Abelhas Vigiadas_FAPESP 2014

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70 z JULHO DE 2014 Abelhas vigiadas A população de abelhas registra um expressivo declínio em vá- rios países, inclusive no Brasil. Em agosto do ano passado, a revista Time trazia na capa um alerta para o risco de desaparecimento das abelhas melíferas, com a chamada “O mundo sem abelhas” e o alerta: “O preço que pagaremos se não descobrirmos o que está matando as melíferas”. O de- saparecimento das fabricantes de mel preocupa não só pela ameaça à existên- cia desse produto, mas também porque as abelhas têm chamado a atenção prin- cipalmente pelo importante papel que representam na produção de alimentos. Não é para menos. Elas são responsá- veis por 70% da polinização dos vegetais consumidos no mundo ao transportar o pólen de uma flor para outra, que resulta na fecundação das flores. Algumas cul- turas, como as amêndoas produzidas e exportadas para o mundo inteiro pelos Estados Unidos, dependem exclusiva- mente desses insetos na polinização e produção de frutos. A maçã, o melão e a castanha-do-pará, para citar alguns exemplos, também são dependentes de polinizadores. Entre as prováveis causas para o desa- parecimento das abelhas estão os com- ponentes químicos presentes nos neoni- Zangão da espécie Apis mellifera africanizada com microssensor colado no tórax Dinorah Ereno cotinoides, classe de defensivos agrícolas amplamente utilizados no mundo. Além de pesticidas, outros fatores, como mu- danças climáticas com maior ocorrência de eventos extremos, infestação por um ácaro que se alimenta da hemolinfa (cor- respondente ao sangue de invertebrados) das abelhas, monoculturas que fornecem pouco pólen como milho e trigo e até téc- nicas para aumentar a produção de mel, podem ser responsáveis pelo fenômeno conhecido como distúrbio de colapso de colônias (CCD, na sigla em inglês), que provoca a desorientação espacial desses insetos e morte fora das colmeias. O dis- túrbio já provocou a morte de 35% das abelhas criadas em cativeiro nos Esta- dos Unidos. Na busca por respostas que ajudem a combater o problema, o Instituto Tec- nológico Vale (ITV), em Belém, no Pa- rá, desenvolveu em colaboração com a Organização de Pesquisa da Comunida- de Científica e Industrial (CSIRO), na Austrália, microssensores – pequenos quadrados com 2,5 milímetros de cada lado e peso de 5,4 miligramas –, que são colados no tórax das abelhas da espé- cie Apis mellifera africanizada (abelhas com ferrão resultantes de variedades europeias e africanas) para avaliação do seu comportamento sob a influência de TECNOLOGIA BIOFíSICA y Microssensores ajudam a entender comportamento de Apis mellifera exposta a pesticidas e mudanças climáticas

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Efeitos agrotóxicos e mudanças climáticas nas abelhas.

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    Abelhas vigiadas

    A populao de abelhas registra um expressivo declnio em v-rios pases, inclusive no Brasil. Em agosto do ano passado, a

    revista Time trazia na capa um alerta para o risco de desaparecimento das abelhas melferas, com a chamada O mundo sem abelhas e o alerta: O preo que pagaremos se no descobrirmos o que est matando as melferas. O de-saparecimento das fabricantes de mel preocupa no s pela ameaa existn-cia desse produto, mas tambm porque as abelhas tm chamado a ateno prin-cipalmente pelo importante papel que representam na produo de alimentos. No para menos. Elas so respons-veis por 70% da polinizao dos vegetais consumidos no mundo ao transportar o plen de uma flor para outra, que resulta na fecundao das flores. Algumas cul-turas, como as amndoas produzidas e exportadas para o mundo inteiro pelos Estados Unidos, dependem exclusiva-mente desses insetos na polinizao e produo de frutos. A ma, o melo e a castanha-do-par, para citar alguns exemplos, tambm so dependentes de polinizadores.

    Entre as provveis causas para o desa-parecimento das abelhas esto os com-ponentes qumicos presentes nos neoni-

    Zango da espcie Apis mellifera africanizada com microssensor colado no trax

    Dinorah Ereno

    cotinoides, classe de defensivos agrcolas amplamente utilizados no mundo. Alm de pesticidas, outros fatores, como mu-danas climticas com maior ocorrncia de eventos extremos, infestao por um caro que se alimenta da hemolinfa (cor-respondente ao sangue de invertebrados) das abelhas, monoculturas que fornecem pouco plen como milho e trigo e at tc-nicas para aumentar a produo de mel, podem ser responsveis pelo fenmeno conhecido como distrbio de colapso de colnias (CCD, na sigla em ingls), que provoca a desorientao espacial desses insetos e morte fora das colmeias. O dis-trbio j provocou a morte de 35% das abelhas criadas em cativeiro nos Esta-dos Unidos.

    Na busca por respostas que ajudem a combater o problema, o Instituto Tec-nolgico Vale (ITV), em Belm, no Pa-r, desenvolveu em colaborao com a Organizao de Pesquisa da Comunida-de Cientfica e Industrial (CSIRO), na Austrlia, microssensores pequenos quadrados com 2,5 milmetros de cada lado e peso de 5,4 miligramas , que so colados no trax das abelhas da esp-cie Apis mellifera africanizada (abelhas com ferro resultantes de variedades europeias e africanas) para avaliao do seu comportamento sob a influncia de

    tEcnologia Biofsica y

    Microssensores ajudam a entender

    comportamento de Apis mellifera exposta

    a pesticidas e mudanas climticas

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    pesticidas e de eventos climticos. Uma parte do experimento est sendo con-duzida na Austrlia e a outra no Brasil.

    No estado australiano da Tasmnia, ilha ao sul do continente da Oceania, ser feito um estudo comparativo com 10 mil abelhas para avaliar como elas reagem quando expostas a pesticidas. Para isso, duas colmeias foram colocadas em contato com plen contaminado e outras duas no. Se for notada qualquer alterao no comportamento dos insetos expostos ao pesticida, como incapacida-de de voltar para a colmeia, desorienta-o ou mesmo morte precoce, o produ-to passar a ser o principal suspeito do distrbio de colapso de colnias, diz o fsico Paulo de Souza, coordenador da pesquisa e professor visitante do ITV. O projeto foi iniciado em setembro do ano passado e seu trmino est previs-

    to para abril de 2015, com a divulgao dos resultados no segundo semestre. A principal razo para a escolha da Tas-mnia que se trata de um ambiente distinto, onde no h poluio e metade do territrio composta por florestas, diz Souza, que tambm professor da Universidade da Tasmnia.

    Como as melferas australianas pesam em torno de 105 miligramas, o sensor re-presenta cerca de 5% do seu peso. J as abelhas da mesma espcie que vivem no Brasil pesam cerca de 70 miligramas o que levou os pesquisadores a fazerem testes em tneis de vento para avaliar se o sensor poderia ter influncia sobre a sua capacidade de voo. Avaliamos a batida das asas e a inclinao do corpo em abelhas com o sensor e sem ele, e verificamos que no houve alterao na capacidade de voar, diz Souza.

    A parte do experimento que est sen-do feita no Brasil tem como foco inicial o monitoramento de 400 abelhas durante trs meses para avaliar em que medida as mudanas do clima, principalmente a alterao do regime de chuvas na Ama-znia, afetam os insetos. No sabemos como elas vo se comportar diante das projees de aumento da temperatu-ra e de alteraes no clima devido ao aquecimento global, diz Souza. Os es-tudos esto sendo feitos em um apirio no municpio de Santa Brbara do Par, prximo a Belm.

    Cada sensor tem um cdigo gravado, que funciona como se fosse uma iden-tidade de cada abelha, diz Souza. Com ele possvel avaliar, em detalhes, todos os indivduos da colmeia. Concluda essa etapa da pesquisa, um segundo estudo ter incio, desta vez com abelhas nativas

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    de controle. Com os dados coletados no campo, os pesquisadores constroem um modelo tridimensional da movimen-tao dos insetos que permite saber se eles esto agindo naturalmente ou se, por algum motivo, esto desorientados e no conseguem retornar aos seus lo-cais de origem.

    Cada antena custa cerca de US$ 300, o que torna a tcnica mais aplicvel em comparao com outros dispositivos si-milares, cujo preo varia em torno de US$ 10 mil. O prprio chip, de US$ 0,30, muito mais barato do que os que esto no mercado e so vendidos a US$ 6. O fsico ressalta que, desde o incio, eles sempre buscaram um processo de manu-fatura que permitisse a produo em es-cala industrial ao menor preo possvel.

    A prxima gerao de chips, em fase final de desenvolvimento, ser capaz de gerar e armazenar a sua prpria ener-gia e tambm de captar a temperatura, umidade e insolao do ambiente. Os planos no param por aqui. Queremos desenvolver, em quatro anos, um chip do tamanho de um gro de areia para moni-toramento de mosquitos transmissores da dengue e malria, diz Souza. Entre as vrias estratgias estudadas para a aplicao desse diminuto equipamen-to, a mais promissora, na avaliao do pesquisador, lanar um jato de spray sobre os insetos.

    Ampliar o raio de ao dos sensores tambm uma das metas do projeto. Queremos chegar a centenas de metros para explorar a plataforma tecnolgica futuramente em outras aplicaes, co-mo fuselagem de aeronaves, roupas de funcionrios em reas de risco e culos de monitoramento exposio ultravio-leta, ressalta. As duas instituies des-tinaram ao projeto do qual participam 23 pesquisadores de diversas reas do conhecimento US$ 25 milhes para um perodo de cinco anos.

    agrotxicoS E abElhaSO comportamento das abelhas tambm o foco de vrios estudos conduzidos por um grupo de 20 pesquisadores, sob a coordenao do professor Osmar Ma-laspina, do Instituto de Biocincias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, no interior paulista. Alm de Malaspina, o ncleo de pesquisa composto pelas professoras Roberta No-celli e Elaine Cristina da Silva Zacarin,

    sem ferro do Par, que parecem sofrer mais o impacto da alterao climtica do que as europeias. Embora no sejam grandes produtoras de mel, elas so ex-celentes polinizadores. Como as abelhas tm um ciclo de vida relativamente cur-to, de cerca de dois meses, ser possvel acompanhar vrias geraes.

    Os sensores que esto sendo testados em campo fazem parte de uma primeira gerao desenvolvida pelo ITV e CSIRO e outros j esto a caminho. Uma das inovaes obtidas a distncia de co-municao que conseguimos alcanar, de at 30 centmetros, ressalta o pes-quisador. Isso foi feito com a melhoria da qualidade da antena do chip, o que aumentou a sua capacidade de se co-municar a distncia. A CSIRO desen-volveu o sistema wi-fi (sem fio) e fez a modificao na antena. Durante o seu doutorado, Souza trabalhou com um grupo de pesquisa dedicado a construir sensores para misses espaciais, como os que foram instalados no brao mecnico do jipe rob-tico Opportunity, enviado em

    2004 a Marte. Essa misso de explorao geolgica do planeta vermelho, que bus-ca sinais da presena passada de gua, continua em atividade.

    O microssensor composto por um chip com memria de armazenamento de 500 mil bytes suficiente para guar-dar dados a cada segundo por quase uma semana , uma antena e uma bateria.

    As informaes sobre o mo-vimento das abelhas captadas pelo chip so retransmitidas para antenas instaladas no en-torno da colmeia e em esta-es de alimentao, e depois transferidas para um centro

    prxima gerao de chips ser capaz de captar dados ambientais como temperatura, umidade e insolao

    1 Tamanho do microssensor comparado com moeda de r$ 1

    2 fsico Paulo de souza segura uma colmeia no Par

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    e em Minas Gerais. Cada colnia ou col-meia tem, em mdia, 50 mil indivduos. As informaes sobre as perdas foram passadas por apicultores, mas no sabe-mos a causa da morte, porque as abelhas podem morrer por vrios fatores alm dos inseticidas, como doena, manejo, seca extrema, entre outras variveis. Em alguns casos, como a de um apicul-tor do municpio de Boa Esperana do Sul, no interior de So Paulo, a relao entre causa e efeito ficou comprovada. Em 2008, em uma tera-feira ele tinha 400 colmeias, na quarta houve uma apli-cao area num local prximo e apenas um dia depois, na quinta, todas as abe-lhas estavam mortas, diz Malaspina. O resultado de uma anlise feita apontou que um inseticida neonicotinoide era o responsvel pelas mortes.

    Um dos estudos do seu grupo para ava-liar o efeito dos agrotxicos no organismo das abelhas feito dentro do laboratrio

    ambas da Universidade Federal de So Carlos (UFSCar), e do professor Stephan Malfitano de Carvalho, da Universidade Federal de Uberlndia (UFU).

    Somos o primeiro grupo de pesquisa no Brasil a estudar a relao entre agro-txicos e abelhas, diz Malaspina. Ele pesquisa o tema desde o seu mestrado, na dcada de 1970, mas s a partir de 2000 voltou a se dedicar intensamente ao assunto em funo de reclamaes de apicultores que estavam perdendo abe-lhas aps a aplicao area de inseticidas, principalmente para combater pragas que atacam os canaviais. Essas perdas comearam a ser relatadas aps a entrada de novos produtos no mercado, relata.

    Segundo Malaspina, 20 mil colnias de abelhas foram perdidas no estado de So Paulo entre 2008 e 2010; 100 mil em Santa Catarina apenas em 2011; e as esti-mativas apontam para perdas anuais de 40% de colmeias no Rio Grande do Sul

    e em estufas que simulam as condies de colmeias. Resultados de testes fei-tos pelos pesquisadores apontam que os agrotxicos atingem o sistema digestrio e o crebro das abelhas. Em casos mais graves, elas no conseguem se alimentar e morrem por inanio. Outros experimen-tos esto sendo feitos para avaliar de que forma esses insetos, quando conseguem sobreviver intoxicao, so afetados. Esse conhecimento importante para proteger a grande variedade de abelhas existente no Brasil, com cerca de 2 mil espcies descritas.

    Alm da preocupao com as perdas dos apicultores, existe o risco para as culturas que dependem delas para a po-linizao. O maracuj, por exemplo, s produz se for visitado pela mamangava, assim como a berinjela, o pimento e outras espcies vegetais que, por terem flores mais fechadas, precisam de poli-nizadores especficos. n

    Projetos1. interao entre pesticidas e infeco por Nosema em Apis mellifera africanizada: efeitos biolgicos e detec-o de biomarcadores celulares (n 2013/09419-4); Modalidade auxlio Pesquisa regular; Pesquisadora responsvel elaine cristina da silva Zacarin (Ufscar); Investimento r$ 199.981,70 (faPesP).2. avaliao dos efeitos adversos da exposio aos pesticidas e patgenos em abelhas: estudo de biomar-cadores celulares em rgos-alvo (n 2008/51473-8); Modalidade auxlio Pesquisa regular; Pesquisadora responsvel elaine cristina da silva Zacarin (Ufscar); Investimento r$ 99.150,00 (faPesP). Fo

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    Movimento em detalhesMicrossensores so usados para monitorar o comportamento das abelhas no ambiente

    com as informaes captadas, criado um modelo tridimensional da movimentao dos insetos, que permite avaliar seu comportamento

    Quando as abelhas passam a uma distncia de at 30 cm de antenas no entorno das colmeias, os dados so captados e enviados para uma central de controle

    as informaes sobre o movimento das abelhas ficam gravadas no chip, que tem memria suficiente para guardar dados a cada segundo por quase uma semana

    Um cdigo gravado no chip funciona como se fosse uma identidade de cada indivduo da colmeia

    antenas

    caMpo abErto

    cEntral DE controlEcolmeias

    Memria 500 Kb

    antena

    2,5 mm

    30 cm

    5,4 mg

    Chip

    Modelo 3D

    1 2

    3

    4

    FontE vale/csiro