A vez dos independentes(?): um olhar sobre a produção musical independente do país

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    Rsum: Ce texte prtend discuter du dveloppement de la productionmusicale indpendante au Brsil, partir de l'analyse de ceux que jeconsidre comme ses trois principaux moments d'articulation: le scnario dela fin des annes 70, marqu par le travail du musicien et producteur AntonioAdolfo et par la production developpe autour du Teatro Lira Paulistana (So Paulo); le scnario des annes 90, influenc par le dveloppement destechnologies digitales de production et par les stratgies de sous-traitance desgrands labels du disque; et le moment actuel, d 'articulation indite duscnario indpendant, ainsi que de son action autonome dans les diverssegments musicaux.

    Mots-cls: musique indpendante, musique populaire, industriephonographique

    No presente artigo, pretendo discutir o desenvolvimento da produo musical

    independente no pas bem como seu momento atual, marcado tanto por uma crise

    generalizada da indstria quanto por uma indita organizao da cena independente. Essa

    crise, que se vincula ao contexto geral da economia e a fatores especficos da indstria

    (como a pirataria digital e de formatos), parece estar afetando a capacidade das grandes

    gravadoras de atuar nos mltiplos segmentos do mercado, ampliando assim os espaospara a produo independente.

    Mas antes, convm situar essa diferenciao entre as empresas. Seguindo a tradio

    norte-americana, denomino aqui como majors s gravadoras de atuao globalizada e/ou

    ligadas aos grandes conglomerados de comunicao existentes no pas. Essas empresas

    tendem a operar com a difuso macia de alguns poucos artistas e lbuns (blockbusters),

    baseando sua estratgia de atuao na integrao sinrgica entre udio e vdeo que a forma

    conglomerado lhes possibilita. Atualmente, esse grupo formado pelas empresastransnacionais Universal (Frana), Warner (EUA), Sony/BMG (Japo/Alemanha) e EMI

    (Inglaterra), alm da nacional Som Livre2.

    2 A Warner e a EMI, nica empresa de atuao nica dessa relao, estiveram envolvidas durante o ano de2006 numa (aparentemente) frustrada tentativa de fuso que reduziria a trs o nmero de majorstransnacionais do setor. A Som Livre o brao fonogrfico da Rede Globo e foi criada em 1971 para o

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    Dentro dessa mesma tradio, o termo indies refere-se s empresas de atuao

    predominantemente local, vinculadas normalmente a segmentos musicais especficos, que

    costumam atuar na formao de novos artistas e na prospeco de novos nichos de

    mercado. Porm, considerando a pulverizao dos meios de produo musical que as

    tecnologias digitais passaram a proporcionar j a partir do final dos anos 80, entendo que

    hoje o termo se refere indistintamente tanto a pequenas gravadoras quanto a artistas que

    desenvolvem autonomamente a produo de seus discos.

    Os anos 70/80

    Embora alguns autores citem experincias anteriores envolvendo a produo

    musical independente no pas3

    considero o disco Feito em Casa (1977), de AntnioAdolfo, como um marco fundamental, j que foi a partir de seu lanamento que pela

    primeira vez desenvolveu-se uma discusso em torno do tema.

    O momento de seu surgimento marca o final de uma longa trajetria de

    crescimento e organizao da indstria do disco no pas que, segundo dados da ABPD

    (Associao Brasileira de Produtores de Discos), teve sua produo quase decuplicada

    entre os anos de 1966 e 1979, ao mesmo tempo em que as principais empresas

    internacionais do setor iniciavam ou ampliavam sua atuao no pas4

    .

    Alm disso, a indstria era fortemente favorecida pela lei de incentivos fiscais Disco

    Cultura, que permitia s empresas abater do montante do Imposto de Circulao de

    Mercadorias os direitos comprovadamente pagos a autores e artistas domiciliados no pas

    (Idart, 1980: 118). Isso ampliava tanto a sua margem de lucro como o seu flego para

    investir em artistas nacionais.

    lanamento das trilhas de novelas da emissora. Por essa razo, ela tradicionalmente no contrata ou lanaartistas individuais (sendo Xuxa a principal exceo a essa regra).3 Um caso frequentemente citado o do LP Pabir, de Lula Cortes e Z Ramalho, de 1972, que foigravado nos estdios da Rozemblit e lanado pela Abrakadabra Produes Artsticas. Disco IndependentesS/A, Jornal do Brasil, 01/07/1981. J Jos Ramos Tinhoro, cita os selos criados por Severio Leonetti eJoo Gonzaga ainda na dcada de 10. A onda dos independentes, Jornal do Brasil, 30/08/1980.4 Ofereo uma viso mais detalhada desse cenrio em Organizao, Crescimento e Crise: a indstriafonogrfica brasileira nas dcadas de 60 e 70. In: Revista de Economa Poltica de las Tecnologias de laInformacin y Comunicacin. www.eptic.com.br. Vol. VIII, N. 3, sep-dic. 2006, p. 114-128.

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    Porm, a crise que j se desenhava ao final dos anos 70, e que afetaria

    profundamente o setor j no incio da dcada seguinte5, muda completamente esse cenrio:

    a indstria aumenta sua seletividade, racionaliza sua atuao, reduz seus elencos e, nesse

    processo, tende a marginalizar artistas menos imbudos de sua lgica ou no classificveis

    dentro dos segmentos de mercado que passa a privilegiar. Nesses termos, uma cena

    independente surge tanto como espao de resistncia cultural e poltica nova organizao

    da indstria, quanto como nica via de acesso ao mercado para um variado grupo de

    artistas. Essa contradio tender, inclusive, a alimentar todo o debate desenvolvido no

    perodo. Helio Ziskind e Lelo Nazario msicos profundamente envolvidos com essa

    produo sintetizaram bem essas posies.

    Escrevendo para a Folha de So Paulo em 14/03/1982, Ziskind busca

    desmistificar o movimento independente afirmando que:

    No se pode dizer que a msica veiculada por um discoindependente no possa ser registrada por uma gravadora. Comotambm no se pode dizer que um determinado disco no precisavaser independente. No h uma relao de necessidade entre msicae disco independente... Ser independente no qualidade musical,pode ser apenas uma contingncia6.

    Desse modo, a produo independente surgiria como uma estratgia possvel

    dentro da carreira do artista que, a princpio, no implicaria necessariamente num

    questionamento da indstria ou da sociedade como um todo. Mas Lelo Nazario,

    escrevendo para o mesmo jornal na semana seguinte, no interpreta as coisas desse modo.

    Para ele, os significados da produo independente so muito mais profundos,

    inscrevendo-se entre as formas de resistncia a uma sociedade industrial totalitria. Nesse

    sentido,

    ...arte independente toda aquela que, partindo de uma nova ordem

    de valores que contrariam visceralmente os valores comerciais dosistema, pretende transformar aqueles que se dispem atransformar a sociedade de armazm de mercadorias em umambiente humano, onde as relaes entre as pessoas no sejammais regidas pelos interesses impostos de cima para baixo, mas

    5 Entre 1980 e 1985, a indstria manteve uma mdia de produo inferior a 45 milhes de unidades (contra52.6 milhes registradas em 1979) e, embora tenha ocorrido alguma recuperao ao final da dcada, umcrescimento realmente estvel s seria verificado durante a segunda metade dos anos 90.6O disco independente, Folha de So Paulo, 14/03/1982

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    pelos desejos autnticos dos indivduos: os que suscitam a arte e aproduzem7.

    Mesmo entendendo as motivaes de Nazario e considerando a importncia do

    momento histrico ento vivido pelo pas, seria difcil no interpretar o surgimento da cena

    independente tambm como resultado da interiorizao da racionalidade da indstria por

    parte dos artistas. So vrios os argumentos a reforar essa tese.

    Em primeiro lugar, aquele apontado por Ziskind acerca da no existncia de uma

    ligao clara entre a produo independente e a atuao de um grupo poltica e

    esteticamente coeso. Talvez tenha ocorrido, na verdade, a impresso de uma ligao, dada

    muito mais pelo espao que um determinado grupo de criadores (vinculado, em grande

    parte, ao projeto do Lira Paulistana) ocupava junto mdia escrita, do que propriamente

    pelo volume de sua produo. Vale ressaltar, sob esse aspecto, que nesse mesmo perodo a

    alternativa independente foi largamente utilizada tambm por artistas que atuavam em

    mercados regionais, na msica sertaneja, na msica instrumental e em outros segmentos

    ignorados pelas grandes gravadoras, sendo que at mesmo Emilinha Borba, ao sair da CBS

    em 1981, optou por essa forma de produo8.

    Alm disso, a atuao bem sucedida dentro do mercado independente parecia

    implicar num alto grau de compreenso dos aspectos envolvidos na produo e

    comercializao do disco. A esse respeito, Antnio Adolfo afirmava: eu mesmo lano e

    comercializo meus discos. Produzo a parte musical, fao a capa, mando prensar, mando

    imprimir e viajo por todo o Brasil, indo pessoalmente vender nas lojas o LP9.

    Outro fator a ser considerado o de que nomes de maior destaque da cena

    independente, como Boca Livre e Oswaldo Montenegro, entre outros, aceitaram

    rapidamente os convites feitos por grandes gravadoras para integrar seus elencos.

    7A mistificao dos discos independentes, Folha de So Paulo, 21/03/1982.8Disco Independente S/A, Jornal do Brasil, 01/07/19819 O feito em casa em busca de um lugar, Folha de So Paulo, 28/10/1979. Outro aspecto enfatizado porAntnio Adolfo o da necessidade do artista independente constituir uma empresa para viabilizar olanamento de seu disco. No caso dele, essa empresa era a Indiscotvel Discos e Fitas, a partir da qual seusdiscos eram lanados com o selo Artezanal. Como gravar sem restringir a criao, 07/07/1979.

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    Isso me leva a considerar que a cena independente assumia tambm o papel de

    prospectar novos nichos de mercado e formar artistas para as grandes gravadoras,

    respondendo com maior preciso crescente segmentao do pblico. Analisado sob esse

    aspecto, o projeto do Lira Paulistana parece-me exemplar.

    O Teatro foi inaugurado na Vila Madalena, na cidade de So Paulo, no final de

    1979 e polarizou, a partir de ento, a cena e mesmo o debate sobre a produo musical

    independente no pas. In Camargo Costa atribui a criao do projeto a um diagnstico de

    Wilson Souto Jr (o Gordo), seu idealizador, acerca da existncia de um pblico insatisfeito

    com a produo cultural formado principalmente por estudantes universitrios ou j

    graduados, mais ou menos atentos s transformaes sociais (e polticas) porque vinha

    passando o pas; um tanto quanto na vanguarda das assim chamadas mudanas de

    comportamento... mas com um detalhe bastante significativo: de baixo poder aquisitivo.

    Ao mesmo tempo, era considerada a existncia de uma produo cultural emergente,

    marginalizada pelos espaos institucionais e que vinha sobrevivendo em pores

    particulares, garagens e consumida apenas pelos amigos mais prximos. Nesses termos, o

    Lira iria se constituir no ponto fixo de encontro entre a nova produo e o pblico que a

    procurava (Costa, 1984: 34 e 35). Assim, a criao do teatro, da grfica e do selo

    fonogrfico (que ocorreria em 1981) corresponde a um clculo das potencialidades domercado em que se pretendia atuar.

    Se at seu advento os nomes de destaque na cena eram os de Antnio Adolfo,

    Chico Mrio, Boca Livre e Cu da Boca, entre outros, o Lira apresentou ao pblico um

    novo grupo formado por Arrigo Barnab, Itamar Assumpo, Premeditando o Breque,

    Passoca e Lngua de Trapo. Entre 1981 e 1982, o Lira serviria de palco tambm para

    bandas da emergente cena do rock nacional (como Tits) e, ao final de 1982, iria se associar

    tradicional gravadora Continental, onde o Gordo iniciaria uma nova carreira: primeirocomo diretor artstico e, aps a sua aquisio pela Warner (1994), como seu presidente.

    ....................................

    De qualquer forma, e mesmo considerando a extraordinria importncia artstica e

    poltica de toda a cena, no seria difcil ficar com uma impresso de fracasso em relao ao

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    projeto independente dos anos 80, j que muitas das iniciativas ento desenvolvidas

    acabaram no tendo continuidade.

    Em 1980, por exemplo, foi criado um departamento voltado para a produo dediscos independentes dentro da Cooperativa dos Msicos Profissionais do Rio de Janeiro

    (Coomusa), que deveria encarregar-se da divulgao e distribuio dos trabalhos. Em 1981,

    porm, Antnio Adolfo considerava que a experincia no obtivera xito devido falta de

    estrutura financeira da cooperativa para, em funo do prprio crescimento da cena

    independente, realizar com eficincia a distribuio nacional dos trabalhos10. Assim, acabou

    sendo criada em 16/05/1982 a APID Associao dos Produtores Independentes de

    Discos. A Associao era presidida por Antnio Adolfo, tendo Chico Mrio como vice.

    Chico afirmava existirem, por essa poca, mais de 600 discos independentes no mercado,

    alm de gravadoras como Kuarup (RJ), Bemol (MG), Som da Gente e Lira Paulistana

    (ambas de So Paulo) (Mrio, 1986: 13). Mas na segunda metade da dcada, ambos

    decidiram que a associao deveria ter suas atividades paralisadas at que surgissem

    melhores condies para a sua atuao.

    Finalmente, temos todo o projeto do Lira e, principalmente, sua associao

    gravadora Continental. O projeto conjunto trazia uma srie de inovaes e previa, entre

    outras coisas, uma diviso mais equilibrada dos lucros, apoio para shows e para a obteno

    de patrocnios, mapeamento dos espaos que poderiam sediar eventos em todo o pas e a

    criao, em outros estados, de ncleos de aglutinamento da produo nos moldes do Lira,

    sendo as cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife as escolhidas para o incio desse

    projeto11. A iniciativa conjunta, no entanto, jamais decolou e o projeto foi definitivamente

    abandonado em 1985, assim como as atividades do teatro (Oliveira, 2002: 96).

    Seria fcil atribuir esse aparente fracasso falta de uma viso mais comercial por

    parte dos artistas envolvidos no setor, s dificuldades de distribuio e divulgao

    enfrentadas pelos independentes, ao boicote das grandes companhias, etc. Em alguma

    medida, todos esses fatores provavelmente estiveram presentes. No entanto, eu entendo

    essa inviabilizao de um projeto independente em maior escala muito mais como ndice

    10Disco Independente S/A, Jornal do Brasil, 01/07/198111Lira Paulistana, o novo scio da Continental, Folha de So Paulo, 28/11/1982

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    da precariedade do capitalismo nacional como um todo do que enquanto resultado de

    fatores locais. A espiral inflacionria, o atraso tecnolgico da indstria, as constantes

    mudanas nas regras econmicas e os problemas de fornecimento de matria-prima, entre

    outros fatores, tornariam o cenrio da segunda metade da dcada problemtico at mesmo

    para o planejamento das grandes companhias do setor.

    Nesse sentido, acho possvel considerar que o projeto independente dos anos 80

    esteve, num certo sentido, adiante das condies materiais que, nos anos 90, possibilitariam

    a sua definitiva implementao. O perodo de relativa estabilidade econmica do incio do

    Plano Real e a dramtica reduo dos custos de produo oferecida pelas tecnologias

    digitais teriam um importante papel nesse processo, assim como a estratgia de

    terceirizao da produo ento adotada pelas grandes gravadoras.

    Os anos 1990

    Ao apresentar o cenrio de uma indstria que, aps a grande crise da Era Collor,

    iniciava em 1994 um processo que a levaria a uma significativa expanso12, a revista

    Backstage apontava que:

    Terceirizao a palavra-chave quando falamos em estdios egravadoras. H vinte anos atrs este quadro poderia ser loucura,com os altos preos dos equipamentos. Mas os preos baixaram,multiplicaram-se os estdios e, com isso, as chances de acesso agravao... O fechamento dos estdios das grandes gravadorascomeou com a diretiva das matrizes no exterior. A Warner Music,h cerca de 15 anos no Brasil, no chegou nem a ter o prprioestdio... A EMI brasileira j teve trs estdios de primeiraqualidade, mas agora optou pela terceirizao... A BMG-Ariolaencontrou uma soluo diferente para seus 3 estdios: eles foramrepassados aos tcnicos, que fazem prestao de servios para aBMG quando necessrio13.

    Paralelamente, surgia um amplo leque de produtores e selos independentes que,

    em funo da existncia de empresas especializadas como estdios, fbricas de CDs e

    firmas de editorao eletrnica, podiam operar a partir de estruturas cada vez mais

    12 As vendas chegaram, em 1992, aos 32,1 milhes de unidades, patamar inferior ao de 1976. A partir dasegunda metade da dcada de 90, no entanto, na esteira do Plano Real, a indstria viveria um momento deextraordinrio crescimento. Suas vendas superariam os 100 milhes de unidades nos anos de 1997 e 1998,colocando-a na sexta posio do ranking mundial do setor (IFPI, 1999: 67).13A terceirizao da indstria, Revista Backstage n. 1, 1994, pg. 39.

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    reduzidas. O selo Lux, por exemplo, criado por Nelson Motta em 1993, contava com

    apenas dois diretores e uma secretria e contratava os servios especializados de terceiros

    para todas as suas necessidades. A empresa no tinha nem mesmo cast exclusivo, com os

    artistas fazendo contratos por projeto, sem maiores vnculos14 . Brian Butler, scio da

    Excelente Discos, explicava em 1996 que todo o processo de confeco dos discos da sua

    gravadora era feito por empresas parceiras: Somos s um escritrio, o resto pode ser

    alugado .

    esse o contexto em que uma ressurgida cena independente mostra-se vigorosa o

    suficiente para substituir a grande indstria nas tarefas de prospeco, formao e gravao

    de novos artistas. Mas no foram apenas os fatores tecnolgicos que propiciaram esse

    ressurgimento: tambm dessa vez a crise da indstria teve um papel decisivo: privilegiando

    desde o final dos anos 80 o sertanejo e a msica romntica, alm de severamente atingida

    pela recesso de 1990, a indstria demonstrava agora pouco interesse por segmentos como

    o rock e a MPB, ou por artistas que no fossem campees de vendagem. Assim, em 1991,

    nomes como Tim Maia, Tet Spndola, Quarteto em Cy, Belchior, Guinga, Hlio Delmiro

    e Vincius Canturia... s conseguiram gravar bancando o prprio trabalho15.

    Paralelamente, de selos independentes de diferentes pontos do pas comeavam a surgir

    novos nomes do rap e do rock como Racionais MCs (Zimbabwe), Raimundos (Banguela)e Sepultura (Cogumelo), entre outros.

    Diferentemente do que ocorrera na dcada anterior, a oposio ideolgica entre

    majors e indies, ou mesmo entre arte e mercado, pouco se fez presente em discursos e

    debates. Agora, parecia mais interessante aos empresrios afirmar a profissionalizao e

    viabilidade de seus investimentos. Para muitos deles, o conceito de selo independente no

    Brasil ainda estava, como declarou Pena Schmidt, da Tinitus, muito associado imagem

    do disco artesanal, praticado aqui nos anos 70 e conclua: ser independente apenas serdono do prprio negcio16. Assim, veteranos como Arrigo Barnab, Eliete Negreiros e o

    Grupo Rumo, por exemplo, agora gravavam pelo selo independente Camerati, que

    14Montar gravadora est mais barato, O Estado de So Paulo, 06/12/1996.15Imprio dos independentes contra-ataca, O Estado de So Paulo, 13/02/199216Imagem ainda artesanal, Folha de So Paulo, 06/01/1993.

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    masteriza e fabrica seus CDs nos EUA com superviso do conceituado Toby Mountain,

    tcnico que j gravou os Stones e Frank Zappa17. Almir Chediak, fundador da editora

    Lumiar e, posteriormente, da gravadora de mesmo nome, sintetizava a questo afirmando

    que o importante nas produes independentes que elas no tenham cara de

    independente18.

    Esse reforo da idia da profissionalizao evidenciava uma nova e mais

    pragmtica relao entre independentes e mercado, uma compreenso compartilhada de

    sua lgica e realidade. E isso por duas importantes razes. Em primeiro lugar, muitos dos

    novos proprietrios de gravadoras haviam sado dos quadros das majors, frequentemente

    descartados por polticas de conteno de custos e terceirizao de atividades. Dentre os

    profissionais que saram da Warner, criaram suas prprias empresas Pena Schmidt

    (Tinitus), Conie Lopes (Natasha Records) e Nelson Motta (Lux). Alm deles, Mayrton

    Bahia, ex-Odeon e PolyGram, criou a Radical Records; Marcos Mazzola, ex-PolyGram,

    criou a MZA e Peter Klam, ex-diretor da Warner e da PolyGram, criou a Caju Music.

    Dentre os artistas que eram ou j haviam sido contratados de grandes gravadoras, criaram

    suas prprias empresas Ivan Lins (Velas), Dado Villa-Lobos (RockIt!), Marina Lima

    (Fullgs) e Ronaldo Bastos (Dubas), entre outros19.

    Em segundo lugar, ocorria um intenso relacionamento entre majorse indies. Formas

    bem sucedidas de associao tornaram-se freqentes e, em 1993, Joo Paulo Bandeira de

    Mello, diretor de marketing da EMI, descrevia a relao entre ela e os selos independentes

    que passara a distribuir como um dos pontos positivos da crise20.

    Foram vrias as indies que passaram a manter ou foram criadas a partir de

    relacionamentos com majors. Os contratos de distribuio eram devido s dificuldades

    que essa rea apresentava para as empresas menores os mais freqentes: a Caju Music e a

    Excelente Discos contavam com a distribuio da PolyGram; a Rock It, Radical, MP,B e

    Natasha tinham seus discos prensados e distribudos pela EMI; a Warner cuidava da

    17Idem, ibidem.18O som da liberdade, Jornal do Brasil, 20/02/1992.19Independentes, porm pragmticos, O Globo, 26/02/1997 e O som da liberdade, Jornal do Brasil, 20/02/1992.20Chefes do disco vem retomada das vendas, Folha de So Paulo, 10/05/1993.

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    distribuio da Zimbabwe21, etc. Brian Butler, da Excelente, explicava inclusive que a

    Polygram, ao distribuir seus discos, acabava usando o selo como laboratrio de novas

    tendncias22.

    E de fato, formar artistas para posterior repasse s majorsera uma perspectiva para

    vrios empresrios. Cac Prates, scio de Mayrton Bahia na Radical Records, considerava

    inclusive que a tendncia natural dos selos independentes servir de fonte para as grandes

    gravadoras23. Essas ltimas, ao terceirizar suas atividades de produo, tendiam a se

    concentrar nas reas de divulgao e distribuio, onde sua vantagem competitiva podia ser

    expressa atravs da extenso de sua estrutura logstica, da facilidade de negociao com

    redes de supermercados e magazines, do acesso aos grandes grupos de comunicao e do

    potencial para a divulgao sinrgica de seus produtos.

    Assim, criada uma espcie de diviso do mercado, onde caberia s majors

    viabilizar a divulgao e distribuio macia de alguns produtos pinados da produo

    independente, que demonstrassem um maior potencial para transitar do circuito local para

    o nacional (ou mesmo mundial). Os independentes, nessa nova ordem, funcionavam

    basicamente como selos das grandes gravadoras, ou seja, como departamentos voltados

    prospeco e ao atendimento de segmentos especficos.

    Assim, se a produo independente tinha sido encarada nos anos 80 como

    alternativa ao ingresso do artista na grande gravadora, capaz de garantir uma maior

    autonomia para a sua criao, ela agora surgia como a nica via de acesso s majors espao

    para que ele demonstre sua viabilidade comercial, adequao ao gosto do pblico e lgica

    do mercado.

    Mas esse no era o nico incentivo para a produo independente. A grande

    segmentao da produo verificada a partir dos anos 90 relacionava-se, tambm, ao

    fortalecimento da produo cultural desenvolvida dentro daqueles que eu denomino como

    circuitos autnomos de produo musical, onde as fortes vinculaes identitrias

    21Caju e Kuarup resistem com lanamentos no exterior, O Estado de So Paulo, 13/02/1992; Montar gravadora estmais barato, O Estado de So Paulo, 06/12/1996; Selos alternativos dinamizam o mercado, Folha de So Paulo,06/01/1993 e Selos pequenos crescem margem da mdia, Folha de So Paulo, 15/07/1994.22Montar gravadora est mais barato, O Estado de So Paulo, 06/12/1996.23Selos pequenos crescem margem da mdia, Folha de So Paulo, 15/07/1994.

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    (comportamentais, geogrficas, tnicas, religiosas, etc) e o acesso s tecnologias permitem a

    formao de uma rede de produo e distribuio cultural fora do mbito das grandes

    gravadoras ou das redes nacionais de mdia. Foi a partir desses circuitos de carter local,

    mas quase sempre legitimados por referenciais internacionais-populares que surgiu

    significativa parte no s do que foi realmente inovador na produo musical brasileiras

    das duas ltimas dcadas, como tambm alguns de seus maiores fenmenos de venda.

    Gostaria de tomar como exemplo a cena do rock alternativo. Se o rock dos anos

    80 era produzido predominantemente por jovens artistas brancos, de classe mdia, com

    formao universitria e oriundos de Braslia e de capitais do sul e do sudeste, ele ressurgia

    nos anos 90 a partir de uma configurao bem distinta: forte presena das periferias

    urbanas, principalmente de capitais do nordeste; influncia importante da msica negra,

    especialmente do funk e do rap predominante em grupos como Rappa e Cidade Negra,

    entre outros; questionamentos sociais mais vigorosos e vinculao de algumas bandas a

    causas especficas (como a da legalizao da maconha defendida, entre outros, pelo Planet

    Hemp).

    O interesse das grandes gravadoras pelo segmento foi despertado j no incio da

    dcada 90, com as majorscriando ou se associando a selos voltados especificamente para a

    prospeco de novos artistas do cenrio. O Banguela Records que foi criado em 1994

    atravs de uma associao entre Carlos Miranda, o grupos Tits e a WEA lanou as

    bandas brasilienses Raimundos, Little Quail e Mascavo Roots, alm de Mundo Livre S/A

    (Recife) e Graforria Xilarmnica (Porto Alegre). O selo Chaos, criado pela Sony em 1992,

    lanou nomes como Chico Science & Nao Zumbi (Recife), Skank (Belo Horizonte), e

    Gabriel, o Pensador (Rio), entre outros. Tambm a BMG voltou-se para a cena atravs da

    reativao, em 1994, de seu selo Plug, criado ainda nos anos 8024.

    Apesar dessas iniciativas, as majors acabaram dividindo a responsabilidade pelo

    surgimento dos novos nomes do pop/rock dos anos 90 com gravadoras independentes, a

    partir das quais foram lanadas bandas como Pato Fu (Cogumelo), contratada

    24 Quando foram lanadas por ele bandas como Engenheiros do Hawaii, De Falla e Picassos Falsos.Alternativos dos 80 erraram no timing, Folha de So Paulo, 12/10/1993.

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    posteriormente pela BMG25; Sepultura, que gravou pela Eldorado e pela Cogumelo;

    Rumbora e Sheik Tosado, que gravaram pela Trama, etc. As indies foram, ainda,

    responsveis pelos primeiros lanamentos fonogrficos de cenas como a do Forr

    Eletrificado de Fortaleza (SomZoom), do Boi de Parintins (Atrao Fonogrfica), do funk

    (Furaco 2000) e do rap (Kaskatas) que, posteriormente, tambm chegaram s majors.

    De qualquer forma, a crise do final da dcada levou a um novo retraimento das

    grandes gravadoras e iniciativas como a dos selos Chaos, Plug e Banguela acabaram

    extintas, assim como muitas das atividades desenvolvidas em parceria.

    O cenrio atual

    Assim como ocorrera nas dcadas anteriores, tambm o final dos anos 90 foi

    marcado por uma crise. Se, em 1997, era apontada a possibilidade do Brasil, sexto mercado

    mundial, alcanar o quinto posto do ranking (Frana) em trs ou quatro anos e, at 2020,

    ocupar o terceiro (Alemanha)26, a desvalorizao cambial e a recesso econmica do final

    de 1998 modificaram totalmente as expectativas. Assim, no ano seguinte, a indstria

    apresentava queda de 8% no nmero de unidades vendidas, de 43% no faturamento em

    dlar e, em 2001, despencava para o 12 lugar do ranking.

    Alm das questes gerais da economia, fatores especficos do setor tambm

    prejudicavam fortemente o desempenho da indstria. A pirataria era, sem dvida, o mais

    importante deles. O problema no era novo no pas, tendo atingido o mercado de fitas

    cassetes ainda nos anos 70. Em 1997, a ABPD estimava que o comrcio de cassetes ilegais

    girava em torno de 60 milhes de unidades, contra menos de um milho do comrcio

    legal27. Atualmente, a APDIF (Associao Protetora dos Direitos Intelectuais

    Fonogrficos), estima que a pirataria em CDs no pas responde por mais de 50% do

    25Selos pequenos crescem margem da mdia, Folha de So Paulo, 15/07/1994.26CD, o objeto sonoro do desejo, Jornal do Brasil, 21/09/1997.27 Em 1998, a indstria praticamente abandonou o formato. No mercado de fitas cassetes, no h mais espao paraos produtos originais, O Estado de So Paulo, 19/07/1999. Vale ressaltar que, at pelo menos os anos iniciaisda dcada de 2000, os cassetes ainda apresentavam uma vendagem significativa em outros pases latino-americanos e mesmo nos EUA.

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    mercado, ao mesmo tempo em que a Federao Internacional da Indstria Fonogrfica

    (IFPI) coloca o Brasil entre os dez pases prioritrios para a sua atuao anti-pirataria.28

    Embora atinja tambm o mercado independente, a pirataria se mostraespecialmente danosa para as majors, considerando que a estratgia do blockbuster tende a

    permitir uma maior concentrao tambm das atividades dos produtores ilegais de CDs.

    Alm da pirataria em formatos, temos tambm a distribuio ilegal de msica pela internet.

    A IFPI estima em 20 bilhes o nmero de downloads ilegais de msica realizados no

    mundo em 2005, sendo um bilho deles atribudo ao Brasil. Mas as possibilidades de

    distribuio de msica pela internet apontam, a meu ver, para algo bem mais importante do

    que a pirataria.

    Por um lado, parecem demonstrar at o momento um relativo fracasso da grande

    indstria em controlar e transformar a distribuio digital no seu grande veculo de vendas.

    Afinal, a aproximao entre rede de distribuio digital e contedo a verso mais recente

    da relao hardware/software parece ter sido o grande impulsionador da fuso entre

    Amrica On-Line e Time-Warner, ocorrida em janeiro de 2000, e para a unio sob um

    mesmo conglomerado europeu da Universal (msica, TV e cinema), do Canal Plus e do

    portal de internet Vizzavi, ocorrida em julho do mesmo ano. Por outro, a internet

    consolidou-se como alternativa consistente para a divulgao e distribuio dos trabalhos

    de artistas e gravadoras independentes, enfraquecendo o controle das majors sobre essas

    reas vitais dentro de sua estratgia de atuao.

    Assim, embora sedutora, a idia das majors de se beneficiar do downsizing e do

    controle sobre novos segmentos e artistas possibilitados pela terceirizao, ao mesmo

    tempo em que relanam seus catlogos para distribuio digital e concentram seus esforos

    no lanamento e venda de uns poucos blockbusters, parece colocada em cheque. O modelo

    se v ameaado at mesmo pelos artistas privilegiados por sua estratgia de concentrao,

    sendo emblemtico o exemplo de Prince, que rompeu seu contrato com a Warner ainda

    em 1994 partindo para a produo independente e a distribuio de seus trabalhos atravs

    28www.apdif.org.br e IFPI Piracy ReportIn http://www.ifpi.org/content/library/PiracySummary. pdf .

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    da internet. No processo, ele renunciou at mesmo o nome artstico com que fora

    promovido pela gravadora29.

    Outro fator a corroborar a idia de uma crise no modelo da indstria o de que,apesar da crise geral do mercado fonogrfico, possvel verificar nos ltimos anos um

    nvel indito de reorganizao da cena independente no pas, com as indies passando a

    responder de forma praticamente exclusiva por uma srie de segmentos de mercado como

    a msica instrumental (Visom e Ncleo Contemporneo), a msica infantil (Palavra

    Cantada), a new age (MCD, Azul Music e Sonhos & Sons), o choro (Acari Records), a

    MPB (Dubas e Biscoito Fino), o relanamento de gravaes histricas (Revivendo), o rap

    (Sky Blue), o funk (Furaco 2000), o forr (SomZoom e MD Music) e a msica religiosa

    (Paulinas, na msica catlica, Bom Pastor e Line Records, na evanglica), entre muitos

    outros.

    Esses dois ltimos segmentos, inclusive, chegaram a ter uma parada especfica:

    realizada pelo Nopem e publicada por sua revista em seus ltimos meses de existncia. A

    ltima edio da revista, de agosto de 2002, mostrava as majorsrespondendo por apenas 4

    dos 50 CDs de forr mais vendidos. J na Parada Gospel, da mesma edio e voltada

    exclusivamente s produes do meio evanglico, o quadro era ainda mais radical, no

    sendo registrada a participao de nenhuma das grandes gravadoras30.

    Alm disso, tambm se consolidaram no cenrio gravadoras de maior porte e

    atuao mais diversificada, que no apenas atuam em diferentes segmentos como, em

    alguns casos, tambm licenciam e distribuem discos de indies internacionais. Dentre essas

    empresas podemos citar Atrao Fonogrfica, Natasha, Trama, Deck Disc e Indie Records.

    Essas e outras indiescontam, para a sua sustentao, tambm com as vendagens de artistas

    j consagrados que foram dispensados ou decidiram se afastar das grandes gravadoras.

    Esse o caso de Alceu Valena (DeckDisc), Ed Motta e Gal Costa (Trama) e Chico

    29 Outro caso de ruptura unilateral de contrato ops George Michael e sua gravadora, a Sony Music, aindaem 1993 (Burnett, 1996: 27).30 A Nopem, empresa especializada em pesquisas de mercado, foi criada em 1965. Sua revista foi publicadaentre os anos de 1999 e 2002. As indiesmais citadas na parada do forr foram SomZoom, CD Center eMD Music, alm de produes de artistas independentes. J na parada gospel, as principais citaes forampara a MK Publicit.

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    Buarque e Maria Bethnia (Biscoito Fino), entre muitos outros. Entendo que pelo menos

    Trama e Biscoito Fino so gravadoras que j podem ter porte suficiente para justificar a

    designao de gravadoras mdias, alm de estarem vinculadas de alguma forma a grandes

    grupos econmicos (VR e Icatu, respectivamente).

    Por todos esses fatores, vivemos um momento muito especial para o crescimento e

    a reorganizao das indies. Alm de algumas delas participarem atualmente da ABPD31,

    onde esto representadas todas as majors, a cena constituiu uma associao prpria, a

    ABMI, Associao Brasileira de Msica Independente, criada em 2002. Ela conta

    atualmente com aproximadamente 100 scios e oferece, entre outros benefcios, contratos

    coletivos de distribuio digital, melhores condies de negociao com editoras (acerca

    dos direitos de regravao de msicas) e certificados de volume de vendas (discos de ouro,

    prata e platina)32.

    .................................Assim, a indstria fonogrfica brasileira vive na dcada atual um momento de

    contrastes. De um lado, sofre as conseqncias de uma crise que, envolvendo fatores como

    o quadro pouco alentador da economia, a pirataria digital e de formatos e talvez o prprio

    esgotamento de seu modelo, reduziu significativamente a sua importncia econmica. De

    outro, vive um significativo processo de renacionalizao e desconcentrao da produo,

    potencialmente capaz de oferecer melhores condies para a expresso da real diversidade

    musical do pas.

    No um quadro simples. A retrao da grande indstria cria grandes espaos

    vazios que, se no forem preenchidos pelas indies, podem determinar um esvaziamento da

    cena fonogrfica do pas e a reduo das possibilidades de toda uma gerao de artistas de

    estabelecer carreiras estveis. Assim, entendo que a continuidade da crise e o agravamento

    do problema da pirataria colocam em risco toda a ecologia do mercado fonogrfico. Em

    relao pirataria, por exemplo, lembro que uma de suas conseqncias o

    enfraquecimento das lojas especializadas cuja substituio pelos grandes magazines como

    31 Caso de Paulinas-Comep, Sunshine, Indie Records e MK Publicit.32 www.abmi.com.br.

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    pontos de vendas reduz tanto as possibilidades de distribuio dos independentes quanto

    de apresentao de novos artistas aos consumidores.

    Alm disso, entendo que o crescimento da cena independente impe a necessidadede uma distino mais clara entre os diferentes agentes que ocupam esse campo. Hoje,

    utilizamos a expresso independente para designar tanto o msico que produziu seu CD

    num home studio, quanto empresas como a Trama e a Biscoito Fino, criadas a partir de

    investimentos de milhes de reais. Compreender melhor essas diferenas talvez nos auxilie

    a ter uma viso mais clara das relaes de fora que parecem estar se estabelecendo no

    setor. Afinal, analisar o mercado a partir de uma diviso maniquesta entre majors e indies

    nos levaria a ignorar o fato de que, tambm dentro de alguns dos circuitos autnomos, a

    concentrao econmica se estabeleceu de maneira feroz. J em 1998, por exemplo, a

    Revista Veja expunha alguns aspectos do funcionamento de circuitos como o da ax music

    e do forr eletrificado de Fortaleza. Segundo a matria,

    O grupo baiano Jheremias No Bate Corner um caso exemplar. Noano passado, seus trs integrantes romperam com os empresrios, ocantor Netinho e seu scio, Misael Tavares. Detentores dos direitossobre a marca, Netinho e Tavares contrataram outros artistas emontaram uma nova verso do Jheremias. A antiga banda teve demudar seu nome para Jammil e Uma Noites. Essa nova forma deatuar permite aos empresrios um lucro bem maior. A cada show,eles pagam aos artistas um cach fixo, independentemente do valorrecebido pela apresentao. O cearense Emanoel Gurgel,proprietrio do Mastruz com Leite e de outros oito grupos de forr,tem hoje um imprio que inclui uma gravadora e uma rede deemissoras de rdio. Gurgel fatura 15 milhes de dlares por ano,enquanto alguns de seus msicos recebem 60 reais por show33.

    De qualquer forma, o cenrio dos circuitos autnomos ainda tem muito a nos

    oferecer em termos de anlise. Tive oportunidade, durante meu doutorado, de descrever

    superficialmente alguns desses circuitos como os dos CTGs (Centros Populares de

    Cultura), do Forr de Fortaleza, do Rock Alternativo, da Ax Music, do rap, do funk e, deforma mais detalhada, o da msica religiosa. Esse breve olhar reforou minha convico

    sobre a necessidade de se debruar sobre esses e outros espaos de produo e consumo

    identificando no s suas relaes de fora, mas tambm sua segmentao interna

    (extremamente complexa em cenas como a do techno e do hardcore, por exemplo),

    33 Revista Veja 28/10/1998.

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    instncias de legitimao, circuito de exibio e estratgias de atuao dos artistas, entre

    muitos outros aspectos.

    Esse tipo de anlise ajudaria, entre outras coisas, a modificar a percepo docenrio musical brasileiro gerada pela atuao das grandes gravadoras que, ao catapultarem

    representantes de circuitos autnomos para o mainstreamfonogrfico, causam a impresso

    de que sua renovao ocorre a partir de artistas surgidos repentinamente de lugar nenhum.

    Ou, por outro lado, geram uma viso reducionista dos circuitos, que tendem a ser definidos

    a partir das caractersticas dos seus artistas que a grande indstria decidiu promover34.

    34 Como foi o caso do relacionamento automtico de Bonde do Tigro, Tati Quebra Barranco e

    congneres com a cena funk carioca como um todo.

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