ABMS - A Engenharia Geotécnica no Brasil

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16 Janeiro 2007 A Engenharia Geotécnica no Brasil Prof. Alberto Sayão - Presidente da ABMS, Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica E-mail: [email protected] 2007: um ano que começou com muita turbulência para a engenharia geotécnica nacional. Nas duas primeiras semanas, tivemos os escorregamentos da região serrana do Rio de Janeiro, a ruptura da barragem de rejeitos de Minas Gerais e o desabamento na Linha 4 do Metrô de São Paulo. Três acidentes que marcam a geotecnia nacional. Todos de grande porte, todos de grande repercussão na imprensa, todos com consequências trágicas. E o que mais têm estes acidentes em comum? Os administradores, políticos e demais entrevistados apontaram a chuva como o principal vilão, como a causa das tragédias. É conveniente, mas não é tão simples assim. Os engenheiros geotécnicos sabem que as causas são mais complexas. A presença de água no terreno tem grande relevância, pois a resistência reduz-se com o aumento da umidade do solo ou da rocha. Eis um princípio básico da engenharia: “Toda obra deve ser projetada para a pior situação”. No caso de obras geotécnicas, talvez seja difícil definir exatamente qual é a pior situação. Porém, as camadas de solo são sempre consideradas com o maior teor de água possível ou previsto para a vida útil da obra. Portanto, a chuva não deve ser culpada pelos acidentes. A princípio, não existe obra 100% segura; toda obra de engenharia envolve algum risco. E o nível de segurança contra acidentes aumenta diretamente com o custo da obra. Por outro lado, a nossa engenharia está apta a projetar e executar qualquer obra com o nível adequado de segurança. No fundo, tudo se resume ao melhor balanceamento entre benefícios e custos. Será, portanto, que os acidentes acima mencionados poderiam ter sido evitados? A resposta, clara e simples, é: “tecnicamente, sim”. Entrando em detalhe, para cada acidente, há duas alternativas: ou houve falha técnica (projeto ou construção), que deveria ter sido detectada a tempo, ou então a obra foi concebida com um nível de segurança insuficiente. Neste caso, uma solução de maior custo teria sido provavelmente necessária. O item “Custos” remete-nos então aos contratos de engenharia atualmente praticados (obras contratadas apenas com um projeto básico e preço “fechado”, “turn-keys”, etc.) ou, ainda, às concessões através de PPP’s - parcerias público-privadas. A lei 11079/04, sobre essa modalidade de concessão, é clara e determina, em seu Artigo no. 9, que “antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria”. O projeto executivo da obra também é de responsabilidade do contratado (Artigo no. 11). Portanto, em muitos destes contratos, o projeto, a execução e até a fiscalização da obra não são necessariamente independentes, pois estão ligados a um mesmo grupo. Apesar das eventuais vantagens, estas modalidades – com o construtor tornando-se responsável pela subcontratação do projeto executivo e fiscalização – reduzem, em tese, as atividades de verificação, questionamento e reparo de eventuais falhas. Outro aspecto a ser considerado: muitas licitações têm estipulado valores máximos, que correspondem a preços inexeqüíveis. As licitações decididas pelo "menor preço" nem sempre resultam no “melhor preço”. Da mesma forma, o menor prazo nem sempre é o melhor prazo. Estes itens induzem cortes nos projetos e sugerem práticas anti-éticas, com conseqüências na qualidade e na segurança das obras. Com estas práticas, o projetista e o consultor vêm sendo desprezados ou desvalorizados no país. Eles são muitas vezes forçados a trabalhar sem todas as informações desejáveis, sem as investigações geológicas e geotécnicas necessárias para uma melhor definição do subsolo e uma maior precisão dos cálculos. O resultado tem sido a extinção dos laboratórios técnicos, o desmembramento das empresas de projeto e a fragilização da consultoria no Brasil. No entanto, projeto e consultoria têm custos irrelevantes, quando comparados com o custo total das obras, e são decisivos para a otimização dos investimentos. O caso recente da barragem de rejeitos em Minas Gerais pode ter sido um exemplo onde seriam necessárias mais investigações e mais consultoria, com instrumentação e inspeções periódicas, para uma melhor avaliação da segurança da obra.

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A Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica publica a íntegra das diversas opiniões, com conteúdo geotécnico, a respeito das catástrofes ocorridas no início de 2007, referentes aos escorregamentos na região serrana do Rio de Janeiro, da ruptura da barragem de rejeitos de Minas Gerais e do desabamento na Linha 4 do Metrô de São Paulo, possibilitando que repórteres, administradores e o público em geral encontrem uma referência técnica de alto nível, sem os truncamentos usuais das entrevistas divulgadas na época.

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16 Janeiro 2007

A Engenharia Geotécnica no Brasil

Prof. Alberto Sayão - Presidente da ABMS, Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica

E-mail: [email protected] 2007: um ano que começou com muita turbulência para a engenharia geotécnica nacional. Nas duas primeiras semanas, tivemos os escorregamentos da região serrana do Rio de Janeiro, a ruptura da barragem de rejeitos de Minas Gerais e o desabamento na Linha 4 do Metrô de São Paulo. Três acidentes que marcam a geotecnia nacional. Todos de grande porte, todos de grande repercussão na imprensa, todos com consequências trágicas. E o que mais têm estes acidentes em comum? Os administradores, políticos e demais entrevistados apontaram a chuva como o principal vilão, como a causa das tragédias. É conveniente, mas não é tão simples assim. Os engenheiros geotécnicos sabem que as causas são mais complexas. A presença de água no terreno tem grande relevância, pois a resistência reduz-se com o aumento da umidade do solo ou da rocha. Eis um princípio básico da engenharia: “Toda obra deve ser projetada para a pior situação”. No caso de obras geotécnicas, talvez seja difícil definir exatamente qual é a pior situação. Porém, as camadas de solo são sempre consideradas com o maior teor de água possível ou previsto para a vida útil da obra. Portanto, a chuva não deve ser culpada pelos acidentes. A princípio, não existe obra 100% segura; toda obra de engenharia envolve algum risco. E o nível de segurança contra acidentes aumenta diretamente com o custo da obra. Por outro lado, a nossa engenharia está apta a projetar e executar qualquer obra com o nível adequado de segurança. No fundo, tudo se resume ao melhor balanceamento entre benefícios e custos. Será, portanto, que os acidentes acima mencionados poderiam ter sido evitados? A resposta, clara e simples, é: “tecnicamente, sim”. Entrando em detalhe, para cada acidente, há duas alternativas: ou houve falha técnica (projeto ou construção), que deveria ter sido detectada a tempo, ou então a obra foi concebida com um nível de segurança insuficiente. Neste caso, uma solução de maior custo teria sido provavelmente necessária. O item “Custos” remete-nos então aos contratos de engenharia atualmente praticados (obras contratadas apenas com um projeto básico e preço “fechado”, “turn-keys”, etc.) ou, ainda, às concessões através de PPP’s - parcerias público-privadas. A lei 11079/04, sobre essa modalidade de concessão, é clara e determina, em seu Artigo no. 9, que “antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria”. O projeto executivo da obra também é de responsabilidade do contratado (Artigo no. 11). Portanto, em muitos destes contratos, o projeto, a execução e até a fiscalização da obra não são necessariamente independentes, pois estão ligados a um mesmo grupo. Apesar das eventuais vantagens, estas modalidades – com o construtor tornando-se responsável pela subcontratação do projeto executivo e fiscalização – reduzem, em tese, as atividades de verificação, questionamento e reparo de eventuais falhas. Outro aspecto a ser considerado: muitas licitações têm estipulado valores máximos, que correspondem a preços inexeqüíveis. As licitações decididas pelo "menor preço" nem sempre resultam no “melhor preço”. Da mesma forma, o menor prazo nem sempre é o melhor prazo. Estes itens induzem cortes nos projetos e sugerem práticas anti-éticas, com conseqüências na qualidade e na segurança das obras. Com estas práticas, o projetista e o consultor vêm sendo desprezados ou desvalorizados no país. Eles são muitas vezes forçados a trabalhar sem todas as informações desejáveis, sem as investigações geológicas e geotécnicas necessárias para uma melhor definição do subsolo e uma maior precisão dos cálculos. O resultado tem sido a extinção dos laboratórios técnicos, o desmembramento das empresas de projeto e a fragilização da consultoria no Brasil. No entanto, projeto e consultoria têm custos irrelevantes, quando comparados com o custo total das obras, e são decisivos para a otimização dos investimentos. O caso recente da barragem de rejeitos em Minas Gerais pode ter sido um exemplo onde seriam necessárias mais investigações e mais consultoria, com instrumentação e inspeções periódicas, para uma melhor avaliação da segurança da obra.

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A ABMS tem apontado estes problemas repetidamente em seus congressos técnicos, dos quais têm participado ativamente os principais especialistas geotécnicos do país. A responsabilidade passa também pelo poder público, que precisa atuar ativamente para o aperfeiçoamento da prática de licitações e contratações. No caso específico dos escorregamentos recentes nas encostas da região serrana do Rio, é sintomático que tenham sido mais trágicos em Nova Friburgo. Justamente em Friburgo, onde a ABMS promoveu um encontro técnico de dois dias sobre estabilização de encostas, em final de novembro de 2006! No entanto, apesar de convidados com mais de seis meses de antecedência, todos os prefeitos e secretários de obra da região (Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, etc) esquivaram-se a apresentar suas atividades no assunto ou até mesmo de comparecer. Exceção honrosa para o secretário do município de Cantagalo, que compareceu e participou. Parece, portanto, que os administradores e políticos consideram mais fácil culpar a chuva do que ouvir, discutir e implementar as propostas e ações para evitar os acidentes. Em resumo, o Brasil tem capacitação técnica e tecnológica que em nada fica a dever a qualquer país do mundo. Isso não significa que acidentes deixarão de ocorrer. Significa apenas que, dadas as devidas condições, a engenharia pode e deve minimizar a frequência e as consequências destes acidentes. E a chuva vai cair sem causar tantos problemas à sociedade… A ABMS propõe-se, agora, a centralizar a discussão, publicando no seu website (www.abms.com.br) a íntegra das diversas opiniões com conteúdo geotécnico. Isto possibilitará que repórteres, administradores e o público em geral encontrem no website da ABMS uma referência técnica de alto nível, sem os truncamentos usuais das entrevistas que vêm sendo atualmente divulgadas na mídia.

FORUM - OPINIÕES DE ESPECIALISTAS

01. Qualidade Tem Preço (e a falta dela também...) Eng. Waldemar Hachich, Prof. Titular da Escola Politécnica da USP Vice-presidente da ISSMGE para a América do Sul Ex-presidente e conselheiro da ABMS E-mail: [email protected] Será que os indivíduos que contratam obras por mínimo custo global, em regime "turn key", utilizam esse mesmo critério para escolher os cirurgiões que tratarão das suas mazelas cardíacas? Em diversas instâncias, decisões cruciais para a nossa Engenharia Civil vêm sendo tomadas, nos últimos anos, por "gestores", com seus reluzentes mestrados e doutorados em "business" em Harvard, Stanford, London Business School, MIT, FGV, na sua esmagadora maioria absolutamente jejunos quanto às especificidades técnicas da Engenharia Civil. Contratam "engenharia" da mesma forma que contratam, por exemplo, serviços terceirizados de limpeza. Tudo se resume à trivialidade do "business as usual". Gestores demais (e com remunerações pautadas pela área financeira), engenheiros civis de menos (e com remunerações de terceiro -- ou quarto! -- mundo). Em quase todas as decisões, excelência técnica viu-se subjugada pelo avassalador imperativo econômico-financeiro. Trabalhei, entre outras obras, na linha 1 (Santana-Jabaquara) do Metrô de São Paulo, na década de 70. Decisões de Engenharia eram então tomadas por engenheiros. Mais importante, a proprietária contratava, direta e independentemente, prospecções, projeto, empreiteiras e consultores. As inevitáveis (e saudáveis) discussões entre esses protagonistas da obra, cada qual com sua posição INDEPENDENTE, resultavam em melhor qualidade, mesmo frente a desafios então totalmente novos, como a escavação sob os edifícios da Rua Boa Vista, Pátio do Colégio, Caixa Econômica Federal, Palácio da Justiça, etc.). Seria ingênuo dizer que não houve acidentes, mas eram menos freqüentes e menos graves do que aqueles que temos testemunhado nos últimos anos. Legislação (Lei 8666, por exemplo) e práticas contratuais ("turn key" por preço global mínimo, abrangendo prospecção, projeto, construção e monitoração) vêm sendo interpretadas e aplicadas, na contratação de serviços de Engenharia Civil, no sentido contrário ao da qualidade, no sentido de

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desvalorizar a excelência técnica. Há exemplos igualmente preocupantes em outras áreas. Alguém ainda se lembra da IATA e da época em que as tarifas aéreas mínimas eram estabelecidas por ela? Pois bem, desregulamentou-se tudo. E as estatísticas são inequívocas: aumentou o índice mundial de acidentes aéreos por horas voadas. Por que será? Não se pode simplesmente esperar que o "mercado" regule tudo. Claro que acabaria regulando: as companhias de seguro passariam a cobrar mais caro, as empreiteiras passariam a cobrar mais caro (mas continuariam forçando a minimização de gastos com investigações e projetos), os projetos iriam ficando mais e mais conservadores (por MEDO e por falta de recursos para os projetistas fazerem estudos DE FATO), a sociedade iria pagando cada vez mais... e continuaria sem nenhuma garantia de redução do número de acidentes. Essa meta exige valorização da excelência técnica, da QUALIDADE. E qualidade tem preço. É preciso conscientizar a sociedade para o fato de que esse preço é inferior ao preço da falta de qualidade, ao preço de acidentes, de desperdícios, de desmoralização de uma engenharia civil que já foi reconhecida internacionalmente como uma das melhores do mundo. Urge explorar as melhores formas de aplicação da legislação, com eventual revisão das práticas contratuais das obras públicas. Mas liminarmente impõe-se o COMPROMISSO SOLIDÁRIO dos profissionais e empresas de Engenharia Civil, suas associações e entidades de classe, com uma pauta de aderência estrita a critérios de qualidade. 02. A Engenharia Atual Eng. Paulo Teixeira da Cruz, Prof. da Escola Politécnica da USP Conselheiro da ABMS E-mail: [email protected] Talvez as 6 pessoas que estavam dentro da Van que caiu na cratera do Metrô sejam as únicas pessoas que não tem nada a ver com o acidente. Porque nós, engenheiros de S.Paulo e do Brasil, as nossas Associações de Classe, as nossas empresas de Consultoria e de Engenharia, os nossos Empreiteiros e Donos de Obras , os nossos órgãos públicos, as nossas instituições de ensino e de pesquisa, os nossos prefeitos e governadores, e a nossa querida imprensa temos assistido de braços quase cruzados à crescente derrocada da engenharia brasileira e a um número crescente de acidentes nas nossas obras de engenharia. Alguns casos, ou causos, como dizem os mineiros, podem ser lembrados. Em l996, quando buscava apoio para editar o meu livro das 100 barragens, eu recebi um auxílio fundamental na edição do livro de uma importante empresa de engenharia. Dez anos depois , ou seja em 2006, eu procurei fazer um contato com a empresa e comecei a telefonar aos meus conhecidos de 96 e já não encontrei nenhum. Todos tinham "saído" da empresa. Passou dos 60, a empresa agradece pelos serviços prestados. Com que objetivo uma grande empresa abre mão dos seus membros mais antigos e seguramente mais competentes? Não foi da competência que se tratava, mas talvez da forma de trabalhar e de encarar os projetos e a sua execução. Os "novos" contratos já não permitiam que certas práticas mais tradicionais fossem adotadas, e talvez os "velhos" pudessem começar a criar dificuldades. Não sei. Os novos contratos, ou a nova maneira de se fazer engenharia, estão aí:sempre discutidos, modificados, adaptados, questionados, mas todos contêm dois germes nos seus embriões: os custos e os cronogramas. Para qualquer projeto de engenharia, e principalmente num projeto de infra-estrutura, só há duas questões na cabeça dos empreendedores: quanto custa e quando fica pronto? Afinal por que motivos um investidor vai colocar o seu dinheiro num investimento que rende menos do que as ações dos bancos, ou do petróleo? Prejuízo é coisa para o governo. Obras têm que ser, portanto, de menor custo e de curto prazo, para atrair o dinheiro privado (que quase sempre é do BNDS, mas que é repassado para o investidor). E nós, engenheiros e geólogos e administradores e gestores e coordenadores e gerentes e fiscais e supervisores e engenheiros do cliente e engenheiros do proprietário e engenheiros dos construtores e representantes dos clientes e consultores, entramos todos nesta canoa furada que se chama de Engenharia Brasileira. Quando eu escrevi, em l996, na introdução do livro das 100 barragens, que fosse por sorte ou fosse porque fosse, que nas 100 ou mais barragens com as quais eu estive envolvido não havia ocorrido

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nenhum acidente importante, eu não fazia idéia de que nos 10 anos seguintes eu estaria envolvido em vários acidentes, em soluções de projeto de maior risco, em situações de absoluta falta de engenharia, e assistisse à destruição de instituições de pesquisa e à redução dos salários de profissionais, a níveis tais que desincentivaram a entrada na área de novos engenheiros que encontrassem espaço em empresas de projeto e de construção, onde pudessem completar a sua formação profissional. Já não existem empresas de engenharia no Brasil. Existem aglomerados de profissionais autônomos, reunidos por um curto espaço de tempo, para desenvolver um projeto sem recursos de investigações e de tempo, para ser executado no menor prazo e ao menor custo, com um processo de auto-fiscalização aprendido em cursos de informática. E o último tiro foi dado pelas seguradoras. Uma das grandes discussões hoje em torno de qualquer empreendimento é o valor do seguro. Consultores especializados na avaliação dos riscos, envolvidos na execução de uma obra, são os mais valorizados no mercado. Uma das notícias mais insistentemente repetidas no acidente do Metrô foi a cifra de R$ 1,3 bilhões que caberia ao Seguro pagar, até que uma pessoa que assistia à tentativa da retirada das vítimas reclamou: “tem gente morta aí, ou talvez com vida e vocês só pensam em quem vai pagar pelo prejuízo”. .E eu pensei cá comigo que essa novela eu já tinha visto mais de uma vez nos últimos dois ou três anos. Agora vão chamar o IPT para explicar as causas do acidente. Serão verificadas as memórias de cálculo e o dimensionamento do anel de concreto que circundava a escavação do poço, os sistemas de bombeamento, os métodos de escavação dos túneis, as sondagens e ensaios realizados, os boletins da fiscalização e os dados do monitoramento. Serão também analisadas as detonações e os abalos que causaram as trincas nas residências das vizinhanças e que, quando vistoriadas pelos engenheiros da seguradora, foram simplesmente desconsideradas ou atribuídas a cupins e outros animais do campo. E será discutida a falha geológica, tão conveniente em certos contratos de seguro. E, dentro de um ou dois anos, quando a seguradora começar a pagar uma pequena parcela do prejuizo dos moradores da região e às famílias das vítimas, e depois de ter pago uma parcela fundamental para os empreiteiros, deixando o resto do prejuízo para a Companhia do Metrô, o IPT apresentará um laudo apontando as causas do acidente. Causas estas que são hoje mais do que conhecidas por todos os envolvidos no projeto, mas que não podem ser mencionadas por problemas contratuais, legais, e ilegais, principalmente porque as seguradoras também têm os seus consultores, que também sabem das causas dos acidentes mas que não podem ser mencionadas, por problemas contratuais legais, ilegais, etc. A isto se reduziu a Engenharia Nacional. Até quando nós vamos ficar assistindo a este show de luzes e cores e vivendo das migalhas que sobram para remunerar os nossos engenheiros ? 03. Um Desastre Esperado Eng. Faiçal Massad, Prof. Titular da Escola Politécnica da USP; Ex-Presidente e Conselheiro da ABMS E-mail: [email protected] Um desastre esperado! É assim que nos sentimos perante o colapso ocorrido num shaft da linha 4 do Metrô de S. Paulo, em construção. O problema é mais em cima: reside na forma como são feitas as licitações de obras públicas no Brasil. Os órgãos públicos contratam empresas por um preço mínimo e global, isto é, por todas as atividades, desde a investigação geológica-geotécnica, projeto, execução, controle tecnológico e monitoração. A contratada, uma construtora ou um consórcio de construtoras, por sua vez, subcontrata várias outras empresas (outros "atores") para as investigações, o projeto, o controle tecnológico, etc... Está feito o "imbroglio". Há um ano, o Nieble denunciou publicamente o problema, numa palestra no Geosul 2006, em Porto Alegre, ao apresentar o caso da ruptura da Barragem de Camará, no NE do Brasil. Tem que haver independência entre os vários atores. Foi assim durante a construção da 1a. linha do Metrô de S. Paulo, na década de 1970. E lembrem-se que esta linha atravessou o centro de S. Paulo, em túnel! Até agora, ninguém levantou esta questão das licitações nas reportagens televisivas. Estão culpando o solo (!!??) e, de pasmar, as chuvas que, é verdade, têm sido muito intensas nesta época do ano.

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Até um conhecido e popular repórter da TV Bandeirantes de S. Paulo, o Datena, rechaçou esta "hipótese". Segundo ele, como chove sempre, os engenheiros devem saber levar em conta os seus efeitos... Tomo a liberdade de transcrever comentários que recebi do nosso colega do Porto, o António Viana, também sócio da ABMS, a propósito desta questão. "Mas é realmente triste e muito particularmente se temos causas tão economicistas por trás de insucessos da nossa actividade, criando uma imagem da prática de engenharia que não é justa. Em Portugal, não andamos longe dessa realidade: uma manta de retalhos de "actores". As Scuts (estradas de concessão, com construção e exploração). No entanto, tem melhorado em alguns sectores após - também aqui - alguns sérios acidentes (metros de Lisboa e do Porto, escavações de grande dimensão em Lisboa e Porto, ponte da Rainha Santa Isabel em Coimbra...). Hoje conseguimos implementar em alguns sectores a revisão de projecto, a independência da fiscalização, etc... Mas, muitas vezes essas revisões e algumas rejeições da fiscalização, são tardias (pedidas fora de tempo) ou consideradas tardiamente, com o manifesto intuito de ficar com registo de salvaguarda da face (tipo: segurança para eventuais processos futuros - "fizemos, mas..."). Se nada acontecer, arquiva-se. Claro que o objecto é político: fazer depressa para o "corta fitas" e com mínimo de custos. A Ordem dos Engenheiros tem lutado muito mas - eu próprio, que tenho cargos dirigentes, estou desanimado com a falta de reconhecimento das qualificações mínimas dos técnicos que recomendamos em documentos lavrados por nós e honorários mínimos, que evitariam projectos e serviços "a metro" - tudo fica em cima das mesas dos políticos de meia tigela, que mandam no nosso país... Enfim, não fossemos nós de países irmãos. É muito difícil lutar contra a desmesurada ambição dos homens (com letra pequena)...". 04. Crônica de uma Morte Anunciada Eng. Willy Lacerda, Professor Titular, Coppe - Universidade Federal do Rio Janeiro O acidente foi anunciado. Pelo que se ouviu de funcionários da obra e de moradores, entrevistas pela radio e TV, os sinais precursores estavam todos lá. Não entrando no mérito do projeto (se estava certo ou errado), dos motivos que levaram a um outro procedimento de escavação (redução dos custos?), enfim, abstendo-nos destes itens, temos como realidade palpável os dados da instrumentação, que indicam o que está acontecendo na obra, e alertam sobre possíveis “surpresas geológicas”. E o que faltou, parece-me, foi a ausência de um gerenciamento ágil e capaz de tomar providencias na hora certa. Onde estava a análise rápida dos dados de instrumentação? Onde estava o cuidado com a vida dos que moravam em cima do trajeto do túnel, que deveriam ter sido alertados e evacuados quando a velocidade de movimentos, certamente detectada pelos instrumentos, acelerou? Enfim, num país tropical, chuva não é mais argumento. Surpresa geológica não é argumento, pois a instrumentação alerta para este tipo de “surpresa”. Devemos prestar estes esclarecimentos à mídia, para que não fique pensando o público leigo que nós, geotécnicos, somos um bando de idiotas. 05. Faltaram Sondagens ? Eng. Ney A. Nascimento, Prof. da Universidade Federal do Paraná Sócio da ABMS E-mail: [email protected] Gostaria também de aproveitar esta (infeliz) oportunidade e ressaltar um ponto que a meu ver ficou muito claro, numa das entrevistas feitas e apresentadas pela rede Record na área do acidente do metrô, se não me engano no sábado à tarde.

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Um geólogo afirmou que por heterogeneidade do solo no local da escavação vertical, não detectada nas sondagens (neste momento falou-se de algo como uma a cada 50 m ao longo da obra), houve condição desfavorável e não prevista que teria causado a ruptura da contenção.... Sem entrar no mérito, ficou claramente no ar o fato de que poucas sondagens foram feitas nessa área, o que pessoas leigas em geotecnia que comigo assistiam ao programa "ao vivo" entenderam muito bem. Então, para uma escavação da ordem de 40 m de diâmetro e 40 m de profundidade, poucas sondagens foram feitas??? Tenha ou não sido verdade, não podemos conviver com esta lamentável dúvida, que como exposta àquela ocasião mostrou economia de "picuinhas" numa obra geotécnica gigantesca!! Aproveito para comentar ainda que em muitas outras obras, menores ou até de porte similar, ainda há a cansativa batalha para economizar elementos básicos, entre os quais as sondagens (que podem ser entendidas também como coletas de amostras, ensaios, modelagens, etc.), normalmente de custo ridículo perante o todo da obra. Outro aspecto é a questão estrutural da contenção do poço – aparentemente não havia armadura, ou havia armadura insuficiente, ou o concreto não foi bem especificado/executado, ou os esforços não foram bem definidos.... faltou interação entre estruturistas e geotécnicos??? Lamento novamente, pelas vítimas, pela propriedade perdida, pelos ônus sociais, materiais, técnicos de um país que construiu Itaipu, para dar somente um bom exemplo dentre tantos possíveis, e que deve estar sendo mal visto com tanta propaganda negativa que o acidente gerou. 06. A triste realidade Eng. Jarbas Milititsky, Prof. Titular da UFRGS, Porto Alegre. Vice-Presidente e conselheiro da ABMS, E-mail: [email protected] Do capitulo final do livro "Patologia das Fundações" (Editora de Textos, 2006): Entretanto, considerando as obras correntes e a média da atividade profissional, observa-se o crescimento do número de patologias de fundações. Tal fato é decorrente de inúmeras causas e condições propícias, quais sejam: a) a proliferação de empresas de investigação do subsolo e de execução de fundações, muitas das quais sem a devida qualificação. Surgimento da prática da terceirização dos serviços por empresas não especializadas; b) o crescimento do número de profissionais envolvidos na definição do tipo, projeto ou fiscalização de fundações, sem experiência e o devido conhecimento dos fundamentos de geotecnia em aspectos referentes a caracterização do comportamento dos solos, transmissão de cargas e deformações do solo sob carga, efeito da execução de elementos profundos na massa de solo, além de aspectos específicos dos efeitos da execução dos trabalhos de engenharia nos prédios já existentes, ou desconhecimento do fato que existem condições em que o solo apresenta movimentos independentes das cargas aplicadas sobre o mesmo; c) crescimento das cargas, complexidade das mesmas e esbeltez / fragilidade das estruturas modernas; d) construções em áreas consideradas inadequadas no passado ou típicas de solos de baixa resistência; e) contratação de profissionais e empresas pelo menor preço, sem exigência de comprovação de competência e experiências compatíveis com o problema; f) licitação de obras sem projeto de engenharia completo, em que os proponentes apresentam, na forma de estudo preliminar ou ante-projeto, as soluções consideradas “padrão”. Ao serem contratadas as obras, os custos da solução ficam limitados ao valor da proposta e acabam, contrariamente à boa técnica e ao bom senso, condicionando a solução executada. g) desmonte de equipes técnicas de empresas públicas e privadas decorrentes da falta de investimentos em infra-estrutura e falta de renovação de quadros técnicos por longo período, tornando a avaliação de “soluções” impossível pela falta de competência instalada dos contratantes. Triste realidade , que a ABMS tem a obrigação de denunciar,fazendo um trabalho sério de valorização profissional...

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07. Evitando o Descrédito Eng. Mauricio Erhlich, Professor da Coppe - Universidade Federal do Rio Janeiro Conselheiro da ABMS, E-mail: [email protected] Precisamos nos posicionar de forma clara. Não faz sentido informações do tipo "foi uma fatalidade" ou culpar a chuva. Sabemos que a geotecnia, desde que bem exercida, é capaz de minimizar problemas e que uma monitoração adequada pode permitir que os problemas sejam antecipados. Infelizmente, em muita das situações, os profissionais não têm condições adequadas para desenvolver um projeto, levando em consideração o que manda a boa técnica. Investigação infelizmente é considerada custo. A meu ver, deveria ser considerado como investimento, para permitir um projeto realístico e uma execução bem sucedida. Hoje em dia, ensaios em laboratório são cada vez mais raros e, quando muito, são realizados alguns ensaios de campo. Precisamos deixar claro para a sociedade que sabemos sim, temos condição sim, de desenvolver projetos seguros e adequados, em preço e prazo. A Engenharia precisa se valorizar e reagir a imposições que só levam ao descrédito. 08. Prudência e bom senso Eng. Alexandre Gusmão, Gusmão Engenheiros Associados Ltda, Recife, PE. Conselheiro da ABMS E-mail: [email protected] Louvável a atitude da ABMS em centralizar as nossas opiniões. Tive a experiência de participar de uma comissão do CREA/PE aqui em Recife para diagnóstico do desabamento do Edf. Areia Branca, onde houve 04 vítimas, e era impressionante a quantidade de "especialistas" dispostos a falar à imprensa. Inúmeras bobagens e aberrações. Outro aspecto que me impressiona é a "certeza" com alguns colegas já divulgam a causa do acidente (como se fosse uma única...). Ontem na TV Record a noite, vi um colega da USP já dizendo que foram as detonações que provocaram o acidente do metrô. Na época do nosso SEFE 2004 em SP, ele também anunciou em primeira mão (10 dias depois do acidente) em uma das sessões técnicas que a causa do desabamento do Edf. Areia Branca havia sido as suas "Fundações". Os estudos mostraram fartamente que não havia qualquer problema com as fundações do prédio. Prudência e bom senso é que todos esperam em um momento doloroso para todos nós. Creio que o mais importante é que a ABMS se mantenha atenta na apuração do acidente e exija, junto com os demais órgãos da sociedade, que os resultados sejam amplamente divulgados, pois se trata de uma obra pública. 09. Um desabafo Eng. Ian Schumann Marques Martins, Prof. da Coppe-UFRJ Conselheiro da ABMS E-mail: [email protected] Acho que, além do que está escrito, é preciso um texto que esclareça a opinião pública, escrito em linguagem ainda mais clara e simples. Um texto para desfazer a confusão criada por algumas declarações dadas na mídia, de que todo acidente em obra geotécnica pode ser visto como uma fatalidade, já que se está lidando com coisas da natureza. Isso faz com que o público creia que

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acidentes desta natureza devam sempre ser encarados como normais e portanto fora do controle da engenharia, o que é uma idéia errada. Esse tipo de idéia está sendo alinhavada por alguns espertalhões que tendem a tirar partido da confusão em prol da má prática da engenharia (e da impunidade daqueles que exercem a engenharia de forma irresponsável, inconsequente e aventureira). Em segundo lugar, acho que deveria haver um apoio explícito da ABMS ao IPT. O IPT tem que se sentir politicamente fortalecido para que possa apurar os fatos com isenção, acima de interesses de quem quer que seja ! Diante dos desmandos e das desinformações que vêm se tornando prática condenável no país (como por exemplo os recentes episódios envolvendo a aviação civil), sugiro que a ABMS mostre a sua posição FIRME e CLARA diante da opinião pública. O acidente que ocorreu é grave demais para que se deixe a população à mercê de correntes de desinformação que circulam na mídia, que têm se tornado frequentes e que tanta irritação têm trazido a todos nós, dando a impressão de que o exercício da Geotecnia é uma aventura sujeita a "chuvas e trovoadas". A opinião pública brasileira está cansada de ser feita de trouxa. Este texto pode até parecer um desabafo (e em certo sentido é mesmo). Mas é o que o meu espírito mandou escrever. Meu espírito de homem, engenheiro, professor, educador e cidadão brasileiro que ainda acha que vale a pena lutar por esse país. Era o que eu queria dizer. 10. Acidentes: Deveria Ser Crime Culpar a Natureza Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos, Ex-Diretor Geral do Dept. de C&T da Secretaria de C&T do Est. de São Paulo; Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT, Consultor em Geologia de Engenharia. E-mail: [email protected] Especialmente em épocas de chuva os acidentes em obras civis têm se multiplicado no país. Diga-se de passagem que essa é a ponta visível do iceberg, pois que os acidentes dos quais a sociedade acaba por tomar conhecimento são os de grande dimensão e visibilidade. Uma miríade de pequenos e médios acidentes acabam não transcendendo o anonimato do circunscrito ambiente de obra. E como sempre, sobram dos responsáveis pelos empreendimentos e até de autoridades públicas a eles relacionadas a rápida e cômoda justificativa: o acidente deveu-se à intensidade das chuvas e/ou a imprevistos geológicos. Não considerando aqui o crime implicado na clara intenção de ludibriar a sociedade, gostaria de me ater aos aspectos puramente técnicos relacionados a essas declarações e aos próprios acidentes. Na Engenharia há uma regra inexorável: se houve acidente, houve uma falha. Essa falha pode ser de diversas ordens: erros nas informações técnicas (dados de entrada) para o projeto, erros de projeto, erros no plano de obra, erros nos processos construtivos, deficiência em materiais empregados... A redução da margem de ocorrência de erros é uma meta que a boa Engenharia persegue com obstinação. E, ao lado de uma provada competência dos técnicos envolvidos, o maior instrumento para essa redução está na gestão técnica do empreendimento, desde a fase dos estudos preliminares até a entrega da obra acabada e seu futuro plano permanente de monitoramento técnico. No caso dos recentes acidentes da barragem de rejeitos de mineração da Rio Pombas em MG e da Linha 4 do Metrô na capital paulista, mais uma vez as chuvas e eventuais “imprevistos geológicos” estão sendo apontados como causadores dos problemas. As características e o histórico pluviométrico, assim como todas as informações sobre a geologia regional e local e seus desdobramentos geotécnicos são dados elementares de entrada para a concepção do projeto e para a escolha do plano de obra. Surpresas consideráveis só podem ser debitadas a falhas ocorridas nessa fase inicial de levantamento e recolhimento de informações. No caso da Geologia, até a probabilidade de se encontrar durante o andamento da obra alguma feição particular não anteriormente detectada deve obrigatoriamente ser considerada nos cuidados do plano de obra e dos processos construtivos, que, para tanto, devem sempre ser acompanhados por um eficiente serviço de monitoramento e investigações complementares. Particularmente no caso da Linha 4 do Metrô, a geologia e a hidrogeologia do local são por demais conhecidas e foram profusamente investigadas e nos estudos preliminares.

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Da mesma forma, não se pode a essas alturas alegar dificuldades com as chuvas, uma vez que o regime pluviométrico da Capital é sobejamente conhecido. Ou seja, em defesa dos profissionais brasileiros em Hidrologia, Hidrogeologia, Geologia e Geotecnia, que colocaram o país em nível internacional de competência nessas áreas, e em defesa dos interesses maiores da sociedade brasileira, apelamos às autoridades públicas e privadas relacionadas a esses trágicos acidentes que não capitulem diante dos impulsos naturais em buscar explicações e justificativas que lhes eximam de alguma responsabilidade, e tenham a coragem de “colocar o dedo na ferida”, investigando criteriosamente o plano de gestão técnica dos empreendimentos afetados. Investiguem, por exemplo, as conseqüências de um eventual excesso de terceirizações dos mais variados tipos de serviços de engenharia. 11. Os Algozes dos Insucessos Eng. Sérgio C. Paraíso, GEOMEC, Belo Horizonte Conselheiro da ABMS E-mail: [email protected] Concordamos e reforçamos a sua iniciativa no sentido de informar e enaltecer as nossas atividades de consultoria em engenharia geotécnica e de fundações. A ABMS desempenha este papel há muitos anos de forma eficiente, atual e com respeitabilidade e representatividade internacional. Sabe-se muito bem que o "sinistro" em obras de engenharia em geral e no nosso caso específico, no campo da geotecnia, não se manifesta por geração espontânea e sim diante de uma sucessão de equívocos que, somados, levam à catástrofe, muitas vezes com danos irreparáveis. Hoje em dia, na nossa prática da engenharia, nos deparamos sempre com o fantasma da economia do projeto, do processo executivo e do tempo de execução. Estes são muitas vezes os "algozes" dos insucessos que eventualmente nos deparamos no nosso dia a dia. 12. Possíveis Causas Eng. Alberto Ortigão, engenheiro geotécnico Terratek Ltda, Rio de Janeiro E-mail: [email protected] Se você quiser um laudo técnico isento você contrata os seus próprios funcionários? Pois, pasmem-se, foi exatamente que fez o governo de São Paulo, ao chamar o IPT. Quando ocorre um acidente como este no andar de cima (primeiro mundo) a primeira atitude é contratar equipe internacional e isenta, que pode ter algum brasileiro, mas em minoria. Ainda tenho esperança que o Ministério Público, que sempre tem dado bons exemplos neste país, tome uma atitude. Não conheço as causas do acidente, mas posso enumerar algumas possibilidades: 1. O emboque de um túnel a partir do poço (ou shaft, conforme o nosso jargão) é uma região de risco, por isso no passado já recomendei parar a frente de escavação e aplicar o revestimento secundário logo, para aumentar a segurança. Parece que isso não foi feito. 2. Região de transição entre solo e rocha gnáissica. Sempre um problema a mais. Será que havia suporte projetado com enfilagens com a segurança adequada; O que NÃO pode ser causa de acidente é a chuva, os solos ou outras causas esdrúxulas que ouvi na TV. Pelo menos uma opinião correta ouvi de um membro da associação de funcionários do Metrô SP. Afirmou ele que todas as possíveis causas poderiam ter sido resolvidas com boa ENGENHARIA. Acho que a principal causa dos muitos acidentes que ocorreram nesta linha é a forma de contrato entre o Estado e o Consórcio Linha Amarela, em que toda a responsabilidade é passada ao empreiteiro. Isso pode ser bom para os administradores públicos, pois limita a responsabilidade, mas os acidentes estão aí. Sei que o contrato é muito apertado, que limita a aplicação de tecnologias mais avançadas.

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No caso da instrumentação, por exemplo, estão pelo menos 30 anos atrasados ao que se faz por exemplo, em Portugal. 13. Ampliando a Discussão Geógrafa Ana Luiza Coelho Netto, Prof. Titular, Instituto de Geociências, UFRJ Sócia da ABMS E-mail: [email protected] Compreendo e compartilho da indignação de todos frente aos depoimentos, lidos e ouvidos, através da mídia. É fato também de que o tempo pós-desastre estimula o debate e portanto não podemos perder esta oportunidade. Não apenas como defesa, mas principalmente como meio de buscarmos os meios futuros para reduzir estes desastres! Vejo algumas semelhanças entre este desastre do metrô de São Paulo e o desastre da barragem de Minas. Em ambos os casos podem perceber uma falta de visão espacial integrada (e dinâmica) do meio geo-biofísico e antropogênico tanto no local de intervenção direta do empreendimento, como de suas respectivas áreas de influencia, assim como suas implicações no comportamento hidrológico e mecânico dos solos. Daí a ausencia total de medidas preventivas !! Por exemplo, no meio urbano (caso de SP), as possíveis rupturas ou vazamentos de drenos enterrados no solo (como visto nas fotos dos jornais) não poderiam ter influenciado o inicio da instabilidade? Ou seja, os erros podem estar nos procedimentos técnicos da construção e do monitoramento subseqüente, mas também podem envolver erros da fase anterior (etapa pré-projeto), quando deve ter sido feito o diagnóstico da área de interesse e do seu entorno. No caso da barragem de Minas , também seria possível encontrar, além dos erros de execução e monitoramento da barragem, outros erros da fase de reconhecimento das zonas de influencia, ou seja, possíveis de afetarem ou de serem afetadas pelo empreendimento. Com a contribuição acima quero ressaltar que devemos ampliar as discussões, tanto no sentido de tornar público (através da grande mídia, leia-se da rede globo - televisão e rádio, e outros canais de TV educativos) tanto os procedimentos questionáveis de seleção de empresas e de acompanhamento de projetos, nas fases de estudos pré-projetos, de implementação dos projetos e dos monitoramentos posteriores. Em paralelo, também é preciso aproveitar a oportunidade para ampliarmos a rede de discussão entre os especialistas das diversas áreas afins aos desastres induzidos pelas intervenções humanas e/ou detonados pelas chuvas intensas, assim como envolver mais as autoridades da vertente político-institucional no debate . Creio que será oportuno fazermos um Workshop, imediatamente, de âmbito regional, para discutirmos estes desastres e outros já ocorridos ou de ocorrência potencial, especialmente relacionados aos períodos chuvosos. Temos a ABMS e a ABGE, e possivelmente outras entidades profissionais afins aos problemas em foco, que podem promover este evento. Este, por sua vez, deveria ter uma ampla difusão para a mídia aberta e, por isto, não pode demorar a ocorrer. Estamos diante dos mesmos desafios! Vamos amadurecer esta proposta? Geo-saudações (geomorfológicas!). 14. Vamos ao Debate Eng. Fernando Marinho, Prof. da Escola Politécnica da USP Sócio da ABMS E-mail: [email protected] Em uma situação como esta na qual dois graves acidentes que envolvem a engenharia geotécnica acontecem em menos de duas semanas, temos que nos posicionar de forma enfática. Neste momento pouco importa se algum de nós está envolvido ou não com o tipo de obra em questão. O que temos de fazer como engenheiros geotécnicos é esclarecer a população e muitas

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pessoas do meio técnico sobre a forma adequada de conduzir o projeto, a construção, o acompanhamento e a contratação de uma obra que envolve aspectos geotécnicos, dentre outros. Por isto eu creio que seja fundamental a ABMS ir ao debate. Não para discutir quem é o culpado, mas esclarecer qual o fenômeno envolvido nestes acidentes geotécnicos, quais as limitações “naturais” que se tem e quais as limitações que se tem por imposição política, de gerenciamento e contratação, enfatizando então a forma adequada de conduzir todo o processo. Temos que "aproveitar" o interesse da mídia para informar e "colocar o dedo em algumas feridas". Ontem (2ª.f.) eu assisti o Eng. Losano na TV, fazendo algumas boas colocações (eu vi que é difícil lidar com alguns jornalistas, no caso do Losano foi o Datena). Losano eximiu a chuva de culpa.