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  • XIII Congresso Internacional da ABRALICInternacionalizao do Regional

    08 a 12 de julho de 2013Campina Grande, PB

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    A VOZ DE JULIO CORTZAR NOS CONTOS DE OS LADOS DO

    CRCULO, DE AMILCAR BETTEGA

    Doutoranda Profa. Adriana de Borges Gomes (UNEB\PUCRS)1

    Resumo:

    Amilcar Bettega escritor brasileiro, natural da cidade gacha de So Gabriel revela o timbreda voz cortazariana em Os lados do crculo (2004). O conto A\c editor cultura segue res. cf.solic. fax, por exemplo, narra a histria do escritor que teve nas mos um manuscrito indito deCortzar. O narrador homodiegtico, chamado Amaro Barros, declara no ter medo dasinfluncias. A primeira frase do conto j desconcertante: Quando conheci Cortzar eu j oimitava descaradamente. Os lados do crculo, entre outras coisas, configura-se como umespelho da narrativa cortazariana na flagrante analogia com o romance O jogo da amarelinha(1963) e tambm com outros textos do escritor argentino, a exemplo de Dirio para um conto,do livro Fora de hora,2 de 1982.

    Palavras-chave: Bettega, Cortzar, conto, romance, fronteira.

    1 Introduo

    Situaes fronteirias entre o Brasil e a Argentina podem revelar nuances de

    aproximao e distanciamento na esttica das narrativas, uma vez que ambas se

    conciliam tanto no plano do contedo, como no da expresso: a cidade e a literatura. A

    cidade determinante nas aes das personagens, modificando-as, mas tambm

    sofrendo alteraes pelas intervenes dessas aes. Em Os lados do crculo cruza-se

    uma Porto Alegre noturna com lugares mticos de Colnia do Sacramento, no Uruguai,

    e ruas de Buenos Aires. Em O jogo da amarelinha, as personagens frequentam pontes,

    bulevares, terrenos baldios parisienses, alm de vivenciarem uma Buenos Aires

    intimista e, por vezes, hostil.

    O livro de Bettega est distribudo em trs partes: O Puzzle (fragmento e suite

    et fin, Um Lado e Lado Um; O jogo da amarelinha est subdividido em: Do lado

    1Profa. Adriana DE BORGES GOMES, doutoranda. Universidade do Estado da Bahia/Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio Grande do Sul (UNEB/PUCRS). E-mail: [email protected] Ttulo original: Deshoras.

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    de l, Do lado de c e De outros lados. As estruturas de ambas as narrativas se

    harmonizam e se assemelham tambm na construo das personagens: a Maga, no

    romance cortazariano, e Marta, em O Puzzle, tm a aproximao sonora e grfica de

    seus nomes justificada por uma caracterstica fundamental de ambas; promovedoras de

    encontros entre pessoas, na conformao de outra estrutura, elas instauram um novo

    idioma ininteligvel (a Maga) e uma nova escrita de caligrafia ilegvel (Marta).

    A literatura, como veio metalingustico, o centro da discusso: a linguagem

    necessita romper cdigos para eficcia do sentido. E, com efeito, as discusses sobre a

    arte dominam os dilogos e as aes das personagens nas narrativas. Os pontos de

    aproximao entre os contos e o romance so evidentes, sendo privilegiado o exerccio

    do estilo cortazariano. No entanto, e apesar de as narrativas apresentarem a referncia a

    figuras geomtricas nos ttulos (o quadrado, da representao grfica do jogo da

    amarelinha, e o crculo, indicando a presena de lados), essas figuras so diferentes,

    embora prximas: [...] com seu centro fixo, um quadrado em movimento gera o crculo

    que o aprisiona (Amaro Barros).

    Na primeira epgrafe do livro de Bettega, nesse fragmento de Amaro Barros,

    encontramos a indicao sutil da diferena entre os contos e o romance; mapear a

    sutileza dessa diferena o objetivo de nossa discusso. Essa tnue diferenciao entre

    as narrativas, porm, marcada pela presena incisiva do leitor, que nortear a

    abordagem deste artigo.

    2 Seja no quadrado, seja no crculo, o leitor pea chave do jogo

    Na forma de organizar a estrutura de seu livro de contos, Amilcar Bettega se

    aproximou da maneira peculiar de grandes romances como o Dom Quixote, de Miguel

    de Cervantes, Adriana Buenos Aires e Museu do romance da Eterna, de Macedonio

    Fernndez, e O jogo da amarelinha de Julio Cortzar. Nesses romances esto mescladas

    duas abordagens da fico: a narrativa ficcional propriamente dita e a discusso sobre a

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    composio estrutural da narrativa ficcional. Assim, o texto literrio traz no seu bojo

    uma discusso sobre a fico e a literatura.

    Em O jogo da amarelinha, Julio Cortzar escreve uma histria linear dos

    encontros e desencontros entre as personagens at chegar ao captulo 56, quando

    imprime trs estrelinhas sinalizando que a histria linear finalizou seu percurso. Nesse

    ponto da narrativa, o escritor justifica essa escolha afirmando: Assim, o leitor

    prescindir sem remorsos do que vir depois.3 E, do captulo 57 ao captulo 155,

    escreve a teoria do romance de Morelli, escritor-personagem do romance, suposto autor

    da histria linear que lemos. Cabe ressaltar que, semelhana da maneira do Quixote e

    dos romances de Macedonio, a histria linear s existe a partir do momento em que as

    prprias personagens do romance a leem; assim como ns, leitores empricos, lemos

    esse livro de Cortzar:

    Fazer do leitor um cmplice, um companheiro de viagem. Simultaneiz-lo,visto que a leitura abolir o tempo do leitor e o transportar para o tempo doautor. Assim, o leitor poderia chegar a ser co-participante e co-paciente daexperincia pela qual o romancista passa, no mesmo momento e da mesmaforma. Todo ardil esttico intil para conseguir isso: s vale a matria emgestao, o imediatismo vivencial.4

    O imediatismo vivencial da matria em gestao o ato prprio de cada

    leitura no momento presente da atividade subjetiva do leitor em relao narrativa.

    Nesse sentido, destacamos o fragmento do encontro entre Morelli (suposto autor) e

    Horacio Oliveira (personagem), narrador homodiegtico da prpria histria, o encontro,

    ento, da personagem com o seu autor:

    Nunca me ocorreu escrever-lhe, disse Oliveira, nunca pensamos que osenhor estivesse em Paris.

    3CORTZAR, Julio. Tabuleiro de direo. In: ______. O jogo da amarelinha. Traduzido por Fernando de Castro

    Ferro. 16 Ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2011.4

    Idem, p. 457.

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    Eu vivia em Vierzon, disse Morelli, vim a Paris porque desejava explorarum pouco algumas bibliotecas (...). O senhor escreve, suponho. No, respondeu Oliveira. Como poderia escrever? Para isso, serianecessrio ter alguma certeza de ter vivido.5

    Aps esse dilogo de primeiro reconhecimento entre personagem e autor,

    quando eles ainda no tm realmente a certeza de serem esses dois elementos da

    escritura, Morelli pede para Horacio Oliveira organizar seus papis escritos, que

    conformam seu romance, e entrega-lhe a chave do seu apartamento, dizendo:

    menos difcil do que parece. As pastas ajudaro muito, tenho um sistemade cores, de nmeros e de letras. (...). Durmo mal. Eu tambm estou fora docaderno. Ajudem-me j que vieram visitar-me. Coloquem tudo isto no lugar eficarei muito tranquilo aqui. um hospital formidvel. (...). Depois, faamum embrulho com tudo e enviem para Pak. Editor de livros de vanguarda...[...] / Suponha que misturemos tudo disse Oliveira e que armemos umaconfuso fenomenal. / [...] No tem a menor importncia afirmou Morelli. Meu livro pode ser lido como se quiser. (...). Tudo o que eu fao colocaros captulos na sequncia em que gostaria de reler o livro. E, na pior dashipteses, se se enganarem, talvez fique perfeito.6

    Todos os indcios apontam para Horacio Oliveira como leitor personagem e

    coautor do livro de Morelli. Horacio era j leitor de Morelli, e sua negativa quanto a ser

    escritor significativa, porque refora a ideia de sua prpria ficcionalidade quando

    justifica no escrever por no ter certeza de ter vivido. O argumento de Morelli (Eu

    tambm estou fora do caderno) semelhante fala anterior de seu leitor. Dessa forma,

    Morelli tambm se entende como fico. Os dois, leitor e autor, encontram-se, assim,

    em condies equiparadas. O receio de Horacio de promover o caos na obra

    vanguardista do escritor francs ao organizar seus papis e cadernos desfeito pelo

    prprio Morelli, quando ele afirma que, em cada releitura, o livro se reconfigura e se

    reordena. Sua sequncia mvel a cada manuseio do leitor.

    5Idem, p. 631.6

    Idem, p. 632.

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    nesse sentido de reconfigurao da estrutura narrativa a cada manuseio do

    leitor que identificamos a montagem da configurao tal como se encontra no livro Os

    lados do crculo de Bettega dos relatos das vidas das personagens organizados pelo eu

    protagonista da personagem de Amilcar. Em Os lados do crculo, Bettega no

    necessariamente projeta o ardil literrio de fazer com que as suas personagens

    encontrem o livro de suas histrias, como acontece nos romances citados, mas o escritor

    brasileiro estruturou os seus contos em trs segmentos que se aproximam da estrutura

    dos romances pela discusso metalingustica: Puzzle, que inicia e fecha o crculo e o

    livro, Lado um, que conta a histria de vida de algumas personagens, e Um lado,

    que relaciona algumas dessas histrias com a prtica da literatura.

    A montagem de Os lados do crculo revela ao leito