediada noBrasil, preferencialmente em Olinda (PE) ou no Riode Janeiro. Atualmente, a indústria mundial envolvi-da com fontes alternativas de energia cresce cerca de20% ao ano e emprega por volta de 400 mil pessoas.

Relações internacionais

Quibe com feijoada

Energia

Moro num país tropical...

Governo

O preço dacorrupção

Estimativa do Banco Mun-dial avalia que a cada ano é gastoum trilhão de dólares em pa-gamento de subornos. A cifracorresponde a quase 1/30 daeconomia global. O banco apre-senta os nomes daqueles queconstruíram as maiores fortunascom base na corrupção. O pri-meiro da lista é o ex-presidenteda Indonésia, Suharto, que des-falcou seu país em cerca de 20bilhões de dólares. Em segundolugar estão empatados Ferdi-nando Marcos, das Filipinas,Mobutu, do Zaire, e Abacha, daNigéria, todos suspeitos de terembolsado cinco bilhões de dó-lares em propinas, cada um.

Renata Buono

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A cidade de Jalisco, noMéxico, conhecida por ser aterra da tequila e dos maria-chis, está agregando mais umacaracterística a seu perfil: oalto desenvolvimento de suaindústria eletrônica. A cidadeonde se instalou a primeirafábrica de semicondutores daAmérica Latina, da Motorola,hoje abriga centros de desen-volvimento de gigantes comoHewlett-Packard, IBM, Intel eSiemens, além de ser a sede deoito empresas que constam nalista das cem maiores indús-trias eletrônicas do mundo,entre elas a Flextronics, a San-mina SCI e a Solectron. Noano passado, o estado de Gua-dalajara, onde está localizadaJalisco, registrou dez bilhõesde dólares em exportações,sendo quase um terço de pro-dutos de alta e média tecnolo-gia. A tendência do aglomera-do é de crescimento, acom-panhando a economia mexi-cana como um todo. Atual-mente, Jalisco é a cidade mexi-cana com a maior demandapor engenheiros e técnicos.

Enquanto no Brasil viajantes congestionam os sites das empresasaéreas em busca de tarifas mais baixas, na Suíça e na Alemanha passa-geiros estão aderindo espontaneamente a uma taxa extra para compensara poluição causada pela combustão do querosene dos aviões. Cada pas-sageiro paga, em média, cinco euros por hora de vôo. Em 2003, as con-tribuições somaram 40 mil euros. No ano passado saltaram para 150 mile a expectativa é fechar 2005 com 300 mil euros, expandindo o programapara a Inglaterra e os Estados Unidos. A proposta surgiu num encontrointernacional de ambientalistas na Costa Rica. Os participantes cons-tataram que haviam provocado o lançamento de toneladas de gás car-bônico na atmosfera durante o traslado de cada um até a cidade de SanJosé. O dinheiro arrecadado é gerido pela ONG suíça MyClimate, queaplica os recursos em pesquisas para a substituição dos combustíveis fós-seis por energia renovável, em países em desenvolvimento. Atualmente, aMyClimate apóia sete projetos e há três candidatos brasileiros, todos liga-dos ao Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudança deClima, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Exportações

Ano bom para camarão

Meio ambiente

Voando limpo

Livros

Se a moda pega...

Tecnologia

El Valledel Silicio

A combinação de três fatoresestá animando os empresários decriação de camarões em relação a2005. Primeiro a tragédia do tsu-nami asiático acabou tendo refle-xos positivos para o Brasil porquedestruiu grande parte da estrutu-ra camaroneira da Tailândia,maior fornecedor dos EstadosUnidos. Em segundo lugar, a re-

dução da sobretaxa norte-ameri-cana para o produto brasileiro,que caiu de 20% para 7,05% e au-mentou para outros produtores,entre eles a China. E em terceirolugar a criação, por parte do Ban-co do Nordeste, de uma linha definanciamento especial para osetor. Os recursos serão usadospara a formação de um estoque

regulador que permita uma me-lhor negociação com os compra-dores. Atualmente, os produtoresbrasileiros são obrigados a venderos camarões assim que são pesca-dos e os preços ficam abaixo dacotação internacional. A produ-ção prevista para 2005 é 105 miltoneladas, cerca de 70% devem serdestinadas à exportação.

Escritores britânicos queremganhar direitos autorais da ven-da de livros usados. Eles alegamque, com o advento da internet,o acesso a livros de segundamão ficou muito fácil e grandeparte dos leitores prefere eco-nomizar comprando as obraspor preços bem abaixo do ori-ginal. O movimento é lideradopela escritora Antonia S. Byatt,cujo livro Possession está à ven-da na Amazon Books, a maiorlivraria virtual do mundo, emduas versões: novo, com preçode 6,99 libras esterlinas, e usa-do, por 4,20 libras esterlinas. Arevolta dos autores aumentoudepois que o jornal The Timespublicou uma reportagem di-zendo que livros usados tam-bém são muito procurados nosbazares de caridade. Uma dasmaiores entidades beneficentesdo mundo, a Oxfan, declarouter faturado, em 2004, 30 mi-lhões de dólares com a vendade livros. Se a idéia chegar aoBrasil, os mais prejudicados se-rão os estudantes, especialmen-te os de Direito, que costumamse abastecer nos sebos estrategi-camente localizados próximoàs faculdades.

Divulgação

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Evolução e projeção daprodução nacional de camarão(em mil toneladas)

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8 Desafios • abril de 2005

ENTREVISTA

economista malaio Jomo Kwane Sundaram visitou o Brasil em março numa de suas primei-ras viagens oficiais como assistente da secretaria-geral para o desenvolvimento econômicodo Departamento de Relações Econômicas e Sociais das Nações Unidas. Encontrou-se com

autoridades, economistas e pesquisadores de outras áreas para contar um pouco de sua experiênciacomo especialista em questões econômicas da Ásia. Em todas as reuniões, bem como na entrevistaque concedeu a Desafios, ele evitou fazer analogias com a economia brasileira. No entanto, como aobom entendedor meia palavra basta, sua mensagem é útil para que se compreenda o que ocorre noBrasil e o que deveria ser feito para garantir maior crescimento e desenvolvimento no país.

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Receita asiática: proteger para exportar

Jomo Kwane

O economista malaio diz que a liberalização serve mais às corporações

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Jomo Kwane Sundaram ocupa um dospostos mais cobiçados da Organização dasNações Unidas (ONU). Sua função é enri-quecer os estudos e os documentos econô-micos e sociais elaborados pelas NaçõesUnidas valendo-se dos conhecimentos ad-quiridos desde sua graduação em Eco-nomia pela Universidade da Malásia. O pos-to que ele ocupa foi criado recentemente, ea indicação de seu nome demonstra a preo-cupação dos dirigentes da ONU com osefeitos da globalização.A especialidade deSundaram é a economia dos países asiáti-cos. Suas conclusões, de maneira geral,contrariam os paradigmas neoliberais im-postos por organismos como o Fundo Mo-netário Internacional aos países em desen-volvimento durante os anos 90. Servem, as-sim, como ferramentas alternativas para aanálise de outros países.

Com uma fala calma e pausada, eleconta que ainda está se acostumando aocorre-corre da função que assumiu, cujasobrigações incluem uma vasta agenda, in-clusive os inúmeros encontros que mantevecom autoridades brasileiras durante a visi-ta oficial ao país no mês passado.

Sundaram foi investido em seu novoposto em janeiro. Antes, teve de tomar umadifícil decisão: abandonar a vida acadêmi-ca – bastante rica, por sinal.Autor de maisde 50 livros, além de 35 trabalhos de pes-quisa, fundou em 2001 o portal eletrônicode análises sociais e econômicas Inter-national Development Economics Associates(Ideas) – www.ideas.org, site que conta coma participação de uma rede de pesquisa-dores de várias partes do planeta.

Um acadêmico em ação

Desafios - Suas pesquisas sobre a economia da

Ásia são completadas por investigações acerca dos

efeitos econômicos da globalização. Qual é o seu diag-

nóstico da economia global nos últimos 20 anos?

Sundaram - Temos de lembrar que aglobalização já tem pelo menos doisséculos. Durante a maior parte desseperíodo, até meados do século XX, adesigualdade entre ricos e pobresesteve em ascensão no mundo.A situa-ção mudou depois da Segunda GuerraMundial. Portanto, de forma simplifi-cada, posso afirmar que foi o imperia-lismo, e não a globalização, a causa doaumento da pobreza em determinadasregiões. Analisadas numa perspectivahistórica, elas foram exploradas demaneira questionável. As pesquisasrealizadas até agora, em várias frentes,apontam que o processo de industria-lização dos anos 60 e 70 resultou na re-dução da desigualdade dentro dos paí-ses. A questão é que, no período mais

recente, ela voltou a crescer. Na esferainternacional, a tendência não é muitoclara. Os estudos são destorcidos pelosresultados positivos obtidos pela Índiae pela China, com suas imensas popu-lações. Mas acredito que, se não con-siderarmos esses dois países, a desi-gualdade entre nações ricas e pobrestambém vem crescendo.

Desafios - A liberalização econômica e política,

então, não foi tão benéf ica como prometia?

Sundaram - A globalização tem sig-nificados diferentes para pessoas dife-rentes. É como conta uma tradicionalhistória indiana: vários cegos precisamtocar num elefante e dizer do que setrata. Um passa a mão em sua perna e

últimos 20 anos. Isso além das normasda Organização Mundial do Co-mércio. Então, a liberalização pro-movida pela globalização é, no míni-mo, relativa.

Desafios - Mas houve liberalização de f luxos de ca-

pitais e abertura de mercados, entre outras.

Sundaram - É indiscutível que essesmecanismos da globalização serviramaos interesses das grandes corpora-ções, pelo menos no que se refere à re-gulação e à liberalização. E são essasmesmas corporações que resistem à li-beralização agrícola. E utilizam outrasformas para a proteção de seus merca-dos desenvolvidos. As evidências devários estudos mostram que os preços

diz que é uma árvore. Outro apalpa aorelha e diz que é um grande leque...Se olharmos para alguns fenômenosespecificamente econômicos da globa-lização, temos de analisar inúmerosaspectos, como a liberalização do co-mércio, que é diversa da liberalizaçãofinanceira. Esses fenômenos foramdistorcidos em relação à perspectivaque se tinha no início do processo deabertura. Embora oficialmente os mer-cados estejam livres, nunca existiramtantas regras como hoje. Foi implan-tado globalmente um novo modelo degovernança, com pouca flexibilidade ecriatividade, amarrado às condicio-nantes dos acordos firmados com oFundo Monetário Internacional e ou-tros organismos multilaterais de inves-timento. Há outras limitações igual-mente poderosas, como a do respeitoaos direitos de propriedade intelectual,que nunca foi tão valorizada como nos

Sundaram

do que aos países pobres. E recomenda precauções para garantir o crescimento

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dos produtos primários de regiões tro-picais, portanto menos desenvolvidas,caíram, enquanto os dos produtos cha-mados temperados, de países desen-volvidos, como o algodão, subiram.Isso não é obra do acaso.

Desafios - O processo de liberalização, seja f inan-

ceira, seja comercial, não foi correto? O senhor acredi-

ta que teria sido melhor se não houvesse abertura?

Sundaram - Os mercados precisavamser abertos, é claro. Mas o que percebe-mos agora é que todos os países que seindustrializaram de forma sustentávelo fizeram com forte protecionismo nafase inicial. Desde a Inglaterra, naRevolução Industrial. Os países do sulasiático, como Malásia e Taiwan, de-senvolveram uma indústria poderosaem termos qualitativos, mas não emtermos quantitativos. Dependerammuito de investimentos externos e demão-de-obra barata, sem construiruma política estratégica de desenvolvi-mento. No Sudeste Asiático foi dife-rente. Há 20 anos, ninguém saberiadizer o nome de uma empresa corea-na, por exemplo.Ali também, como nosul, eram fabricados produtos, comoequipamentos eletrônicos, copiados deoutros. Mas a política industrial daregião incentivava, de várias formas, oaprimoramento da produção, de mo-do que hoje não são mais desconheci-dos e, em muitos casos, fazem produ-tos melhores do que aqueles fabricadosnos países dos quais copiavam. Tor-

naram-se líderes. São muito diferentesdos países do sul asiático, cujos produ-tos tiveram seus preços reduzidos. Es-tes se especializaram no fornecimentode artigos chamados genéricos, semdireito de propriedade, que qualquerum pode fazer.

Desafios – Existe risco para países que dão im-

portância estratégica às exportações?

Sundaram - As pessoas costumampensar que a diferença entre o desen-volvimento da indústria asiática e o daAmérica Latina é que a primeira usouum modelo orientado para a exporta-ção, enquanto a segunda adotou ummodelo voltado para a substituição deimportações. Isso não é verdade. Oque aconteceu em alguns países daÁsia, como Japão, China e Coréia, éque houve um equilíbrio entre essasduas fórmulas. Imagine que um ci-dadão está interessado em produzirequipamentos eletrônicos. Ele pedeajuda ao governo para viabilizar seuprojeto. A resposta do governo é quevai providenciar financiamento e pro-teger aquele segmento por um tempo,com uma condição: que em determi-nado momento o empresário passe aexportar, cumprindo metas de quanti-dade e prazo. O pressuposto é que, aose comprometer com a exportação, aempresa tenha de se preparar e se tor-nar competitiva, contribuindo para odesenvolvimento sustentável do país.Isso é um exemplo da política indus-trial praticada no Sudeste Asiático. Épreciso lembrar que, quando falamosde políticas para a indústria, não nosreferimos apenas à produção de ma-nufaturados, mas também às áreas deserviços e de agropecuária. As inter-venções governamentais são a únicamaneira de induzir uma industrializa-ção que gere resultados realmentepositivos.

Desafios - E quanto à liberalização f inanceira, ela

trouxe mais benefícios do que impactos negativos?

Sundaram - Temos de pensar em doisaspectos nesse caso. Primeiro, a libe-ralização doméstica. Não é verdade

que um sistema fechado, só por ser fe-chado, não contribua para o cresci-mento. Volto a usar a Coréia comoexemplo. Durante a chamada era darepressão financeira, as taxas de pou-pança interna cresceram muito. O di-nheiro foi destinado à implantação dapolítica industrial.As indústrias inves-tiam em pesquisa e infra-estrutura pa-ra crescer no longo prazo. O caso daCoréia mostra que é simplista dizer,como foi preconizado nos anos 90,que a abertura das finanças dos paísesé fundamental para o crescimento.Ocorre que o modelo coreano tevesucesso, mas é ineficiente em locaisonde se cobram altas taxas de juro,pois elas tornam impraticável o paga-mento de empréstimos.

Desafios - E no caso das f inanças internacionais?

Sundaram - Havia três promessasprincipais embutidas na liberalizaçãodas finanças em nível global. A pri-meira, de que o dinheiro iria migrar deregiões ricas para países pobres. A se-gunda, de que o custo dos financia-mentos externos cairia. Por fim, de quea volatilidade desapareceria ou seriaexpressivamente reduzida. Essas trêsexpectativas não se concretizaram. Aidéia disseminada era que, onde fosseimplantada, a liberalização promove-ria o crescimento. Mas o que vemos éjustamente o inverso: o crescimento éque vem servindo aos interesses finan-ceiros liberalizados.

“As intervenções

governamentais

são a única maneira

de induzir uma

industrialização que

gere resultados

realmente positivos”

“Acredito que, se não

considerarmos os

indicadores da China

e da Índia, que são

exceções, a desigualdade

entre nações ricas

e pobres vem crescendo” d

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12 Desafios • abril de 2005

A admin istração federa l começa a adotar sof twares

l i vres em seus computadores e est imula o crescimento

de empresas nessa área

TECNOLOGIA

de patentes e adotar os softwares cons-truídos com sistemas disponíveis gratuita-mente na internet.Assim, os profissionaisda área serão estimulados a criar, os gas-tos do governo serão reduzidos, o país ga-nhará maior autonomia no setor e tornaráviável a democratização do conhecimen-to e do acesso às ferramentas da informáti-ca.Isso sem contar que será mais fácil atin-gir a meta da política industrial de expor-tar dois bilhões de dólares em programaspara computador em 2006.“O governo éum dos maiores compradores da indús-tria de software e por esse motivo tem aresponsabilidade de incentivar e guiar osetor, ditando tendências. O principal écriar condições que propiciem o desenvol-vimento da indústria sem discriminaçãode modelo de negócios”, afirma JorgeSukarie, presidente da Associação Bra-sileira das Empresas de Software (Abes).

O aumento do uso de programas li-vres, ou de fonte aberta, pode fortalecer aindústria brasileira de software porquecria espaço para que as empresas desen-volvam novas soluções baseadas em códi-gos abertos, prestem serviços de treina-mento e manutenção e aumentem a comu-nidade envolvida no desenvolvimento. E

á faz algum tempo que os soft-wares livres – programas paracomputador desenvolvidos porgente de todo o planeta cujo có-

digo-fonte é liberado, isento de pagamen-to de licenças – deixaram de ser uma ban-deira dos que combatem as grandes corpo-rações controladoras das inovações tecno-lógicas, transformando-se em ferramentapara impulsionar o desenvolvimento etambém em um negócio bem-sucedido.Atualmente envolve corporações multina-cionais, como a International BusinessMachines (IBM), e uma vasta rede de em-presas criadoras de soluções e serviços.NoBrasil havia algumas experiências locali-zadas de adoção do software livre pelaadministração pública – caso do RioGrande do Sul e dos telecentros da prefei-tura paulistana, por exemplo.Agora, o go-verno federal decidiu incluir a medida en-tre suas prioridades.

A decisão tem uma importância signi-ficativa, pois o governo e os organismos aele ligados são os maiores usuários de tec-nologia de informação no Brasil. Paulati-namente, boa parte dos sistemas da admi-nistração deverá abandonar os programascom direitos autorais protegidos pela lei

Pro

gram

a livre

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P o r L i a V a s c o n c e l o s , d e B r a s í l i a

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A d isseminação de sof tware l i vre pode contr ibu ir para a meta da pol í t ica industr ia l

trabalho “Desafios para a Política Indus-trial do Software”. Os primeiros resulta-dos colhidos pelo governo federal suge-rem que a mudança pode valer a pena. Deacordo com as contas feitas pelo ComitêTécnico de Implantação de Software Li-vre (CISL), o governo federal já economi-zou 28,5 milhões de reais com a comprade licenças em 2004. A meta é chegar auma economia de 300 milhões a 400 mi-lhões de reais em três anos – o que repre-sentaria 80% do gasto com a compra deprogramas. Para isso, no entanto, seria ne-cessário impor, por decreto, que todos osórgãos da administração direta adotas-sem a mesma política.

esses serviços não são gratuitos. A van-tagem, para os usuários, se dá no não pa-gamento da licença de uso – e não é nadadesprezível, pois o Brasil remete cerca deum bilhão de dólares anuais ao exteriorpara pagar os direitos autorais dos soft-wares proprietários. Economiza-se comlicença, mas todos os outros serviços con-tinuam sendo pagos e o próprio processode migração é bastante caro, pois envolveplanejamento, cursos de capacitação e atroca dos sistemas propriamente ditos quepode ser feita internamente ou por umaempresa terceirizada, explica Luis Kubota,pesquisador do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea), que publicará o

Comunidade A migração para o softwarelivre, ou de código aberto, tem prospera-do nos países desenvolvidos. A prefeiturade Munique, na Alemanha, o governo daFrança e o da Coréia do Sul, apenas paracitar alguns casos, adotaram essa solução.Até nos Estados Unidos, sede das empre-sas desenvolvedoras de programas prote-gidos por patente, os servidores da Nasa,a agência espacial, os funcionários quetrabalham na Casa Branca e no FederalBureau of Investigation (FBI), e inclusiveos que trabalham e estudam no maior pó-lo de atração de inteligências do planeta,o Massachusetts Institute of Technology(MIT), rodam soluções livre em suas má-quinas.Ao lado da economia e do estímu-lo à produção de sistemas inovadores, umargumento dos defensores das soluçõesabertas é que elas são mais seguras, maisresistentes a vírus, pois existem milharesde pessoas trabalhando em suas falhas eassim que surge um problema a comuni-dade se mobiliza para resolvê-lo. Hoje es-tão disponíveis versões livres para a gran-de maioria dos programas proprietários:editores de texto e imagem, navegadoresde internet e bancos de dados, entre ou-tros. Estima-se que o universo dos desen-volvedores dessas ferramentas envolvauma comunidade de 500 mil pessoas.Apenas na manutenção do Linux, o siste-ma operacional livre mais popular, traba-lham cerca de 150 mil pessoas nos cincocontinentes. É como um ecossistema emque a internet desempenha papel funda-mental, já que é o meio primordial de tro-ca de informações.

Pela política que tem adotado, o Brasiljá é referência mundial nessa área.“A dire-triz do governo que recomenda que os ór-gãos públicos federais façam a migraçãode seus sistemas proprietários para pro-gramas livres fez o país se tornar referên-cia mundial e estimulou a produção desoluções nessa área. O movimento tem ca-pacidade de induzir a indústria”, diz Ro-gério Santanna, secretário de logística etecnologia da informação do Ministériodo Planejamento. “As mudanças mais im-

Telecentro na cidade de São Paulo: experiência de inclusão digital com software livre

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de expor tar do i s b i l hões de dó l a res em prog ramas de compu tador em 2006

Renda mensal familiar

Universo de 49,1 milhões de domicílios Número de domicílios Número de domicílios

Total 41.544,8 mil 1.929,6 mil

Com microcomputador 3.413,9 mil 8,2% 1.511,1 mil 78,3%

Com acesso à internet 2.134,3 mil 5,1% 1.377,8 mil 71,4%

Sem microcomputador 38.129,6 mil 91,8% 418,5 mil 21,7%

Fonte: IBGE/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (2003)

Até 10 salários mínimos Mais de 20 salários mínimos

A inclusão digital no BrasilPesquisa feita em 49,1 milhões de domicílios mostra a diferença entre ricos e pobres no acesso à tecnologia

portantes que a plataforma aberta podetrazer para o país são autonomia tecno-lógica e eficiência econômica”, diz PedroRezende, professor de ciência da compu-tação da Universidade de Brasília.

Experiências Na administração públicadireta, a Radiobrás e o Ministério das Ci-dades estão entre os mais adiantados nomovimento de migração. Na Radiobrás oprocesso começou no segundo semestrede 2003 com o treinamento para a área deinformática, além da implementação deum projeto piloto em 37 computadores,também na área de tecnologia. Em 2004foi feita a migração de mais sete estaçõesde trabalho e 13 servidores.E em 279 com-putadores foi instalado um pacote comsoluções livres de editor de texto, planilhae navegador de internet, entre outros.“Neste ano, vamos complementar a mi-gração desses 279 computadores e migrarmais 98. Mas existem 231 estações quecontinuarão usando sistemas proprietá-rios por estarem relacionadas a interlocu-tores que utilizam plataformas incompa-tíveis.A transformação só poderá ser com-pletada quando todos adotarem o novosistema. Assim não teremos problemasoperacionais”, diz Pedro Frazão, diretor definanças e tecnologia da informação da

Radiobrás. De fato, um dos problemas natransição é a comunicação com sistemasde tecnologia de informação que usamsoftware proprietário.

A experiência tem demonstrado que areforma não é mesmo uma operação fáciltambém por outras razões. Gustavo No-ronha Silva, coordenador de moderniza-ção e informática do Ministério das Ci-dades, conta o que aconteceu em sua área.

“Houve muitos erros, frutos de falta de ex-periência e precipitação. O trabalho maiorfoi sensibilizar e capacitar os usuários.Mas a grande mudança é cultural, e aspessoas geralmente são resistentes às no-vidades.”No ministério, 140 das 500 esta-ções de trabalho e praticamente todos osservidores rodam softwares livres.“A sen-sibilização e a capacitação poderiam tersido mais intensas. Estamos em nova fase

Amadeu, do ITI, coordenador do programa federal PC Conectado: o MIT recomenda a adoção de programas

livres de alta qualidade

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16 Desafios • abril de 2005

O g ove r n o g a s t a c e r c a d e um b i l h ã o d e d ó l a r e s p o r a n o p a ra p aga r l i c e n ç a s

nanciamento e os incentivos fiscais paraque as empresas participem, mas já sabe-mos que será difícil vender um PC comsistema proprietário a esse preço”, dizCezar Alvarez, assessor especial do presi-dente da República e coordenador do pro-grama. Sérgio Amadeu, diretor-presiden-te do Instituto Nacional de Tecnologia(ITI), vinculado à Casa Civil e responsá-vel pela coordenação do comitê técnicode implementação do software livre, en-comendou um parecer sobre o assunto aoprestigioso Media Lab do MIT. “A respos-ta veio em 14 de março, com a recomen-dação de usar programas livres de altaqualidade, em vez de software proprie-tário, que é mais caro”, diz.

Embora a utilização de software livretenha sido adotado como política priori-tária pelo governo, não há unanimidadeem torno do tema.“Na esfera federal exis-tem diferenças quanto à estratégia de ado-ção das soluções abertas. Mas essa é umadiscussão salutar”, diz Antenor Corrêa,coordenador-geral de softwares e serviçosdo Ministério da Ciência e Tecnologia(MCT). Segundo Santanna, do Planeja-mento,“há diferenças muito claras dentrodo governo, mas não posições antagôni-cas”. Um dos problemas na transição parao software livre é como será a comunica-ção com sistemas de tecnologia da infor-mação que usam software proprietário.Outros criticam os gastos com treinamen-to da equipe técnica e dos usuários parafazer a migração e com as despesas comassistência técnica, já embutidas no custodas licenças dos softwares proprietários.Amadeu, do ITI, defensor da opção peloemprego de software livre, não faz questãode colocar panos quentes no debate.“Nogoverno há, sim, gente capturada pelo mo-nopólio que o software proprietário repre-senta”, diz. Para ele, como o governo é omaior comprador de tecnologia da infor-mação, ao optar pelo uso de software livreestá incentivando a indústria nacional.

Empresários do setor reclamam açõesmais efetivas e ágeis por parte do governo.“O governo deve funcionar como indutor

de planejamento.” No Serviço Federal deProcessamento de Dados (Serpro), emque 60% dos computadores já empregamprogramas abertos, ocorreram dificul-dades semelhantes.“A grande mudança écultural, e não tecnológica. Tivemos defazer muitas palestras. O desafio é en-frentar o período de transição enquantoos sistemas proprietários e livres convi-vem”, diz Sérgio Rosa, diretor do Serpro.

Considerando todas as dificuldades,entretanto, o Banco do Brasil pretendeadotar programas livres em todos os seusseis mil servidores e no gerenciamento deseus 14,4 mil postos de atendimento aopúblico até março de 2006. Para José Luizde Cerqueira César, vice-presidente delogística e tecnologia do Banco do Brasil,a opção pelo software livre não é ideoló-gica, mas sim uma oportunidade de ne-gócio, pois a tendência é gastar menos emlicenças e mais em serviços.

Inclusão digital Os programas de inclusãodigital também serão usados pelo gover-no para incentivar a opção pelo softwarelivre e para economizar com o pagamen-to de licenças de uso. De acordo com oInstituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE), apenas 8,7% dos domicí-lios brasileiros têm computador com aces-so à internet (leia tabela na pág. 15). Paratentar mudar essa realidade, estão em ges-tação programas como o Casa Brasil, queprevê a criação de unidades com dez mi-cros, equipados com programas de fontesabertas e ligados à internet, além de salade leitura e auditório para 50 pessoas. Nafase inicial, serão implantadas 90 casas,sendo 55 nas capitais, mas o programa éambicioso: pretende atingir a marca de1.000 unidades do Casa Brasil. Outroprograma federal é o PC Conectado, cujameta é beneficiar cerca de um milhão depessoas com renda mensal de até 1,2 milreais. Elas poderão comprar computado-res por pouco mais de 1.000 reais, em 24prestações, e terão acesso à internet por 15horas por mês ao custo de 7,50 reais.“Ainda precisamos decidir as linhas de fi-

A origem do software livre

Tudo começou nos anos 80, quandoRichard Stallman, que trabalhava noMassachusetts Institute of Technology(MIT), nos Estados Unidos, percebeu que ossoftwares que eram livres nas décadas de60 e 70 passaram a ser vendidos. Ele nãogostou do que viu. Criou a Free SoftwareFoundation (Fundação do Software Livre),que preside até hoje. Em 1983 a Fundação,com o apoio de programadores, começou adesenvolver um sistema operacional livre,o GNU, baseado no sistema Unix, o queexigiu anos de trabalho e não resultou emalgo que pudesse se tornar popular. Namesma época foi criada a Licença GPL(General Public License), que permite oacesso ao código-fonte do sistema, seu es-tudo, uso, alteração e distribuição.

Em 1991, um finlandês, estudante deComputação da Universidade de Helsinki,chamado Linus Torvalds, passou a desen-volver, com base no Unix, um sistema quepudesse ser usado por qualquer PC comum.Assim, em 1994 nasceu o Linux, acessívela todo e qualquer interessado. Formou-selogo uma rede de desenvolvedores que pro-duziu versões variadas e cada vez maisaprimoradas do sistema.

Uma das vertentes, liderada por EricRaymond, que criou o conceito de fonteaberta, dedicou-se a montar programasúteis para empresas, que poderiam ser li-cenciados.Assim, o que era um jogo de afi-cionados de computador e um movimentode democratização da tecnologia, acabougerando negócios lucrativos. Em 1999 sur-giram a Open Source Iniciative (Iniciativapara a Fonte Aberta) e em seguida um la-boratório para o desenvolvimento de pro-gramas de fonte aberta, patrocinado porgrandes empresas, como IBM, Intel, Cisco eEricsson. Ele encarrega-se do aprimora-mento do sistema Linux, sob liderança deTorvalds, como explica Luiz Kubota, pes-quisador do Ipea, no trabalho “Desafiospara a Política Industrial do Software”.

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de p rog ramas pro teg i dos por pa ten te u sados na adm in i s t ração federa l

para estimular as empresas a desenvolveraplicativos e criar mercado”, diz JohnForman, presidente da regional do Rio deJaneiro da Associação das EmpresasBrasileiras de Tecnologia da Informação,Software e Internet (Assespro).“O Brasildeve fazer como a Índia, vender desen-volvimento no país, e atrair empresas quequeiram ter centros de desenvolvimentode software livre.”

Negócios Reclamações à parte, há sinais deque a simples intenção demonstrada pelaadministração pública já surte efeitos nomercado. A empresa finlandesa Nokia, lí-der global na indústria de telefones celu-lares, escolheu o Brasil, e não a Índia, paramontar um de seus centros mundiais dedesenvolvimento de aplicativos com baseem software livre, a serem usados em seusaparelhos de telefonia. A razão, segundoFernando Terni, presidente da Nokia noBrasil: existe no país uma comunidade dedesenvolvedores de programas que usamo sistema operacional de código abertoGNU/Linux (leia quadro ao lado).

Um exemplo do novo tipo de negócioque está surgindo é a cooperativa Solis,que existe desde 2003, congrega cerca de30 pessoas e fica em Lajeado, no RioGrande do Sul. A cooperativa nasceu nocentro de processamento de dados da uni-versidade local, a Univates. Maurício deCastro, presidente da Solis, conta que aequipe começou a se formar quando aUnivates decidiu migrar seu sistema parao software livre. A cooperativa, que teveum faturamento de 750 mil reais no anopassado, implementa e desenvolve solu-ções para serem usadas em instituições deensino, na indústria, no comércio e emserviços.“Todos os softwares que desen-volvemos estão disponíveis para down-load na internet.A cooperativa se mantémcom a venda de serviços de treinamento,suporte, manutenção e personalizaçãodas soluções”, diz Castro.

Mais uma boa história no campo em-presarial é a da 4Linux. Ela surgiu numaconversa informal entre quatro universitá-

O curitibano Marcelo Tosatti, de 21 anos de idade, ocupa uma posição de destaque na redede 150 mil pessoas envolvidas no desenvolvimento do Linux, o sistema operacional de códigoaberto mais usado no mundo. Aluno do primeiro semestre de Engenharia da Computação naPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, ele é o atual mantene-dor da versão 2.4 do kernel (expressão que pode ser traduzida como o centro nervoso do siste-ma operacional) do Linux. Cataloga relatos de problemas e sugestões de usuários que, anali-sados, caso contribuam para melhorar o sistema, são incorporados. As soluções para os pro-blemas vêm de todo o planeta, por e-mail, e é o brasileiro quem decide se vale a pena incluira alteração na versão 2.4.

Ele ocupa o posto de guardião do sistema a convite de seu criador, o finlandês LinusTorvalds (leia quadro na pág. 16). O trabalho é voluntário. Para ganhar a vida, Tosatti bateponto numa empresa. Não falta às aulas. E como o tempo disponível para o Linux não é muito,tem o hábito de dormir com o laptop ligado ao lado.“Adoro aprender, e o software de códigoaberto permite ir a fundo. O trabalho me dá muito prazer”, diz. Para ele, o software livre repre-senta a possibilidade de democratização da informática.

Sua paixão pela informática começou quando tinha 9 anos de idade. Gostava de observaro irmão mais velho montando computadores para vender.Aos 11 anos, instalou o Linux no PC decasa e começou a investigá-lo. Dois anos depois conseguiu seu primeiro emprego num prove-dor de internet. Dali foi para a Conectiva, fundada em 1995 e pioneira na distribuição de Linuxno Brasil. Hoje, trabalha na Cyclades, que faz integração de produtos Linux.

O papa do Linux no Brasil

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Já há ve r sões l i v r es de ed i to res de tex to e de imagem, navegadores e bancos

xar os programas pela internet, o que exi-ge certo conhecimento de informática, oucomprar um CD de instalação com ma-nual e telefones de suporte técnico – ven-dido até em bancas de jornal. Há empre-sas especializadas no desenvolvimento ena distribuição de diferentes soluções ba-seadas no Linux. Uma das pioneiras noBrasil é a Conectiva, cujo pacote com assoluções de escritório mais usadas – sis-tema operacional, editor de texto, editorde planilha, navegador e editor de ima-gem, entre outras – custa cerca de 100reais. Uma bagatela diante dos 700 reaiscobrados apenas pelo sistema operacionalWindows XP Home Edition autêntico, daMicrosoft.A Conectiva tem, em seu port-fólio, um milhão de sistemas ConectivaLinux instalados e cerca de 15 mil estu-dantes treinados.“O Linux é cada vez maisusado em servidores, terminais de ban-cos, caixas de supermercado e celulares. Omercado está mais maduro”, diz JaquesRosenzvaig, presidente da empresa. Emfevereiro a Conectiva foi comprada pelaMandrakesoft, companhia francesa dedistribuição de Linux. O projeto das duasé trabalhar em conjunto para lançar umnovo sistema operacional. “A intenção écriar uma organização global com posi-cionamento próximo ao usuário, serviçode qualidade e adequação de produtos.”

Oportunidades No meio empresarial, osoftware livre não é novidade. De acordocom o estudo setorial “Complexo Eletrô-nico: Introdução ao Software”, desenvol-vido por técnicos do Banco Nacional doDesenvolvimento Econômico e Social(BNDES) e divulgado em setembro de2004, 78% dos servidores de médias egrandes empresas brasileiras empregam osistema operacional Linux. No caso dosbancos, o índice chega a 42% dos servi-dores e dos ambientes de trabalho. Varig,Embrapa, Petrobras, Carrefour, Pão deAçúcar e Casas Bahia já utilizam softwarelivre. Segundo a consultoria InternationalData Corporation (IDC), o mercado parao sistema operacional Linux no Brasil é de

rios que, em 1996, formaram um grupopara trocar experiências sobre o sistemaoperacional Linux e outros softwares li-vres. Sediada em São Paulo, a empresa foifundada há quatro anos e tem estruturapara prestar serviços de treinamento e de-senvolver projetos baseados em softwarelivre. Já treinou cerca de dez mil alunos pa-ra lidar com o sistema operacional Linux eoutros softwares, e foi responsável peloprojeto de migração da Companhia doMetropolitano de São Paulo, o Metrô pau-listano.“O software livre é a melhor opor-tunidade para o país se destacar no exte-rior. O governo pode ajudar simplificandoa burocracia que envolve a exportação”,diz Marcelo Marques, diretor de estratégiada 4Linux, que hoje tem 36 funcionários.

A empresa paulistana também abrigaum projeto chamado HackerTeen, umaproposta de ensino profissionalizante paraadolescentes, com uma metodologia ino-vadora e de certa forma simbólica dos ho-rizontes abertos por softwares livres. Trata-se de um programa de formação técnica eética na era digital, voltado para jovens de14 a 19 anos. Aborda a segurança nomundo da computação e o empreende-dorismo. Utiliza recursos do Mangá (as

histórias em quadrinhos japonesas) e jo-gos interativos como o RPG (Role PlayingGame). Também oferece palestras feitaspor personalidades de renome.Um de seusobjetivos é desmistificar o termo hacker,que se confunde com cracker, o pirata dainternet, aquele que invade sistemas decomputadores e viola dados. Os hackerssão profissionais apaixonados pela infor-mática que dedicam um tempo enorme àdescoberta do funcionamento e da lógicados sistemas e a seu aprimoramento. Cer-ca de quatro mil pessoas estão na fila deinscrição do projeto – que, diga-se, não énada barato: custa 11 mil reais, mas oaluno pode pagar sete mil reais parceladosem 18 meses e o restante depois que con-seguir um emprego,independente do tem-po que isso possa levar.“Desviamos parteda energia que os adolescentes despendemem jogos de computador para o aprendi-zado de Linux e de princípios de seguran-ça em computação.Assim o conhecimen-to é gerado e reproduzido, e o país ganhaautonomia tecnológica”, diz Marques.

O usuário individual, corporativo ougovernamental que queira instalar o siste-ma operacional livre da Linux em seucomputador tem duas opções: pode bai-

Serpro: 60% dos computadores já empregam programas abertos

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de dados, entre outros. Cerca de 500 mi l pessoas desenvo lvem essas ferramentas

400 milhões de dólares. Ainda de acordocom o IDC, o Linux cresce a uma taxaanual de 35% nos servidores que são ven-didos com sistema operacional.

Companhias tradicionais de tecnolo-gia, como a IBM, têm reservado cada vezmais espaço para o software livre, consi-derado um importante mercado a ser ocu-pado e uma boa oportunidade de negó-cios. Desde 1999 a empresa investe no de-senvolvimento de produtos – hardware esoftware – e serviços para a plataformaLinux. Recentemente, a empresa liberouas patentes de 500 programas de compu-tador, que passaram a ser de livre acesso.E o investimento acumulado, desde 2001,nessa área chega a cerca de um bilhão dedólares.“O software livre é uma inovação

no processo de desenvolvimento. É fun-damental para a formação de especialis-tas”, diz Cezar Taurion, gerente de novastecnologias aplicadas da IBM. Entre asiniciativas da empresa se destacam a cria-ção do Linux Technology Center (LTC),com cerca de 400 profissionais ligados viainternet a centros virtuais de todo o mun-do cuja missão é fazer melhorias no sis-tema; e o Linux Integration Center (LIC),sediado no Texas, nos Estados Unidos, quetem como tarefa criar e validar soluçõespara o sistema Linux. A IBM inaugurou,no final de 2003, um LTC em Campinas,em parceria com a Unicamp, e um LIC nacapital paulista.

O Ministério da Ciência e Tecnologiaencomendou uma pesquisa à Sociedade

para Promoção da Excelência do SoftwareBrasileiro (Softex) para ter um mapea-mento do mercado brasileiro de softwarelivre. Assim, será possível direcionar me-lhor as linhas de crédito em benefício deempresas que desenvolvem software livre.O Programa para o Desenvolvimento daIndústria Nacional de Software e ServiçosCorrelatos (Prosoft), do BNDES, financiainvestimentos e planos de negócios, bemcomo a venda para o mercado interno e asexportações de softwares e serviços cor-relatos. Hoje, tem 32 projetos aprovadosnum valor total de 130 milhões de reais,mas, como apenas dois deles são específi-cos de software livre, só 5,7 milhões dereais foram encaminhados. Outra fonte derecursos é o próprio MCT, que destinou12,5 milhões de reais para projetos da áreaem 2004. O ministério também encomen-dou um estudo para identificar os setoresem que o Brasil poderia se sair melhor nomercado externo. Amadeu, do ITI, ga-rante que há enorme potencial para a ex-portação de soluções que empregam soft-ware livre.

Estudo encomendado pelo FórumEconômico Mundial mostra que o Brasilcaiu sete posições no ranking mundialque classifica os países conforme a utiliza-ção e o desenvolvimento de tecnologia decomunicação e informação (leia tabela ao

lado). Considerando os mesmos critérios,a Índia e a China melhoraram seu desem-penho. O uso de sistemas mais baratos éuma forma de disseminar não só o acessoà tecnologia,mas,por conseqüência,o sur-gimento de talentos e empresas que atuemna área. É um caminho para a melhoria daeducação, para a redução das desigualda-des sociais e para o crescimento econômi-co. O Linux e outros sistemas abertos nãochegam a ser varinhas mágicas que trans-formarão o Brasil numa Finlândia. Massão ferramentas de baixo custo, ideaispara países como o Brasil. Especialmenteporque a alma do desenvolvimento deprogramas de computador é a criativi-dade. E essa qualidade, como é sabido, nãofalta ao brasileiro.

Campeonato da modernidadeSituação de alguns países em matéria de tecnologia da informação. A posição brasileira piorou (classif icação no ranking internacional)

País Posição em 2005 Posição em 2004

Cingapura 1º 2º

Islândia 2º 10º

Finlândia 3º 3º

Dinamarca 4º 5º

Estados Unidos 5º 1º

Chile 35º 32º

China 39º 45º

Índia 41º 51º

Brasil 46º 39º

México 60º 44º

Argentina 76º 50º

Bangladesh 100º 93º

Angola 101º 99º

Etiópia 102º 101º

Nicarágua 103º 94º

Chade 104º 102º

Fonte: Fórum Econômico Mundial - Relatório sobre Tecnologia da Informação d

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Começa a se estruturar no Bras i l a indústr ia de capita l de r isco, essenc ia l para ofo r t a l e c imen to d a s emp r e s a s i n o vado ras e s e u i n g r e s s o n o me r c ado d e a ç õ e s

FINANÇAS

p o r E d m u n d o M . O l i v e i r a , d e B r a s í l i a

Dinheirofarto e barato

Comemoração no lançamento de ações da Natura na Bovespa, em abril do ano passado: iniciativa observada de perto por outras empresas com vocação para crescer

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novos horizontes para o desenvolvimento. Mas até chegar à bol-sa de valores as companhias têm de conseguir recursos para semanter e investir. “O veículo que normalmente tem levado asempresas a se expandir, amadurecer e chegar até o lançamentode ações em bolsa é o capital empreendedor”, afirma o presi-dente da Associação Brasileira de Capital Empreendedor(ABVCAP), Álvaro Gonçalves.

Capital de risco Também chamado de capital de risco, esse me-canismo é amplamente utilizado nas economias mais desenvol-vidas e constitui uma indústria que, embora tenha peso relati-vamente pequeno em proporção ao Produto Interno Bruto(PIB), é uma mola propulsora da inovação tecnológica e daconstrução de nomes de classe mundial. Microsoft, Intel, Dell,Apple, entre outros ícones da indústria de tecnologia da infor-mação, são prova disso. Todas elas, em algum momento, rece-beram investimentos de fundos privados, de investidores indi-viduais (angels) ou de fundos de capital-semente e de capital derisco, formados com recursos do governo americano.

Um novo ciclo está se iniciando na indústria de capital derisco brasileira. Após dez anos de experiência, desde o estabe-lecimento do marco institucional, surgiram os primeiros fun-dos no país. O momento atual é de expansão e amadurecimen-to, com possibilidades de um salto relevante nos próximos dezanos.“Pela primeira vez, todos os astros estão alinhados na bus-ca de ações que impulsionem o capital empreendedor”, diz Gon-çalves. Ele se refere ao grupo de trabalho envolvendo a indús-tria, os fundos de pensão, a academia e o governo federal, cons-tituído em outubro de 2004 e está prestes a concluir um con-junto de propostas ao governo para impulsionar a indústria na-cional de capital de risco.

Aumentar o porte da indústria é o primeiro de um conjuntode desafios que levem à melhor estruturação do setor.“O capi-tal de risco é uma cadeia complexa e estamos trabalhando siste-maticamente em seu desenvolvimento desde o final da décadapassada”, diz Patrícia Freitas, chefe do departamento de inves-timentos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), doMinistério da Ciência e Tecnologia (MCT). “O mais impor-tante agora é que, pela primeira vez, a agenda de capital de riscoestá na pauta do governo.” Isso é importante, segundo ela, por-que, historicamente, essa indústria somente se desenvolveuquando foi fomentada pelos governos.

O exemplo recente de maior êxito, nesse sentido, é o progra-ma israelense Yozma, iniciado em 1993, que levou o país à lide-rança entre os sócios da Organização para Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE) que mais incentivam o ca-pital de risco. O governo de Israel fomentou a formação de dezfundos. Com recursos do Tesouro, compôs de 33% a 40% domontante desses fundos, desde que os administradores integra-lizassem os 100% com capital externo, proveniente principal-

uando, em abril do ano passado, a empresa de cosmé-ticos Natura abriu seu capital no Novo Mercado daBovespa, foi observada atentamente por uma das maisdinâmicas companhias de software do país, a Micro-siga.A animação do mercado acionário em 2004, com

a entrada na Bovespa de marcas como a Gol Linhas Aéreas e aAmérica Latina Logística, consolidou no empresário LaércioConsentino, presidente da Microsiga, a certeza de que, em mo-mento oportuno e não muito distante, chegará sua vez de tam-bém lançar ações.“O mercado da Bovespa passou por um lon-go período de estagnação, mas recentemente se fortaleceu”, dizConsentino.“Nosso processo rumo à bolsa, agora, depende deuma maior expansão e das condições do mercado, que precisaapresentar céu de brigadeiro.”

A abertura de capital é um estágio determinante na vida dosempreendimentos que conseguem vencer a barreira do cresci-mento e da profissionalização. Proporciona à companhia recur-sos mais baratos do que os disponíveis no mercado de crédito,fortalece a marca e reforça os critérios de governança, abrindo

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Um grupo envolvendo a indústria, os fundos de pensão, a academia e o governo está

vimento deu densidade à indústria de capital de risco no país.

Semente No Brasil, o primeiro movimento para articular o se-tor ocorreu em 1994, quando a Comissão de Valores Mobiliá-rios (CVM) baixou a Instrução 209, regulamentando os Fun-dos de Investimento em Empresas Emergentes (Fiee). Cerca de30 fundos se inscreveram na instituição, mas apenas a metade seformou e continua em atividade. Outra Instrução da CVM, a391, regulamentou a constituição dos Fundos de Investimento

mente de investidores americanos. Pouco mais de 1.000 empre-sas de base tecnológica receberam investimentos e, ao cabo decinco a seis anos, o governo pôde vender sua participação nomercado, oferecendo aos administradores dos fundos incentivopara que comprassem a parcela pública pelo valor inicial, alémdos juros do período, e não pelo valor de mercado das firmas,bem superior. O programa surtiu o efeito desejado. Em poucotempo surgiram muitos outros fundos privados, mesmo dis-pensando o apoio de recursos do governo israelense. Esse mo-

Consentino, presidente da Microsiga: projeto de abertura de capital na bolsa de valores

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em Participações Societárias (Fips), para ordenar o investi-mento em empresas mais estruturadas e de maior porte, princi-palmente aquelas que foram privatizadas na segunda metadedos anos 90.“Essas resoluções regulam dois dos estágios da in-dústria que definimos, genericamente, como venture capital eprivate equity”, afirma Gonçalves. O elo inicial da cadeia é oque se chama de capital-semente. Trata-se do seguinte: o gover-no destina recursos não reembolsáveis às empresas, geralmentede base tecnológica, incubadas ou em processo de incubação. Éum estímulo vital, sem o qual a maior parte dessas empresas ja-mais deixaria de ser um projeto na mente de seus fundadores.

“As estatísticas ainda são precárias, mas é possível estimarque, nesses três elos da cadeia, o capital de risco corresponda a0,002% do PIB brasileiro”, afirma Durval Soledade, advogadodo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES) e membro do grupo de trabalho constituído pelo go-verno. Mesmo considerando que a renda do Brasil, se compara-da à dos países da OCDE, é bastante inferior, essa participaçãoé minúscula – cerca de cem vezes menor do que a média dospaíses da OCDE.“O BNDES está voltando ao mercado de ren-da variável de forma decidida, e isso seguramente contribuirápara mudar o quadro.”

As ações se intensificam também do lado da Finep. O Pro-grama de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), de capital-se-mente, já investiu 9 milhões de reais e tem previsão de chegar a87 milhões de reais nos próximos dois anos.“Também estamostrabalhando na formatação de um Pappe 2 a partir do espaçocriado pela Lei de Inovação, que permite destinar recursos dire-tamente, sob a forma de subvenção, às empresas”, afirma Frei-tas, chefe do departamento de investimentos da Financiadora.Além da participação em fundos de capital de risco, que apli-cam em pequenas e médias empresas inovadoras, a instituiçãoparticipa de quatro fundos privados, com 18,7 milhões de reais,e encontra-se em fase de contratação de mais cinco fundos, oque elevará seu investimento na área para 62,7 milhões de reaisaté 2008. “Considerando os demais cotistas, o comprometi-mento é de 362,7 milhões de reais, pois para cada real aportadopela Finep outros 5,7 reais são direcionados aos fundos poroutros investidores”, diz Freitas.

Investimento Em outro programa da instituição, o Fórum Brasilde Capital de Risco, foram feitos investimentos em 21 empresas,selecionadas em dez fóruns realizados nos estados. No total, fo-ram 102,4 milhões de reais provenientes dos fundos setoriaisdo MCT. Segundo Soledade, o BNDES entrará no segmento deempresas emergentes por meio de um projeto conjunto com aFinep.A constituição do Programa de Criatividade Tecnológica(Criatec) incentivará a formação de empresas de tecnologia comdez fundos de investimento em cidades e regiões em que hajamaior densidade de pesquisadores e empreendedores de base

tecnológica.A proposta está sendo examinada pela diretoria dobanco, inserida num conjunto de ações que deverá levar à cons-tituição de uma Superintendência de Renda Variável. Com ela,se pretende contribuir para enfrentar, além do desafio do volu-me, o do gargalo da falta de liquidez do mercado de capitais.

O interesse pelo capital de risco também cresce no setor pri-vado, principalmente na área dos fundos de private equity. Umexemplo desse movimento foi a chegada ao Brasil, em 1995, doDarby Overseas Investment, de origem americana. Ele consti-tuiu um fundo de 148 milhões de dólares, que investiu em 12empresas latino-americanas, das quais três brasileiras, segundoPiero Minardi, diretor do grupo no país. Uma das companhiasfavorecidas foi a Dixie Toga, líder do setor de embalagens ven-dida no início deste ano para uma multinacional norte-ameri-cana.A transação materializou uma modalidade típica do mer-cado de private equity – o desinvestimento do fundo pela vendado controle acionário, operação definida no acordo de acionis-tas quando do início do negócio.“Estamos constituindo, nestemomento, um fundo mezanino, de 200 milhões de dólares. Esteé um tipo de fundo de participação sem acordo de acionistas,apenas com observador no conselho de administração da com-panhia. Estamos formando ainda um segundo fundo de privateequity, de 170 milhões de dólares”, informa Minardi. Nos fun-dos de private equity existe um rígido acordo de acionistas, par-ticipação no conselho de administração e cláusula que permite,inclusive, troca no comando da empresa.

Potencial Outro exemplo veio da Grã-Bretanha. O Advent In-ternational Corporation já está criando um terceiro fundo paraa América Latina, com recursos de 300 milhões de dólares. Seuraio de ação, explica o diretor Patrice Etlin, abrange Brasil, Mé-xico e Argentina. “Já investimos em sete empresas brasileiras eem três delas – Microsiga, Aché, do setor farmacêutico, eAtrium, de telecomunicações – já houve o desinvestimento”,diz.“Estamos interessados em companhias maduras, com fatu-ramento anual entre 60 milhões e 70 milhões de reais.” A ex-ceção foi a Microsiga, na qual o Advent entrou sem assumir ocontrole acionário, uma das políticas do fundo. “Nossa tra-jetória de sucesso no Brasil nos permitiu fazer a captação do se-gundo fundo em 2002, apesar da instabilidade reinante no pe-ríodo eleitoral.”

O potencial do mercado de capital de risco também começaa atrair os poderosos fundos de pensão, como é o caso da Pe-tros, dos funcionários da Petrobras. “Já investimos em cincofundos de venture capital, três deles formados dentro do pro-grama Inovar, da Finep”, diz o diretor de renda variável da ins-tituição, Ricardo Malavazi. Recentemente, a diretoria da Fun-dação Petros decidiu ampliar o investimento em renda variávelde 16% para 23% do seu patrimônio de 24 bilhões de reais.“Ameta é aplicar 0,5% do patrimônio em capital de risco e já

prestes a concluir propostas para impulsionar a indústria nacional de capital de risco

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O Brasil já tem alguns casos de sucessoerguidos com o concurso do capital de risco.Um exemplo é a Lupatech, de Caxias do Sul,especializada em mecânica de precisão.“Re-cebemos o primeiro investimento em 1987 eestamos indo para a quinta operação”, contao administrador de empresas Nestor Perini,presidente da companhia, hoje com faturamen-to de 230 milhões de reais por ano.“O capi-tal de risco tem sido fundamental para ala-vancar nossos planos de expansão.”

A Lupatech foi a primeira empresa bra-sileira a receber investimento sob as regrasda Instrução 209, da CVM. Em 1995 atraiu obanco Bozano, Simonsen, que comprou 45%do negócio e se manteve na empresa até2001. O trunfo da companhia foi adquirir, há30 anos, um pacote tecnológico de uma em-presa americana da Califórnia e desenvolvê-lo a ponto de ter hoje duas patentes registra-das, uma nos Estados Unidos e outra na Euro-pa, com mais três registros depositados.“In-vestimos de 1% a 2% do faturamento em pes-quisa e desenvolvimento (P&D). No momento,estamos implantando um centro de P&D emCaxias, com investimento de dez milhões dereais”, diz o empresário.“Todos os motores decarros da marca General Motors feitos no Bra-

sil, na Argentina e no México levam peçascríticas que fabricamos.”

Em outra área bem diversa, de biotecno-logia, há o caso da Biobrás, criada em 1976pelo empresário Guilherme Emrich, de BeloHorizonte. Localizada na cidade de MontesClaros (MG), a empresa tornou-se uma dasmaiores produtoras de insulina do mundo efoi vendida em 2001.“A companhia seguiu to-dos os passos clássicos da indústria de capi-tal de risco: recebeu capital-semente e inves-timento de um fundo de venture capital, ven-deu ações na Bolsa de Valores de São Paulo(Bovespa) em 1981 e acumulou valorização de4.444% desde sua fundação até o momentoda venda”, diz Emrich. Vendida a Biobrás pa-ra uma indústria estrangeira, nasceu uma su-cessora, a Biomm, e com o dinheiro apuradoseus fundadores criaram o fundo FIR Capital.A Biomm é uma empresa especializada emP&D e comercialização internacional, com fo-co em biotecnologia e tecnologia da informa-ção, áreas em que o FIR tem investido.

A Scua Segurança e Gestão de Tecno-logia da Informação também testemunha osbenefícios provenientes do capital de risco.“Precisava de recursos para crescer e, prin-cipalmente, de auxílio na gestão da empre-

sa”, diz o diretor, Ângelo Zanini. Selecionadanum dos Venture Fórum realizados pela Finep,a Scua recebeu investimento do fundo Stratus.Um ano e meio depois seu faturamento anualsaltou de dois milhões de reais para 3,5 mi-lhões. “Antes, nossa visão era muito tecno-lógica. Hoje, considero que nosso maior trun-fo foi vencer uma concorrência na França,com credenciamento prévio no Ministério daDefesa francês”, diz o empresário. Ele temclientes também na Espanha, na Colômbia eno Chile.

Segundo Alberto Camões, sócio doStratus, a decisão do investimento levou seismeses, período em que foi definido um acor-do de acionistas detalhado, com validade detrês a quatro anos e regras de saída claras.“O regime é de co-responsabilidade na ges-tão, com assento do fundo no conselho deadministração”, diz. Além disso, o acordoprevê a participação de um observador in-dependente.“O sentido dessa participação éequilibrar a visão financeira do fundo, trans-mitindo aos empreendedores boas práticasde gestão”, diz Marcio Kaiser, executivo apo-sentado que acumula 35 anos de experiên-cia em empresas como IBM, Oracle,TelemigCelular e GVT.

temos autorização para chegar, rapidamente, a 0,3%”, informaMalavazi. “Temos participação em 60 empresas, através decinco fundos de investimento.”

Álvaro Gonçalves, da ABVCAP, espera que a atitude da Pe-tros atraia outras fundações de previdência. “Se o investidorbrasileiro não mostra interesse em aplicar recursos no capital derisco e produzir casos de sucesso, ficamos sem argumentos paraatrair investidores estrangeiros, em que se destacam os grandesfundos de pensão. Êxito, confiança e boas práticas são quasetudo nessa indústria. É esse o caminho que precisamos trilhar.”Do lado das empresas interessadas em atrair investimento derisco “o segredo é adotar, o quanto antes, boas práticas de gover-

nança corporativa”, sugere Consentino, da Microsiga. A gover-nança corporativa é um conjunto de regras que, atendidas, ga-rantem a transparência da empresa: números auditados, con-selho de administração totalmente independente e práticas desociedades abertas, mesmo antes da participação em bolsa devalores. Isso aumenta a capacidade da empresa em atrair inves-timento de risco, tanto no estágio de venture capital quanto napassagem para o private equity.

Como se vê, há mesmo um novo cenário no Brasil. E ele ten-de a favorecer as empresas inovadoras, tão importantes para queo país aproveite melhor seus talentos e as oportunidades aber-tas no mercado internacional.

No Bras i l , o cap i ta l de r isco é 0,002% do PIB, cem vezes menos do que na OCDE

Exemplos de sucesso

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INFRA-ESTRUTURA

sobreUma corrida

P o r C l a r i s s a F u r t a d o , d e B r a s í l i a

P a r a d a r v a z ã o à p r o d u ç ã o a g r o p e c u á r i a , a b a i x o c u s t o , é u rg e n t eo i n v e s t i m e n t o n a m o d e r n i z a ç ã o d a m a l h a f e r r o v i á r i a b r a s i l e i r a

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trilhosLocomotiva

da MRS aguarda

liberação

da linha

compartilhada

para chegar ao

porto de Santos

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A s r odov i a s t ra n spo r t am 62% da p r odução nac i o na l . Pe l a s e s t radas d e fe r r o

tráfego, segundo um estudo da Confede-ração Nacional do Transporte (CNT) –que seguem 62% das cargas brasileiras.Pelas estradas de ferro vão 24% da pro-dução nacional e 14% utilizam hidroviaspara atingir seu destino. O resultado é queo país gasta um quarto de seu ProdutoInterno Bruto (PIB) em logística. É muitose comparado com os 12% despendidospelo Canadá e com os 12,7% investidospor Portugal. Os dados são do Ministériodos Transportes. A baixa representativi-dade das ferrovias em um país de dimen-sões continentais como o Brasil é conside-rada, pelos estudiosos de logística, umadistorção. Nos Estados Unidos a partici-pação das ferrovias alcança 43% da pro-dução transportada e na Rússia chega a

m grande desafio veio a reboquedo crescimento do agronegóciona região central do país: encon-trar uma maneira rápida e bara-

ta de escoar a produção para os portos.São milhões de toneladas de grãos quepercorrem distâncias enormes desde o in-terior, onde estão as novas fronteiras agrí-colas, até o litoral, onde aguardam os na-vios que os levarão ao mercado interna-cional. A partir de Lucas do Rio Verde,uma das principais cidades produtoras desoja do Mato Grosso, até o porto de Para-naguá, no Paraná, por exemplo, cami-nhões carregados de grãos percorrem2.115 quilômetros de rodovias.

É sacolejando pelas estradas – trêsquartos delas sem condições ideais de

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Navio ancorado no porto de Santos aguarda o embarque de mercadorias vindas do interior do país

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81%. O trem é a segunda opção mais ba-rata para o percurso de longas distâncias.É superado apenas pelas hidrovias.

O impacto do custo de transporte émaior nos produtos de baixo valor agrega-do, aqueles que mais engordam a balançacomercial brasileira. A soja, vedete do se-tor do agronegócio, e o minério de ferro,são os produtos brasileiros que melhoraproveitam as linhas férreas. Em 2003,52% da produção nacional de soja partiupara os portos embarcada em vagões detrem. Esse volume, no entanto, deveria serbem mais alto. O maior concorrente doBrasil na exportação de soja, os EstadosUnidos, gasta 24 dólares menos por to-nelada com transporte do que os brasi-leiros graças ao uso intensivo de ferrovias.Em 2003, o custo adicional do Brasil emrelação ao dos concorrentes foi de 864 mi-lhões de dólares.

Reestruturação Para tentar mudar essarealidade, técnicos do Ministério dosTransportes e da Casa Civil da Presidên-cia da República preparam uma amplareestruturação do setor. Entre as medidasestão investimentos em novas ferrovias, acapitalização de algumas concessionárias

privadas e a realização de obras de ma-nutenção em trechos urbanos, de respon-sabilidade governamental, sacrificadas nosorçamentos dos últimos anos em nomedo ajuste fiscal. A dúvida é se o projetoproduzirá resultados em tempo hábil. Issoporque em 2007 deve dobrar o volume decarga que chegará aos portos por via ro-doviária. O acréscimo deverá ser de 16milhões de toneladas, mesmo que as fer-rovias existentes cumpram o compromis-so firmado com a Agência Nacional deTransporte Terrestre (ANTT) e ampliemsua capacidade, talvez não consigam aten-der a demanda.A projeção resulta de umapesquisa realizada pela Associação Na-cional dos Usuários de Transporte de Car-ga (Anut), em parceria com várias enti-dades do setor agrícola. Uma estimativa daCasa Civil aponta que será preciso retirarpelo menos 40 milhões de toneladas deprodutos das estradas – sob o risco de oexcesso de peso e tráfego terminar por in-viabilizá-las.

A proposta do governo envolverá in-vestimentos de 8 bilhões de reais na cons-trução das ferrovias Norte-Sul e Trans-nordestina (veja mapa na pág. 31).As duaslinhas, se saírem do papel, somarão cinco

mil quilômetros à malha brasileira – atual-mente com 28,5 mil quilômetros. Irão fa-cilitar o escoamento da produção para osportos do Norte e do Nordeste e desafo-gar um pouco as rodovias do Sudeste.Mas é bom lembrar que obras desse por-te não demoram menos de cinco anos.Essa é a melhor das hipóteses. A FerroviaNorte-Sul, um projeto que já existe há18 anos, tem apenas 226 quilômetros –11,3% da extensão planejada, de 2.060quilômetros (leia quadro na página 30).Agora o governo pretende finalmenteconcluí-la por meio de uma ParceriaPúblico-Privada (PPP).

O pacote governamental deverá trazertambém uma solução financeira para omaior nó empresarial do segmento: a difí-cil situação econômica da Brasil Ferrovias– holding que detém a concessão de trêsdas principais estradas de ferro do país, aFerronorte, a Ferroban e a Novoeste. OBanco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES) assinou, no fi-nal do ano passado, um protocolo de in-tenções pelo qual se compromete a rever adívida da Brasil Ferrovias – de 1,5 bilhãode reais. O contrato prevê a transformaçãode parte do débito em participação acio-

s e g u e s omen t e 24% e a p e n a s 1 4% u t i l i z a h i d r o v i a s p a r a a t i n g i r s e u d e s t i n o

Quem é quem nas estradas de ferro brasileiras

Ferrovias Extensão (em km) Controladora Principais acionistas

Ferrovia Centro-Atlântica 8.000 FCA Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)

América Latina Logística 7.200 ALL Fundos de investimento

Companhia Ferroviária do Nordeste 4.200 CFN Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Taquari Participações

Ferroban 2.916 Brasil Ferrovias Previ e Funcef

MRS Logística 1.700 MRS CVRD, CSN, Usiminas e Gerdau

Novoeste 1.621 Brasil Ferrovias Previ e Funcef

Estrada de Ferro Vitória-Minas 905 CVRD CVRD

Estrada de Ferro Carajás (EFC) 892 CVRD CVRD

Ferronorte 500 Brasil Ferrovias Previ e Funcef

Estrada de Ferro Paraná Oeste (Ferroeste) 248 Ferropar Gemon, FAO Empreendimentos, ALL, Pound S/A

Ferrovia Norte-Sul 226 Valec Ministério dos Transportes

Ferrovia Teresa Cristina 164 Ferrovia Teresa Cristina Gemon, Interf inance S/A e Santa Lúcia Agroindústria

Fonte: Agência Nacional de Transportes Ferroviários (ANTF)

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A Ferrovia Norte-Sul é uma das principais obras do governo para otransporte da carga da região central do país. A ferrovia terá 2.060quilômetros de extensão e ligará Anápolis, em Goiás, a Açailândia, noMaranhão, onde se encontrará com a Estrada de Ferro Carajás, formandoum corredor que cortará os estados de Goiás,Tocantins e Maranhão, atéo porto de Itaqui. Atualmente, a Valec, empresa estatal do Ministério dosTransportes, é a concessionária da linha.A empresa construiu, com recur-sos do Orçamento Geral da União, 226 quilômetros de linha férrea, deEstreito até Açailândia, ambas cidades maranhenses. O trecho Aguiar-nópolis-Colina do Tocantins, com 38 quilômetros, e o trecho Anápolis-Petrolina de Goiás, com 40 quilômetros, estão em fase de execução.“Es-tamos estudando a alternativa de PPP ou de a Valec fechar um contratode operação com uma empresa privada para que a construção seja agili-

zada.A CVRD já manifestou interesse”, diz Maurício Muniz, da Casa Civil.Os chineses do grupo Citic, braço de investimentos no exterior do

governo, em parceria com o grupo brasileiro Brasilinvest, já mostraraminteresse em investir na ferrovia. Pretendem garantir o fornecimento desoja à China. Mas propõem um traçado diferente do que está nos planosdo governo brasileiro. Sua idéia é desviar a ferrovia para o oeste do país,passando pelo Mato Grosso e parte do Pará, até o porto de Itaqui. “Otraçado como está hoje cruza dois estados – Goiás e Tocantins – em quenão há produção significativa de soja. A carga do Mato Grosso teria devencer um longo percurso por rodovia até alcançar a ferrovia. O desviopara o oeste seria mais eficiente”, argumenta Olivier Girard, da Trevisan,consultoria que fez o projeto do novo traçado para o grupo Brasilinveste para os chineses.

A proposta do grupo Citic ainda não está detalhada, mas, segundoSanderlei Fiusa, vice-presidente do Brasilinvest, a intenção é financiar aconstrução – cerca de 2 bilhões de dólares – em troca do frete. Além

estrutura e dos valores a serem pagos. Aexpectativa é que a empresa ganhe flexibi-lidade para a negociação e possa, se for ocaso, arcar com a construção de um novotrilho, paralelo ao da MRS.

Investimentos Há quem critique o gastode dinheiro público com uma empresaprivada, mas para muitos o investimentoé essencial. “A Brasil Ferrovias é funda-mental para a logística nacional, já queagrupa o corredor que transporta a sojado Mato Grosso para Santos, além de serresponsável por grande parte da logísticaferroviária de São Paulo”, diz Olivier Gi-rard, diretor da consultoria Trevisan. Ho-je, com a Brasil Ferrovias descapitalizada,as grandes produtoras de soja estão en-contrando uma maneira de minimizarsuas perdas: bancam a compra de vagõesem troca da garantia do transporte de suamercadoria.A Bünge, por exemplo, multi-nacional de origem holandesa que é umadas maiores empresas de soja do país,adquiriu 374 vagões e 17 locomotivas pa-ra assegurar o transporte de 17 milhõesde toneladas de soja e derivados por umperíodo de dez anos.

30 Desafios • abril de 2005

subchefia de articulação e monitoramen-to da Casa Civil. Ao todo, a capitalizaçãoda empresa deverá custar ao banco 408milhões de dólares.

Com a reestruturação financeira daBrasil Ferrovias, espera-se também umasolução para o uso dos 18 quilômetrosque ligam o final da malha da companhiaao porto de Santos, o maior do país – tre-cho concedido à MRS Logística. As duasempresas não se entendem a respeito daforma que deve ser adotada para o uso da

nária e depende da definição do papelque a ANTT terá no acordo. Com isso, oBNDES se tornará sócio majoritário daempresa,atualmente controlada pelos fun-dos de pensão da Caixa Econômica Fede-ral (Funcef) e do Banco do Brasil (Previ).

A intenção do governo é capitalizar aBrasil Ferrovias para que ela possa fazernovos investimentos. A companhia endi-vidou-se ao construir a malha da Ferro-norte na década de 90. Com 512 quilô-metros de extensão, a linha liga parte doMato Grosso e do Mato Grosso do Sul aoporto de Santos e é considerada rentável emoderna. Os problemas vieram porque ocusto da construção superou o que foraprojetado e a holding não conseguiu qui-tar o financiamento do BNDES.“A dívi-da prejudicou toda a companhia. Equivalea 2,5 vezes o nosso faturamento anual enos impede de fazer novos investimentos”,diz Guilherme Lacerda, presidente doconselho de administração da Brasil Fer-rovias.“Provavelmente, o BNDES entrarána Brasil Ferrovias, mas se comprometerá,no contrato, a investir para fortalecer astrês ferrovias controladas pela holding”,diz Maurício Muniz, subchefe adjunto da

Promessas de expansão

EUA e Argentina gastam menos com transporte do que o Brasil graças ao uso de ferrovias.

Passagem de nível: a necessidade de obras é urgente

ANTF

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Além de estimular uma injeção de in-vestimentos no setor, o governo pretendecorrigir falhas do processo de privatizaçãoda malha ferroviária brasileira. A própriaUnião não cumpriu inteiramente o prome-tido: arcar com as obras de contornos decidades, construir passagens de nível e evi-tar invasões em faixa de domínio. Desde aprivatização, em 1996, os gastos públicoscom o setor foram de meio bilhão de reais,um valor modesto para um setor que exigeaportes pesados e que dá retorno no longoprazo. A Associação Nacional dos Trans-portadores Ferroviários (ANTF) – entida-de que reúne e representa os concessio-nários – calcula que o governo precisaráaplicar pelo menos 1,85 bilhão de reais até2008 em obras que, embora pequenas, sãofundamentais. É essencial a solução dosproblemas de contornos ferroviários ondeo trem invade áreas urbanas.Assim comoa melhoria das condições das passagensde nível (pontos em que a linha do tremcruza com outras vias). De acordo com aANTF existem 11,2 mil passagens de ní-vel no país, sendo que 1,8 mil estão emcondições precárias. É isso que explica,em parte, a baixa velocidade média dos

disso, o governo chinês quer que 25% da soja transportada pela Norte-Sulseja vendida para a China. Fonte do governo federal indica que a prefe-rência será para negociar o investimento diretamente com o grupo Citic.

A outra proposta do governo que, segundo Maurício Muniz, conta como entusiasmo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é a construção daTransnordestina. Quando foi elaborado o Plano Plurianual de Investimen-tos (PPA) 2004-2007, a intenção era apenas unir as pontas do traçado daferrovia que hoje está sob concessão da Companhia Ferroviária doNordeste (CFN). Em meados do ano passado, a concessionária elaborouum novo projeto, mais ambicioso. Quer construir uma linha que saia deEliseu Martins, no Piauí, e chegue a Araripina, pólo gesseiro de Pernam-buco. De lá, ela se bifurcaria: um ramo chegaria ao porto de Pecém, emFortaleza, e o outro seguiria para o porto de Suape, em Recife. Os doisportos foram construídos na década de 90 e têm capacidade ociosa. Comisso, a Transnordestina levaria aos dois portos a produção de soja quevem se expandindo no sul do Maranhão e no Piauí, e ainda agregaria ou-

tras cargas do Nordeste, como o gesso de Araripina. Mas há quem duvideda viabilidade econômica do projeto. Joaquim Carlos Riva, professor daUniversidade de São Paulo (USP) e estudioso do setor, diz que toda fer-rovia precisa, para se pagar, transportar pelo menos 15 milhões detoneladas ao ano nos primeiros cinco anos. Em sua opinião, mesmo coma soja esse total não deve ser atingido com facilidade.“Apesar disso, éum projeto viável em termos de desenvolvimento regional”, concede.

Jayme Nicolato, presidente da CFN responsável pelo projeto, garantea viabilidade econômica da ferrovia. Segundo ele, ela terá bitola larga,mais capacidade de carga e, portanto, maior produtividade. “A ferroviaterá custo baixo e com isso possibilitará o escoamento de soja, que deveatingir cerca de 30 milhões de toneladas ao ano. Também fará o trans-porte de outros produtos da região e de passageiros.” O financiamentoda Transnordestina virá do Fundo Nacional de Desenvolvimento Econô-mico (FNDE) e do BNDES, de recursos já depositados pelo banco no Finor– fundo criado para estímulo aos investimentos no Nordeste.

Em 2003, os brasileiros gastaram 864 milhões de dólares mais do que os concorrentes

Ferrovias do Brasil

Fonte: Agência Nacional de Transportes Ferroviários (ANTF)

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A proposta do governo para for ta lecer o setor ferrov iár io envo lverá invest imentos

trens brasileiros – em torno de 25 quilô-metros por hora. Também contribui paraa lentidão dos trens a invasão da faixa dedomínio das ferrovias – áreas de 15 me-tros em cada lado da linha, que deveriamficar vazias para evitar acidentes. Atual-mente, 200 mil famílias moram próximasàs estradas de ferro e a velocidade dostrens nessas áreas cai para cerca de 5 qui-lômetros por hora. O resultado é a ele-vação do custo do serviço.

Obras Algumas das obras previstas são ocontorno ferroviário de Vila Velha, noEspírito Santo, e de São Félix, na Bahia,que poderão ser assumidas pela Compa-nhia Vale do Rio Doce (CVRD), a maiormineradora e a maior operadora de logís-tica do país. A CVRD tem uma dívida de480 milhões de reais com a Rede Ferro-viária Federal S/A (RFFSA) – antiga es-tatal do setor – e fará o pagamento reali-zando essas obras,como parte de um acer-to de contas que está sendo negociado.

O setor ferroviário privado, por inter-médio da ANTF, também calcula que ogoverno terá de investir 2,4 bilhões de reaisna construção de variantes – linhas alter-nativas que evitam as subidas e sinuosi-dades e que ficaram fora da responsabili-dade das concessionárias na privatização.Construídas no início do século passado,com baixa tecnologia, as ferrovias brasilei-ras têm muitas rampas. Na acidentada to-pografia da região litorânea, os engenhei-ros preferiam contornar as montanhas aconstruir pontes.A viagem, portanto, fica-va mais lenta.Para piorar a situação,usava-se a bitola – distância entre os trilhos – deapenas 1 metro. As bitolas modernas têm1,65 metro.A largura maior possibilita queos vagões levem mais carga.

Construir ferrovias e mantê-las é dis-pendioso e,em todos os países,o setor nãodepende apenas dos recursos da iniciativaprivada.“O investimento no setor é muitoelevado e não é auto-sustentável,o que exi-ge apoio do governo. Geralmente, é feita aconcessão do serviço e dos equipamentos,mas a linha fica com o governo, que no Terminal do Alto Taquari, no Mato Grosso, da Ferronorte: a construção dessa malha, na década de 90,

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Brasil não investiu sua parte”, diz o diretorda consultoria KPMG, Maurício Endo.

Privatização Os investimentos do setorprivado poderiam ter sido maiores se naprivatização tivesse havido maior cuida-do com os detalhes dos contratos. Falta-ram, entre outras coisas, o estabelecimen-to de metas e o acompanhamento do se-tor, principalmente nos primeiros anos.AANTT, que tem o papel de incentivar efiscalizar o setor, foi criada apenas em2001.Ao contrário de outros serviços pú-blicos, como energia e telefonia, em que asagências nasceram ao mesmo tempo emque se dava a privatização, a entidade dosetor de transportes ferroviários nasceucom cinco anos de atraso. Até começar afuncionar, foram necessários outros doisanos. A agência fez falta na regulação dasdisputas em torno do controle societáriodas companhias.“O modelo de privatiza-ção foi caótico e não deixou claro comoteriam de ser feitos os investimentos. Emvez de promover uma transformação es-trutural do setor, procurou apenas livrar ogoverno de gastos”, diz Luís AntônioFayet, consultor de transportes.

“Em 2002, todas as concessionárias es-tavam com patrimônio líquido negativo.Oque acontecia é que apenas um dos sóciosaportava capital. Os outros não acompa-nhavam.Assim,criava-se um desequilíbriomuito grande e a capacidade de investi-mento acabava ficando zerada”, explicaJosé Alexandre Resende, diretor-geral daANTT. Segundo ele, os investimentos pri-vados se concentraram nos três primeirosanos da concessão,quando a malha herda-da da RFFSA foi reformada para operarcom um razoável nível de qualidade. Apartir daí, os desentendimentos nos con-sórcios fizeram secar a fonte de recursos.“Apenas em 2002, quando aconteceramreestruturações societárias de empresas co-mo a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), aCompanhia Ferroviária do Nordeste (CFN)e a América Latina Logística (ALL), é queos aportes de capital foram retomados.”

Uma das razões para o desequilíbrio

nas sociedades é que, pelas regras de 1996,nenhuma empresa poderia ter partici-pação maior do que 20% no capital. O ob-jetivo era impedir que o acionista ma-joritário favorecesse o transporte das car-gas que lhe interessassem, prejudicando osconcorrentes. Mas em alguns casos a regrafoi revista para permitir uma participaçãomaior, desde que preservadas obrigaçõesque garantam a concorrência.

Exceções A FCA, responsável por amplarede em Minas Gerais, Goiás e Bahia, de-via mais de 700 milhões de reais à CVRD,uma das acionistas e a única a fazer inves-timentos. A CVRD propôs capitalizar adívida e ainda aplicar 400 milhões de reaisno grupo. Assim, sua participação acio-nária subiria para 90%. A ANTT decidiuconsultar outros interessados e, como nãoapareceu ninguém com o mesmo cacife,aceitou que a Vale ultrapassasse, de longe,o limite dos 20%. A agência, no entanto,pode determinar que a empresa saia donegócio a qualquer momento. Além dis-so, mantém fiscalização para evitar pre-juízos aos concorrentes.

Já no caso da MRS Logística, em que olimite de 20% também foi ultrapassadopela CVRD, a situação é mais complicada.A ANTT e o Conselho Administrativo deDefesa Econômica (Cade) ainda estãoavaliando a situação.A Vale passou a con-trolar 40% das ações da MRS depois decomprar mineradoras que eram sócias daempresa, como a Ferteco e a Caemi.“Esseé um problema mais grave, porque osacionistas são também os principais usuá-rios: empresas de mineração e siderurgia.Se uma delas tem o controle, pode preju-dicar os concorrentes”, explica Resende.Também no caso da América Latina Lo-gística (ALL), a agência flexibilizou o tetodos 20%.“Aí o limite não era tão impor-tante porque os acionistas não tinham in-teresse específico em nenhum produto”,diz o diretor da agência.

Concorrência Na tentativa de contornar orisco à livre-concorrência, a ANTT criou a

de 8 b i l hões de rea i s na cons t r ução das fe r rov i as Nor te -Su l e Transnordes t i na

endividou a Brasil Ferrovias

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34 Desafios • abril de 2005

O setor ferroviário melhorou desde 1996. As empresas investiram na reforma de vagões e linhas.

concessionário, como no caso da Vale, sur-gem conflitos de interesse com competido-res. Mas, como o governo não investiu nosetor,a Vale ocupou esse espaço,até por ne-cessidade”,comenta Endo,da KPMG.ParaGirard,da Trevisan,a concentração da Valeno mercado nacional “pode ser ruim porum lado, como no caso da MRS, mas, poroutro lado, trata-se de uma empresa com-petente e que investe muito no setor. O pa-pel da ANTT é garantir que o usuário de-pendente seja respeitado, e isso ainda pre-cisa ser testado pelo mercado”.A Vale temse defendido afirmando que é a maior in-vestidora no setor e que,só neste ano, desti-nará 1,8 bilhão de reais para a compra devagões e locomotivas.

Outro ponto gerador de problemas du-rante a concessão,segundo Girard,foi o fa-to de a malha ter sido fatiada entre váriasempresas e por regiões, sem obedecer à ló-gica dos corredores contínuos de transpor-te.“Foram sete concessionárias, enquantono México, por exemplo, foram apenasquatro. Pelas características do setor, atendência é que exista uma consolidaçãoem um número menor de players, comoaconteceu no caso da FCA ou da CFN,que têm participação de 50% da Vicunhae de 50% da Companhia Siderúrgica Na-cional.”Além disso, as metas de produção

estabelecidas durante a privatização nãoforam renovadas nem foram estabelecidosnovos objetivos.

Regulamentação A falta de regulamen-tação também afetou o compartilhamen-to das linhas pelas concessionárias. Mes-mo com a criação da Resolução nº 433 daANTT, em 2004, que normatiza a ques-tão, persistem dúvidas. A resolução obri-ga as empresas a firmar algum tipo decontrato para o compartilhamento das re-des. Segundo a norma, a empresa dona dalinha tem a opção prioritária de oferecer otráfego mútuo. Mas, se ela não tiver equi-pamento suficiente para levar a carga daconcorrente, terá de dar o direito de pas-sagem. Para Girard, a resolução ainda nãosurtiu o efeito desejado.Além do já clássi-co problema do acesso ao porto de San-tos, começa a surgir uma disputa entre aCFN e a Vale para o uso da malha que dáacesso ao porto de Itaqui, no Maranhão,de propriedade da CFN.

A opção preferencial pelo tráfego mú-tuo é questionada com o argumento deque o direito de passagem é mais simplese mais barato.“A regulação da ANTT parao tema é insatisfatória. Temos de cami-nhar para usar mais o direito de passa-gem, porque o tráfego mútuo onera as ex-

figura do “usuário dependente”. As empre-sas que dependem do transporte ferroviá-rio para ter viabilidade econômica devemcomprovar o fato e as concessionárias sãoobrigadas a firmar contratos com elas. Hácerca de 50 processos na agência em queempresas pedem para ser consideradasdependentes das ferrovias. Apenas novesolicitações foram liberadas. Mas há quemconsidere as regras insuficientes para ga-rantir a competição, já que o risco de con-centração excessiva no setor é grande. ParaPaulo Fernando Fleury, do Coppead, Ins-tituto de Pesquisa e Pós-Graduação emAdministração da Universidade Federaldo Rio de Janeiro, as providências toma-das pela ANTT são lentas e de difícil apli-cação.“A agência não tem força para fazercumprir as suas decisões. Há muitos or-ganismos interferindo no setor, como oJudiciário, o Ministério Público e órgãosambientais.” Segundo ele, em vez da figu-ra do “usuário dependente”, o ideal seriaque a agência tivesse força para não per-mitir que os usuários fossem também só-cios de ferrovias.

A Vale – que tem participação majori-tária na FCA e na MRS e é dona da Estradade Ferro Vitória-Minas e da Carajás – de-tém a maior parte da malha ferroviária na-cional. “Quando o usuário é também o

Memórias do descasoPara entender melhor os problemas das ferrovias do país, construí-

das na maior parte por companhias privadas nas décadas de 20 e 30, épreciso voltar um pouco no tempo. Durante anos, o setor ferroviário nãorecebeu a atenção do governo. Desde 1950, a prioridade do Estado foi aabertura de rodovias.Apartir de então pouco foi feito para atualizar a re-de e adequar a tecnologia aos padrões mais modernos.A Rede Ferroviá-ria Federal S/A (RFFSA), estatal criada em 1957 que reuniu as 22 estra-das de ferro existentes, gastou muito tentando revigorar as linhas, masnão teve sucesso. A malha não recebia investimentos desde a crise de1929. Dois anos depois de sua criação, a Rede já apresentava despesasde custeio mais de duas vezes superiores às receitas operacionais e um

déficit de 2,4 bilhões de reais, em valores corrigidos para 2000.A situa-ção foi se agravando ao longo do tempo e o governo deixou o problemaem banho-maria.

Durante toda a década de 80, os gastos com o setor foram mínimos,o que resultou numa rede sucateada, apresentada dessa forma para a pri-vatização em 1996.“A situação de deterioração da RFFSA havia chegadoa tal ponto que, no início da década de 90, quem quisesse usar as ferro-vias precisaria pagar até o combustível e o salário dos maquinistas, por-que a rede não tinha nem mesmo crédito com a fornecedora de combus-tível”, recorda José Alexandre Nogueira Resende, diretor-geral da AgênciaNacional de Transporte Terrestre (ANTT). “Além das linhas ruins, haviaexcesso de empregados”,comenta Paulo Fernando Fleury, diretor do Cen-tro de Estudos em Logística do Coppead – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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portações”, critica Renato Voltaire, diretorda Associação Nacional dos Usuários deTransporte de Carga (Anut). Resende, daANTT, defende a medida. “Em todo omundo, a opção é pelo tráfego mútuo por-que viabiliza novos investimentos na me-lhoria da linha. Foi essa obrigação que, em1960, levou a Vale a duplicar a Vitória-Mi-nas para atender ao tráfego mútuo com aantiga Superintendência 2 da RFFSA”. Pa-ra ele, o caso do acesso a Santos ainda nãose resolveu por uma peculiaridade: o tre-cho de compartilhamento é muito curto.

Agora os empresários querem que ogoverno invista nas obras de sua respons-abilidade. Também reclamam que os re-cursos da Contribuição para Intervençãono Desenvolvimento Econômico (Cide),imposto que incide sobre os combustí-veis, criado para ser usado na infra-estru-tura de transporte, servem apenas paraengordar o superávit fiscal. Já acumulaum caixa de 10 bilhões de reais que não éaplicado nas vias férreas. Outro pleito do

setor foi recentemente negado pelo Mi-nistério da Fazenda. As empresas pediamque os valores pagos em contratos de ar-rendamento das linhas – cerca de 300 mi-lhões de reais por ano – fossem aplicadosna rede. O governo preferiu não abrir mãodessa receita.

Avanços Embora erros do processo deprivatização necessitem ser corrigidos, éinegável que o setor ferroviário melhoroudesde 1996.As empresas privadas investi-ram 6,3 bilhões de reais, a maior partepara reformar vagões e linhas. O volumede cargas transportado cresceu 54% entre1997 e 2003. A participação do setor fer-roviário na matriz de transportes tambémaumentou de 21% em 1997 para 24% em2004. Hoje, grandes empresas de soja jáfecham contratos com duração de dez ouaté 20 anos com as ferrovias, o que era im-pensável na época da antiga RFFSA (leia

quadro na página 34).“Antes de melhoraras linhas, tivemos de recuperar o que her-

damos. Superada essa primeira fase, esta-mos aumentando a produtividade.Assim,recuperamos a credibilidade tanto dosusuários como dos investidores”, dizRodrigo Vilaça, diretor da ANTF.

As resoluções tomadas pela ANTT nosúltimos anos constituem um bom indíciode que o setor começa a ser acompanhadomais de perto. Enquanto isso não ocorria,contratos de arrendamento deixaram deser pagos, metas de produção foram des-cumpridas e trechos poucos rentáveisacabaram abandonados. Hoje, o desafiodo setor público é não perder tempo. Oboom do agronegócio estimula o setor fer-roviário a progredir e demanda soluçõesimediatas. O que se espera é que o gover-no tenha dinamismo para acompanhar omovimento. Não só com investimentos,mas com incentivos ao setor privado, aomesmo tempo que preserva as ferroviascomo um bem que deve servir ao interes-se do país, e não apenas à necessidade delucro das empresas.

Sua part ic ipação na matriz de transportes aumentou de 21% em 1997 para 24% em 2004

Benfica, na zona norte do Rio de Janeiro, é uma das regiões onde muitas famílias estabeleceram moradia a poucos metros das linhas férreas

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C a r l o s Á l v a r e s d a S i l v a C a m p o s N e t o *ARTIGO

s parcerias entre os setores público eprivado ganharam força com a crise fis-cal do governo, que limitou a disponi-bilidade de recursos públicos ao inves-

timento em infra-estrutura. Os recursos do setorprivado passaram a ser cotejados como alterna-tiva a essa crise. A questão era a maneira de via-bilizar sua atração.A alternativa foi a elaboraçãode projeto de lei sobre Parcerias Público-Priva-das (PPP). Porém, estudo realizado à época doencaminhamento do projeto ao Congresso Na-cional, em novembro de 2003, permitiu vislum-brar dificuldades na formalização dos empreen-dimentos em parceria.

Preocupava-nos o fato de que o conceito dePPP era muito amplo, pois permitia parceriastanto para os empreendimentos com viabilidadeeconômica quanto para os sem viabilidade –inovação principal do projeto. Até a construçãode edificações com a finalidade de alienação, lo-cação ou arrendamento à administração públicaera possível.

Outra preocupação era o órgão gestor, quepoderia ter sua eficiência comprometida tantopelo expressivo número de solicitações de parce-rias quanto por sua competência administrativa,que abrangia projetos federais, estaduais e mu-nicipais. Causava apreensão também a fragili-dade das garantias apresentadas pela adminis-tração pública. Faltava um instrumento que pu-desse convencer a iniciativa privada de que have-ria recursos para os pagamentos futuros. Sem es-gotar a matéria, cabe citar a apreensão quanto aoequilíbrio fiscal, que poderia ser comprometido.O receio era que a legislação abrisse uma portapara que estados, municípios e a União fugissemdos limites de endividamento estabelecidos pelaLei de Responsabilidade Fiscal.

A Lei das PPP (nº 11.079), sancionada em 30de dezembro de 2004, contemplou essas preo-cupações e outras. Por isso, parece-nos que apre-senta um avanço significativo em relação aoprojeto de lei do Executivo. Um importante apri-moramento é quanto ao conceito de parceriapúblico-privada.A lei estabelece que a nova mo-dalidade, denominada PPP, é exclusiva para os

projetos de pouca ou nenhuma viabilidadeeconômica. Explicita que somente empreendi-mentos que necessitem do comprometimento derecursos públicos para pagamento ao parceiroprivado podem ser classificados como PPP. Eexclui os projetos que têm retorno econômico,embora sejam executados e operados pela inicia-tiva privada.

O órgão gestor teve sua competência restritaaos projetos sem viabilidade econômica conce-didos exclusivamente pela esfera federal. E suaatuação foi limitada às deliberações quanto aoenquadramento dos empreendimentos comoPPP e à apreciação dos relatórios de execução doscontratos. Os ministérios e as agências regulado-ras licitam, acompanham e fiscalizam os contra-tos. Para criar garantias efetivas à atração do in-vestidor privado, foi instituído o Fundo Garanti-dor dos Pagamentos das PPP (FGP) com recur-sos públicos, a maioria da União. Para asseguraro equilíbrio fiscal, a nova lei determina que oconjunto dos projetos não pode ultrapassar 1%da receita corrente líquida da União. Esse limitefoi imposto, também, aos estados, ao Distrito Fe-deral e aos municípios como condição prévia aorecebimento de recursos e garantias da União.

Uma boa lei é necessária, mas não suficiente.Somente a prática poderá mostrar se os inves-timentos serão atraídos para empreendimentoscujo retorno econômico será garantido pelo Po-der Público. A tomada de decisão do investidorprivado depende do cenário macroeconômico,tal como da taxa de juro real, que impacta no cál-culo do custo de oportunidade do capital. Cadaprojeto de PPP exigirá um contrato bem elabo-rado, que forneça à sociedade a prestação doserviço público e ao ente privado a justa remu-neração do capital investido.

*Artigo escrito em parceria com Ricardo Pereira Soares. Os autores são

pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Uma boa lei de PPP

“A Lei das PPP,

sancionada em

dezembro de 2004,

é um avanço. Mas

somente a prática

poderá mostrar se os

investimentos serão

atraídos para

empreendimentos cujo

retorno econômico será

garantido pelo Poder

Público, para fornecer

à sociedade os serviços

de que ela necessita”

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36 Desafios • abril de 2005

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ernanda Matos Duarte estava no sétimo mês de gravidezquando soube que seu bebê tinha problemas de má-formação.Não havia tempo a perder. No mesmo dia percorreu os quase200 quilômetros que separam sua cidade, Torre de Pedra, da

capital paulista, onde poderia receber atendimento médico especiali-zado. Na viagem, não conseguia ordenar os pensamentos, dividida en-tre as preocupações com o bebê que trazia no ventre e com a filhinhade 3 anos, que ficara aos cuidados do pai. “Estava morta de medo.Tudo o que pude fazer foi pedir a Deus que arrumasse o melhor lugardo mundo para o meu filho nascer”, lembra. Encaminhada ao Hos-pital das Clínicas (HC), provavelmente a mais bem equipada institui-ção pública de saúde do país, foi submetida a uma cesariana. O bebê,chamado André Luiz, nasceu com um grave problema nos rins. Ficouna Unidade de Cuidados Intensivos Neonatal, conectado aos apare-lhos que permitiram seu desenvolvimento, até que estivesse apto apassar por uma cirurgia corretiva. A história de Fernanda teve um fi-nal feliz e André Luiz crescerá sem sequer saber que esteve muitopróximo de engordar as estatísticas de mortalidade infantil no seu as-pecto mais grave, isto é, a morte no primeiro dia de vida.

38 Desafios • abril de 2005

Estudo mostra qua l é o invest imento

necessár io para a redução

da mor ta l idade in fant i l no pa ís

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Desaf ios • abril de 2005 39

Fornecimento

de água tratada tem

impacto imediato

na taxa de

mortalidade infantil

e na saúde

das crianças

Saneamento2 08/04/05 8:24 Page 39

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40 Desafios • abril de 2005

No Brasil, 64,7% dos óbitos que formam a alta taxa de mortalidade infantil ocorrem na

Mais do que um indicador de saúde, a mortalidade infantil éconsiderada um indicador social, pois sofre influência direta dediversos fatores, tais como educação, saneamento e meio am-biente. Na última década, o Brasil conseguiu diminuir a mortali-dade infantil em 40%. O número de óbitos de crianças com até 1ano de idade em cada mil nascidas vivas caiu de 46,99 em 1991para 27,43 em 2001.A redução reflete ações realizadas num perío-do de tempo mais longo. Na área de saneamento, houve o PlanoNacional de Saneamento (Planasa), concebido no início da déca-da de 70, que criou as companhias estaduais de saneamento paraequipar as cidades, na época em rápido crescimento. No setor dasaúde,a ação mais determinante foi a criação do Sistema Único deSaúde (SUS), com atendimento gratuito e universal, aliado, maisrecentemente ao Programa de Saúde da Família.E,no que diz res-peito à educação, houve sucessivos projetos para a erradicação doanalfabetismo. Mesmo assim o Brasil ainda está 20 anos atrasadoem relação aos países desenvolvidos – e não se sai bem mesmoquando comparado a seus “pares”,como a Argentina,cuja taxa demortalidade infantil é 17, e o Chile, campeão do subcontinente,que registra índice 8 (leia tabela acima).

Os indicadores mostram que ainda há muito a fazer para queo Brasil apresente uma taxa de mortalidade infantil compatívelcom seu nível de desenvolvimento econômico. Em busca damelhor relação custo-benefício das diversas iniciativas que afe-tam a ocorrência de mortes durante o primeiro ano de vida, doispesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea) elaboraram um estudo. Estimaram o investimento ne-cessário para salvar uma vida a partir de cada uma das formasde atacar o problema, a via da saúde, a do saneamento e a da edu-cação.“Apesar de todas elas atuarem em conjunto, com uma fer-ramenta estatística foi possível calcular o impacto de cada deter-minante sobre a mortalidade infantil”, explica Mário JorgeCardoso de Mendonça, um dos autores do estudo “Saúde eSaneamento no Brasil”, ao lado de Ronaldo Seroa da Motta.

Educação A pesquisa mostra que a redução do analfabetismodas mulheres é a maneira mais barata de combater a mortali-dade infantil, conseguindo salvar uma vida com o investimen-to de 63 mil reais. A segunda providência que traz mais retornopor real aplicado é o aumento de leitos hospitalares na rede

Taxa de mortalidade infantil (número de mortes por mil nascidos vivos, em 2003)

Dinamarca 3

Itália 4

Israel 5

Austrália 6

EUA 7

Chile 8

Uruguai 12

Argentina 17

Colômbia 18

Venezuela 18

México 23

Paraguai 25

Peru 26

Brasil 27

África do Sul 53

Haiti 76

Serra Leoa 166

Fontes: IBGE (Brasil), ONU (países restantes) Fernanda Matos Duarte e seu bebê na UTI Neonatal do HC de São Paulo, uma das mais modernas do país

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Desaf ios • abril de 2005 41

pública. No caso, o custo é de 72 mil reais para cada vida pou-pada. Segue-se o fornecimento de água tratada, que evita umamorte com 168 mil reais. As estimativas consideram o custo damelhoria da situação nas diversas áreas em apenas 1% em re-lação ao quadro atual, ou seja, redução de 1% do analfabetismode mulheres em idade fértil, crescimento de 1% no número deleitos hospitalares e aumento de 1% da população que recebeágua tratada (leia tabela na página 43). Com dados objetivos, oestudo acabou chegando a conclusões que estão em perfeitoacordo com o pensamento de estudiosos mais ligados aos as-pectos humanos da questão.

“A educação é o meio mais abrangente de combate à mortali-dade infantil porque age em todas as componentes do proble-ma”, diz Márcia Furquim de Almeida, professora de Epidemio-logia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de SãoPaulo (USP).“Enquanto a melhora dos serviços de saúde e sa-neamento, absolutamente necessária, ataca problemas bem es-pecíficos, a educação produz efeito generalizado, pois uma mãebem informada sabe tratar melhor de si mesma e do filho.” ParaHalim Girade, oficial de projetos do Fundo das Nações Unidaspara a Infância (Unicef) no Brasil, mais do que educação, faltaconscientização.“O governo tem a obrigação de prover, mas apopulação tem a obrigação de cobrar”, diz.

SUS Essa posição é comum aos organismos internacionais. AOrganização Pan-Americana de Saúde (Opas), escritório re-gional para as Américas da Organização Mundial de Saúde

(OMS), tem uma proposta para aumentar o nível de conscienti-zação das camadas mais pobres: usar o alcance da rede do SUSpara educar os usuários.“Obviamente, a mortalidade infantil es-tá concentrada nas comunidades mais carentes e o SUS, por sergratuito, acaba tendo contato com esses grupos. Seria bom se osprofissionais fossem preparados para, além de curar, tambémensinar”, diz Horacio Toro Ocampo, representante da Opas noBrasil. Para ele, o Brasil avançou muito com a implantação SUS,mas o serviço merece ser aperfeiçoado.

Uma das melhoras seria a segunda alternativa mais econômi-ca de combate à mortalidade infantil apresentada no estudo doIpea, isto é, o aumento de leitos nos hospitais públicos.“Esse éum valor difícil de ser medido, porque o custo de um leito variamuito. Pode ser apenas mais um dentro de uma estrutura sim-ples que já existe ou pode demandar a construção de todo umhospital, com seus equipamentos. Mesmo assim, procuramostrabalhar com um valor médio e conseguimos chegar a con-clusões confiáveis”, avisa Cardoso de Mendonça, do Ipea. Parasurtir o efeito desejado, os leitos teriam de ser basicamente deduas modalidades. Primeiramente de obstetrícia, para abrigarum maior número de mães. Esse investimento vem sendo feito.Os leitos para parturientes da rede do SUS aumentaram 17% naúltima década. Mais urgente é a ampliação da oferta de leitos emUTI neonatal, bem mais caros, como o que recebeu o filho deFernanda Matos Duarte, mencionado no início desta reporta-gem. “Esse atendimento é extremamente importante porque64,7% dos óbitos que formam a alta taxa nacional de mortali-

primeira semana de vida. Destes, quase 80% se dão no primeiro dia após o nascimento

Mortalidade infantil nos estados brasileiros Número de mortes em cada grupo de mil bebês nascidos vivos

70

60

50

40

30

20

10

0RS

16,118,3 18,6 19,5 19,7 20,3 20,6 21,9 22,1 22,2 22,2 22,9

25,9 26,029,0 29,9 30,1

35,5 36,238,3

41,043,4 44,7

48,0 48,3 49,0

62,5

DF SP RR MS RJ GO ES PR MG MT RO AP PA TO AM AC PI CE BA SE RN PE PB MA ALSC

Fonte: IBGE

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42 Desafios • abril de 2005

Segundo estudo do Ipea, o abastecimento de água tratada requer maior investimento,

2000.A Bahia como um todo está em sétimo lugar entre os esta-dos com as piores taxas de mortalidade infantil. Em situaçãomais grave estão Alagoas, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, RioGrande do Norte e Sergipe (veja gráfico na página 41). Mas aregião que amarga os piores índices é o semi-árido brasileiro, queengloba partes de Piauí, Ceará, Minas Gerais e Espírito Santo.Lá, 95% dos municípios apresentam indicadores superiores àmédia nacional. O Unicef está desenvolvendo um trabalho es-pecífico para amenizar a situação, que envolve tanto problemasde saúde como de desnutrição e de falta de água (leia mais na re-

portagem da página 46).

Água O abastecimento de água é a terceiro meio de combate àmortalidade infantil mais viável, economicamente falando,apontado na pesquisa do Ipea. Ela é apenas um dos cinco itens

dade infantil ocorrem na primeira semana de vida – e destes,quase 80% se dão no primeiro dia de vida”, explica a professoraFurquim. Os falecimentos até uma semana depois do nascimen-to são os que estão mais claramente vinculados às condições desaúde, enquanto os que ocorrem até 1 ano de idade englobamtambém a qualidade de saneamento e as condições de moradia,além de aspectos ambientais e urbanos.

O atendimento ao recém-nascido é precário no Brasil. Umexemplo: a Bahia, o estado que conta com a quarta maior popu-lação feminina do país – tem 5,3 milhões de mulheres com maisde 10 anos de idade –, dispõe de apenas 14 leitos de UTI neona-tal, sendo que cinco estão na capital. Talvez por isso Salvador se-ja uma das cidades que caminharam em sentido contrário ao dopaís, ou seja, registrou taxas de mortalidade neonatal crescentesentre 1997 e 1999. Começou a dar sinais de recuperação em

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Mãe e filha freqüentam aula noturna de alfabetização de adultos em Ribeirão Pires, na região da Grande São Paulo

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mas provoca redução de doenças e, portanto, menor demanda por serv iços de saúde

Desafios • abril de 2005 43

que formam o chamado saneamento básico, e é aquele em que oBrasil está mais avançado. O país tem 76,1% dos domicílios liga-dos à rede de distribuição de água. O problema é que a parcelafaltante é justamente aquela que apresenta maiores dificuldadespara ser atingida, seja pela distância, seja por questões fundiárias,seja pelo motivo mais óbvio, a falta de recursos para arcar com ocusto dos serviços, tanto por parte do usuário quanto por partedo governo. Quem cuida da ampliação da rede de saneamentopara pequenos municípios e comunidades é a Fundação Na-cional de Saúde (Funasa) – e ela precisa ter muita criatividadepara superar os obstáculos. Uma das soluções encontradas parafavorecer as populações carentes que habitam regiões ermas éum sistema que usa energia solar para o bombeamento da água.Ele vem sendo instalado sobretudo em comunidades indígenas.Em Goiás e Mato Grosso já existem cinco aldeias com sistema desaneamento movido a energia solar.

“Mais do que a própria instalação da infra-estrutura, o de-safio é garantir a continuidade do funcionamento”, conta KátiaErn, diretora do Departamento de Engenharia de Saúde Públicada Funasa. Segundo ela, freqüentemente as prefeituras das pe-quenas cidades não reservam as verbas necessárias para a com-pra de insumos e para o pagamento da mão-de-obra que operaos sistemas de saneamento. Assim, o investimento em infra-es-trutura é desperdiçado. E, mesmo quando está em funciona-mento, o serviço muitas vezes não é bem aproveitado e não

atende seu objetivo, porque a população não consegue pagar porele. Para solucionar esse problema foi criada a tarifa social, queestabelece uma taxa mínima a ser paga por aqueles que con-somem pouco ou simplesmente não têm recursos para bancar aconta de água. Essa iniciativa recebeu elogios do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), pois a maiorparte dos países subsidia a construção da infra-estrutura, masnão ajuda a população a usufruir do serviço.“Chegou-se a tes-tar o fornecimento gratuito de água, mas os resultados nãoforam bons porque os níveis de desperdício eram muito altos”,lembra Wanda Russi, professora do Departamento de SaúdeAmbiental da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Além das limitações de recursos, muitas vezes o fornecimen-to de água também esbarra em barreiras culturais. Até o saborda água clorada pode ser motivo de rejeição – mais um caso defalta de esclarecimento. Manoel Renato Machado Filho, gerentede projetos da Secretaria de Saneamento, ligada ao Ministériodas Cidades, lembra de várias situações em que investimentosfeitos em saneamento não deram resultado.“Fomos visitar umacasa numa cidade do interior da Bahia e descobrimos que o ba-nheiro que havia sido construído, devidamente equipado comuma fossa, tinha sido transformado em galinheiro.”Numa outracasa, o banheiro estava intacto porque era considerado o cômo-do mais importante e bonito. Os pais não deixavam as criançasentrarem para não estragar as instalações e ninguém usava o

Nota: Mortalidade de crianças com idade entre zero e 4 anos em 2000: 3.521 casos.Fonte: Ipea, Seroa da Mota R, e Cardoso de Mendonça, M J,“Saúde e Saneamento no Brasil”

Estimativas dos custos das alternativas de redução da mortalidade com base

em dados do ano 2000

Variável

Indicador do serviço

em 2000 Variação marginal

Custo marginal

(R$ milhões)

Número de

mortes evitadas

Custo unitário por

morte evitada (R$ mil)

Combate

ao analfabetismo

Atinge 15% da

população feminina

com mais de 15 anos

Redução de

1% na taxa 12.8 162 63

Aumento do número

de leitos hospitalares 480 mil leitos

Aumento de 1% no

número total de leitos 1.95 27 72.4

Fornecimento

de água tratada

Cobertura de 78%

da população

Aumento de 1%

na cobertura 261 108 168

Coleta de esgotos

Cobertura de 52%

da população

Aumento de 1% na

cobertura 362 216 241

Gastos com saúde R$ 11,8 bilhões

Aumento de 1% dos

gastos com saúde 117 415 282

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44 Desafios • abril de 2005

M ã e s a l f a b e t i z a d a s s a b e m c u i d a r m e l h o r d e s i m e s m a s e d o s f i l h o s

e freqüentemente os projetos não saem do papel por falta de en-tendimento entre os gestores. Numa ocasião foi autorizado umfinanciamento para a prefeitura de João Pessoa, capital daParaíba, para a construção de uma estação de tratamento deáguas, mas a companhia estadual de saneamento se recusou alevar a obra adiante porque o projeto estava fora dos seuspadrões.“Não estou tirando a razão de nenhuma das partes, masesse é um exemplo de como a falta de articulação entre diferentesáreas de governo pode trazer prejuízos à população.”

Urbanização Outra dificuldade para a expansão da rede deabastecimento de água nas grandes cidades é a falta de regulari-zação dos imóveis. Normalmente as áreas mais carentes são jus-tamente as periferias, onde os imóveis raramente estão devida-mente registrados. Pelo contrário, em sua maioria são terrenosparticulares ocupados sem autorização do proprietário ou, piorainda, áreas de reserva ou de mananciais. A lei impede que ogoverno faça benfeitorias em terrenos particulares e especial-mente em reservas ecológicas. Cria-se então um caso complica-do, pois é sabido que sem condições mínimas de saneamento éinevitável que surjam focos de doenças. Para escapar doimpasse, mais uma vez é preciso apelar para a criatividade. Ogoverno municipal de Suzano, cidade da região metropolitanade São Paulo, se encontrava exatamente nessa situação emrelação a uma ocupação chamada Nova Ipelândia, estabelecidanuma área de manancial. “A prefeitura tentou retirar os mo-radores, mas um vereador conseguiu impedir o despejo. Entãoa comunidade continuou vivendo lá, sem nenhuma infra-es-trutura”, lembra a professora Russi. A solução foi colocar reser-vatórios plásticos de água potável na rua mais próxima, fora daárea de manancial. Eles são abastecidos diariamente por cami-nhões-pipa enviados pela prefeitura. O drama é que a veloci-dade de crescimento das cidades é muito maior do que a ca-pacidade dos administradores de encontrar saídas oficiais oualternativas. Mesmo assim o governo federal estabeleceu para2020 a meta de universalizar o abastecimento de água urbano eestender o serviço à metade da população rural, onde atual-mente só 18,7% dos domicílios têm fornecimento adequado.

Apesar de o abastecimento de água tratada aparecer em ter-ceiro lugar na relação das alternativas mais baratas para o com-bate à mortalidade infantil, os pesquisadores do Ipea ponderamque ela provavelmente é a mais justificável, mesmo do ponto devista econômico. Isso porque os benefícios do acesso à águatratada resultam na imediata redução das doenças e, portanto,diminuem a necessidade de investimentos em saúde. Além detrazer indiscutíveis vantagens ambientais. Portanto, a conju-gação da melhora no nível de educação das mulheres com a am-pliação do acesso a água tratada forma o par ideal para salvar avida dos pequenos brasileiros que chegam ao mundo em con-dições tão desfavoráveis.

banheiro para não sujá-lo. Mas Machado Filho afirma que o quemais o incomoda não são essas questões envolvendo gente sim-ples: são as complicações geradas pela confusão administrativado setor de saneamento.“O governo federal reservou a verba deum bilhão de reais para ser aplicada em saneamento em 2005,mas não sei se vamos conseguir usá-la porque os entraves buro-cráticos gerados pelos conflitos entre os governos estaduais emunicipais complicam e retardam as definições.”Ele conhece deperto o problema. Cabe ao Ministério das Cidades cuidar damelhora da infra-estrutura de saneamento nas grandes cidades d

O semi-árido nordestino registra as piores taxas de mortalidade infantil do país, especialmente por problemas de abastecimento de água

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Desaf ios • abril de 2005 45

J o s é A r o u d o M o t aARTIGO

idéia de corredores ecológicos propor-ciona maior probabilidade de dissemi-nação e sobrevivência de genes e indiví-duos entre populações e subpopula-

ções, bem como cria uma rede de conexão entreunidades de conservação que estimula a prote-ção e a manutenção de diversas espécies do patri-mônio natural brasileiro. Isso resulta em ganhosde eficiência ecológica e inovação nos modelosde gestão, além da exploração de atividades eco-nômicas sustentáveis.

Os corredores ecológicos permitem o enten-dimento de como as espécies se movem e seadaptam enquanto enfrentam mudanças glo-bais.As zonas em torno das áreas protegidas aju-dam a fornecer às espécies um espaço adicionalpara a sobrevivência. São úteis, pois valores eco-nômicos estão ali inseridos.Além do que, diver-sas informações de cunho científico, ainda nãoconhecidas pela ciência, certamente serão im-portantes para as gerações futuras.

A importância econômica da biodiversidadebrasileira está representada em inúmeras pesqui-sas.Elas demonstram o quanto de riqueza as áreasde conservação significam para a economia e sãofator de informação estratégica. Os valores dire-tos estão relacionados aos diferentes produtosdos ecossistemas, transformados ou vendidosdiretamente no mercado. Os indiretos estão re-presentados pelos esforços de pesquisa, que têmpermitido transformar serviços ambientais emvalores econômicos. Em recente trabalho de in-vestigação, a Câmara dos Deputados, instituiuComissão Parlamentar de Inquérito com o obje-tivo de investigar o tráfico ilegal de animais eplantas silvestres da fauna e da flora brasileiras,com destaque para:

1. O tráfico de peixes ornamentais da Ama-zônia brasileira para a Colômbia, somente noano de 2002, rendeu quatro milhões de dólaresde divisas internacionais para aquele país, en-quanto o Brasil exportou, no mesmo período,apenas 300 mil dólares.

2. No que se refere aos recursos florestais, es-tima-se que 2,5 mil empresas atuem na Amazô-nia, e gerem 600 mil empregos diretos e indire-

tos e faturamento de 2 bilhões de dólares porano (sendo que 75% da produção total de ma-deira está concentrada nos estados do Pará, Ma-to Grosso e Rondônia, e que aproximadamente30% da extração madeireira é irregular).

3. Quanto às plantas medicinais, diversas si-nalizações têm sido feitas no sentido de se res-guardar o vasto potencial da floresta amazônica.Segundo o deputado Elisaldo Carlini, o gruposob sua liderança já pesquisou 89 plantas da re-gião amazônica. Os efeitos medicinais da espi-nheira-santa foram comprovados, e “uma indús-tria farmacêutica genuinamente brasileira” temproduzido medicamentos com essa planta.

4. O tráfico ilegal de animais da fauna bra-sileira revela números contabilizados pelo mer-cado informal. No mercado internacional, umaarara-azul-de-lear vale 60 mil dólares, um mico-leão-dourado é vendido por 20 mil dólares euma jaguatirica por 10 mil dólares.

5. A biopirataria de animais para fins de pes-quisa científica revela também que uma jarara-ca-ilhoa vale 20 mil dólares no mercado interna-cional. Uma surucucu-pico-de-jaca vale em tor-no de 5 mil dólares e haveria besouros cotadosem até 8 mil dólares.

6. Um grama de veneno extraído da aranha-marrom vale 24 mil dólares.

7. O tráfico de animais silvestres no Brasilmovimenta em torno de um bilhão de dólarespor ano, perdendo apenas para o tráfico de dro-gas e armas. Sabe-se ainda que 90% do comérciode animais silvestres no Brasil é ilegal, e que ape-nas 10% dos animais que são capturados resis-tem às condições de trato e de transporte.

8. O mercado mundial de fármacos, especial-mente o de fitoterápicos (remédios obtidos dire-tamente de plantas), movimenta cerca de 30 bi-lhões de dólares.

José Aroudo Mota é diretor adjunto da Diretoria de Estudos Regionais e

Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

A riqueza dos corredores ecológicos

“O tráfico de animais

silvestres no Brasil

movimenta em torno

de um bilhão de

dólares por ano,

perdendo apenas

para o tráfico

de drogas e armas”

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46 Desafios • abril de 2005

METAS DO MILÊNIO

P o r M a y s a P r o v e d e l l o , d e B r a s í l i a

uando os representantes de 189 países sócios da Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) decidiram firmar um compromis-so de combate à pobreza no planeta, com prazos e metasdefinidos, a reação internacional foi extremamente positiva. Isso

ocorreu nos idos do ano 2000, passagem de século e de milênio, em quepairava no ar um sentimento de boa vontade. A Declaração do Milênio,composta de oito objetivos (leia quadro na pág. 49) voltados para a melho-ria das condições de vida de pelo menos 500 milhões das pessoas ex-tremamente pobres, até 2015, parecia indicar uma disposição prática everdadeira no sentido da redução das desigualdades. Especialmente por-que entre os signatários do acordo estavam países desenvolvidos, querepassam anualmente recursos correspondentes a 0,7% do ProdutoInterno Bruto (PIB) mundial a ações humanitárias. Passaram-se mais dequatro anos e os primeiros levantamentos acerca dos resultados daDeclaração são desanimadores. Pouco se fez. Em algumas regiões, comoa África Meridional (ao sul do deserto do Saara), houve retrocesso. Em 46países as pessoas são mais pobres hoje do que há uma década. Em 25 exis-tem mais famélicos.

“Para quem vive em situação de extrema pobreza, os Objetivos doMilênio (ODM) são uma questão de vida ou morte”, diz o economistanorte-americano Jeffrey Sachs, autor do relatório “Projeto do Milênio”,que traz diagnósticos da situação dos países e sugere ações para que secumpra o estabelecido. Segundo Sachs, falta disposição política globalpara resolver o problema.“O custo do projeto é totalmente viável. Quais-quer que sejam as motivações para atacar a pobreza –, direitos humanos,valores religiosos, segurança, prudência fiscal, ideologia – as soluções sãoas mesmas. Só é necessário agir.” O Programa das Nações Unidas para oDesenvolvimento (Pnud) estima que sejam necessários 50 bilhões dedólares anuais, até 2015, para o cumprimento dos objetivos propostos.

As primeiras análises dos resultados dos Objetivos do Milênio para a redução da miséria no

planeta não são nada animadoras. Mas o Brasil apresenta alguns indicadores positivos

As boas intenções

e o mundo real

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Desaf ios • abril de 2005 47

Morador de rua no centro da capital

paulista: o índice de indigência foi reduzido,

mas os problemas continuam visíveis

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48 Desafios • abril de 2005

No caso brasileiro, a distorção essencialé o fosso que separa os ricos dos pobres,não apenas no quesito renda, mas princi-palmente no atendimento aos direitosessenciais do ser humano. Embora a rendados muito pobres tenha melhorado, não sepode dizer que as condições gerais de vidae os direitos integrais tenham melhoradosignificativamente até o ano 2000. E osuniversos dos que vivem na fartura e dosque sobrevivem na penúria permanece-ram muito afastados. Em 1992, os 20%dos brasileiros mais ricos detinham 55,7%da renda nacional. Em 2002, ficavam com56,8%. No mesmo período, a participaçãodos 20% mais pobres saltou de 3% para4,2% – mas com considerável grau dedesigualdade regional e racial. A expecta-tiva, hoje, gira em torno de pesquisas maisrecentes, que demonstrem os efeitos deações governamentais, como o Programade Previdência e Assistência Rural,o Bolsa-Escola, o Programa de Erradicação doTrabalho Infantil, o Fome Zero e o Bolsa-Família. “O Programa Fome Zero estásendo estudado para ser replicado emoutras partes do mundo, devido à sua

Em 1990, 8,8% dos bras i le i ros v i v iam com menos de um dó lar por d ia . Em 2000,

da população brasileira é pobre, o quecorresponde a 53,3 milhões de pessoas.“Esses são números inadmissíveis econstrangedores”, diz Anna Peliano, dire-tora do Departamento de Estudos So-ciais do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea).

Distorção O fato é que medir a pobrezanão é tarefa fácil. Ela está ligada a fatorescomo acesso a serviços públicos de quali-dade, alimentação balanceada a preçosacessíveis e saúde. Isso além dos proble-mas urbanos, uma vez que três quartosda população considerada pobre, pelopadrão do salário mínimo, vive nas mé-dias e grandes cidades. Portanto, comolembra Carlos Mussi, economista daComissão Econômica para América La-tina e Caribe das Nações Unidas (Cepal),a questão não está restrita a recursos fi-nanceiros: são necessárias iniciativas quefortaleçam o capital humano e melhorema qualidade de vida das pessoas, comextensão dos direitos sociais. Entre eles,saúde, ensino fundamental, previdência,seguro-desemprego.

“Parece muito, mas não é. Sobretudo seprestarmos atenção nos valores gastos emguerras e armamentos no mundo dehoje”, considera Marielza de Oliveira,analista de programas do Pnud. Nestaedição, Desafios inicia uma série de seisreportagens sobre os Objetivos do Mi-lênio. Elas analisarão o que já se fez e o quedeixou de ser feito para combater a mi-séria, investigarão os obstáculos a sertranspostos e contextualizarão o Brasilnesse cenário.

Pobreza O primeiro objetivo declaradopela ONU é a erradicação da pobreza e dafome no mundo. Para atingi-lo, foi estipu-lada a meta de reduzir à metade (con-siderando dados de 1990) o número depessoas que sobrevive com menos de umdólar por dia. Em 1990, 8,8% dos brasi-leiros enquadravam-se nesse parâmetro.Em 2000, data dos mais recentes dadosoficiais disponíveis, o índice havia sidoreduzido para 4,7% – o que significa queo número de pessoas paupérrimas caiuquase à metade 15 anos antes do prazoestipulado pela ONU.

Observado apenas do ângulo estatísti-co, o fenômeno ocorrido no Brasil énotável. No mundo real, entretanto, nota-se que a melhoria não foi assim tão signi-ficativa. O país tem problemas que sobre-pujam a questão da renda. Tem carênciasno que diz respeito ao saneamento básico,ao atendimento à saúde e à educação. Temmuita gente vivendo em condições derisco. E as contas utilizadas para a de-finição das políticas públicas são ques-tionadas por muitos estudiosos. A LeiOrgânica de Assistência Social (Loas)considera abaixo da linha da pobreza, ouindigência, aqueles indivíduos com rendafamiliar inferior a um quarto de saláriomínimo mensal, o que totaliza 20 milhõesde pessoas. Mas existem outras formasnacionais de traçar outras linhas de me-dição de pobreza. O Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE) adota arenda inferior a meio salário mínimo paracaracterizar a pobreza. Dessa ótica, 30,6%

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Aleitamento materno: política brasileira de estímulo é alvo de elogios

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Como será o mundo em 2015 se os Objetivos do Milênio forem alcançados

• 500 milhões de pessoas escaparão da extrema pobreza

• 300 milhões de indivíduos deixarão de passar fome

• 30 milhões de crianças poderão crescersaudáveis

• Dois milhões de mães deixarão de morrer por problemas relacionados à gravidez

• 350 milhões de pessoas terão acesso a água potável

• 650 milhões de homens, mulheres e crianças terão acesso a saneamento básico

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criatividade e potencial”, explica o econo-mista Nanak Kakwani, diretor do Centrode Estudos da Pobreza da Organizaçãodas Nações Unidas, com sede em Brasília.

Segundo Armando Castelar Pinheiro,economista do Ipea, a alteração da desi-gualdade, uma estrutura arraigada nopaís, requer crescimento econômico e po-líticas voltadas especificamente para a re-dução das disparidades. Para o econo-mista Sabino Porto Júnior, professor daUniversidade Federal do Rio Grande doSul, é necessário também aumentar aeficiência da máquina pública. “Temosum Estado que gasta muito e mal e bene-ficia principalmente os mais favorecidos.”Segundo ele, a Suécia é um exemplo bem-sucedido em matéria de melhoria da dis-tribuição de renda. A experiência deu-seno decorrer do século XX, numa “com-binação de projeto estratégico de bem-estar social com eficiência e transparên-cia; democracia e impostos progressivos;num ambiente de economia de mercado”.Guilherme Delgado, economista e pes-quisador do Ipea, concorda que sem cres-cimento econômico não é possível redu-zir desigualdades, mas faz uma ressalva: omercado, por sua natureza, não é capaz deresolver o problema; é preciso intervençãoestatal direta para isso.“As políticas inclu-sivas implantadas depois da Constituiçãode 1988 são positivas e já mostram algunsavanços nesse sentido, mas é precisomuito mais, falta o setor público criar me-canismos de incorporação da massa dedesempregados e subempregados ao sis-tema produtivo, com capacitação técnicae apoio comercial. São essas as portas queainda faltam na estratégia de desenvolvi-mento”, resume.

Fome Para definir uma meta mínima paraa redução da pobreza, um dos indicadoresutilizados pela ONU nos Objetivos doMilênio foi a fome, ou mais exatamente ainsuficiência alimentar, que deve sererradicada. É uma providência óbvia, masque nunca foi tomada a pulso. “Quandonão tem condições de se alimentar de

forma minimamente variada e adequadapara a sobrevivência com saúde, a pessoanão tem dignidade”, diz Flávio Valente,diretor técnico da Associação Brasileirapela Nutrição e Direitos Humanos(Abrandh). Muito bem, mas como sabera quantidade de pessoas subalimentadasnum país, ou no mundo como um todo,para que seja possível ajudá-las? A De-claração do Milênio adota dois critérios.O primeiro estabelece que um país inca-paz de disponibilizar mais de 2,2 mil calo-rias diárias per capita em alimentos (re-sultado de tudo o que é produzido, esto-cado e importado, menos as exportações)não dispõe do suficiente para manter suapopulação saciada e com saúde. O segun-do observa a prevalência de crianças commenos de 5 anos de idade e peso inferiorao considerado ideal – um sinal de quetoda a família se alimenta mal e um pre-núncio de problemas futuros.

O desempenho do Brasil tem sido rela-

o í nd i c e ca i u para 4 ,7%. O número de m i se ráve i s fo i r edu z i do quase à me tade

tivamente positivo nessa área. SegundoPeliano, do Ipea, o país já tem algo próxi-mo a 3 mil calorias per capita de alimen-tos – o que supera a meta estabelecida noacordo internacional. Mais uma vez, trata-se de dado estatístico. Muito do alimentoproduzido é exportado. E a renda prove-niente não vai necessariamente parar namesa dos pobres. Uma avaliação das po-líticas brasileiras pelo direito à nutrição,feita pelo Comitê Permanente de Nu-trição das Nações Unidas, aponta que opaís está no caminho correto ao imple-mentar políticas públicas voltadas paramerenda escolar, que atinge hoje 37 mi-lhões de crianças, e aleitamento materno,entre outras, além dos programas detransferência de renda. Mas identificaproblemas como a falta de assistência aminorias, como os indígenas, os traba-lhadores rurais assentados e os quilombo-las. Suas recomendações são de ordemprática: que o governo dê maior apoio ao

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o combate à desidratação, a distribuiçãode alimentos e a aceleração do processode urbanização. Mas outro indicador,denominado pelos especialistas comodesnutrição crônica – déficit de altura poridade – ainda é bastante elevado no país.Em 1996, era de 10,5%, quatro vezes

pequeno produtor rural, com crédito,assistência técnica, transporte e comer-cialização. Também considera importanteque haja maior divulgação do Programade Alimentação do Trabalhador.

Na realidade, o país conta com inicia-tivas adicionais nessa área. FranciscoMenezes, presidente do Conselho deSegurança Alimentar (Consea), órgãoauxiliar da Presidência da República paraos assuntos de segurança alimentar eoutros temas sociais, destaca o papel dosprogramas de transferência de renda nocombate à desnutrição. O Consea é com-posto de representantes de organizaçõesda sociedade civil e técnicos do governo.Eles estão em plena fase de elaboração deuma série de metas sociais relacionadas àalimentação que deverão ser apresentadasà Presidência e aos ministérios até meadosdo ano. “Assim como existem as metaseconômicas a ser cumpridas, acreditamosque metas sociais também devam seralcançadas. Essa seria a base de umgrande pacto da sociedade em prol daigualdade dos direitos à alimentaçãoadequada”, diz Menezes.

Promessa Um acontecimento, no entanto,deixa os membros do Conselho descon-tentes na condução do compromisso ini-cial do governo Lula, e que diz respeito aoplano de segurança alimentar traçado pa-ra o país. Trata-se da promessa de insti-tucionalizar mecanismos de acesso eprovisão de alimentos saudáveis, de formaque tanto os que consomem quanto ospequenos produtores não tenham proble-mas nutricionais.“O Programa de Aqui-sição da Agricultura Familiar, de 2003, épraticamente incipiente em fomentar essaconjugação de mecanismos”, avalia Del-gado, do Ipea.

Em relação ao segundo critério adota-do nas Metas do Milênio, as estatísticasbrasileiras estão defasadas. Sabe-se queem duas décadas, entre 1975 e 1996, osíndices de desnutrição infantil caíram70% – o que pode ser explicado por algu-mas políticas adotadas no período, como

Comissão Econômica para América Latina e Caribe - Cepalhttp://www.eclac.cl/brasil/

Objetivos do Milêniohttp://www.objetivosdomilenio.org.br/

Projeto Milêniohttp://www.pnud.org.br/milenio/arquivos/ResumodoProjeto.pdf

Centro Internacional de PobrezaSite em inglês - http://www.undp.org/povertycentre/

Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutriçãohttps://www.planalto.gov.br/consea

Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – Relatório Nacional de Acompanhamentohttp://www.ipea.gov.br/odm/Relatorio_de_acompanhamento_dos_ODM.PDF

Comitê permanente das Nações Unidas sobre nutriçãoSite em inglês - http://www.unsystem.org/scn/

Saiba mais:

Em 46 países as pessoas são mais pobres hoje do que há uma década. Em 25 há mais famélicas

superior aos 2,5% verificados em popu-lações saudáveis, e como tantos outrosnão se resolverá do dia para a noite.Segundo estudo feito pelo Fundo dasNações Unidas para a Infância (Unicef), adefasagem é mais presente nas regiõesNorte e Nordeste e na zona rural.

Do que se pode verificar até agora, épossível inferir, primeiro, que a boa von-tade anunciada na virada do milênio nãotem se mostrado em ações concretas,geradoras de resultados. Segundo, que oBrasil experimentou um progresso singu-lar nos últimos anos, em seus dadosestatísticos. Terceiro, e mais importante,que é sabido que percentuais não passamfome, não sentem frio nem dor e que,portanto, é preciso fazer cada vez mais,com maior eficiência, para que os 170milhões de brasileiros possam gozar deseus direitos fundamentais. Trata-se deum círculo virtuoso. Bem alimentada, apessoa fica bem disposta, desenvolvemelhor suas potencialidades, capacita-separa o trabalho, consegue uma ocupaçãoque traz riqueza para o país, obtém maiorrenda e, conseqüentemente, alimentamelhor sua família, que fica mais bemdisposta... Esse é o círculo em que o Brasiltenta ingressar.

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tado

Crianças com idade inferior a 5 anos abaixo do peso

ideal: prenúncio de problemas futuros

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L a u r o R a m o sARTIGO

xalá possamos, por muito tempo,olhar para trás e afirmar: 2003 foio pior ano para o mercado detrabalho na história estatistica-

mente documentada da economia brasileira!”A frase acima, dita por um trabalhador anô-

nimo numa conversa de bar, expressa um mistode esperança e confiança, e reflete bem o grau dedebilidade a que chegou, de forma paulatina, omercado laboral em tempos recentes. De fato,após a fase áurea do período imediatamente pós-Real, uma série de adversidades nos planos do-méstico e externo, aliadas aos ditames da novaordem econômica internacional que acarreta-ram mudanças estruturais na esfera produtiva, omercado de trabalho entrou numa trajetória deestagnação ou declínio (com a exceção digna denota do ano 2000). Que a saúde do paciente nãoia bem era fato notório. Não obstante, mesmoem meio a uma aguda recessão econômica, cau-sou alguma comoção a falência quase generali-zada de 2003, com desemprego recorde, mesmoconsiderando o ruído causado pela mudança me-todológica em sua mensuração, e com a quedabrutal nos rendimentos reais.

Em meio a esse quadro desalentador, o enig-ma ficou por conta do nível de ocupação: quecresceu 4,7% dentro uma economia com cresci-mento virtualmente nulo! Assim como a nature-za não dá saltos, na economia não existe mágica.Um exame mais minucioso nos dados da (nova)Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Institu-to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),revela que a variação absoluta do nível de ocupa-ção no segundo semestre de 2003 comparada a2002 é, para efeitos práticos, igual à variação ab-soluta do subemprego por sub-remuneração(inferior ao salário mínimo/hora): 730,2 mil an-te 725,1 mil. Ou seja, em vez de crescimento daocupação, o que aconteceu foi um inchaço, aomelhor estilo “pastel de vento”.

Parece razoável especular que o crescimentodo subemprego deveu-se ao fato de que a quedada renda familiar restringiu o atendimento dasnecessidades básicas de consumo das famílias.Com os provedores perdendo o emprego ou ren-

da real, fez-se necessário o deslocamento demembros “secundários”das famílias de suas ocu-pações tradicionais – escola, afazeres domésticos,lazer... – para atividades de mercado, de modo arecompor, mesmo que de forma minguante, oorçamento familiar. Esses trabalhadores, por fal-ta de experiência, tradição e opção acabam acei-tando postos de trabalho sub-remunerados.

Com a retomada da atividade econômica e oaquecimento do mercado de trabalho, esse pro-cesso tende a chegar ao fim. A comparação donível médio da ocupação no segundo semestrede 2004 com o mesmo período de 2003, na novaPME, respalda essa tese: a variação na ocupaçãototal foi de 733,7 mil empregos, enquanto o cres-cimento do subemprego ficou em 506,3 mil.Pode não ser ainda um resultado brilhante, masaponta o início de uma reversão do processo,que parece também ser confirmada pela expres-siva geração de empregos formais captada peloMinistério do Trabalho. Se o movimento se con-firmar ao longo de 2005, o que parece perfeita-mente plausível, haverá um efeito-composiçãoque elevará a renda média.

Assim, mesmo na eventualidade de que osavanços quantitativos – queda da taxa de desem-prego e aumento da ocupação total, entre outros– não sejam tão expressivos em 2005 quantoforam em 2004, os ganhos qualitativos com a re-dução do emprego precário e o aumento da ren-da média quase que certamente acontecerão. Émesmo possível imaginar um crescimento bas-tante significativo da massa real de salários, o queajudaria a impulsionar fortemente o consumodas famílias. Seu crescimento pode, nesse cená-rio, vir a ser o fator “surpresa”a sustentar um ex-pansão da economia acima do previsto.

Caso os ventos realmente soprem a favor, ha-verá uma formidável oportunidade para enfunaras velas das reformas – sindical, trabalhista e daJustiça do Trabalho –, tão necessárias para dotaro mercado de maior flexibilidade e capacidade deacomodação aos choques econômicos, de modoa tornar verossímil a frase do início do artigo.

Lauro Ramos é coordenador de Estudos de Mercado de Trabalho do Ipea

Bons ventos?

“Mesmo que os

avanços quantitativos,

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tão expressivos em

2005 quanto foram

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da renda média

quase que certamente

acontecerão.”

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sabido que o Brasil tem uma fro-ta imensa de automóveis, que amaior parte dela está nas grandes

cidades e que estas não foram projetadaspara abrigá-la e permitir a fluidez do trân-sito. Esse é um problema comum que asprefeituras enfrentam. Decorre dele umoutro, social: a multiplicação dos guarda-dores de carros em áreas públicas que nãoforam planejadas para funcionar comoestacionamentos. Em São Paulo, no Riode Janeiro, em Salvador e em Belo Hori-zonte esse fenômeno pode ser observadosem maior dificuldade. Em Brasília, noentanto, o caso é mais grave. Cidade pla-nejadana década de 50 para acolher a bu-rocracia governamental, quando a indús-tria automobilística mal se instalara nopaís, ela tem poucas vagas para estaciona-mento nas áreas comerciais da zona cen-tral. Em mais de 40 anos sua população –e o número de veículos – cresceu expo-nencialmente. Os guardadores de carros,ou flanelinhas, ali, são personagens essen-ciais para o bom funcionamento da má-quina pública – são eles que garantem queos funcionários consigam estar em seusgabinetes no horário de trabalho.

Por ser um caso exemplar, os flaneli-nhas de Brasília têm sido estudados porgente da academia. E as pesquisas têm re-velado fatos interessantíssimos. O princi-pal deles é que, na informalidade, os guar-dadores de carros reproduzem muitas dascaracterísticas da sociedade e do mercadoformal de trabalho.

A análise é significativa porque osflanelinhas compõem boa parte dos 52,6%(cerca de 36,3 milhões de pessoas) dapopulação brasileira que exerce algumtrabalho remunerado – mas sem o regis-tro, a documentação e o respaldo previs-tos nas leis trabalhistas. Não recolhem im-

postos, não possuem Fundo de Garantiae muito menos direito a aposentadoria.Segundo a professora Angélica Duarte deAguiar, autora da dissertação de mestra-do “A lógica doméstica do espaço públicode Brasília: flanelinhas no setor informalde trabalho”, pela Universidade de Brasília(UNB),“os guardadores de carros criamem suas áreas de trabalho pequenas so-ciedades com suas próprias regras e leis”.Estas, segundo a pesquisadora, que tam-bém é professora do Instituto de EnsinoSuperior do Acre, são estratégias de “so-brevivência” das classes mais pobres e ex-cluídas do mercado. A pesquisa trata da

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O s f l a n e l i n h a s d e B r a s í l i a s ã o um exemp l o d e

o rg a n i z a ç ã o s o c i a l e s p o n t â n e a q u e , d e c e r t a

forma, rep l i ca a es tru tura da soc iedade forma l

TRABALHO

Corporação de

informaisP o r P e d r o I v o A l c â n t a r a , d e B r a s í l i a

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William Campos, de 25 anos de idade, é um novato entre os guardadores de carro do SetorBancário Sul. Brasiliense de nascimento, deixou, há cinco anos, a vida de servente de pedreiropara lavar os automóveis dos clientes do irmão de seu padrasto. O acordo era o seguinte:Williamdaria a metade do que conseguisse com as lavagens ao dono do ponto. Com o correr do tempoele foi conquistando a confiança dos usuários do estacionamento e aos poucos foi adquirindo aprópria clientela. Hoje é dono de um ponto. Para sustentar as duas filhas, uma de 4 e outra de 6anos, ele soma os cerca de 400 reais mensais que ganha como flanelinha aos rendimentos deempregada doméstica de sua esposa.

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O s f l a n e l i n h a s c o m p õ e m b o a p a r t e d o s 5 2 , 6 % (c e r c a d e 3 6 , 3 m i l h õ e s d e

peita”, diz William Campos, 25 anos,guardador de carro há cincos anos (leia

quadro na pág. 52). Segundo o estudo deAguiar, há uma rede de solidariedademuito forte no dia-a-dia dos guardadores,o que gera “certa estabilidade informal”.Ou seja, existe uma política de cooper-ação mútua que se resume em ajudar paraser ajudado, como define o estudo,“dar-receber-retribuir”. Assim, por exemplo,cada um respeita e preserva a clientela dooutro e, sobretudo, seu espaço territorial.Com um comportamento ético, eles evi-tam conflitos entre si e invasões de pes-soas estranhas ao local. Para ChristianeGirard, socióloga e professora da UNB,“arede criada em torno da informalidade éuma maneira de afirmar a inclusão e,também, de garantir a renda e a tradição.Tudo está ligado também a uma relaçãode proteção. A informalidade é muitomais organizada do que se imagina”.

Segurança Uma das conclusões de Aguiaré que são justamente os vínculos de ami-zade e os códigos em relação ao territórioque reforçam a segurança nas áreas emque os flanelinhas atuam. Como eles têma preocupação de preservar a clientela, a

cena urbana brasiliense e não representanecessariamente o que ocorre com os de-mais trabalhadores informais. Contudo, éum exemplo da organização de alguns se-tores da informalidade no Brasil.

Hierarquia No Setor Bancário Sul (SBS)de Brasília, a informalidade se debruçasobre o espaço público, transformado emestacionamento, dividido em pequenasglebas, territórios em que os trabalha-dores possuem referenciais éticos e regrasde conduta próprias. O sentimento depropriedade é tão acentuado que, segun-do o estudo feito pela professora, algunsdeles se dispõem a alugar sua área – que é,como já se viu, pública – por algo emtorno de 400 reais, ou até mesmo a vendê-la. A cotação varia de dois a seis mil reais.Mais comum é que flanelinhas sem pontofixo, mas que possuam algum vínculo deamizade ou parentesco com um guarda-dor, lavem carros para seus companheiros– e dividam o lucro obtido com o “dono”do local, numa espécie de terceirização deserviços.

Os trabalhadores criam laços de con-fiança sociais em seu universo profissio-nal. “Aqui todo mundo é amigo e se res-

Soluçõesque ameaçama atividade dos guardadores

A estabilidade do mundo dos flane-linhas chegou a ser ameaçada e, porpouco, não foi definitivamente derruba-da. Em agosto de 2002, o governo doDistrito Federal deu início à privatiza-ção dos estacionamentos públicos dasregiões mais movimentadas da cidade.O Vaga Fácil era um sistema de estacio-namento rotativo que seguia um modelosemelhante ao da Zona Azul paulistana eque deixaria sem ocupação os guar-dadores de carro. “Ficamos com medode perder nosso trabalho”, diz WilliamCampos. O que seria uma forma grada-tiva de implantação do estacionamentopago se transformou numa enorme po-lêmica. Foram três meses de intensasdiscussões e protestos até que, a pedidodo Ministério Público do Distrito Federale Territórios, a 6ª Vara de Fazenda Pú-blica constatou irregularidades e sus-pendeu, em outubro daquele ano, o VagaFácil – poucos meses antes que che-gasse ao Setor Bancário Sul. Entretanto,nesse meio tempo, os flanelinhas do Se-tor de Diversão Sul e do Setor ComercialSul ficaram sem ter como trabalhar.

Apesar de não ser o suficiente pa-ra tirar o sono dos flanelinhas, a faltade estacionamentos no SBS estimulouo início de um empreendimento imobi-liário que deve gerar um pequeno im-pacto no fluxo de automóveis da regiãoe, como conseqüência, no rendimentodos guardadores de carro. Está em cons-trução um prédio de estacionamentocom sete andares. Terá 580 vagas apartir de dezembro de 2006. Além doestacionamento rotativo, serão vendidasvagas a preços que variam de 25 mil a31 mil reais.

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Os carros são estacionados sem que o freio de mão seja acionado e uma pedra junto ao pneu os mantém no lugar

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vigilância do ambiente é sempre umaquestão prioritária.“Os guardadores nãopermitem que pessoas suspeitas circulempelos estacionamentos”, diz a pesquisado-ra. Já as autoridades policiais tratam aquestão com um pouco mais de cautela.Segundo Haendel Silva Fonseca, delegadoda Polícia Civil, deve-se analisar o proble-ma de dois pontos de vista: “Há regiõesonde os flanelinhas estão envolvidos emdelitos e há outras onde eles desenvolvemuma atividade idônea. Neste último caso,em geral, constata-se menor índice decriminalidade”. No ano passado a PolíciaCivil do Distrito Federal realizou o cadas-tramento desses trabalhadores em váriaslocalidades da capital. Além disso, forampromovidas palestras com assistentes so-ciais sobre como tratar a clientela, os an-tecedentes criminais foram verificados e adocumentação daqueles que não pos-suíam cédula de identidade foi tirada.

Os guardadores de carros são ferre-nhos defensores de seus canteiros.“Aquininguém chega e vem lavando carro”, dizCampos, que em dezembro tirou um mêsde férias para viajar ao Maranhão e dei-xou um primo como substituto. Uma dasformas de concessão do espaço é o pa-

rentesco, ou seja, é comum que o pontoseja passado de pai para filho, que ambosdividam o trabalho ou que irmãos e pri-mos trabalhem juntos. Além disso, se umflanelinha fica doente ou precisa se ausen-tar, só é permitido que alguém da famíliaou de muita confiança o substitua, casocontrário os colegas cuidam do ponto atéque ele possa retornar. É interessanteconstatar que nem sempre há marcos físi-cos (como árvores e placas de trânsito)que delimitem os territórios: muitas vezeslinhas imaginárias demarcam as áreassem deixar margem de dúvida quanto aoslimites de cada um.“O espaço conquista-do é o maior bem que os flanelinhas pos-suem. É ele que garante a clientela e, con-seqüentemente, os ganhos financeiros”,diz Aguiar.

Controvérsias Observado como um fe-nômeno social, o arranjo dos guardado-res de carros parece bastante interessante.Mas não deixam de existir controvérsiasem torno do tema. Há os que considerama atividade como uma privatização irre-gular dos estacionamentos públicos.“Euparticularmente me sinto lesada e extor-quida por ter de pagar para estacionar

meu carro em uma área pública. É, paramim, uma coação”, diz a publicitária Fer-nanda Junqueira, usuária dos estaciona-mentos do SBS. Aguiar explica que osguardadores “são, primeiramente, vistoscomo marginais e tratados com desdémpelos motoristas que não os conhecem.Depois, com a rotina, criam-se vínculos ea mentalidade muda”. E há um senso co-mum de que em muitas situações os mo-toristas pagam para que seus automóveisnão sejam danificados.“Ninguém é obri-gado a pagar, mas é claro que ajudamosmais aqueles que têm o hábito de con-tribuir para o nosso trabalho”, diz Cam-pos, trazendo à tona a lógica do ajudarpara ser ajudado.

Leonardo Fernandes, funcionário doBanco do Brasil, tem uma relação maisamistosa no convívio com os flanelinhas.Não é adepto das gorjetas, mas semanal-mente encomenda a lavagem do carro aum deles. “A gente é obrigado, devido àconvivência diária, a estabelecer uma re-lação com eles”, explica. Mas é cautelosoao discutir o trabalho: “Ele tem um ladobom e outro ruim. De qualquer maneira,considero a segurança dos automóveisuma parte importante do serviço presta-

p e s s o a s) d a p o p u l a ç ã o q u e e xe r c e t r a b a l h o s r emu n e r a d o s n a i n f o rma l i d a d e

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Fernandes, funcionário do BB: relação amistosa com os flanelinhasGuardador também lava os carros sob seus cuidados

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O s g u a r d ad o r e s d e c a r r o s c r i am l a ç o s s o c i a i s d e c o n f i a n ç a em s e u u n i v e r s o Ri

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do, já que o Estado é omisso nesse caso”.A troca de confiança chega a níveis poucoimaginados em uma cidade grande. Osguardadores de carros contam que umantigo flanelinha se tornou motorista dafamília de uma de suas clientes: leva os fi-lhos na escola, vai ao banco e faz compraspara ela.

Multiplicação Ao menos no SetorBancário Sul de Brasília, os flanelinhasprestam um serviço essencial, pois nãoexistem vagas suficientes para atender àpopulação motorizada que trabalha nosescritórios. O SBS é composto de duasquadras. Numa delas, com cerca de 25mil metros quadrados, só existem duasvias de acesso.Ali funcionam as sedes deinstituições financeiras importantes, co-mo o Banco do Brasil e a Caixa Eco-nômica Federal, além do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea),onde está sediada a revista Desafios. Mi-lhares de pessoas trabalham nesse espa-ço. E muitas se movimentam de automó-vel. Existem garagens subterrâneas nosdiversos prédios, mas são usadas para car-ga e descarga, por caminhões com ma-lotes de dinheiro e por automóveis de di-rigentes das instituições.A área conta comalgumas poucas vagas de estacionamentoaberto, mas com os flanelinhas – cerca de50 que trabalham na quadra – o espaçopara carros se multiplica várias vezes, jáque os veículos são deixados em filas du-

plas ou triplas em toda a área disponível.Fica livre apenas um estreito corredor pa-ra trânsito, o que causa enormes conges-tionamentos. Para atender à demandacorrente de automóveis, segundo o De-partamento de Trânsito do Distrito Fe-deral (Detran-DF), seria necessário umnúmero pelo menos três vezes maior doque as 1.150 vagas existentes na região,que não mais comporta a criação de esta-cionamentos abertos. Enquanto o casonão se resolve, o Detran costuma fazer vis-ta grossa e multar apenas os que inviabi-lizam o trânsito.

Numa caminhada é possível entendera lógica do estacionamento do lugar. Aequação é simples. Como há muito maispessoas querendo estacionar seus auto-móveis do que vagas disponíveis, a pre-sença dos flanelinhas acaba se configu-rando como uma peça-chave na situaçãocaótica.“Eles organizam o espaço”, expli-ca Aguiar. Ou seja, determinam onde sedeve ou não estacionar e realizam o mila-gre da multiplicação. A fórmula? Os mo-toristas param seus carros onde for pos-sível e deixam solto o freio de mão. Quan-do necessário, o guardador empurra osautomóveis como num jogo de quebra-cabeça e desobstruem a passagem dos quedesejam sair. Muitos ficam com as chavesdos veículos para estacioná-los conformesurjam novos espaços, embora, surpreen-dentemente, nem todos tenham carteirade habilitação. Nesse particular, ocorreu

um caso que vale registro. Um flanelinhaque trabalhava numa área próxima aoprédio do Ipea não tinha licença de mo-torista nem sabia dirigir. Para ficar maistranqüila quanto à integridade de seuveículo, uma funcionária do instituto pa-gou a auto-escola e os custos da carteirade habilitação para o guardador.

Renda Com os trocados recebidos pelaguarda e pela lavagem de automóveis, osflanelinhas garantem uma renda mensalpraticamente fixa. Segundo a pesquisado-ra, há nesse setor um bom grau de previ-sibilidade dos rendimentos. Em média, ostrabalhadores faturam de 400 a 600 reaismensalmente.“Um valor bem superior aoque conseguiriam, com a capacitação quepossuem, no mercado formal”, explica asocióloga Girard. Isso porque, em geral,esses trabalhadores não têm escolaridadesuficiente para conseguir um empregoformal com renda similar.A grande maio-ria cursou apenas as primeiras séries doensino fundamental.“O que pude consta-tar é que os flanelinhas apenas trocariamos estacionamentos por um emprego comos registros legais se obtivessem uma ren-da melhor”, diz Aguiar. Normalmente oserviço de guarda diária do carro e deuma lavagem semanal custa cerca de 40reais mensais.

Brasília é um pólo de atração de imi-grantes de todas as regiões do país. Pelolevantamento feito na dissertação deAguiar, boa parte dos flanelinhas vem deoutros estados em busca de oportuni-dades de emprego, de habitação e de me-lhores condições de vida. Muitos chegamà cidade com pouco mais do que a roupado corpo e apostam nas chances – muitasvezes fantasiosas – que uma metrópolepossa lhes oferecer. Para alguns, esse sonhoacaba em desencanto, enquanto outrospoucos conseguem alcançar seus obje-tivos. Segundo Aguiar, pode-se dizer queos flanelinhas são bem-sucedidos naCapital Federal. Não que cheguem a acu-mular patrimônio, mas guardam certasensação de êxito, conseqüência da for-

p r o f i s s i o n a l e r e s p e i t am um c ó d i g o d e é t i c a e uma h i e r a r q u i a

Aos 63 anos de idade, Francisco Fonseca Sobrinho, mais conhecido como seu Francisco,orgulha-se de ser o guardador de carro mais antigo da localidade. O potiguar chegou a Brasíliaem 1973 e logo percebeu que só um emprego não lhe renderia o suficiente para sustentar os oitofilhos. Passou a fazer jornada dupla, durante o dia como ajudante de cozinha e à noite na equipede limpeza do Banco do Brasil. Mas em 1987 o restaurante em que trabalhava fechou. Foi aí queviu a possibilidade de incrementar o orçamento familiar lavando e cuidando dos carros dos fun-cionários do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Em seus quase 20 anos de flanelinha conquistou a confiançade muita gente.Tem até uma cliente que recolhe seu INSS.“Eu propus a troca: ela paga meu regis-tro e eu cuido do carro dela”, explica.

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O D e t r a n e s t i m a q u e s e r i a p r e c i s o t r i p l i c a r a s v a g a s p a r a c a r r o s n o S B S

mação de família e da obtenção dos re-cursos mínimos para garantir sua quali-dade de vida.

Respeito A falta de oportunidades embons empregos resulta na criação de umforte vínculo com o trabalho informal –que no caso em foco funciona quase comouma corporação. A maioria dos guar-dadores de carros está há muitos anos nomesmo ponto. Os mais novatos, no SBS,chegaram há mais ou menos cinco anos ejá contam com clientela fixa. FranciscoFonseca Sobrinho, ou seu Francisco, vete-rano no local, atua no mesmo ponto hámais de 18 anos. Hoje, aos 63 anos de ida-de, conta que conseguiu uma verdadeiraproeza: criou oito filhos com o que ganhouvigiando e lavando carros nas áreas públi-cas de Brasília (leia quadro na pág. 57). Aprofessora explica que esse vínculo com oespaço de trabalho afirma a sensação de“pertencimento” a um sistema social. As-sim, os guardadores de carros não se sen-tem excluídos da sociedade.

Organizados,os flanelinhas brasiliensestrabalham na esperança de alcançar o res-peito da comunidade que utiliza seus ser-viços.“Ninguém está nem aí para a gentenem para a nossa relação. Nós estamosaqui para trabalhar e não para ficar tiran-do proveito dos outros”, protesta Campos.E isso foi constatado no estudo de Aguiar.“O que eles menos gostam é da indiferençae da falta de atenção. Sentem-se humilha-dos quando motoristas nem sequer abremo vidro e ignoram sua presença.”

Uma questão de logística urbana e umreflexo das disparidades sociais brasilei-ras, o fato é que o fenômeno da existênciados flanelinhas nas grandes cidades bra-sileiras está posto. Algum dia terá de sersolucionado. Mas, no momento, vale a pe-na observar como pessoas sem nenhumrecurso não só conseguem perceber opor-tunidades de trabalho, como se organi-zam e obtêm rendimento suficiente parasua sobrevivência – sem nenhum apoioestatal. São empreendedores. E por essesfeitos merecem respeito. d

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Estacionamento no Setor Bancário Sul, em Brasília: sobra pouco espaço para o tráfego

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Desaf ios • abril de 2005 59

A n g é l i c a D u a r t e d e A g u i a rARTIGO

certo que falar no “novo”capitalismo nãoé tratar de um sistema diferente daqueledo século XVI.A palavra “novo” é usadano sentido de que a exclusão social é

maior e mais acelerada, na proporção do avançotecnológico do século XXI. O “novo”capitalismovem provocando rupturas na sociedade, especial-mente no mercado formal, o que expõe o traba-lhador a uma “falta de rumo” e faz aumentar suaparticipação na massa de desempregados. O in-teressante é que, ao mesmo tempo, o sistema vemproporcionando a criação de alternativas de tra-balho, gerando um contingente de pseudoprofis-sionais no chamado mundo da “desordem”– o se-tor informal –, em contraposição à ordem da for-malidade do trabalho público ou funcional. Osflanelinhas não fogem a essa realidade. Fazemparte da multiplicidade de modelos comporta-mentais e sociais cuja característica, em Brasília,é a formação de uma rede de solidariedade, es-tratégia de sobrevivência dos desempregados.

O mundo do trabalho é um meio social com-plexo, dotado de sentidos, significações e senti-mentos capazes de fortalecer o caráter do sujeito,o senso de inclusão social e os vínculos de soli-dariedade. É o que Edgar Morin chama de para-digma da complexidade. Complexidade é o teci-do de ações, interações, retroações, determina-ções, acasos, que constituem o mundo fenomenalformado de incertezas e de contradições.

Mais do que nunca o trabalho vem ganhandoespaço como categoria central no universo dos ex-cluídos.Além de ser uma forma de superação dasamarras do desemprego,ele constitui um valor nosentido do fortalecimento do caráter do “ser tra-balhador” e do ordenamento dos vínculos sociaispara além dos vínculos formais do Estado.A cate-goria “trabalho” é formada pelo universo culturalda complexidade, tendo a subjetividade e as re-lações informais como base dos vínculos sociais.Apesar de os flanelinhas considerarem que ter um“bom trabalho” é ter um trabalho estável, comdireitos trabalhistas, eles também consideram“bom trabalho” aquilo que lhes proporciona o pra-zer de estar num ambiente tranqüilo,sem pressão,com amizade, respeitando o lugar do outro, evi-

denciando a importância do contato humano.Arede de solidariedade entre os flanelinhas inclui va-lores que compreendem a reciprocidade,a tolerân-cia,a compreensão,a amizade,a honestidade,o res-peito,a descontração,o sorriso,o calor humano,acomunicação.Por mais que possam parecer mani-festações simples, banais, discretas, aparecem noespaço contemporâneo,nos interstícios da vida ur-bana.Esses fundamentos estão calcados na relaçãodo “dar-receber-retribuir”,ou,em termos socioló-gicos, são o paradigma da dádiva.

Embora o Estado tente englobar a família des-ses trabalhadores em políticas sociais, como as deeducação, ou em programas assistencialistas,com doação de bolsas ou lotes, sua multiplicaçãoevidencia a carência de políticas de geração deemprego e renda, que vem desde a inauguraçãode Brasília.

A desocupação foi historicamente envolvidapelo silêncio e pela negação do lugar do “outro”.À medida que o uso da tecnologia avança, o sis-tema produtivo se torna mais seletivo, sendo oserviço público o principal setor empregatícioque absorve os trabalhadores mais qualificadosno Distrito Federal. Assim, um contingente sig-nificativo fica desprovido da possibilidade de in-serção no trabalho público da capital. Embora oimaginário da cidade seja construído com basena fartura de vagas no serviço público, essa ativi-dade nunca abrangeu toda a população. Há umadualidade no mercado de trabalho da cidade,onde a informalidade sempre esteve presente.

Na mesma proporção em que o sistema geradificuldades ao acesso às políticas de emprego erenda, redes de solidariedade no setor informalvão sendo construídas e fortalecidas. Tanto queas tentativas de privatização dos estacionamentosem Brasília não tiveram êxito. Privatização seminclusão da demanda de trabalhadores no mer-cado formal é como um barco que navega contraa correnteza, e é assim o sistema capitalista, reple-to de contradições, desigualdades e exclusão.

Angélica Duarte de Aguiar é Mestre em Política Social pela Universidade de

Brasília, coordenadora e professora do curso de Serviço Social do Instituto de Ensino

Superior do Acre e assistente social da Polícia Federal

Rede de solidariedade no setor informal

É

“À medida que o uso

da alta tecnologia

avança, o sistema

produtivo se torna

mais seletivo, e

um contingente

significativo de pessoas

fica desprovido da

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inserção no serviço

público de Brasília”

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60 Desafios • abril de 2005

A ut i l i zação de

equipamentos tecnológ icos

e a racional ização

do trabalho f izeram

dos Juizados Especiais

Federais paul istas

um exemplo de ef ic iência

no sistema Judiciár io

MELHORES PRÁTICAS

high-techJustiça

P o r A n d r é a W o l f f e n b ü t t e l , d e S ã o P a u l o

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s Juizados Especiais Federaisexistentes em São Paulo sãoexemplo de que o sistema Judi-ciário não precisa ser o mar de

ineficiência que afoga tantos brasileiros.Ali, o uso de tecnologia, a criatividade e areorganização administrativa surtiramefeitos notáveis na qualidade da prestaçãode serviços à população. De seu amplogabinete, instalado no 12º andar de umprédio na avenida Paulista, o desembar-gador José Eduardo Santos Neves coorde-na a operação de 14 juizados espalhadospor 12 cidades em São Paulo e em MatoGrosso do Sul. Sob sua orientação traba-lham cerca de quatro dezenas de juízes e,ao falar, ele não dispensa termos rebusca-dos, como procrastinação, instrumentali-

dade ou propositura, comuns no univer-so do Direito. Mas uma observação maisatenta revela que, apesar da pose e do clás-sico conjunto de terno e gravata, SantosNeves foge um pouco do estilo do desem-bargador típico. Uma fitinha de NossoSenhor do Bonfim, cuidadosamente es-condida sob a pulseira metálica do reló-gio, denuncia que há algo de diferentenesse juiz federal. Sobre sua mesa não seacumulam pastas de processos. Tampou-co sobre a mesa dos assessores ou emqualquer uma das salas dos seis andaresdo Juizado Especial Federal da capital deSão Paulo (JEF/SP).As toneladas de papelamarelado, características de qualquer re-partição ligada à Justiça, simplesmente fo-ram abolidas. Todos os documentos são

escaneados e arquivados eletronicamente,e todos os processos que passaram peloJEF/SP em seus três anos de funciona-mento, mais de 1 milhão, estão guardadosnum computador com 1,4 terabytes dememória, o que equivale a algo em tornode um trilhão e meio de bytes.

Outra diferença no trabalho de SantosNeves é que os números são, por assim di-zer, um tanto exagerados – andam na casados milhões e até dos trilhões. As senten-ças são proferidas aos milhares por dia.Tu-do porque em 2001 uma lei permitiu acriação dos Juizados Especiais para acele-rar a tramitação de ações envolvendo valo-res inferiores a 60 salários mínimos (atual-mente 15,6 mil reais). A lei dizia o quedevia ser feito, mas não explicava como.

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Cena comum num tribunal do país: salas com processos

empilhados à espera de julgamento

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62 Desafios • abril de 2005

Hoje há 14 Juizados Especiais informatizados e com estrutura enxuta de pessoal, cuja

Números de processos

Sentenças proferidas

Recebidos Registrados Em análise Julgados

1.082.3291.200.000

1.000.000

800.000

600.000

400.000

200.000

0

O Juizado Especial Federal

de São Paulo em númerosTrabalhos realizados desde

a implantação do juizado, em janeiro

de 2002, até janeiro de 2005

57% dos processos

não tiveram participação

de advogados

38%

57%

4%1%

Ganho de pleiteamento

Perda de pleiteamento

Parciais

Acordo/Desistência/Extinção

Fonte: Juizado Especial Federal de São Paulo (JEF/SP)

A comissão responsável pela concepçãodo modelo dos Juizados Especiais da 3ªregião, que engloba os estados de SãoPaulo e Mato Grosso do Sul, decidiu levara proposta a sério e concluiu que seria im-possível agilizar o trabalho e atender à de-manda seguindo os padrões tradicionais.Só em 2003, 850 mil ações entraram naJustiça pelas portas do JEF/SP. Quinhen-tas mil, mais da metade delas, foram jul-gadas até o final de 2004. “Só consegui-mos realizar esse feito por causa da infor-matização. Um juiz pode assinar mil sen-tenças de casos semelhantes de uma sóvez apertando uma tecla de seu computa-dor”, diz José Carlos Motta, juiz-presi-dente do JEF/SP.

Aposentadoria Essa avalanche de proces-sos não é usual. Surgiu por um erro decálculo das pensões de quem se aposen-tou entre 1994 e 1997. O prazo para a so-licitação de correção dos valores se encer-raria em outubro de 2003 e todos os pos-síveis beneficiados quiseram, com razão,reivindicar seus direitos. Naquele período,as dependências do JEF/SP amanheciaminvariavelmente lotadas e não havia mu-tirão ou esforço concentrado que desseconta de tamanha procura. Foi quando aentão coordenadora do juizado, LeilaPaiva, teve a idéia de criar o “kit juizado”.Trata-se de um formulário padronizadocom todas as informações necessárias pa-ra quem quiser acionar o Instituto Nacio-nal de Seguridade Social (INSS). Foramimpressos milhões de kits, distribuídosencartados nos jornais populares demaior circulação da capital. O interessadopreenchia o questionário, anexava os do-cumentos requeridos e enviava tudo pelocorreio. O carimbo da postagem valia co-mo data de ingresso da ação. O métodoinovador reverteu a expectativa de que aJustiça não conseguiria contemplar todosos pedidos. Mas a estratégia só funcionougraças a duas peculiaridades dos JuizadosEspeciais: a isenção das custas de proces-so e a liberação da necessidade de um ad-vogado para intermediar a ação. Do total

730.454

351.875

514.974

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ef ic iênc ia está comprovada em 12 c idades em São Pau lo e em Mato Grosso do Su l

de pedidos recebidos em 2003, mais de90% não contaram com a intervenção deadvogados. Não precisa nem dizer que omodelo não agrada à Organização dosAdvogados do Brasil (OAB).Ele reduziu osrendimentos de parte da categoria, sobre-tudo dos especialistas em direito previ-denciário.“A questão não é a dispensa doadvogado. É que leigos passaram a orien-tar as pessoas. Prestam um mau serviço etiram o trabalho de quem estudou paraisso”, diz Paulo Henrique Pastori, presi-dente da Comissão de Seguridade Sociale Previdência da OAB.

“Enfrentamos todo tipo de dificulda-de, desde a descrença no nosso métodoaté o desprezo de quem achava que o Jui-

zado Especial era uma Justiça de segundaclasse, voltada para as causas sem impor-tância movidas pelas camadas mais po-bres da população”, lembra Santos Neves.Passados quatro anos, o JEF/SP bate re-cordes sucessivos de produtividade e já éconsiderado por muitos um exemplo a serimitado. No início foi preciso criar cargosrotativos de juízes, que serviam de três aseis meses, e depois voltavam a suas varas,já que ninguém queria ficar definitiva-mente no Juizado Especial. E por que tan-ta resistência? Além da carga maior de tra-balho e da necessidade de adaptação aosnovos métodos, os juízes dos JuizadosEspeciais não têm equipe própria deapoio, ao contrário do que acontece na

Justiça tradicional, em que cada juiz contacom uma secretaria composta de 12 a 19servidores. No JEF/SP há uma secretariacomum, com cerca de 40 funcionários,atendendo aos 18 juízes. Essa organizaçãotraz melhor aproveitamento de cada em-pregado e, obviamente, uma reduçãodrástica no custo da secretaria. A econo-mia permite que a folha de pagamentosabrigue outra estrutura fundamental pa-ra o bom funcionamento do JEF/SP e,sobretudo, para o bem-estar dos usuá-rios: o atendimento ao público.

Atendimento Como os reclamantes vão di-retamente ao juizado, todas as manhãs seforma uma fila diante do prédio. “Aqui

O desembargador Santos Neves, que coordena os Juizados Especiais paulistas: em 2004 o JEF/SP julgou 500 mil ações, em sua maioria de pensionistas do INSS

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64 Desafios • abril de 2005

Os ju í zes não têm equ ipe própr ia de apo io, como acontece na Just iça trad ic iona l .

atendemos todo mundo. Não tem agen-damento, não tem limite de distribuiçãode senhas. É como uma agência bancária,quem chega dentro do horário de funcio-namento, ou seja, das 9 da manhã às 3 datarde, é atendido”, diz Fernando AmaralCardia, responsável pelo atendimento. Emdias normais, cerca de 400 pessoas pas-sam pela equipe de dez atendentes. Dessegrupo, um quarto está no lugar errado, ouseja, sua ação não pode tramitar noJEF/SP, metade recebe o kit juizado comorientações sobre os procedimentos ne-cessários para abrir o processo, e o quartorestante entra com a ação de imediato.Este último grupo tem seus documentosescaneados e devolvidos, e sai do Tribunalcom a data da audiência marcada. Sãosete máquinas para digitalizar os docu-mentos (scanners), instaladas no fundodo setor de atendimento, que processam

aproximadamente 15 mil imagens pordia. E será que todo mundo fica satisfeito?É claro que não. Basta conversar com aspessoas sentadas na sala de espera paraouvir muitas queixas. De cada três con-sultados, dois reclamam de alguma coisa,especialmente da demora. Parece decep-cionante, mas por outro lado um terçodos usuários se mostram satisfeitos – oque chega a ser surpreendente quando setrata do Judiciário.

Consultas Para amenizar a ansiedade foicriado um serviço inédito de consultaprocessual. Quem não pode ou não queracompanhar o andamento do processopela internet pode ir até a sede do JEF/SPpara saber a quantas anda sua ação. Nosaguão de entrada há seis terminais paraconsulta e servidores para orientar os quenão estão familiarizados com os equipa-

mentos – a esmagadora maioria. Se a pes-soa não ficar satisfeita com o que viu natela, pode usar o atendimento personali-zado. Uma equipe de dez funcionários ex-plica em que situação está o processo, oque precisa se feito e, se for o caso, comu-nica a sentença.“Não adianta apenas darentrada na ação. As pessoas têm o direitode saber o que está acontecendo com oprocesso”, diz Márcio Antônio da Con-ceição, responsável pela consulta proces-sual. Ele se declara um apaixonado peloque faz e garante que só é possível traba-lhar ali dessa forma. Em intervalos regu-lares, dá uma espiada na fila de espera,para dar prioridade a pessoas em piorescondições, seja pela idade, seja pela saúde.Irineide de Carvalho confirma a quali-dade do atendimento. Ela entrou com umprocesso, sem auxílio de advogados, soli-citando pensão por suposto falecimento

O trabalho no JEF/SP: na primeira foto (à esq.), os documentos dos que acionam a Justiça são escaneados; no centro, os terminais que permitem às pessoas saber o

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quem está esperando receber um benefíciopelo qual pagou a vida toda, não há prazoaceitável. O JEF/SP conseguiu reduzir otempo médio de trâmite das causas previ-denciárias de oito para dois anos. E issoexigiu uma estrutura que vai muito alémde uma vara comum da Justiça Federal.Foi instalado um ambulatório nas depen-dências do juizado. Assim, todas as pes-soas que solicitam pagamentos por pro-blemas de saúde podem ser examinadasno mesmo dia por um profissional habili-tado pelo Ministério da Justiça e receber olaudo médico, que é anexado ao processo.No prédio também há um posto do INSSque esclarece dúvidas e fornece os dadosnecessários para a confecção do pedido deação. Lá o aposentado pode obter seu nú-mero de identificação no INSS ou saber seestá entre aqueles cujas pensões forammal calculadas. Também há uma equipe

de assistentes sociais aptos a avaliar ascondições socioeconômicas e elaborarlaudos para os que pleiteiam ajuda especí-fica para famílias pobres, como o benefí-cio conhecido como Loas (Lei Orgânicade Ajuda Social), pago àqueles cuja rendaper capita familiar é inferior a um quartodo salário mínimo.

Economia de tempo Esses recursos mini-mizam o esforço de quem apela à Justiça,mas o fator determinante para a eficiênciado JEF/SP é mesmo o “suporte radical deinformática”, como gosta de definir San-tos Neves. De acordo com estimativas dadiretoria-geral do Tribunal Federal de SãoPaulo, os funcionários da Justiça comumgastam, em média, 40% do tempo commanuseio de papel. Levando-se em con-sideração que cada processo precisa rece-ber uma capa, uma etiqueta de identifi-

C e r c a d e 4 0 f u n c i o n á r i o s a t e n d e m à s n e c e s s i d a d e s d o s 1 8 m a g i s t r a d o s

do marido.“Acabo de saber que meu casojá foi julgado e vou receber a pensão. Opessoal aqui trabalha muito bem”, diz.Mas a opinião não é unânime. CláudiaMaria Henrique Pinto enviou pedido derevisão da aposentadoria do pai há umano e até hoje não teve notícias do proces-so. Márcio da Conceição explica que doskits juizado recebidos pelo Correio, cercade 140 mil ainda estão em estudo porquea equipe do JEF/SP não conseguiu enten-der exatamente o que estava sendo requi-sitado. É provável que o pedido de Cláu-dia Pinto esteja nesse grupo. A informa-ção esclarece, mas não ameniza em nadaa indignação da pleiteante.

“A Justiça tem seu tempo, e as pessoasprecisam lembrar que apenas se deve re-correr ao Judiciário quando tudo o maistiver falhado. É algo naturalmente com-plexo”, diz Santos Neves. Porém, para

andamento de seus processos; e, à direita, o atendimento personalizado, dado aos que têm dificuldades de lidar com as máquinas

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66 Desafios • abril de 2005

Uma vara comum, com do i s j u í zes , cu s ta cerca de 320 m i l r ea i s . O JEF/SP s a i u

cação e que as páginas devem ser todasnumeradas e carimbadas, é fácil imaginarquanto tempo seria consumido com ummilhão de processos. Luiz Cláudio Benck,assessor de gabinete da coordenadoria doJEF/SP, cuja primeira tarefa como funcio-nário da Justiça foi como numerador deprocessos, lembra-se do dia em que rece-beu uma ação de Paulo Maluf, ex-gover-nador de São Paulo.“Eram mais de duasmil páginas. Eu tive de numerar e conferirtodas. Levei um dia inteiro fazendo isso.Foi desanimador!” No JEF/SP, as páginassão automaticamente numeradas quandoos documentos são escaneados, no mes-mo momento em que o processo recebesua identificação e certificado de autenti-cidade. Outra vantagem é que os casos es-tão sempre ao alcance do juiz, no com-putador sobre a mesa, o que agiliza o tra-balho e aumenta a produtividade.

Administração Outra novidade dos Juiza-dos Especiais Federais, que também servepara aproveitar ao máximo a mão-de-obra dos juízes, foi a criação do cargo dejuiz-presidente, responsável pela admi-nistração. Estima-se que os juízes passem30% de seu tempo de trabalho tratandode questões administrativas ligadas à suaequipe. No JEF/SP, como os funcionáriossão comuns a todos, respondem apenasao juiz-presidente, que se incumbe de re-solver as questões administrativas.“Paranós, é um orgulho trabalhar aqui”, declaraCarla dos Passos Moraes, oficial de gabi-nete da presidência e que está no JEF/SPdesde sua inauguração. Foi esse mesmosentimento que levou alguns juízes, queinicialmente trabalhavam de forma rota-tiva no JEF/SP, a solicitar a criação de car-gos definitivos. Inicialmente imaginou-seque eles fossem motivados pela perspecti-va de poder fazer justiça social, mas aquantidade de ações julgadas improceden-tes, aproximadamente 37%, mostrou quefazem Justiça mesmo, sem conotação so-cial. “Conversando com eles descobrimosque o que atrai os juízes é a possibilidadever o resultado de seu trabalho”, conta

Samuel Iavelberg

Computador central do JEF/SP: capacidade de memória de 1,4 terabytes e backup diário

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Motta, o atual juiz-presidente.“Na Justiçatradicional são tantos recursos, tantas idase vindas que alguns juízes federais se apo-sentam sem ter visto sequer uma de suassentenças aplicada.” Como nos processosdos Juizados Especiais há um limite pararecursos, eles acabam chegando ao finalmuito mais rapidamente. Além disso, háuma turma recursal funcionando dentrodo JEF/SP, o que permite que os recursossejam julgados sem sair do sistema inter-no do juizado. Finda a ação, há um prazode 60 dias para que o pagamento seja efe-tuado numa conta corrente aberta pelopleiteante na Caixa Econômica Federal,que tem uma agência no prédio do Jui-zado. Para ter uma idéia do que represen-tam as quase 300 mil solicitações acatadaspelo JEF/SP, já foi depositado 1,48 bilhãode reais nas contas dos beneficiários. Maisdo que a soma de todos os pagamentosefetuados, no mesmo período, a mandodas varas da Justiça Federal de todo oBrasil – 1,2 bilhão de reais.

Voluntários Obviamente, todo esse di-nheiro saiu dos cofres do governo federal,sobretudo do INSS, que é alvo de mais de90% das ações do JEF/SP. Porém, pormais surpreendente que possa parecer, oINSS é um grande parceiro do juizado.Aceitou ser notificado eletronicamente,dispensando a impressão dos documen-tos e a tradicional visita do oficial de Jus-tiça. Firmou um acordo para que o pró-prio Instituto faça as contas do valor aoqual o beneficiário tem direito, o que eli-minou uma das incumbências do juizado.Por fim, o INSS criou uma contestaçãopadrão, que serve para todas as ações ref-erentes ao mesmo tema. Assim, não é ne-cessário que o juizado aguarde o posicio-namento da Previdência. Já se sabe quepara solicitações semelhantes a respostado INSS é sempre a mesma, e basta agre-gá-la ao processo. Agora a Caixa Econô-mica Federal, que também é alvo de mui-tas ações, prepara-se para adotar os mes-mos procedimentos.

O JEF/SP conta com outros apoios.

Um deles vem do Sindicato Nacional dosAposentados. Sempre que a situação ficadifícil e que o corpo normal de servidorespercebe que não vai dar conta do volumede trabalho, apela para o sindicato. Houveépoca em que mais de cem colaboradoresajudaram a separar, contar, verificar e di-gitar os kits juizado que chegavam aosmontes pelo correio. Ainda hoje há 13pessoas trabalhando no JEF/SP, mas o rit-mo está muito mais tranqüilo. “Temosprazer em ajudar o Juizado Especial. Otrabalho deles não é bom, é excelente. Éum jogo em que todo mundo ganha”, de-clara João Batista Inocentini, presidentedo sindicato. Outra fonte de colaboraçãosão os voluntários. Muitos estudantes deDireito aproveitam para aprender enquan-to ajudam a população. Marcos Hideo es-tá no quarto ano da faculdade e há ummês dá expediente no atendimento aopúblico.“O trabalho está valendo muitopara mim, porque tudo o que eu sei é teo-ria e quero ver como as coisas acontecemna prática”, diz ele, que ainda não definiuem que área do Direito pretende atuar.

Baixo custo Com essas inovações, enco-lheram o tempo de tramitação dos pro-cessos e seu custo. “Ainda não sabemosquanto custa cada processo, mas comuma equipe enxuta, trabalhando comuma produtividade cerca de dez vezes su-perior à do modelo tradicional, temoscerteza de que reduzimos muito os gastos.Essa é a verdadeira reforma do Judiciário”,exclama, entusiasmado, o juiz-presidenteMotta. Na outra ponta, o valor investidona instalação do JEF/SP foi bastante mo-desto se comparado ao de outras unida-des da Justiça. Enquanto a instauração deuma vara comum, com dois juízes, custacerca de 320 mil reais, o JEF/SP, com ca-pacidade para 24 juízes, saiu por 480 milreais, ou seja, o preço de uma vara e meiacom 12 vezes mais magistrados. Esse va-lor inclui o equipamento de informática eo local adequado para ele: uma sala-cofre,com controle de temperatura e umidade esensores para detecção de fogo. Lá bate o

coração do juizado, que precisa de muitoscuidados. “Temos um sistema de arma-zenamento muito moderno, com dez dis-cos. Se qualquer um deles for danificado,pode ser trocado e ter as informações re-gravadas, porque há uma cópia em cadaum dos outros nove”, diz Jader CarlosVideira, responsável pelo centro de pro-cessamento de dados. E se dois discosapresentarem problemas? Bem, essa é umapossibilidade remota. Se vier a ocorrer, opessoal do JEF vai perder um dia de tra-balho, porque todas as noites é guardadaà parte uma cópia de toda a memória (pro-cesso conhecido como backup) para queo computador seja recarregado caso ocor-ra um acidente fatal.

Segurança Depois de julgados e executa-dos, os processos ainda ficam por umano no computador central do JEF/SP.Então são gravados em dois CD-ROMs.Um é mantido no próprio prédio e o se-gundo vai para outra unidade da Justiça.A sala-cofre mede algo em torno de 36metros quadrados e guarda aproximada-mente 800 mil processos. Os restantes jáforam arquivados. Se fossem armazena-dos fisicamente, em papel, ocupariammais de 120 vezes esse espaço e exigiriamum prédio com estrutura reforçada parasuportar o peso. Nessa sala de paredesbrancas repousa a esperança de milharesde pessoas em conseguir um pouquinhomais de qualidade de vida e um fio deconfiança em que a Justiça seja feita. Nãoseria bom se o modelo fosse reproduzidopelo país afora e estivesse ao alcance detodos os brasileiros?

por 4 80 m i l r ea i s , p reço de uma vara e me i a com doze ve zes ma i s mag i s t rados

Conselho da Justiça Federal

www.cjf.gov.br

Tribunal Regional Federalwww.trf3.gov.br

Saiba mais:

d

melhores práticas2 08/04/05 8:43 Page 67

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68 Desafios • abril de 2005

p o r M ô n i c a

T e i x e i r a

Apoio à exportação

Consórcio de pequenas

aeronáuticas pronto para decolar

A Embraer exporta aviões, masseus fornecedores no Brasil não ex-portam componentes aeronáuticos.Os países desenvolvidos com forteindústria aeronáutica – Estados Uni-dos, Canadá, Grã-Bretanha, França,Espanha – exportaram, em 2002,32 bilhões de dólares em compo-nentes ou “aeropartes”. Um grupode 12 empresas aeronáuticas for-necedoras da Embraer, sediadas noentorno de São José dos Campos,decidiu lutar por um lugar nessemercado. No final de 2000, o gru-po de empresas criou o consórciopara exportação High Technologi-cal Aeronautics (HTA) com projetoaprovado na Agência de Promoçãode Exportações do Brasil (Apex),que apoiou a ida a feiras interna-

cionais, participação em missõesde comércio exterior e certificaçãoISO. Segundo o fundador do con-sórcio, Urbano Araújo, dono de umadas empresas, em 2004 o grupo defornecedoras da Embraer conse-guiu exportar 50 mil dólares e aperspectiva para 2005 é faturar 5milhões de dólares com vendas noexterior. A convicção de Araújo sebaseia no acordo de compensaçãotecnológica incluído no contrato doMinistério da Defesa com a indús-tria Casa, da Espanha, que vai for-necer aviões novos para a Aeronáu-tica e reequipar parte dos existen-tes. O acordo prevê a obrigação daempresa espanhola de contratarcompras de 30 milhões de dólarescom a indústria brasileira.

CIRCUITOciência&inovação

O Centro de Incubação deEmpresas Tecnológicas (Cietec)da Universidade de São Paulo vaidar um passo adiante na discus-são de como fomentar o nasci-mento e a sobrevivência de em-presas de base tecnológica. Emmarço, recursos previstos no pro-grama para apoio a parques tec-nológicos da Financiadora de Es-tudos e Projetos (Finep) foram re-passados à incubadora, destina-dos ao projeto de criação de umnúcleo de parque tecnológico aolado do Cietec. Num terreno de 30mil metros quadrados, vizinho àincubadora, haverá lugar para re-ceber empresas graduadas, vindasde qualquer incubadora do país, etambém espaço reservado paraempresas maiores que queiramse beneficiar da proximidade compesquisadores e instalar ativida-des de pesquisa e desenvolvimen-to. O Cietec espera chamar em-presas no final de 2006. Com onúcleo instalado, uma equipe depesquisadores vai estudar a expe-riência do próprio núcleo, paraaperfeiçoar o modelo de gestãoda inovação. Os números do Cietecsão expressivos: em sete anos,passou de seis para cem empre-sas incubadas; destas, 22 se gra-duaram e estão no mercado. Osrecursos para o empreendimentosão do Fundo Verde Amarelo daFinep e do governo do estado deSão Paulo: 1,3 milhão de reais decada parte.

Incubadora da USP

Parque testará

forma de gestão

“A expressão

‘pesquisa científ ica’

voltou ao

vocabulário político

e é agora um tema

de campanha

eleitoral”

Jean Michel Claverie,diretor do Centro de Genômica de Marselha,na França, sobre os efeitos de um ano de debates entrecientistas franceses e o governo, em editorial darevista Science. O coletivo“Vamos salvar a pesquisa”,criado no dia 9 de março de 2004, discute agora com o governo o projeto de leipara pesquisa e inovação para o período 2006-2010.Nova versão do projeto será apresentada até junho.No planejamento para 2005,o governo francês destinou33% do orçamento parapesquisas de fins não militares – 3 bilhões de euros – para apoiar o desenvolvimento tecnológico na indústria.

Cláudio Capucho/AE

CIRCUITO3 08/04/05 8:43 Page 68

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Desaf ios • abril de 2005 69

“Uma análise do baixo graude inovação na indústria brasileiraa partir do estudo das firmas menosinovadoras” é o título do capítulopreparado pelos pesquisadoresVictor Prochnik, do Instituto de Eco-nomia da Universidade Federal doRio de Janeiro, e Rogério Araújo,do Ipea. Essas empresas são 77%do total das firmas industriais bra-sileiras; se a taxa de inovação au-mentar entre elas, haverá impactopositivo no desenvolvimento dopaís. Para desenhar contornos depolíticas, os pesquisadores se de-bruçaram principalmente sobre aPesquisa Industrial de InovaçãoTecnológica (Pintec), do InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatísti-

ca (IBGE), e sobre levantamentossimilares realizados na Alemanha ena Espanha. Os autores distinguemquatro estratégias em relação àinovação no universo das firmasde menor produtividade. O estudodescobriu, por exemplo, que partedelas não inovam.São quase 40 milempresas pequenas, em setorespouco intensivos em tecnologia, eem que o ciclo de mudança de pro-duto ou processo é longo. Entre asque inovam, a maioria inova emprocesso quando compra uma má-quina nova. Nesse sentido, os auto-res concluem que o setor de bensde capital está no centro da ques-tão da inovação e deve ser objetode intensa política industrial.

Pesquisa no Ipea – I

Livro consolida abordagem nova para políticas de inovação

Já está no prelo o livro Inovação, Padrões Tecnológicos e De-sempenho das Firmas Industriais Brasileiras, organizado pelos pesquisa-dores Mário Salerno e João de Negri, respectivamente diretor e diretoradjunto de Estudos Setoriais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea). A partir de uma base de dados descrita como “o mais amplo con-junto de informações jamais reunido sobre a indústria brasileira”, os pes-quisadores classificaram as empresas de acordo com sua estratégiacompetitiva.O objetivo dos estudos do livro é apoiar a tomada de decisõesno âmbito da política industrial. Segundo a classificação, a maior partedas firmas brasileiras – cerca de 50 mil – integra a categoria “firmasque não diferenciam produto e têm produtividade menor”. O livro dedicaum capítulo a elas.

A expressão CKD entrou no vo-cabulário da indústria automobilís-tica com a globalização. CKD são asiniciais de Complete Knock Down –o sistema de manufatura dos carrosmundiais: os veículos viajam des-montados, em kits, para ser remon-tados em determinado destino. Aspartes dos veículos devem chegarintactas – o que quer dizer, entreoutras especificações, sem corro-são. Para isso, a tecnologia estabe-lecida na indústria manda usar osinibidores voláteis de corrosão(IVC), que são colocados dentro daembalagem da peça e exalam oanticorrosivo na forma de um gás.Antonio Bettega, da empresa Cyrbe,de Sumaré,no interior de São Paulo,

criou um produto novo ao desen-volver uma forma de impregnar oinibidor num tecido plástico muitoresistente. A embalagem (feita deráfia, tecido tramado de plástico),aliou resistência – para o gás nãose perder, a embalagem não podefurar nem rasgar – e qualidade am-biental, pois o produto é reciclável,ao contrário do papel plastificado.Aoutra vantagem do produto da Cyrbeé a redução do tamanho da embala-gem.Antes,as montadoras enviavamportas, por exemplo, dentro de umacaixa de madeira; como a ráfia é re-sistente, agora a peça vai numa ar-mação vazada. Só para uma dasmontadoras, a Cyrbe faz quatro milembalagens por mês.

16% a mais

Pequena que inova

Empresa aperfeiçoa embalagem

anticorrosão

Pesquisa no Ipea – II

Entender melhor para apoiar mais

Foto

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De acordo com os estudos do livro organizado pelos pes-quisadores Mário Salerno e João de Negri, a chance deexportar de uma empresa que inova é 16% maior em rela-ção à empresa que não inova.

CIRCUITO3 08/04/05 8:44 Page 69

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evolução nas sociedades huma-nas libertou-se dos constrangi-mentos do mundo natural e tor-nou-se essencialmente cultural

ou basicamente tecnológica. Os seres hu-manos, eles mesmos, estão sendo muda-dos pelas técnicas de intervenção cromos-sômica e de manipulação genética (oupelo menos existe capacidade potencial defazê-lo). A despeito disso tudo, a huma-nidade continua a ser movida por senti-mentos ancestrais, como o desejo sexual,o amor, o ódio, a vontade de poder e outrostantos impulsos mais ou menos nobres ousimplesmente mesquinhos.

Esse livro, do conhecido historiador,professor na Universidade de Londres,identifica e explica quase duas centenas deidéias que influenciaram o destino da hu-manidade, desde 30 mil anos atrás até aatual era da incerteza. Atento para nãoparecer “ocidentalocêntrico”, o autor bus-cou em civilizações orientais conceitos eprincípios que também se tornaram uni-versais. Mas reconhece que predominamas idéias ocidentais, pois são as que mol-daram o mundo tal como o conhecemoshoje. Ele também aceita que a maior parte

das mudanças tem origem intelectual eque as idéias são poderosos agentes trans-formadores. Os conceitos estão cronologi-camente organizados em sete partes, desi-gualmente distribuídas: o primeiro capí-tulo cobre 20 mil anos,na era dos caçadoresprimitivos, ao passo que os últimos doisséculos merecem um capítulo cada um.Ainda assim, a maior parte das idéias tidascomo importantes tem origens antiquís-simas. Como ele diz na introdução,“é hu-milhante para o homem moderno admitirque uma parcela tão grande de seu pensa-mento foi antecipada há muito tempo e quea modernidade acrescentou pouquíssimo anosso equipamento intelectual básico”.

A organização do livro permite umaleitura não linear, e cada página dupla queexplora um conceito particular remete aoutras idéias a ele vinculadas, assim comosugere leituras adicionais. Verdade quenem todas são idéias, no entendimentohabitual do termo, pois comparecem há-bitos ancestrais, como o canibalismo, oupráticas de governos que depois foramformalizadas por “filósofos morais”, comoo mercantilismo.Ainda assim, o livro ma-peia um conjunto impressionante de prin-

cípios norteadores de nosso tempo, tira-dos de todas as épocas e várias socieda-des. Para os que crêem que o capitalismoé uma noção tipicamente ocidental, desen-volvida nos últimos cinco séculos, valeconferir a defesa que o filósofo indianofundador do jainismo, Mahavira, do sécu-lo VI a.C., fez da criação de riqueza, esti-mando que o rico trabalha “para que mui-tos desfrutem dos seus ganhos”. Esse ver-bete remete tanto a Karl Marx como aMilton Friedman e Max Weber, cuja tesesobre as “afinidades eletivas” entre capita-lismo e protestantismo é considerada “de-sacreditada”.

O livro começa por desmistificar aidéia de que “mentes primitivas” não pos-sam ter idéias brilhantes, relativizando anoção de progresso. Termina pelo con-ceito de aldeia global, ou seja, a idéia dopluralismo cultural, remetendo ao pen-sador Isaiah Berlin: para ele existe uma“pluralidade de valores”, que são inúme-ros mas não infinitos, o que difere do rela-tivismo cultural. Os antiglobalizantes, quelutam contra a dominação mundial do ca-pital, são contrários ao “pensamento úni-co”. Suas idéias são provavelmente inexe-qüíveis na sociedade capitalista abrangen-te e multiforme.Esta é a mensagem final dolivro:“O pluralismo é obviamente o únicofuturo prático para um mundo multifor-me. Talvez seja o único interesse uniformeque todos têm em comum”. Esta é a so-ciedade humana: unidade na diversidade.

Paulo Roberto de Almeida

70 Desafios • abril de 2005

Idéias que movem o mundo

Idéias Que Mudaram o MundoFelipe Fernández ArmestoEditora Arx, 400 p., R$ 75,00

ESTANTElivros e publicações

A

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Desaf ios • abril de 2005 71

História quase virtual do Brasil

Entre a economia e a ecologia

novo livro do diplomata-his-toriador (ou vice-versa) Eval-do Cabral de Mello explora apossibilidade de uma inde-

pendência alternativa, não como hi-pótese virtual, mas como realização efe-tiva, tal como tentada nas cidades e noscampos da Bahia e de Pernambuco, entrea insurreição precoce de 1817 e a Con-federação do Equador, em 1824. Essesmovimentos, com outros do Sul, ficaramagrupados sob o amálgama de “sepa-ratismo”, ao passo que os construtoresdo Império, a partir do Rio de Janeiro,passaram para a história com o beau rôlede unitários e de nacionalistas. Essa é,porém, uma perspectiva equivocada,uma vez que, no momento da Indepen-dência, o Brasil era um ajuntamento deprovíncias que se relacionavam mais coma metrópole (ou com a África) do queentre si. Luiz Felipe Alencastro já tinhaalertado para esse arquipélago de siste-mas desvinculados, sem unidade econô-mica real.

Esse livro conta a história desse “des-tino não manifesto”, traduzido no dese-jo de algumas elites regionais, no caso asdo Nordeste, de recuperar o poder localperdido quando da vinda da família reale a centralização operada em favor doRio de Janeiro. O federalismo, segundoCabral de Mello, era uma possibilidadereal, se alguns destes processos não ti-vessem ocorrido: a manutenção da di-nastia bragantina no Rio, um tratamentomais conforme às aspirações das elitesregionais pelas cortes de Lisboa e a de-terminação da “administração” da corteno Rio em preservar sua posição hege-mônica. Mas foi uma luta bárbara, naqual a força foi mais importante que apersuasão. A historiografia ulterior ali-mentou o “rio-centrismo”,descurando oudesvalorizando os “separatismos” regio-nais, uniformemente agrupados na ru-brica contrária à unidade nacional, quan-do o que eles pretendiam, na verdade, era

uma forma diferente de organização doEstado (e do equilíbrio entre as provín-cias), provavelmente mais conforme aomodelo proposto nos Estados Unidospoucas décadas antes.

A Bahia, como se sabe, ficou sob ocu-pação portuguesa no episódio da sepa-ração, razão pela qual coube a Pernam-buco a liderança federalista. Longe deobedecerem a impulsos regionais anár-quicos, como a propaganda fluminensequis fazer acreditar (dando os exemploscaóticos dos Estados hispano-america-nos), os patriotas do Nordeste queriam averdadeira liberdade e a igualdade, numregime de poderes compartilhados.

José Bonifácio foi, nesse caso, menossábio do que o habitualmente afirmado,pois que, partindo da idéia de uma “peçamajestosa e inteiriça desde o Prata até oAmazonas”, denegriu o projeto federa-lista, assimilando-o ao republicanismo eacusando seus líderes de pretenderem um“governo monstruoso”, para serem nasprovíncias “chefes absolutos, corcundasdespóticos”. Os “bispos sem papa”, nodizer de Bonifácio, foram esmagados, eassim o Brasil continua a ser até hoje, adespeito da ironia de carregar no nome oadjetivo federalista, a mais unitária dasrepúblicas americanas. P.R.A.

Desenvolvimento Sustentável – O Desafio do Século XXIJosé Eli da VeigaEditora Garamond Universitária, 226 p., R$ 30,00

A Outra Independência: O Federalismo Pernambucano de 1817 a 1824 Evaldo Cabral de Mello Editora 34, 260 p., R$ 42,00

desenvolvimento sustentável de-ve ser a utopia do século XXI,masé preciso qualificar o conceito,ainda trabalhado de maneira in-

gênua e fundamentalista. Essa é a men-sagem principal do último livro de José Elida Veiga, professor titular da Faculdade deEconomia, Administração e Contabilida-de da USP. O cuidado é necessário. Muitosconsideram que sustentável é o mesmo quefirme ou durável. O conceito é muito maiscomplexo, pois “existe uma contradiçãoentre a lógica do desenvolvimento econô-mico e a reprodução da biosfera”, adverteVeiga, que estuda a relação entre economiae meio ambiente há 30 anos. Seu livro mos-tra como o conceito de crescimento, medi-do pela renda per capita, evoluiu para o dedesenvolvimento, incorporando dimen-sões como qualidade de vida, saúde e edu-cação. Avalia a literatura que explica a dis-paridade de desenvolvimento entre as na-ções. Mostra como o Índice de Desenvol-vimento Humano (IDH) é limitado portrabalhar com médias aritméticas.E diz queo conceito de sustentabilidade não está de-finido com exatidão,“pois ainda engatinhao conhecimento científico sobre a conexãoentre fenômenos humanos e ecologia”.

Ottoni Fernandes Jr.

O

O

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INDICADORES

p o r A n d r é a

W o l f f e n b ü t t e l

72 Desafios • abril de 2005

Transporte

No mês de março, as duas maiores cidadesdo país sofreram por causa de greves e mani-festações de categorias ligadas aos transportespúblicos. Os ônibus respondem por 94% do trans-

porte coletivo do país, o que explica o caos quese implanta cada vez que eles param. Os info-gráficos abaixo mostram um perfil da frota quecircula no Brasil.

É um índice que mede o nível de atividade da indústria mostrando a porcentagem do parque industrial que está trabalhando. Ele é calculado mensalmente pela ConfederaçãoNacional da Indústria e também pelaFundação Getulio Vargas, por meio dequestionários enviados às empresas,que respondem se estão produzindo a todo vapor ou se parte das máquinasestá parada. A UCI é apresentada emforma de porcentagem e nos últimosdez anos permaneceu na casa dos 70% a 80%, ou seja, a demanda nuncafoi suficiente para colocar toda a estrutura industrial em funcionamento.Durante esse período, o mês de menoratividade foi dezembro de 1998, comutilização de apenas 73,66% da capacidade instalada. E o melhor mêsfoi outubro do ano passado, quando83,99% das máquinas trabalharam.

O que é?

Utilização

da Capacidade

Instalada (UCI)

O vai-e-vem e seus problemas

Crescimento da frota (em %)

Composição da frota

(em outubro de 2004)

Utilização da Capacidade

Instalada em 2004 (em %) Tipos de veículos envolvidos

em acidentes com vítimas

2003

/200

4*

Cresci

mento

anua

l da

popu

lação

2002

/200

3

2001/

2002

2000

/200

1

10

8

6

4

2

0

85

84

83

82

81

80

79

78

77

A péTransporte públicoAutomóvel

BicicletaMoto

Como as pessoas se locomovem

REPARE: apesar de estar diminuindo o ritmo de crescimento da frota,ele ainda é quase três vezes maior do que crescimento populacional

REPARE: apesar de as motocicletas representarem 15% da frota, elas estão envolvidas em 25,6% dos acidentes.Os ônibus também têm participação maior no número de acidentes do que na frota, ao contrário dos carros

Fontes: CNI/Ipeadata

Fonte: Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP)

Fonte: Departamento Nacional de Trânsito (Denatran)

*até outubro de 2004

Diariamente são feitos

200 milhões de deslocamentosde pessoas no país

Utilização de transporte público

Ônibus 94%

Trem/Metrô 5%

Barcas 1%

44%

1%

7%

19%

29%

8,5

6,97,4

5,7

1,5

Cidades com trânsito mais violento

(índice de vítimas fatais por 10.000 veículos,

em 2002)

50

40

30

20

10

0

Rio B

ranco

Manau

s

Salva

dor

Brasi

l

Porto

Velho

Boa V

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u

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Feve

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Mar

ço

Abril

Maio

Junh

o

Julho

Agos

to

Sete

mbr

o

Outu

bro

Nove

mbr

o

Deze

mbr

o

44,8

10,7

17,4

10,6 10,3 9,36,2

64%

5%

1%

15%

15%

8,8%

25,6%

7,8%

4,4%

4,4%

46,6%

2,3%

AutomóveisCaminhõesMotosÔnibusOutros

AutomóveisMotosCaminhõesBicicletaÔnibusIgnoradosOutros

indicadores9.qxd 08/04/05 10:12 Page 72

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Desaf ios • abril de 2005 73

SulCentro-OesteSudesteNordesteNorte

Na safra 2003/2004, a Região Sul respondeu por:

Agricultura

A falta que a chuva fazA longa estiagem que vem castigando a Re-

gião Sul vai provocar a maior quebra de safra dahistória do país. O ministro da Agricultura, Rober-to Rodrigues, afirmou que ela pode chegar a 70%

para alguns produtos. A redução das colheitas naRegião Sul afeta o abastecimento e o comércio ex-terior. Os gráficos mostram como a menor regiãodo país é um gigante em termos de agricultura.

93,3%da produção

de trigo

58,4%da produção

de arroz

42,7%da produção

de milho

38,6%da produção

de soja

31,9%da produção

de feijão

Participação das regiões na safra

2003/2004

Produtividade das regiões (em kg/ha)

Área total plantada de cada região

(safra 2003/2004, em mil hectares)

Percentual de área plantada em relação

à área total da região (safra 2003/2004, em %)

REPARE: em 1990, a Região Sul estava em quarto lugar em termos de produtividade. Na safra 2003/2004, apesar do grande volume deagricultura familiar, ela está em segundo lugar, tendo batido recordes de produtividade nas safras 2000/2001 e 2002/2003

2,9%

7,8%

41,4%

14,6%

33,4%

Participação da Região Sul nas safras

brasileiras (em %)

Previsões feitas para a safra

2004/2005 foram se alterando

com o decorrer do tempo devido

à falta de chuvas

Previsões feitas em outubro e dezembro de 2004

e fevereiro de 2005 (em 1.000 toneladas)

53

43

53

4950

48 4748

4643

50

4447

41

3.236 3.316

60

55

50

45

40

35

30

3.500

3.000

2.500

2.000

1.500

1.000

500

0

90/9

1

91/9

2

92/9

3

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4

94/9

5

95/9

6

96/9

7

97/9

8

98/9

9

99/0

0

00/0

1

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2

02/0

3

03/0

4

90/91 91/92 92/93 93/94 94/95 95/96 96/97 97/98 98/99 99/00 00/01 01/02 02/03 03/04

Nordeste

Norte

Brasil

Sul

Sudeste

Centro-Oeste

REPARE: apesar de ser a menor região do país, o Sul tem a maior área plantada total e relativa

REPARE: a previsão para a safra de soja foi a única quemanteve a expectativa de crescimento

20.000

15.000

10.000

5.000

0

1.624

5.564

8.060

14.320

17.728

Centr

o-Oest

eSu

l

Norde

ste

Sude

steNo

rte

35302520151050 0,4

6,0 5,28,9

30,8

Centr

o-Oest

eSu

l

Norde

ste

Sude

steNo

rte

Arroz

Feijão

Milho

Soja

Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)

13.000

12.800

12.600

12.400

12.200

12.000

11.800

11.600

Prev.

fev/2

005Pr

ev.

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ev.

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004Sa

fra

2003

/200

4

12.808 12.809

1.300

1.250

1.200

1.150

1.100

1.050

1.000

950

Prev.

fev/2

005Pr

ev.

dez/2

004Pr

ev.

out/2

004Sa

fra

2003

/200

4

1.235

1.091

33.000

32.000

31.000

30.000

29.000

28.000

27.000

Prev.

fev/2

005Pr

ev.

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004Pr

ev.

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004Sa

fra

2003

/200

4

31.617

29.319

65.000

60.000

55.000

50.000

45.000

40.000

35.000

30.000

Prev.

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Parabéns à equipe de Desafiospelo nível da publicação. Do con-teúdo da edição de fevereiro, alémda excelente impressão que mecausou a revista, restou a assusta-dora constatação – ou reforço deuma verdade já sabida... – de quetodos os problemas sociais queenfrentamos, muitos dos quaissem nenhuma perspectiva de so-lução, dependem, antes de maisnada, de políticas públicas. É as-sustador porque o brasileiro ain-da persiste numa cultura políticaequivocada, e cada governo queassume o poder se preocupa maiscom o umbigo dos seus agentes doque com a resolução das questões– função para a qual foram inves-tidos. São fisiológicos.

Talvez o exemplo mostrado nareportagem sobre mercado de ca-pitais, ou seja, o de que a iniciati-va privada se auto-regulou, combase em parâmetros mínimos le-gais, possa ser um bom caminho...mas o governo – não o atual: todosos que têm passado por Brasíliaao longo dos tempos – não se de-fine e cuida do que não deveria,fazendo falta onde devia estar...

Wilges BruscatoProf. Dra. em

Direito Comercial da PUC-MG

Belo Horizonte - MG

Parabéns pela iniciativa darevista Desafios, edição de feve-reiro de 2005, em abordar, comcompetência e profundidade, ostemas da regulação e das políti-cas públicas nas áreas da mobili-dade e transportes urbanos, tãoimportantes para o desenvolvi-mento social e econômico dasgrandes cidades brasileiras. De-sejamos sucesso na empreitada doIpea e do Pnud em promover,através desta valiosa publicaçãomensal, o debate qualificado dealternativas para o desenvolvi-mento sustentável brasileiro.

José Carlos XavierSecretário Nacional

de Transporte e Mobilidade Urbana -

Ministério das CidadesBrasília - DF

Acho os artigos de Desafiosexcelentes e atuais. A revista tratade assuntos, inclusive, de que nós,professores universitários, neces-sitamos sempre. Sou professorado curso de Secretariado Execu-tivo da Pontifícia UniversidadeCatólica do Paraná, que formaprofissionais generalistas, mas épouco conhecido e divulgado.Também notamos certo precon-ceito por parte de outros profis-sionais, principalmente de áreasde administração, que não reco-nhecem a importância do pro-fissional que formamos.

Consuelo Rocha Dutra de Lara

Professora PUC-PRCuritiba - PR

Acerca da reportagem Univer-sidade para todos, publicada na úl-tima edição de Desafios, gostariaque ficasse anotado meu repúdio

ao corporativismo dos funcioná-rios e professores das escolas públi-cas, mais preocupados em manteros benefícios de que gozam do queem promover o acesso à educaçãoa todos os brasileiros.

Jussara MasseranPariquera-Açu - SP

Na reportagem sobre biodiesel,publicada na edição de fevereiro,na página 34,há a fotografia de umjegue com a legenda “jegue carre-gado de palma”. Na realidade tra-ta-se de um jegue carregado deagave, planta que fornece fibraspara confecção de cordas, tapetes,

estofamentos etc., que não temnada a ver com a produção debiodiesel. Gostaria de sugerir ain-da que fossem utilizadas as ex-pressões óleo de dendê (palm oil,no mercado internacional) e den-dezeiro em vez de óleo de palma epalma, respectivamente, para evi-tar confusão com a palma forra-geira,um cacto muito utilizado naalimentação animal em zonas se-mi-áridas do Nordeste.

José Carlos de QueirozEspecialista em Recursos

Hídricos - Superintendência de Apoio a Comitês

Agência Nacional de ÁguasBrasília - DF

CARTAS A correspondênc i a para a redação deve se r env i ada para car tas@desaf i os .o rg .b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 801 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a DF

Repr

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ão

74 Desafios • abril de 2005

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.revistadesafios.org.br

DiplomaciaGostei da reportagem sobre a China publicada na edição de

março de Desafios. De fato, a indústria chinesa tem condições deameaçar diversos de nossos setores industriais. Mas isso pode serum incentivo para que se modernizem, ganhem eficiência e pre-ços que possam competir com os do gigante oriental.Senti falta namatéria,apenas,de referências aos problemas de direitos humanose de liberdades democráticas na China.

Deutério de OliveiraJaboatão - PE

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