Abandono Afetivo Jurisprudência Contra

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  • 8/16/2019 Abandono Afetivo Jurisprudência Contra

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    TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO

    São Paulo

    Registro: 2015.0000328508

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0204727-92.2012.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FRANCIANNEMÉRCIA DOS SANTOS SILVEIRA, é apelado JORGE LUIS SILVEIRA.

    ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça deSão Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U. Sustentouoralmente a advogada Dra. Aline Tomasi de Andrade.", de conformidade com o voto doRelator, que integra este acórdão.

    O julgamento teve a participação dos Exmos. DesembargadoresPERCIVAL NOGUEIRA (Presidente sem voto), EDUARDO SÁ PINTO SANDEVILLEE VITO GUGLIELMI.

    São Paulo, 14 de maio de 2015

    FRANCISCO LOUREIRO

    RELATOR Assinatura Eletrônica

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    TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO

    São Paulo

    Apelação nº 0204727-92.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 25.489 AFS 3/9

    sentença, vez que restou comprovado nos autos, por meio da prova

    testemunhal produzida, que o réu tinha conhecimento da gravidez de suamãe, e que relegou mãe e filha ao abandono material e afetivo. No mais, se

    insurge contra o entendimento de que não há obrigação de afeto no

    ordenamento jurídico vigente.

    Pede, nesse sentido, o provimento de seu recurso.

    O recurso foi contrariado.

    É o relatório.

    1. A ação é improcedente, embora por fundamentos

    diversos dos adotados na sentença.

    Não resta dúvida que o Código Civil, ao fixar os

    poderes/deveres inerentes ao poder familiar, vai muito além da simples

    obrigação alimentar de socorro. Integram a situação jurídica complexa

    deveres de assistência moral, de educação, de convívio, de respeito, enfim,

    de formação da pessoa humana.

    Tais deveres do poder familiar, a maioria deles de

    natureza extrapatrimonial, têm estreita relação com os direitos da

    personalidade, de modo que sua violação pode gerar sanções diversas.

     As sanções vão desde a suspensão ou a destituição

    do poder familiar, passando pelo crime de abandono, sem excluir, porém, o

    dever de indenizar eventuais danos morais causados por sofrimento intenso

    ao filho, ou por traumas emocionais com origem no abandono afetivo.

    Não me impressiona o fato de inexistir, de modo

    explícito, previsão de indenização por abandono afetivo no ordenamento jurídico. Aliás, a previsão existe, apenas fora do livro do Direito de Família.

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    TRIBUNAL DE JUSTIÇAPODER JUDICIÁRIO

    São Paulo

    Apelação nº 0204727-92.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 25.489 AFS 4/9

    Os artigos 12 e seguintes do Código Civil, que tutelam os direitos da

    personalidade, determinam a indenização por danos materiais e morais emrazão de sua violação.

    Entender o contrário criaria absurda situação de

    deixar indene violação a dever jurídico que causa danos extrapatrimoniais à

    vítima, em frontal desafio ao que dispõe os arts. 5º. da CF e 12 e

    seguintes do CC.

    Não agrada o argumento de que a sanção prevista

    em lei por abandono é a destituição do poder familiar. Em certas situações,

    não haveria sanção, mas sim prêmio do pai relapso, que faria cessar os

    deveres de assistência e de socorro ao filho.

    Os argumentos expendidos na sentença, no sentido

    de que a espontaneidade do afeto é incompatível com a sanção pecuniária,

    não podem e nem devem ser admitidos.

    Claro que se reconhece ser impossível compelir

    alguém a amar, mas se pode afirmar que "a indenização conferida nesse

    contexto não tem a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus

    deveres, mas atende duas relevantes funções, além da compensatória: a

     punitiva e a dissuasória” . (Indenização por Abandono Afetivo, Luiz

    Felipe Brasil Santos, in ADV - Seleções Jurídicas, fevereiro de 2005;

    Cláudia Maria da Silva, Descumprimento do Dever de Convivência

    Familiar e Indenização por Danos á Personalidade do Filho, in Revista

    Brasileira de Direito de Família, Ano VI, n° 25 Ago-Set 2004).

    Reconheço ser a matéria controversa.

    Parte expressiva da jurisprudência inicialmentenegou a possibilidade de se fixar indenização por abandono material.

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    Apelação nº 0204727-92.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 25.489 AFS 5/9

    Existe conhecido precedente do STJ no sentido de

    que “a indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não

    rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de

    1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária” (Recurso

    Especial n. 757.411-MG, Relator o Ministro Fernando Gonçalves).

    Não se podem confundir dois conceitos

    completamente distintos, quais sejam, o de afeto e o de cuidado. Claro que

    o afeto é sempre espontâneo, e não há como compelir alguém a gostar deoutrem. Não se confunde a faculdade de afeto, contudo, com o dever

     jurídico de cuidado que devem ter os pais em relação aos filhos.

     A matéria não é exatamente nova, e foi enfrentada

    em data recente pelo Superior Tribunal de Justiça. Fixou aquela Corte que

    devem os pais não somente o sustento material dos filhos, como também o

    cuidado.

    Do voto da Eminente Min. Nancy Andrighi no REsp

    1.159.242/SP contém:

    “Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas

    afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o

    entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poderfamiliar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e

    educação dos filhos (...)” (REsp 1.159.242/SP, Min. Rel. Nancy Andrighi,

    d.j. 14/04/2012).

    Nesse mesmo sentido posiciona-se Tânia da Silva

    Pereira, para quem “o cuidado como 'expressão humanizadora',

     preconizado por Vera Regina Waldow, também nos remete a uma efetivareflexão (...). A autora afirma: 'o ser humano precisa cuidar de outro ser

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    Apelação nº 0204727-92.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 25.489 AFS 6/9

    humano para realizar a sua humanidade, para crescer no sentido ético do

    termo. Da mesma maneira, o ser humano precisa ser cuidado para atingir

    sua plenitude, para que possa superar obstáculos e dificuldades da vida

    humana' .” (apud Tânia da Silva Pereira, obra citada, p. 311).

    Prossegue a autora:

    “Waldow alerta para atitudes de não-cuidado ou ser

    des-cuidado em situações de dependência e carência que desenvolvemsentimentos, tais como, de se sentir impotente, ter perdas e ser traído por

    aqueles que acreditava que iriam cuidá-lo. Situações graves de desatenção

    e de não-cuidado são relatadas como sentimentos de alienação e perda de

    identidade. Referindo-se às relações humanas vinculadas à enfermagem, a

    autora destaca os sentimentos de desvalorização como pessoa e a

    vulnerabilidade. 'Essa experiência torna-se uma cicatriz que, embora possa

    ser esquecida, permanece latente na memória'. O cuidado dentro do

    contexto da convivência familiar leva à releitura de toda a proposta

    constitucional e legal relativa à prioridade constitucional para a convivência

    familiar ” (apud Tânia da Silva Pereira, obra citada, p. 311-312)

    Em termos diversos, como bem salientado pela Min.

    Nancy Andrighi no REsp 1.159.242/SP, não se discute a “mensuração do

    intangível o amor mas, sim, a verificação do cumprimento,

    descumprimento, ou parcial cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar ”

    Em resumo, não concordo com os fundamentos da

    sentença, no sentido que não há como compelir um pai a ter afeto ou amar

    os seus filhos.

    2. A ação realmente é improcedente, mas por

    fundamento diverso.

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    Isso porque não há provas e nem foi caracterizado o

    alegado abandono afetivo.

    Como se infere e é incontroverso nos autos, a autora

    não foi reconhecida por seu pai no assento de nascimento.

     A genitora, acompanhada da autora, mudou-se de

    cidade ao final da gravidez, e criou a filha no Estado de São Paulo,

    enquanto o pai permaneceu no Nordeste do país, sem reconhecer a

    criança.

    É incontroverso que a autora somente buscou

    contato com o pai quando já adolescente, aos quinze anos, e foi

    prontamente reconhecida como filha, mediante perfilhação, sem

    necessidade do ajuizamento de qualquer ação judicial.

    Não me parece viável a afirmação de que o pai tenhaabandonado a filha antes de seu reconhecimento, que criou o vínculo

     jurídico entre as partes.

    É verdade que a prova testemunhal sugere que o

    genitor tinha conhecimento da gravidez da genitora da autora.

    No entanto, não há prova cabal de tal fato, e, ainda

    que houvesse, restam sérias dúvidas acerca da possibilidade de

    caracterização de abandono afetivo, em tais circunstâncias, antes da

    perfilhação.

    Frise-se que, conforme demonstram os autos, as

    famílias dos genitores da autora foram responsáveis por ameaças mútuas,

    que teriam causado a mudança de domicílio das partes, e, provavelmente,

    e perda de um possível meio de contato.

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    Apelação nº 0204727-92.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 25.489 AFS 8/9

    Não se ignora a dificuldade por que parece ter

    passado a genitora da autora, ainda grávida, e depois de seu nascimento.

    No entanto, há que se considerar que estavam

    disponíveis os meios legais para o reconhecimento da paternidade,

    voluntário ou judicial, mas nunca usado até a adolescência da autora.

     A autora, por sua vez, procurou o réu apenas aos 16

    anos, e obteve o pronto reconhecimento da paternidade. Obteve do pai

    ajuda de pequena monta. Poderia ter postulado alimentos em juízo, mas

    não o fez.

    Tão logo foi procurado, o réu reconheceu a autora

    como filha, e possibilitou que a requerente frequentasse sua casa e se

    aproximasse de sua família, como atestaram as testemunhas ouvidas nos

    autos.

    Também comprovou o réu que enviava algum

    dinheiro para a mãe da requerente, ainda que não se trate de valores altos.

    Não há qualquer prova, ou mesmo indício, de que a

    autora foi maltratada pelo pai, rechaçada, abandonada materialmente ou

    desprezada.

    Não houve pedido de alimentos, não havendo, nesse

    sentido, como julgar insuficientes os valores enviados espontaneamente

    pelo requerido, sem prova de seus rendimentos e nem das necessidades

    reais da autora.

    Parece evidente que o tratamento diferente

    dispensado pelo réu à filha, em relação às filhas havidas dentro de seu

    casamento, decorreu diretamente da distância física entre os domicílios das

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    Apelação nº 0204727-92.2012.8.26.0100 - São Paulo - VOTO Nº 25.489 AFS 9/9

    partes, e da perfilhação somente aos dezesseis anos.

    Não se pode olvidar, ainda, que as testemunhas

    ouvidas afirmaram que o réu buscou manter a filha perto de si e de sua

    família. Esta, por sua própria escolha, decidiu permanecer com a mãe em

    São Paulo, afastando-se do genitor.

    Não há, portanto, à míngua de provas, como

    reconhecer a ocorrência de abandono material ou afetivo, ou mesmo

    violação ao dever de cuidado, passíveis de acarretar o dano moral

    indenizável.

    Essa a razão da improcedência da ação. A

    insuficiência de provas e a perfilhação tardia impedem se reconheça

    período anterior como caracterizador do abandono afetivo.

    Nego provimento ao recurso.

    FRANCISCO LOUREIRORelator