Abraham Lincoln - Discursos de Lincoln

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  • Discursos de Lincolnabraham lincoln nasceu em uma cabana na zona rural do estado norte-americano de Kentucky, e foi sobretudo um autodidata.Mudou-se com a famlia para Indiana e depois para Illinois, onde trabalhou como agente postal e rbula. Ali ainda, comeou aestudar direito com cerca de vinte anos e, em 1834, foi eleito para a Assembleia Legislativa do estado. Depois de se casar comMary Todd, passou a advogar e elegeu-se para o Congresso Americano em 1846. Em 1858, concorreu a uma vaga para o senado,mas foi derrotado por Stephen A. Douglas, com quem travou calorosos debates que o alaram condio de figura nacionalmenteconhecida. Foi eleito presidente dos Estados Unidos como representante do Partido Republicano em 1860. Comandante das forasda Unio durante a Guerra Civil Americana, promulgou a abolio da escravatura no ano de 1863. Reeleito em 1864, Lincoln foiassassinado por um ator sulista, John Wilkes Booth, em abril de 1865, cinco dias depois da rendio do general Lee, o comandantedas foras confederadas.

    denise bottmann, nascida em Curitiba em 1954, historiadora, pesquisadora e tradutora desde 1984, com mais de cem obras detraduo, como Sobre a Repblica , de Hannah Arendt, Comunidades imaginadas, de Benedict Anderson, Cultura eimperialismo, de Edward Said, O cdigo de honra, de Kwame Anthony Appiah, entre outros.

  • Sumrio

    A perpetuao de nossas instituies polticasspringfield, illinois (27 de janeiro de 1838)

    Discurso sobre a disputa presidencial de 1848washington, d. c. (27 de julho de 1848)

    Discurso sobre a casa divididaspringfield, illinois (16 de junho de 1858)

    Discurso de posse do primeiro mandatowashington, d. c. (4 de maro de 1861)

    Discurso durante a consagrao do cemitrio de Gettysburg(19 de novembro de 1863)

    Discurso de posse do segundo mandatowashington, d. c. (4 de maro de 1865)

  • A perpetuaode nossas instituies polticas,

    Springfield, Illinois27 de janeiro de 1838

    O tema escolhido para os comentrios desta noite a perpetuao de nossas instituiespolticas.

    No grande dirio das coisas que acontecem sob o sol, ns, o povo americano [],1 estamos naposse pacfica da mais bela parte da Terra no que se refere extenso do territrio, fertilidadedo solo e salubridade do clima. Estamos sob o governo de um sistema de instituies polticasmais essencialmente voltado para os fins da liberdade civil e religiosa do que qualquer outro deque nos fala a histria dos tempos passados. Ao entrarmos no palco da existncia, fomos osherdeiros legais dessas ddivas fundamentais. No trabalhamos para adquiri-las nem paraestabelec-las so um legado que nos foi transmitido por uma raa de ancestrais rijos, bravose patriticos, agora desaparecidos e pranteados. Deles foi a tarefa (que nobremente cumpriram)de tomar posse e, por meio deles, ns tambm desta terra excelente e de erguer em seusmontes e vales um edifcio poltico de liberdade e igualdade de direitos; a nossa tarefa apenastransmitir esse legado sem sermos profanados pelos ps de um invasor. []

    Como, ento, devemos cumpri-la? At que ponto devemos esperar a aproximao do perigo?Por quais meios devemos nos fortificar contra ele? Devemos esperar que um gigante militartransatlntico cruze o oceano e nos esmague de um golpe? Nunca! Nem todos os exrcitos daEuropa, sia e frica juntos, com todos os tesouros da terra (exceto o nosso) em suas arcasmilitares, tendo um Napoleo como comandante, conseguiriam pela fora tomar um gole no rioOhio ou deixar uma pegada nas montanhas Blue Ridge, mesmo que tentassem por mil anos.

    At que ponto, ento, deve-se esperar a aproximao do perigo? Respondo: se algum dia elechegar, ter nascido entre ns. No vir do exterior. Se nossa sina a destruio, seremos ns osautores e consumadores dela. Como nao de homens livres, viveremos para sempre oumorreremos por suicdio.

    Espero que minha cautela seja exagerada; mas, se no o for, h, mesmo agora, um tanto de mauagouro entre ns. Refiro-me ao desprezo crescente pela lei que permeia o pas; disposio cadavez maior de substituir o julgamento sbrio dos tribunais pelas paixes furiosas e desenfreadas; es turbas mais do que selvagens, de acordo com os ministradores executivos da justia. [] Asatrocidades cometidas pelas turbas constituem as notcias dirias do momento. Elas tm seespalhado pelo pas, da Nova Inglaterra Louisiana no so prprias das neves eternasdaquela nem dos sis ardentes desta, no so filhas do clima nem se restringem aos Estadosescravocratas ou no escravocratas.

    [] Seria tedioso, alm de intil, relatar os horrores de todas elas. As do estado doMississippi e as de St. Louis so, talvez, os exemplos mais perigosos e mais revoltantes para ahumanidade. No caso do Mississippi, comearam enforcando os jogadores habituais: um grupode homens que certamente no viviam de uma ocupao muito til nem muito honesta, mas que,longe de ser proibida por lei, na verdade estava autorizada por um decreto do Legislativo,aprovado apenas um ano antes. A seguir, negros suspeitos de conspirar para promoverem uma

  • insurreio foram apanhados e enforcados em todas as partes do estado; depois, brancossupostamente aliados aos negros; por fim, vrios forasteiros dos estados vizinhos, que l foram anegcios, tiveram o mesmo destino. Assim prosseguiu esse processo de enforcamento: dejogadores a negros, de negros a cidados brancos e destes a forasteiros, at que havia mortosliteralmente balanando em galhos de rvores em todas as beiras de estrada, em quantidadequase suficiente para rivalizar com as barbas-de-velho nativas da regio, como enfeites dafloresta.

    Passemos ento cena horripilante em St. Louis. L foi sacrificada apenas uma vtima. Suahistria curta e talvez a mais trgica de todas as histrias curtas j vistas na vida real. Ummulato de nome McIntosh foi apanhado na rua, arrastado at os arredores da cidade, acorrentadoa uma rvore e queimado at a morte, tudo isso no decorrer de apenas uma hora, desde omomento que era um homem livre, cuidando da prpria vida, em paz com o mundo.

    [] Mas talvez vocs estejam a ponto de perguntar: O que tem isso a ver com a perpetuaode nossas instituies polticas?. Respondo: tem muito a ver. [] Tais exemplos, tais casos deimpunidade dos perpetradores dessas aes encorajam os sem lei no esprito a se tornarem semlei na prtica; acostumados a no ter nenhum freio alm do medo do castigo, assim passam a ficarabsolutamente irrefreveis. Tendo sempre visto o governo como o veneno mais mortal,comemoram a suspenso de suas operaes e para nada rezam mais que para sua completaaniquilao. Enquanto isso, por outro lado, homens de bem, homens que prezam a tranquilidade,que desejam seguir a lei e gozar de seus benefcios, que de bom grado dariam o sangue paradefender o pas, ao verem suas propriedades destrudas, suas famlias insultadas, a vidaameaada, suas pessoas agredidas, sem ver nenhuma perspectiva que prenuncie uma mudanapara melhor, comeam a se cansar e a desgostar de um governo que no lhes oferece proteo; eno se mostraro muito contrrios a uma mudana na qual imaginam nada ter a perder. Assim,pela ao desse esprito de poder da turba [mobocracy], que, todos ho de reconhecer, agoraest espalhado pela terra, o baluarte mais forte de qualquer governo, em particular daquelesconstitudos como o nosso, pode ser efetivamente derrubado e destrudo refiro-me afeiodo povo. Sempre que tal resultado produzir-se entre ns; sempre que se permitir que a parcelaperniciosa da populao rena-se em bandos de centenas e milhares a queimar igrejas, a devastare saquear depsitos de alimentos, a lanar prelos aos rios, atirar em editores, enforcar e queimara seu bel-prazer pessoas que os desagradam, sem que sejam punidos, se depender disso, estegoverno no pode durar. [] Se as leis so continuamente ignoradas e desprezadas, se osdireitos das pessoas segurana para si mesmas e a suas propriedades ficam merc doscaprichos de uma turba, a consequncia natural que elas se desafeioem do governo. E a isso,mais cedo ou mais tarde, h de se chegar.

    Assim, esse um ponto em que se pode esperar perigo.Volta a pergunta: Como nos fortalecer contra isso?. A resposta simples. Que todo

    americano, todo amante da liberdade, todo homem que queira o bem de sua posteridade jure pelosangue da Revoluo que nunca violar as leis do pas, nem no mais nfimo detalhe, e nuncatolerar que sejam violadas por outrem. Como fizeram os patriotas de 1776 em defesa daDeclarao de Independncia, e da mesma forma para a defesa da Constituio e das Leis, quetodo americano empenhe a prpria vida, sua propriedade e sua honra sagrada que todo homemlembre que violar a lei pisotear o sangue de seu pai e rasgar sua prpria carta de direitos e aliberdade de seus filhos. Que o respeito s leis seja instilado por toda me americana ao beb

  • que balbucia em seu colo seja ensinado nas escolas, nos seminrios e nas faculdades sejaescrito nos catecismos, nas cartilhas e nos almanaques seja pregado no plpito, proclamadonas cmaras legislativas e aplicado nos tribunais de justia. E, em suma, que se torne a religiopoltica da nao, e os velhos e os jovens, os ricos e os pobres, os circunspectos e osexpansivos, de todos os sexos e de todas as lnguas, cores e condies, prestem incessantessacrifcios em seus altares.

    Enquanto tal disposio de sentimentos prevalecer universalmente ou, pelo menos, muitoamplamente em toda a nao, sero vos todos os esforos e infrutferas todas as tentativas desubverter nossa liberdade nacional.

    Quando insisto com tanta premncia em uma observncia estrita de todas as leis, no entendamque eu esteja dizendo que no existem leis ruins nem que no possam surgir agravos para cujareparao no haja dispositivos legais estabelecidos. No isso, de maneira nenhuma, o quequero dizer. O que quero dizer, isto sim, que, embora as leis ruins, se existem, devem serrevogadas o mais breve possvel, enquanto estiverem em vigor, tm de, em prol do exemplo, serreligiosamente observadas. O mesmo tambm em casos sem amparo na lei. Se eles surgirem, quese proceda com a menor delonga possvel elaborao dos dispositivos legais apropriados, mas,at l, se no forem demasiado intolerveis, eles devem ser suportados.

    [] Mas, pode-se perguntar, por que supor algum perigo para nossas instituies polticas?No as temos preservado h mais de cinquenta anos? Por que no poderamos preserv-las porum tempo cinquenta vezes maior?

    Esperamos que no haja razo suficiente. Esperamos que todos os perigos possam sersuperados; mas [] h agora, e haver a partir de agora, muitas causas de tendncias perigosasque no existiam antes e que no so insignificantes demais para merecer ateno. Que nossogoverno tenha se mantido em sua forma original desde seu estabelecimento at agora, no causagrande admirao. Disps de muitos esteios para sustent-lo durante esse perodo, os quais agoradecaram e desmoronaram. Durante tal perodo, todos o sentiam como uma experincia em curso;agora, entendido como uma experincia bem-sucedida. Todos os que ento buscavam acelebridade, a fama e a distino esperavam encontr-las no xito daquela experincia. Haviamapostado tudo nela o destino deles estava inseparavelmente ligado a ela. Tinham comoambio apresentar a um mundo admirado uma demonstrao prtica da verdade de umaproposio que at aquele momento fora considerada, na melhor das hipteses, no mais do queproblemtica, qual seja, a capacidade de um povo de governar a si mesmo. Se tivessem xito,seriam imortalizados; seus nomes seriam dados a condados, cidades, rios e montanhas; seriamreverenciados, cantados e brindados por todos os tempos. Se falhassem, seriam chamados detratantes, tolos e fanticos por um momento passageiro, e ento cairiam no esquecimento. Elestiveram xito. A experincia foi bem-sucedida, e milhares imortalizaram seus nomes por t-loconseguido. Mas a presa foi alcanada, e acredito no provrbio que diz que, apanhada a presa,acabam-se os prazeres da caa. Ceifou-se esse campo de glria e a colheita j foi feita. Masnovos segadores surgiro e eles tambm procuraro um campo. Supor que homens de ambio etalento no continuaro a surgir entre ns seria negar a verdade do que nos conta a histria domundo. E, quando eles surgirem, procuraro satisfazer sua paixo pelo poder com a mesmanaturalidade com que outros o fizeram antes deles. A pergunta, ento, : pode-se encontrar essasatisfao sustentando e mantendo um edifcio erguido por outros? Certamente no. Pode-sesempre encontrar muitos homens de bem e de grande valor, qualificados para qualquer tarefa que

  • empreendam e cujas ambies no vo alm de aspirar a um assento no Congresso ou cadeirade governador ou presidente; mas estes no pertencem famlia do leo nem ao cl da guia.Ora! Vocs pensam que tais cargos satisfariam a um Alexandre, a um Csar ou a um Napoleo?Jamais! O gnio eminente despreza a trilha batida. Procura regies inexploradas. No vdistino em acrescentar episdios aos monumentos da fama erguidos em memria de terceiros.[] Seria ento descabido supor que um homem dotado do mais elevado gnio e com ambiosuficiente para aplic-lo em seu mximo grau surgir algum dia entre ns? E quando ele surgirser necessrio que o povo esteja unido, afeioado ao governo e s leis e dotado de amplodiscernimento para conseguir frustrar seus desgnios.

    [] Outra razo que existiu outrora, mas que hoje, da mesma forma, no existe mais, em muitocontribuiu para preservar nossas instituies at o momento. Refiro-me poderosa influncia queas cenas empolgantes da Revoluo exerceram sobre as paixes do povo no que se distinguemdos juzos. Sob tal influncia, a inveja, o cime e a avareza, inerentes nossa natureza e tocomuns numa situao de paz, prosperidade e fora consciente, na poca foram em grandemedida sufocados e reduzidos inatividade, ao passo que os princpios profundamenteenraizados do dio e o poderoso agente motor da vingana, em vez de virarem-se um contra ooutro, foram dirigidos exclusivamente contra a nao britnica. [] Mas esse estado dossentimentos aos poucos haveria de desaparecer, est desaparecendo, desapareceu junto com ascircunstncias que o geraram.

    [] Ao final daquela luta, praticamente todos os homens adultos haviam participado dealguma de suas cenas. O resultado foi que uma histria viva de tais cenas veio a se fundar emtodas as famlias na figura de um marido, de um pai, de um filho ou de um irmo. Mas essashistrias se foram. Nunca mais podero ser lidas. Elas representaram um baluarte de fora, masaquilo que invasores inimigos jamais poderiam fazer a artilharia silenciosa do tempo fez, aderrubada de suas muralhas. [] Elas foram os pilares do templo da liberdade, mas, agora quedesmoronaram, o templo h de cair, a menos que ns, seus descendentes, coloquemos outrospilares em seu lugar, talhados na slida pedreira da razo sbria. A paixo nos ajudou, masagora no pode mais nos ajudar. No futuro ser nossa inimiga. A razo, a razo fria, calculista,desapaixonada, deve fornecer todos os materiais para nossos futuros esteios e defesas.

    1 Os discursos que compem o presente volume apresentam omisses, devidamente indicadas. [n. e.]

  • Discurso sobrea disputa presidencial de 1848

    Washington, D. C.27 de julho de 1848

    Nossos amigos democratas parecem estar numa grande aflio por pensarem que nosso candidato presidncia no adequado a ns. Muitos deles no conseguem ver nenhum princpio nogeneral [Zachary] Taylor [candidato whig1 a presidente em 1848]. [] Esto totalmente sescuras quanto as opinies dele sobre quaisquer questes polticas que ocupam a atenopblica. Mas h alguma dvida sobre o que ele far a respeito das questes prioritrias, seeleito? Nenhuma. [] Sobre as questes prioritrias da moeda, das tarifas de importao, dasmelhorias internas e da Clusula Wilmot,2 a posio do general Taylor pelo menos to claraquanto a do general [Lewis] Cass [candidato democrata a presidente]. [] Podemos v-la, e ans se afigura como um princpio, alis o melhor tipo de princpio: o princpio de permitir que aspessoas faam o quiser em seus prprios negcios.

    [] Quase metade dos democratas aqui presentes favorvel s melhorias [internas], masvotaro em Cass e, se ele vencer, seus votos tero ajudado a fechar as portas a essas melhorias.Ora, consideramos errado esse processo. Preferimos um candidato que, como o general Taylor,permita que as pessoas ajam como quiserem, sem se preocupar com as opinies dele, e julgo queos democratas favorveis s melhorias internas deveriam, quando menos, preferir tal candidato.Ele no lhes imporia nada que no quisessem e lhes permitiria melhorias, o que seu prpriocandidato, se eleito, no permitir.

    [] Sou um homem do Norte, ou melhor, um homem de um Estado livre3 do Oeste, com umeleitorado que creio ser, e por sentimentos pessoais sei ser, contrrio continuidade daescravido. Como tal, e com as informaes que tenho, espero e acredito, o general Taylor, seeleito, no vetaria a Clusula Wilmot. Mas no sei. No entanto, se eu soubesse que iria vet-la,ainda assim votaria nele. E votaria porque, segundo meu juzo, apenas sua eleio pode derrotaro general Cass, e porque, se a escravido ento acabasse indo para o territrio que agora temos,de qualquer forma o que certamente acontecer se Cass for eleito, e alm disso com umprograma que leva a novas guerras, a novas aquisies de territrio e a extenses ainda maioresde escravido. Um dos dois ser presidente; qual prefervel?

    [] Mas suponho que seria vo esperar convenc-los de que temos princpios. O mximo queposso pretender lhes garantir que pensamos t-los e estamos bastante satisfeitos com eles. []Mas o cavalheiro da Gergia diz tambm que abandonamos todos os nossos princpios e nosabrigamos sob as abas do casaco militar do general Taylor, o que ele parece pensar serextremamente degradante. Bem, se assim o cr, assim para si. Mas no se lembra ele de nenhumoutro casaco militar sob cujas abas um certo partido abrigou-se por quase vinte e cinco anos?Acaso no conhece as amplas abas militares do general [Andrew] Jackson? No sabe que seuprprio partido disputou as ltimas cinco corridas presidenciais debaixo delas? E que estodisputando agora a sexta sob a mesma proteo? Sim, senhor, aquele casaco foi usado no spelo prprio general Jackson, mas a ele, desde ento, tm se agarrado todos os candidatosdemocratas. Vocs nunca se arriscaram e no ousam agora arriscar-se a sair debaixo dele. Seus

  • lemas de campanha tm sido constantes Velhos Hickories, 4 recobertos com a rudeza do velhogeneral; adotam estacas e vassouras de nogueira-amarga como smbolos sem fim; o prprio Mr.Polk era o Jovem Hickory, o Pequeno Hickory, ou algo assim; e mesmo agora o lema decampanha de vocs proclama que Cass e Butler (William O., candidato democrata vice-presidncia) so da autntica estirpe Hickory. No, senhor, vocs no ousam renunciar a suasabas.

    Como um bando de carrapatos famlicos, vocs grudaram na cauda do leo de Hermitage[Jackson] pelo resto da vida dele; mesmo depois que ele estiver morto, vocs ainda continuarogrudados, sugando uma subsistncia repugnante. Certa vez um sujeito anunciou que fizera umadescoberta que lhe permitia criar um homem novo a partir de um velho, e que ainda sobraramaterial suficiente para criar um pequeno cachorro amarelo. uma descoberta dessas que apopularidade do general Jackson tem sido para vocs. Com ela, no s o fizeram duas vezespresidente, mas ainda lhes sobrou um resto de material com o qual, desde ento, foi possvelfazer presidentes com vrios homens relativamente pequenos, e no que vocs mais confiam agora que conseguiro fazer mais um.

    [] H mais um tema desses que ainda no comentei; refiro-me capa militar que vocs,democratas, agora se empenham em reformar para que ela caiba no grande michiganso.5 Sim,senhor, todos os bigrafos dele (e formam uma legio) esto com ele na mo, amarrando-lhe umacapa militar, como a molecada maldosa que amarra uma bexiga com feijes no rabo de umcachorro. verdade que o material que tm muito limitado; mas esto se esforando comopodem. Ele invadiu o Canad sem resistncia e desinvadiu sem perseguio. Como fez as duascoisas sob ordens, suponho que, para ele, no representou nenhum mrito ou demrito; mas elascompem grande parte da capa. Cass no estava na rendio de Hull, mas se encontrava porperto; era ajudante de ordens voluntrio do general [William Henry] Harrison no dia da batalhado Tmisa [no Ontrio]; e, visto que [] Harrison estava colhendo mirtilos a trs quilmetrosdali, enquanto se travava a batalha, suponho que seja justo concluir que Cass estava ajudandoHarrison a colher mirtilos. E isso praticamente tudo, exceto a controvertida questo da espadaquebrada. Alguns autores dizem que ele a quebrou, outros que a jogou longe e outros, que deviamsaber como foi, nada contam a respeito. Talvez fosse um bom meio-termo histrico dizer que, seele no a quebrou, no fez mais nada com ela.

    Alis, senhor Orador, sabia que sou um heri militar? Sim, senhor; nos dias da Guerra doFalco Negro, combati, fui ferido e me retirei. Ao falar da carreira do general Cass, acabeilembrando-me da minha. No participei da derrota de Stillman, mas estava por perto, como Cassna rendio de Hull; como ele, vi o local logo depois. verdade que no quebrei minha espada,pois no tinha uma para quebrar, mas certa vez entortei bastante um mosquete. Se Cass quebrou aespada dele, a ideia que foi por desespero; j eu entortei o mosquete por acidente. Se o generalCass ficou minha frente por colher mirtilos, creio que o superei atirando nas cebolas selvagens.Se ele chegou a ver algum ndio vivo lutando, foi mais do que eu fiz; mas travei vrios combatesbem sangrentos com os mosquitos; e, embora nunca tenha desmaiado por perder sangue, possogarantir que passei muita fome. Senhor Orador, se algum dia eu decidir remover qualquer coisado federalismo da antiga que nossos amigos democratas supem haver em mim, para ento meescolherem seu candidato presidncia, posso lhe assegurar que no passarei ridculo, como temocorrido com o general Cass, ao tentarem me descrever como um heri militar.

  • 1 Como agremiao poltica nos eua, os whigs se reuniram nos anos 1830 como uma coalizo entre os republicanos nacionais edemocratas dissidentes. Os pontos principais da plataforma whig eram: impedir o predomnio do poder presidencial em detrimentodo Congresso; considerar o pas como nao, e no confederao de Estados; priorizar obras de infraestrutura para a ligao ecomunicao entre os Estados, com telgrafos, estradas e ferrovias, os chamados internal improvements (melhorias internas),como se ver a seguir. Nos anos 1850, a maioria do partido migrou para o novo Partido Republicano. [n. t.]2 A Clusula Wilmot (1846), aprovada na Cmara, mas rejeitada no Senado, foi uma das principais causas da Guerra Civil. Proibiaque se estendesse a escravido para os territrios conquistados ao Mxico durante a guerra mexicana e em aquisies futuras. [n.t.]3 Antes da Guerra Civil, free state designava o Estado onde era proibida a escravido, da Estado livre. [n. t.]4 O general Jackson tinha o apelido de Velho Hickory ( Old Hickory) devido sua obstinao e personalidade agressiva.Hickory: nogueira-amarga, ou hicria, rvore cuja madeira excepcionalmente rija, dura, densa e de grande resistncia. [n. t.]5 Michigander, termo cunhado pelo prprio Lincoln. Cass tinha sido governador do Michigan e Lincoln sustentava que o faziam detolo [gander, ganso, no sentido de fazerem de pato] na campanha presidencial. Da ter cunhado o trocadilho Michigander. [n. t.]

  • Discurso sobrea casa dividida,

    Springfield, Illinois16 de junho de 1858

    Senhor presidente e senhores da Conveno.Se soubermos primeiro onde estamos e para onde estamos indo, poderemos avaliar melhor o

    que e como fazer.J segue adiantado o quinto ano desde que se iniciou uma pauta poltica com o objetivo

    declarado e a promessa confiante de pr fim agitao em torno da escravido.No andamento dessa pauta, a agitao no s no cessou como tem aumentado

    constantemente.Em minha opinio, ela no cessar enquanto no se chegar a uma crise e se super-la.Uma casa dividida contra si mesma no consegue se sustentar.1Acredito que este governo no conseguir subsistir permanentemente dividido entre uma

    metade escrava e uma metade livre.No espero que a Unio se dissolva no espero que a casa caia. O que espero que deixe

    de ser dividida.Ela se tornar una, toda de uma maneira ou toda de outra maneira.Ou os opositores da escravido detero seu avano e a deixaro onde a opinio pblica

    determinar, na crena de que ela est em vias de extino definitiva, ou seus defensores alevaro em frente, at que ela se torne igualmente legal em todos os Estados, tanto nos antigosquanto nos novos tanto no Norte quanto no Sul.

    No h uma tendncia rumo a essa segunda condio?Quem tiver dvidas que examine cuidadosamente aquela mquina jurdica, por assim dizer,

    agora quase completa, composta da doutrina de Nebraska e da deciso Dred Scott. Que examineno s a que trabalho e quo bem est adaptada a mquina, mas que estude tambm a histria desua construo e rastreie, se puder, ou melhor, deixe de rastrear, se puder, os indcios do plano ea ao acertada entre seus principais responsveis desde o comeo.

    [] Ao iniciar-se o ano de 1854, a escravido via-se excluda de mais da metade dos Estadospelas Constituies estaduais e da maior parte do territrio nacional por proibio do Congresso.

    Quatro dias depois, teve incio a luta que terminou com a rejeio da proibio do Congresso.Isso abriu todo o territrio nacional escravido; e foi o primeiro ponto ganho. []Essa necessidade no fora deixada de lado; pelo contrrio, fora atendida, como possvel, pelo

    notvel argumento da soberania da ocupao (Squatter Sovereignty),2 tambm chamada dedireito sagrado de autogoverno, expresso que, embora designe a nica base legtima dequalquer governo, foi to deturpada nessa tentativa de uso que passou a significar apenas isto: seum homem qualquer decidir escravizar outro, nenhum terceiro estar autorizado a objetar.

    Esse argumento foi incorporado ao prprio projeto de lei Nebraska com os seguintes termos:Sendo o verdadeiro propsito e significado desta lei no legalizar a escravido em nenhumterritrio ou Estado nem exclu-la deles, mas deixar o povo plenamente livre para formar eregulamentar suas instituies internas sua maneira, sujeitas apenas Constituio dos

  • Estados Unidos.Ento iniciou-se o rugido das peroraes desenfreadas em favor da Soberania da Ocupao

    e do Direito Sagrado de Autogoverno.Mas, disseram os membros da oposio, sejamos mais especficos vamos emendar o

    projeto e declarar expressamente que o povo de um territrio pode rejeitar a escravido. Nsno, disseram os aliados da medida; e na votao derrubaram a emenda.

    Enquanto o projeto de lei Nebraska transitava no Congresso, uma ao judicial envolvendo aquesto da liberdade de um negro, visto que seu proprietrio o levara voluntariamente a umEstado livre e depois a um territrio abrangido pela proibio do Congresso, e em ambos omantivera como escravo por muito tempo, transitava no Tribunal Federal Itinerante no Distrito doMissouri; e ambos, o projeto Nebraska e a ao, receberam deciso no mesmo ms de maio de1854. O negro chamava-se Dred Scott, nome que agora designa a deciso final da ao.

    Antes da ento prxima eleio presidencial, a ao foi levada ao Supremo Tribunal dosEstados Unidos e l discutida, mas sua deciso foi protelada at depois da eleio. Ainda assim,antes da eleio, o senador [Lyman] Trumbull, no recinto do Senado, pede que o principaldefensor do projeto Nebraska exponha sua opinio sobre se o povo de um territrio podeimpedir constitucionalmente a escravido dentro de suas fronteiras, e o ltimo responde: Essa uma questo para o Supremo Tribunal.

    Veio a eleio. Mr. Buchanan foi eleito e o endosso foi dado. Esse foi o segundo ponto ganho.Mas como o endosso no obteve uma clara maioria popular, faltando quase quatrocentos milvotos, no foi, talvez, totalmente confivel e satisfatrio.

    O presidente que saa, em sua ltima mensagem anual, ainda reforou mais uma vez ao povo opeso e a autoridade do endosso.

    O Supremo Tribunal reuniu-se outra vez; no anunciou sua deciso, mas determinou umareapresentao das alegaes.

    Veio a posse presidencial, e nada de deciso do tribunal; mas o presidente que chegava, emseu discurso de posse, exortou ardorosamente o povo a acatar a deciso vindoura, qualquer quefosse ela.

    Ento, poucos dias depois, saiu a deciso.O autor do projeto de lei Nebraska logo encontra ocasio para fazer um discurso neste

    capitlio endossando a deciso Dred Scott e denunciando veementemente qualquer oposio aela.

    [] Mais tarde, surge uma discusso entre o presidente e o autor do projeto Nebraska, sobre amera questo de fato se a constituio Lecompton fora ou no feita, em qualquer sentido preciso,pelo povo do Kansas; nessa discusso, o segundo declara que a nica coisa que deseja umavotao justa do povo e que no se importa se a escravido ser aprovada ou rejeitada. Entendoque, com sua declarao de que no se importa se a escravido ser aprovada ou rejeitada, eletenha pretendido apenas dar uma definio adequada do tipo de poltica que deseja imprimir namente da opinio pblica o princpio pelo qual afirma ter sofrido muito e estar disposto asofrer at o fim.

    E ele bem pode mesmo aferrar-se a tal princpio. Se tem algum sentimento de paternidade pelaautoria do projeto, melhor mesmo aferrar-se a ele. Pois esse princpio o nico fragmento querestou de sua doutrina original do Nebraska. Com a deciso Dred Scott, a soberania daocupao desocupou o lugar e desmoronou como um andaime provisrio. [] Sua ltima luta

  • conjunta com os republicanos contra a Constituio Lecompton no envolve nada da doutrinaoriginal do Nebraska. A luta travou-se sobre um ponto: o direito de um povo fazer sua prpriaConstituio, sobre o qual ele e os republicanos nunca discordaram.

    Os vrios pontos da deciso Dred Scott, a par da poltica do no me importo do senadorDouglas, constituem a mquina em seu atual estado de desenvolvimento. Esse foi o terceiroponto ganho.

    Os pontos operacionais dessa mquina so:Primeiro, que nenhum escravo negro, importado como tal da frica, e nenhum descendente

    desse escravo jamais podero ser cidado de nenhum Estado, no sentido em que o termo usadona Constituio dos Estados Unidos. Esse ponto permite privar o negro, em todas as hiptesespossveis, do benefcio do dispositivo da Constituio dos Estados Unidos que declara que Oscidados de cada Estado tero direito a todos os privilgios e imunidades dos cidados nosdiversos Estados.

    Segundo, que, sujeitos Constituio dos Estados Unidos, nem o Congresso nem umLegislativo Territorial podem rejeitar a escravido de qualquer territrio dos Estados Unidos.Esse ponto permite que homens, individualmente, possam encher os territrios de escravos, semo risco de perd-los como propriedade, reforando assim as chances de permanncia dainstituio por muito tempo ainda no futuro.

    Terceiro, que os tribunais dos Estados Unidos no decidiro se a manuteno de um negro emescravido efetiva num Estado livre o torna livre contra quem assim o mantm, mas deixaro adeciso para os tribunais de qualquer Estado escravagista no qual o senhor possa forar o negroa entrar. Esse ponto no foi criado para entrar em vigor de imediato, mas, se for aceito por algumtempo como algo endossado pelo povo numa eleio, ento servir para sustentar a conclusolgica de que aquilo que o senhor de Dred Scott podia fazer legalmente com Dred Scott noEstado livre do Illinois qualquer outro senhor pode fazer legalmente com qualquer escravo, sejaum, sejam mil, no Illinois ou em qualquer outro Estado livre.

    Como complemento e trabalhando de mos dadas com tudo isso, a doutrina Nebraska, ou o querestou dela, destina-se a educar e moldar a opinio pblica, pelo menos a do Norte, para no seimportar se a escravido aprovada ou rejeitada numa votao.

    Isso mostra exatamente onde estamos agora; e em parte, tambm, para onde segue a tendncia.Tem-se uma luz adicional sobre esse segundo aspecto quando voltamos a percorrer a

    sequncia de fatos histricos j apresentados. Vrias coisas agora aparecero menos obscuras emisteriosas do que antes, quando comeavam a transpirar. [] Tais coisas parecem aquelescautelosos afagos num cavalo fogoso antes de mont-lo, por receio de que ele possa derrubar ocavaleiro.

    [] No podemos saber com certeza absoluta se todas essas adaptaes exatas resultam deuma combinao prvia. Mas, quando vemos um conjunto de madeiras cortadas e aparelhadas,cujas diferentes partes sabemos que foram obtidas em tempos e lugares diferentes por diferentestrabalhadores Stephen, Franklin, Roger e James, por exemplo , e quando vemos essasmadeiras encaixadas e como elas formam exatamente a estrutura de uma casa ou de um moinho,todas as juntas e espigas combinando com exatido, e todos os comprimentos e propores dasdiferentes peas adaptados exatamente para seus respectivos lugares, sem nenhuma pea a maisou a menos sem excluir sequer o andaime , ou, se faltar alguma pea, podemos ver o lugarna estrutura perfeitamente recortado e preparado para receber o encaixe dessa pea em tal

  • caso, consideramos impossvel no acreditar que Stephen, Franklin, Roger e James estavam emconluio desde o comeo, e todos trabalharam num projeto ou esboo preparado antes que fossedada a primeira leve martelada para o encaixe. [] Somamos a com b e vemos outro belonichozinho que no tardar a ser preenchido por mais uma deciso do Supremo Tribunal,declarando que a Constituio dos Estados Unidos no permite que um Estado elimine aescravido em suas fronteiras. []

    Essa deciso tudo que falta para que a escravido seja legalizada em todos os Estados.Bem-vinda ou no, tal deciso provavelmente est chegando e logo se impor a ns, a menos

    que se enfrente e se derrube o poder da atual dinastia poltica.Vamos dormir sonhando agradavelmente com que o povo do Missouri est prestes a tornar seu

    Estado livre e acordamos para a realidade de que o Supremo Tribunal fez do Illinois um Estadoescravo.

    Enfrentar e derrubar o poder dessa dinastia a tarefa que ora se apresenta a todos os dispostosa impedir tal desfecho.

    o que ns temos a fazer.Mas como faz-lo da melhor maneira?H aqueles que nos denunciam abertamente a seus amigos, mas que nos sussurram

    disfaradamente que o senador [Stephen A.] Douglas o instrumento mais indicado paraalcanar tal objetivo. Eles no nos dizem, nem ele disse a ns, que deseja alcanar qualquerobjetivo assim. Eles querem que ns faamos toda a inferncia com base no fato de que eleagora est com um pequeno atrito com o atual chefe da dinastia e que tem votadosistematicamente conosco num nico ponto, sobre o qual ele e ns nunca divergimos.

    Eles nos lembram de que ele um homem muito grande e que os maiores de ns so muitopequenos. Concedamos. Porm mais vale um cachorro vivo do que um leo morto. O juizDouglas, se no um leo morto para esta tarefa, pelo menos um leo enjaulado edesdentado. Como pode se opor ao avano da escravido? Ele no se importa minimamente comisso. Sua misso declarada imprimir no corao das pessoas que elas no se importem aesse respeito.

    [] Nossa causa, portanto, deve ser confiada e conduzida pelos amigos incontestveis dela aqueles de mos livres e corao empenhado no trabalho que realmente se importam com oresultado.

    Dois anos atrs, os republicanos da nao reuniram mais de 1,3 milho de eleitores.Fizemos isso movidos pelo simples impulso de resistncia a um perigo comum, com todas as

    circunstncias externas contra ns.Com elementos estranhos, discordantes e at hostis, reunimo-nos vindos de todos os

    quadrantes do pas, entramos em formao e travamos a batalha at o final, sob o fogo cerrado econstante de um inimigo disciplinado, orgulhoso e mimado.

    Se lutamos com bravura naqueles dias, por que esmorecer agora? agora, quando o mesmoinimigo est cambaleando, desunido e beligerante?

    O resultado certo. No fracassaremos. Se nos mantivermos firmes, no fracassaremos.Conselhos sbios podem aceler-la ou erros podem retard-la, no entanto, mais cedo ou

    mais tarde, a vitria certamente vir.

    1 A casa dividida: Mateus 12:25; Marcos 3:25. [n. t.]

  • 2 Expresso cunhada por John C. Calhoun, e depois reformulada para Popular Sovereignty por Lewis Cass, consistiabasicamente na doutrina de que eram os colonos ocupantes dos territrios federais que deviam decidir internamente se os territriosentrariam na Unio como Estados livres ou escravocratas. A expresso soberania da ocupao adquiriu conotao depreciativasobretudo entre os whigs da Nova Inglaterra e os adversrios da escravido. Assim, embora a Lei Kansas-Nebraska (1854),patrocinada pelo senador Douglas, objeto deste discurso, invocasse o princpio da soberania popular, Lincoln continuava a se referira ela como soberania da ocupao, em claro antagonismo.

  • Discurso de possedo primeiro mandato,

    Washington, D. C.4 de maro de 1861

    Concidados dos Estados Unidos:

    Em obedincia a um costume to antigo quanto o prprio governo, aqui compareo para lhesfazer um breve discurso e, diante de vocs, prestar o juramento determinado pela Constituiodos Estados Unidos, a ser feito pelo presidente antes que ele assuma o cargo.

    Entre o povo dos Estados do Sul, parece haver o receio de que, com a ascenso de um governorepublicano, suas propriedades, sua paz e segurana pessoal estaro em risco. Nunca houvenenhum motivo razovel para tal receio. Na verdade, existem as mais amplas indicaes docontrrio, que podem ser facilmente verificadas. Encontram-se em praticamente todos osdiscursos publicados deste que agora lhes fala. [] Acrescento tambm que toda proteo quepode ser dada, em conformidade com a Constituio e as leis, ser concedida de bom grado atodos os Estados, quando legalmente solicitada, por qualquer causa de igual bom grado tantopara uma regio quanto para outra.

    H muita controvrsia sobre a entrega dos fugitivos do trabalho servil ou escravo. [] Huma diferena de opinies sobre se essa clusula deve ser executada pela autoridade nacional oupela estadual; mas certamente tal diferena no muito importante. Na rendio do escravo,pouca importncia tem para ele ou para outros a autoridade por meio da qual ela se d. E, detodo modo, como algum haveria de contentar-se que no se cumpra seu juramento em virtude deuma controvrsia meramente insignificante sobre como cumpri-lo?

    Ademais, em qualquer lei sobre esse assunto, no deveriam ser introduzidas todas assalvaguardas de direito conhecidas na jurisprudncia civilizada e humanitria, para que emhiptese alguma nenhum homem livre seja rendido como escravo? E tambm no seria o caso, aomesmo tempo, de determinar por lei a aplicao daquela clusula da Constituio que garanteque Os cidados de cada Estado tero direito a todos os privilgios e imunidades dos cidadosdos vrios Estados?

    Hoje presto o juramento oficial sem nenhuma reserva mental e nenhuma inteno de interpretara Constituio ou as leis por quaisquer regras hipercrticas. [] Assumo agora a mesma tarefapelo breve mandato constitucional de quatro anos, sob grande e singular dificuldade. Orompimento da Unio Federal, que at o momento no passara de ameaa, agora objeto deterrvel tentativa.

    Declaro que, contemplando a lei universal e a Constituio, a Unio desses Estados perptua. A perpetuidade est implcita, se no expressa, na lei fundamental de todos os governosnacionais. seguro afirmar que nenhum governo propriamente dito jamais teve em sua leiorgnica um dispositivo para seu prprio trmino. Continuemos a executar todos os dispositivosexpressos de nossa Constituio nacional, e a Unio durar para sempre, sendo impossveldestru-la, exceto por alguma ao no disposta no instrumento em si.

    Ademais, se os Estados Unidos no so um governo propriamente dito, mas uma associao de

  • Estados com a mera natureza de um contrato, poder, como contrato, ser desfeito pacificamente ano ser com a anuncia de todas as partes que o firmaram? Uma das partes de um contrato podeviol-lo, romp-lo por assim dizer; mas no so necessrias todas as partes para rescindi-lolegalmente?

    Partindo desses princpios gerais, chegamos proposio de que, contemplando a lei, a Unio perptua, confirmada pela histria da prpria Unio. A Unio muito anterior Constituio.Foi formada de fato pelos Artigos da Associao em 1774. Foi amadurecida e levada frentepela Declarao de Independncia em 1776. Foi ainda mais amadurecida, e todos os ento trezeEstados comprometeram-se e empenharam expressamente sua palavra de que seria perptua,pelos Artigos da Confederao em 1778. E finalmente, em 1787, um dos objetivos declaradospara ordenar e estabelecer a Constituio foi formar uma unio mais perfeita. Mas, se fosselegalmente possvel a destruio da Unio por um Estado ou apenas parte dos Estados, a Unioser i a menos perfeita do que antes da Constituio, tendo perdido o elemento vital daperpetuidade.

    Segue-se dessas consideraes que nenhum Estado, apenas por iniciativa prpria, pode sairlegalmente da Unio; que as resolues e os decretos para esse efeito so legalmente nulos; eque atos de violncia, em qualquer ou quaisquer Estados, contra a autoridade dos EstadosUnidos, so insurrecionais ou revolucionrios, de acordo com as circunstncias.

    Portanto, em vista da Constituio e das leis, considero que a Unio est ntegra; e, na medidade minha capacidade, cuidarei, como a prpria Constituio me impe expressamente, para queas leis da Unio sejam fielmente aplicadas em todos os Estados. [] Para isso, no hnecessidade de qualquer violncia ou derramamento de sangue; e no haver nenhum, a menosque a autoridade nacional seja obrigada a isso. O poder a mim confiado ser usado para reter,ocupar e tomar posse dos bens e lugares pertencentes ao governo e para arrecadar taxas eimpostos; mas, alm do que possa ser necessrio para tais finalidades, no haver invaso nenhum uso de fora contra ou entre o povo em lugar algum. [] Vocs arriscaro um passo todesesperado enquanto houver alguma possibilidade de que pelo menos parte dos males de quefogem no tem existncia real? Vocs arriscaro isso, mesmo que os males evidentes para osquais vocs se dirigem sejam maiores do que os males reais de que fogem? Arriscaro cometerum erro to terrvel?

    Todos professam estar contentes na Unio, desde que todos os direitos constitucionais sejammantidos. Ser verdade que algum direito, claramente escrito na Constituio, foi desrespeitado?Penso que no. [] Citem, se puderem, um nico caso em que algum dispositivo claramenteescrito da Constituio tenha sido algum dia desrespeitado. Se, pela mera fora dos nmeros,uma maioria privasse uma minoria de qualquer direito constitucional claramente escrito, isso, doponto de vista moral, poderia justificar a revoluo e certamente justificaria se tal direitofosse vital. Mas no esse o nosso caso. Todos os direitos vitais das minorias e dos indivduosesto to claramente assegurados por afirmaes e negaes, garantias e proibies naConstituio, que nunca surgem controvrsias referentes a eles. [] Se uma minoria, em tal caso,separar-se em vez de aquiescer, abrir um precedente que, por sua vez, ir dividi-la e arruin-la,pois sua prpria minoria ir se separar sempre que uma maioria recusar-se a ser controlada portal minoria.

    [] Obviamente, a ideia central da secesso a essncia da anarquia. Uma maioria reguladapor controles e limitaes constitucionais, e sempre mudando facilmente, com mudanas

  • deliberadas por sentimentos e opinies populares, o nico soberano verdadeiro de um povolivre. Quem o rejeita precipita-se necessariamente para a anarquia ou para o despotismo. Aunanimidade impossvel; o domnio de uma minoria, como arranjo permanente, totalmenteinadmissvel; de modo que, se se rejeitar o princpio da maioria, tudo o que resta a anarquia ouo despotismo sob alguma forma.

    No esqueo a posio adotada por alguns de que questes constitucionais devem serdecididas pelo Supremo Tribunal, nem nego que tais decises [] tambm so merecedoras domais elevado respeito e considerao, em todos os casos anlogos, por todos os outrosdepartamentos do governo. [] Ao mesmo tempo, o cidado isento h de reconhecer que, se apoltica do governo em questes vitais, que afetam todo o povo, deve ser irrevogavelmenteestabelecida por decises do Supremo Tribunal, no instante em que so tomadas, em litgioscomuns entre as partes e em aes pessoais, o povo deixar de ser seu prprio governante, namedida em que praticamente entrega seu governo nas mos desse eminente tribunal. []

    Em termos fsicos, no podemos nos separar. No podemos remover mutuamente nossasrespectivas regies, nem erguer um muro intransponvel entre elas. Um casal pode se divorciar ecada qual afastar-se da presena e do alcance do outro; mas as diversas partes de nosso pas nopodem. Tm de continuar frente a frente e devem manter seu intercurso, seja ele amigvel ouhostil. Ento possvel tornar esse intercurso mais vantajoso ou mais satisfatrio depois, e noantes, da separao? Ser mais fcil estranhos fazerem tratados do que amigos fazerem leis?Podem os tratados ser mais fielmente cumpridos entre estranhos do que as leis entre amigos?Suponham: se vocs declararem guerra, no podero lutar para sempre; e quando, depois demuitas perdas de ambos os lados e nenhum ganho para qualquer um deles, a luta cessar, vocstero de enfrentar novamente as mesmas velhas questes sobre os termos do intercurso.

    Este pas, com suas instituies, pertence ao povo que o habita. Quando o povo se cansa dogoverno existente, pode exercer seu direito constitucional de aperfeio-lo ou seu direitorevolucionrio de desmembr-lo ou derrub-lo. No posso ignorar o fato de que muitos cidadosdignos e patriticos desejam que a constituio nacional receba emendas. Embora eu norecomende nenhuma emenda, [] estou ciente de que a proposta de uma emenda da Constituio[] foi aprovada pelo Congresso, para que o governo federal nunca interfira nas instituiesinternas dos Estados, inclusive a das pessoas em trabalho compulsrio. [] Sustentando que taldispositivo era at agora uma lei constitucional implcita, no tenho nenhuma objeo a que setorne expressa e irrevogvel.

    Meus conterrneos, todos e cada um de vocs, pensem serenamente e bem sobre todo esseassunto. Nada de valor se perde quando se age com calma. Se algum propsito apressa qualquerum de vocs, num mpeto acalorado, a dar um passo que jamais daria ponderadamente, talpropsito ser frustrado ao se proceder com calma; mas nenhum bom propsito pode serfrustrado quando se procede com calma. [] A inteligncia, o patriotismo, o cristianismo e umafirme confiana nEle, que at agora nunca abandonou esta terra favorecida, ainda podemresolver da melhor maneira todas as nossas dificuldades atuais.

    Em suas mos, meus conterrneos insatisfeitos, no nas minhas, est a momentosa questo daguerra civil. O governo no investir contra vocs. No os envolver em nenhum conflito, a noser que sejam vocs mesmos os agressores. Vocs no tm nenhum juramento firmado no Cupara destruir o governo, enquanto eu prestarei o mais solene juramento de preservar, proteger edefender o governo.

  • Reluto em encerrar. No somos inimigos, e sim amigos. No devemos ser inimigos. Embora apaixo possa ter desgastado nossos laos de afeio, ela no deve romp-los. Os acordesmsticos da memria, estendendo-se desde cada campo de batalha e cada tmulo de um patriotaat o corao e o lar de todos os seres vivos nesta terra imensa, ainda engrossaro o coro daUnio, quando forem de novo tocados, como certamente sero, pelos melhores anjos de nossanatureza.

  • Discurso durantea consagrao

    do cemitrio de Gettysburg19 de novembro de 1863

    Oitenta e sete anos atrs, nossos antepassados criaram neste continente uma nova nao,concebida na Liberdade e consagrada proposio de que todos os homens nascem iguais.

    Agora estamos engajados numa grande guerra civil, testando se esta nao, ou qualquer naoassim concebida e consagrada, pode perdurar. Encontramo-nos num grande campo de batalhadesta guerra. Viemos consagrar uma parte deste campo como o derradeiro local de repousodaqueles que aqui deram a vida para que tal nao pudesse existir. plenamente devido eadequado que assim o faamos.

    Mas, num sentido mais amplo, no podemos consagrar no podemos santificar este solo.Os bravos, vivos e mortos, que aqui lutaram que o consagraram, muito acima do nosso fracopoder de somar ou diminuir. O mundo mal notar e por pouco tempo se lembrar do que dizemosaqui, mas jamais se esquecer do que eles fizeram aqui. Cabe antes a ns, os vivos, nosconsagrarmos aqui tarefa inconclusa to nobremente iniciada pelos que aqui lutaram. Cabeantes a ns nos consagrarmos grande tarefa que resta nossa frente que desses honradosmortos recolhamos maior dedicao a essa causa a que eles dedicaram toda a sua devoo que ns aqui tomemos a elevada resoluo de que a morte deles no foram em vo que estanao, sob a proteo de Deus, venha a ter um novo nascimento da liberdade e que o governodo povo, pelo povo, para o povo no perea no mundo.

  • Discurso de possedo segundo mandato,Washington, D. C.

    4 de maro de 1865

    Nesta minha segunda vinda aqui para prestar o juramento do cargo presidencial, h menos razopara um longo discurso do que havia na primeira. Naquela ocasio, parecia apropriado fazer umaexposio um tanto detalhada do curso a ser seguido. Agora, ao trmino de quatro anos, duranteos quais foram feitas constantes declaraes pblicas sobre todos os aspectos e fases do grandeconflito que ainda absorve a ateno e concentra as energias da nao, pouco h de novo que sepossa apresentar. A populao est a par, tanto quanto eu, do avano de nossas foras, das quaisbasicamente todo o resto depende. Isso, creio eu, bastante satisfatrio e encorajador para todos.Com grande esperana no futuro, no se arrisca nenhuma previso quanto a ele.

    Na mesma ocasio que esta, quatro anos atrs, todos os pensamentos dirigiam-se cominquietao a uma iminente guerra civil. Todos a temiam todos tentaram evit-la. Enquantoaqui se apresentava o discurso de posse, totalmente dedicado a salvar a Unio sem guerra,agentes insurretos estavam na cidade procurando destru-la sem guerra procurando dissolvera Unio e dividir os bens pela negociao. Os dois lados desaprovavam a guerra; mas um delesescolheria empreender a guerra do que deixar a nao sobreviver, enquanto o outro escolheriaaceitar a guerra do que deix-la perecer. E veio a guerra.

    Um oitavo de toda a populao era composto de escravos de cor, no distribudos por toda aUnio, mas concentrados em sua parte Sul. Esses escravos constituam um interesse econmicopeculiar e poderoso. Todos sabiam que esse interesse era, de certa forma, a causa da guerra.Fortalecer, perpetuar e estender esse interesse econmico era o objetivo pelo qual os insurgentesdespedaariam a Unio, at por meio da guerra, ao passo que o governo no reivindicava nenhumdireito a no ser o de restringir a ampliao territorial desse interesse. Nenhuma das partesesperava que a guerra tivesse a magnitude ou a durao que j alcanou. Nenhuma delas previuque a causa do conflito poderia cessar ao final ou mesmo antes do final do prprio conflito.Cada parte previa uma vitria mais fcil e um resultado menos fundamental e desconcertante.Ambas as partes leem a mesma Bblia e rezam ao mesmo Deus, e cada uma delas invoca Seuauxlio contra a outra. Pode parecer estranho que alguns homens ousem pedir a ajuda de um Deusjusto para arrancar seu po do suor de outros homens; mas no julguemos para no sermosjulgados. Seria impossvel atender s preces de ambas as partes, e nenhuma delas foi plenamenteatendida. O Todo-Poderoso tem Seus prprios desgnios. Recaia a desgraa sobre o mundo porcausa das ofensas; pois inevitvel que ofensas venham, mas desgraado aquele por meio dequem vem a ofensa! Se supusermos que a Escravido Americana uma dessas ofensas que, deacordo com providncia divina, inevitavelmente vm, mas que, tendo prosseguido pelo tempopor Ele designado, agora deseja Ele remov-la e envia, tanto ao Norte quanto ao Sul, esta guerraterrvel como a desgraa que cabe a esses promotores da ofensa, veremos a algum desviodaqueles atributos divinos que os crentes num Deus Vivo sempre Lhe atriburam? Esperamossinceramente rogamos com fervor que este poderoso flagelo da guerra possa logo passar.Mas, se Deus quiser que ele prossiga, at que todas as riquezas acumuladas por duzentos e

  • cinquenta anos de trabalho forado do escravo desapaream e que cada gota de sangue arrancadapelo aoite seja paga por outra gota arrancada pela espada, como foi dito trs mil anos atrs,ainda assim deve-se dizer que verdadeiros e justos so os juzos do Senhor.

    Sem malevolncia dirigida a ningum, com caridade para todos, com firmeza na retido, comoDeus nos d a ver o que reto, empenhemo-nos em terminar a tarefa em que estamos, em curar asferidas da nao, em cuidar daquele que enfrentou a batalha, de sua viva e de seu rfo emfazer tudo o que possa alcanar e alimentar uma paz justa e duradoura, entre ns mesmos e comtodas as naes.

  • Copyright deste edio 2013 by Companhia das LetrasGrafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

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    Published by Companhia das Letras in association with Penguin Group (usa) Inc.Todos os discursos do presente volume foram selecionados de Lincoln Speeches, coleo Civil Classics, Penguin, 2012, organizado por Richard Beeman. Os

    discursos foram abreviados pelo organizador, e os trechos omitidos esto devidamente assinalados.ttulo original

    Lincoln Speechesprojeto grfico penguin-companhia

    Raul Loureiro, Claudia Warrakpreparao

    Cecilia Caropresoreviso

    Luciane Helena Gomideisbn 978-85-8086-606-3

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    A perpetuao de nossas instituies polticasspringfield, illinois (27 de janeiro de 1838)Discurso sobre a disputa presidencial de 1848washington, d. c. (27 de julho de 1848)Discurso sobre a casa divididaspringfield, illinois (16 de junho de 1858)Discurso de posse do primeiro mandatowashington, d. c. (4 de maro de 1861)Discurso durante a consagrao do cemitrio de Gettysburg(19 de novembro de 1863)Discurso de posse do segundo mandatowashington, d. c. (4 de maro de 1865)