Abordagem psicanalítica na educação

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Freud e a Educação (Maria Cristina Kupfer) I – Freud, aluno e mestre.

Sigmund Freud nasceu no dia 6 de maio de 1856 em Freiberg ( hoje Pribor), pequena

cidade da Morávia, que na época, pertencia à Áustria e hoje está anexada à

Tchecoslováquia. Seus pais eram judeus e a sua família bem numerosa. Era o mais

velho dos oito filhos do segundo casamento de seu pai. Já contava, ao nascer, com dois

meio-irmãos, mas era o preferido. Desde cedo, os pais esperavam que se tornasse um

grande homem o que fez Freud desenvolver sua autoconfiança e o desejo de saber. Sua

inteligência era constantemente desafiada estimulando-lhe desejo perene de

compreender as coisas. Os pais jamais mediram esforços nem sacrifícios para lhe

oferecer uma educação completa.

Tratava-se de um ensino cujos fundamentos eram as Humanidades. Atravessou a vida

escolar com sucesso saindo com amplos conhecimentos sobre as culturas grega e latina,

o aprendizado de várias línguas e com interesse pela arqueologia, que lhe fornecera, no

futuro, muitas metáforas (“a escavação das camadas profundas da mente”).

Dizia que a Educação foi sua ferramenta fundamental por três motivos:

_Ascensão social na Viena da época, já que era pobre e judeu.

_A Educação lhe permitiu penetrar num círculo de vienenses cultos.

_Precisava ter acesso aos domínios do conhecimento de seu tempo para acrescentar

algo.

As relações de um discípulo com seu mestre foram objeto de reflexões do próprio

Freud e sua idéia básica era a de que os professores herdam as inclinações carinhosas

ou agressivas antes dirigidas aos pais.

Assim que se formou Freud começou a trabalhar no laboratório de Fisiologia de Ernest

Brucke, uma pessoa que inspirava respeito. Abandonou o mestre, depois de 6 anos,

convencido por ele de que a pesquisa pura era adequada para aqueles que possuíam

melhores recursos financeiros. Ingressou, em seguida no Hospital Geral de Viena,

trabalhando em várias especialidades, destacando as relações com Meynert, um grande

especialista em anatomia do cérebro. Ao afirmar que a Histeria não era um mal

exclusivamente feminino, encontrou em Meynert uma grande resistência. Deixou-o

para trás passando a dedicar-se ao estudo das doenças nervosas, sendo seu próprio

mestre Em 1885, Freud foi a Paris para conhecer os trabalhos de Charcot, grande nome

da neuropatologia, o terceiro de seus mestres.

A superação das idéias de Charcot foi inevitável por causa do advento da Psicanálise,

com melhores caminhos para a tratamento da histeria. E mais uma vez se repete o

movimento freudiano de superação de abandono dos mestres.

Nos anos em que trabalhou no laboratório de Brucke, Freud conheceu Joseph Breuer,

um clínico geral de renome, 14 anos mais velho que ele e se tornaram grandes amigos.

Em 1896, escreveram uma obra conjunta: Estudos sobre a Histeria. No entanto,

discordavam num ponto: para Freud, a causa da histeria era de natureza sexual e com

isto Breuer não concordava, e aos poucos os dois foram se distanciando. Como queria

gerar conhecimento, Freud sabia ser necessário ser mestre de si mesmo, mas algo

inconsciente o impedia e para remover impedimentos dessa ordem é preciso um

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analista. Encontrou-o na figura de Wilhelm Fliess, que desempenhou, sem o saber, o

papel de analista, investido de autoridade e confiança, porém, sem interpretar coisa

alguma. Nessa auto-análise concluiu que não precisava de professores; cabia ao seu

verdadeiro pai ajudá-lo. Assim, rompeu definitivamente com os antigos mestres

passando a ocupar ele próprio, um lugar de mestre, pôs fim à busca de um mestre-pai

e reencontrou a si mesmo. Entretanto, ser o próprio mestre não significava ocupar o

lugar do pai junto à sua mãe. Era preciso matar simbolicamente o pai, depois de

admitir a superioridade dele, para poder, em seguida, ser um criador.

A partir daí, Freud torna-se chefe de uma escola e organizador de uma instituição

voltada para a divulgação da Psicanálise e formação de analistas. Era um chefe

terrivelmente autoritário, sendo capaz de aprender com seus pacientes, mas romper

com quem o ameaçasse com idéias, que segundo ele, iriam desvirtuar a Psicanálise. Seu

magnetismo, brilho e inteligência, cegavam quem dele se aproximasse. A essa força de

atração entre ele e seus discípulos, Freud chamou de transferência.

II - Freud pensa na Educação.

No final do século XIX, predominavam as explicações orgânicas e psiquiátricas para

doenças como as esquizofrenias, as psicoses e a histeria. Os tratamentos eram:

eletroterapia, banhos, massagens, hidroterapia,, internação e hipnose. Pouco sabiam a

respeito de suas causas.

A histeria é que lhe chama a atenção pelo grande número de pacientes que o procuram

com vários sintomas: vômitos, alucinações visuais, contrações, paralisias parciais,

perturbação de visão, ataques nervosos e convulsões. Freud queria observar, analisar e

encontrar as origens daquilo.

No caso da histeria, a idéia incompatível é expulsa pelo “eu” e tornada inócua por sua

transformação somática. Freud chama isso de conversão.

Se as idéias incompatíveis são quase sempre de natureza sexual, então, o que há de

insuportável na sexualidade? Esta dúvida conduziu-o à Educação para averiguar qual

o seu papel na condenação da sexualidade, e daí a descoberta da sexualidade infantil.

É obvio que a moral transmitida pela Educação incute no indivíduo, noções de pecado

e vergonha que ele deve ter diante das práticas sexuais. Restava propor que a educação

não fizesse uso abusivo de sua autoridade porque a correção educativa, embora

necessária, nem por isso precisava ser excessiva.

1.As pulsões parciais.

Para entender a sexualidade infantil, Freud estudou as perversões. Descobriu que na

constituição dos seres humanos estão presentes práticas de natureza perversa, que irão

desaparecendo pela repressão, submetendo-se ao domínio das práticas genitais com

vistas à procriação. Algumas perversões (exibicionismo, curiosidade dirigida aos

órgãos genitais dos seus companheiros, prazer de sucção, prazer ligado à defecação),

que permanecem no adulto são o resultado dessas perversões parciais infantis que se

recusaram a cair sob o domínio da genitalidade.

A cada um desses aspectos perversos, presentes na sexualidade infantil, Freud chama

de pulsões parciais. Será uma pulsão dirigida ao próprio corpo, que não buscará um

outro corpo, como acontecerá por ocasião do desenvolvimento da genitalidade.

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As pulsões parciais possuem caráter errático; o objeto pelo qual se satisfaz é indiferente

e intercambiável, logo pode se enveredar por caminhos socialmente úteis. É passível de

sublimação e para Freud a Educação terá papel primordial nesse processo.Eis aí o

ponto que interessa ao educador.

2. Sublimação e Educação.

Uma pulsão é dita sublimada quando se dirige a um alvo não-sexual visando objetos

socialmente valorizados. Nessa busca de um objeto pode haver uma dessexualização,

pois a energia (libido) continua a ser sexual, mas o objeto não o é mais. A antiga ânsia

sexual ainda se faz presente, só que de um modo mais brando, justificando a busca

daquela atividade sublimada.

As bases necessárias à sublimação são fornecidas pelas pulsões sexuais parciais e

claramente perversas. Uma ação educativa que “atacasse” essas pulsões, não só

fracassaria, mas também faria desaparecer a fonte de um “bem” e que “a tentativa de

supressão das pulsões parciais não só é inútil como pode gerar efeitos como a

neurose”.

Dizia Freud que sem perversão não há sublimação e sem sublimação não há cultura.

Pode ser identificado como o pedagogo clássico que via na criança um mal originário,

diferente de Rousseau que afirmava a existência de um bem natural, depois subvertido

pela cultura.

Resta, então, dirigir de forma mais proveitosa a energia que move tais pulsões,

transformando, por exemplo, a pulsão escópica em curiosidade intelectual,

desempenhando papel muito importante no desenvolvimento do desejo de saber.

Freud esperava que os próprios educadores construíssem seu método e criassem

modos de operação.

Freud afirma que a hostilidade da civilização, representada por uma educação

repressora, é semelhante à defesa que o eu levanta contra a pulsão sexual produzindo a

neurose. Também a Educação exagera e produz efeitos semelhantes. Freud chega a

afirmar qe há uma vocação da humanidade para a neurose.

Reich e Marcuse dão explicações políticas e afirmam que a repressão sexual é uma das

armas de que se serve a opressão política a fim de garantir a submissão das massas.

Millot conclui que as classes sociais no poder fazem uso, em benefício próprio, da

repressão já instalada por outros meios, pois há a possibilidade de a sublimação vir a

ser operada, controlada, de fora, já que não é, na verdade, um mecanismo ao alcance da

consciência.

Freud declara o seguinte: o educador é aquele que deve buscar, para seu educando, o

justo equilíbrio entre o prazer individual e as necessidades sociais.

3.A Educação Sexual das Crianças.

Nessa época em que Freud formula as relações entre cultura e sublimação, seu discurso

é otimista. Era consultado a respeito da melhor maneira de educar os filhos, e

respondia que as crianças devem receber educação sexual, assim que demonstrem

interesse pela questão. Pais e professores deveriam ser esclarecidos acerca da existência

da sexualidade infantil. Freud observava nos pais uma incompetência para esses

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assuntos e, por isso, não devem se ocupar do esclarecimento sexual das crianças. Já

foram crianças e se esqueceram da sexualidade infantil; se esqueceram, é porque foram

reprimidos e as forças que reprimiram estão ainda atuando no sentido de não fazê-los

lembrar.

Também para o educador a infância não é mais acessível e por isso é necessário que ele

volte a fica bem com a criança que há dentro dele, através de uma análise.

As crianças costumam dar suas próprias explicações para as questões sexuais e como

nascem os bebês e que dependem dos momentos de desenvolvimento sexual em que se

encontram. Surgiram três tipos de explicações:

_ As crianças nascem pelo ânus da mãe;

_ Tanto os homens como as mulheres possuem pênis;

_ O coito é sempre de natureza agressiva e sádica.

III – A desilusão de Freud com a Educação.

Por que Freud afirmou que “a Educação é impossível?” Todas as suas idéias, sobre a

Educação, inspiradas pela Psicanálise foram por ele mesmo questionadas:

_O educador deve promover a sublimação, mas sublimação não se promove por ser

inconsciente.

_O educador deve esclarecer as crianças a respeito da sexualidade, se bem que elas não

darão ouvidos.

_O educador deve se reconciliar com a criança que há dentro dele, mas é uma pena que

ele tenha se esquecido de como é esta criança.

_E a conclusão: “A Educação é uma profissão impossível”.

1.O inconsciente.

Observamos que é com a idéia de inconsciente que esbarramos o tempo todo. Charcot,

observando as pacientes histéricas, dizia que havia uma divisão da consciência devida

a uma debilidade congênita de algumas mulheres. Para Freud, que aceitou essa

explicação, a divisão da consciência era fruto de forças psíquicas encontradas no

interior do psiquismo, o resultado da luta entre o “eu” e os impulsos de natureza

inconsciente. O aparecimento do sintoma neurótico era o modo como se resolvia o

conflito, pois esse era o disfarce que a pulsão se manifestava. Além dos sintomas,

Freud descobriu outras manifestações ao lado dos sintomas como os sonhos e os atos

falhos.

Os atos falhos (lapsos) são pequenas manifestações que emergem em nossa fala, sem

que nos demos conta e que pode revelar nossos mais íntimos segredos. Alguém que

fala pode expressar muito mais do que está querendo dizer.

Com essa descoberta a consciência foi desalojada da posição de comando que vinha

ocupando até então na Filosofia. A consciência não é mais o centro do nosso

psiquismo, não reina sobre a nossa vontade.

O aparelho psíquico se organiza sempre de modo a obter prazer e bem-estar, ou então,

no caso do sintoma, para obter o desprazer menor. A busca do prazer costuma ser cega

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e é por isso que ao princípio do prazer opõe-se o princípio da realidade, que regula,

administra e dirige essa busca, funcionando como uma ligação do indivíduo com a

realidade e seus perigos. É o princípio da realidade que não permite que o indivíduo se

destrua achando os melhores meios para a obtenção do prazer considerando as

limitações impostas pela realidade.

Há sempre um conflito entre o “eu” dirigido pelo princípio da realidade (pulsões de

conservação) e de idéias incompatíveis dirigidas pelo princípio do prazer (pulsões

sexuais).

Freud supôs que o desprazer emanava do conflito entre as forças em oposição_as

pulsões sexuais versus as pulsões de autoconservação. Entretanto, há algo no

psiquismo que escapa ao princípio do prazer: a repetição (o neurótico repete sem

cansar, atos que lhe causam sofrimento) e Freud não conseguia entender como o

indivíduo conseguia encontrar prazer em seu permanente exercício. Entreviu a ação de

uma força irreprimível, independente do princípio de prazer e oposta a ele, sem

contudo, ser aliada ao princípio de realidade. Essa força tem um caráter mortal

barrando o caminho ao desenvolvimento porque a ação da repetição fixa, torna as

coisas permanentes e imutáveis, mostrando a Freud a “face da morte” em plena ação

entre as forças que atuam sobre a vida de um indivíduo.

Freud afirma existir em todo ser vivo uma tendência para retornar ao estado

inorgânico, pois a vida surgiu do não-vivo.

É tão grande a importância desse novo conceito que Freud é levado a formular a

dualidade pulsional em novas bases. A luta no interior do psiquismo não se dá mais

entre as pulsões do “eu” e as pulsões sexuais. Freud reúne ambas de um só lado, pois

elas agem a serviço da vida, de Eros, interessadas na conservação da espécie. Seu

inimigo é a pulsão de morte, interessada em conduzir o indivíduo à estabilidade, onde

nada se movimenta, a matéria está inerte _ como a morte.

2.Conseqüências para o pensamento de um educador.

Como criar um sistema pedagógico partindo de tais afirmações? As realidades do

inconsciente e da pulsão da morte não casam bem com a promoção de bem-estar e de

felicidade próprios da educação. Contudo, o que não pode ser esquecido é a idéia de

que tais forças, presentes no interior do psiquismo, escapam ao controle dos seres

humanos e, portanto, ao controle do educador. Poderíamos dizer, então, que a tarefa

de educar se vê dificultada pela ação do inconsciente? Por que Freud afirmou que a

Educação, a Política e a Psicanálise são tarefas impossíveis?

A Educação exerce seu poder através da palavra. Seu discurso, dirigido à consciência

tenta estimular os indivíduos a se conduzirem em uma direção por ela mesma

determinada. Da palavra extrai seu poder de convencimento e de submissão do

ouvinte a ela.

No entanto, a realidade do inconsciente ensina que a palavra escapa ao falante. Ao

falar, um político e um educador poderá se perder e revelar-se indo em uma direção

contrária àquela que seu “eu” havia determinado.

Ensina a Psicanálise que a palavra é ao mesmo tempo lugar de poder e submissão, de

força e de fraqueza, de controle e de descontrole. Com, então, educar sobre uma base

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paradoxal? É que, para Freud, o domínio, a direção e o controle, que estão na base de

qualquer sistema pedagógico, jamais poderão ser integralmente alcançados.

Freud termina aqui com uma conclusão decepcionante: a Psicanálise não serve de

fundamento para a Pedagogia; não pode servir como princípio organizador de um

sistema ou de uma metodologia educacional.

Haverá, então, outro modo de a Psicanálise contribuir para um educador?

IV _ A Era Pós-freudiana.

Foram, pelo menos, três as direções tomadas pelos teóricos interessados no casamento

da Psicanálise com a Educação.

No início do século XX, na Suíça, Oskar Pfister e Hans Zulliger tentaram a criação de

uma disciplina, a Pedagogia Psicanalítica.

Outra tentativa foi a transmissão da teoria psicanalítica a pais e professores. Ana Freud

foi a principal representante desse grupo.

A terceira e mais moderna tenta transmitir a Psicanálise a todos os representantes da

cultura interessados em ampliar sua visão de mundo. Embora a expansão sobre a

cultura tenha sido grande, não chegou a atingir de modo significativo, a educação.

Karl Abraham, um dos discípulos de Freud foi quem formulou as fases do

desenvolvimento afetivo-emocional das crianças, se opondo em relação às descrições

pedagógicas basicamente cognitivas ou intelectuais.

A primeira parte da elaboração freudiana que caiu no domínio público foi o Complexo

de Édipo,descrevendo as relações afetivo-emocionais das crianças com seus pais. As

crianças que atravessam essa estrutura pré-fixada aprendem algo: como articular seu

desejo com uma lei humana universal que o regulamente: a lei do incesto. Aprendem a

ser um homem ou uma mulher, mesmo que um homem aprenda a ser uma mulher e

“prefira” esse papel ao que coincidiria com o seu sexo biológico.

Trata-se de uma estrutura, através da qual, o ser humano define-se como ser sexuado.

Mas não são meras imitações daquilo que fazem papai e mamãe. As identificações são

processos inconscientes e por isso não basta ensinar os pais como procederem diante

de seus filhos. Ele pode se tornar autoritário ou mesmo, se teve problemas com o

próprio pai, essas antigas relações atuarão de modo inconsciente.

V – O Casamento da Psicanálise com a Educação.

Oskar Pfister foi um pastor protestante que encontrou na Psicanálise um instrumento

auxiliar na educação de jovens, em Zurique. Iniciou um trabalho que viria colaborar

para a criação, mais tarde, da Psicanálise de Crianças. Pretendia usar a Psicanálise para

conduzir as forças inconscientes ao caminho do bem, sendo este definido nos termos

da religião que professava. Apoiava duas orientações bastante claras: O educador deve

funcionar como um analista perseguindo um fim moral.

Imaginava ser necessário colocar-se como modelo, promovendo uma identificação com

ele como ideal de vida e de pensamento. É nesse momento que a Pedagogia e a

Psicanálise se separam nitidamente, pois, como propiciar ao aluno a liberdade

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associativa e a fala livre para ser interpretado se o fim é a moralidade bem comportada

e definida pelo educador?

Pfister propõe o casamento da Psicanálise com a Educação, ouvindo a manifestação

livre do inconsciente e, ao mesmo tempo produzindo seu representante moral. Devido

à incompatibilidade, esse casamento não durou muito.

Hans Zulliger, assim como Pfister, seu mestre, tem seu nome ligado à Psicanálise de

crianças, que praticou ao lado de suas atividades como mestre-escola. Conseguiu

algum sucesso liberando alguns alunos de suas inibições no campo da aprendizagem,

da hostilidade e da agressão, da falta de amizades, da incontinência noturna, dos

sentimentos de culpa provocados pela masturbação, assim como de roubos impulsivos

e de outros sintomas similares.

Zulliger, simplesmente psicanalisava seus alunos e prescrevia medidas a serem

tomadas pela escola. A prática da psicologia escola de hoje tem suas raízes no trabalho

de Zulliger, visivelmente mais clínico do que pedagógico. Não estamos diante de um

casamento da Psicanálise e Educação, mas de um “ajuntamento”. Seus estudos

contribuíram para a transformação de certas práticas, correntes na época, tais como os

castigos violentos.

Uma criança educada à base de castigos e confinamentos (celas pintadas de negro, sem

móveis e sem janelas) acabará por ceder, apenas para, logo depois, retomar seus

comportamentos agressivos, assim que se sentir livre de todos os constrangimentos.

A partir dos anos 50, as instituições para a reeducação de crianças com desvios de

comportamento começaram a se multiplicar. Ao menor sinal de problemas

“psicológicos”, a criança já era encaminhada para especialistas que bombardeavam o

aluno com tratamentos psicomotores, fonoaudiológicos, ludoterápicos e

psicopedagógicos, fazendo da análise um instrumento de dominação e seleção.

Em 1925 entra em cena, na Inglaterra, Melanie Klein, vinda da Alemanha a convite de

Ernest Jones. Uma das suas preocupações era dar ênfase à vida de fantasia das

crianças, assim conseguindo com que muitos pais e educadores ingleses suportassem

melhor suas manifestações sádicas e agressivas.

Catherine Millot é a psicanalista da atualidade que melhor representa a posição de

uma Psicanálise que não pode, de modo algum, casar-se com a Educação. A

Psicanálise, como um corpo de conhecimento, aceita o debate com a cultura, mas

aplicar, não. A única aplicação possível é na clínica psicanalítica.

Partindo desse pensamento, Millot dedicou-se ao estudo das relações entre Psicanálise

e Educação propondo três questões:

1. Pode haver uma educação analítica no sentido de a educação ter uma perspectiva

profilática em relação às neuroses?

2. Pode haver uma educação analítica no sentido de visar aos mesmos fins de um

tratamento psicanalítico (resolução do Complexo de Édipo e superação de

castração)?

3. Pode haver uma educação psicanalítica que se inspire no método psicanalítico e o

transponha para a relação pedagógica? A todas essas perguntas, Millot responde

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com um “não”. A Educação a que se refere a primeira pergunta é a Educação pré-

escolar, a cargo dos pais.

O próprio Freud se mostrou, a princípio, entusiasmado, ao descobrir o papel da

repressão no desenvolvimento das neuroses. Supôs que uma educação menos

repressora evitaria as neuroses do mundo adulto (análise do pequeno Hans). No

entanto, passados trinta anos, confirmou que os conflitos psíquicos são inevitáveis

(castração e complexo de Édipo).

A resposta à segunda pergunta, também é negativa. Quando a criança chegasse à

educação regular, sua formação já estaria concluída.

Quanto à terceira pergunta, para justificar sua negativa, Millot diz que nenhuma teoria

pedagógica permite que se calculem os efeitos dos métodos postos em ação, pela

interferência do inconsciente do pedagogo e do educando. Não há como construir um

método pedagógico a partir do saber psicanalítico sobre o inconsciente, pois não há

método de controle do inconsciente.

Para que houvesse uma Educação Analítica, seria preciso que ela renunciasse àquilo

que a fundamenta, que é sua razão de ser. Precisaria deixar de ser Educação. Também

não seria possível que o pedagogo ocupasse o lugar do psicanalista, exercendo uma

influência analítica sobre a criança. Para isso teria que ter neutralidade e em Educação

isso é impossível e até mesmo desaconselhável.

Conhecer a impossibilidade de controlar o inconsciente pode levar a identificar nossos

verdadeiros limites e ficamos reduzidos á impotência.

A existência do inconsciente significa a renúncia a toda a construção civilizatória já que

esta está fundada na negação do inconsciente e na afirmação dos poderes da

consciência e da razão.

Finalmente, concluímos que é preciso buscar um ponto de equilíbrio em que o

educador possa se beneficiar do saber psicanalítico sem abandonar seu papel ou tentar

sistematizar esse saber em uma pedagogia psicanalítica.

Não se trata de transformar professores em analistas, pois são posições bastante

antagônicas entre si. Resta transmitir a Psicanálise ao educador, mas o objetivo não é a

aplicação desse conhecimento no trato com os alunos, e sim produzir efeitos na postura

do educador.

VI – A Aprendizagem segundo Freud.

O que poderia ser, para Freud, o fenômeno da aprendizagem? Sobre isso, não vamos

encontrar nenhum texto escrito por ele, pois suas preocupações eram

predominantemente clínicas, interessado que estava, em livrar as pessoas do peso das

neuroses.

Entretanto, por sua própria posição frente ao conhecimento, pensava nos

determinantes psíquicos que levam alguém a ser “desejante de saber”. O processo da

aprendizagem depende da razão que motiva a busca de conhecimento.

A criança que pergunta tanto está realmente interessada em saber como nascemos e

por que morremos, de onde viemos e para onde vamos.

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Para Freud, um momento capital e decisivo na vida do ser humano é o momento da

descoberta daquilo que ele chama de diferença sexual anatômica, quando descobrem

que o mundo é composto de homens e mulheres; em seres com pênis e seres sem pênis.

Sentem que algo está faltando para alguém. Alguém perdeu algo, assim como já havia

perdido o seio, as fezes, etc. A descoberta da diferença sexual anatômica não depende

de sua observação, mas da passagem pelo Complexo de Édipo quando a menina se

define como mulher e o menino como homem.

A essa angústia Freud chamou de angústia de castração. É isso que faz a criança querer

saber. As primeiras investigações são sempre sexuais, segundo Freud, porque a criança

quer definir seu lugar no mundo, e esse lugar é um lugar sexual.

Esse lugar sexual é situado em relação aos pais, ao que eles esperam do filho, ao seu

desejo. Por que ele foi posto no mundo?

Ao final da época do conflito edipiano parte da investigação cai sob o domínio da

repressão e a outra parte “sublima-se” em “pulsão” de saber, associada a “pulsões de

domínio” e a “pulsões de ver”.

Isso significa que o desejo de saber associa-se com o dominar, o ver e o sublimar.

1.Sublimar

Para Freud, as investigações sexuais são reprimidas e não é a Educação a maior

responsável por isto. As crianças deixam de lado as questões sexuais por uma

necessidade própria e inerente à sua constituição. Não por ser “feio”, mas porque

precisam renunciar a um saber sobre a sexualidade, para daí proceder a um

deslocamento dos interesses sexuais para os não sexuais, desviando para isso, a energia

concentrada. Não deixam de perguntar porque a força de pulsão continua estimulando

estas crianças. Perguntam sobre outras coisas para poder continuar pensando em

questões fundamentais.

Freud diz ainda que essa investigação sexual sublimada se associa com a pulsão de

domínio e aí ele localizou a pulsão de morte. Saber associa-se com dominar. A

investigação sexual sublimada relaciona-se, também, com o ver. O visual não é um

elemento secundário nas pulsões sexuais. Na constituição da sexualidade um elemento

central é a fantasia da cena primária ou cena de relação sexual entre os pais, na qual

ela, a cena, é o objeto de uma visão imaginada pelo sujeito, chegando à fantasia de se

imaginar um dos seus personagens.

Essa pulsão sublimada transforma-se em pulsão de domínio, em “pulsão de saber”.

Transforma-se em curiosidade dirigida a outros objetos, de modo geral.

É importante ressaltar a filiação da curiosidade intelectual à curiosidade sexual, à

imagem fantasiada da cena primária.

Pode-se dizer que, para Freud, a mola propulsora do desenvolvimento intelectual é

sexual.

Entretanto, a criança não aprende sozinha. É preciso que haja um professor para que o

aprendizado se realize. O ato de ensinar pressupõe uma relação com outra pessoa, a

que ensina. Aprender é aprender com alguém.

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Não importa o conteúdo ensinado (se é completamente verdadeiro ou não), o aluno

acredita no professor. E de onde eles extraem esse poder de convencimento, a sua

credibilidade?

Graças a isso o professor está revestido de uma importância especial e graças a ela, tem

grande influência sobre os alunos.

No decorrer do período de latência, são os professores que tomarão o lugar dos pais, e

em particular, do pai, e assim, herdarão os sentimentos que a criança dirigia a esse

último, por ocasião do complexo de Édipo.

A ênfase freudiana está concentrada nas relações afetivas entre professores e alunos,

relações que antes eram dirigidas ao pai. Posteriormente o próprio Freud declara que a

palavra afeto deixa de ter tanta importância.

É por isso que dizemos que, na perspectiva psicanalítica não se focalizam os conteúdos,

mas o campo que estabelece as condições para aprender. Em Psicanálise, dá-se a esse

campo o nome de transferência.

VII – Poder e Desejo – A transferência na relação professor-aluno.

A palavra transferência foi mencionada, por Freud, pela primeira vez no seu livro A

Interpretação dos Sonhos. Explicava que os acontecimentos do dia eram transferidos

para o sonho, onde apareciam modificados. Percebeu, em seguida que o paciente

transferia para o analista, antigas vivências com outras pessoas, relacionando-se com

ele como se fosse o pai, com medo de sua autoridade. Porém, em momento algum o

paciente percebia o que estava acontecendo. Era uma manifestação inconsciente que

passou a ser um bom instrumento de análise desse inconsciente.

Freud chega a afirmar que ela está presente, também na relação professor-aluno e o

que se transfere são as experiências primitivas com os pais.

Parafraseando Jacques-Alain Miller, em sua leitura do termo transferência, como ele

aparece em A Interpretação dos Sonhos, podemos dizer que na relação professoraluno,

a transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se aferra a um elemento

particular que é a pessoa do professor.

Transferir é então atribuir um sentido especial àquela figura determinada pelo desejo,

que pode ser o analista ou o professor, e que passam a ser depositários de algo que

pertence ao analisando ou ao aluno e passam a fazer parte de seu cenário inconsciente.

Sua fala é escutada através dessa especial posição que ocupam. Em virtude dessa

posse, estas figuras ficam carregadas de importância especial e é daí que emana o

poder que eles têm sobre o indivíduo.

Assim, em razão dessa transferência de sentido operada pelo desejo, ocorre também a

transferência de poder.

1.O professor no lugar de transferência.

A História mostra que a tentação de abusar do poder é muito grande. O professor pode

subjugar o aluno e impor-lhe seus próprios valores e idéias, ou seja, impor-lhe seu

próprio desejo e fazendo-o sobrepor-se àquele que movia seu aluno a colocá-lo em

destaque. Daí cessa o poder desejante do aluno e ele poderá aprender conteúdos,

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gravar informações, espelhar fielmente o conhecimento do professor, mas não sairá

desta relação como sujeito pensante.

Poderia o mestre anular seu desejo se é este que o impulsiona para a função de mestre?

O jogo é complicado, pois só o desejo do professor justifica o fato dele estar ali; e,

estando ali precisa renunciar a este desejo.

Eis aí porque se apóia a idéia de que a Educação é impossível.

VIII – Conclusão.

O encontro da Psicanálise com a Educação é um desafio. A realidade do inconsciente

nos ensina que não temos controle total sobre o que dizemos e muito menos sobre os

efeitos de nossas palavras sobre nosso ouvinte.

Por isso não se pode aplicar a Psicanálise. Por acreditar que o inconsciente introduz,

em qualquer atividade humana, o imponderável, o imprevisto, não há como criar uma

metodologia pedagógico-psicanalítica, pois, aí implicaria ordem, estabilidade e

previsibilidade.

O professor aprende que pode organizar seu saber, mas não tem controle sobre os

efeitos que produz sobre seus alunos. Deverá renunciar ao controle, e assim, estará

desocupando o lugar de poder que o aluno o coloca no início de uma relação

pedagógica.

A Psicanálise pode transmitir ao educador uma ética, um modo de ver e de entender a

prática educativa, nada mais.

A Pedagogia precisa reprimir para ensinar. Precisa da energia libidinal sublimada e

não sexualizada.

O professor pode ensinar, mas não esperar que os alunos mudarão seus modos de

pensar subjetivos. Eles ouvirão o que lhes convier e jogarão fora o resto. O bom

professor aceitará isso sem desespero e sem tentar reprimir tais atividades, pois desta

maneira, no futuro, saberão pensar sozinhos. Matar simbolicamente o mestre para se

tornar o mestre de si mesmo, esta é uma lição que pode ser extraída da própria vida de

Freud.

O encontro entre o que foi ensinado e a subjetividade de cada um é que torna possível

o pensamento renovado, a criação e a geração de novos conhecimentos.

Não se pretende um convite ao laissez-faire; o objetivo é apontar caminhos, sugerindo

aos pedagogos que não se preocupem tanto com métodos que, muitas vezes,

constituem tentativas de inculcar, a todo custo, um conhecimento supervalorizado

pelos professores.

Ao professor, cabe apenas, o esforço de organizar, articular e tornar lógico seu campo

de conhecimento e transmiti-lo aos seus alunos.

A cada aluno cabe desarticular, retalhar, ingerir e digerir tudo que vem ao encontro de

seu desejo e que lhe fazem sentido e encontram eco nas profundezas de seu

inconsciente.