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1 A vida das famílias e suas fases: desafios, mudanças e ajustes Claudia cacau Furia Cesar 1 A família é o lugar que dá origem à história de cada pessoa, é o espaço privado onde se dão as relações mais espontâneas. Não podemos escolher nossa qualidade de membro na família a não ser, talvez, pelo casamento. Ainda que possamos acreditar que é possível deixar de pertencer a uma família, rompendo os laços com a família de origem e não nos enveredando na constituição de outra, mesmo assim as lembranças e memórias de um convívio familiar ficarão como marcas em nossas histórias, podendo ser acessadas a qualquer momento. Vale lembrar que algumas pessoas acreditam que a família seja a unidade operacional que dura de nosso nascimento à morte (CARTER & McGOLDRICK, 1995). As organizações familiares refletem a sociedade ao mesmo tempo em que atuam em sua formação. As mudanças sócio-político-culturais colaboram na reflexão sobre os padrões adotados para compreender a família, nos diferentes momentos da história da humanidade. O ciclo de vida de uma pessoa acontece dentro do ciclo de vida familiar, que é o contexto primário do desenvolvimento humano, e suas intersecções vão constituir a trama da vida familiar. Com isto não há um ponto de partida predeterminado para compreender o ciclo familiar. Devemos levar em conta que a família é como um sistema movendo-se através do tempo, não de forma linear, mas como uma espiral. 1 Claudia Cacau Furia Cesar: Doutoranda em saúde Coletiva/Unicamp, Mestre em Saúde Coletiva, Enfermeira de Saúde Publica, Terapeuta de Grupos, Casal e Famílias, membro do ITFCCamp, membro do Coletivo de Estudos e Apoio Paideia do Depto de Saúde Coletiva da FCM/UNICAMP. Texto modificado do original: “Fases do Ciclo da Família” de Claudia Cacau Furia Cesar e Lucimara Perreira.. Revisão de texto de Juares Soares Costa

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    A vida das famlias e suas fases: desafios, mudanas e ajustes

    Claudia cacau Furia Cesar1

    A famlia o lugar que d origem histria de cada pessoa, o espao

    privado onde se do as relaes mais espontneas. No podemos escolher nossa

    qualidade de membro na famlia a no ser, talvez, pelo casamento. Ainda que

    possamos acreditar que possvel deixar de pertencer a uma famlia, rompendo os

    laos com a famlia de origem e no nos enveredando na constituio de outra,

    mesmo assim as lembranas e memrias de um convvio familiar ficaro como

    marcas em nossas histrias, podendo ser acessadas a qualquer momento. Vale

    lembrar que algumas pessoas acreditam que a famlia seja a unidade operacional

    que dura de nosso nascimento morte (CARTER & McGOLDRICK, 1995).

    As organizaes familiares refletem a sociedade ao mesmo tempo em que

    atuam em sua formao. As mudanas scio-poltico-culturais colaboram na reflexo

    sobre os padres adotados para compreender a famlia, nos diferentes momentos

    da histria da humanidade.

    O ciclo de vida de uma pessoa acontece dentro do ciclo de vida familiar, que

    o contexto primrio do desenvolvimento humano, e suas interseces vo

    constituir a trama da vida familiar. Com isto no h um ponto de partida

    predeterminado para compreender o ciclo familiar. Devemos levar em conta que a

    famlia como um sistema movendo-se atravs do tempo, no de forma linear, mas

    como uma espiral.

    1 Claudia Cacau Furia Cesar: Doutoranda em sade Coletiva/Unicamp, Mestre em Sade Coletiva, Enfermeira de Sade

    Publica, Terapeuta de Grupos, Casal e Famlias, membro do ITFCCamp, membro do Coletivo de Estudos e Apoio Paideia do Depto de Sade Coletiva da FCM/UNICAMP. Texto modificado do original: Fases do Ciclo da Famlia de Claudia Cacau Furia Cesar e Lucimara Perreira.. Reviso de texto de Juares Soares Costa

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    possvel reconhecer diferentes padres na organizao das famlias ao

    longo do tempo, assim como diversas formas de relacionamento entre seus

    membros. Apesar destas diversidades, podemos tambm observar muitas

    caractersticas semelhantes ao longo do ciclo de vida das famlias.

    Estas caractersticas semelhantes costumam ser chamadas de Fases do

    Ciclo de Vida das Famlias. Conhec-las nos permite compreender melhor o modo

    como as famlias enfrentam e superam cada fase, tornando visveis as dificuldades

    encontradas. O estudo destas Fases aos profissionais e tambm s famlias com

    quem trabalham, colaboram no entendimento e na busca de aes que contribuam

    para o seu desenvolvimento.

    Segundo Nahas:

    ... quando a abordagem se focaliza tambm sobre as transies, sobre as mudanas descontinuas necessrias para enfrentar novas situaes de vida, h uma escuta. As pessoas percebem que ou podem ficar paradas, estacionadas em determinado momento da vida, e isso provoca dor, sintomas em uma pessoa ou disfuncionalidade em toda a famlia. Ou ento podem viver as mudanas como coisas previsveis, aceitveis, e ento se tranquilizar (Nahas,1995,p.265)

    Desde o comeo da dcada de 50, os estudos de terapia familiar tem utilizado

    conceitos vindos da sociologia para explicar o desenvolvimento do ciclo de vida das

    famlias, tal qual a psicologia o fez com relao ao desenvolvimento do individuo. Foi

    em 1980 que Mnica McGoldrick e Betty Carter escreveram sobre a sucesso de

    estgios do ciclo de vida na famlia americana de classe media, incluindo um

    enfoque tri-geracional, e descrevendo no s as tarefas de desenvolvimento

    inerentes a cada estgio, mas tambm as dificuldades de transio. (idem,1995).

    A famlia como um sistema movendo-se atravs do tempo em uma espiral

    tempo

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    O trabalho de Carter & McGoldrick um marco e vem sendo base de

    trabalhos clnicos que vo alm da terapia de famlia. Alguns ajustes e adaptaes

    para a realidade brasileira foram necessrios, mas mantivemos a diviso didtica do

    desenvolvimento familiar (conforme quadro abaixo) em seis estgios, baseado no

    trabalho das autoras.

    Uma vez que a famlia composta por diversos membros, em diferentes

    fases do seu desenvolvimento individual, as fases no so vividas de forma isolada.

    H sobreposio de etapas, causando impactos significativos para a transio de

    uma fase para outra, conforme ilustramos nos relatos a seguir:

    A famlia de Jussara e Humberto se prepara para o casamento de Pedro,

    que tem 26 anos e acabou de se formar em medicina. Thais a filha mais

    nova, que tem 21 anos, vem apresentando comportamentos sugestivos de

    uso de drogas. Recentemente, D. Augusta, a tia de Humberto que sempre

    foi como uma me para ele, ficou viva e teve que se mudar para a casa

    deles.

    Beatriz, 40 anos, professora universitria e seu marido Joaquim

    comerciante. Eles tem um filho de 12 anos e uma filha, Raquel, de 17 anos

    que acabou de entrar na Universidade em outro Estado. Recentemente

    Beatriz descobriu que estava grvida.

    O primeiro relato sugere que a famlia esteja na fase famlia no meio da vida,

    com filhos saindo de casa. Mas, tambm podemos incluir a fase seguinte, o estgio

    tardio da vida, na medida em que D. Augusta passa a participar do cotidiano desta

    famlia. Mais frente retomaremos cada uma destas fases, mostrando importncia

    tem para famlia, como se d o processo emocional de transio entre as fases e as

    mudanas qualitativas no status familiar necessrias para prosseguir o seu

    desenvolvimento.

    1. Jovem solteiro 2. Famlia sem filhos 3. Famlia com crianas 4. Famlia com adolescentes 5. Famlia no meio da vida 6. Famlia no estgio tardio

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    Ao longo de seu ciclo de vida, as famlias vivem eventos que podem

    funcionar como estressores. Os estressores verticais so os padres de

    relacionamento e funcionamento que so transmitidos para as geraes seguintes

    de uma famlia. So as atitudes, tabus, expectativas, rtulos e questes opressivas

    familiares com as quais ns crescemos e convivemos (Bowen in Carter &

    McGoldrick, 1995).

    Podemos tambm considerar como estressores verticais a histria de cada

    famlia, seus mitos e medos, seus rituais e seus padres de comportamento, que

    so transmitidos atravs de geraes de forma explicita ou no.

    Um evento natural, como o nascimento do primeiro filho, pode se tornar um

    ponto de tenso familiar, trazendo um conjunto de reflexes para todos os membros

    do sistema familiar. Do ponto de vista relacional, a situao requer a reorganizao

    dos padres de relao do casal com as famlias de origem e dessas com os seus

    filhos casados, agora pais, ao assumirem o papel de avs, havendo uma redefinio

    de regras de relao entre as geraes (Coelho, 2007, p.298). A forma como cada

    membro vivenciar este momento pode gerar ou no um stress. Histrias relatadas

    ao longo da vida, sobre como deve ser recebido este novo membro, estaro

    presentes nas aes dos pais. Questes culturais e religiosas podem criar conflitos

    entre os prprios pais e suas famlias de origem, na medida em que faam escolhas

    reafirmando ou distanciando-se das heranas e valores comuns que constroem o

    senso de identidade familiar (Aun, 2007, Carter & McGoldrick,1989).

    Dentro os chamados estressores horizontais, temos as passagens de uma

    fase do ciclo de vida para outra, so eventos previsveis denominados de

    desenvolvimentais. H outros eventos que podem afetar o caminhar da famlia,

    trazendo desestabilizaes, como doenas crnicas, acidentes, desemprego, mortes

    prematuras, entre outros. Na dinmica familiar de Jussara e Humberto, podemos

    destacar dois eventos como estressores horizontais: o uso de drogas por parte da

    filha e a morte de um membro da famlia.

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    Quadro Baseado na Figura 1-1 ESTRESSORES HORIZONTAIS E VERTICAIS de Carter& McGoldrick, p.12.

    As mudanas sociais no papel da mulher repercutiram no relacionamento

    dos diversos membros do sistema familiar. Ao mesmo tempo em que hoje em dia

    espera-se de uma jovem que se prepare para o mundo do trabalho, e que no seja

    dependente de um futuro companheiro, no futuro ela poder ser cobrada pelos pais,

    pelo companheiro e muitas vezes por si mesma, porque retardar o momento de ter

    filhos ou por optar por deix-los em uma creche, ao invs de parar de trabalhar para

    cuidar deles.

    Esta contradio talvez possa ser explicada pela complexidade da sociedade

    atual, em que convivem diferentes geraes (bisavs, avs, pais, filhos e netos) que

    nasceram, viveram e vivem de forma diferente a fertilidade, mortalidade,

    separaes e divrcios, papeis de gnero aceitveis, padres de migrao,

    educao, necessidades e recursos, e atitudes em relao a famlia e ao

    envelhecimento (Carter & McGoldrick, 1989, p.13).

    No segundo relato, temos vrias fases do ciclo de vida sobrepostas. Ao

    olharmos a famlia a partir de Beatriz, vemos que ela vive ao mesmo tempo a fase

    de lanar os filhos para a vida para seguir em frente, a fase dos filhos adolescentes

    e tambm est (re) iniciando a fase de famlias com crianas . Se enfocarmos a

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    filha, Raquel, veremos que est comeando a fase da jovem solteira saindo de casa,

    em que os desafios sero outros.

    Os movimentos para dentro e para fora do sistema familiar so intensos. H

    movimentos, que podemos chamar de centrfugos (a filha saindo de casa e o filho

    adolescente) que se contrapem ao movimento centrpeto desencadeado pela

    chegada do bebe.

    A vida de todas as pessoas marcada pela alternncia de perodos de

    construo ou de manuteno, intercalados por perodos de mudanas e transies,

    estes ltimos mais ligados a momentos de desenvolvimento. As fases de mudanas

    e transies so potencialmente mais vulnerveis, pois questes at ento

    sedimentadas so reavaliadas face s novas tarefas a serem desenvolvidas,

    exigindo mudanas descontinuas ao invs de pequenas alteraes (COSTA, 2000).

    Os perodos de aproximao em relao famlia de origem movimento

    centrpeto - assim como os perodos de afastamento movimento centrifugo - ao

    longo do ciclo de vida familiar, so conceitos uteis para integrar o desenvolvimento

    do individuo, da famlia e eventos estressores.

    Nos perodos de movimento centrpeto, a vida interna familiar enfatizada.

    As fronteiras da famlia em relao ao mundo externo so estreitadas e as questes

    pessoais ficam em um segundo plano. J nos perodos de movimento centrifugo, as

    fronteira externas famlia so afrouxadas, permitindo uma maior troca com o

    ambiente externo, aumentando a distancia em relao famlia de origem.

    A predominncia dos movimentos centrpetos e centrfugos varia ao longo

    das fases do ciclo de vida familiar. Quanto mais abertura a famlia tiver para realizar

    as mudanas necessrias para a passagem de uma fase a outra, maior a qualidade

    de vida do sistema familiar.

    Em qual fase do ciclo de vida comea uma nova famlia? Podemos definir o

    inicio a partir do nosso nascimento, mas aqui escolhemos estabelecer o incio a

    partir do momento que um jovem adulto sai de casa.

    importante enfatizar novamente que este recorte aleatrio e

    independentemente deste jovem sair literalmente da casa dos pais para um nova

    moradia, ele dever desenvolver as tarefas pertinentes a esta fase, a fim de seguir

    em frente com sua historia.

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    Para ilustrar esta fase, escolhemos Raquel, a jovem de 17 anos do nosso

    segundo relato.

    Ao mesmo tempo em que sua famlia de origem se prepara para chegada de

    um novo membro, o beb, ela arruma as malas e parte para um vo solo. Ter que

    lidar com outras responsabilidades cuidar de si mesma sozinha, manter uma casa,

    administrar seu tempo de estudo e lazer sem a interveno direta dos pais, mesmo

    que estes a ajudem financeiramente. Ter que gerir seu dinheiro no cotidiano e

    atender as novas demandas de um curso uuniversitrio em uma nova cidade. Ainda

    que ao longo da vida tenha aprendido com a famlia a ser independente, este um

    momento de muitas descobertas sobre si mesma, sua famlia de origem e outros

    adultos.

    O tempo passa, e Raquel, como Eduardo e Monica da cano de Renato

    Russo (1986), sem querer encontrou Francisco. E conversaram muito mesmo pra

    tentar se conhecer. E passaram muito tempo juntos, at decidirem se casar.

    Tornam-se uma famlia sem filhos, envolvida com a formao de um

    sistema conjugal, com o realinhamento dos relacionamentos com as famlias

    ampliadas e com os amigos de ambos. Regada pela paixo, esta uma fases que

    deveria ser tranquila. Mas nem sempre assim. A vida a dois possui uma nova

    dimenso e neste cotidiano, muitos outros acertos devem ocorrer (Carter &

    McGoldrick,1995). 2 quadro modificado a partir da TABELA 1-1 OS ESTGIOS DO CICLO DE VIDA FAMILIAR DE Carter & McGoldrick, p.17 -

    por Juares Costa e Claudia Cacau Furia Cesar.

    FASE DO CICLO DE VIDA FAMILIAR

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    PROCESSO EMOCIONAL BSICO DE TRANSIO:

    MUDANAS QUALITATIVAS NO STATUS FAMILIAR NECESSRIAS PARA SE PROSSEGUIR O DESENVOLVIMENTO

    1. JOVEM SOLTEIRO - SAINDO DE CASA

    Desenvolver a responsabilidade emocional e financeira por si mesmo

    a) Diferenciao da identidade em relao famlia de origem

    b) Desenvolvimento de relacionamentos ntimos com adultos iguais

    c) Estabelecimento de uma identidade com relao ao trabalho e independncia financeira

    2. FAMLIAS SEM FILHOS - A UNIO DE FAMLIAS NO CASAMENTO

    Comprometimento com um novo sistema familiar

    a) Formao do sistema marital

    b) Realinhamento dos relacionamentos com as famlias ampliadas e amigos, para incluir o cnjuge

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    Esta fase caracterizada pela predominncia de um movimento centrfugo

    em relao s famlias de origem, e ao mesmo tempo centrpeto em relao ao

    casal. Mesmo havendo a incluso de amigos e os familiares, o foco est no casal,

    nas experincias e trocas da relao conjugal.

    Se um casal se casa j estando grvidos, eles esto pulando uma etapa.

    Cada fase ou etapa do ciclo de vida tem tarefas especficas a serem

    desempenhadas, tanto tarefas de transio em relao fase anterior, como as

    tarefas de adaptao nova fase. Neste caso, eles tero que dar conta de duas

    fases do ciclo de vida ao mesmo tempo, o que fatalmente faz com que algumas

    mudanas e adaptaes fique negligenciadas ou at mesmo no sejam realizadas,

    com conseqncias para o futuro deste casal.

    Raquel e Francisco seguiram em frente, passando para a fase da famlia

    com crianas pequenas, e mais ou menos quando os gmeos vieram, comearam

    as tarefas de ajuste do sistema conjugal para criar espao para o(s) filho(s), unindo-

    se nas tarefas de educao dos filhos, nas tarefas financeiras e domsticas,

    buscando o realinhamento dos relacionamentos com a famlia ampliada, para incluir

    os papis de pais e avs. Para alguns, esta fase no necessariamente gerar

    conflitos. Mas, no incomum que questes no/mal resolvidas desta fase,

    aparecerem mais tarde na adolescncia dos filhos.

    FASE DO CICLO DE VIDA FAMILIAR

    PROCESSO EMOCIONA L BSICO DE TRANSIO:

    MUDANAS QUALITATIVAS NO STATUS FAMILIAR NECESSRIAS PARA SE

    PROSSEGUIR O DESENVOLVIMENTO

    3. FAMLIAS COM CRIANAS

    Aceitao de novos membros no sistema famlias

    a) Ajustar o sistema conjugal para criar espao para o(s) filho(s)

    b) Unir-se nas tarefas de educao dos filhos, nas tarefas financeiras e domsticas.

    c) Realinhamento dos relacionamentos com a famlia ampliada, para incluir os papis de pais e avs.

    4. FAMLIAS COM ADOLESCENTES

    Aumentar a flexibilidade das fronteiras familiares para incluir a independncia dos filhos e a fragilidade dos avs.

    a) Modificar o relacionamento progenitor-filho, para permitir ao adolescente movimentar-se para dentro e para fora do sistema familiar.

    b) Novo foco nas questes conjugais e profissionais dos pais (meia-idade)

    c) Comear a mudana no sentido de cuidar da gerao mais velha.

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    Os gmeos cresceram, chegaram adolescncia. Para Raquel e Francisco,

    uma fase de investimento no da flexibilidade das fronteiras familiares, permitindo

    movimentos dos filhos para dentro e fora do sistema familiar, com presena e

    influncia dos amigos e de outros modelos familiares. Surgem novas demandas e

    tambm a necessidade de outras negociaes de limites e fronteiras para estes

    jovens.

    Ainda nesta fase, no raro, a fragilidade dos pais/avs fica mais evidente para

    os filhos, ainda que na forma de pr-ocupaes e no necessariamente

    demandando cuidados diretos.

    Esta uma fase em que o casal vive uma situao conhecida como gerao

    sanduche: um olho cuidando dos filhos e outro dos pais. Onde fica o casal? Qual o

    espao para as necessidades individuais e conjugais nesta fase, tambm conhecida

    como meia-idade? Vale a pena enfatizar que a manuteno do espao do casal ao

    longo da vida familiar um fator que favorece a superao das crises de transio

    de uma fase para outra, mantendo a qualidade de vida e do relacionamento familiar.

    Recorro a musica de Gilberto Gil, A Faca e o Queijo, onde ele relata como as

    mudanas no famlia/casal na meia idade ocorrem e como podem ser enfrentadas.

    Alis, esta uma musica feita para sua mulher, Flora, exatamente nesta fase de

    vida: Voc reclama. Que eu no lhe fao uma cano. Acha que a chama. A velha

    chama da paixo. No nos inflama mais. Com tanto ardor. Como na poca em que

    ramos. A faca e o queijo [...] Voc reclama. E eu sei que s por reclamar. Como

    quem chama. Outra criana pra jogar. Seus jogos infantis. Ainda nos vejo como

    outrora. Faca e queijo, sim. Num tempo mais feliz (2008).

    A cano faz uma conexo da meia-idade com a fase seguinte famlias no

    estgio tardio da vida, onde uma das tarefas manter o funcionamento e os

    interesses em si mesmo(a) e no casal, diante das mudanas fsicas e emocionais da

    idade.

    As famlias e casais que se encontram nesta fase tero que lidar

    concretamente com a incapacidade e morte dos pais. Esta mudana tem impacto

    no s para este casal, mas para seus filhos e rede social envolvida.

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    FASE DO CICLO DE VIDA

    FAMILIAR

    PROCESSO EMOCIONA L BSICO DE TRANSIO:

    MUDANAS QUALITATIVAS NO STATUS FAMILIAR NECESSRIAS PARA SE PROSSEGUIR

    O DESENVOLVIMENTO

    5. FAMLIAS NA MEiA IDADE - LANANDO OS FILHOS E SEGUINDO EM FRENTE

    Aceitar vrias sadas e entradas no sistema familiar

    a) Reorganizar o sistema conjugal como dupla

    b) Desenvolvimento de relacionamentos de adulto-para-adulto entre os filhos crescidos e seus pais

    c) Realinhamento dos relacionamentos para incluir parentes por afinidade e netos

    d) Lidar com incapacidade e morte dos pais (avs)

    6. FAMLIAS NO ESTGIO TARDIO DE VIDA

    Aceitar as mudanas de papis geracionais

    a) Manter o funcionamento e os interesses em si mesmo(a) e no casal, diante das mudanas fsicas e emocionais da idade.

    b) Abrir espao para um papel mais central para a gerao dos filhos.

    c) Lidar com a perda do cnjuge, irmos e outros iguais e preparar-se para a prpria morte. Reviso e integrao da vida

    O estudo das Fases do Ciclo de Vida (FCV) de uma famlia um dos

    recursos para a compreenso do sistema familiar. Ele se entrelaa com a histria da

    prpria famlia e de sua rede social. Ao estudarmos as FCV, mais do que apontar as

    dificuldades e/ou dficits, buscamos uma compreenso que permita que o sistema

    familiar se reorganize e encontre novas solues para seus desafios.

    Este texto teve como proposito estimular a reflexo sobre o tema, gerar

    aberturas que devem ser aprofundadas, como o estudo dos estressores verticais e

    horizontais, das repercusses da morte na famlia, das doenas crnicas,

    separaes, migraes.

    A famlia, ao longo do tempo, se constituiu de formas diferentes, afetando e

    sendo afetada nas tarefas bsicas de cada fase do ciclo de vida. Famlias extensas

    viviam as fases de formas bem distintas das de hoje. H algumas dcadas aceitava-

    ser com certa normalidade o casamento de uma mulher de 12 anos; hoje este

    casamento seria objeto de muitos questionamentos, gerando estressores e

    desgastes familiares e na prpria sociedade..

    Na prtica profissional importante desenvolver junto aos clientes/usurios

    uma leitura sobre as fases de vida pelas quais cada famlia passa e verificar de

    que forma so vem solucionadas as adversidades, permitindo prpria famlia e ao

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    profissional novas vises sobre as potncias e possibilidades para a resoluo dos

    problemas.

    Reconhecer que mais de uma gerao est envolvida nos dilemas familiares

    e que possuem diferentes formas de compreend-los (e, portanto de solucion-los),

    possibilita a criao de oportunidades de conversao, ampliando a qualidade das

    relaes.

    Casal em idade avanada

    Jovem casal

    Casal com filhos pequenos

    Casal com filhos saindo de casa

    Casal com filhos adolescentes

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    REFERNCIA BIBLIOGRFICA

    1. AUN, JG. VASCONCELLOS, MJE. COELHO, SV. (2007) Atendimento

    Sistmico de Famlias e redes Sociais, Vol II O processo de Atendimento

    Sistmico TOMO II, Belo Horizonte, Ophicina de Artes & Prosa.

    2. COELHO, Sonia (2007) A transmisso de padres familiares: o ciclo de

    vida e recursos instrumentais in Atendimento Sistmico de Famlias e redes

    Sociais, Vol II O processo de Atendimento Sistmico TOMO II, Belo

    Horizonte, Ophicina de Artes & Prosa.

    3. CARTER, (1995) As Mudanas no Ciclo de Vida Familiar - Uma Estrutura

    para a Terapia Familiar - Porto Alegre - Artes Mdicas - 2 Edio.

    4. COSTA, Juares S. (2007) Doena Crnica e o Ciclo de Vida Familiar.

    http://www.familia.med.br/textos.php

    5. GIL, Gilberto. (2008) O queijo e a faca, musica

    http://letras.mus.br/gilberto-gil/316676/

    6. NAHAS, Rosemarie Rizkallah, (1995) Terapia Familiar e Transies no

    Ciclo de Vida, ANAIS Congresso Paulista de Terapia de Famlia vol II,

    APTF-SP.

    7. RUSSO, Renato, (1986) Eduardo e Monica, musica -

    http://letras.mus.br/legiao-urbana/22497/