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“A política do comunismo só pode ganhar ao expor, com toda a clareza, a verdade. A mentira pode servir para salvar as falsas autoridades, mas não para educar as massas. O que os operários necessitam como instrumento de ação revolucionária é a verdade. Vosso semanário se chama A VERDADE. Já se abusou muito dessa palavra, como aliás de todas as outras. Porém é um nome bom e honesto. A verdade é sempre revolucionária. Expor aos oprimidos a verdade sobre a situação é abrir-lhes o caminho da revolução.” Leon Trotsky

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“A política do comunismo só pode ganhar ao expor, com toda a clareza, a verdade.

A mentira pode servir para salvar as falsas autoridades, mas não para educar as massas.

O que os operários necessitam como instrumento de ação revolucionária é a verdade.

Vosso semanário se chama A VERDADE. Já se abusou muito dessa palavra, como aliás

de todas as outras. Porém é um nome bom e honesto. A verdade é sempre revolucionária.

Expor aos oprimidos a verdade sobre a situação é abrir-lhes o caminho da revolução.”

Leon Trotsky

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A VERDADE

REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E CORRESPONDÊNCIA87, RUE DU FAUBOURG SAINT-DENIS, 75010, PARIS, FRANÇA

Correspondência para todos os países e para as versões em espanhol, inglês e francês

REVISTA BIMESTRAL – DIRETOR DA PUBLICAÇÃO:Daniel Gluckstein

COMITÊ DE REDAÇÃOJean-Pierre Barrois, Andreu Camps, Robert Clément, Manuel Cuso, Olivier Doriane, François Forgue, Marc Gauguelin, Lucien Gauthier, Christel Keiser, Daniel Gluck-

stein, Jean-Jacques Marie, Jean-Marc Schiappa, Marie-Claude Schidlower.

CORRESPONDENTES:Werner Uhde (Alemanha), Arfutni Abderramán (Argélia), Lybon Mabasa (Azânia e Suazilândia), Philippe Larsimont (Bélgica), Markus Sokol (Brasil), Paul Nkunzimana

(Burundi), Alifa Ngabaye Sam (Chade), Luis Mesina (Chile), José Limaico (Equa-dor), Blas Ortega (Espanha), Alan Benjamin (Estados Unidos), Charles Charalam-bous (Grã-Bretanha), Pavlusko Imsirovic (Iugoslávia), Lorenzo Varaldo (Itália), Luis Vásquez (México), Aires Rodrigues (Portugal), Florin Constantin (Romênia), Michel

Gindrat (Suíça), Ariel Quiroga (Uruguai).

EDIÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA – SETEMBRO DE 2009

Coordenação e distribuição: Edison Cardoni. Edição e produção: Paulo Zocchi.Tradutores desta edição: Cláudio Soares, Daniel Felipe Quaresma dos Santos, Edison Cardoni, Francine Iegelski, Joaquim Pagarete (Portugal), José Pinto Pacheco, Luiz Veloso, Maria José Duarte, Paulo Zocchi, Rafael de Freitas e Souza, Renina Valejo e Regina de Sena. Capa e editoração eletrônica: Alexandre Linares.

CorrespondênCia no Brasil

Corrente O TRABALHO do Pt(seção brasileira da 4ª Internacional)Rua Caetano Pinto, 678 - Brás São Paulo - SP - CEP 03041-000 Telefone: 11 - 3208.8420E-mail: [email protected]

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A VERDADEREVISTA TEÓRICA DA QUARTA INTERNACIONAL

Nº 66Setembro De 2009

SUMÁRIO

Notas editoriais ........................................... pág. 5

O significado da reunião do G-20 ................. pág. 20 por François Forgue e Jean-Pierre Raffi

Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI) .... pág. 43 por Olivier Doriane

Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo .... pág. 56

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O movimento operário estadunidense, a crise na indústria automobilística e a política de Obama ..................................... pág. 65 Uma entrevista com Alan Benjamin, dirigente de Socialist Organizer

Qual “paz” no Sri Lanka? .......................... pág. 85 por François Forgue

Documento preparatório do 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional ...... pág. 103

Venezuela: a era Chávez .......................... pág. 147 por Julio Turra

Guillermo Lora (1921-2009) .................... pág. 161 Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional

Budapeste (Hungria), 4 de abril de 2009: debate de lançamento do livro “1956, a Revolução dos Conselhos Operários” ..... pág. 166

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Política, institucional e eco-nomicamente, a crise de domi-nação do sistema capitalista não para de se agravar, em cada país, em escala internacional. É no país do imperialismo mais poderoso, os Estados Unidos, que a crise se expressa geral-mente de uma forma mais espe-tacular. Entretanto, neste 7 de junho, é na Europa que se pro-duziu um fato da mais elevada importância: a abstenção re-corde na eleição do Parlamento Europeu em todos os países.

No total, a participação nesta eleição não parou de decrescer

desde a instauração do Parla-mento Europeu: em 1979, vo-taram 62% dos eleitores ; em 2009, a participação foi em torno de 42%. Note-se que nas zonas operárias e populares as porcentagens de participação dificilmente ultrapassam os 10%, o que sublinha o caráter social maciço desta rejeição (1).

A União Europeia em crise aberta

Instituição maior a serviço do imperialismo estadunidense para pilhar e submeter as classes operárias e os povos da Europa,

Notas editoriais

1 – A taxa global de abstenção e de recusa ao voto situa-se, no plano nacional, abaixo de 20% em países como a Lituânia ou a Eslováquia. Na Romênia, em que a taxa de abstenção em escala nacional se aproxima de 75%, é de 90% em alguns bairros populares de Bucareste (capital). Na França, em que num período de 30 anos, a abstenção na eleição europeia passou de 40% para 60%, chega a algo entre 70% e 80% nas regiões mais populares, e a até 90% nas zonas eleitorais operárias.

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a União Europeia foi atingida no mais alto grau. Esta crise traduz, claramente, a rejeição das classes operárias e dos po-vos da Europa às políticas de destruição que lhes afrontam e a aspiração da classe operária a realizar as condições de sua luta de classe para se contrapor a essa política. Ela é também a ex-pressão da crise política de cada uma das burguesias da Europa, confrontadas à resistência das massas e às pressões desagrega-doras do imperialismo esta-dunidense, que, desde a última cúpula do G-20 (veja o artigo de François Forgue e Jean-Pierre Raffi) não parou de acentuar a pressão sobre os imperialismos concorrentes. Ela é um passo a mais na crise de desagregação das instituições da União Euro-peia, golpeadas pela rejeição do projeto de Tratado Constitucio-nal, em 2005, nos referendos na França e na Holanda.

Diante desta crise maior e generalizada, o imperialismo, fiel à sua natureza, só reconhece um número limitado de “remédios”: a escalada em direção à guerra e à desagregação das nações, a

destruição da classe operária (ao mesmo tempo, destruição física e desmantelamento de tudo o que confere valor à força de tra-balho), super-exploração, pilha-gem dos fundos públicos para salvar a classe capitalista... que, no final das contas, são medidas brutais contra a classe operária para financiar tais projetos.

General Motors: mais que um símbolo

O jornal que melhor exprime a perspectiva da City (2) de Lon-dres, “The Economist”, consa-grou em sua edição de 6 de junho um artigo ao que chamou de “A América dos colarinhos azuis” (3). Pode-se ler o seguinte:

“Poucas empresas são símbolos como a General Motors (...) de modo de vida em seu conjunto. No auge de seu sucesso, a Ge-neral Motors era a prova da capacidade do capital-ismo de fazer o cidadão médio alcançar o sonho americano. Apenas saídos do colégio, os jovens pode-riam trabalhar e viver toda

Notas editoriais

2 – City de Londres é o mercado financeiro britânico (NdT).

3 – A expressão “colarinhos azuis” refere-se à classe operária, em alusão aos macacões dos operários da indústria (NdT).

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uma existência que fazia inveja ao mundo inteiro. Podiam ganhar o suficiente para sustentar mulheres e fi-lhos. A empresa lhes ga-rantiria um plano de saúde de primeira linha. Poderi-am se aposentar com uma pensão equivalente a seus salários depois de ape-nas 30 anos de trabalho. Na metade dos anos 1950, Detroit alcançou a média mais elevada e a mais alta porcentagem de propri-etários de imóveis de todas as cidades estadunidenses.

Hoje, a falência da Gene-ral Motors é o símbolo dos tormentos que atravessam os próprios trabalhadores. Poucos são os trabalha-dores que ainda podem atender aos desejos de sua família sem que sua mu-lher trabalhe; menos nu-merosos ainda são aqueles que podem esperar se apo-sentar depois de 30 anos de trabalho. Detroit viu sua população diminuir de 1,85 milhão de habitantes em 1950, para 917 mil hoje. Este número vai cair ainda mais quando a General

Motors aplicar seus planos, que consistem em fechar cinco empresas suplemen-tares e transferir outros 21 mil trabalhadores. Uma cidade que foi recente-mente o símbolo da classe operária proprietária de sua casa é hoje repleta de casas abandonadas.

A recessão em curso fere mais duramente os colari-nhos azuis estadun-idenses do que os gênios financeiros de Wall Street. (...) Perto de seis milhões de empregos foram per-didos (nos Estados Uni-dos, NdE) depois que a recessão começou no final de 2007. Em torno de 70% destes empregos eram dos colarinhos azuis, (...) e isto acontece após os 30 anos mais difíceis para os trab-alhadores. Os salários dos colarinhos azuis estagna- ram desde a época de Jimmy Carter (4) e, para os homens, eles chegaram a diminuir. Julia Isaacs, do Brocking Institution, calculou que, entre 1974 e 2004, os salários mé-dios para os homens de 30

A Verdade

4 – Presidente dos Estados Unidos de 1977 a 1981 (NdT).

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Notas editoriais

anos, descontada a infla-ção, diminuíram em 12%, de 40 mil dólares em mé-dia, para 35 mil dólares.”

Desta descrição, “The Econo-mist” tira duas conclusões:

“A primeira é que os fun-damentos da América dos colarinhos azuis desmo-ronaram (...). A segunda é que estes colarinhos azuis têm uma responsabilidade essencial em relação à sua própria sorte. Esta con-clusão é particularmente verdadeira na indústria automobilística, que tende-ria a constituir o modelo es-sencial para o conjunto da economia estadunidense. Os sindicatos frequent-emente frearam, travaram sua própria indústria com regras que se opunham a todas as técnicas que visa-vam a estimular a flexibili-dade e a produtividade na produção fabril (o livro das regras de trabalho da Unit-ed Autoworkers – União dos Trabalhadores da Indús-tria Automotiva (UAW) – contém 5 mil páginas). Eles também impuseram à sua indústria custos de trabal-ho insuportáveis. Em 1970,

400 mil trabalhadores da indústria do automóvel dos Estados Unidos (um traba- lhador em duzentos em todo o país) entraram em greve durante dois meses, de modo a bloquear os planos de redução de empregos da General Motors.”

Concluindo:

“Mas há ainda esperan-ça para os colarinhos azuis, com a condição de que tirem lições da calamidade da General Motors. Inúmeras empresas fa-bris, entre elas fabricantes de automóveis, desenvolveram-se na época em que a General Motors desmoronou (...). Os colari-nhos azuis estadunidenses não podem mais se dar ao luxo de vi-ver ‘engordando’ como viveram seus prede-cessores, mas isso não sig-nifica que serão condena-dos a viver de bicos.”

Sobre o modelo do acordo UAW...

Assim, os operários estadun-idenses (e, supõem-se, os do mundo inteiro), vivem no luxo, “engordando”? O desdém do registro expresso neste trecho

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A Verdade

pelo autor em nome da classe capitalista estadunidense é su- focante. Ousar escrever tal coisa, quando a crise do capital advém primeiramente, todos sabem, da maneira pela qual os capi-talistas “engordaram”, graças à desregulamentação dos direi-tos operários, à super-explora-ção e à especulação financeira de décadas... Ousar escrever tal coisa quando os capitalistas “en-gordam” mais ainda hoje com 18 trilhões de dólares que as instituições internacionais do capital e os governos tiraram, nestes últimos meses, dos cai- xas públicos (e dos emprésti-mos) para salvar os bancos e os especuladores (dinheiro equiva-lente ao PIB acumulado dos Es-tados Unidos e da Alemanha). São os trabalhadores que vivem no luxo, “engordando”?

O desdém da classe capital-ista cumpre uma função. A en-trevista de Alan Benjamin, que publicamos neste número de A VErdAdE, reflete sobre a evolução da General Motors e a do sindicato UAW. Os redatores de “The Economist” ficarão sem dúvida satisfeitos em perceber que a direção da UAW (que eles censuraram por sua intransigên-cia no passado) finalmente cedeu diante das exigências de Obama.

A direção do sindicato não hesi-tou em oferecer 20 bilhões de dólares dos fundos de pensão, propriedade coletiva dos traba- lhadores da empresa, para salvar a empresa, no mesmo momento em que a empresa aplica um plano de 21 mil demissões e põe em questão todas as conquistas operárias em matéria de seguro saúde e de aposentadoria.

“The Economist”, de uma certa maneira, tem razão: a Ge-neral Motors é um símbolo. Não o símbolo de uma classe operária que “engorda” indevidamente, mas o símbolo da maneira pela qual a classe capitalista, atingi-da pela crise mortal inerente ao seu modo de produção, é capaz de ir até o desmantelamento dos florões de sua própria indústria, com o objetivo confesso de ar-ruinar a classe operária orga-nizada. Com tal atitude, a classe capitalista busca recuperar para si pedaços do valor da força de trabalho como único recurso possível para as novas margens de lucro.

Note-se que, na citação de “The Economist”, isso significa que “há ainda esperança para os colarinhos azuis, com a condição de que possam tirar lições da calamidade da General Motors”.

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Notas editoriais

É uma maneira de dizer que o sistema capitalista é fundado na extorsão da mais-valia, que não se concretiza sem a explo-ração da força de trabalho do operário. Compreende-se bem que, desde que o capitalismo existe, há operários a explorar. Ao destruir a classe operária organizada da General Motors para recuperar novas margens de lucratividade sobre a base da destruição da força de trabalho do proletariado, a classe capi-talista não renuncia a explorar a força de trabalho. Muito pelo contrário, pretende, por meio desta destruição em massa, restaurar (por quanto tempo ainda?) as condições de pro-dução da mais-valia.

...a marcha à governança mundial?

Existe uma relação eviden-te entre este acordo assinado pela General Motors e a Cúpula Mundial pelo Emprego, ocor-rida em 15 de junho em Gene-bra, com a participação dos di-rigentes do Secretariado da OIT, das organizações patronais, das organizações operárias sin-dicais e dos presidentes Lula e Sarkozy. O objetivo desta “Cúpu-la pelo Emprego” é o de preparar para a próxima cúpula do G-20

(setembro de 2009) um “pacto mundial pelo emprego”, reivin-dicado, aliás, pelos dirigentes de um certo número de organiza-ções sindicais. Pode-se ler neste número de “A Verdade” o artigo sobre a Cúpula Mundial pelo Emprego. Falando na reunião, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, citou o primeiro di-retor do secretariado da OIT Albert Thomas, “que, em toda sua vida, quis superar a luta de classes”. E Sarkozy afirmou:

“A regulação da global-ização é a questão central.”

Para chegar a esta “regula-ção”, convém, sublinha ele, co-locar em prática o que chama de “governança mundial”, com a OIT como um de seus braços, e, por meio dela, com as orga-nizações operárias sindicais que a OIT representa, para que estas possam ter sua “palavra a dizer junto da OMC, do FMI e do Ban-co Mundial”. O desafio para esta governança abertamente cor-porativista é a de levar o G-20 a “ganhar mais tempo diante da dimensão social da crise”. Pois, para Sarkozy, a alterna-tiva é: “Ou teremos a razão, ou teremos a revolta”. É para fazer frente à revolta operária provo-cada pela destruição em massa

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A Verdade

da força de trabalho que a go-vernança corporativista está na ordem do dia.

Pois, é um fato, a crise econômica se aprofunda. A cada novo anúncio, os números ofici-ais da destruição dos empregos são superiores às previsões precedentes. A General Motors ocupa um lugar simbólico. Mas, na realidade, todas as grandes marcas, todos os grandes nomes da indústria mundial em todos os domínios, automotivo e sid-erúrgico, eletrônico, informáti-ca, telefonia, construção e obras públicas, pneumáticos, todos sem exceção foram atingidos em proporções inéditas até hoje pela destruição em massa dos em-pregos. É impossível citar aqui uma lista, mesmo que parcial. Contentemo-nos em observar que, sob uma aparente incoerên-cia, as previsões feitas publica-mente por dirigentes agravam-se cada vez mais. As conclusões da missão do FMI nos Estados Unidos (tornadas públicas em 10 de junho de 2009) destacam que “as perspectivas a curto prazo caracterizam-se por um grau de imprecisão inabitual, e os riscos de degradação crescem em relação a todos os outros”.

Observações comparáveis

acham-se nas relações das mesmas instituições ligadas às grandes potências capitalis-tas européias. Diretor geral do Fundo Monetário Internacio-nal (FMI), Dominique Strauss-Kahn, em uma coletiva de imp-rensa em 13 de junho, na saída da reunião dos ministros das Finanças do G-8, pediu para “sermos muito prudentes” sobre as previsões concernentes à eco-nomia mundial. Strauss-Kahn prevê um “pico de desemprego no início de 2011”. Como dizem inúmeros observadores inter-nacionais, “o pior está por vir”. É essencialmente o que declara Erik Berglof, economista-chefe do Banco Europeu para a Re-construção e o Desenvolvimen-to, em uma coletiva ocorrida em meados de junho na Escócia:

“Não penso que o pior já passou, nós ainda não vi-mos tudo.”

Berglof explica:

“Parece que nunca sa-bemos o que se passa em nosso sistema bancário (na Europa). É necessário não somente descobrir, mas também tornar isso público”.

Brevemente, “o pior da re-

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Notas editoriais

cessão está por vir”. É fato que ninguém sabe em quais propor-ções os 18 trilhões de dólares (um quarto do PIB mundial), ofertados pelos governos e pelas instituições internacionais aos grandes bancos e fundos especu-lativos, permitirão cobrir ou não o desmoronamento bancário e fi-nanceiro em curso. O certo é que, tanto nos Estados Unidos como na Europa, os empréstimos re-tornam a pleno vapor. Desde já, a moeda de papel ameaça sofrer uma grande desvalorização para salvar os cofres-fortes dos ban-cos. Isso não muda nada: a base material do sistema capitalista continua sendo a produção de mercadorias. Ora, a realização da mais-valia por meio desta produção está mais ameaçada do que nunca. O Banco Mundial revê, sem cessar, a baixa de suas previsões. Em junho de 2009, estimou em 3% a queda do PIB mundial para 2009, colocando em evidência “as perspectivas cada vez mais sombrias” para as economias em desenvol- vimento.

Para Robert Zoellick, presi-dente do Banco Mundial, “a economia mundial se contrairá

este ano mais do que foi esti-mado antes, e os países pobres continuarão a ser duramente atingidos pelas múltiplas ondas de tensões econômicas”.

Somente na Alemanha, as previsões de queda do PIB ultrapassam, no momento em que escrevemos, os 6% para 2009. Esta ofensiva de destru-ição, que está longe de encontrar o seu ápice (em relação à França, o jornal “Le Fígaro” prevê um “setembro mortífero”), atinge sobretudo a força de trabalho, a classe operária. As previsões de desemprego para o próximo período aumentam a cada nova estatística. No momento em que escrevemos, anuncia-se que a taxa oficial de 10% de desem-pregados atinge ou está em vias de atingir todos os países capi-talistas ou em desenvolvimento, tanto nos Estados Unidos quan-to nos países europeus.

Nos Estados Unidos, a taxa oficial de desemprego é a maior em 27 anos e não para de crescer a um ritmo mensal de 600 mil destruições de empregos. Na Zona do Euro (5), o desemprego está no nível mais elevado dos

5 – Zona do Euro – Grupo de países que adotam o euro como moeda, composto pela maioria (mas não todos) dos países da União Europeia (NdT).

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A Verdade

últimos 10 anos. Em todos os lugares, o uso do seguro-desem-prego explode. Só nos Estados Unidos, estima-se em mais de 6 milhões o número de empregos destruídos desde o início oficial da recessão. Significativamente, a declaração dos ministros das Finanças do G-8 reunido em Lecce, na Itália, em 13 de junho, prevê que “mesmo após o retor-no do crescimento econômico, o desemprego poderia continuar a se desenvolver”, e insiste na necessidade de observar um respeito absoluto “às normas fundamentais da propriedade”, que passam notadamente pela “governança da empresa”.

Encontramos aqui os elemen-tos da declaração do G-20 aos quais se refere o artigo de Jean-Pierre Raffi e François Forgue, mas também os elementos da Cúpula Mundial de Genebra, com seu Pacto Mundial pelo Emprego. À luz destes elemen-tos, voltemos a um dos aspectos principais da eleição europeia à qual se fez referência no início destas notas editoriais: a der-rota generalizada de todos os partidos que se reclamam his-toricamente da classe operária e do movimento operário. Foram atingidos sobretudo os partidos socialistas e sociais-democra-

tas (os partidos oriundos da crise do stalinismo tiveram, em regra geral, resultados bastante medíocres). O jornal francês “Le Monde” (17 de junho), es-panta-se com o fato de a “so-cial-democracia (ser a) vítima inesperada da crise” e escreve:

“Pelo crime, o teorema estaria quase perfeito. A di-reita é o campo do capital, portanto, do capitalismo. Quando este último en-tra em crise, a direita está igualmente em crise. As-sim, a esquerda deveria ga- nhar as eleições europeias. O problema é que, em toda a União Europeia, os eleitores votaram contra a esquerda social-democrata”.

O paradoxo é apenas apa-rente. Nesta situação em que a crise coloca na ordem-do-dia para os trabalhadores de toda a Europa, como nunca antes, a necessidade de romper com a subordinação às leis do capital, os dirigentes da social-demo-cracia europeia mantêm sua obstinação seja de participar dos governos (com maioria socialista ou de “grande coalizão”, como na Alemanha) que colocam em andamento todos os planos da União Européia, seja de recusar

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Notas editoriais

a combater os planos de des-mantelamento da indústria. Por seu apoio de fato ao acompan-hamento dos planos sociais e de restruturação, eles aparecem aos olhos dos trabalhadores como não oferecendo nenhuma per-spectiva ao combate pela sobre-vivência da classe como classe. É esta a rejeição que se expressa no caráter espantosamente con-vergente, quase homogêneo, da maciça abstenção operária e popular na imensa maioria dos países concernidos pelo voto do pretenso Parlamento Europeu.

Guerra e economia armamentista

Estas palavras nos levam à atualidade da obra de Lenin “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”. Agora que a crise econômica começou a se estender ao mundo inteiro, há pouco menos de um ano, inúmeros jornalistas de quali-dade duvidosa e zelosos de-fensores do sistema capitalista resolveram redescobrir Marx. No espaço de alguns meses, tor-nou-se de bom tom redescobrir Marx, citá-lo a propósito do que ele jamais foi: um simples anal-ista dos mecanismos do capital. Mas, significativamente, todos os que resolveram redescobrir

Marx, o genial “descobridor das leis do capital” (omitindo seu papel de organizador do movi-mento operário, combatente que visava o fim da exploração capi-talista), tomaram muito cuidado para jamais mencionar Lenin.

Pois em “O Imperialismo, Fase Superior do Capitalis-mo”, Lenin prolonga a análise de Marx e mostra como, com o capitalismo alcançando o último estágio de seu desenvolvi-mento, o mundo inteiro é objeto de uma partilha total entre as principais potências imperialis-tas, elas são confrontadas a to-das as contradições de um siste-ma econômico que chegou, diz Lenin, a seu “estágio superior”, quer dizer, aquele do “parasi-tismo” e da “putrefação”.

Chegado a este estágio de desenvolvimento, o que marca também o início de sua decom-posição (da qual vemos hoje prolongamentos consideráveis), o sistema capitalista imperialis-ta pode somente sobreviver, diz Lenin, graças a duas condições principais: uma delas é o apoio que lhes dão os chefes operários paus-mandados da classe bur-guesa, que confundem seus in-teresses com os da própria classe

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A Verdade

capitalista; e a outra é a guerra, à qual se liga este pulmão artifi-cial da economia capitalista que é a economia armamentista.

É um fato muito significativo que, 20 anos após a queda do muro de Berlim, as despesas com armamentos tiveram em escala planetária um desenvolvimento sem precedentes. Lê-se em um dos textos da agência noticiosa France Presse (8 de junho de 2009), intitulado “Recorde das despesas militares mundiais”:

“As despesas militares no mundo atingiram um recorde no ano passado (...). Em 2008, foram gastos 1,464 trilhão de dólares, uma alta de 45% em dez anos.

‘A introdução da ideia de uma guerra contra o terrorismo, empurrou inú- meros países a ver seus problemas através de uma perspectiva fortemente mili-tarizada’, analisa o dirigente de estudos do Sipri (6) sobre despesas militares, Sam Perlo-Freeman, na apresen-tação de sua pesquisa.

‘Ao mesmo tempo, as

guerras no Iraque e no Afeganistão custaram 903 bilhões de dólares de despe-sas militares suplemen-tares, só para os Estados Unidos’, revela o pesquisa-dor. Os Estados Unidos são de longe o principal país na classificação do Sipri e representou, sozinho, em 2008, perto de 41% do total mundial das despesas mili-tares, ou seja, mais do que a soma dos gastos dos 14 ou-tros principais países, uma herança dos anos Bush.”

Comentando estas informa-ções, “Le Monde” explica que “desde 2000, a despesa anual global do Departamento de De-fesa dos Estados Unidos mais do que dobrou, passando de 294 bilhões de dólares para 675 bi-lhões”, e que este “crescimento das despesas com a defesa” du-rante os oito últimos anos “foi o mais forte registrado desde o fim da 2ª Guerra Mundial”. “Le Monde” acrescenta: “Financiado sobretudo por créditos excepcio-nais e por empréstimos, o gasto contribuiu para a deterioração das finanças públicas estadu-nidenses. O país passou em oito

6 – Sipri – Organização sueca, Instituto Internacional de Pesquisa pela Paz de Estocolmo (NdT).

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Notas editoriais

anos de um excedente financeiro de 236 bilhões de dólares no ano para um déficit previsto de 407 bilhões em 2009.”

A marcha para a guerra como resposta maior do imperialismo a suas próprias contradições, como meio de pilhar novos mercados e como meio de inflar a economia armamentista revela-se em toda a sua amplitude. O desenvolvi-mento sem precedentes da eco-nomia armamentista avança com a marchar para a guerra.

No Iraque, permanecem 135 mil soldados estadunidenses, sem que o calendário para a re-tirada seja sequer estabelecido; no Afeganistão, o conjunto das potências capitalistas são encora-jadas pelo governo de Obama a se engajar cada vez mais, sob a égide da Otan (7), para suprir as dificuldades do exército esta-dunidense; no Paquistão, que entrou numa espiral de guerras e de decomposição, com mais de dois milhões de refugiados nas estradas, enquanto o estado-maior militar dos EUA chama somente de Afpak o Afeganistão e o Paquistão, como uma única zona de guerra.

Seria preciso ainda evocar o Sri Lanka (veja o artigo a respeito de François de Massot) ou o que se desenvolve hoje no Iraque e as ameaças em relação à Índia? A marcha para a guerra é uma con-sequência intrínseca à sobrevida do capitalismo, que entrou na fase de decomposição imperialista.

Uma ofensiva redobrada contra a classe operária...

Mas mesmo este arrebata-mento militarista não será su-ficiente para debelar a crise do capital. A ofensiva contra a classe operária não pode di-minuir de forma nenhuma.

A classe capitalista prepara, aliás, sua nova fase. O mote é que, após a crise atual (que, já vimos, não para de se agravar), já se prepara a crise seguinte. “The Economist”, em sua edição de 13 de junho, consagrou um artigo à “maior dívida de toda a história”:

“Uma outra nuvem começa a fazer sombra, a ameaçar o horizonte finan-ceiro: a dívida pública.”

7 – Otan – Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar sob di-reção do imperialismo dos Estados Unidos (NdT).

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A Verdade

Segundo “The Economist”, retomando as análises dos es-pecialistas do FMI, “a dívida pública dos dez países mais ricos do mundo passará de 78% do produto nacional bruto em 2007 para 114% em 2014”. “The Economist” comenta:

“Jamais se viu, desde a 2ª Guerra Mundial, tan-tos governos fazerem em- préstimos de somas tão grandes em um espaço de tempo tão curto (...), e a atual explosão da dívida – diferentemente do que ocorre em períodos de guerra – não será temporária.”

“The Economist” descreve em seus termos a contradição na qual se encontra colocada a classe capitalista:

“A curto prazo, os em-préstimos governamentais são um antídoto essencial”, pois, qualquer um pode compreender, “sem a sa-lvação dos bancos, a quebra financeira seria ainda mais catastrófica etc. etc.” Assim, é preciso que os governos continuem a salvar, salvar, salvar e salvar banqueiros

e especuladores, mas é claro que isto terá um preço – “The Economist” não o esconde mais: o de fabricar moeda falsa (“o Federal Reserve (8), tal como o Banco da Inglaterra, imprime papel-moeda para comprar as obrigações do governo”). Eis aí uma fonte maior de inflação. Como agir diante destes riscos de inflação? “Uma cura súbita de auste-ridade fiscal hoje seria um erro”. Para “The Econo-mist”, os governos não po-dem fazer nada agora, mas devem assumir compro-missos para o futuro. Em particular, “os governos deveriam se engajar para aliviar as finanças públi-cas, cortando no futuro um certo número de despesas, mais do que aumentando os impostos”. Uma das prioridades propostas “é a de elevar a idade para a aposentadoria, o que es-timularia entradas fiscais, pois as pessoas trabalha-riam mais tempo, o que reduziria as futuras despe-sas na aposentadoria. Inúmeros países ricos já

8 – Federal Reserve Bank – Banco Central dos Estados Unidos (NdT).

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Notas editoriais

estão engajados nesta via, mas é preciso fazer mais ainda e mais rápido. Uma outra questão maior é o se-guro saúde”.

Qualquer um pode entender: todas as propostas têm o senti-do de preparar as condições das futuras ofensivas contra a classe operária.

...que alimenta e reforça os movimentos de resistência

Mas os golpes redobrados re-forçam a resistência das massas, que é a fonte da crise de domina-ção política do imperialismo (in-cluindo a crise que se expressa na eleição europeia). Encurralado, resta ao imperialismo somente a possibilidade de apelar para a união sagrada, para a associa-ção capital-trabalho. A Cúpula Mundial pelo Emprego exprime, em escala mundial, a política que o imperialismo tenta desenvolver em cada país.

Esta ofensiva se traduz, em particular, nas pressões con-sideráveis exercidas sobre os dirigentes das organizações sin-dicais, mas também sobre os dirigentes dos partidos que pre-tendem falar em nome dos tra- balhadores e da democracia, com

o objetivo de que, não retomando as reivindicações e as palavras de ordem da classe operária, eles acompanhem os planos destru-idores da classe capitalista. É este o problema colocado aos Estados Unidos, conforme já vimos, com a assinatura do acordo da UAW. Mas, como indica Alan Benjamin em seu artigo, a assinatura deste acordo coloca, no próprio seio do movimento operário, inúmeros problemas e provoca muitos pro-cessos de resistência. Mas estes problemas não estão colocados somente nos Estados Unidos. Sob diversas formas, os traba-lhadores estão confrontados com eles em todos os países.

Em direção ao 7º Congresso Mundial

Por este motivo, o 7º Con-gresso Mundial da 4ª Inter-nacional, convocado para o outono de 2009 (no Brasil, pri-mavera – NdT), terá que apro-fundar a discussão sobre os mei-os que devem adotar as seções da 4ª Internacional para ajudar a classe operária a superar os obstáculos levantados pelas di-reções das organizações, em particular no plano político.

Como ajudar a classe operária a realizar sua unidade para im-

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pedir os planos destruidores? Sob quais formas devem-se organizar as seções da 4ª Inter-nacional? Elas podem ajudar a constituir órgãos políticos de combate que permitirão a classe salvar-se como classe e, salvan-do-se como classe, salvar a hu-manidade? Esta é em particular a discussão que se desenvolve na seção francesa (veja na pág. 67) a propósito do significado da palavra-de-ordem de proibição das demissões e da campanha a este respeito levada pelo Partido Operário Independente (ao qual pertencem os membros da Corrente Comunista Inter-nacionalista, seção francesa da

4ª Internacional). É portanto uma discussão engajada sobre o combate político concreto pela proibição das demissões, as formas que ele deve tomar e as iniciativas adotadas neste sen-tido. Como, ajudando a classe a combater pela proibição das de-missões, ajudando-a a realizar a unidade de sua luta de classe com este objetivo, contribuir para constituir os elementos da construção de um autêntico Partido Operário Independen-te, compreendendo em seio uma corrente da 4ª Internacional? Re-tornaremos a estas questões no próximo número de “A Verdade.

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O significado da reunião do G-20

por François Forgue e Jean-Pierre Raffi

Em 2 de abril de 2009, ocorreu em Londres, ao redor de Barack Obama, novo presidente dos Estados Unidos, uma reunião do G-20, seguida por uma reunião de cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), na qual se reencontraram, mais uma vez em torno de Obama, muitos dos que haviam participado da reunião precedente.

O que é o G-20? É a reunião dos chefes de Estado ou de governo dos 20 países considera-dos os mais importantes do planeta, pois esti-ma-se que controlem cerca de 90% das rique-zas e da produção mundiais. É uma instituição criada em 1999, nos anos que se seguiram ao desabamento da UrSS (União Soviética) e à primeira invasão do Iraque por uma coalizão sob direção estadunidense. O G-20 reúne, ao lado das grandes potências imperialis-tas (que formavam antes o que se chamava de G-7), a Federação russa e os países ditos emergentes, como o Brasil, a África do Sul, a Índia e a China.

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François Forgue e Jean-Pierre Raffi

A reunião do G-20 ocor-reu enquanto a crise mundial, iniciada nos Estados Unidos, caía como uma tempestade so-bre todos os países e todos os continentes, desestabilizando os próprios fundamentos da ordem capitalista mundial; crise que, no entanto, está apenas em suas primeiras etapas...

Essa reunião marcou igual-mente a entrada em cena mun-dial do novo presidente dos Es-tados Unidos, Barack Obama. Tratava-se apenas de uma simples mudança de pessoas. A presidência de Bush terminou nas condições de crise citadas acima, enquanto o imperia- lismo estadunidense se chocava em todas as partes com as con-sequências do desabamento do sistema capitalista mundial, do qual ele é a peça principal. O lodaçal sangrento no Iraque e a acentuação da guerra no Afe-ganistão se combinam com a situação de conjunto para minar a posição mundial dos Estados Unidos – não como resultado do questionamento de sua posição dominante em relação aos ou-tros imperialismos, mas como a própria expressão da luta de classes internacional e do apro-fundamento da decomposição do sistema capitalista.

Coube, portanto, a Obama exprimir a necessidade de manter – e de restabelecer em todos os terrenos – a estratégia de supremacia e de dominação indispensável à sobrevivên-cia do imperialismo estadu- nidense, e consequentemente do imperialismo mundial. Isso em condições, nos próprios Esta-dos Unidos, nas quais a eleição de Obama é uma das expressões da crise política profunda que estraçalha os Estados Unidos, que fragiliza o conjunto de suas instituições.

Em outros termos, a reunião do G-20 visava empreender a re-organização do conjunto do dis-positivo mundial da dominação imperialista desestabilizado pela crise em torno de seu pivô, o im-perialismo estadunidense, e isso, precisamente, nas condições cri-adas pela crise.

O novo presidente estadu-nidense deveria, portanto, re-afirmar e fazer com que todos aceitassem a supremacia do im-perialismo estadunidense, assim como o fato de que, mais ainda do que no passado, tudo deve ser subordinado a suas necessi-dades. É a serviço desse objetivo que foram colocados em prática os efeitos de estilo pelos quais

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O significado da reunião do G-20

Obama dedicou-se a dar aos Estados Unidos uma imagem mais aberta, mais inclinada ao diálogo, ao “multilateralismo” e à consulta.

Na realidade, a reunião do G-20 constituiu uma declaração de guerra contra os trabalha-dores e os povos do mundo.

Uma declaração de guerra contra os trabalhadores e os povos do mundo

Os 20 chefes de Estado e de governo afirmaram em comum, e por unanimidade, em sua declaração final:

“Estamos convencidos de que o único fundamen-to para uma globalização durável é uma economia mundial aberta baseada nos princípios do mercado.”

Essa declaração foi rati-ficada, portanto, não apenas pelos dirigentes das grandes potências imperialistas, mas também por todas as cúpu-las de países como o Brasil e a Índia, pelo russo Putin e pelos dirigentes da burocracia chine-

sa. As cúpulas da social-demo- cracia internacional estão di-retamente associadas a essa tomada de posição, principal-mente em virtude de sua par-ticipação – ou sua direção – em alguns governos participantes do G-20. A social-democracia alemã está comprometida com uma “grande coalizão” com a CDU da chanceler Merkel (1); quem preside o governo espanhol é Zapatero, dirigente do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol); e Gor-don Brown, dirigente do Par-tido Trabalhista britânico, foi o anfitrião dessa reunião.

A consequência do alívio dado ao imperialismo pelas cúpulas burocratizadas do movimento operário só pode ser a tentativa, sob formas múltiplas, de subor-dinar e de associar as organiza-ções operárias, em particular as organizações sindicais, ao quadro fixado pelo G-20.

Quaisquer que sejam as con-tradições entre os diferentes componentes do G-20, houve um acordo final no sentido de que tudo o que conduziu à crise atual deve ser mantido. Em out-ros termos, um acordo de que

1 – CDU: sigla em alemão da União Democrata-Cristã, partido burguês do qual faz parte a chanceler Angela Merkel (NdT).

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François Forgue e Jean-Pierre Raffi

o sistema mundial baseado na propriedade privada dos meios de produção, cuja manutenção conduziu à crise atual, deve ser preservado a qualquer custo, e que isso só pode ocorrer sob a condução do imperialismo estadunidense, elemento central dessa ordem mundial.

Nesta medida, repetimos, as decisões do G-20 e seus prolon-gamentos na reunião da Otan constituem uma verdadeira declaração de guerra contra os trabalhadores e contra os povos do mundo. Elas não tardaram a mostrar seus efeitos.

Primeira consequência: o ataque contra os trabalhadores da indústria automobilística nos EUA

A primeira consequência é uma ofensiva generalizada con-tra os trabalhadores, seus em-pregos, seus direitos e suas or-ganizações. Ela começou a ser posta em prática por meio do ataque contra os trabalhadores da indústria automobilística dos Estados Unidos.

O plano de reestruturação da indústria automobilística, a colocação sob concordata “cirúrgica” da Chrysler, e de-pois da General Motors, não significam apenas a liquidação de dezenas de milhares de em-pregos nos próximos meses e uma ameaça sobre centenas de milhares de empregos direta ou indiretamente dependentes da indústria automobilística nos Estados Unidos.

Para a realização desse plano, o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Automobilística, cuja sigla em inglês é UAW, foi intimado a transformar-se em síndico de massa falida das grandes empresas da indústria automobilística e a associar-se diretamente aos planos de de-missões e de destruição das van-tagens conquistadas pelas lutas passadas. A direção do sindicato UAW aceitou esse acordo, e, como dizem seus porta-vozes, “chegamos a um acordo com a direção da General Motors e com o Ministério das Finan-ças dos Estados Unidos para tornar a General Motors mais competitiva e para cancelar uma parte da dívida da Gen-eral Motors com o fundo de aposentadoria”.

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O significado da reunião do G-20

O plano que o presidente Obama pôs em prática, com a concordância da direção do sin-dicato UAW, resume-se ao que disse a respeito um operário da Chrysler: “É um roubo a mão armada”. De fato, o que foi feito na Chrysler e o que está em curso na General Motors é a “recapitalização” das empresas da indústria automobilística por meio da injeção de recursos dos fundos de pensão, que assegu-ram as aposentadorias e a cober-tura de saúde dos trabalhadores da indústria automobilística. O que está na ordem-do-dia é, portanto, a destruição de algu-mas das conquistas sociais mais avançadas da classe operária estadunidense que existiam nesse setor e que valiam como ponto de apoio e referência para toda a classe operária.

Essa ofensiva lançada contra os trabalhadores da indústria automobilística é uma ofensiva contra todos os trabalhadores dos Estados Unidos, e, além disso, contra os trabalhadores do mundo inteiro, bem como contra a independência de suas organizações. Ela indica com clareza o futuro que o imperia-lismo, acuado pelas consequên-cias de sua crise, vai procurar impor em escala mundial.

Mais do que nunca, a classe operária, por sua ação para salvaguardar suas conquistas, seus direitos, seus empregos, é a força social determinante que pode salvar a civilização do an-iquilamento. Mais do que nun-ca, em cada uma de suas lutas, os trabalhadores se chocam com o sistema de exploração capi-talista, baseado na propriedade privada dos meios de produção, e são levados a questioná-lo.

Mais do que nunca, para con-duzir e desenvolver sua ação, a classe operária, em cada país e em escala internacional, tem necessidade de suas organiza-ções independentes, de suas organizações sindicais. Em sua resistência, em condições difí-ceis, contra os planos destruti-vos do capital, a classe operária coloca a questão de uma política independente, ou seja, que rom-pa efetivamente com o sistema capitalista, e recoloca a questão do instrumento de tal política: a questão do partido, a questão da Internacional.

Outra consequência: golpe de força na OIT

Contraditoriamente a todas as tradições e ao funcionamento da OIT (Organização Internacio-

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nal do Trabalho), alguns dias an-tes da sessão anual para reunir, de 3 a 19 de junho, centenas de “delegados dos trabalhadores” representantes de organizações operárias do mundo (bem como os representantes dos patrões e dos Estados), anuncia-se uma mudança radical da ordem-do-dia. Anuncia-se a organização de uma “cúpula da OIT sobre a crise mundial”, que “reunirá não apenas as representações dos Estados e dos governos, as organizações patronais e sin-dicais, mas também os ‘decidi-dores’ em escala internacional, representantes da sociedade civil, representantes das mul-tinacionais. Durante essas jornadas, será discutido um projeto de ‘Pacto Mundial pelo Emprego’”.

Isso é pura e simplesmente decidir a morte da OIT como organismo tripartite, baseado no estabelecimento de normais sociais e no reconhecimento de organizações sindicais operárias independentes, para substituí-la por um quadro de integração corporativista dos sindicatos. A aplicação dessa política exige

que ela seja assumida pelas cú-pulas do movimento operário. Nessa via, em escala interna-cional como em cada país, os aparatos de origem stalinista e as organizações ligadas ao Sec-retariado Unificado (2) desem-penham um papel central. O conteúdo desse golpe de força são os ataques sofridos pelos trabalhadores dos Estados Uni-dos e suas organizações.

A OIT é uma instituição inter-nacional que procede da colabo-ração de classes (foi constituída há 90 anos como uma tentativa de conter a onda crescente da revolução mundial iniciada em outubro de 1917), mas reco-nhecia em sua forma e em sua própria composição a divisão da sociedade em classes, e, portan-to, a presença de representantes da classe operária como tal.

Diante da crise mundial do sistema imperialista, trata-se, pelo próprio questionamento da OIT, de uma expressão da modi-ficação de todas as relações en-tre as classes. Nessa situação, a OIT não tem mais razão de ser, porque “resolver a crise” – que era o objetivo proclamado do

2 – Secretariado Unificado (SU): organização que se reivindica fraudulentamente da 4ª Internacional (NdT).

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O significado da reunião do G-20

G-20 – é destruir as organiza-ções operárias por meio de sua integração aos planos do G-20.

A guerra sem fim

A realização do G-20 con-duziu a uma ofensiva crescente contra a soberania das nações, contra os direitos dos povos, contra a democracia. As guerras se intensificam, se multiplicam.

O governo Obama acaba de au-mentar o orçamento do Pentágo-no, que atinge agora 664 bilhões de dólares (ou seja, 21 bilhões de dólares a mais que o último or-çamento militar de Bush). O jor-nal britânico “Financial Times” (30 de abril) assinalou que, “ao procurar reduzir a quantidade de forças estadunidenses dire-tamente engajadas no Iraque, reforçando ao mesmo tempo a intervenção no Afeganistão, Obama segue, no essencial, a rota traçada por Bush”.

Essa rota é a da “guerra sem fim”. Não se trata da “guerra contra o terrorismo”, mas sim da guerra contra os povos.

Obama teve recentemente uma reunião com os chefes de governo afegane e paquistanês, Hamid Karzai e Asif Ali Zardari.

Ele lhes indicou que seus países constituíam a “nova fronteira” da luta contra o terrorismo.

Em outros termos, o presi-dente dos Estados Unidos reto-mou a seu modo a terminologia empregada pelo Estado-maior estadunidense, para o qual o Afeganistão e o Paquistão con-stituem a mesma zona de opera-ções militares: o Afpak.

No mesmo momento em que Obama formulava suas con- signas diante de Karzai e Zardari, mais de cem habitantes de uma vila afegane morriam sob as bombas estadunidenses.

Esse foi apenas um episódio, entre outros, que mostra o que significa, para a população afe-gane, a ocupação pelas tropas da Otan sob direção estadunidense. A guerra no Afeganistão esten-deu-se plenamente ao Paquistão, país diretamente ameaçado de destruição. As bombas e mísseis estadunidenses alvejam hoje vi-las paquistanesas, como ontem atingiam vilas afeganes.

De forma despudorada, Washington intimou o gover-no paquistanês a empreender uma ofensiva militar contra as regiões nas quais os talibãs es-tariam enraizados. O resultado é

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um desastre sangrento. Há atu-almente mais de dois milhões de paquistaneses jogados pelas es-tradas, exilados em seu próprio país, expulsos de suas cidades e de suas vilas.

Mergulhado no caos, o Paquistão está ameaçado de destruição. Quem pode pensar que as consequências do caos sangrento no qual a “ordem es-tadunidense” mergulha hoje o Paquistão se deterão nas fron-teiras desse país? É toda a Ásia que está diretamente ameaçada: a Índia, que não poderá se iso-lar da desestabilização de todo o subcontinente; a China, que vê se fechar em torno de si um verdadeiro círculo.

No Oriente Médio, enquanto as ameaças se acentuam contra o Irã, em todos os continen-tes, é a marcha à guerra que se inscreve na esteira da política do imperialismo.

A Cúpula das Américas

A 5ª Cúpula das Américas, que ocorreu em Port of Spain, capital de Trinidad e Tobago, de 17 a 19 de abril de 2009, ilus-trou a profundidade da crise, as-sinalou as condições difíceis nas quais Obama e seu governo são

chamados a aplicar a política de acordo com as necessidades do imperialismo, a mesma política aplicada hoje na Ásia, que deve ser a regra para todos os conti-nentes e para todos os países.

Trinta e três primeiros- ministros e chefes de Estado das Américas participaram dessa cúpula. O único ausente foi o governo cubano, excluído da OEA (Organização dos Esta-dos Americanos) desde que, em 1962, o imperialismo estadun-idense começou a impor o blo-queio a Cuba.

O novo presidente dos Esta-dos Unidos, Barack Obama, cer-tamente quis aparecer aí tam-bém sob uma nova imagem, ao declarar:

“Temos muitas diferen-ças em relação a muitas questões, mas, na medida em que respeitamos as re-gras democráticas, podem-os definir o que temos em comum.”

Mas a declaração apresen-tada para assinatura havia sido preparada há muito tempo e foi simplesmente submetida a rati-ficação. Continha em seu centro duas expressões fortes da continu-idade da política estadunidense

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para o continente: a recusa ao fim do terrível bloqueio imposto há mais de 40 anos contra Cuba e a pressão mais forte do que nunca visando a impor a assinatura dos “tratados de livre comércio”.

Resultado: toda uma série de governos recusou-se a assinar a declaração final, principalmente a Venezuela, a Bolívia, o Equa-dor, a Nicarágua e Dominica, e outros expressaram reservas, como a Argentina, Honduras e mesmo o Brasil.

E, apesar do apoio de Lula, principalmente, que Obama saudou calorosamente, coube apenas ao primeiro-ministro de Trinidad Tobago, Patrick Man-ning, ratificar a declaração, na qualidade de “potência anfitriã”.

Mas o imperialismo não dis-põe, aí também, de nenhuma margem de manobra, e precisa de uma maneira ou de outra chegar aos seus objetivos. Por isso, o secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, apressou-se, tão logo a cúpula terminou, a convocar uma reunião dos mi- nistros de Finanças do conti-nente para 3 de julho.

Nas origens da crise atual

Seria a crise atual, como se repete à exaustão, um “acidente” devido a excessos financeiros, à “irresponsabilidade dos ban-cos”, à ausência de “regulamen-tação”? Para a 4ª Internacional, essa crise não surgiu como uma surpresa – prova disso, aliás, são os elementos sucessivos de análise sobre a evolução da eco-nomia mundial que vêm com-pondo a elaboração política da 4ª Internacional –, nem como um acontecimento inexplicável. Bem ao contrário, ela procede da evolução do capitalismo, de suas contradições, das quais o marxismo dá conta.

A elaboração política da 4ª Internacional a esse respeito se inscreve na linha direta das análises feitas por Lênin, e de-pois por Trotsky.

Trotsky, em seu prefácio à edição francesa de “A Revolução Traída”, escreveu:

“A irresistível expansão que as crises permanentes e internas do capitalismo engendram constitui sua força progressiva, antes de tornar-se mortal para ele.”

Quando, no período que antecedeu a 1ª Guerra Mundial, as relações de produção capi-

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talistas dominaram o mundo inteiro, e o capitalismo atingiu ao mesmo tempo seu estágio su-premo, as grandes potências ter-minaram de dividir o mundo e os monopólios substituíram a livre concorrência. Como escreveu Lênin no prefácio de “O Imperi-alismo, Fase Superior do Capital-ismo”, esse estágio do capitalis-mo é caracterizado antes de tudo pelo “parasitismo e pela putre-fação”. As forças produtivas, de-senvolvidas pelo capitalismo, são sufocadas no quadro das relações de propriedade burguesas e nos limites das fronteiras nacionais. A primeira guerra imperialista é a expressão desse fato.

Diante de um sistema que conduz a humanidade ao de-sastre, a Revolução de Outubro de 1917, empreendendo a ex-propriação dos exploradores no território do antigo império dos czares, como primeiro elo da revolução proletária internacio-nal, abriu o caminho para uma saída a toda a humanidade.

A época histórica que então se iniciou é feita de guerras, de revoluções e de contrarrevo-luções. Ela colocou em primeiro plano a realidade essencial res-gatada pelo programa de funda-ção da 4ª Internacional: “A crise

da humanidade se reduz à crise da direção revolucionária”.

A manutenção do sistema capitalista conduziu à sua putre-fação. Como escreveu Lênin em “O imperialismo...”:

“As relações provenientes da economia privada for-mam um invólucro sem a menor relação com seu conteúdo, e que deve ne-cessariamente entrar em putrefação caso se busque retardar artificialmente a sua eliminação.”

Essa putrefação conduziu à situação analisada pelo pro-grama de fundação da 4ª Inter-nacional: “As forças produtivas pararam de crescer”.

A manutenção do sistema imperialista após a 2ª Guerra Mundial, graças à ação política do stalinismo e da social-de-mocracia, apesar da poderosa onda revolucionária que se espalha então em escala mun-dial, só pôde ocorrer ao preço não apenas da estagnação das forças produtivas, mas de sua destruição, de uma aceleração generalizada rumo ao parasi- tismo (economia de armamen-tos e especulação), em propor-ções qualitativamente novas.

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Foi em particular com base em um fantástico crescimento das despesas de armamentos que a economia capitalista pôde continuar seu curso; mas, a lon-go prazo, os próprios meios que lhe asseguraram uma prorroga-ção constituem fatores explosi-vos de agravamento.

É isso que significou a de-cisão de Nixon (3) de 1971 de desvincular o dólar de qualquer referência ao ouro e de fazer da preponderância do imperia- lismo estadunidense sobre to-dos os seus rivais e parceiros a condição de sobrevivência do sistema imperialista em seu conjunto.

A declaração de agosto de 1971 do Birô Político da OCI (4)

dá uma dimensão histórica des-sa decisão:

“Com o dólar não mais podendo desempenhar livremente seu papel de moeda de pagamento in-ternacional, o imperia-lismo estadunidense se en-

gaja em uma política que visa a impor seu curso for-çado, ou seja, a via de uma subordinação estreita das outras burguesias (alemã, japonesa, francesa, inglesa etc.) aos interesses exclusi-vos da burguesia estadu-nidense (...). Ao suspender a conversibilidade do dó-lar (...), o imperialismo estadunidense e seu presi-dente, Nixon, fazem saber que os outros países devem aceitar as condições ne-cessárias à estabilidade da ordem econômica e social estadunidense.”

O período que se abriu em 1971 foi marcado por imensos desenvolvimentos da luta de classes, pelo enfrentamento entre a revolução e a contrar-revolução, combinados a abalos sucessivos da economia mun- dial, engendrados pelos próprios meios utilizados para permitir o seu funcionamento.

Em seguida ao desmembra-mento da URSS e à primeira

3 – Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos entre 1969 e 1974 (NdT).

4 – OCI (Organização Comunista Internacionalista): organização dos trotsquistas franceses, que na época lutavam pela reconstrução da 4ª Internacional. É a ante-cessora da atual CCI (Corrente Comunista Internacionalista do Partido Operário Independente), seção francesa da 4ª Internacional (NdT).

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guerra no Iraque, o imperial-ismo estadunidense – e depois todas as burguesias – se enga-jou em uma ofensiva contra os povos, conduzindo ao desmem-bramento das nações, e contra a classe operária, em escala inter-nacional e em cada país, contra o conjunto de seus direitos e de suas conquistas, contra a própria existência de organizações inde-pendentes da classe operária.

A destruição das forças produtivas, que se tornou indis-pensável à própria manutenção do sistema imperialista mun-dial, significava antes de tudo a tentativa de destruir a “princi-pal força produtiva, a própria classe revolucionária” (Marx). Mais do que nunca, o futuro da humanidade se identifica com a resistência da “classe revolu-cionária” erguendo-se contra a sua destruição. A ofensiva imperialista foi acompanhada de um curso ainda mais frené-tico no aumento das despesas de armamentos, na especulação e no parasitismo. O significado e as consequências dessa evolução foram particularmente analisa-dos por nossa corrente em “Luta de Classes e Globalização” (5).

Nas mais difíceis condições, apesar do obstáculo constituído pela política dos aparelhos que buscavam sujeitar as organiza-ções às necessidades do impe-rialismo putrefato, os traba-lhadores e os povos resistiram. Essa resistência, ou seja, a luta de classes, mantém-se como o fator determinante da situação.

Hoje, o resultado do conjun-to dos meios empregados, em particular desde 1971, para salvar o sistema imperialista encontra sua expressão na crise mundial, que ninguém, nem mesmo os participantes do G-20 e o mais poderoso dentre eles, controla.

A questão que não foi colocada

Quando a crise atual começou a varrer o mundo, muitos baju-ladores do sistema capitalista procuraram se tranquilizar explicando que a Ásia seria poupada. Os fatos rapidamente desmentiram essa esperança. As consequências da política desenvolvida pela burocracia dirigente na China, em nome da “abertura”, se manifestaram antes de tudo no fato de que a

5 – Livro de Daniel Gluckstein, editado na França, ainda sem tradução para o português. Título original: “Lutte des Classes et Mondialisation” (NdT).

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crise mundial atingiu em cheio a China. Em particular, o lugar ocupado na indústria chinesa pelos setores exportadores, amplamente controlados pelos grandes monopólios imperia-listas, levou a um recuo brutal da produção, provocando de-missões aos milhões: 30 mil-hões de trabalhadores chineses “migrantes” perderam seu em-prego nos últimos meses.

A China era o único Estado presente ao G-20 que se apoia em relações de propriedade antagônicas às que estruturam o mercado mundial. A base da economia chinesa, apesar dos golpes que lhe foram desferi-dos pela política da burocracia chinesa, que se subordina ao imperialismo, continuam ainda a ser as relações de propriedade que procedem da expropriação do capital estrangeiro e nacional pela revolução de 1949.

O que ocorreu nos últimos vinte anos, mais precisamente depois da queda da URSS, e de-pois que a burocracia chinesa pôde liquidar temporariamente as consequências do grande movimento de 1989?

A política de abertura e de privatizações criou as condições

para que esse “custo do tra-balho”, extremamente baixo e mantido dessa forma pela buro-cracia, que proíbe aos trabalha-dores chineses a possibilidade de se organizar livremente, e portanto de se defender, consti-tui uma verdadeira variável de ajuste utilizada pela classe capi-talista em escala internacional, e, mais particularmente, pelo imperialismo estadunidense, para acelerar a destruição das forças produtivas em escala mundial.

Convém assinalar que aquilo que foi apresentado como um desenvolvimento impetuoso, sem precedentes, da economia mundial graças ao “milagre chinês”, apoiou-se de fato sobre a destruição em massa – e em proporções gigantescas – das forças produtivas, antes de tudo da principal dentre elas, a classe operária.

Na própria China, o desen-volvimento desequilibrado de um setor exportador, controlado majoritariamente pelas multi- nacionais, levando milhões de trabalhadores chineses a serem empregados delas, causou dis-torções em toda a economia chinesa, ameaçando as suas próprias bases.

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Mesmo esse desenvolvimen-to momentâneo, garantido pelo mercado de trabalho chinês, necessita da existência de um mercado capaz de absorver as mercadorias produzidas, e, por-tanto, de realizar a mais-valia.

O desabamento da economia mundial iniciado em 2007 con-duziu, no caso da China, a uma crise que ameaça suas bases so-ciais, ou seja, as próprias bases da propriedade social, e a prin-cipal componente desta, que é o proletariado chinês.

A maneira pela qual a China foi integrada ao mercado mun-dial – graças às relocalizações e à superexploração do proleta- riado chinês – conduziu também a que a China seja o primeiro de-tentor da dívida estadunidense, acumulada pelo governo chinês sob a forma de bônus do Tesou-ro dos EUA.

Nas condições explosivas criadas pelo desenvolvimento da crise mundial, a burocracia chinesa é hoje levada, até certo ponto, para preservar seu po-der, a procurar contrapor-se, ou em todo caso a frear o processo de desmantelamento da pro-priedade social, e, portanto, da própria China.

É o que explica o fato de que, antes da reunião do G-20, re-presentantes oficiais do governo chinês tenham avançado a pos-sibilidade de estabelecimento de uma moeda de referência que não fosse o dólar. Proposta cujo significado é central, porque, to-mada a sério, equivaleria a um questionamento direto do lugar mundial ocupado pelo imperia- lismo estadunidense. Tão gran-de é também a capitulação da bu-rocracia chinesa nesse ponto que ela se recusou a colocar a questão durante a reunião do G-20.

Na China, o poder da camada burocrática dirigente apoia-se no parasitismo da propriedade social. Está, portanto, em con-tradição com a ação e a orga-nização independentes da classe operária chinesa, única força social capaz de defender, resta-belecer e estender as conquistas sociais da Revolução Chinesa no quadro do combate internacio-nal da classe operária mundial por sua emancipação.

Mas, como ela se apoia no parasitismo das conquistas ar-rancadas pela Revolução de 1949 (propriedade do Esta-do dos meios de produção), a crise atual mina as próprias bases desse poder e conduz inexo-

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ravelmente a burocracia a se despedaçar, com algumas de suas frações procurando limitar o desmantelamento em curso.

A camada burocrática di-rigente em seu conjunto, en-tretanto, não tem nenhuma in-dependência verdadeira diante do imperialismo: para assegu-rar os meios de uma política independente, seria necessário que se apoiasse nos interesses da classe operária e do campe-sinato, o que é contraditório com a própria natureza de seu poder político.

É precisamente por isso que a questão não poderia ser co-locada no G-20, e a burocracia chinesa, ligada e subordinada à manutenção em escala mundial do sistema imperialista, não poderia colocá-la.

A própria existência da classe operária chinesa está ligada às relações de propriedade pelas quais ela se desenvolveu. Sua resistência – que se manifesta em todos os terrenos, apesar da repressão – coloca a questão da democracia operária, da con-quista do poder político, e, por-tanto, da revolução política, úni-co meio em definitivo de se opor à liquidação da propriedade

coletiva, e, portanto, do Estado que é ligado a essa propriedade.

Um novo Bretton Woods?

Antes do G-20, houve muitos discursos sobre “a refundação do capitalismo”, e até mesmo sobre a instauração de uma nova ordem mundial. A esse respeito, evocou-se a possibilidade de um novo Bretton Woods. Isso é puro falatório, mas que tem a função de ajudar a semear a ilusão de que haveria soluções favoráveis às massas trabalhadoras no quadro de aceitação e de acom-panhamento das decisões do G-20.

Lembremos que os acor-dos de Bretton Woods (1944) exprimiram, nas condições da liquidação do segundo conflito mundial, a predominância do imperialismo estadunidense. Tratava-se então, antes de tudo, de erguer uma barreira à revolução proletária. Com o concurso decisivo da burocra-cia stalinista, o objetivo era re-construir as bases de uma es-tabilidade temporária para os diferentes Estados burgueses da Europa. Do mesmo modo, se esses acordos exprimiam a predominância indiscutível do imperialismo estadunidense,

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o faziam enquanto era ainda possível reconstruir um quadro para a economia mundial no qual se mantinha um lugar para os imperialismos secundários. Os acordos de Bretton Woods tinham como objetivo explí-cito fixar as grandes linhas do sistema financeiro internacio-nal e consagraram, portanto, a supremacia do dólar, mas em condições em que este continu-ava indexado ao ouro.

A decisão de Nixon de 1971 de desvincular o dólar do ouro dava assim à divisa estadunidense um curso forçado decorrente da dominação política e militar dos Estados Unidos. Todo o desen-volvimento posterior da econo-mia capitalista mundial e todas as convulsões que o marcam até a crise atual se desenrolam nesse quadro.

Hoje, repetimos, questionar o lugar do dólar seria questionar o lugar ocupado pelo imperialismo estadunidense na preservação da ordem mundial. Em nome de seus próprios interesses, o impe-rialismo estadunidense só pode se recusar a isso. As outras bur-guesias não podem questionar esse estado de coisas, porque, qualquer que seja o tributo que elas devem consequentemente

pagar, isso é indispensável à sua própria sobrevivência como classe dominante.

Obama indicou claramente durante o G-20 que o imperial-ismo estadunidense pretendia dividir o fardo da “guerra sem fim” decretada por Bush, fa-zendo com que seus parceiros pagassem o preço mais alto pos-sível. Para ele, “lutar contra a crise” é associar os imperialis-mos secundários ao salvamento, antes de tudo, do capitalismo estadunidense.

Menos do que nunca, nas condições da crise, há um “su-perimperialismo”, no sentido de qualquer emancipação em rela-ção às leis do sistema capitalista. Mais do que nunca, há um impe-rialismo cujas decisões essenciais não podem ser questionadas.

Nesse sentido, pode-se dizer que a decisão mais importante tomada pelo G-20, ainda que não apareça em sua resolução fi-nal, é a de que em nenhum caso o reino do dólar pode ser abo-lido, e que, qualquer que seja a realidade da moeda usada pelos EUA, ela continua a ser a única medida para todos os câmbios.

Ainda que isso, hoje, conduza a um impasse, o imperialismo

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estadunidense, arrastando atrás de si todas as forças vinculadas à preservação da ordem existente, não tem outra possibilidade a não ser continuar na mesma via, multiplicando os desastres para todos os povos.

Não há saída positiva fora do combate dos trabalhadores do mundo inteiro por sua emanci-pação, combate que se materia-liza em sua recusa aos planos de salvamento do capital financeiro e que, em seu desenvolvimento, coloca a questão da abolição da propriedade privada dos meios de produção.

Otan, União Europeia

Em continuidade direta com o G-20 reunido em Londres, ocorreu em Estrasburgo (Fran-ça) uma cúpula da Otan. Um dos elementos que marcaram essa cúpula foi o retorno da França ao comando integrado da Otan. Essa decisão do governo Sarkozy só veio ressaltar aquele que foi o fato dominante da reunião do G-20 e suas continuidades: a reafir-mação, sobre todos os terrenos, da dominação estadunidense, da qual a Otan é o braço armado.

O estilo pode ter mudado com a subida de Barack Obama

à Presidência, mas a continui-dade estratégica é perfeitamente mantida: o “multilateralismo” apregoado não passa de uma forma de dominação unilateral e cada vez mais sem partilha. A crise mundial não poupa ne-nhum dos instrumentos do sistema imperialista. A Otan não escapa à regra. Se a sua fun-ção é a de atribuir tarefas milita-res (ou o financiamento dessas tarefas) a diversas potências, como o Japão e os grandes Es-tados europeus, em função das necessidades do imperialismo estadunidense, ele se choca con-tra os limites nascidos precisa-mente da fraqueza dos parceiros do imperialismo estadunidense. Essa fraqueza, e os consequentes riscos de explosões sociais, é que explicam por que o próprio im-perialismo estadunidense colo- ca um freio à pressão que exerce sobre eles. Mas isso em um quadro que fixa soberana-mente e no qual a Otan é levada a desempenhar um papel cen-tral como braço armado do im-perialismo estadunidense.

O que foi confirmado na continuação do G-20 é o novo papel planetário dessa aliança, concebida originalmente como um pacto defensivo diante da URSS. As operações militares da

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Otan não se limitam, absoluta-mente, a um perímetro delimi- tado, como atesta seu papel no Afeganistão. O que se registrou nas cúpulas do G-20 e da Otan foi a confirmação da estratégia definida por Condoleezza Rice, que ligava a subordinação da União Europeia à Otan às novas missões atribuídas a esta. Ela escreveu:

“Os Estados Unidos se regozijam pela existência de uma Europa unida e coerente. Não há dúvida de que a União Europeia é um pilar da evolução democrática da Europa do Leste depois da Guerra Fria (...). A União Euro-peia e a Otan tiveram uma potência de atração su-ficiente para conduzir os países a efetuar as refor-mas necessárias. (...) Dos 28 membros da Otan, 12 são antigas nações cati-vas da esfera soviética. Ao enviar tropas para o Afe-ganistão ou para o Iraque e ao defender firmemente o prosseguimento da exten-são da Otan, esses países trouxeram uma energia nova à Aliança (...). Se, em 2000, alguém dissesse que a Otan desalojaria os ter-

roristas de Kandahar, for-maria as forças de segu-rança de um Iraque livre, forneceria um apoio indis-pensável às forças de paz em Darfur e instalaria um escudo de mísseis, quem te-ria acreditado?”

O que Rice explica junta-se ao que escreveu, também às vésperas da eleição presidencial, o secretário de Defesa, Robert Gates:

“Os Estados Unidos logo terão um novo presidente, mas os problemas com-plexos que deve enfrentar continuarão presentes.”

Robert Gates foi confirmado em suas funções de secretário de Defesa por Barack Obama.

O papel do FMI

A outra instituição cujo pa-pel foi sublinhado pelo G-20 é o FMI (Fundo Monetário Interna-cional), que viu, diante da crise, seus recursos serem triplicados.

Mas de onde vêm, precisa-mente, os recursos do FMI? Vêm antes de mais nada da cota-parte destinada por cada país aderente, em proporção relativa a sua im-portância econômica. Os maiores

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cotizantes são, evidentemente, as principais potências imperialis-tas, e em primeiro lugar os Esta-dos Unidos. Se a Otan é o braço armado do imperialismo estadun-idense, o FMI foi e continua a ser o instrumento econômico e finan-ceiro privilegiado para a pilhagem dos povos e das nações. Uma das consequências da pressão exer-cida pelo imperialismo estadu-nidense para que todas as outras potências se sacrifiquem para salvá-lo é precisamente que estas são chamadas a fornecer novos recursos ao FMI, mas sem que isso questione o controle exercido pelos Estados Unidos.

Entre as decisões tomadas, destacamos a seguinte: o refor-ço do FMI e do Banco Mundial. O FMI, cujos recursos estavam estabelecidos até o presente em cerca de 250 bilhões de dólares, teve 500 bilhões de dólares atribuídos a mais, ou seja, a triplicação de seus recursos. De onde vêm esses 500 bilhões?

O FMI foi autorizado, par-ticularmente, a criar uma nova alocação do Direito Especial de Saque (DES), no valor equiva-lente a 250 bilhões de dólares. O DES, uma unidade de conta criada pelo FMI em 1969, é uma espécie de cesta de quatro di-

visas: dólar, euro, iene e libra esterlina. O DES é de fato uma moeda criada pelo FMI, utiliza-da somente pelos bancos cen-trais. Mas é aceita como moeda pelos países aderentes ao FMI.

Uma “alocação” é simples-mente a criação monetária ex nihilo (a partir do nada – NdT). A alocação decidida pelo G-20 tem como objetivo injetar essa “moeda” no sistema. Dominique Strauss-Khan, diretor-geral do FMI, declarou a esse respeito que “esses DES permitem trazer liquidez (dinheiro novo) a nos- sos membros, que podem em-prestá-los entre si. Eles lhes servem de reserva” (“Les Echos”, 3 e 4 de abril de 2009).

Esses 250 bilhões de dólares seriam então colocados à dis-posição dos países ameaçados de entrar em falência. Desde o início da crise, o FMI inter-veio para “salvar” o Paquistão, a Islândia, a Letônia, a Hungria, a Ucrânia, Belarus, a Sérvia, a Bós-nia e a Romênia. E o México, por intermédio de seu Banco Central, acaba de solicitar a ajuda do FMI, demandando-lhe um empréstimo de 47 bilhões de dólares. Um pe-dido de socorro da Grã-Bretanha foi igualmente evocado...

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Mas o que esse barulho todo em torno do G-20 oculta é o fato de que os empréstimos do FMI (e as várias medidas de reforço de seus recursos que visam a assentar essa capacidade de empréstimo) são sempre con-cedidos a partir de certas condições reunidas nos planos de ajuste estrutural. O ajuste, na linguagem do FMI, são golpes claros nos orçamentos públicos, são as privatizações, o desman-telamento do serviço público. Os cortes orçamentários estavam no topo da lista de medidas exigidas nas mais recentes in-tervenções do FMI.

O “socialista” francês que preside o FMI, Dominique Strauss-Khan, festeja a nova “potência de fogo” concedida ao FMI. Essa “potência de fogo” é dirigida contra os povos.

Salvar Wall Street

Em sua declaração final, o G-20 declara que se compromete a prosseguir “o esforço orçamen-tário e monetário” para permitir a recuperação econômica e o maior programa de apoio ao setor fi-nanceiro dos tempos modernos. Em outros termos, sangrar as na-ções e os povos do mundo inteiro para salvar o setor financeiro, em

primeiro lugar Wall Sreet, à custa dos trabalhadores.

De acordo com o G-20, as despesas resultantes desse pla-no deverão atingir 5 trilhões de dólares até o fim de 2010; ao mesmo tempo, estão previstos 50 milhões de demissões no mundo durante o mesmo período.

É uma catástrofe social que ameaça os trabalhadores de todos os países, ameaça todos os povos. Uma catástrofe à qual os dirigen-tes que se reclamam do movi-mento operário ousam pedir aos trabalhadores que se associem.

É nesse terreno, assim como no recurso aos meios militares, que se desenvolve a guerra con-tra os trabalhadores e os povos.

O G-20, ao mesmo tempo em que saúda os planos de re-cuperação econômica estima-dos em cerca de 5 trilhões de dólares no total, aos quais se acrescentam os planos de sal-vamento dos bancos, reforça as ferramentas de questionamen-to e de destruição de todas as conquistas da humanidade. A mensagem é clara: demitam à vontade, emitam papel-moeda para salvar os capitalistas e os especuladores, mas nem um tostão deve ser dado aos tra-

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balhadores; ao contrário, re-duzam o “papel do Estado”.

A questão da “regulação” é colocada nas mãos de um Co-mitê de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board), ex-tensão de uma estrutura já ex-istente há uma década... e que mostrou sua grande competên-cia para prevenir a crise. De fato, essa estrutura nunca teve como função (e muito menos terá essa função em sua nova configu-ração) regular o que quer que seja. É uma estrutura de troca de informações e de bons pro-cedimentos, sem nenhuma fun-ção de sanção. E, uma vez mais, como pedir àqueles que, durante anos, tiveram como única fun-ção facilitar a situação na qual se encontra a economia mun-dial que se “autorregulem”? Isso é simplesmente pedir à raposa que tome conta do galinheiro.

Conclusões

Quando, em 1993, a 4ª In-ternacional foi reproclamada, a resolução que justificava essa decisão declarava:

“Não há dúvida que, para assegurar a sua sobre-vivência, sob uma forma ou sob outra, em prazos mais

ou menos longos, milhões, dezenas de milhões de seres humanos não poderão, no mundo inteiro, aceitar ser reduzidos à privação mais completa, enfiados em uma catástrofe preparada pela crise mundial do sistema da propriedade privada dos meios de produção.”

A 4ª Internacional se recon-stituiu sobre a mesma base de sua fundação: a luta de classes. A afirmação citada acima pro-longa, nas condições dadas, o que o programa de fundação da 4ª Internacional afirmava:

“A orientação das mas-sas é determinada, de um lado, pelas condições obje-tivas do capitalismo apo-drecido, e, de outro lado, pela política de traição das velhas organizações operárias. Desses dois fa-tores, o fator decisivo é o primeiro: as leis da história são mais fortes que os apa-relhos burocráticos.”

Em todos os lugares, diante das consequências da crise que se agrava cotidianamente, os trabalhadores se recusam a ser “reduzidos à privação mais completa”. Em todos os lugares,

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eles se erguem contra os planos de demissões que significam a miséria e a desgraça para si e para suas famílias. Em todos os lugares, eles se chocam com a política daqueles que estão vin-culados ao sistema capitalista em decomposição. Sob formas diversas, que variam de acordo com as situações específicas de cada país, a mesma exigência se encontra no primeiro lugar das reivindicações: proibição das demissões. No sistema basea-do na propriedade privada dos meios de produção, a demissão é apenas uma expressão “natu-ral” das leis do mercado e do fato de que aquele que possui como sua propriedade os meios de produção possui um poder absoluto sobre aqueles que os põem para funcionar.

Em seguida à Revolução Russa de 1905, Leon Trotsky es-creveu:

“Os meios de produção pertencem à burguesia, mas o proletariado é o úni-co que pode colocá-los em movimento, do que resulta sua potência social. Do ponto de vista da burgue-sia, o proletariado é tam-bém um desses meios de produção, que, todos jun-

tos, constituem um único mecanismo unificado. Mas o proletariado é a única parte desse mecanismo que não é automática e, a despeito de todos os esfor-ços, não pode ser reduzido à condição de autômato.”

A ação da classe operária por seus direitos elementares, pelo direito ao trabalho, questiona, em seus próprios fundamentos, o sistema capitalista, ou seja, antes de tudo, a propriedade privada dos meios de produção, o Estado que defende essas rela-ções sociais.

As decisões do G-20, o apoio dado aos “planos de recuperação econômica”, ou seja, aos planos de salvamento do capital finan-ceiro, apoiados por inúmeros dirigentes das organizações que pretendem falar em nome da classe operária e da democracia, definem claramente a alterna-tiva no interior do movimento operário: ou assumir a missão histórica de defesa dos interes-ses operários, pelos quais as or-ganizações foram construídas, ou se integrar à “governança mundial” desse sistema de ex-ploração em decomposição.

Todas as forças políticas que

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O significado da reunião do G-20

se recusam, no interior do movi-mento operário, a colocar essa questão são levadas a “acom-panhar”, sob o pretexto de me-lhorá-las, as decisões tomadas pelo G-20. Ora, a aplicação dessas decisões é incompatível com a independência das orga-

nizações que os trabalhadores construíram em seu combate passado. A defesa dessa inde-pendência é inseparável da re-jeição a esses planos, que levam, como é diariamente comprova-do, à barbárie.

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Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação

Sindical Internacional (CSI)por Olivier Doriane

“O diretor do serviço nacio-nal de informação dos Estados Unidos afirmou que ‘a prin-cipal preocupação no curto prazo dos Estados Unidos em matéria de segurança é a crise econômica mundial e suas im-plicações geopolíticas’, expli-cando que as crises econômicas que duram mais de um ano ou dois aumentam o risco de uma instabilidade natural que ame-ace o regime instituído. Se não for dominada, a crise global do emprego e da proteção social, que afeta as famílias operárias e as comunidades locais, vai se transformar em uma crise política generalizada.”

Esse receio, manifestado por um alto representante do im-perialismo estadunidense, está

contido no relatório do dire-tor-geral da OIT (Organização Internacional do Trabalho), in-titulado “Enfrentando a crise mundial do emprego”, pre-paratório à 98ª Sessão da Con-ferência Internacional do Tra-balho, de junho de 2009.

A principal preocupação dos Estados Unidos é que a crise mundial do emprego gere uma instabilidade natural que ame-ace o regime. E, para controlar essa crise, a política promovida pelo imperialismo estadun-idense foi construída em torno de um tríptico:

• generalizar as guerras de decomposição;

• destruir o trabalho e as conquistas sociais no mundo

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Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)

inteiro, para financiar a fundo perdido os especuladores;

• integrar as organizações sin-dicais a estes planos, numa ten-tativa de privar os trabalhadores das organizações constituídas pela sua secular luta de classe.

O líder desta política é Barack Obama, que, nos Estados Uni-dos, impõe acordos dos tipos feitos em relação à Chrysler e à General Motors (veja o artigo de Alan Benjamin nesta edição).

Sua expressão em nível interna-cional é a tentativa de criação de um “Pacto Mundial pelo Emprego”, ao qual todos deveriam aderir.

Neste artigo, desejamos abor-dar novamente o lugar que a Confederação Sindical Interna-cional (CSI) ocupa neste disposi-tivo. Lembremos que a CSI foi criada em novembro de 2006, e que sua constituição trouxe à tona questões políticas que afe-tam a própria existência do mov-imento operário, da democracia e das nações. De acordo com um dos seus principais fundadores, Emilio Gabaglio (ex-dirigente da CES):

“A ambição era realizar uma verdadeira refunda-ção do sindicalismo inter-nacional.”

A declaração de princípios aprovada no Congresso consti-tutivo da CSI deu o conteúdo dessa “verdadeira refundação” nestes termos:

“A CSI assume a tarefa de lutar pela governança democrática da economia globalizada.”

No seu 6º Congresso Mundi-al, a 4ª Internacional tinha des-tacado, em uma resolução, que, com a constituição da CSI, “um dispositivo foi acionado para domesticar o conjunto das or-ganizações sindicais em escala internacional. Seria um erro subestimá-lo. Contudo, não será ele quem definirá o destino das organizações constituídas pela longa luta da classe operária, da qual elas são parte.”

Neste momento, em que o sistema capitalista entrou numa crise profunda, empurrando milhões de homens para uma ca-tástrofe, e em que, mais do que nunca, os interesses antagôni-cos entre as classes exigem que o movimento sindical preserve sua independência, não é desne-cessário lembrar o lugar da CSI.

A reunião do G-20 acaba de ocorrer. Nesta edição de “A Ver-dade” pode-se ler a análise que

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Olivier Doriane

fazemos. Nós estabelecemos os fatos e as provas do apoio que lhe foi dado, durante todo o seu transcurso, pelo imperialismo estadunidense, que pretende ditar suas ordens ao mundo in-teiro. Qual foi a atitude da CSI em relação a este evento?

A CSI, embora silenciosa des-de o início da crise, publicou, em conjunto com a Global Unions, duas declarações (1), uma antes da cúpula e outra depois. É im-pressionante como os dirigen-tes da CSI apresentam-se como “conselheiros” dos governos:

“O movimento sindical internacional conclama os líderes do G-20 a pactuar com outros países e insti-tuições internacionais uma estratégia de 5 pontos para enfrentar a crise e para construir uma economia mundial mais justa e sus-tentável para as gerações futuras.”

O que é coerente com a decla-ração de princípios da CSI, que afirma:

“A governança demo-crática e eficaz da econo-mia mundial exige uma reforma fundamental das organizações interncionais envolvidas, especialmente o FMI, o Banco Mundial e a OMC (...). O Congresso re-conhece a importância do diálogo social mundial.”

Os 5 pontos que a CSI apre-senta aos líderes das grandes potências imperialistas são:

“• Implementar um pla-no de recuperação e um programa de crescimento sustentável coordenado, a nível internacional, com um impacto máximo na criação de empregos (…);

• estatizar os bancos in-solventes para restaurar a confiança e o crédito no sistema financeiro;

• definir o objetivo de es-tabelecer um piso salarial decente para o mercado de trabalho (...);

• preparar o terreno para

1 – Esta declaração começa de maneira surpreendente, constatando: “Dez anos de progresso em matéria de redução de pobreza foram varridos em alguns me-ses”. Os pobres do mundo inteiro não viram, no curso dos dez últimos anos, onde e como a pobreza recuou.

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um acordo ambicioso sobre as mudanças climáticas (...);

• estabelecer um refer-endo jurídico sobre as nor-mas e os instrumentos das organizações econômicas e sociais – a OIT, o FMI, o Banco Mundial, a OMC (Organização Mundial do Comércio) e a OCDE (Or-ganização para a Cooper-ação e o Desenvolvimento Econômico) –, reformar estas instituições e ins-taurar uma governança econômica mundial que seja eficaz e responsável (parágrafos 30-32).”

O documento, em seguida, detalha os cinco pontos.

“Os governos devem tomar todas as medidas necessárias para esse fim e usar do seu poder de in-fluência sobre os bancos para reanimar o mercado de crédito e fornecer nova liquidez. Desde novembro de 2008, a maioria dos países do G-7, alguns do G-20 e outros mais, anun-ciaram ou adotaram me-didas orçamentárias para estimular o crescimento. O efeito destas medidas sobre

o emprego e o crescimento seria multiplicado apenas se fossem coordenadas e complementares a nível internacional” (pág. 3).

Em todo o mundo, os gov-ernos capitalistas têm adotado planos a partir de novembro de 2008. São planos de pilha-gem dos fundos públicos para socorrer os bancos e os especu-ladores. Do Plano Paulson, nos Estados Unidos, seguido pelo Plano Obama, até as decisões da União Europeia obrigando todos os governos europeus a destinar aos bancos bilhões de euros ou de dólares em fundos perdidos na especulação para socorrer os bancos que, como nos Estados Unidos, reconhecem que não sabem a quanto chegam estas somas fantásticas: como é pos-sível apresentar este conjunto como medidas para estimular o crescimento econômico? Os fa-tos estão aí. A União Europeia, durante a primeira cúpula da crise, decidiu oferecer 1,7 trilhão de euros aos bancos e aos espe-culadores. O resultado: uma onda de desindustrialização, de supressão de postos de trabal-ho sem precedentes na Europa (3.000 desempregados a mais por dia na França, 11.000 por dia na Espanha).

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O papel do movimento sindical é o de reivindicar a generalização deste dispositivo a nível mundial? Nesse ponto, a CSI (que se apre-senta fraudulentamente como o movimento sindical internacio-nal) obteve ganho de causa. Pois foi exatamente isso que o G-20 decidiu, ao decretar o maior pla-no de apoio às instituições finan-ceiras internacionais já aplicado. Cinco trilhões de dólares suple-mentares devem ser destinados a alimentar os bancos em nome do fato de que amanhã eles relan-çarão a produção. Mas a reali-dade é muito diferente. Os fundos alocados na especulação pelos governos que pilham a riqueza pública são, depois, recuperados pelo aumento das condições de exploração em todos os países, pela destruição dos serviços pú-blicos, pela liquidação dos postos de trabalho.

Que a CSI, que definiu nos seus estatutos o objetivo de par-ticipar da governança mundial, reivindique isso, é natural. Isto confirma que ela não é uma or-ganização sindical. Mas as con-federações sindicais operárias, para se preservarem, devem re-cusar-se a se atrelar a este dis-positivo de união sagrada dos planos de recuperação.

Na carta convite de convoca-ção do seu 7º Congresso Mun-dial, a 4ª Internacional afirma:

“Todos os trabalhadores sabem que estes montantes serão aplicados em vão. Servirão apenas, na mel-hor das hipóteses, para re-cuperar a máquina de es-peculação e de exploração. A crise atual será sucedida por outra crise, ainda mais devastadora, à medida em que o problema não é resolvido em sua raiz. E a raiz é o regime capital-ista baseado na proprie-dade privada dos meios de produção. A 4ª Inter-nacional lança um apelo solene a todas as organiza-ções que se reivindicam do movimento operário e da democracia: a defesa da nação, da democracia e da classe operária exige romper com esse plano. A independência do movi-mento operário está em jogo. Os trabalhadores não têm alternativa senão mobilizar-se de forma uni-tária para exigir a retirada destes planos infames.”

Prossigamos com a leitura das propostas da CSI.

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Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)

“Neste período difícil, as empresas devem demon-strar responsabilidade social e manter seus em-pregados pelo tempo que for possível” (pág. 5).

Há muito tempo que os tra-balhadores sabem o que é a re-sponsabilidade social das em-presas. Como muito justamente lembrou um economista, a única responsabilidade social de uma empresa é realmente obter lu-cro. E o que quer dizer para uma organização sindical “manter os empregados pelo tempo que for possível”? Existirá um momen-to em que o sindicato deverá aceitar as demissões? Isto é o que propõe a declaração:

“As empresas que rece-beram ajuda pública devem respeitar os acordos com os poderes públicos e os sin-dicatos para que os planos de reestruturação incluam a reinserção e a formação profissional” (ibidem).

Na verdade, esta declaração é um verdadeiro programa para adaptar as reivindicações dos tra-balhadores à própria empresa.

Propõe-se, assim, em relação aos salários, vincular os aumen-tos aos ganhos de produtividade.

“Isso passará pela me-lhoria do respeito dos direi-tos dos trabalhadores, para que os sindicatos possam negociar aumentos salariais alinhados com os ganhos de produtividade” (pág. 6).

Trata-se de uma política cor-porativista de negar a realidade do conflito entre as classes, visando a que o conjunto das organizações sindicais consider-em-se como parte de um “todo”, que seria a empresa. Mas esse corporativismo tem uma pecu-liaridade. Manifesta-se na época do imperialismo que destrói as nações, e é, portanto, de essên-cia supranacional. Deste modo, inscrevendo-se no âmbito deste esquema de instituições supra-nacionais contra as nações, a declaração da Global Unions e da CSI participa da denúncia, em nome da luta contra o prote-cionismo, do direito de as nações tomarem medidas de defesa, pelas estatizações, pela adoção de leis e regulamentações contra os mercados e as multinacionais em escala mundial.

“Temos de evitar os erros da crise dos anos 30 e uma volta ao protecionismo ‘de cada um por si’ (...).”

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E a CSI reivindica participar neste dispositivo supranacional:

“Os governos devem acabar com a fragmen-tação da regulamentação financeira, que hoje está dividida por ramo e pela jurisdição nacional. É pre-ciso realizar uma consoli-dação supranacional ali onde for necessário, em especial na Europa. As au-toridades de controle de-vem ter poder de execução suficiente e os recursos à altura da sua missão. A voz dos sindicatos deve ser ouvida na sua governança” (pág. 10).

“No longo prazo, é pre-ciso recriar as estruturas tripartites para consultas econômicas e sociais, e para a elaboração de políticas (...). Envolver os representantes da popula-ção nas decisões que deter-minam o crescimento do emprego e da economia não é apenas compatível com os princípios democráticos, mas se justifica do ponto de vista econômico” (pág. 12).

É papel de um sindicato par-ticipar na definição da economia

e tomar decisões que são justi-ficadas de um ponto de vista “econômico”? No sistema capi-talista, baseado na exploração do homem pelo homem e na extração da mais-valia, o que se justifica de um ponto de vista econômico para os capitalistas é a rentabilidade e a realização da taxa de lucro. O que é justi-ficável para os operários é a de-fesa de seu trabalho, a defesa da sua força de trabalho, a defesa da única classe produtiva da hu-manidade. Trata-se de interess-es antagônicos. Não existe ponto de vista econômico abstrato na sociedade capitalista.

Esta governança reivindicada pela CSI é bem precisa:

“A crise revelou falhas na governança econômica mundial. Certamente, não existe uma solução única para a governança mun-dial (...). A única certeza é que o governo nacional por si só não basta e que uma nova arquitetura in-stitucional é necessária a nível mundial no âmbito de um acordo global (...). O processo do G-20 apre-senta alguns aspectos úteis a este respeito, mas ainda é fortemente orientado

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Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)

para as questões financei-ras (...). Precisamos de um novo fórum para tratar das políticas econômicas e sociais a nível mundial, um fórum que seja ao mes-mo tempo legítimo, eficaz e respeitado. Um avanço nesse sentido poderia ser a Carta, ou Referência Legal, de Governança Mundial Econômica e Social, com base nas normas da OCDE, da OMC, da OIT, do FMI e do Banco Mundial, propos-ta pela chancelaria alemã e pelo ministro italiano das Finanças” (pág. 13).

A CSI reivindica que o movi-mento sindical apóie as propos-tas do governo alemão, da CDU, e do ministro italiano das Finan-ças do governo Berlusconi para a implantação de instituições internacionais.

Continuando com sua função de conselheiros governamen-tais, a CSI e a Global Unions pe-dem que os sindicatos trabalhem com os ministros das Finanças:

“Os governos podem iniciar este trabalho, des-de que não seja entregue à boa vontade dos ban-queiros e dos funcionários

dos ministérios das Finan-ças, em reuniões fechadas. Os sindicatos estão pron-tos para iniciar um diálogo construtivo e solicitam aos governos que os convidem para a mesa de negocia-ções. Os sindicatos devem ser parte integrante das novas instâncias consulti-vas e de governança (...)” (pág. 14).

Existe, incontestavelmente, nesta posição da CSI um elemento extremamente perigo-so para o movimento sindical. Acabamos de ver um exemplo recente na Europa, onde o bra-ço da CSI, que é a CES (Confe- deração Europeia de Sindicatos), tentou impor como instituição supranacional sua orientação integracionista às confedera-ções sindicais italianas. A CES condenou a CGIL por recusar-se a assinar um acordo que co-locava em questão as conven-ções coletivas nacionais. John Monks, secretário-geral da CES, enviou uma carta a Guggliemo Epiphane condenando a mani-festação da CGIL, que reuniu 2,5 milhões de trabalhadores em Roma. Motivo: a CGIL recusou-se a assinar, como fizeram as outras duas confederações ita-lianas, o acordo contestando as

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convenções coletivas nacionais, em benefício de acordos por empresa. Esta carta de Monks afirmava:

“A CES sustenta que o sindicalismo italiano en-contre o mais rapidamente possível a unidade de ação para enfrentar a crise e melhor apoiar a iniciativa do sindicato europeu.”

Qual é o conteúdo desta suposta unidade de ação? A resposta foi dada pelo próprio John Monks:

“Era necessário decidir a aplicação de um plano de re-cuperação econômica, como fez a Comissão Europeia, assim como era necessário o resgate dos bancos.”

As propostas da CES em escala internacional, como vi-mos, têm consequências práti-cas, na medida em que são impostas em cada país.

Mas as posições da CSI só podem gerar debate e reações. Portanto, por mais perigosa que seja a existência da CSI, ela não determinará, felizmente, a natureza das organizações que aderem a ela. Assim, os dirigen-tes da CGIL, na Itália, efetiva-

mente rejeitaram essas ordens, mantiveram sua manifestação e confirmaram sua reivindicação de suspensão das demissões e de manutenção das convenções co-letivas nacionais.

Depois da reunião do G-20, a CSI publicou uma nova declara-ção. Nesta última, ela celebrava o resultado da cúpula. De acordo com a CSI, “a declaração adotada pelo G-20 de Londres oferece a possibilidade de uma nova glo-balização, que tenha no seu cen-tro o trabalho, e que marcará o fim das políticas inoperantes dos últimos 30 anos”, com uma “especial atenção para a preser-vação e a criação de empregos”, uma “regulação dos mercados fi-nanceiros”, “um maior apoio aos países em desenvolvimento e às economias emergentes, uma re-forma das instituições financei-ras internacionais e a renovação dos compromissos com as Metas de Desenvolvimento do Milênio” e com “políticas para evitar os sobressaltos econômicos e de apoio às atividades econômicas anticíclicas”.

Guy Ryder, secretário da CSI, anunciou:

“O G-20 ofereceu-nos a oportunidade de virar

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Uma vez mais, sobre o lugar da Confederação Sindical Internacional (CSI)

a página após décadas de desregulamentação e de restaurar o papel dos go-vernos garantindo que as finanças sirvam os inter-esses da economia real, que, por sua vez, deve ser-vir aos interesses das popu-lações (...). Nós saudamos, particularmente, o reforço do papel da OIT.”

Estamos aqui no centro do processo que abre o camin-ho para o Pacto Mundial pelo Emprego. Mas, antes de chegar a esta questão, destacamos que, no que diz respeito à avaliação da reunião do G-20, as orga-nizações sindicais manifestaram uma opinião diferente.

A central sindical KCTU, da Coréia do Sul, avalia:

“Somos céticos quanto ao fato de que as medi-das discutidas nesta re-união de cúpula sejam as verdadeiras soluções. Te-mos também dúvidas de que os líderes do G-20 e convidados, como a OMC, o FMI, o Banco Mundial e outras instituições, possam pretender ser ‘os que irão resolver os problemas’ da crise mundial. Em resumo,

estas instituições são todas cúmplices na execução de políticas neoliberais, do livre-comércio, do livre in-vestimento e da globaliza-ção financeira.

Além disso, enquanto o G-20 considera que ‘as raízes da crise atual’ são ‘as más práticas de gestão de risco, a complexidade e a obscuridade crescentes dos produtos financeiros’, nós, os abaixo-assinados, reit-eramos que a crise econômi-ca mundial em curso é, na realidade, o resultado das contradições inerentes ao sistema capitalista, que es-sas instituições consideram tão nobre.

Portanto, as medidas pre-vistas pelo G-20 são como uma aplicação de cimento para manter um sistema ‘falido’ – e não uma reabili-tação importante do sistema que provocou a crise atual. Afirmamos que as soluções reais começam com a defesa das condições de vida dos trabalhadores, de suas famí-lias e dos povos.

Nós, abaixo-assinados, também somos contrários

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ao ‘socorro incondicional’ aos bancos e às instituições financeiras, que se destina apenas a pagar a devasta-ção causada pelos especu-ladores para a população. A transferência de riquezas tão gigantescas significa tomar o dinheiro das famí-lias operárias para pagar os mais ricos acionistas de bancos do mundo. Conse-quentemente, os prejuízos causados pela especulação financeira devem recair apenas sobre aqueles que especularam. É necessária uma política de reafirma-ção e de fortalecimento do caráter público dos bancos e das instituições finan- ceiras, inclusive com a es-tatização de bancos.

Aliás, é preciso suplan-tar o falso debate entre ‘protecionismo’ ou ‘liberal-ismo’ para conceber e pro-mover um sistema inter-nacional de comércio mais equitativo e favorável aos trabalhadores. Em par-ticular, nós, abaixo-assina-dos, somos totalmente con-trários à política comercial do governo de Lee Myung Bak, na Coréia do Sul, que ousou defender um acordo

de livre comércio (ALC) bi-lateral com os Estados Uni-dos e a União Européia, sob o pretexto de acabar com o protecionismo. É preciso dizer claramente que a ALC é uma das principais insti-tuições responsáveis pela atual crise, porque tem mi-nado as regras impostas aos serviços financeiros e promovido a flexibiliza-ção do mercado de traba-lho e a privatização. Além disso, o ALC causou uma série de catástrofes, como o fim da auto-suficiência na produção de alimentos, o fim do acesso da classe operária aos serviços es-senciais, com a privatiza-ção dos serviços públicos, o fim do acesso à assistên-cia de saúde e a liquidação do direito à informação, devido aos acordos draco-nianos sobre a propriedade intelectual (...).

Estamos convencidos de que as verdadeiras soluções só serão encontra-das quando forem consid-eradas, como uma questão central, as condições de vida dos trabalhadores, de suas famílias e do povo.”

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Sim, só partindo dos interess-es da classe operária e dos povos – interesses contraditórios em todos os aspectos com a sobre-vivência do regime capitalista e com os planos de recupera-ção econômica das instituições supranacionais – que pode ser encontrada uma solução para a crise da humanidade. É precisa-mente contra esta independên-cia que a ameaça do Pacto Mun-dial pelo Emprego é lançada.

A reunião chamada pelo Acordo Internacional dos Tra-balhadores e dos Povos (AcIT) em Genebra chamou a atenção do movimento operário mun-dial para o perigo representado por esta iniciativa.

É necessário esclarecer que ela foi construída verdadeira-mente a quatro mãos pela CSI e as instituições do imperialismo.

De fato, a declaração con-junta da CSI defende que “a OIT deve ser o centro de uma nova arquitetura multilateral, que possa responder à atual crise da globalização (...). Os governos trabalham com os parceiros so-ciais e com a participação das organizações pertinentes, como a OIT, para criar uma nova ordem econômica mundial.”

A cúpula do G-20 respondeu a esta reivindicação, encarre-gando a OIT de preparar uma Cúpula Mundial pelo Emprego. Como está proposto no relatório de já citado de Somávia, o “pre-sente relatório reuniu os elemen-tos iniciais para um Pacto Mun-dial pelo Emprego, (que) reflete também a Conferência de Lon-dres pelo Emprego, realizada pelo G-20, e a reunião do G-8”.

O mesmo documento afirma:

“Em 2 de abril de 2009, os líderes do G-20 adota-ram um plano de recupera-ção mundial, que, na seção denominada ‘Promover uma recuperação susten-tável e equitativa para to-dos’, comporta a seguinte demanda formulada a pedido da OIT: ‘Reconhe-cemos a dimensão humana da crise (...). Eis o motivo pelo qual nos congratula-mos com os relatórios da Conferência de Londres so-bre o Emprego e da Cúpula Social de Roma, como tam-bém com os princípios fun-damentais que propõem. Exortamos a OIT, em co-laboração com outras organizações afins, a aval-iar as medidas já adotadas

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e as que serão necessárias no futuro.’ Em 5 de abril de 2009 (...), a OIT foi encar-regada de dirigir os traba-lhos para o Pacto Mundial pelo Emprego.”

É, portanto, em uma verda-deira colaboração, etapa por etapa, entre a CSI e os líderes do G-20, que foi preparado o dis-positivo com o objetivo de utili-zar a OIT para instituir um Pacto Mundial pelo Emprego, visan-do a integrar as organizações

sindicais à ordem corporativista.

Os debates em torno da questão – a saber: o movimento operário mundial deve integrar-se à governança mundial em to-dos os níveis, ou, ao contrário, deve cumprir sua missão históri-ca de defesa dos interesses dos trabalhadores? – estarão no cen-tro da preparação e da realização da Conferência Mundial Aberta contra a Guerra e a Exploração, convocada para 22 e 23 de maio de 2010, em Berlim.

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Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo

“A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”

Corrente Socialista Internacionalista (seção peruana da 4ª Internacional)

DeClaraçãOO governo do Apra, a serviço do imperialismo, é o culpado!

O massacre de Bagua deixa toda a nação de luto!Saudamos a Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional!Unidade para derrubar o governo assassino e entreguista da nação!

Assembléia Constituinte Soberana com poder, que nomeie um governo para salvar a nação!

Obedecendo às ordens do imperialismo estadunidense para impor o tratado de livre comércio, o governo deu ordem para que se atirasse sobre a po-pulação indígena que protestava pacificamente, após 50 dias exig-indo a revogação de nove decre-tos declarados inconstitucionais pela Comissão de Constituição do Congresso da República.

As informações: mais de 150 indígenas foram assassinados

porque defendiam suas ter-ras, 23 policiais saíram mortos, houve centenas de feridos. O governo é o único culpado por este massacre! O governo abre uma etapa de terror, cujo obje-tivo é esmagar a fogo e sangue as massas populares, impedir a greve dos mineiros anunciada para 15 de junho e os protestos em curso, para impor as 200.000 demissões que Alan Garcia anunciou para os meses de maio e junho. É a política do FMI, do

PERU: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo

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Banco Mundial, da OMC, são as ordens do embaixador estadun-idense. O combate da Amazônia se junta à luta dos mineiros da Doe Run (multinacional esta-dunidense) e de todo o país, dos professores que preparam uma greve por tempo indeterminado, e de outros setores.

Ou nos unimos para der-rotar o governo, ou o gov-erno nos esmagará a todos! É o que disse o companheiro Alberto Pizango, presidente da Aidesep, na reunião de 4 de junho, propondo a constituição de um Comando Nacional de Luta com a [central sindical] CGTP, CUT, CCP, CNA, Aid-esep, Conacami, a Coordenação Político-Social e outras orga-nizações políticas. Reunidas, es-sas organizações constituíram a “Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional”, que chama uma mobilização nacio-nal em 11 de junho, cujas pa-lavras de ordem são “Abaixo o governo. Renúncia do gabinete ministerial!” e que exige o fim do estado de emergência, o fim das perseguições contra Alberto Pizango, a revogação dos decre-tos legislativos de aplicação do tratado de livre comércio e cha-ma uma greve nacional.

A Corrente Socialista Inter-nacionalista considera que a Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional está chama-da a agir como um verdadeiro comando nacional unitário de luta, e que a caça dirigida para prender Alberto Pizango, a qualificação de terroristas e de delinqüentes para os dirigentes e os habitantes indígenas, a re-cusa do governo de suspender o estado de emergência e sua ex-tensão para o toque de recolher em Bagua, Utcubamba e outras aldeias, demonstram que o gov-er-no decidiu abrir a via da guer-ra contra o povo para manter seu compromisso com o imperi-alismo estadunidense de aplicar o tratado de livre comércio.

É a defesa da nação e dos trabalhadores que está em jogo! Mais de 44 milhões de hectares já foram entre-gues a algumas multinacionais petrolíferas, e eles querem con-tinuar. Cerca de 30 bilhões de dólares para “pagar a dívida externa” foram dados aos ban-cos estrangeiros em menos de 4 anos, e eles querem que lhes deem mais vantagens. Mais de 200.000 trabalhadores foram demitidos nos últimos meses, e eles anunciam outros 200.000. Mais de 4.000 empregos diretos

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Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo

e mais de 20.000 indiretos estão a ponto de desaparecer em La Oroya, com o fechamento da Doe Run, que, com a cumplicidade do governo, declara “falência econômica”. 400 trabalhadores somam-se aos 600 demitidos na SiderPeru pela multinacio-nal Gerdau, que anuncia novas demissões. Demitiram nas em-presas têxteis, na pesca, nas con-servas. A demissão de milhares de professores e de funcionários públicos está sendo preparada. Busca-se um plano de privati-zação da educação em todos os níveis, e também da saúde públi-ca. Isso não pode continuar!

Que o Comando Nacional de Luta organize a luta para derrotar o governo! Foi este o grito unânime dos trabalha-dores reunidos em 4 de junho na sede da Aidsep. Este governo é a continuidade do fujimorismo, cuja Constituição, as leis e as instituições regem o país, com o mesmo estilo de mafiosos e de gangsteres.

Derrubar o governo é a von-tade de milhares, que a cada mobilização repetem: “Urgente, urgente! Novo presidente!” Eis porque cada vez mais organiza-ções sindicais, camponesas e populares colocam a necessi-

dade convocar uma Assembléia Constituinte Soberana com todo o poder, que nomeie um gover-no responsável perante ela, com mandato para defender a sobe-rania e a unidade da nação; para estatizar e reestatizar todos os recursos naturais e as empresas privatizadas, única saída para impedir as demissões e reem-pregar os demitidos; para anu-lar o pagamento da dívida ex-terna e utilizar os recursos num plano de salvação dos trabalha-dores e do povo da crise capita-lista, que se aprofunda cada vez mais; para anular o tratado de livre comércio com os Estados Unidos e revogar os 102 decre-tos que servem para dividir a nação e facilitar que as multina-cionais se apropriem das minas, do petróleo, do gás, da terra, da água, da Amazônia etc.; para decretar uma nova reforma agrária, que devolva a terra aos camponeses, conceda créditos e afirme a inviolabilidade das ter-ras das comunidades campone-sas e indígenas; que revogue a nova lei da água, que criou a Au-toridade Nacional da Água; para revogar o decreto-lei 728 e todos as leis anti-operárias; que ponha fim à privatização da educação em todos os níveis e defenda a saúde pública; que revogue a lei nº29062 da carreira do en-

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sino público; que revogue as leis 25967 e 28532, que atacam as pensões e aposentadorias etc.

Tudo isso exige que a classe operária da cidade e do campo tenha o seu próprio partido, que lhe permita combater por esses objetivos, pelo poder, pelo go-verno operário e camponês na via do socialismo, para acabar com a propriedade privada dos meios de produção, cujo único fim é o ganho privado, causa de todos os males atuais e futuros.

É por isso que afirmamos e defendemos a decisão do 11º Congresso da Federação dos Trabalhadores Mineiros, que adotou o chamado para organi-zar o Partido da Classe Operária da Cidade e do Campo, chama-do que recebeu o apoio de deze-nas de dirigentes sindicais, do campo e populares, de milhares de trabalhadores que estão de-cepcionados pela ex-Esquerda Unida, pelas frentes políticas que foram criadas para partici-par nas eleições de 2011, e não para acabar com o governo ag-ora. Eles decidiram dar o passo da organização de seu partido próprio, num congresso pro-gramado para 27 de junho próx-imo, na sede da CNA.

Da mesma maneira, apoiamos

o chamado lançado pela Comissão de Organização do Partido da Classe Operária para formar os comitês de base nas minas, nas fábricas e em todo o país.

• Fim do massacre aos povos da Amazônia!

• Fim da perseguição contra Alberto Pizango, presidente da Aidesep!

• Abaixo o estado de emergência!

• Fim das demissões! Esta-tização da Doe Run, Siderperu, Shougan!

• Reestatização de todas as empresas privatizadas! Não à privatização dos portos!

• Fora o governo do Apra de Garcia-Simon!

• Assembléia Constituinte Soberana com poder para no-mear um governo responsável perante ela para salvar a nação!

• Viva a organização do Parti-do da Classe Operária da Cidade e do Campo!

Lima, 7 de junho de 2009

Coordenação Nacional

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Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo

“A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”

Comissão de Organização do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo

DeClaraçãOFoi constituída uma Frente

em Defesa da Vida e da Sobe-rania Nacional, integrada por CGTP, CNA, CCP, Federação dos Trabalhadores Mineiros, a Aidesep para representar os povos indígenas, a CPS e outras organizações políticas, e foi lan-çado um chamado à mobilização nacional em 11 de junho, para repudiar e condenar o massacre de Bagua, que provocou a morte de mais de 150 indígenas e de 24 policiais, centenas de feridos e desaparecidos, e cerca uma cen-tena de presos.

A Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional re-sponsabiliza o governo servil ao imperialismo pelo massacre que enluta o país, e exige a revo-gação dos decretos que favore-cem o tratado de livre comércio, motivo dos protestos dos povos indígenas. Da mesma maneira, a Frente constituída exige a sus-pensão do estado de emergência

e do toque de recolher impos-tos em diversos povoados da Amazônia, e afirma que se estas reivindicações não forem sa-tisfeitas até 11 de junho, dia da mobilização, ela chamará uma greve nacional.

A Comissão de Organização do Partido da Classe Operária da Cidade e do Campo saúda a [central sindical] CGTP e a Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional e apóia a decisão de uma data para a greve nacional, se o governo não responder às reivindicações no prazo estabelecido. Isso coloca imediatamente na ordem do dia a convocação de uma Assem-bléia Nacional de Emergência de delegados da CGTP, com todas as organizações que compõem a Frente.

O chamado a uma greve na-cional é justificado para unir toda a nação aos povos orig-

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inários da Amazônia, e tam-bém para impedir a demissão de 4.000 trabalhadores da La Oroya, por causa do fechamen-to total das operações da Doe Run, que impôs férias coletivas de 90 dias a todos os trabalha-dores, sob o pretexto de “falên-cia econômica”, porque ela se beneficia da cumplicidade do governo, como se beneficiou da demissão de 400 trabalhadores de Siderperu, que se juntam aos 600 demitidos de novembro.

Quem garantirá o emprego dos 4.000 trabalhadores da La Oroya? Não será a multinacio-nal estadunidense Doe Run. É o governo quem tem a obrigação e o dever de garantir o emprego dos 4.000 trabalhadores. Como? Com a imediata estatização da metalúrgica e a reativação das suas atividades.

Mas o governo está a serviço do imperialismo estadunidense, das multinacionais, o que se opõe à defesa da soberania e explica que ele tenha publicado 102 decretos para impor o trata-do de livre comércio para pilhar a nação. É por isso que cada vez mais as organizações juntam-se para reivindicar a necessidade de uma Assembléia Constituinte Soberana que nomeie um gover-

no responsável perante ela, que exija já o respeito à soberania da nação, com a revogação dos 102 decretos que estão a ser-viço do tratado de livre comér-cio, o respeito à inviolabilidade das terras das comunidades camponesas e nativas, que es-tatize a Doe Run para garantir os 4.000 empregos diretos e os mais de 20.000 indiretos, tanto na Siderperu, como em todas as empresas privatizadas... Assem-bléia Constituinte para revogar a lei dos recursos hídricos, que privatizou a água, as leis 25967 e 28532 que atacam as aposen-tadoria e pensões, a lei dos estu-dos públicos de professores nº 29062, e abrir uma investigação sobre a amplitude do massacre de Bagua, e punir os respon-sáveis, quer dizer, o governo.

Apoiamos a decisão do com-panheiro Alberto Pizango, pre-sidente da Aidesep, de se refu-giar na embaixada da Nicarágua para defender sua liberdade e sua vida, e exigimos que o gov-erno do Apra anule a ordem de prisão emitida contra o com-panheiro. Não temos nenhuma dúvida de que, por trás deste ataque, assim como por trás do massacre dos povos originários da Amazônia, está o embaixador dos Estados Unidos.

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Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo

Para lutar por esses objeti-vos, a classe operária da cidade e do campo e a nação inteira ne-cessita de uma CGTP unitária e independente, uma Federação de Trabalhadores Mineiros Uni-tária e Independente, de todas as suas organizações de classe, assim como da Frente em De-fesa da Vida e da Soberania Na-cional, que trabalha como um verdadeiro comando nacional unitário de luta.

Assim como a classe neces-sita da CGTP e de suas organiza-ções sindicais, necessita de seu próprio partido político, que a ajude a combater por suas rei-vindicações e pelo poder, para acabar com a exploração capi-talista, causa de todos os seus males. Eis porque chamamos todos os dirigentes e militantes sindicais a nos acompanharem nessa decisão de realizar o con-

gresso de organização do Parti-do da Classe Operária da Cidade e do Campo, que se realizará em 27 de junho, às 10h, na sede da CNA, Jr. Antonio Miro Quesada, 327 – Lima.

Lima, 10 de junho de 2009

Pela Comissão de Organização:

Erwin Salazar Vásquez – CGTP-Lambayaque; Hugo Aguilar

Bernales – Federação dos Mineiros; Carlos Palácios

Guillén – secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores da

Construção Civil de Arequipa; Daniel Vásquez – MNPTC e

membro da CSI; Fausto Bazán – secretário-geral do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do

Banco da Nação.

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Documentos

O governo do Apra enlutou o país com o sangue de humildes peruanos vertido em Bagua, por sua vontade de impor o tratado de livre comércio e a aplicação dos decretos legislativos. O ser-vilismo do governo frente ao im-perialismo estadunidense não tem limites.

O governo é o único respon-sável pela morte dos indígenas e dos policiais. As ordens vieram de Washington, via embaixada dos Estados Unidos, assim como sua política é ditada pelo FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio.

O governo do Apra é o ser-viçal das multinacionais e o inimigo da nação!

O levante dos povos da Amazônia contra os decretos que impõem o tratado de livre comércio é em defesa de toda a nação. Este é o motivo da forma-ção da Frente em Defesa da Vida

e da Soberania Nacional, com a CGTP, a CNA, a CCP, a Aidesep, a Federação de Trabalhadores Mineiros, a CUT, a Coordena-ção Político-Social e de outros movimentos políticos, exigindo a revogação dos decretos, o fim do estado de emergência, o fim do toque de recolher na Amazô-nia, que cesse a perseguição a Alberto Pizango. Abaixo o go-verno, demissão do gabinete ministerial!

A Frente em Defesa da Vida e da Soberania Nacional deve continuar a agir como um ver-dadeiro comando nacional uni-tário de luta, pois chamou à mobilização nacional em 11 de junho e à greve nacional se as reivindicações populares não forem satisfeitas.

É necessário considerar que a CNA e outras organizações propõem a convocação de uma Assembléia Constituinte Sober-ana com poder, para designar

Universidade Nacional Superior de São Marcos

Movimento estudantil “Projeto São Marcos”

ChamaDO

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Peru: a fundação do Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo

um governo perante ela para salvar a nação.

O combate dos habitantes da Amazônia junta-se à luta da Federação dos Trabalhadores Mineiros para impedir a de-missão de 4.000 trabalhadores da La Oroya, trabalhadores que foram jogados na rua com as férias coletivas forçadas pela multinacional estadunidense Doe Run, e que se somam a mais de 15.000 mineiros demitidos e a mais de 200.000 trabalha-dores em todo o país. E outras demissões deverão acontecer, uma vez que Alan Garcia anuncia 200.000 entre maio e junho.

Quanto à juventude estudan-til, ela é agredida pela privatiza-ção da educação em todo o país. Entretanto, não existe hoje uma organização que agrupe suas forças, o que torna o combate disperso e espontâneo.

“Projeto São Marcos” chama todos os jovens da São Marcos e de todas as universidades do país a integrar a Frente em De-

fesa da Vida e da Soberania Na-cional e as lutas que ela anuncia. Não há tempo a perder. Neces-sitamos chegar a um acordo sobre o rumo político e orga-nizacional que devemos tomar, assim como sobre as tarefas que devemos realizar.

Diante dessa necessidade, o “Projeto São Marcos”, que se reivindica dos estatutos da Universidade São Marcos, em particular sua afirmação anti- imperialista, lança um chamado a todas as organizações estu-dantis, aos grupos e organiza-ções de jovens que intervêm nas universidades do país para re-alizar uma primeira Convenção Nacional em Lima, que coloque no centro a constituição da Fed-eração de Estudantes do Peru. Afirmamos a vontade de combate revolucionário da juventude.

Não há tempo a perder! Lugar à juventude!

Lima, Cidade universitária

10 de junho de 2009

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O movimento operário estadunidense, a crise na indústria automobilística e a política de Obama

Uma entrevista com alan Benjamin, dirigente de Socialist Organizer

entrevista feita por Christel Keiser e Dominique Ferré

A VErdAdE – Barack Obama faz atualmente uma viagem por vários países do mundo. O discurso ofi-cial procura colocar em evidência a imagem de um um novo homem na Casa Branca, de um novo siste-ma, de um novo equilíbrio em escala internacional. No entanto, desde sua eleição, desenvolvem-se nos Esta-dos Unidos os elementos de uma crise política a partir das contradições que se co-locam entre as aspirações

(e as ilusões) expressas na votação das eleições presi-denciais de 4 de novembro de 2008 e a realidade da política de Obama. Como explicar o significado dessa crise política e as diferentes formas de sua manifestação nos Estados Unidos?

Alan Benjamin – São nu-merosos os que se empenham em demonstrar que existe uma nova Presidência nos Estados Unidos que respeita o mundo. Mas, na Cúpula das Américas,

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O movimento operário estadunidense...

em Trinidad e Tobago, expres-sou-se a rejeição à aplicação dos tratados de livre-comércio que ligam os países da América aos Estados Unidos, tratados que estavam no centro dessa cúpula. Nenhum chefe de estado pôs sua assinatura na declaração final da cúpula... à exceção do governo de Trindad e Tobago. Essa rejeição não se deu unica-mente pelos governos de Chávez (Venezuela) e Morales (Bolívia), mas por todos os chefes de esta-dos das Américas. Obama havia ainda afirmado, durante a cam-panha eleitoral, que, com rela-ção às Américas, haveria uma nova forma, que toda a política de livre-comércio que estrangu-lasse esses países seria revisada. Mas a realidade foi outra. As exigências do imperialismo es-tadunidense de destruição das conquistas dos trabalhadores e dos quadros das nações não deixam nenhuma margem para poder modificar ou emendar os tratados de livre-comércio.

Obama havia prometido que haveria emendas e ajustes no Nafta (Tratado de Livre-Comér-cio da América do Norte, entre EUA, México e Canadá). E os sindicatos – ainda que essa não seja nossa posição: sempre de-fendemos a revogação desses

tratados – exigiram de Obama que incluísse “cláusulas sociais” no seio desses tratados. Mas, mesmo essa exigência não foi aplicada, porque é contraditória com as necessidades do impe-rialismo estadunidense. Isso explica o fracasso da Cúpula das Américas, na qual Obama pretendia se voltar para o con-tinente para iniciar um novo período. Uma das primeiras via-gens ao estrangeiro de Obama foi ao México, onde a última eleição presidencial foi frau-dada, e ofereceu sua caução e sua ajuda a Calderón. Por toda parte, ouvimos: “Como ele vem ao México para saldar Calde-rón, para dizer que Calderón é seu melhor aliado?”

No plano internacional, a “nova imagem” que a adminis-tração estadunidense pretende mostrar vai de encontro com a crise política do imperialismo. Obama teve que assumir sobre os seus ombros e sobre os de sua administração os planos de salvação dos bancos. Isso lhe foi imposto, e as somas devolvidas ao capital financeiro são muito mais expressivas que aquelas previstas pelo próprio Bush. Quatro bilhões de dólares – 1,7 bilhão diretamente do Tesouro dos EUA e 2,3 bilhões do banco

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Uma entrevista com Alan Benjamin

central – foram entregues aos banqueiros. A rejeição a essa política foi expressa em 30 de setembro, quando os dirigen-tes republicanos e democratas foram ao Congresso pedir aos deputados que votassem a fa-vor dos 700 milhões de dólares para o plano de salvação dos bancos e empresas, e esse pe-dido foi rejeitado. Seria ne-cessária a unidade nacional e o empenho pessoal de Obama (em particular com os congres-sistas negros) para convencer de que, com o voto desse plano de salvamento, a situação have-ria de melhorar, que os bancos seriam responsáveis, que usari-am os créditos para revitalizar a economia, que colocariam esses créditos a serviço da economia produtiva.

Mas as primeiras dificul-dades não tardaram a aparecer quando a imprensa informou que bancos haviam utilizado os fundos do plano de salvamento para comprar jatos privados e que os banqueiros estavam enchendo os seus próprios bolsos com somas gigantescas dos recursos.

É necessário compreender que os setores mais importantes, tanto do Partido Democrata, como do Partido Republicano, tiveram que aceitar Obama. Ele não era o candidato de suas esco-lhas, porque havia um dado que não podiam controlar: um negro na Presidência criaria expecta-tivas e ilusões que não podem tão facilmente serem controla-das. Obama ainda fez uma cam-panha com relativa autonomia, mesmo em relação ao aparelho do Partido Democrata. Ele tinha uma base própria, uma pequena margem que podia utilizar.

Desse modo, os maiores setores da classe dirigente não aceitaram a Presidência de Obama e fizeram tudo para miná-la. Peguemos o exemplo de Guantánamo, conhecido em todo o mundo como o símbolo do arbítrio absoluto. Por todo lado, crescia a exigência do fe-chamento da prisão de Guantá-namo (1). Obama havia prometido que toda a verdade sobre as tortu-ras praticadas sob o governo Bush seria apurada. De toda parte, au-mentava a exigência por uma investigação sobre essas torturas.

1 – Guantánamo – Base militar dos Estados em Cuba, existente há mais de cem anos, que abriga também uma prisão para estrangeiros acusados de terrorismo (NdT).

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O movimento operário estadunidense...

Os republicanos, assim como setores do Partido Democrata, fizeram apelo à cúpula da CIA para fazer com que Obama de-sistisse dessa questão. O estado-maior da CIA disse ao presidente que, se ele fizesse isso, não estaria fazendo nada mais do que aju-dando a Al-Qaeda, que isso seria um ataque contra a CIA. O chefe do Exército dos EUA no Iraque, o general Petraus, fez pessoal-mente uma visita à Casa Branca para persuadir o presidente a não publicar o dossiê que mostrava as torturas e as violações cometidas pelo Exército estadunidense.

O Senado, desse modo, votou – republicanos e democratas coesos – que não iria dar os créditos para começar a fechar a prisão em Guantánamo neste ano, ainda que houvesse aprova-do seu fechamento há um ano. Assim, não há no momento re-cursos para fazê-lo. A deputada Nancy Pelosi, presidente do Congresso e integrante do Parti-do Democrata, sabia tudo sobre as torturas. Quando ela afirmou que não havia sido informada, Dick Cheney e os ex-integrantes do governo Bush lhe responde-ram: “Você foi informada sim, mas não quis ver.”

Há uma campanha per-

ma-nente feita por alguns setores do Partido Republicano afirmando que Obama é socia-lista, que seu governo estatizou a General Motors.

A VErdAdE – Quais são as consequências da crise para o povo estadu- nidense?

Alan Benjamin – Entre “os de baixo”, entre a população, a constatação é terrível: mais des-empregados são contados às cen-tenas de milhares mensalmente. Oficialmente, desde outubro de 2008, entre 500.000 e 650.000 empregos foram suprimidos a cada mês do mercado de tra-balho. A realidade é bem pior, pois o Departamento de Traba-lho modificou a maneira como os desempregados são contabi-lizados. Pode-se verificar no site da (central sindical) AFL-CIO: o número real de desempregados adicionais é, de fato, quase duas vezes superior (de 900.000 a um milhão por mês).

A partir de agora, após nove meses de desemprego, você não é mais incluído nas listas oficiais de desemprego. Da mesma for-ma, se você trabalha pelo menos 10 horas por semana, não é mais considerado um desempregado.

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Uma entrevista com Alan Benjamin

Imóveis continuam a ser to-mados. A taxa de suicídio desde outubro é quatro vezes mais elevada que a de um ano antes.

No Estado da Califórnia, o mais rico do país, há um déficit orçamentário de 23 milhões de dólares, e o governo iniciou, a partir de 15 de junho, uma cam-panha de cortes orçamentários de 3 bilhões de dólares, que tem como consequência o fechamen-to de hospitais, o fechamento de escolas, a supressão de pro-gramas de ajuda aos sem-teto, o fechamento de casernas do corpo de bombeiros, justamente às vésperas da época de seca e dos incêndios. Serão suprimi-das algumas prisões na Califór-nia, nas quais 150.000 traba-lhadores imigrantes presos por terem praticado pequenos deli-tos e que serão expulsos, pois não há dinheiro para mantê-los cumprindo penas de três a seis meses de prisão. Será fechada a quase totalidade dos parques na-cionais, assim como os parques estaduais serão privatizados.

A angústia cresce dia após dia na população. Isso aparece nas cartas aos redatores de jornais,

nos programas de entrevistas de rádios e da televisão. Numerosos trabalhadores telefonam para informar na rádio que perderam seus imóveis. Eles perguntam: “Onde está a mudança? Como isto é possível? Compreendemos que não se pode mudar tudo de uma vez, mas pensávamos que, ao menos, as mudanças começariam a acontecer. Não é isso que está acontecendo.”

A VErdAdE – Na eleição de Obama, há um aspecto particular: as aspirações próprias dos negros por mudanças. O que você pode falar sobre isso?

Alan Benjamin – A por-centagem de negros dos quais as casas são retiradas (2) atualmente é de três a quatro vezes mais alta do que a porcentagem de negros em relação ao conjunto da popu-lação. Hoje, 70% das casas apre-endidas pertencem a negros e a latinos (60% a negros, 9% a 10% a latinos). Quatro a cinco mi-lhões de despejos são esperados neste ano. É algo gigantesco.

Haviam sido prometidos recursos para ajudar os sobre-

2 – Referência ao colapso do crédito imobiliário. Há milhares de despejos em curso, feitos pelos bancos, por atraso no pagamento dos empréstimos para com-pra de imóveis (NdT).

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viventes do furacão Katrina. São 350 vítimas que não po-dem voltar a Nova Orleans. Os primeiros a perder os empregos são os negros, as mulheres, os latinos. A criminalidade aumen-ta. A população está desampara-da. Oakland, a grande cidade negra ao lado de San Francisco, é uma cidade em guerra. Os jor-nais comparam a situação em Oakland à situação no Iraque. Há todos os dias gente morta à bala, pessoas assassinadas. To-dos os dias, incidentes desse tipo se multiplicam em uma situação na qual os jovens não têm per-spectivas de futuro.

Os militantes negros e do movimento democrático inter-pelaram Obama e seu ministro da Justiça sobre o caso de Mumia Abu-Jamal (jornalista e militan-te negro acusado de matar um policial e condenado à morte em 1982, em um processo manipu-lado por meio de um julgamento em que todos os jurados negros foram excluídos).

Nos Estados Unidos, houve 18 execuções de penas de morte de janeiro até hoje. Desde que Obama chegou à Presiddência, em 20 de janeiro, todos fizeram apelos a ele, que se manteve impassível. No que diz respeito

a Mumia Abul-Jamal, seu últi-mo apelo, requerendo o direito a um processo justo, foi rejeitado pela Suprema Corte dos Esta-dos Unidos. De novo paira sobre Mumia a ameaça de execução. A última chance que resta é que Obama e seu ministro da Justiça intervenham diretamente – eles têm essa possibilidade constitu-cional. A propósito, acabaram de usar essa prerrogativa no caso de um senador republicano corrupto, em um processo no qual havia um vício de forma no procedimento, e essa inter-venção permitiu que o senador fosse perdoado. No caso de Mu-mia, não há um simples “vício de forma”, há 18 violações fla-grantes de seus direitos consti-tucionais ao longo do processo desde 1982 que foram colocadas em evidência há muito tempo. Em 4 de novembro de 2008, os trabalhadores, em particular os negros, tinham lágrimas nos ol-hos e exprimiam essa aspiração profunda de que tudo iria mu-dar, mas, atualmente, nos olha-res, encontramos desespero. Ninguém quer a volta de Bush.

A VErdAdE – Obama havia prometido fazer a vo-tação da “Lei de Liberdade de Escolha do Assalariado” (“Employee Free Choice

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Uma entrevista com Alan Benjamin

Act”), uma reforma modifi-cando a legislação em vigor para garantir o restabeleci-mento da liberdade sindi-cal. Você pode nos explicar como está esta questão?

Alan Benjamin – Obama teve direito a um apoio mais que habitual do movimento sindical, sobretudo na base do movimen-to sindical. Ele fez promessas que ecoaram, promessas refer-entes à reforma dos tratados de livre-comércio, e principalmente a reforma da legislação federal sobre a sindicalização, sobre o direito de se sindicalizar. Hoje, nos Estados Unidos, que se in-titula o país mais democrático, não se tem o direito, na prática, de se organizar um sindicato: esse direito existe apenas no papel. Para constituir um sindi-cato, é necessário se submeter a um procedimento no qual a lista dos assalariados que decidem pela organização de uma seção sindical é fornecida às empresas. Estas dispõem de um período de 90 dias para fazer pressão para que os assalariados retirem suas assinaturas e, bem entendido, utilizam a chantagem da de-missão para alcançar seus fins.

Nas campanhas de sindical-ização nas quais a AFL-CIO in-

veste somas consideráveis, não chegam a 10% os casos em que se constitui um sindicato. Desse modo, a possibilidade de poder utilizar um sindicato como meio de defesa dos interesses dos tra-balhadores existe no papel, mas não na prática.Várias emendas à Lei Federal de 1935 (“Wagner Act”) conduziram a essa situa-ção. Além dos 90 dias, existe toda uma série de entraves ao direito à sindicalização. Logo, para os sindicatos, desde 2004, o combate para modificar a le-gislação sobre a sindicalização é uma questão central.

Foi com a promessa de revisão desta lei e a promessa de acabar com as guerras no Iraque e no Afeganistão que os democra-tas ganharam a eleição para o Congresso em 2006. Em todos os lugares, Obama declarou: “Estarei com vocês, e nos 100 primeiros dias de meu manda-do submeterei a proposta de lei e irei lutar com vocês para que a ‘Employee Free Choice Act’ seja adotada”.

No dia da posse de Obama, no jornal “The New York Times”, uma página de publici-dade foi publicada pela Câmara de Comércio e por todos os ban-cos, sob o título “Carta Aberta ao

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Presidente”. Essa carta afirmava que, na nova situação de crise, seria um suicídio político, um afundamento do país, uma lei que garantisse o direito à sindi-calização. Desde 5 de novembro de 2008, uma campanha de lob-bie de 400 milhões de dólares está lançada pelos capitalistas para ir a cada deputado para convencê-lo a votar contra a “Employee Free Choice Act”.

Por sua parte, a central sindi-cal AFL-CIO organizou uma cam-panha de 200 milhões de dólares em favor da “Employee Free Choice Act”, valor considerável após uma eleição presidencial na qual os sindicatos gastaram mui-to dinheiro, pois foram os sindi-catos que se mobilizaram para assegurar a vitória dos democra-tas, que, sozinhos, não poderiam se eleger, não poderiam ter feito um só vereador. Os sindicalistas deram não somente dinheiro, mas colocaram as centenas de

milhares de sindicalizados à dis-posição para ir de porta em porta convencer os eleitores um a um.

Em 16 de janeiro, Obama pu-blicou um artigo no jornal “The Washington Post”, no qual expli-cava que estava se reunindo com os representantes da Câmara de Comércio, dos bancos e dos patrões. Explicou que compreen-dia sua angústia e que, talvez, de-vesse ser encontrada uma alter-nativa à “Employee Free Choice Act”, que permitisse modificar um pouco a lei existente.

A AFL-CIO não se pronun-ciou sobre essa declaração, nem sobre a declaração do principal conselheiro de Obama, Larry Summers, que assinou um artigo dizendo que o direito à sindical-ização é um entrave à recupe-ração da economia. Nós fizemos uma campanha no quadro da Workers Emergency Recovery Campaign (Werc) (3) para chamar

3 – Workers Emergency Recovery Campaign (Campanha por um Plano de Emergência para Salvar os Trabalhadores) – Campanha nacional por iniciativa de mais de 500 militantes operários, sindicalistas, negros, latinos, do qual toma parte integrante militantes da seção estadunidense da 4ª Internacional (Socialist Organizer), ao redor de um de um programa de emergência que afirma: “Salvar os trabalhadores, não os bancos nem Wall Street”, e avança a exigência de que parem as demissões e os despejos, que haja a estatização dos bancos e da in-dústria automobilística etc. Esta campanha tomou a iniciativa, com cinco conselhos centrais da AFL-CIO da região de San Francisco, de realizar uma conferência que reuniu 320 militantes e dirigentes operários em 9 de maio de 2009.

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Uma entrevista com Alan Benjamin

o movimento sindical a se pro-nunciar, para dizer que ele não aceita essa reviravolta. O que se passou em seguida? Toda a im-prensa explicou que, no Senado, não havia 60% de votos para re-sistir a um veto. Vários democra-tas indicaram que retiravam seu apoio à “Employee Free Choice Act”. O primeiro a dizer que o movimento sindical havia fal-hado nesse ponto foi Andi Stern, o dirigente de “Change to Win” (cisão da AFL-CIO). Stern disse: “Tentemos fazer o melhor pos-sível com uma reforma da lei existente. Em vez de 90 dias de demora para que os emprega-dores possam intimidar e demitir, vamos reduzir para 60 dias”.

De nossa parte, não chama-mos o voto em Obama, candida-to do Partido Democrata, e não apoiamos os dirigentes do movi-mento dos trabalhadores que fi-nanciaram sua campanha. Mas os trabalhadores estão no di-reito de interpelar os dirigentes de suas organizações sindicais para lhes dizer: vocês apoiaram Obama, notadamente em razão de seu compromisso pra fazer passar a “Employee Free Choice Act”. Você podem aceitar que ele renuncie hoje a esse compromis-so fundamental? A responsabili-dade do movimento sindical não

é a de exigir de Obama que, se foi eleito pelo movimento sindical – notadamente, repitamos, em razão desse compromisso –, que faça adotar a “Employee Free Choice Act”? Obama não tem, evidentemente, nada a ver com Ronald Reagan, mas, em 1981, a AFL-CIO fez ir às ruas um milhão de trabalhadores con-tra o locaute dos controladores aéreos organizados por Reagan (esse que foi o primeiro grande golpe ao movimento sindical no período recente). É hoje um desafio similar para o futuro do movimento dos trabalhadores o de mobilizar para impor a “Employee Free Choise Act”.

A VErdAdE - A direção do sindicato dos trabalha-dores da indústria automo-tiva (United Auto Works, UAW) assinou um acordo com as direções da Chrysler e da General Motors. O que se pode dizer do conteúdo desse acordo e de suas con-sequências para os traba-lhadores das empresas em questão, e para os trabalha-dores estadunidenses em geral?

Alan Benjamin – O anúncio da falência iminente da Chrysler e da General Motors surgiu no

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final de 2008. Eles fizeram vir o presidente da General Motors, o da Chrysler, assim como os sindicalistas de base, os presi-dentes de sindicatos e mesmo os antigos membros da executiva da AFL-CIO, organizaram um fórum para apresentar seu ponto de vista sobre aquilo que deveria ser um “plano de salvamento da indús-tria automobilística”. A Ford não aceitou. Para a General Motors e a Chrysler, dezenas de milhares de dólares foram desbloqueados, com a condição de que seria uma ajuda para reestruturar a indús-tria, e isso significava a destruição maciça dos empregos.

Para fazer passar esses pla-nos, houve uma propaganda sem precedentes, na qual se apresen-tava os trabalhadores da indús-tria automobilística como privi-legiados: dizia-se que o salário médio diário de um trabalhador era de 64 dólares, o que é falso, já que é de 28 dólares hoje. 64 dólares era há onze anos, quan-do a General Motors e a Chrys-ler fabricavam ainda centenas de milhares de carros. Mas, com os cortes e as reestruturações, os salários diminuíram. Nove con-cessões sucessivas foram aceitas

pelos sindicatos, conduzindo a essas reduções salariais. Uma “força-tarefa” foi criada: trata-se de uma comissão da indústria automobilística, presidida por alto executivo de Wall Street (4), Steve Rattner, que afirmou claramente: o que nos interessa não são os empregados, são os acionistas. Toda a linguagem do alegado plano de salvamento é a linguagem de Wall Street, que consiste em salvar os acionis-tas, liquidando os empregos. É necessário reestruturar, ir à falência, se necessário, porque, segundo o capítulo 11 da Lei de Falências, que sempre é usado como um meio de chantagem contra os sindicatos, após a falência, o capítulo da lei sobre os impostos permite eliminar os sindicatos e os fundos de pensão; pode-se eliminar tudo quando a empresa está em falência.

Desse modo, a chantagem do plano de salvação da indústria au-tomobilística consiste em dizer: se os trabalhadores não fizerem concessões, a empresa irá à falên-cia. E, desde dezembro, os sin-dicatos começaram a propor as concessões. Houve uma primeira reabertura de negociações dos

4 – Wall Street – Bolsa de Valores de Nova York, principal centro financeiro mundial (NdT).

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Uma entrevista com Alan Benjamin

contratos de trabalho na Chrys-ler e na General Motors, e os sin-dicatos aceitaram a redução de salários, aceitaram os aumentos dos prêmios de produtividade, a eliminação das regulamentações do trabalho na fábrica e a modifi-cação do regime de pensões.

Mas a proposição feita por Rattner não é a continuidade de uma política de chantagem que leve a concessões do sindicato, é alguma coisa nova. Ele disse: é possível que as empresas vão à falência, é possível que não, mas é preciso que vocês nos ajudem. É necessário que os sindicatos apóiem diretamente a reestru-turação. Ao investir na empresa o dinheiro do fundo de saúde para as aposentadorias, vocês se tornarão co-proprietários, vocês vão utilizar esses fundos e vão, conosco, fazer parte da comissão de gestão. Dessa forma, a primei-ra tarefa será a de suprimir 221 mil empregos imediatamente e fechar 2.600 empresas sub-contratadas. Hoje, 20 bilhões de dólares que a companhia deveria pagar aos fundos de aposenta-doria e de saúde foram investi-dos em uma indústria que, em 1º de junho, entrou em falência.

E todo mundo concorda em dizer que, mesmo “reestrutu-

rada”, a General Motors não se recuperará. Busca-se contratos com a Opel, mas, quanto à Gen-eral Motors, acabou. Há 11 anos, havia 600 mil trabalhadores na General Motors Hoje, há 60 mil. Durante a consulta pelo voto, organizada pela direção da UAW em 29 de maio, 54 mil vo-taram a favor do acordo e 21 mil entre eles foram imediatamente demitidos. E fala-se em deze-nas de milhares de demissões suplementares, pois há uma cláusula do acordo que permite continuar a demitir se a situação não melhorar. A direção sindical justificou esta cláusula pelo fato que não querer que a General Motors vá à falência. Ora, todo mundo sabia que, de qualquer maneira, assinando ou não o acordo, aconteceria a falência.

Mas, com todo conhecimento de causa, eles fizeram os traba-lhadores e os sindicalistas vota-rem dizendo-lhes: “Vocês não têm escolha. Se votarem ‘não’, a General Motors vai à falência, e essa falência significa o fim do UAW. Vocês não terão seus fun-dos de pensão, vocês não terão seus empregos.”

Sejamos claros: os trabalha-dores que votaram pelo acordo não podem ser responsabilizados.

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O movimento operário estadunidense...

Mesmo com toda essa pressão, 11% dos assalariados da Chrysler e 26% da General Motors ainda votaram “não”. E mesmo entre os que foram obrigados a votar “sim”, numerosos são os que fi-zeram declarações na imprensa e que fizeram manifestações para denunciar a chantagem.

A direção do sindicato que aceitou, em nome da manutenção dos empregos, o fechamento de 17 fábricas, aceitou que os fundos constituídos há anos pelos trabal-hadores para suas aposentadorias fossem utilizados para financiar a reestruturação e salvar os acioni-stas. Todos os trabalhadores se perguntam: como é que vamos fazer com as nossas despesas de saúde? Fica-se doente, perde-se a casa... Como será o futuro? Há uma angústia enorme. A direção da AFL-CIO nada diz sobre esta questão. Os dirigentes somente dizem que essa é a única possibi-lidade. De nossa parte, no quadro da campanha da Werc, da qual falamos no último número de “A Verdade”, organizamos uma con-ferência em 9 de maio último em San Francisco, na qual partici-param 320 delegados, dirigentes sindicais em sua maioria. Foi um encontro co-organizado pela Werc e por cinco conselhos da AFL-CIO da região de San Francisco. Essa

conferência abriu a discussão so-bre essas questões cruciais dentro do movimento dos trabalhadores.

Nessa situação de chantagem, o fato de que 26% dos trabalha-dores da General Motors e 11% dos trabalhadores da Chrysler votaram “não” ao acordo é ex-tremamente importante (claro que, repito, os trabalhadores que votaram a favor do plano sob pressão de uma repugnante chantagem não podem ser con-siderados responsáveis). Eles disseram “não” pela defesa de seu sindicato, disseram “não” porque queriam salvar seus postos de trabalho, disseram “não” porque não aceitam o inaceitável. Eles não podem aceitar esta política de destruição levada pela direção do sindicato. Não foi para isso que constituíram seu sindicato. Numa carta, o presidente local de um sindicato UAW explica que o acordo assinado é um contrato escravista. Ele afirma: os trab-alhadores tiveram de votar com um cano de revólver na nuca, um revólver sustentado pelo gov-erno, pelos bancos e pelo grande capital, todos em coalizão e, infe-lizmente, com o apoio da direção do sindicato, que se afasta cada vez mais das tradições do movi-mento sindical.

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Uma entrevista com Alan Benjamin

Este companheiro diz: a situ-ação é difícil, mas quando o sin-dicato foi construído, em 1930, a situação era difícil também. Foi preciso enfrentar a guarda nacional, as milícias patronais, organizar greves com ocupação, e, assim, o sindicato se impôs. E ele conclui: na situação atual, não podemos virar as costas às tradições do movimento sindi-cal independente. É a única via que nos permitirá vencer. Não será fácil, mas é a única via.

Numa manifestação orga-nizada em Lansing, no Estado de Michigan, em 1º de junho, os sindicalizados da UAW le-vantaram um cartaz: “Hoje é a vez dos trabalhadores automobilísticos, amanhã será a vez de quem?” O presidente do sindicato que organizou a manifestação declarou: não é função de um sindicato tornar-se o patrão da empresa. Jamais, e sobretudo hoje, nas condições na qual a única via é a de impor os planos de demissões, os pla-nos de salvação dos banqueiros. Eles não podem utilizar nossos fundos de saúde e de aposenta-doria para salvar as empresas, pois só usarão os fundos para nos destruir. Os sindicatos de-vem continuar sindicatos, e não entrar na política de integração

e de aplicação dos planos de destruição da força de trabalho.

Eles têm razão. E dizendo não ao corporativismo, mostram a via da resistência, da manuten-ção das tradições profunda-mente enraizadas no movimento sindical estadunidense e na classe operária dos Estados Unidos.

Não seria necessário colo-car na ordem-do-dia uma cam-panha para exigir a retirada da assinatura da UAW deste acordo e combater para que o movimento sindical como tal se pronuncie, já que não só a UAW que é o alvo, mas são todos os sindicatos, todos os sindicaliza-dos, todos os trabalhadores? Os capitalistas querem utilizar esta crise para questionar todos os contratos coletivos, para exigir que o acordo assinado pela UAW seja usado hoje como modelo a ser imposto em toda parte. E, em nome deste modelo, querem impor as “reestruturações” e os planos de destruição que não puderam organizar antes.

O jornal “The New York Times” publicou em 2 de maio um editorial no se aborda o co-lapso da Chrysler – uma vez que o voto na General Motors só aconteceu em 29 de maio, mas

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o voto na Chrysler foi em 30 de abril: “Talvez o sr. Obama tenha o seu momento de Nixon na China. Do mesmo modo que foi necessário um republicano conservador para abrir as rela-ções do nosso país com o maior país comunista do mundo, será um democrata liberal que fará soar a hora do sindicato UAW”. O que o “The New York Times” exprime, em seu ponto de vista, Obama pode e deve fazer aquilo que os republicanos e Bush não fizeram, porque Obama foi elei-to com o apoio dos sindicatos. É então a questão da independên-cia do movimento sindical, do movimento operário como tal, do movimento negro em relação ao governo e ao Partido Democra-ta, que se coloca concretamente na luta pela defesa dos trabal-hadores, no combate para pre-servar os empregos, para dizer não a este pacto, para retirar a assinatura dele.

Repito: de nossa parte, não chamamos o voto em Obama, nem apoiamos aqueles que, no movimento sindical, apoiaram e financiaram sua candidatura. E existe ainda hoje nos Estados Uni-dos, nas organizações operárias, no movimento negro, na popula-ção em geral, ilusões, a esperança de que Obama queira fazer boas

coisas, mas “que está rodeado de maus conselheiros”, “que herdou uma situação terrível da qual tenta sair”, e que é preciso dar-lhe um pouco de tempo. Essas ilusões existem e não podemos ignorá-las. Mas a própria existência da classe operária estadunidense, do movimento operário, exige hoje que os sindicatos ajam em total independência, e estamos enga-jados em apoiar qualquer passo nesse sentido.

É nesta situação que um diri-gente sindical, Andy Stern, que organizou alguns anos atrás uma cisão na AFL-CIO, constituindo o agrupamento sindical chama-do “Change to Win” (Mudar para Vencer), ocupa um lugar impor-tante. Num primeiro momento, na época, como principal diri-gente do sindicato SEIU, de fun-cionários do setor público, tinha criticado o fato de que a AFL-CIO não dava prioridade a uma cam-panha de sindicalização maciça. Mas, pouco a pouco, afirmou que a AFL-CIO era exageradamente “luta de classes”, que era preciso sair da sua atitude exagerada no confronto com os patrões. Hoje, Stern está na ponta de uma ofen-siva nesse tema: é preciso ajudar os patrões, porque se os ajudar-mos, eles vão nos ajudar.

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Uma entrevista com Alan Benjamin

A VErdAdE - depois do último número de “A Verdade” a respeito desta questão, quais são os novos acontecimentos?

Alan Benjamin - Agora, Stern começou uma caça às brux-as generalizada contra aqueles que resistem, contra os que con-tinuam numa posição de inde-pendência de classe no seio de seu antigo sindicato, SEIU. No cenário de demissões maciças que acontecem nos hospitais, por exemplo, Stern afirma – contra os militantes e dirigentes do SEIU que combatem as demissões –, que está disposto a assinar um “bom acordo” de acompanha-mento das demissões.

Ele organiza verdadeiras ex-pedições punitivas contra os outros sindicatos de sua própria federação, “Change to Win”, indo até o ponto de organizar uma cisão no segundo sindicato desta federação, o sindicato da hotelaria. Esse sindicato, que nasceu da fusão do sindicato têxtil e do sindicato dos hotéis e restaurantes, é muito com-ba-tivo, muito militante. Stern organizou a cisão do sindicato.

É nestas condições que se prepara o Congresso Nacional

da AFL-CIO no fim de setembro, no qual John Sweeney, seu atual presidente, não se reapresenta. Existe uma enorme pressão do governo Obama para impulsio-nar a reconstituir uma AFL-CIO que reintegre “Change to Win”, no mesmo momento em que Stern declara que quer ser o úni-co reconhecido. Esta é a situação atual do movimento operário estadunidense. Uma situação muito perigosa, e que não pode encontrar uma saída senão pela independência absoluta do mov-imento operário, independência face às demissões, independên-cia em relação a todos os acordos do tipo do da General Motors que os patrões querem impor, independência em relação ao governo, para exigir que Obama mantenha seu compromisso de encaminhar a aprovação do “Employee Free Choice Act”.

A VErdAdE – Quais foram as consequências da campanha da Werc, depois da Conferência de 9 de maio em San Francisco?

Alan Benjamin - Como já disse, essa conferência foi um grande sucesso. Tivemos 320 participantes. O comitê sobre a crise econômica do conselho central da AFL-CIO de San Fran-

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cisco adotou um texto que diz:

“Nenhuma demissão. Se o governo pode dispor de bilhões de dólares de dinheiro público para ajudar os banqueiros, então pode dispor também para impe-dir as demissões e devolver todos os trabalhadores demitidos para seus postos de trabalho. O movi-mento operário estadunidense deve dizer: ‘Nenhuma demissão na indústria automobilística!’ A única possibilidade real para a economia é a de manter todos os empregos e de reinvestir na indústria. Esta fórmula se aplica perfeitamente à indústria auto-mobilística – como se aplica a todos os setores da economia, incluindo o setor público. O go-verno Obama deve estatizar os Big Three (“Três Grandes”, expressão usada para as três maiores empresas automo-bilísticas: General Motors, Ford e Chrysler – NdE) (...), proibir qualquer nova demissão, rein-vestir na indústria automobilísti-ca, reconstituir a força de trab-alho e devolver imediatamente todos os demitidos a seus postos de trabalho, dentro das regras do contrato coletivo assinado pelo sindicato. É a única via para a defesa do sindicato UAW e do próprio movimento sindical.”

Este texto foi submetido pelo Conselho de Trabalho à Conferência.

Um segundo texto foi apre-sentado ao encontro, exigindo o confisco de todos os fundos colo-cados nos planos de salvamento das empresas e a estatização dos bancos. Ele diz claramente:

“Este dinheiro (os bilhões da-dos aos bancos – NdE) é nosso dinheiro, dos nossos impostos, e deve servir para criar empregos a fim de realmente relançar a economia. O governo pode e deve retomar as somas do plano de salvamento. Ele pode usar os bancos como instrumento de uma política pública de progres-so social, para parar todas as de-missões e garantir um emprego a todos e uma renda que permita viver, suspender os despejos, re-constituir nossa infra-estrutura em ruínas, reconstruir Nova Or-leans, restabelecer e abastecer os serviços públicos (incluindo a saúde e a educação) e mais. Mas só existe um caminho para cum-prir esses objetivos: o governo deve estatizar os bancos (...). Isso não tem nada a ver, como alguns querem fazer crer, com a estatização das ‘dívidas tóxicas’, ou dos ativos podres de bancos,

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Uma entrevista com Alan Benjamin

com a única finalidade de de-volver os bancos aos mesmos patrões quando voltarem a ser rentáveis. Isso não tem nada a ver com estatização, é a estatiza-ção dos prejuízos.”

A conferência chamou à mo-bilização do movimento operário em todos os níveis para impor ao governo a assinatura do “Em-ployee Free Choice Agreement”. E, igualmente, para exigir a constituição de um sistema de saúde fundado no salário diferi-do (o “single payer”, pagamento único), do qual Obama não quer ouvir falar. Se hoje existe um movimento profundo na classe trabalhadora estadunidense, é claramente sobre a questão da saúde. Num país no qual 45 milhões de pessoas não pos-suem nenhuma cobertura con-tra doenças, quando se perde o emprego, perde-se também o direito à saúde.

A questão de ter uma Previ-dência Social baseada no salário diferido é uma questão de vida ou morte. Sobre este assunto, ex-iste uma mobilização profunda. Quando alguns dirigentes sindic-ais que animam esta campanha foram a Washington, durante as audiências públicas do presiden-te, sua presença foi impedida,

porque sabiam que eles iriam falar diante das câmeras sobre a exigência de um sistema de saúde fundado sobre o salário diferido. Marc Dudzi, antigo presidente do Sindicato dos Químicos, foi simplesmente expulso pelos militares das audiências... Mas, a cada dia, nos quatro cantos do país, existem manifestações e reuniões para exigir uma Previ-dência Social.

A campanha da Werc possui um comitê nacional de 16 pes-soas, e este comitê está discutin-do a proposição de constituir comitês em todas as cidades, na perspectiva de uma Confe-rência Nacional de Comitês an-tes do fim do ano, estruturado sob um plano de trabalho, no qual a exigência principal será a questão da retirada da assi-natura do acordo da General Motors. Uma campanha para mobilizar em todos os níveis no movimento operário – delega-ções, tomadas de posições, mas também ações de massa na rua – para exigir de Obama que res-peite sua promessa de aplicação do “Employee Free Choice Act”. É preciso notar que esta confer-ência possui um eco enorme em vários setores do movimento operário. A coalizão “US Labor Against the War” (Movimento

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Operário Contra a Guerra), que agrupa sindicatos representan-do a metade dos trabalhadores sindicalizados dos Estados Uni-dos, publicou o resultado no seu site, assim como dirigentes da AFL-CIO em vários estados.

A VErdAdE - Nós assis-timos nesse momento uma escalada perigosa da guerra na Ásia Central (Paquistão, Afeganistão, ameaças con-tra o Irã etc.). dentre as promessas feitas por Obama, e que pesaram para a sua eleição, falou-se muito sobre a questão da guerra. Quais eram essas promessas?

Alan Benjamin - Gostaria de citar o que escreveu a esse respeito um velho militante operário anti-guerra bem conhe-cido, Jerry Gordon, no número de abril de 2009 do boletim Unity & Independance (Unidade e In-dependência), uma tribuna livre para a defesa da independência de classe do movimento operário do qual nós participamos. Jerry Gordon lembra que

“Obama fez sua campanha apresentando-se como um can-didato anti-guerra, amigo do movimento operário e defensor dos direitos civis. Mas eis algu-

mas medidas executadas sob seu comando depois que assu-miu a Casa Branca:

• escalada na guerra do Afe-ganistão, ordenando o envio de 21 mil soldados suplementares que lá estão desde então;

• anúncio que a retirada to-tal das tropas estadunidenses do Iraque será prorrogada até o fim de 2011 (...);

• pedido ao Congresso que autorizasse um gasto suple-mentar de 83 bilhões de dólares para financiar a guerra no Iraque e no Afeganistão, e isso depois de ter prometido várias vezes durante sua campanha que não faria esses pedidos su-plementares ao Congresso;

• intensificação do bombar-deio por aviões não-tripulados no Paquistão, resultando na morte de vários civis;

• publicação de um plano de reforço das Forças Armadas de 100 mil homens (...);

• diretrizes aos procurado-res gerais para privar presos de ‘habeas corpus’, exatamente como Bush fazia;

• diretrizes aos procura-dores gerais para se oporem

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Uma entrevista com Alan Benjamin

às perseguições judiciais con-tra as empresas e os indivíduos que violaram as leis de escutas telefônicas ilegais, exatamente como Bush fazia;

• promessa de não considerar como responsável por crimes aqueles que são culpados de ter-em cometidos atos de violência e de tortura contra presos, invo-cando de fato o modo de defesa rejeitado e desacreditado nos processos do Tribunal de Nurem-berg: ‘Nós obedecemos ordens’;

• Indiferença em relação à legislação digna dos talibans que o presidente afegão Hamid Karzai promulgou, negando às mulheres os direitos mais elementares. Obama declarou que, mesmo em desacordo com essa legislação, sua prioridade era a de combater a Al-Qaeda.”

Jerry Gordon insiste, com razão, sobre a grande importân-cia da Assembléia Nacional contra a Guerra, em 10 e 11 de julho, em Pittsburg, no qual um dos oradores principais será um dirigente do “US Labor Against the War”, com a participação de centenas de militantes sindic-ais, de grupos anti-guerra etc., para exigir a retirada imediata das tropas do Iraque e do Afega

nistão, e que pare todo o finan-ciamento às intervenções mili-tares dos Estados Unidos.

A Verdade – Como se coloca hoje a questão do combate pela ruptura do movimento sindical com o Partido democrata, quer dizer, o combate por um Labor Party (Partido dos Trabalhadores) apoiado nos sindicatos, integrando um partido negro?

Alan Benjamin – Como vocês acabaram de ver, a questão de ruptura com o Parti-do Democrata está mais do que nunca colocada, e, de nossa par-te, nós a colocamos durante a campanha eleitoral. Mais do que nunca, vemos aonde leva essa subordinação. Dizemos hoje que preparar o terreno para avançar em direção ao Labor Party é jus-tamente levar esta campanha independente. Hoje, a questão central colocada é a defesa da independência dos sindicatos, é a defesa do movimento operário a partir de suas próprias reivin-dicações, contra todos os planos que visem a nos fazer aceitar os compromissos e a linguagem do sistema dos dois partidos (Re-publicano e Democrata, os dois partidos da burguesia).

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O movimento operário estadunidense...

Claro, nós não colocamos pré-condições para os combates a que eu me referi. Mas não é um acaso que esta questão do Labor Party venha à ordem-do-dia em certos setores do movimento operário. Por exemplo, em Los Angeles, o Sindicato dos Pro-fessores acaba de reconstituir o comitê por um Labor Party. O sindicato decidiu liberar os fun-dos para constituí-lo e convidou para isso o presidente nacional do Labor Party, que continua existindo.

Além disso, à margem da Conferência de 9 de maio, em San Francisco (pois, como eu disse, não apresentamos pré-condições), uma discussão aconteceu para debater as questões do Labor Party, a qual vários representantes sindicais participaram, pois esta questão está colocada pela situação. Alguns demagogos de direita começam a utilizar o fato de que

os democratas e republicanos “são a mesma coisa”, que uns e outros aceitam que os imigran-tes possam supostamente “vir e roubar nossos empregos”, e acei-tam reconhecer um “Estado pa-lestino” contra Israel etc. Existe, então, na direita, pessoas que procuram ocupar o terreno da rejeição dos “dois partidos” sob uma base racista e reacionária. É então nossa responsabilidade, dentro do movimento dos tra-balhadores, abrir o debate por uma resposta política no terreno da classe operária.

Este debate que reaparece na ordem-do-dia sobre o Labor Party coloca-se de modo com-parável em relação à ação política negra independente. Militantes negros, que são parte integrante da campanha da Werc, reati-varam depois da metade de abril o Comitê Nacional do Partido da Reconstrução.

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Qual “paz” no Sri lanka?

por François Forgue

Quando o exército do go- verno do Sri Lanka cercou o últi-mo reduto mantido pelos Tigres de Libertação do Tamil Eclam (LTTE), no nordeste da ilha, as mais vivas inquietações se mani-festaram quanto à sorte da popu-lação civil da região, uma vez que entre 250 mil e 300 mil pessoas já haviam abandonado seus lares para fugir dos combates.

As piores previsões foram superadas. Hoje está claro que além da liquidação militar dos separatistas do LTTE, foram mortos de quinze a vinte mil civis. O exército do Sri Lanka usou armamento pesado numa superfície cada vez mais exígua.

Posteriormente, os repre-sentantes da ONU no Sri Lanka foram acusados de ter delibe-

radamente minimizado a am-plitude do massacre. Dezenas de milhares de homens, mul-heres e crianças, refugiados, foram colocadas em campos. Esses campos, aliás, não podem ser definidos como “campos de refugiados”, mas algo mais próximo de campos de concen-tração, uma vez que os homens são estritamente separados do restante da família; somente o exército controla esses campos e nenhum representante de or-ganismos independentes ou hu-manitários têm acesso a eles.

A derrota militar da última região controlada pelo LTTE – que se dizia invencível – foi efetuada em alguns meses pelo exército do Sri Lanka, o mesmo exército que falhou durante anos. Qualquer que seja a opi-

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Qual “paz” no Sri Lanka?

nião que se tenha sobre o LTTE – para nós, ela não é nem uma organização revolucionária nem democrática, que não exprime verdadeiramente os inter-esses da população tâmil -, sua destruição militar foi acompan-hada por um verdadeiro massa-cre da população civil tâmil. É somente por serem tâmeis, por falarem tâmil, por virem de vilas tâmeis, que milhares de pessoas inocentes foram mortas, que hoje dezenas de milhares que perderam tudo são privadas de liberdade. Se não existia antes uma “questão tâmil”, ela existirá a partir de agora.

Logo após a vitória militar do governo do Sri Lanka, o governo dos Estados Unidos não festejou o resultado. Ao contrário, a se-cretária de Estado Hillary Clinton tornou público sua “preocupa-ção” com a indiferença dos dois campos com a população civil. Comentário hipócrita da parte de quem possui como tarefa dar cobertura diplomática às várias ações inomináveis cometidas con-tra a população civil no Iraque, Afeganistão e no Paquistão pelo exército estadunidense.

O governo estadunidense, que por muito tempo usou o movimento separatista, che-

gando até a organizar negocia-ções entre ele e o governo do Sri Lanka, com o objetivo de dividir a ilha, decidiu agora de-ixar de lado o LTTE e reforçar diretamente sua pressão contra o governo. Sua aparente preo-cupação sobre o destino das populações civis, suas reservas sobre os métodos empregados, não possuem outro significado senão o de constituir um meio suplementar de pressão contra o governo do Sri Lanka, que não poderia levar a fundo sua ofen-siva militar sem o “sinal verde” de Washington.

O que surpreende, não é tanto o cinismo do imperia-lismo, ao qual nós já estamos acostumados, mas sim o silên-cio do movimento operário do Sri Lanka a respeito do que se passa.

O movimento operário do Sri Lanka foi constituído unindo nas mesmas organizações sindicais e políticas os trabalhadores cin-galêses e os tâmeis. No período em que o Sri Lanka adquiriu sua independência, assim como nos anos que se seguiram, uma or-ganização que tinha suas raízes na luta contra o domínio impe-rialista britânico e na constitu-ição das primeiras organizações

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François Forgue

operárias, o LSSP, organização que em seguida situou-se no terreno da 4ª Internacional, ocupava uma posição central no movimento operário.

Um dos eixos principais de seu combate era a unidade entre os trabalhadores tâmeis e os tra-balhadores cingalêses com base na igualdade de direitos. A tra-gédia atual não pode ser com-preendida sem levar em conta o colapso político do LSSP, direta-mente ligado à crise desagrega-dorada 4ª Internacional, em 1950 – 1953 (1).

Às origens da questão tâmil

A história do Sri Lanka sem-pre esteve ligada à história da Índia, da qual ela forma, geo-graficamente, a ponta meridi-onal. O povoamento da ilha do Sri Lanka ocorreu a partir de populações vindas da Índia. As duas principais “etnias” da ilha, os tâmeis e os cingalêses, são componentes da população da Índia continental. Os tâmeis vêm majoritariamente do sul

da Índia e praticam majoritari-amente a religião hinduísta. Os cingalêses são originalmente do norte da Índia e sua religião ma-joritária é o budismo.

Essa separação geográfica da população foi mantida até os dias de hoje: as regiões do norte e do nordeste são ma-joritariamente tâmeis, as do sul e do oeste são cingalê-sas. Mas o desenvolvimento econômico, sob o colonialismo e depois da independência, acabou por misturar a popula-ção: a indústria, em Colombo, no sul do país, emprega uma grande quantidade de tâmeis e existem muitos cingalêses no norte. É por essa razão que o “enfrentamento étnico”, in-tensificado nos últimos anos, conduziu a pogroms [massa-cres] anti-tâmeis em Colombo e a expulsões maciças por par-te do governo.

Contrariamente ao que ocor-reu em outros casos, a história da formação do Sri Lanka não foi a de um enfrentamento constante entre essas duas

1- Esse artigo se apoia largamente nos materiais reunidos pelo camarada Bernard Trinquet, e, para o que se trata do LSSP e de suas relações com a Internacional, em dois artigos do camarada Jean-Marc Schiappa publicados na revista A Verdade nºs 27 e 28, de abril/maio e novembro de 2001 (edição em português).

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Qual “paz” no Sri Lanka?

componentes, cujas relações serão, até a colonização, essen-cialmente pacíficas (2).

A colonização do Sri Lanka pela Grã-Bretanha está ligada à penetração colonial em toda a Índia, mas ela toma uma forma diferente. Desde o começo do século XIX, o Sri Lanka foi co-locado sob dominação direta da coroa britânica e não era uma dependência da Campanhia das Índias, que administrava as pos-sessões britânicas na Índia.

É sob a dominação britânica que se cristaliza a oposição en-tre a minoria tâmil e a maioria cingalesa. Os colonizadores uti-lizam a arma da divisão e jogam uns contra os outros. Por vezes consentiam um lugar privilegiado aos tâmeis na administração. Por outras, apagavam com o poder da caneta toda garantia à minoria tâmil, como no estatuto de 1931.

Soma-se a isso que o desen-volvimento das plantações de chá vai atrair uma imigração considerável de tâmeis india-nos, que compõem uma mão-

de-obra mal paga e sem direitos. Esses problemas encontrarão uma expressão acentuada du-rante a constituição do Estado do Sri Lanka independente. Mais uma vez, a adoção da cons-tituição de 1948 está ligada aos desenvolvimentos políticos na própria Índia, mas as formas pelas quais o imperialismo britânico cede a independência visavam a aumentar ainda mais a separação entre o Sri Lanka e a Índia. Aliás, na época, o LSSP denunciava essa independência consentida como uma tentativa de constituir um “Ulster india-no” (3). Na própria constituição do Sri Lanka se insere a questão tâmil. Para começar, a naciona-lidade do Sri Lanka é recusada aos tâmeis indianos. Ademais, na medida em que vai se consti-tuindo o novo Estado, os tâmeis são colocados numa situação de inferioridade ora pela questão da língua, ora, mais tarde, pela religião. De fato, depois de um período no qual o inglês (falado por menos de 10% da popula-ção) era administrativamente designado como a língua oficial,

2 - Ver Sri Lanka, por Eric Meyer (A Documentação francesa - “La Documenta-tion française”).

3 - Alusão ao Ulster (Irlanda do Norte), separado do resto do país, em 1921, e tornando-se possessão britânica.

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o cingalês foi em seguida pro-clamado como a única língua oficial. Mais tarde, em 1972, o budismo foi instituído como “religião do Estado”.

A constituição e o desenvolvimento do LSSP

O desenvolvimento do Sri Lanka sob dominação colonial tem como resultado um desen-volvimento de grandes “planta-tions” (o Sri Lanka é, ainda hoje, o terceiro exportador de chá do mundo). 85% do proletari-ado rural que estava empregado nessas plantações era de ori-gem tâmil indiana. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento das infra-estruturas necessárias aos colonizadores, como as diver-sas indústrias exportadoras (em particular a borracha) resulta-ram na constituição de um pro-letariado industrial integrado, nas mesmas proporções, por tâmeis e cingalêses.

Em 1935, jovens intelectuais do Sri Lanka, muitos forma-dos em Londres, criam o Lanka

Sama Samaja Party (LSSP) (4). De imediato, esse partido anti-imperialista busca se construir no seio da classe operária. Seus militantes – eles serão aproxi-madamente 3000 em 1940 – participam da criação de sindi-catos operários e estão à frente de inúmeras greves. Em março de 1936, eles elegem dois membros da Assembléia consultiva criada pelo imperialismo britânico. A partir desse desenvolvimento e de suas experiências, os diri-gentes do LSSP se voltam para o marxismo. Participam dos de-bates sobre a “revolução por etapas”, sobre a “Frente Popu-lar”, etc., e alguns dentre eles ten-dem a se aproximar das posições de Leon Trotsky e do movimento pela 4ª Internacional (5).

Um historiador do movi-mento operário no Sri Lanka, Charles Wesley Ervin, observa que “um dos pontos fortes do primeiro período do LSSP era sua orientação em direção aos tâmeis, o coração do proletari-ado do Sri-Lanka”.

Sobre esse assunto um mili-tante do LSSP explica: “Numa

4 - Sama Samaja significa ao mesmo tempo igualdade e socialismo.

5 - Sobre a formação e desenvolvimento do LSSP, ver “Le trotskysme au Sri Lanka” (O trotskismo no Sri Lanka), por Jean-Marc Schiappa, em “A Verdade” nº 27, abril/maio de 2001.

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sociedade na qual as rela-ções de trabalho assalariado co-existem com restos do feuda-lismo, onde existiam classes, cas-tas, divisões comunitárias e re-ligiosas e onde as classes sociais eram ao mesmo tempo estrangei-ras e locais, as palavras de ordem importantes eram a liberdade, igualdade e a reforma social.”

Em 1940, o LSSP, numa con-ferência nacional, expressa sua desconfiança em relação à 3ª In-ternacional stalinista. Quando se desencadeia a segunda guerra mundial, os dois deputados do LSSP votam contra os créditos de guerra. Mas é somente em abril de 1941 que uma conferên-cia realizada na clandestinidade afirmará a “solidariedade do LSSP com a 4ª Internacional”.

Sob as condições da guerra, depois que o LSSP foi colocado na ilegalidade, com vários de seus dirigentes presos e outros forçados a se exilar na Índia, o vínculo com a política da 4ª In-ternacional será afirmado clara-mente, com a participação de alguns quadros vindos do Sri Lanka na construção de uma or-ganização trotskista na Índia.

Depois da 2ª Guerra Mun-dial e depois que o Sri Lanka

se tornou um Estado indepen-dente, o LSSP se erguerá como a principal organização política operária da ilha, desenvolven-do-se em todos os terrenos e ob-tendo uma vasta representação parlamentar. O LSSP era, então, seção da 4ª Internacional, o que não significava que era uma or-ganização homogênea. Mas sua direção, nessa época, se colo-cava claramente sob o terreno da igualdade de direitos, recu-sando toda discriminação, com-batendo pela legalização dos tâmeis indianos e pela unidade da classe operária com base em suas reivindicações, única força a garantir a constituição democrática da nação do Sri Lanka unificando suas diferen-tes componentes.

Os desenvolvimentos no Sri Lanka confirmam mais uma vez o que explicou Léon Trotsky quando escrevia que “nem uma única etapa da revolução ‘bur-guesa’ pode ser resolvida num país atrasado sob a direção da burguesia nacional”. A burgue-sia cingalêsa, submissa ao im-perialismo, para estabelecer sua própria dominação política esta-belecia uma opressão particular em relação à minoria tâmil (os elementos da pequena burgue-sia tâmil, por sua parte, somente

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formulavam suas reivindicações em termos “comunitários”, de-pois, mais tarde, em termos separatistas). Somente uma or-ganização situada no terreno da luta de classes operária poderia, como o declara em 1955 o LSSP, “se opor ao comunitarismo, seja ele majoritário ou minoritário”, e exigir que seja dada “à língua tamil paridade como língua ofi-cial junto com o cingalês”.

O partido político da bur-guesia cingalêsa durante a in-dependência, o United National Party (UNP – Partido da Uni-dade Nacional), se divide, dele surgindo o Sri Lanka Freedom Party (SLFP – Partido Liberdade de Sri Lanka), partido que se apresenta como anti-imperial-ista e, ao mesmo tempo, acentua a defesa do lugar privilegiado da maioria cingalêsa, negando os direitos da minoria. É esse par-tido que vai exigir o reconheci-mento da língua cingalêsa como a única língua oficial e, mais tarde, um status privilegiado ao budismo. É a política desse partido que o LSSP combate. Mas em 1964, no fim de um pro-cesso de degeneração rápida e profunda, o LSSP formará um governo de coalizão com esse partido. Capitulando, assim, em relação à independência política

da classe operária, o LSSP será igualmente levado à renunciar o combate pela democracia, pela igualdade de direitos.

Esse desmoronamento polí-tico do LSSP terá enormes con-sequências não somente no Sri Lanka – abordaremos mais adiante -, mas também para as organizações que se reclamam do trotskismo na Índia e, mais do que isso, para toda a Ásia.

Esse desmoronamento pro-cede de certos fatores internos próprios do LSSP mas é inex-plicável fora da crise da 4ª In-ternacional e do papel desen-volvido pelo centro liquidador de Pablo e de Mandel.

Nos limites deste artigo, não é possível retomar o conjunto do processo político que resulta na capitulação do LSSP. Nós dare-mos somente alguns elementos nos apoiando notadamente no artigo “O trotskismo no Sri Lanka” ao qual nos referimos mais acima.

O LSSP, desde sua formação, foi um partido que continha em seu seio grandes contradições. Ele constituía, sobretudo nos seus primeiros anos, um agrupamento lutando contra a dominação colo-nial e se apoiando sobre as lutas da classe operária e dos campone-

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ses, sem, no entanto, definir uma política clara correspondente aos seus objetivos. No seio do LSSP, se desenvolveu uma fração – de fato, um certo número de dirigentes – se reclamando mais precisamente das posições do Leon Trotsky. Nas condições do início da Segunda Guerra mundial, esses dirigentes puderam mobilizar os militantes do partido contra o stalinismo, rompendo com ele, sem que isso tenha significado uma homogeni-zação interna do partido.

Os elementos mais avançados do LSSP, banidos da ilha pelas autoridades coloniais e enviados à Índia, tiveram um papel central na constituição da seção indiana da 4ª Internacional e nas posições to-madas durante a revolta de agosto de 1942 contra o imperialismo britânico.

No fim da guerra, quando esses dirigentes voltam ao Sri Lanka, as contradições no seio do LSSP emergem. O partido chegou a so-frer uma cisão (entre 1944 e 1950) que fez com que o grupo parlamen-tar eleito sob a bandeira do LSSP tenha se dividido no momento do voto sobre a independência outorgada: os deputados da seção da 4ª Internacional votaram con-tra o governo estabelecido e os dis-sidentes se abstiveram.

As consequências da crise da 4ª Internacional

Naquele momento, a 4ª In-ternacional sustentava aqueles que se opunham à constituição do Estado do Sri Lanka, mas sem fazer disso uma questão de princípio e, em janeiro de 1948, numa declaração, ela ressal-tava, antes de tudo, “a vitória eleitoral dos trotskistas no Sri Lanka”, colocando, assim, no mesmo plano, aqueles que se opunham à falsa independência e aqueles que se abstiveram.

Mais grave ainda, essa mes-ma declaração tira do sucesso eleitoral daqueles que se recla-mam trotskistas a conclusão de que “é possível, ao menos nos países coloniais, contornar o obstáculo do stalinismo e da social-democracia traidores”.

Em 1951, o Terceiro Congres-so mundial da 4ª Internacional é aquele da ofensiva liquidadora conduzida por Pablo que resul-tou numa crise desagregadora. Em relação ao Sri Lanka, o in-forme de Michel Pablo afirma:

“Nossa organização está discutindo com o PC desse país para fechar uma frente única com vis-tas nas próximas eleições

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(…) abrindo uma via a um governo de partidos operários.”

A frente única é então vista sob o ângulo unicamente eleitoral e o PC é definido como um “partido operário”, sem outra precisão, e então colocado no mesmo plano que o LSSP. Alguns meses mais tarde, a direção internacional de Pablo dizia ao LSSP:

“O poder está na mão de vocês, não daqui a dez anos, mas imediatamente, em alguns anos, senão neste ano mesmo”, por meio da constituição de uma “maio-ria parlamentar”.

Essa orientação ficará mais precisa com a cisão do partido burguês no poder, UNP, que dá nascimento ao Sri Lanka Free-dom Party (SLFP): a maioria par-lamentar sonhada pelo Secreta-riado Internacional (SI) de Pablo se torna uma maioria SLFP-PC stalinista e LSSP. Apesar das previsões otimistas de Pablo é o UNP que ganha as eleições. Face à sua política, os trabalhadores reagem, com uma greve geral, no dia 12 de julho de 1953, contra o aumento vertiginoso do preço do arroz. O LSSP tem um papel fun-damental nesse combate, numa

situação na qual, como afirma a direção do LSSP, “em regiões inteiras, o conflito chegou a um nível de rebelião”.

Mas, ainda uma vez, não podemos separar o que se passa no Sri Lanka da crise da 4ª In-ternacional. A direção do LSSP, com oscilações e reservas, tinha aceitado as decisões do Ter-ceiro Congresso. Mas Pablo dá seu apoio aos elementos mais pro-stalinistas do LSSP, impul-sionando assim sua liquidação, como ele tentou fazer com o SWP nos Estados Unidos.

Quando, em 1953, se consti-tui o Comitê Internacional da 4ª Internacional, a direção do LSSP se recusa a se associar a esse agrupamento, que se or-ganiza com base na defesa do programa da 4ª Internacional e rejeitando o pablismo. Ela denuncia a “Carta aberta aos trotskistas do mundo inteiro”, do SWP, que chama à luta contra o revisionismo liquida-dor de Pablo e Mandel como sendo um ato divisionista.

Essa atitude vai ser decisiva para a evolução do LSSP no período seguinte. Com o apoio do SI de Pablo, depois das eleições de 1956 que levaram o Sri Lanka

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Freedom Party ao poder, o LSSP assume uma política de “coope-ração responsável” com o gover-no. E é justamente esse governo que vai atiçar a oposição entre a maioria cingalêsa e a minoria tâmil proclamando o cingalês como única língua oficial na ilha, em contradição com toda política anterior do LSSP.

A via está então aberta à desconstrução política do LSSP que vai ocorrer em 1964. Após as negociações com o governo do SLFP dirigidas pela senhora Bandaranaïke, os dirigentes do LSSP entram num governo burguês. É então – e só então – que a direção Pablo-Man-del, esquecendo tudo o que ela mesma fez para levar o LSSP nesse caminho, condena tal política. O desmoronamento do LSSP, indissociável da crise da 4ª Internacional, tendo em conta a influência desse par-tido e de seu prestígio em toda a Ásia, teve conseqüências profundas sobre todo o movi-mento operário do continente. As mais graves conseqüências também se verificaram no desenvolvimento político do próprio Sri Lanka. Deixou de existir um partido que expri-misse a independências da classe trabalhadora e capaz,

consequentemente, de pro-mover soluções democráticas aos problemas existentes no Sri Lanka.

O significado dessa liquida-ção se exprimiu no fato de que, em 1971, toda uma fração da juventude, levada ao limite pe-los resultados catastróficos do governo do LSFP, constitui uma organização, o Janata Vimuk-thi Peramuna (JVP) – Frente de Libertação do Povo -, que se inspira largamente na luta revo-lucionária cubana e se engaja na via da insurreição; nessa época, o LSSP sofria uma repressão sel-vagem por parte do governo.

Igualmente grave é o fato de que em nome da colaboração governamental, o LSSP aceita a discriminação contra os tâ-meis. Os acontecimento trágicos destes últimos meses, o impasse que eles demonstram são inex-plicáveis se não é levada em con-ta essa falência política, produto da crise da 4ª Internacional.

Um conflito ritmado pela intervenção estadunidense

A situação atual é resultado claro da intervenção cada vez mais direta do imperialismo es-

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tadunidense, utilizando e ma-nipulando os problemas reais – como o problema tâmil – para assegurar sua hegemonia.

Um discurso do embaixador dos Estados Unidos no Sri Lanka resume a visão e as perspectivas do imperialismo estadunidense em relação ao país:

“Nós começamos a re-examinar nossas relações com o Sri Lanka agora que a política desse país se afastou das posições do movimento dos países não-alinhados e renunciou a todas as experiências de caráter socialista, reabrin-do sua economia. Então, nossas relações bilaterais melhoraram.

Os Estados Unidos tinha uma certa simpatia pelos tâmeis porque eles eram claramente vítimas de uma discriminação. Mas terroristas se utilizaram disso e adoptaram meios e métodos que nós conden-amos(...). Nós continuamos a considerar o LTTE como uma organização terroris-ta (…). No entanto, o atual processo de paz oferece a possibilidade de criar um

novo ambiente constitucio-nal que poderá servir de exemplo para outros con-flitos no sul da Ásia.

O Sri Lanka poderá rapidamente se tornar um país no qual os rendimen-tos se situarão num pata-mar médio, ele poderá se tornar o Cingapura do sul da Ásia.

Existem no Sri Lanka imensas oportunidade para o comércio estadun-idense e para os investi-mentos estadunidenses em tecnologias da informação, indústria leve, agro-indús-tria, turismo, joalheria e no desenvolvimento de infra-estruturas como os portos, os aeroportos, as telecomu-nicações e a energia.

As empresas estadu-nidenses negligenciaram o Sri Lanka, mas existe aí um mercado de 19 mil-hões de pessoas, na porta de um mercado de mais de um bilhão.

O Sri Lanka é o único país a ter assinado um acordo de livre comércio com a Índia. Eu prevejo um forte aumento de inves-

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timentos estadunidenses com o fim da guerra.”

Essa declaração do embaixa-dor estadunidense foi feita um ano depois de estabelecido um cessar-fogo entre o governo do Sri Lanka e o LTTE, promovi-do pela Noruega, ajudado por países doadores, constituído no-tadamente pelos Estados-Uni-dos, Estados da União Européia e o Japão.

O que esta declaração diz claramente é que o LTTE, on-tem organização terrorista, se tornou um parceiro “aceitável” para presidir uma “solução” que poderá servir de exemplo para todo o sul da Ásia. Nós vemos aparecer aqui, além do Sri Lan-ka, a ameaça em direção à Índia, onde existiam também, sob a base de problemas lingüísticos, organizações separatistas.

A mesma visão estratégica será expressa dois anos mais tar-de pela sub-secretária de Estado estadunidense Christina Rocca, depois do tsunami. Ela disse:

“Nós esperamos que o governo e o LTTE se en-tendam rapidamente para estabelecer um mecanismo comum de ajuda pós tsu-nami. Nós pedimos a to-

dos que retomem as nego-ciações de paz (…). Nossa posição sobre o LTTE não mudou. Ele precisa en-tender que nós estamos disponíveis ao diálogo se ele renunciar à violência.

A economia do Sri Lan-ka parece ter resistido aos efeitos do tsunami melhor do que poderíamos imagi-nar. Ainda assim, a vasta tragédia humana terá obrigatoriamente efeitos negativos sobre a econo-mia. E mais, com uma tal devastação, surgirão défic-its difíceis durante a recon-strução. Os Estados Unidos querem ser parceiros do Sri Lanka durante esse período.

Os Estados Unidos são um cliente essencial para as exportações do Sri Lan-ka (…). É vital que o Sri Lanka continue a avançar no domínio das reformar econômicas.”

Esta última frase resume os objetivos da política estadun-idense no Sri Lanka. A econo-mia “aberta” que é aqui res-saltada, é aquela fundada na privatização de todas as em-presas e de todas as atividades

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que haviam sido colocadas sob a tutela do Estado. É a política de roubo do país por meio da dívida. Quaisquer que sejam os governos sucessores (uns constituídos ao redor do UNP, outros ao redor do LSFP), é esta política que terá que ser segui-da. Ela compreende a criação de zonas especiais de exportação, liberando os investidores que ali se instalarem de todo tipo de imposto e de todo respeito às leis trabalhistas. As leis do Sri Lanka não se aplicam no que se refere à liberdade sindical: os sindicatos são impedidos de atuar nessas zonas. A primeira zona especial de exportação foi instalada em 1978, seguida por várias outras. As condições es-peciais dessas zonas serão este-ndidas, a partir de 1992, a todas as empresas voltadas à exporta-ção, não importando sua loca-lização geográfica.

O controle das riquezas do país, por meio da dívida e pela criação de “zonas de exportações especiais”, é acompanhado por objetivos militares determina-dos pelo lugar estratégico do Sri Lanka. A grande base militar de Trincomalee, situada na região costeira da ilha, tem, nestes últimos anos, recebido numero-

sas visitas de oficiais superiores estadunidenses. O tsunami de 2004 deu, em nome da ajuda humanitária, o pretexto para uma presença ostensiva da frota estadunidense na região.

A política de “reformas”, quer dizer de privatizações e de insta-lação de multinacionais, leva ao agravamento da discriminação e da opressão específica da mi-noria tâmil. As regiões “recon-quistadas” são objeto de uma “limpeza étnica” que facilita a implantação de zonas onde a le-gislação trabalhista não se aplica e onde os direitos sindicais são destruídos. É na região leste, precisamente em torno do porto de Trincomalee, que o governo do Sri Lanka quer constituir uma nova zona econômica especial.

Em 16 de junho de 2007, o governo anunciou que os dis-tritos de Matur East e de Sam-pur (na região do Trincomalee) foram considerados como zo-nas de “alta segurança”. Ao mesmo tempo, está previsto instalar nessa região uma zona econômica especial de 675 Km² de extensão. Os 50.000 tâmeis que tinham deixado a região du-rante os combates não seriam autorizados a retornar.

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Essa é a região na qual o res-tabelecimento do poder central foi facilitado pela passagem para o campo governamental de toda uma parte da direção do LTTE. Qual será o destino dos 250.000 a 300.000 tâmeis que tiveram que fugir do norte durante os recentes e terríveis confrontos militares?

A resistência dos trabalhadores

Por meio de um combate in-cessante, a classe trabalhadora vai se opor a essa política. Greves vão impor ao patronato concessões em alguns setores. A vontade de organização dos trabalhadores das zonas especiais de exportação vai impor às vezes o reconheci-mento de organizações sindicais.

O Sri Lanka vive uma al-ternância de governo, dirigido às vezes pelo UNP, às vezes pelo SLFP, com o apoio, num certo momento, do JVP. Esses go-vernos mantém, no essencial, a mesma política econômica, contra a qual se ergue a classe tra-balhadora, não importando qual seja o governo. É assim, por exemplo, que os trabalhadores do setor de energia resistiram aos planos de reestruturação – que levava à privatização – da

Ceylan Electricity Board. Em março de 2003, sob um governo UNP, milhares de trabalhadores se manifestaram contra os pla-nos de reestruturação. Em 2005, eles se manifestaram novamente, pelo mesmo motivo, mas desta vez contra um governo do SLFP e do JVP. Mas essa luta constante carece de uma saída política.

A ausência de perspectiva política é um fator que marca toda a história das lutas sociais e políticas no Sri Lanka depois do desabamento do LSSP. A mi-séria, a ausência de empregos empurra a juventude à revolta. Mas essas revoltas da juventude são enquadradas por organiza-ções que não se situam no ter-reno da classe trabalhadora.

Não só em 1971, mas nova-mente em 1987, o JVP estará na cabeça de uma verdadeira insurreição que toca sobretudo o sul do país. A repressão orga-nizada pelo governo e o exército será mais uma vez feroz: deze-nas de milhares de mortos em alguns meses. Mas anos depois, em 2004, vamos encontrar a direção do JVP associada a um governo do SLFP cuja política não é fundamentalmente dife-rente daquela do governo UNP. Ao contrário, esse governo SLFP

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que associa a JVP segue a políti-ca da privatização dos governos anteriores, como testemunha seu programa intitulado “Uma nova ordem econômica para uma forte economia nacional”:

“Atualmente, o Sri Lan-ka sente falta de um me-canismo institucional para facilitar a reestruturação das empresas em dificul-dade. Um serviço formado por especialistas do setor público assim como das empresas privadas será criado para ajudar na re-estruturação das indústri-as que poderiam ser trans-formadas em empresas financeiramente viáveis.”

Que relação existe entre as aspirações democráticas e revo-lucionárias dos jovens que se lançam na luta à chamado do JVP e a carta dirigida por sua direção à Christina Rocca, vice-secretária de Estado do governo Bush?

“No seu discurso de posse, o presidente Bush disse: ‘A liberdade no nosso país depende do sucesso da liberdade nos outros países’ (...) Conforme o presidente Bush, nós, do JVP, con-

sideramos que somente a democracia pode trazer a paz. Enquanto nós nos es-forçamos para desenvolv-er nosso país como um país multi-cultural, multi-étni-co e multi-religioso, nós esperamos que os Estados Unidos sigam na via que tomaram depois da segun-da guerra mundial quando ajudaram a substituir os ditadores fascistas por de-mocracias fortes.”

O texto do JVP continua explicando que é preciso se basear sobre “a plena igualdade dos cidadãos” e não sobre uma divisão territorial artificial base-ada em princípios étnicos.

Certo, mas a realidade do Sri Lanka, sustentada pelo imperi-alismo e aceita pelos diferentes governos que se sucederam, não é a da igualdade de direitos, mas sim a da discriminação. Essa é a situação que levou a juventude tâmil a apoiar a ação armada.

O LTTE, tal como se con-stituíu ao longo dos anos, não somente utilizou as revindica-ções legítimas dos tâmeis, mas se impôs pela violência como a única organização que falava em nome do povo tâmil. A combi-

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nação da repressão com a situa-ção crítica da grande massa da população, seja ela cingalêsa ou tâmil, além dos métodos da di-reção do LTTE, apartou da cena política as diferentes organiza-ções tâmeis que procuravam uma solução unitária.

Nessas condições, o LTTE acabou se tornando, como já foi dito mais acima, o interlocutor “válido” do imperialismo, reali-dade que é afirmada no cessar-fogo de 2002 entre o governo do Sri Lanka e o LTTE, cessar-fogo concluído sob a égide da Noruega, agindo em nome de um agrupamento de países doa-dores nos quais encontraremos os Estados-Unidos, a União Eu-ropéia e o Japão.

Nos últimos anos, o tom dos representantes do imperialismo estadunidense se modificou. É assim que, no dia 10 de janeiro de 2006, diante de uma multi-dão de homens de negócios sri-lanqueses, enquanto a vaga de violência se desenvolvia tanto do lado do exército como do lado do LTTE, o diplomata estaduniden-se Burns ameaçava o LTTE. Ele indicava que os Estados Unidos forneceriam ao exército do Sri Lanka todos os meios necessári-os para enfrentar o LTTE ao

mesmo tempo que elogiava as reformas econômicas iniciadas pelo governo do Sri Lanka.

É à partir daí que o aspecto militar do conflito se transforma completamente. A província do leste que estava sob o controle do LTTE é reconquistada depois de uma ofensiva do exército do Sri Lanka. Mais tarde, o LTTE será desagregado por uma cisão de toda uma parte do seu aparel-ho militar e administrativo. Ka-runa, um dos grandes dirigentes do LTTE, passa com armas e bagagens – e com toda uma sé-rie de quadros da organização – para o lado do governo, do qual agora ele é um dos ministros.

O embaixador estadunidense, Robert Blake, declara no dia 18 de dezembro de 2007:

“O Sri Lanka tem uma oportunidade importante de estabilizar o leste de modo a mostrar a todos os sri-lanqueses, particular-mente aos tâmeis, que eles têm um futuro brilhante num Sri Lanka unido.”

Esse futuro, nós o vimos, é aquele das zonas econômicas especiais, é aquele dos desloca-mentos de populações, de ope-rações de limpeza étnica desti-

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nadas a facilitar a implantação de empresas imperialistas.

É nesse quadro que ocorre a última ofensiva e a derrota relâm-pago do LTTE. Ela não anuncia nem a paz nem a reconciliação no Sri Lanka. Os massacres per-petrados contra a população civil nas zonas dos últimos combates mostram bem que o objetivo es-sencial do governo não era as-segurar a eliminação militar do LTTE. Esses massacres prenun-ciam novos ataques contra a população tâmil e seus direitos, mas não somente contra ela.

A imprensa oficial do Sri Lan-ka repete que é chegada a hora de fazer sacríficios para pagar o custo da guerra. O governo do Sri Lan-ka é levado a pedir ajuda ao FMI ao mesmo tempo que declara que as despesas militares continuarão a ser elevadas. Isso só pode con-duzir ao aumento dos ataques contra toda a classe trabalhadora e à militarização da vida política sob pretexto da luta contra o LTTE, prelúdio de uma escalada contra os direitos democráticos e sindicais de todos os trabalha-dores do Sri Lanka. O exército que hoje se vangloria dos seus “êxitos” é o mesmo que esmagou com um banho de sangue as revoltas soci-ais de 1971 e de 1987.

Repetindo, os últimos acon-tecimentos no Sri Lanka não po-dem ser separados da política do imperialismo estadunidense em toda a região, e, claramente, de desestabilização do Paquistão.

A luta dos trabalhadores do Sri Lanka, dos trabalhadores cin-galêses como dos trabalhadores tâmeis, em outras circunstân-cias históricas distintas da luta contra o colonialismo britânico, coloca novamente a questão que foi central no desenvolvimento do LSSP: a da sua unidade com os trabalhadores de todo o sub-continente indiano.

A situação dramática na qual está hoje mergulhado o Sri Lan-ka mostra de novo que a questão da direção revolucionária está no centro de todos os proble-mas. O desabamento do LSSP, que completa agora meio século, indissoluvelmente ligado à crise da 4ª Internacional, é ainda hoje um fator fundamental do desen-volvimento da luta de classes no Sri Lanka, e, sob outras formas, isso é verdade para todo conti-nente asiático.

A experiência dos últimos anos mostrou que, mesmo nas circunstâncias mais difíceis, a classe trabalhadora do Sri Lan-

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ka procurava resistir, ela com-batia. É a partir desse combate que podem ser encontradas as tradições da luta democrática e revolucionária que haviam sido

encarnadas no LSSP. Trata-se de uma questão na qual está em jogo o próprio combate pela 4ª Internacional.

O Programa da Revolução

• Manifesto do Partido Comunista Marx e Engels

• Teses de Abril Lênin

• Programa de Transição Leon Trotsky

coleção estudos revolucionários

eNcomeNDaS e iNformaçõeS [email protected]

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Documento preparatório do 4�º Congresso da Secção

francesa da 4ª InternacionalTradução: Joaquim Pagarete (Portugal)

O 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional terá lugar a 26 e 27 de setembro de 2009. O facto de se tratar do 47º Congresso impõe desde já uma explicação.

O 1º Congresso da Secção Francesa da 4ª In-ternacional, unificando os diferentes grupos que se reclamavam do trotsquismo em Fran-ça, teve lugar em 1944, no último período da 2ª Guerra Mundial, num momento em que a maior parte da Europa Ocidental se encontrava ainda sob a ocupação dos nazistas. Foi pois na clandestinidade, face a uma repressão selva-gem, que os delegados da Secção Francesa ga-rantiram – através da sua actividade – que a 4ª Internacional seria assegurada e que a sua con-tinuidade seria preservada.

Apesar das dificuldades e dos erros, foi o com-bate travado desde então – bem como a vontade de intervir na luta de classes, de se enraizar no movimento operário sobre a base da defesa do programa e dos princípios da 4ª Internacional – que permitiram esta continuidade.

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Documento preparatório do 47º Congresso...

Ela exprimiu-se nomeadamente em 1951-1952, no momento em que, face a uma ofen-siva revisionista que desmembrou a 4ª Inter-nacional como organização mundial unificada – ofensiva cujo conteúdo político foi antes de mais mascarar a burocracia estalinista com uma missão histórica progressista –, a maio-ria da Secção Francesa rejeitou o revisionismo liquidador.

depois, o combate da Secção Francesa – como componente das forças que, à escala in-ternacional, permaneceram organizadas sobre a base do programa de fundação da Internacio-nal – nunca mais parou. Este combate tomou diferentes formas para exprimir, permanente-mente, o mesmo conteúdo fundamental:

A luta entre as classes fundamentais da socie-dade prossegue sem cessar, tanto à escala na-cional como à escala internacional. O que está em jogo é a barbárie ou a derrota do sistema de exploração capitalista fundado na propriedade privada dos meios de produção, sistema hoje em plena decomposição;

Só o combate dos trabalhadores pela sua própria emancipação poderá assegurar uma solução positiva a esta alternativa. Para alcan-çar estes objectivos, a classe operária tem ne-cessidade do seu partido político, tanto à escala nacional como internacional;

Se, para a 4ª Internacional e para os seus militantes, este partido não pode em definitivo ser fundado senão sob o programa da 4ª Inter-nacional, as formas pelas quais se desenvolverá este combate não poderão ser antecipadamente previstas, e, em cada etapa da luta de classes,

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este combate combina-se com a acção o mais larga possível para realizar a unidade dos tra-balhadores e das suas organizações, tendo como base as reivindicações dos trabalhadores.

Foi por este motivo que a Secção Francesa – que pagou bem caro o papel que desempe-nhou na defesa da 4ª Internacional – se de-senvolveu sempre com base no combate para a reconstrução da 4ª Internacional, sob diver-sas formas e denominações (PCI, OCI, OCI [u], PCI, Corrente Comunista Internacionalista do Partido dos Trabalhadores e, hoje, do Partido Operário Independente).

Actualmente, a secção da 4ª Internacional em França é a Corrente Comunista Internacio-nalista (CCI) do Partido Operário Independen-te, fundado há um ano com militantes operári-os de diversas origens unindo-se sob o terreno de independência de classe. Os militantes da 4ª Internacional empenham todas as suas forças na construção deste partido, convencidos de que é nesta via que se pode construir o partido revolucionário necessário à classe operária, convencidos de que é preciso fazer tudo para – em igualdade de direitos e deveres com todos os outros militantes e componentes do Partido Operário Independente – ajudar à sua consoli-dação e à sua organização, implantando-o no seio dos combatentes da classe operária e das suas lutas.

Portanto, a Secção Francesa da 4ª Internacio-nal prepara o seu 47º Congresso em condições marcadas pelo passo em frente na concretiza-ção prática do combate da 4ª Internacional que representa a construção do Partido Operário

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Independente, em condições que, em França, mas como consequência e componente dos de-senvolvimentos mundiais, desembocaram na criação imediata de uma situação de crise pré-revolucionária, em transição para uma crise revolucionária aberta, enquanto todas as forças políticas ligadas à ordem burguesa agem no sen-tido de um desenlace contra-revolucionário.

O Partido Operário Independente, nome-adamente pela campanha que desenvolve pela frente única, pela proibição dos despedimen-tos, está no coração desta batalha, que é um ele-mento central da preparação do 47º Congresso da Secção Francesa da 4ª Internacional.

A direcção da 4ª Internacional adoptou, em abril de 2009, um texto que foi publicado inte-gralmente num boletim de discussão interno e que constitui o ponto de partida da discussão que iremos ter no 47º Congresso.

Foi decidido reproduzir grandes extractos deste boletim neste número de “A Verdade”, porque é evidente que os problemas que estão a ser discutidos na Secção Francesa da 4ª Inter-nacional são, fundamentalmente, os mesmos que estão colocados a toda a Internacional. E também porque – como explica a Carta de Con-vocação do 7º Congresso Mundial da 4ª Inter-nacional (1) – os problemas em discussão no seio da 4ª Internacional são os mesmos que estão no centro dos debates realizados em todo o movi-mento operário.

1 – “A 4ª Internacional convoca o seu 7º Congresso mundial” (“A Verdade”, nº 63, outubro de 2008).

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Secção Francesa da 4ª Internacional

PRIMEIRA PARTE

análise da situação actual e as tarefas da secção

francesa da 4ª Internacional1. Não se deixar surpreender pelos acontecimentos...

Um período de 60 anos ter-mina. Um período bastante maior do que os 20 anos que separaram as duas precedentes guerras mundiais, e que nos leva à beira de uma crise comparável àquelas que provocaram estas duas tragédias.

É verdade que este período não é o período de estabilidade e harmonia de que nos querem convencer, agora que estamos no início de um novo cataclis-mo. A luta de classes nunca pa-rou. E o mundo nunca conheceu a paz, desde que terminaram os últimos combates da 2ª Guerra Mundial – a “Guerra Fria”, a Guerra da Coreia, as guerras de emancipação colonial, a Guerra do Vietname, as “guerras étni-cas” em África, a guerra sem fim contra o povo palestiniano, a

guerra nos Balcãs, no Cáucaso, a primeira e a segunda guerras no Iraque, a guerra no Afeganistão, no Paquistão etc.

Mas a parte ocidental do Vel-ho Continente dilacerada pela 2ª Guerra Mundial foi, contudo, re-inserida numa nova divisão inter-nacional do trabalho, no quadro das relações sociais de produção capitalistas preservadas (a que preço), sob o controlo e a di-recção incontestados do imperi-alismo dos Estados Unidos.

Foi a grandeza da vaga revo-lucionária que abalou toda a Eu-ropa que obrigou o imperialis-mo estadunidense a agir assim, para preservar a ordem capital-ista mundial. Uma vaga revo-lucionária que teve origem em França, em Itália, na Grécia… mas também na Europa Orien-tal (Polónia, Hungria, Checo-slováquia) e em todos os Balcãs. Uma vaga revolucionária que se

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desenvolveu no Leste na base do afundamento dos regimes que colaboraram com o nazismo e que foi espartilhada, controlada e depurada pela ocupação militar soviética no quadro da aplicação dos acordos de manutenção da ordem assinados em Yalta, para chegar à integração destes países na “barreira” das “democracias populares” controladas pela bu-rocracia estalinista.

A revolução que se desenvol-via foi sabotada pelos aparelhos estalinistas e sociais-democratas. Contudo, ela conseguiu arrancar conquistas sociais incompatíveis com o sistema da propriedade privada. É o caso, por exemplo, da Segurança Social em França, uma conquista que contribui para dar ao movimento sindical, responsável pela sua gestão – em nome da classe trabalhadora –, uma importância nas relações com a burguesia que resultaram desse facto; importância que não estava prevista nem era querida pela burguesia. Estas condições determinaram todas as relações sociais a partir de 1945. Desde o início, a burguesia, denunciando o carácter “totalitário” da Segu-rança Social, combateu para a

pôr em causa e, com a ajuda dos estalinistas, impôs a sua partici-pação na gestão da Segurança So-cial. A seguir, a burguesia nunca mais desistiu de querer destruir estas conquistas. O afrontamen-to que agora se agudiza, outra vez, em relação à Segurança So-cial – e por trás dela contra to-das as relações sociais fundadas sobre o reconhecimento da inde-pendência das organizações da classe operária – tende a abrir a via, cada vez mais claramente, a uma situação verdadeiramente revolucionária.

Neste período de sessenta anos que agora termina, o siste-ma capitalista foi várias vezes profundamente abalado.

Há perto de quarenta anos, os primeiros sinais do afunda-mento de todo o sistema mundi-al fundado sobre a propriedade privada dos meios de produção foram “travados” e “adiados” pelo recurso maciço à economia de armamentos e ao parasitis-mo, o que implica pôr em causa as conquistas operárias (desre-gulamentações etc.) (2).

Há vinte anos, a queda do Muro de Berlim – sob a acção

2 – “Luta de Classes e Mundialização”, por Daniel Gluckstein (edição em francês).

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das massas alemãs – e o afun-damento da URSS, cujos fun-damentos tinham sido minados pela burocracia estalinista (veja a este propósito a segunda parte do texto), modificaram profundamente o dispositivo de manutenção da ordem mundial.

O conjunto do sistema capi-talista está, de novo, à beira do abismo.

Está a terminar o período dos últimos sessenta anos, em que as relações sociais – apesar dos afrontamentos gigantescos en-tre as classes – foram contidas num quadro determinado, em primeiro lugar, em função do pa-pel decisivo desempenhado pelo aparelho internacional da buro-cracia estalinista do Kremlin e perfeitamente secundado pela social-democracia. Um quadro que assenta, em grande parte, na capacidade das direcções das organizações da classe trabalha-dora (em que os estalinistas e os reformistas ocupam cada um o seu papel) em preservar o siste-ma capitalista, necessitando para isso de gerir as conquistas da Libertação (após a 2ª Guerra Mundial) e de arrancar as con-trapartidas indispensáveis ao próprio equilíbrio do sistema.

Se estas contrapartidas (Se-

gurança Social, reformas, seguro de desemprego, Código do Tra-balho, estatutos…) têm sido, to-das, objecto de tentativas de as pôr em causa – tentativas cada vez mais violentas ao longo de dezenas de anos –, uma nova etapa está em vias de se iniciar. A crise de afundamento do sistema capitalista não deixa à burguesia, praticamente, nenhuma margem de manobra. E, apesar do pânico que essa perspectiva causa no seu seio, esta crise obriga-a a atacar em todas as frentes. Para tal, ela é obrigada a pôr totalmente em causa o lugar que era atribuído às organizações e às suas direcções nas antigas relações sociais. Rela-ções essas em que – sendo certo que os aparelhos conseguiram preservar o sistema – a pressão das massas organizadas nas suas organizações de classe pôde, con-tra as direcções, pelo preço de uma batalha sem fim no seu seio, travar a contra-ofensiva e ganhar tempo para se preparar para os novos confrontos inevitáveis.

É nestes combates perma-nentes (greve da Renault, greve geral de 1953, combate contra a tomada do poder por De Gaulle em 1958, combates contra os de-cretos que visavam a reforma da Segurança Social em 1967, greve geral de 1968, combate pelo du-

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plo “não” ao referendo corpora-tivista de De Gaulle em 1969…) que os pequenos núcleos trots-quistas de onde viemos – que fizeram as suas primeiras lutas na vaga revolucionária da Li-bertação – se inscreveram, se desenvolveram e se enraizaram nas organizações de classe.

Em França, em 1958, o bonapartismo gaullista em-penhou-se numa profunda re-organização do seu dispositivo – abalado pela perda do seu im-pério colonial, provocada pela mobilização dos povos coloni-ais visando a sua emancipação –, tentando pôr em causa todo o quadro das relações sociais estabelecidas no pós-guerra, para conseguir dar um passo na via da instauração de um siste-ma corporativista, ao qual De Gaulle, aliás, havia sido obrigado a renunciar em 1945. Face à re-sistência da classe operária, em-bora privada pelos seus aparel-hos dirigentes da possibilidade de impedir o golpe de Estado, De Gaulle foi obrigado a recuar. Ele não pôs em causa as grandes linhas do seu plano (instituições da Vª República), mas, para preservar as relações políticas indispensáveis à continuidade da colaboração dos aparelhos, em virtude da resistência da

classe, foi obrigado a renunciar a pôr em causa a independência das organizações e a preservar um “Parlamento” sem poderes.

Nenhuma corrente do movi-mento operário formulou, tão clara e firmemente como a nossa, o que estava em jogo na batalha em torno da questão do corporativismo e da inde-pendência de classe das or-ganizações. Face a De Gaulle – que tentava, de novo, após a greve geral de 1968, retomar o domínio da situação, submeten-do a referendo uma proposta de reorganização corporativista da sociedade em torno de uma “câ-mara das profissões” –, a nossa corrente ganhou, durante esses dez anos, uma influência den-tro das organizações de classe que ultrapassou as suas forças numéricas efectivas, tornando-a numa componente essencial para a defesa da independência de classe dessas organizações.

Seja na França, ou na Grã-Bretanha, ou na Alemanha…, sob formas políticas e institu-cionais diferentes, essa estreita colaboração entre as cúpulas do movimento operário e o Estado – cheio de tensões e de con-tradições – só pôde manter-se enquanto a produção, drastica-

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mente reestruturada em várias ocasiões, se manteve, ainda que num processo de declínio das forças produtivas, atingindo to-dos os países.

Mas hoje, é de outra coisa que se trata…

Todo o sistema produtivo “mantido” ou “reestruturado” e monstruosamente deformado pelo quadro oficialmente des-ignado por “mundialização” (3) – que corresponde aos últimos reajustamentos da divisão inter-nacional do trabalho, decididos pelo capital financeiro – se afun-da como um castelo de cartas, arrastado pelo desabar de todo o sistema financeiro, expressão do parasitismo de um modo de produção destruído pela queda da procura à escala do mercado mundial (veja a este propósito a Declaração do Comité Cen-tral da Organização Comunista Internacionalista, de agosto de 1971, que voltou a ser publicada na Verdade nº 58).

A sobrevivência (literal) de milhões de homens e de mul-heres, em França como em toda a Europa, pela primeira vez depois da 2ª Guerra Mundial,

depende exclusivamente da capacidade da classe operária em desenvolver, como nunca dantes, a sua luta de classe. Uma luta de classe que não poderá circunscrever-se ou ser espar-tilhada no quadro que “organi-zou”, umas vezes melhor, outras pior, as relações sociais do pós-guerra.

É neste sentido que é ne-cessário compreender que a se-lecção de centenas de quadros operários trotsquistas, forjados no decorrer destes anos, é chama-da a desempenhar, politicamente, um papel fundamental.

2. Todos os elementos convergem para con-duzir de uma situação de crise pré-revolucionária à abertura de uma crise revolucionária

(Aqui, o texto analisa o modo como a crise mundial desman-tela o dispositivo político supra-nacional da União Europeia e incide sobre o significado da re-união do G-20, questões às quais é consagrado um artigo neste número de “A VERDADE”).

3 – Mundialização: no Brasil, usa-se mais comumente a palavra “globalização” (NdE).

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3. A crise atinge todos os partidos e todas as formações políticas que se subordinaram (sob qualquer forma) às instituições da União Europeia, à defesa da propriedade privada dos meios de produção…

O lento processo de liqui-dação dos partidos, minados pela lógica implacável das instituições bonapartistas da Vª República e pela subordinação à União Europeia – o que põe em causa as posições da classe domi- nante francesa, as suas institui-ções e partidos –, está em vias de iniciar uma etapa decisiva.

Do lado dos partidos da bur-guesia, o partido “militar” por excelência (para fazer referência ao termo utilizado para quali-ficar um deputado que segue, sem discutir, as directivas de voto do seu partido; neste caso, um partido que obedece ao go-verno sem discutir; De Gaulle era fã deste termo para designar o seu próprio grupo político), organizado exclusivamente para servir à política do presidente bonapartista, está cada vez mais dilacerado pelo impasse no qual Sarkozy se afunda.

Não se tratando de um fenó-meno novo, toma agora uma amplitude nova.

O descrédito que toca o presi-dente – o mais omnipresente e omnipotente que a Vª República já conheceu – paralisa as che-fias. A sua incapacidade em in-fluenciar os acontecimentos que destroem os próprios alicerces da existência deste país vira-se con-tra ele e abre a porta a grandes ambições de uns e de outros.

“À esquerda”, o PS – já há décadas privado da sua vocação de partido parlamentar, pela Constituição da Vª República, e, depois, pela subordinação destas instituições às decisões da União Europeia – não consegue recuperar do golpe crucial que lhe foi desferido pela política de Jospin. De crise em crise, entrou num processo de destruição, no qual o abandono de Mélenchon e do seu Partido de Esquerda não representa senão uma primeira manifestação (uma outra mani-festação, fundamental, é a tra-jectória de Ségolène Royal, com o seu clube, a sua autonomia fi-nanceira etc.).

O Partido de Esquerda (PE) escolheu as eleições europeias do próximo dia 7 de junho para

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o seu lançamento. Decidiu uti-lizar todas as suas forças numa “frente de esquerda” com o PCF para tentar salvar a União Eu-ropeia e as suas instituições, em nome do combate para a construção de uma Europa so-cial apoiada, politicamente, no Parlamento Europeu, e, social-mente, na acção da Confedera-ção Europeia dos Sindicatos. O desmantelamento da União Eu-ropeia e a revelação clara da sua verdadeira natureza – exclusi-vamente orientada para a defesa dos banqueiros e dos especula-dores – ameaçam gravemente a tentativa de Mélenchon e dos seus amigos (4).

O PCF, marginalizado pela sua política de subordinação à ordem mundial materializada na União da Esquerda e utiliza-do por Mitterrand, desconsid-erado pela sua participação no governo de União da Esquerda e atingido, há vinte anos, pela queda da burocracia estalinista do Kremlin, não para de se des-fazer, apesar de todas as tentati-vas para se manter. M.-G. Buffet,

que escolheu a “frente de esquer-da” com Mélenchon, não con-segue conter nem os processos de desagregação, nem de dife-renciação, testemunhados por exemplo pela iniciativa de André Gérin, presidente da Câmara de Vénissieux, que recentemente se insurgia – nas colunas do jornal “L’Humanité”(5) – contra a liq-uidação do Partido Comunista, decorrente, para ele, da recusa da direcção do PCF em romper com a União Europeia.

Se este processo de desman-telamento e de atomização dos grandes partidos tradicionais que se reclamam da classe operária e dos seus valores (mesmo se isto não se exprime, para todos eles, senão por referências cada vez mais longínquas) esconde qualquer perspectiva imediata de iniciativa política visando a tomada do poder por um bloco destes partidos – o que constitui um trunfo essencial para o par-tido que está no poder –, tam-bém coloca um problema.

Perante a formidável desa-fectação em relação aos partidos

4 – O Partido de Esquerda é uma formação nascida de certos elementos do Par-tido Socialista que fizeram uma aliança eleitoral com o PCF, com a sigla “frente de esquerda”

5 – “L’Humanité” – jornal do Partido Comunista Francês.

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tradicionais da classe operária – numa situação que vai conhecer um potente desenvolvimento na luta de classes, criando um es-paço propício à construção de um verdadeiro partido operário independente –, o sistema capi-talista tem necessidade, custe o que custar, de organizar uma “alternativa”.

É aqui que intervém o NPA. A mediatização que antecedeu o seu lançamento não tem prec-edentes e ultrapassa desde já a de Le Pen, empreendida por Mitterrand no seu tempo, com um objectivo simetricamente oposto.

Relembremos o que es-crevemos “na abertura do 7º Congresso Mundial da 4ª Inter-nacional”, texto adoptado pelo Conselho Geral em outubro de 2008:

“As organizações do Sec-retariado Unificado ocu-pam um novo lugar. Dora-vante, elas constituem um obstáculo directo à luta de classes e à revolução prole-tária. Neste sentido, não se pode falar mais em centris-mo reaccionário. Este novo lugar do pablismo resulta de uma combinação de fac-

tores: os aparelhos tradicio-nais estão em crise e veem diminuída a sua influência sobre a classe operária; mas, na medida em que a questão da independência da classe operária é colo-cada com força por todos os processos vivos da luta internacional de classes, e também na medida em que as forças da 4ª Internacio-nal (quaisquer que sejam os seus limites) são levadas a desempenhar um papel fundamental para ajudar à preservação da independên-cia de classe das organiza-ções operárias, e, por este facto, no reagrupamento político sobre um novo eixo – por todas estas razões, o imperialismo tem neces-sidade imperiosa em erigir o Secretariado Unificado como pretensa 4ª Interna-cional, directamente ao ser-viço da contra-revolução.

(…) Em França, a opera-ção ‘NPA’ de Besancenot foi desde o início servilmente decalcada, à medida em que o tempo decorria, em rela-ção à construção do Parti-do Operário Independente. Em cada etapa, as iniciati-vas tomadas para construir

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um Partido Operário Inde-pendente têm a sua contra-partida na operação ‘NPA’. Mas a operação ‘NPA’ situa-se explicitamente no quadro do respeito pelas instituições da União Euro-peia, ao passo que o Parti-do Operário Independente se pronuncia pela ruptura; enquanto o ‘NPA’ está ex-plicitamente no terreno da atomização das organiza-ções operárias, o Partido Operário Independente pronuncia-se pela sua de- fesa; enquanto o ‘NPA’ agiu explicitamente para a di-visão das fileiras operárias, o Partido Operário Inde-pendente combate pela frente única. E é por isso que o ‘NPA’ beneficia do suporte aberto, público e directo da Presidência da República e dos media ao seu serviço, ao passo que o Partido Operário Indepen-dente, por razões eviden-tes, é objecto da hostilidade e do ostracismo que todos conhecem.”

A profissão de fé – centos de vezes repisada pela direcção pablista contra-revolucionária (indo até ao fim da sua linha de orientação) – de “ruptura com

o velho movimento operário e a sua história” forneceu o quadro de actividade deste “partido”, que se virou, portanto, com toda a lógica, para um vasto amontoa-do da “radicalidade”, juntando partidos, sindicatos, associações e ONGs numa frente “político-societal” centrada sobre a repar-tição da riqueza, o meio ambien-te e a Europa social.

4. O dilaceramento das direcções das confederações sindicais

Se é evidente que as direcções das confederações se esforçam – cada uma ocupando o seu lugar, mas com Bernard Thibault e a direcção da CGT a desempenha-rem o papel central – por “gerir, ao longo do tempo, a avalanche geral” (“Le Monde”, 14 de março), a sua estratégia está a mostrar-se, mais uma vez, mais difícil do que elas imaginavam. Tal como aconteceu em 1995, e depois em 2003…, os dois últimos apelos a uma jornada inter-profissional – com greves e manifestações – dos passados dias 29 de janeiro e 29 de março, longe de terem conseguido acalmar os ânimos, foram aproveitados pela classe operária para se erguer, com as suas organizações, e exprimir a

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vontade ultra-maioritária de en-contrar os meios para fazer ceder este governo.

No momento em que estamos a escrever este artigo, não é per-ceptível nenhum refluxo. E daí a hesitação das direcções sindicais em anunciar o seguimento da acção, imediatamente após a de 19 de março, e o adiamento de qualquer decisão clara para 31 de março. É a aspiração da classe trabalhadora em tomar em mãos as suas organizações, e em pressi-onar as suas direcções, que cons- titui o aspecto dominante nesta primeira fase da gigantesca mo-bilização que está a amadurecer.

Isto constitui a verificação incontestável de uma das leis fundamentais do desenvolvim-ento da luta de classes, oportu-namente recordada por Leon Trotsky no capítulo do Programa de Transição dedicado aos “sin-dicatos na época de transição”.

Se, de novo, não existem dú-vidas de que todas as direcções – angustiadas pelo cataclismo em que a crise mergulha toda a sociedade – vão tentar tudo para conseguir defender o sistema da propriedade privada dos meios de produção, também é verdade que elas não podem desempe-

nhar o seu papel se não conserva-rem a sua capacidade para canali-zarem as massas trabalhadoras.

É este o cerne do problema.

E dizer que nesta altura os aparelhos não têm poder para fazer recuar as massas, de forma duradoura, não quer dizer que será sempre assim. A História está cheia de exemplos nos quais, depois do apogeu de um movi-mento, a sabotagem, ou mesmo uma “indeterminação” criminosa das direcções, podem provocar o desmoronamento da mobilização. É por isso que nunca devemos esquecer o laço estreito que existe entre a abertura de uma crise revolucionária e o apare-cimento, conjunto e inevitável, da ameaça contra-revolucionária.

Mas actualmente não estamos numa tal situação. As forças da classe trabalhadora continuam a acumular-se. As direcções são obrigadas, face à pressão, de ter isso em conta. Elas são obriga-das a mostrar que desposam, até certo ponto, as aspirações da classe. Mas ao fazê-lo, são elas próprias que abrem brechas – em contradição com as exigências de uma política rigorosa de “gerir, ao longo do tempo, a avalanche ge-ral”. Brechas que podem per-

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mitir a constituição de canais da expressão de resistências no próprio seio dessas organizações.

Tudo continua em aberto. As massas puseram-se em movi-mento e os aparelhos não renun-ciaram em fazê-las recuar. Eles fazem tudo para fechar as saídas às massas. É preciso ter sempre em mente que qualquer situa-ção revolucionária encerra, em simultâneo, a marcha para a re-volução e o amadurecimento da contra-revolução.

É aqui que nós intervimos. É aqui que o papel do partido em construção – e, portanto, neste quadro, da corrente trots-quista do partido – assume uma importância decisiva. O nosso papel é tirar as lições dos acon-tecimentos, dia a dia, junto com a vanguarda que se constitui no próprio seio do movimento operário, consolidar os pólos de resistência à integração das orga-nizações operárias e inscrever o combate na perspectiva de abrir uma saída política para a crise do sistema capitalista (…).

Está a terminar um período de sessenta anos – dizíamos nós no início deste texto – e, com ele, termina o conjunto das relações sociais estabelecidas depois da 2ª

Guerra Mundial, incluindo o lugar dos sindicatos e o papel que ca-bia às suas direcções: fazer deles instrumentos encarregados de dis-ciplinar a luta de classes, no quadro estreito imposto pela preservação do sistema capitalista.

Actualmente, é necessário que o Estado ponha em questão o pa-pel de representação reconhecida da classe trabalhadora e dos seus interesses específicos, concedido às organizações sindicais. Mas o formidável desenvolvimento da luta de classes está em con-tradição com o processo iniciado de negação do papel destas orga-nizações sindicais independentes e adia o seu desenlace, sem con-tudo interromper completamente esse processo. Os militantes da nossa corrente aprenderam a agir neste contexto – evitando fazer uma política de denúncia esté-ril, que só serviria, no final das contas, para reforçar as posições dos aparelhos –, numa situação em que a massa dos militantes e dos quadros procura definir uma táctica de derrotar os ataques do governo e, ao mesmo tempo, preservar as suas organizações para poder usá-las (…).

Trotsky alerta-nos para o carácter instável deste período histórico e as suas bruscas vira-

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gens, e incita-nos no Programa de Transição a saber distinguir entre as diferentes etapas do movimento. Como trotsquistas, é preciso que respeitemos escru-pulosamente esta indicação.

É esta a condição para que possamos ajudar os camaradas com que combatemos em con-junto no POI a assimilar – co-nosco, passo a passo e pela livre discussão – as principais con-clusões teóricas tiradas da ex-periência prática do combate operário entre a 1ª e a 2ª guerras mundiais, que estão enunciadas no Programa de Transição.

Trotsky enuncia, com precisão, a linha que devemos seguir:

“Actualmente, na luta pelas reivindicações par-ciais e transitórias, os operários têm necessidade, mais ainda do que dantes, de organizações de massa – primeiro que tudo de sindicatos (…). (Os bolche-viques-leninistas) militam de forma activa na vida dos sindicatos de massa, visan-do reforçá-los e desenvolver o seu espírito de luta; eles lutam implacavelmente contra qualquer tentativa de submeter os sindicatos ao Estado burguês e de am-

arrar o proletariado à ‘ar-bitragem obrigatória’.”

E ele acrescenta:

“É somente com base neste trabalho que é possí-vel lutar com sucesso, no in-terior dos sindicatos, contra a burocracia reformista, e, em particular, contra a bu-rocracia estalinista. As ten-tativas sectárias de edificar – ou de manter – pequenos sindicatos ‘revolucionári-os’, como uma segunda edição do partido, signifi-cam, de facto, a renúncia à luta pela direcção da classe operária.”

(Aqui, o texto prossegue com a análise de um certo número de episódios recentes da luta de classes, apoiando-se em par-ticular sobre as resoluções e as cartas da direcção da secção francesa dirigidas aos militan-tes.) (...)

7. A actualidade do Programa de Transição e o papel da palavra de ordem de proibição dos despedimentos

A profunda destabilização, que analisámos dia após dia,

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provocada pela resistência da classe trabalhadora, tanto no dispositivo dos aparelhos como na política do governo (ainda agravada pelo desmantelamen-to da União Europeia) – e que já se manifestou numa série de recuos importantes, no final de 2008 e no início de 2009, no ensino, no trabalho ao domin-go, e inclusive em relação ao tratamento das conclusões da Comissão Balladur… – coloca a questão escaldante da saída política, que todos os partidos políticos recusam abordar.

“É daqui que resulta o papel fundamental da nos-sa campanha para a orga-nização da marcha unida pela proibição dos despedi-mentos” – escrevemos nós na resolução da direcção nacional de 14 de março.

“A palavra de ordem de proibição dos despedimen-tos – repetimo-lo – está no centro do programa de reivindicações transitórias da 4ª Internacional. É este o fio através do qual se irá colocar às massas, num fu-turo próximo, a questão do governo e da sua natureza (governo operário e cam-ponês, ligado ao combate

pela ruptura com a União Europeia e pela convocação de uma Assembleia Consti-tuinte soberana).”

E, neste momento da nossa resolução, nós citámos nova-mente o Programa de Tran-sição:

“O programa socialista da expropriação, ou seja, do derrube político da bur-guesia e da liquidação da sua dominação económica, não deve em nenhum caso impedir de reivindicar, no presente período de tran-sição e quando a ocasião o oferece, a expropriação de certos ramos da indústria de entre os mais impor-tantes para a existência na-cional ou de certos grupos da burguesia de entre os mais parasitários (…).

A necessidade de lançar a palavra de ordem da expro-priação na agitação quoti-diana – por conseguinte, de uma maneira fraccionada, e não somente de um ponto de vista propagandista, sob a sua forma geral – parte do facto que os diversos ra-mos da indústria se encon-tram em diversos níveis de desenvolvimento, ocupam

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lugares diferentes na vida da sociedade e passam por diversos estádios da luta de classes. Sozinha, a ascen-são revolucionária geral do proletariado pode colocar na ordem do dia a expropri-ação geral da burguesia. O objecto das reivindicações transitórias é preparar o proletariado para resolver este problema.”

E o Programa de Transição prossegue, a propósito da luta contra o desemprego:

“Em particular, a luta contra o desemprego é in-concebível sem uma larga e ousada organização de grandes trabalhos públi-cos. Mas os grandes tra-balhos não podem ter uma importância durável e progressista – tanto para a sociedade como para os próprios desempregados – sem que eles façam parte de um plano geral, concebido para um certo número de anos. No quadro de um tal plano, os operários reivin-dicarão a retoma do tra-balho, à conta da sociedade, nas empresas privadas fechadas no seguimento da crise. O controlo operário

dará lugar, nestes casos, a uma administração directa pelos operários.”

A Resolução da Direcção Na-cional de 14 de março diz ainda:

“A urgência da questão da proibição dos despedi-mentos para o conjunto das massas trabalhadoras faz com que a nossa pala-vra de ordem encontre um eco extraordinário, muito para além da nossa super-fície habitual.

O facto de que o PCF nos tenha recebido indica até que ponto esta palavra de ordem está em vias de ser agarrada pela sua própria base.

É preciso amplificar e ge-neralizar aquilo que, no mo-mento em que escrevemos, já foi feito num número consi-derável de departamentos, e envolver-se, em cada locali-dade, na construção efecti-va de comités pela marcha unida que tomem – sem esperar – as iniciativas que se imponham, e, sobretudo, não esperar pela autoriza-ção das instâncias locais dos partidos aos quais nós nos dirigimos.”

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Poderemos nós ritmar a discussão preparatória do 47º Congresso pela discussão sobre os passos dados nesse sentido, os obstáculos encontrados e os problemas de orientação levan-tados na construção desses co-mités? A implementação dess-es órgãos de combate político pela marcha unida, largamente abertos (e não cartéis da orga-nização), constitui, com efeito, o melhor trampolim para o reforço dos comités locais do POI.

8. A questão da direcção revolucionária…

Polemizando com aqueles que, entre os militantes da 4ª Interna-cional, responsabilizavam a “não-maturidade” do proletariado pelo esmagamento do levantamento operário de Barcelona, em 1937 – viragem maior na revolução espanhola –, Trotsky responde a uma questão que não pode deixar de surgir na situação actual:

“O que significa a ‘não-maturação’ do proletari-ado? (…) Este modelo de so-fisma procede do conceito de maturidade absoluta, quer dizer, uma condição de perfeição das massas na qual elas não têm nenhuma necessidade de uma di-

recção e, melhor ainda, são capazes de vencer contra a sua própria direcção. Ora, uma tal maturidade não existe e não pode existir.

‘Mas por que é que os operários, que mostram um instinto revolucionário tão seguro e, neste ponto, aptidões superiores no combate, se iriam submeter a uma direcção traidora?’– objectam os nossos sábios. Nós responderemos que não há o mínimo traço de uma tal submissão. A linha de combate seguida pelos operários cortava, a todo o momento, sob um certo ângulo, a da direcção, e, nos momentos mais críticos, este ângulo era de 180º. A direcção, então, directa ou indirectamente, ajudava a submeter os operários pela força das armas (…).

A direcção não é, de modo nenhum, um ‘simples reflexo’ de uma classe ou o produto da sua própria potência criativa. Uma di-recção constitui-se através de choques entre as diferen-tes classes ou de fricções en-tre as diferentes camadas no seio de uma dada classe.

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Mas, após a sua constitu-ição, uma direcção eleva-se inevitavelmente acima da sua classe e arrisca-se, por isso, a ceder à pressão e à influência das outras class-es. O proletariado pode ‘tolerar’, durante muito tempo, uma direcção que já sofreu uma total dege-nerescência interior, mas que não teve a ocasião de se manifestar no decurso de grandes acontecimentos. É necessário um grande choque histórico para reve-lar, de maneira aguda, a contradição que existe entre a direcção e a classe. Os choques históricos mais potentes são as guerras e as revoluções. É precisa-mente por esta razão que a classe operária é frequent-emente apanhada despre-venida pela guerra e pela revolução. Mas, mesmo quando a antiga direcção revelou a sua própria cor-rupção interna, a classe não pode improvisar imediata-mente uma direcção nova, sobretudo se ela não herdou do período precedente quad-ros revolucionários sólidos e capazes de tirar proveito do afundamento do velho par-tido dirigente (…).”

Juntando toda a experiência que foi a sua na Revolução Rus-sa, Trotsky responde à questão de saber:

“Como se efectuou a maturação dos operários russos.

(…) Seria possível, por volta de janeiro de 1917, ou mesmo de março, depois do derrube do czarismo, responder à questão de sa-ber se o proletariado russo estava suficientemente ‘maduro’ para conquistar o poder daí a oito ou nove meses? A classe operária era, nesse momento, ex-tremamente heterogénea, social e politicamente. Du-rante os anos da guerra, ela tinha sido renovada a 30% ou 40%, a partir de camadas da pequena bur-guesia, frequentemente reaccionária, à custa de camponeses atrasados, à custa das mulheres e dos jovens. O Partido Bolche-vique não foi seguido, em março de 1917, senão por uma insignificante minoria da classe operária, e, para além disso, a discórdia re-inava no seu seio. Uma esmagadora maioria dos

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operários suportavam os mencheviques e os ‘social-istas-revolucionários’, quer dizer os social-patriotas conservadores. A situação era ainda menos favorável no exército e no campes-inato. Resta ainda mencio-nar o nível cultural geral-mente baixo do país, a falta de experiência política de grandes camadas do pro-letariado, particularmente nas províncias, para já não falar dos camponeses e dos soldados.

Qual era o activo do bolchevismo? Somente Le-nine possuía uma concep-ção revolucionária clara, elaborada até aos mínimos detalhes, no início da rev-olução. Os quadros russos do Partido estavam disper-sos e bastante desorienta-dos. Mas o Partido tinha au-toridade sobre os operários avançados, e Lenine tinha uma grande autoridade so-bre os quadros do Partido. A sua concepção política correspondia ao desen-volvimento real da situa-ção, e ele ajustava-a a cada acontecimento novo. Estes elementos positivos provo-caram maravilhas numa

situação revolucionária, ou seja, nas condições de uma luta de classe encarniçada. O Partido alinhou rapida-mente a sua política até fazê-la responder à concep-ção de Lenine, ou seja, ao decurso verdadeiro da re-volução. Graças a isso, ele encontrava um forte apoio em dezenas de milhares de trabalhadores avançados. Nalguns meses, fundando-se sobre o desenvolvimento da revolução, o Partido foi capaz de convencer a maio-ria dos trabalhadores sobre a justeza das suas palavras de ordem. Esta maioria, organizada nos sovietes, foi, por sua vez, capaz de atrair os operários e os campone-ses. Como é que este de-senvolvimento dinâmico e dialéctico poderá ser re-duzido à fórmula de ‘ma-turidade’ ou ‘imaturidade’ do proletariado? Um fac-tor colossal da maturidade do proletariado russo, em fevereiro de 1917, era Le-nine. Ele não caiu do céu. Ele incarnava a tradição revolucionária da classe operária. Mas, para que as palavras de Lenine pudes-sem encontrar o caminho das massas, era necessária

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a existência de quadros, por mais fracos que eles fossem no início; era necessário que estes quadros tivessem confiança na sua direcção, uma confiança fundada sobre a experiência do pas-sado. Não considerar estes elementos nos seus cálcu-los, é pura e simplesmente ignorar a revolução viva, substituí-la por uma ab-stracção – ‘a relação de forças’ – porque a evolução das forças não cessa de se modificar rapidamente, devido ao facto que as ca-madas avançadas persua-dem as mais atrasadas e que a classe toma confiança nas suas próprias forças. O elemento principal, vital, deste processo, é o Partido, da mesma maneira que o elemento principal e vital do Partido é a sua direcção. O papel e a responsabi-lidade da direcção, numa época revolucionária, têm uma importância colossal.”

É difícil resumir, de forma mais concisa, toda a contribuição do bolchevismo para o combate emancipador do proletariado. É difícil formular, de forma mais acessível (por pouco que seja dada a tradução concreta para o momento actual), o lugar da nossa corrente para toda a cama-da de militantes operários que fazem, actualmente, a experiên-cia de construção do Partido Operário Independente, numa situação que pode sofrer acelera-ções bruscas.

Nenhuma “exterioridade” da nossa parte em relação aos pro-cessos concretos da luta de class-es, nem nenhum “fetichismo leninista” – de que nos acusam, muitas das vezes, os nossos ini-migos –, mas sim a exposição de um método, que devemos as-similar o melhor possível, a fim de ajudar a agregar todas as for-ças que se disponibilizam para a construção do partido revolu-cionário, de que o POI constitui a forma actual.

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SEGUNDA PARTE

Voltar aos fundamentos teóricos da questão da transição na construção do partido para

abordar os problemas actuais

O último congresso da Cor-rente Comunista Internacio-nalista (46º Congresso da CCI – Secção Francesa da 4ª Inter-nacional, realizado em março de 2008) comprometeu a nossa organização na preparação do

congresso constitutivo do Par-tido Operário Independente. Esta orientação inscreve-se na colocação em marcha daquilo a que chamámos a orientação de transição na construção do partido. Antes de desenvolver as

Como já foi relembrado anteriormente, as reflexões e propostas submetidas nas notas que abrem a discussão preparatória do 47º Congres-so da Secção Francesa da 4ª Internacional são, tal como os primeiros passos práticos registra-dos na construção do POI, o produto da elabo-ração colectiva da 4ª Internacional e da secção francesa quanto à definição da nossa orientação de transição desde a emenda de 1948, em rela-ção com os desenvolvimentos políticos e a luta de classes desde há décadas, os resultados e dificul-dades que nós ali registravámos…; esta elabora-ção esteve particularmente no centro dos 14º, 17º e 18º congressos. É o objecto desta segunda parte voltar a este assunto em detalhe.

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condições particulares desta apli-cação da transição na construção do partido às condições de 2009, é-nos necessário voltar aos fun-damentos desta orientação.

O 47º Congresso deve, por-tanto, pôr no seu centro a neces-sidade de dar um passo em frente na modificação das relações da secção francesa com as massas.

É indispensável precisar: não haverá partido revolucionário antes da revolução, mas é pre-ciso construir um partido revo-lucionário antes da revolução.

Como explica Leon Trotsky:

“É preciso um grande choque histórico para pôr em relevo de forma con-tundente a contradição que existe entre a direcção e a classe. Os choques históri-cos mais poderosos são as guerras e as revoluções. É precisamente por esta razão que a classe operária se encontra muitas vezes apanhada desprevenida pela guerra e pela revo-lução.

Mas até mesmo quando a antiga direcção revelou a sua própria corrupção interna, a classe não pode

improvisar imediatamente uma direcção nova, se ela não herdou do período precedente quadros revo-lucionários sólidos capazes de aproveitar o desabar do velho partido dirigente.”

O partido revolucionário não surgirá automaticamente da crise do movimento operário, segundo o princípio dos vasos comunicantes. É preciso, para construir este partido, organizar uma larga linha da frente, mas isto é apenas a linha da frente.

Leon Trotsky precisa:

“É certo que, no decurso de uma revolução, quer diz-er, quando os acontecimen-tos se sucedem a um ritmo acelerado, um partido fraco pode rapidamente tornar-se um partido poderoso, apenas na condição que ele compreenda lucidamente o curso da revolução e pos-sua quadros experimenta-dos que não se deixem em-briagar pelas palavras nem aterrorizar pela repressão. Mas é preciso que um tal partido exista muito antes da revolução, na medida em que o processo de for-mação dos quadros exige

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demora considerável a que a revolução não dá tempo.”

Nas condições actuais, a nos-sa orientação de “a 4ª Interna-cional constrói-se na linha da transição” não depende de uma táctica circunstancial (“depenar as aves”), mas sim, através do combate para construir o POI, do avanço na via de um partido operário independente – certa-mente “minoritário”, mas soli-damente implantado – numa orientação de frente única para ajudar o proletariado a ultrapas-sar os obstáculos à sua própria luta de classes emancipadora, e, assim, modificar as relações en-tre a 4ª Internacional e as mas-sas antes de abordar a crise revo-lucionária que está para vir.

I. Foi no congresso da Secção Francesa (então PCI), em 1948, que se apre-sentou pela primeira vez uma emenda que dizia em substância:

“Se, para os trotsquistas, é indiscutível que o ‘pro-grama’ da 4ª Internacional é o único programa sobre o qual se pode construir o partido revolucionário, sobre o qual pode ser cons-truído o partido mundial

da revolução socialista em França, não está provado que este partido, de que a classe operária tem necess-idade para vencer, se cons-truirá no quadro formal que representa hoje o PCI.”

Esta emenda de 1948 (que foi então rejeitada) inscrevia-se ela própria no prolongamento do Programa de Transição, pro-grama de fundação da 4ª Inter-nacional, redigido e adoptado dez anos mais cedo. Recordem-os que o Programa de Transição caracteriza, por um lado, a crise da humanidade como a crise da direcção revolucionária do pro-letariado, fixando à 4ª Interna-cional a tarefa estratégica de re-solver esta crise de direcção; e, por outro lado, como o seu nome o indica, este Programa de Tran-sição formula toda uma série de reivindicações transitórias, cada uma delas devendo ajudar as massas a progredir na sua mo-bilização e a colocar, em relação com o seu estado de espírito e a sua consciência (e também com as suas ilusões, em parti-cular a sua confiança nas velhas direcções), invariavelmente, a questão do poder.

Eis a razão por que o Pro-grama de Transição concede

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um lugar central à orientação da frente única, directamente inspi-rada (generalizando-a) na mar-cha da Revolução Russa: a todos os partidos e organizações que se reclamam da classe operária, a 4ª Internacional lança a acusa-ção capital de que eles não se querem separar do semi-cadáver político da burguesia; de todos estes partidos, ela exige que deem um passo na via da ruptura com a burguesia; a 4ª Internacional trará – sem renunciar à defesa independente do seu programa – um apoio incondicional a todo o passo em frente. De uma certa forma, os elementos de orienta-ção de transição aplicada à con-strução do partido estavam ins-critos em filigrana no Programa de Transição, se bem que Trotsky tenha respondido negativamente à questão colocada: a orienta-ção de transição aplica-se à con-strução do partido? Portanto, dez anos mais tarde – tendo em

conta a maneira como o impulso revolucionário das massas con-tido a seguir à 2ª Guerra Mundial tinha imposto os maiores recuos à classe capitalista à escala mun-dial, sem que, por via da política dos aparelhos, o seu poder tenha sido derrubado nos países capi-talistas mais industrializados da Europa; tirando lições do facto de que os aparelhos (em particular o aparelho estalinista) tenham saí-do reforçados (se bem que inca-pazes de abrir uma qualquer per-spectiva histórica) na sequência da 2ª Guerra Mundial – a emen-da de 1948 procurou prolongar a reflexão sobre a transição, sobre o plano da construção do partido(6).

A emenda de 1948, tal como a elaboração que a partir dela foi feita pela Secção Francesa – em particular, do 14º ao 17º Con-gressos –, representa o ponto mais elevado da elaboração feita, a este respeito, no período que se seguiu à 2ª Guerra Mundial.

6 – Nessa época, o PCI estava atravessado por uma crise expressa pela oposição entre uma corrente cuja política a levaria ao abandono da 4ª Internacional – e que defendia um agrupamento alargado – e uma outra corrente que, formalmente, se apoiava sobre a necessidade de manter a 4ª Internacional, ao mesmo tempo em que se contentava com um enquistamento sectário. A emenda – que introduzia a noção da transição na construção do partido revolucionário – indicava, de forma concreta, como é que a defesa indispensável da 4ª Internacional e do seu pro-grama só podiam encarnar-se numa política permitindo o desenvolvimento efectivo da Secção Francesa da 4ª Internacional. O autor dessa emenda foi o camarada Pierre Lambert.

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Mas a necessidade de tran-sição na construção do partido revolucionário e da 4ª Internacio-nal está presente no combate e na reflexão de Trotsky e dos militan-tes trotsquistas desde que se des-encadeou a acção para a constitu-ição de uma nova Internacional. A construção da 4ª Internacional é inseparável da reconstrução do movimento operário internacio-nal segundo um novo eixo.

O problema era, a cada momento – enquanto se con-struíam as organizações da 4ª Internacional –, ligá-las, asse-gurar a sua junção com as for-ças que tendiam a reunir-se em volta de um novo eixo.

II. Foi o 14º Congresso da Secção Francesa (1965) que, colocando na ordem do dia a passagem do grupo à organização, constituindo a Organização Comunista Internacionalista (a OCI), desenvolveu plenamente esta orientação.

Proclamando a constituição da OCI, o 14º Congresso con-siderava necessário que esta “se afirmasse politicamente”, o que passava pela

“homogeneização e a centralização políticas

da organização revolu-cionária” de maneira a que “ela fosse ao máximo dona dos seus objectivos e que ela exprimisse, em cada uma das fases pelas quais passasse o movimento da classe operária, a pers-pectiva unificadora do seu combate”.

Tratava-se, em particular, de

“lhe dar os meios para atacar a resistência dos aparelhos, a sua vontade de sabotar a realização da frente única operária, tão mais ferozmente quanto era sentida a necessidade dela cada dia um pouco mais claramente por milhares e milhares de trabalhadores”.

O 14º Congresso adoptou a linha estratégica da Liga Operária Revolucionária. Esta apoiava-se em dois termos de uma perspectiva. O primeiro era constituído pela correcção de 1948. O segundo pela com-preensão de que “a primeira etapa de toda a mobilização revolucionária passa sempre em parte pelas grandes orga-nizações tradicionais, mesmo numa situação soviética”.

“Os dois termos da

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nossa perspectiva tomam como ponto de partida que ‘a emancipação dos trab-alhadores será obra dos próprios trabalhadores’ e que, para assegurar por eles próprios a sua eman-cipação, é indispensável a mediação do partido. Por outras palavras, é no movimento da classe e para o exprimir em ter-mos de consciência que o partido revolucionário se constrói. Mas o movimen-to da classe é histórico, quer dizer, condicionado pela luta de classes; estes resultados – organizações, direitos, garantias – que fundamentam a classe en-quanto classe são domi-nados por aparelhos ao serviço da burguesia. O movimento da classe é o movimento total que leva consigo toda a herança do passado, com todas as suas determinações e estratifi-cações. O movimento da classe para se realizar – o que passa pela experiên-cia que ela própria faz, ajudada pela vanguarda – choca-se inevitavelmente com a política burguesa dos aparelhos. Mas estes

controlam a classe, porque controlam as organizações que a classe criou para a sua emancipação; a classe continua a ver – pelo me-nos na primeira etapa da mobilização revolucionária – essas organizações domi-nadas por aparelhos como instrumentos da sua eman-cipação. Mas os aparelhos controlam as organizações através dos militantes, quadros organizadores do combate operário, que conservam a confiança nas direcções tradicionais. É assim que um outro movimento se desenvolve, em parte dependendo, em parte contraditório com o movimento da classe: é o movimento dos militan-tes e quadros organiza-dores, sob o controlo dos aparelhos. O movimento destes militantes é contra-ditório. Aceitando seguir a direcção do aparelho, eles conduzem ao impasse o movimento da classe para a sua emancipação; mas, procurando permanecer fiéis à sua classe, esses mili-tantes entram em conflito com a política burguesa do aparelho. Os militantes

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e quadros organizadores – que querem ser fiéis aos interesses do proletariado – devem igualmente, aju-dados pela vanguarda, faz-er a sua própria experiên-cia. Formados na escola dos partidos tradicionais, estes militantes não podem de repente dar o salto até à vanguarda organizada com base no ‘programa’ da 4ª Internacional. A pers-pectiva da Liga Operária Revolucionária agarra os militantes e quadros orga-nizadores a partir da sua vontade de continuarem militantes fiéis à sua classe, portanto em oposição aos aparelhos burgueses. Ela representa uma formação de carácter transitório em direcção ao partido revolu-cionário, que assegura aos militantes a possibilidade, respeitando a democra-cia operária, de permane-cerem militantes ‘luta de classe’.”

III. Esta elaboração política prosseguiu após a Greve Geral de Maio de 1968, que se conjugou, à es-cala internacional, com o de-senvolvimento da revolução política na Checoslováquia e na

Polónia, enquanto que a inter-venção militar do imperialismo estadunidense se chocava com uma resistência crescente da ju-ventude e da classe operária nos próprios EUA. Em 1970, a bro-chura “Alguns Ensinamentos da Nossa História” tirava, como o seu nome indica, algumas conclusões sobre a história da Secção Francesa da 4ª Interna-cional, voltando em particular ao significado da orientação es-tratégica da Liga Operária Revo-lucionária. Em junho de 1971, o 17º Congresso da OCI adoptava teses que ligavam a perspectiva da Liga Operária Revolucionária à análise do período caracteri-zado como sendo marcado pela “iminência da revolução”. Nessa publicação pode ler-se:

“1. A crise de decom-posição do imperialismo atingiu um estádio em que tende a transformar-se em cada país, inclusive nos Es-tados Unidos, numa crise da dominação de classe de cada burguesia. Mas a crise de dominação de classe das burguesias de cada país converge na concentração dos problemas levantados por esta crise, nos princi-pais países do Ocidente e, em particular, na Europa,

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que se torna assim numa aposta do período da im-inência da revolução.

2. A crise conjunta da burocracia estalinista atingiu um limiar em que – depois de se ter expres-sado nos países do Leste, na China – o processo da marcha em frente da rev-olução política ameaça desencadear-se na própria União Soviética.

3. O imperialismo mun-dial – e particularmente o seu chefe de fila, o imperi-alismo estadunidense – e a burocracia do Kremlin, perfeitamente conscien-tes do que está em jogo de imediato na luta de classes internacional, tendem a unificar as suas forças e a sua política contra a revo-lução. Mas, ao contrário do que se passou em 1944 nos Acordos de Yalta, a buro-cracia de Moscovo já não está na situação em que – para conduzir a sua políti-ca contra-revolucionária de acordo com o imperiali-smo, utilizando a pressão revolucionária das massas – podia conservar uma ple-na autonomia. A revolução

política que se anuncia na União Soviética, bem como a firme vontade do imperi-alismo de não ceder à uti-lização da pressão da luta de classes internacional, conduzem a casta contra-revolucionária do Kremlin a aceitar que a direcção da luta contra-revolucionária seja confiada ao imperiali-smo dos Estados Unidos.

4. O proletariado inter-nacional e em cada país – apesar dos insucessos, dos quais nenhum teve um carácter decisivo – não somente conserva intacto o seu potencial de classe, mas é conduzido, em rela-ção com o aprofundamento das condições objectivas, a empenhar-se em combates cujo objectivo é directa-mente o poder.”

(O texto contem aqui longas citações de teses do 17º Con-gresso que retomam a questão da transição na construção do partido. O texto integral destas teses – em conjunto com a reso-lução política do 18º Congresso do OCI – foi reproduzido numa brochura publicada pela livraria Selio.)

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IV. O 18º Congresso (dezembro de 1972) pro-longa a elaboração iniciada pelo 17º Congresso. Numa situação marcada pela assinatura do Programa Comum (entre os dirigentes do Partido Socialista, do Partido Comunista e do par-tido burguês dos Radicais de Es-querda), o relatório preparatório ao 18º Congresso recorda:

“Nós somos, absoluta e incondicionalmente pela defesa das liberdades democráticas e pelo seu alargamento. Pronunci-amo-nos contra a ‘demo-cracia política’ (burgue-sa), porque sabemos que a manutenção do próprio domínio democrático da burguesia, na época do im-perialismo, é ‘a reacção em toda a linha’.”

O relatório preparatório cita Trotsky:

“Durante numerosas décadas, no interior da democracia burguesa, ser-vindo-se dela e lutando contra ela, os operários ed-ifica-ram as suas fortifica-ções, as suas bases, os seus lares de democracia prole-tária: sindicatos, partidos,

clubes de educação, orga-nizações desportivas, co-operativas etc. O proletari-ado pode chegar ao poder não nos quadros formais da democracia burguesa, mas somente pela via rev-olucionária. Isto está de-monstrado tanto pela teo-ria como pela experiência. Mas é precisamente para poder construir a via revo-lucionária que o proletari-ado tem necessidade das bases de apoio da democ-racia operária no interior do Estado burguês.”

E o relatório comenta:

“É assim que, em rela-ção com o seu estado de es-pírito, nós ajudaremos as massas – para que o apro-fundamento da democracia signifique a extensão das suas próprias liberdades, garantias e direitos con-tra a exploração – a com-preender, pela sua própria experiência, o conteúdo burguês do Programa (Co-mum) e a necessidade de pôr fim à dominação reac-cionária da burguesia (…).

Nós não adaptamos, em nenhum caso, a nossa

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política a uma política de manutenção de domínio da burguesia, mesmo sob uma forma democrática. Mas todo o marxismo nos en-sina que, até à instauração da ditadura do proletaria-do, a luta pelas liberdades democráticas é insepará-vel da luta para alargar as conquistas operárias e para a revolução.

Nós não faremos ne-nhuma concessão política aos aparelhos que defen-dem a dominação da bur-guesia contra a revolução, mas aceitaremos todos os compromissos que visem desenvolver as liberdades democráticas, sabendo que, na nossa época, a luta para as reivindicações democráticas não pode organizar-se senão contra todas as camadas da bur-guesia, todas perfeitamente conscientes do facto de que a sobrevivência do re-gime burguês – no quadro da crise irremediável do sistema da burguesia – é incompatível com o desen-volvimento da democracia política (burguesa).

É por isso que somente

a classe operária, organi-zando-se como classe, pode garantir as liberdades democráticas.”

Com base nestes princípios, o 18º Congresso da OCI devia re-sumir o lugar da estratégia da con-strução do partido revolucionário, segundo a perspectiva da Liga Operária Revolucionária (LOR), num certo número de pontos, de que citamos aqui os seguintes:

“1. A experiência das lu-tas revolucionárias demon-stra que o proletariado não aborda nunca o período directo da revolução com um partido revolucionário reconhecido como direcção. Nós analisámos com bas-tante detalhe, ao longo deste relatório, o conteúdo da conclusão que precisa-mos de tirar da experiência histórica: em todas as revo-luções, os primeiros con-frontos revolucionários re-forçam as velhas direcções.

2. É preciso ao proletari-ado, para vencer, um parti-do revolucionário dirigente unido com base no pro-grama da 4ª Internacional.

3. A OCI – ainda que con-struída com base no pro-

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grama da 4ª Internacional – não é o partido dirigente, para o qual ela combate.

4. Se os ritmos abertos pela situação dão à OCI todas as possibilidades de passar, rapidamente, da fase de grupo à de or-ganização, reconhecemos que a experiência das lu-tas revolucionárias que as massas devem fazer pelo seu próprio movimento, bem como a relação de for-ças – no interior da classe e da juventude, e entre os partidos e a OCI – não per-mitem à OCI pretender ser reconhecida como direcção no início do período dos confrontos revolucionári-os. Será necessário tempo. Os grandes abanões revo-lucionários, agitando a dominação dos partidos no movimento operário, abrindo directamente um período em que – se nós tivermos construído ante-cipadamente a organiza-ção comunista centraliza-da, que não será o partido dirigente – as possibi-lidades de construir efecti-vamente o partido revolu-cionário dirigente estarão abertas.

5. O período de iminên-cia da revolução, a crise internacional da burocra-cia estalinista e a nossa própria intervenção já criaram uma corrente po-tencial – no seio de uma camada de militantes con-trolada pelos partidos, bem como entre os jovens e os trabalhadores não orga-nizados – que tende a pôr em causa a política bur-guesa das velhas direcções, a um nível que já não é o da espontaneidade dos movi-mentos de massas.

6. Esta corrente potencial tenderá a organizar-se como uma corrente centrista.

7. O poder de contro-lo dos aparelhos sobre a classe, as ilusões desta cor-rente potencial na eficácia de uma política de pressão sobre as velhas direcções, o centrismo reaccionário organizado (…) e os seus aliados do esquerdismo de-composto (apontam) ainda para a passagem directa a uma organização centrista.

8. Se é indispensável medir a força potencial desta corrente – que não

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pode senão reforçar-se no decurso dos acontecimen-tos –, isto não quer dizer que não possamos canali-zar para nós uma larga fracção dessas camadas, dando assim duros golpes no centrismo reaccionário.

9. É aqui que se insere a perspectiva estratégica da Liga: um quadro de mili-tantes, controlados pelas velhas direcções, esforça-se por fazer pressão sobre elas para as levar a re-sponder às aspirações das massas. A este quadro de militantes, nós oferecemos uma política, explicações, palavras de ordem que são as únicas aptas a respon-der às aspirações das mas-sas. Devemos oferecer-lhes uma forma de organização ao nível da sua própria ex-periência. Nós dizemos a estes militantes:

‘Para nós, há apenas um partido que pode responder às aspirações das massas: o partido revolucionário da 4ª Internacional, que constitui o objectivo do combate da OCI. Mas o combate da OCI sobre uma

dada política, palavra de ordem, táctica de luta, ou explicação – vocês mesmos o admitem – pode unir os trabalhadores e a juventude contra o capital e o Estado. Vocês aprovam esta políti-ca da OCI, mas não acei-tam a conclusão que dela tiramos: construir um novo partido. Vocês pensam que podem utilizar as velhas organizações para a defesa dos interesses dos trabal-hadores; é o vosso direito, tal como é o nosso pensar de maneira diferente. Com-batamos juntos com base na política, nas palavras de ordem e na táctica sobre a qual estamos de acordo. Organizemo-nos para agir com base nesta política, nestas palavras de ordem e nesta táctica. A experiência e a livre discussão nas filei-ras da classe operária indi-carão quem tem razão.’

(…) 14. A perspectiva da LOR – visando a con-strução do partido revo-lucionário e reintegrando a transição na luta para a sua construção – deixa, portanto, abertas todas as possibilidades, segundo as

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circunstâncias. O ponto de partida continua a ser a construção da OCI que – ao passar da fase de grupo à organização comunista – dotou-se dos meios para resistir, como organização independente, à formidável pressão dos aparelhos que dirigem as organizações tradicionais, combinada com a pressão das orga-nizações centristas.”

V. Voltar a estes elemen-tos é indispensável para aqueles que querem as-similar a continuidade da elaboração teórica que nos conduz ao Partido Operário Independente, mas tam-bém a relação que une a análise das condições objectivas à dos processos na classe operária e, ainda, às conclusões que devem daqui ser retiradas do pon-to de vista das formas que reveste a transição na cons-trução do Partido.

Passados todos estes anos, o que é necessário reter da análise desenvolvida pelo 17º e 18º Congressos?

a. A formulação feita pe-los 17º e 18º Congressos do

período de iminência da revolução apoiava-se, vimo-lo, sobre toda uma série de elemen-tos objectivos que o desenvolvi-mento histórico ulterior veri-ficou perfeitamente: falhanço do regime capitalista fundado sobre a propriedade privada dos meios de produção, marcha para a crise de desmantelamento da burocracia da URSS, cuja falên-cia era inevitável, junção entre os processos da revolução social e da revolução política, colocan-do efectivamente na ordem do dia a revolução proletária.

b. A revolução Portugue-sa foi, deste ponto de vista, a última revolução proletária clás-sica no Velho Continente (1974-75), com todos os elementos “clássicos” de uma tal revolução, incluindo tanto a procura, pelas massas, da constituição de “co-mités/conselhos”, como o movi-mento em direcção às “velhas or-ganizações” consideradas como instrumentos para a satisfação das reivindicações, inclusive as reivindicações democráticas.

Esta revolução – em que se apoiou o movimento ascendente da classe operária, no Oeste da Europa, no final da década de 1970 (incluindo o movimento que, ligando a luta de classes

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directa à sua tradução eleitoral, expulsou Giscard do poder, em 1981, em França) – liga-se, no tempo, à marcha para a revo-lução política directa, em que a irrupção das massas na Polónia, que dá origem ao primeiro sin-dicato operário independente no Leste da Europa (1980), foi um momento de viragem.

Contudo, a iminência da re-volução não significava, de ma-neira mecânica, a iminência da vitória da revolução.

“Falta ao proletariado, para vencer, um partido re-volucionário dirigente unido com base no programa da 4ª Internacional”, avisava o 18º Congresso.

c. Contudo, a revolução Portuguesa – revolução pro-letária de uma profundidade considerável – foi contida pela classe burguesa e pelos apa-relhos (em primeiro lugar pelo aparelho estalinista, secundado pelo Secretariado Unificado, mas também pela social-demo- cracia) em limites que levaram ao estabelecimento de uma de-mocracia política que não teve paralelo no resto do continente, mas, ao mesmo tempo, impedin-do que o proletariado se apode-

rasse do poder, devido à fraque-za do factor subjectivo. Num outro plano, a Revolução Polaca – também ela de uma profundi-dade e de um carácter operário sem precedentes – foi contida pela acção conjunta dos apare-lhos que controlavam o movi-mento operário e do aparelho da Igreja Católica, em limites que deram, por um lado, uma folga à burocracia estalinista (se bem que, desde aí, ela tenha ficado mortalmente atingida), e, por outro lado, permitiram que o imperialismo mantivesse o controlo da situação. O conjunto destes processos verificou-se, de maneira concentrada, em 1989-1991.

d. A queda do Muro de Berlim foi, indiscutivelmente, o produto de um processo de mobilização revolucionária das massas exigindo, objecti-vamente, a unidade da nação alemã e a unidade da classe tra-balhadora, e colocando assim na ordem do dia a marcha conjunta para a revolução social no Oeste e a revolução política no Leste – contra a divisão da Alemanha, imposta conjuntamente, em Yalta e Potsdam, pelo imperia-lismo e pela burocracia. O afun-damento da burocracia estalini-sta que se seguiu foi apenas uma

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confirmação desta realidade.

e. No entanto, somos for-çados a constatar que, tan-to a queda do Muro como o afundamento da UrSS não desembocaram na rev-olução política vitoriosa. A burocracia corrompida frag-mentou-se em diversos segmen-tos de uma camada mafiosa in-termediária, oferecendo os seus serviços e entregando as rique-zas nacionais ao imperialismo, ao mesmo tempo em que consti-tuía pequenos clãs mafiosos que se apropriaram da propriedade social. As massas revoltadas e activas na Polónia, na Alemanha – e mesmo na URSS – não foram capazes, pelo seu próprio movi-mento, de ultrapassar a ausên-cia de direcção revolucionária. É necessário sublinhar aqui que, novamente, é a falta do factor subjectivo que está em causa. Em particular, é preciso destacar o papel abertamente contra-revo-lucionário de todos os dirigentes do PS, do PC e do SU, que, numa madrugada de 1989 ou de 1990, despertaram como partidários declarados da economia de mer-cado, rebaptizada com o nome de “economia social de mer-cado” por alguns deles (Mandel e companhia) e decretada hori-zonte intransponível da História

humana. Pelo contrário, foi com base na verificação do marxis-mo pelos factos – e, portanto, da falência definitiva do capital-ismo em agonia – que nós nos empenhámos, depois de 1991, na via da reproclamação da 4ª Internacional.

f. O desmoronamento da UrSS criou uma situação inédita. A alternativa fixada por Trotsky: ou triunfo da revo-lução política, ou a destruição da propriedade social, aceleran-do um processo de bonapartiza-ção, de fascização e de domina-ção capitalista à escala mundial, não teve o seu desfecho nestes termos. De uma certa maneira, essa alternativa foi diferida no tempo. A queda da URSS – o desmantelamento daquilo que foi a principal conquista do proletariado mundial durante o século XX – provocou, e con-tinua a provocar, um golpe cru-cial contra a classe operária, não somente da ex-URSS, mas do mundo inteiro. Ela abriu a porta à mais formidável ofen-siva de desmantelamento dos direitos adquiridos e conquistas da democracia operária, no seio do regime capitalista, à escala mundial. Ela alimentou formas desenvolvidas de decomposição no movimento operário.

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g. Mas, ao mesmo tempo, a impotência histórica do regime capitalista fundado sobre a propriedade privada dos meios de produção, longe de ser momentaneamente ultrapassado pela “abertura de novos mercados” no Leste da Europa, precipitou-se pelo con-trário, mais brutal e rapidamen-te do que nunca, numa fase de apodrecimento generalizado.

A crise actual – a mais pro-funda, a mais brutal, sem com-paração alguma com nenhuma das crises anteriores, incluindo a de 1929, uma crise sobre a qual ninguém pode dizer até onde vai, em que é que desem-bocará, e que já é a mais gigan-tesca crise destrutiva de forças produtivas que o capitalismo teve em tempos de “paz” – con-firma as posições da 4ª Interna-cional sobre a impossibilidade de “restaurar” o capitalismo no Leste da Europa e, mais geral-mente, de ver nessa restaura-ção a mínima abertura para um novo futuro da “economia social de mercado”.

VI. O facto de que o de-senvolvimento da revolução política tenha podido, assim, ser contrariado, e que, num primeiro tempo, longe de

levar a um reforço do prole-tariado, a queda da burocra-cia – porque se combinou com a queda das próprias bases da UrSS e de todas as conquistas saídas de Outu-bro de 1917 – tenha mar-cado o ponto de partida de uma fase de recuo, situação inédita sob esta forma, teve um certo número de conse-quências políticas, inclusive sobre a maneira de abordar a questão da transição na construção do partido.

Por um lado, a crise das or-ganizações operárias, princi-palmente dos PCs, não tomou a forma do afastamento de “sec-tores inteiros”, constituindo-se em correntes que, apoiando-se sobre o combate de defesa das conquistas de Outubro, tives-sem ficado disponíveis para um processo de reagrupamento transitório; é mais uma frag-mentação dos partidos, ou mes-mo o seu desaparecimento, que foram provocados pela queda da URSS, libertando mais forças sob a forma de indivíduos e de militantes (em grande número, aliás) que correntes constituí-das e cristalizadas. Tal como era precisado na resolução do 17º Congresso:

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“Muitas outras even-tualidades estão abertas. De momento, é necessário construir a OCI, recrutar, reforçar a organização dos partidários da 4ª In-ternacional, reintegrando o combate pela construção do partido revolucionário na transição: a perspectiva da Liga Operária Revolu-cionária dando-nos assim toda a flexibilidade indis-pensável, toda a agilidade necessária para cumprir as nossas tarefas, tanto de imediato como na futura situação revolucionária.”

Por outro lado, isto teve con-sequências sobre a maneira de colocar todas as questões da democracia política. Desde 1983-1984, quando o gover-no Miterrand-Fiterman-De-lors(7) operava a “viragem do rigor” – o que constituiu, pela primeira vez, um ataque brutal contra as conquistas que cons-tituem a classe trabalhadora, levado a cabo por um governo dito de “esquerda” – a Secção Francesa da 4ª Internacional

começa a desenvolver aquilo a que chamámos, nessa época, “a linha da democracia”. Desde 1972, já o vimos, o 18º Congresso tinha sublinhado a “incompati-bilidade” entre “a sobrevivência do regime burguês, no quadro da crise irreversível do sistema da propriedade privada” e “o desenvolvimento da democracia política (burguesa)”.

Depois de 1983, prolongando a Teoria da Revolução Perma-nente, compreendemos que o imperialismo, tendo entrado na sua fase de decomposição, é levado a ir extremamente longe no ataque a todas as formas da democracia burguesa, mesmo formais. É por isso que cabe ao proletariado encarregar-se da defesa e reconquista de todos os elementos da democracia bur-guesa formal, o que é de uma certa maneira indissociável da existência do proletariado no regime capitalista. É sobre esta linha que se desenham con-vergências, principalmente com sectores de militantes que, na classe, procuram defender “as reformas” contra as “contra-re-

7 – François Mitterrand tinha sido eleito presidente da República em 1981. De-lors, dirigente do Partido Socialista, tinha sido nomeado ministro das Finanças e da Economia. Fiterman era um dos dirigentes do Partido Comunista Francês, que nessa época fazia parte do governo.

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formas” corporativistas, condu-zindo à formação do Movimento Para um Partido dos Trabalha-dores (MPPT, 1984-1985) e, na sua continuidade, à proclama-ção do Partido dos Trabalha-dores, em 1991.

Precisemos: a partir do mo-mento em que o imperialismo decomposto, estrangulado pela ausência da própria margem de manobra que o caracteriza, é levado a recusar aos aparelhos as migalhas de que se serviam até aí para tentar comprá-los, foi cria-da uma situação nova. Obrigado a tomar a seu cargo as contra-reformas, o aparelho reformista encontra-se perante uma alter-nativa: ou ceder, e tornar-se um aparelho contra-reformista que se destrói a si próprio; ou então – para não renunciar a defen-der as reformas – ser obrigado a manter-se (ou a orientar-se) no sentido da independência de classe (não sem ziguezagues ou contradições). Esta compreensão (que estava já presente no famo-so compromisso de 1969 sobre o “não” no referendo) encontrou, a partir do início da década de 1980, uma expressão nova na luta de classes directa comum. Este reconhecimento da linha da democracia levou-nos, de uma certa maneira, a precisar o nosso

ponto de vista sobre a democra-cia política.

Não que, a partir dos anos 1980, a democracia política fosse um fim em si mesmo: a 4ª Inter-nacional permanece partidária da democracia operária, o seu fim não é democratizar o regime capitalista da exploração, mas sim derrubá-lo. Nós compreen-demos, perfeitamente, que a democracia política permane-ce uma arma possível entre as mãos da burguesia para conter a revolução proletária e opor-se a ela. Mas nós compreendemos também que, na transição, deve, a partir de agora, ser inscrita a defesa e a reconquista da de-mocracia política, uma vez que a classe capitalista se empenha em destruí-la em todos os seus aspectos. É também esta mesma orientação que levará a 4ª Inter-nacional a considerar que, face ao desmantelamento de todas as nações pelo imperialismo decomposto, lhe cabe a respon-sabilidade de colocar na ordem do dia a defesa da soberania das nações, ligada à questão da soberania dos povos, como ele-mentos que colocam sobre as costas do proletariado a defesa de tudo o que de progressista a burguesia construiu, e que ne-nhum dos seus segmentos está

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actualmente em medida de de-fender. É necessário ao proletar-iado, como dizia Lenine, “voltar ao seu próprio 1789, ao seu próprio 1848, ao seu próprio 1871”. Isto é, sem dúvida, mais verdadeiro hoje do que nunca.

VIII. A constituição do Partido Operário Indepen-dente inscreve-se numa situação nova. A queda da URSS, abrindo a via a uma fase de mafiosação acelerada de toda a economia mundial, encon-trou a sua continuidade no 11 de Setembro de 2001. No entanto, o imperialismo reivindicava aber-tamente o recurso a meios de facto extraordinários para man-ter o seu domínio. A queda da URSS encontrou sobretudo a sua continuidade na extraordinária crise de decomposição que atinge a economia capitalista nos seus fundamentos, desde há mais de um ano, e em que, repitamo-lo, o pico não foi ainda atingido. Uma tal situação é, de uma certa ma-neira, a mais propícia ao desen-volvimento da 4ª Internacional. Os golpes desferidos contra as massas empurram-nas, neces-sariamente, para a via da radi-calização política (de que uma das expressões deformadas é a eleição de Obama, que marca, do ponto de vista do imperialismo,

uma reorientação necessária de-pois dos oito anos do governo Bush que, através de uma con-stante fuga para a frente, a con-duziu à beira do abismo).

A incapacidade do regime capitalista em garantir que não tocará senão a sobrevivência mais elementar – o simples di-reito ao trabalho, ao salário, a possibilidade de se alimentar, de se alojar, de se vestir – levanta as massas na via da acção de classe, alimenta uma radicalização que se exprime a todos os níveis, in-clusive no seio das organizações (radicalização para que nós tam-bém contribuímos). Ao mesmo tempo que esta falência do regime capitalista coloca na ordem do dia – com uma actualidade infinita-mente superior à verificada nos últimos trinta anos – todas as pa-lavras de ordem de expropriação do capital, da confiscação e da so-cialização dos meios de produção. Contudo, isto não significa que as massas, num primeiro tempo, se irão voltar para o programa da 4ª Internacional. Seguindo as leis históricas, numa primeira fase da luta de classes elas voltam-se para as suas organizações tradicionais. Isto é verdade, em primeiro lugar, no plano sindical – e nós vimo-lo nos últimos processos, principal-mente a 29 de janeiro, a 19 de

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março etc. –, mas também pode ser verdade no plano político. Deste ponto de vista, não se deve confundir o grau extremo de de-composição atingido pelo Partido Socialista ou pelo Partido Comu-nista com o facto de que, em ne-nhum caso, nos meses que vêm, estes partidos (ou, sob uma outra forma, o Partido de Esquerda ou o NPA) possam desempenhar um certo papel – inclusive ao nível eleitoral – como expressão defor-mada da busca pelas massas de uma saída política.

É necessário agora, mais do que nunca, evitar qualquer hege-monismo e compreender quais são as exigências de uma autên-tica política de frente única, bem como o lugar exacto do POI. Este partido, já o dissemos, não foi fundado com base no programa da 4ª Internacional. É preciso compreender – e fazer com-preender, na discussão do 47º Congresso – que a batalha para ter 10 mil filiados, em junho, é essencial para construir e estru-turar o POI. E, ao mesmo tempo, o POI não se construirá e não se desenvolverá, de maneira linear, por um simples recrutamento in-dividual, nem aliás pela afluência espontânea de milhares e mil-

hares aliando-se à nossa ban-deira, mas sim pelo facto que, através do combate quotidiano para reforçar o POI, pelo recru-tamento, nós ficamos por den-tro das reviravoltas da classe – cisões, fusões, realinhamentos, centrismo e rupturas –, que não deixarão de brotar da crise do movimento operário, sob o efeito da luta de classes e da nossa in-tervenção consciente nesse pro-cesso. O Congresso de fundação do POI marcou, pela primeira vez a esta escala, a capacidade da corrente trotsquista se associar:

• por um lado, a uma larga ca-mada de militantes e dirigentes sindicais entalados pela ofensiva destrutiva de todas as formas de democracia política (incluindo os sindicatos), colocada em marcha pelo imperialismo, e procurando uma saída política;

• por outro lado, pela junção com uma larga camada de presi-dentes de Câmaras e de outros eleitos (8), que – para defender a República e as comunas – não en-contraram outro ponto de apoio senão a acção organizada por iniciativa dos militantes da 4ª Internacional. É necessário, em permanência, mantermos bem

8 – Eleitos – referência ao que, no Brasil, chama-se de prefeitos e vereadores (NdE).

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presente no espírito que o POI é também o partido de milhares de presidentes de Câmara que se agruparam em torno da candida-tura de Gérard Schivardi (9), em defesa das comunas; e também o partido que tomou a iniciativa do Apelo de Roquebrun, com as suas 6.000 assinaturas de eleitos etc. Este capital político, esteja-mos certos disso, ser-nos-á segu-ramente disputado no próximo período.

Nestas condições, nós esta-mos confrontados, sobre a linha da transição, a uma necessária elaboração sobre aquilo que é o POI, sobre aquilo em que ele deve tornar-se e sobre a maneira como os trotsquistas devem trabalhar nesse sentido. O POI não é o par-tido da 4ª Internacional. Mas, ao mesmo tempo, o seu programa não contém nada de contraditório com o programa da 4ª Internacio-nal.

Hoje – numa fase de decom-posição, na qual, ao mesmo tem-po, termina um período e a classe não pode combater senão apoian-do-se na defesa e na preservação

de tudo aquilo que foi arrancado no decurso desse período –, a construção do POI, como autênti-co partido operário independente, significa, de facto, a ajuda à recon-strução do movimento operário segundo um novo eixo, não de uma maneira proclamatória e he-gemonista, mas inscrevendo-se constantemente numa política de frente única cada vez mais auda-ciosa. Até agora, ninguém pode dizer que forma tomará amanhã o partido revolucionário capaz de conduzir a classe operária à vitória. Ninguém pode predizer as formas que tomará este partido e que relação terá com o programa da 4ª Internacional. Numerosas hipóteses podem ser encaradas. Tudo está em aberto. Mas qualquer que seja a evolução, quanto mais nós formos capazes de fazer pro-gredir o POI na sua construção como pólo político – agregador de todos os sectores e de todos os elementos que vão no sentido da reconstrução da independência de classe do movimento operário, no quadro de uma política de frente única –, mais nós ajudare-mos a nossa classe a progredir na direcção de uma solução positiva.

9 – Gérard Schivardi – militante socialista de longa data e presidente da Câmara de uma comuna rural – foi o candidato às eleições presidenciais das forças que se situavam sobre o terreno da democracia e da independência de classe. Actual-mente, ele é um dos secretários nacionais do Partido Operário Independente.

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A cada dia sua pena. Na dis-cussão preparatória deste 47º Congresso são estas as questões que nos estão colocadas. Elas exigem a compreensão de que a transição é uma questão de cada instante. A amálgama política (no bom sentido do termo) que se deve operar no seio do POI – entre os elementos gradualmente assimila-dos saídos do programa da 4ª In-ternacional (não como uma coisa em si, mas como a generalização de toda a história do movimento operário e da sua experiência) e as camadas e os militantes que se juntam ao POI – só pode ser feita no próprio processo de construção do POI como partido, sem reser-vas e sem restrição da nossa parte, sempre preservando (e reforçan-do) o quadro específico da Secção Francesa da 4ª Internacional.

No futuro irão ter lugar os maiores afrontamentos de classe – eles terão um carácter segura-mente inédito, e mesmo surpreen-dente. O movimento operário está numa crise sem precedentes, submetido ao fogo da destruição e da integração corporativista; ele vai passar por novas convulsões, cisões, reagrupamentos, cristali-

zações centristas, rupturas, re-composições, ou mesmo desmo-ronamentos e desaparecimentos. É para isso que nos devemos pre-parar e preparar “quadros revo-lucionários sólidos, capazes de tirar proveito da derrocada do velho partido dirigente”.

Este partido não surgirá de um processo puramente linear de construção de um partido acabado. O seu desenvolvimento inscreve-se na sua própria in-tervenção nos processos de de-composição e de recomposição, nas diferentes etapas da luta de classes. Ele passará necessaria-mente por evoluções e choques; para responder a esses aconteci-mentos, será necessário manter firmeza em defesa dos princípios do programa, bem como “agi-lidade” e “flexibilidade” na sua aplicação, porque o que está em jogo neste 47º Congresso é a pre-paração organizada dos grandes afrontamentos de classe que estão à frente.

Notas adoptadas por unanimidade pelos

membros da direcção da Secção Francesa de

18 e 19 de abril de 2009

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Venezuela: a era Chávezpor Julio Turra

Há pouco mais de 10 anos, Hugo Chávez era eleito presi-dente.

Em 1998, apresentando-se como candidato contra os parti-dos que há 30 anos repartiam o poder na Venezuela, a Ação Po-pular (AP) e o Copei (democra-cia-cristã) (1), o ex-tenente coro-nel Hugo Chávez Frias foi eleito pela primeira vez presidente da nação, com extraordinário apoio popular.

Chávez havia se tornado conhecido por liderar outros jo-vens oficiais do Exército numa tentativa de golpe de Estado em abril de 1992 contra o então corrupto governo de Carlos An-drés Perez (AD), responsável

anos antes (1989) pela violenta repressão contra a insurreição popular conhecida como “Cara-cazzo”, em que o povo saiu às ruas de Caracas, a capital vene-zuelana, em protesto contra um pacote do FMI de alta de preços. A repressão causou mais de mil mortos. Essa insurreição anun-ciou a crise mortal do regime e abalou todas as instituições de Estado, incluindo o Exército.

O próprio Chávez, anos depois, data o início do processo revolu-cionário na Venezuela na eclosão do “Caracazzo”, que demonstrou à luz do dia o enorme fosso exis-tente entre as massas exploradas e o “bi-partidarismo” AD-Copei, que estava instalado no país desde o fi-nal da ditadura de Perez Jimenez

1 – A alternância AD e Copei era chamada de “regime do ponto fixo”.

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(1958). Um amplo reagrupamento do baixo oficialato constituiu-se então no interior do Exército so-bre a base de uma posição nacio-nalista e anti-imperialista.

Desde que sai da prisão (1996), com um reagrupamento chama-do de Movimento Bolivariano, Chávez passa a fazer campanha contra a “4ª República” dos políticos vendidos aos interes-ses do imperialismo dos Estados Unidos (muito fortes no país), agitando a bandeira do “boli-varianismo” (do nome de Simon Bolívar, herói da independência contra a Espanha no século 19) e propondo uma Constituinte.

O vazio político existente na chamada “esquerda” venezuela-na, tendo o PCV, a Causa R e o MAS (2) se associado a governos seja da AD, seja do Copei (no caso, o antecessor de Chávez, Rafael Caldera), deixou o terre-no aberto para que Chávez fosse visto pelas amplas massas como, finalmente, a oportunidade de mudanças profundas em benefí-cio dos mais pobres.

Uma vez eleito, Chávez con-voca de imediato, em julho de

1999, a Assembléia Constituinte. Uma vez instalada, com uma maioria ligada ao Movimento 5ª República, por ele criado, o presidente entrega seu cargo e é por ela confirmado no poder.

O processo que se abre a partir daí, com a aprovação da nova Constituição da rebatizada República Bolivariana da Ven-ezuela em referendo popular, ilustra a vigência do prognós-tico feito por Leon Trotsky no programa de fundação da 4ª Internacional (1938), de que “circunstâncias excepcionais... podem levar direções pequeno-burguesas a ir além do que pre-tendiam na via da ruptura com o imperialismo”.

Ou, como gosta de repetir o próprio Chávez, parafraseando Bolívar: “Eu sou uma pluma so-prada pelo vento da revolução”.

Os anos Chávez: revolução e contra-revolução

O novo regime da “5ª Repúbli-ca” sempre foi hostilizado pela classe dominante local, uma bur-

2 – PCV: Partido Comunista Venezuelano; Causa R: na origem, um grupo de sindi-calistas revolucionários; MAS: nascido de uma ruptura de setores da AD e do PCV, em ligação com ex-militantes do MIR, antigos guerrilheiros pró-castristas.

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guesia estreitamente associada aos interesses do imperialismo dos Estados Unidos e que se ben-eficiava da riqueza petrolífera da nação, ainda que a PDVSA (Petróleos de Venezuela) fosse uma empresa estatal desde 1971, mas administrada como um “es-tado dentro do estado”, a serviço das elites parasitárias.

Nos seus primeiros anos de governo, no front interno, Chávez tentou conciliar os in-teresses da oligarquia local com as aspirações profundas que as massas depositavam no seu go-verno de mudanças, no sentido de que atacasse a pobreza da grande maioria da população. A adoção da Lei de Terras e outras medidas populares, que afeta-vam os interesses do empresari-ado, o levou rapidamente a se ver confrontado a uma virulenta oposição anti-chavista (em no-vembro de 2001, ele garantiu a adoção de 48 decretos-leis).

No plano externo, o governo Chávez começa a desafiar as ordens emanadas de Washing-ton, que sempre tratou a Améri-ca do Sul como seu “quintal”. Ele proibiu o sobrevoo do espa-ço aéreo nacional por aviões dos Estados Unidos (envolvidos em operações de “combate ao nar-

cotráfico” na vizinha Colômbia), adotou uma postura de valori-zação do preço do petróleo na Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), ata-cou o caráter belicista do gover-no Bush

Essa situação levou ao frus-trado golpe de Estado de abril de 2002 contra Chávez, orga-nizado por grandes empresários e oficiais das Forças Armadas, em conjunto com a embaixada dos Estados Unidos, e com o apoio da Comissão Executiva da Central dos Trabalhadores Venezuelanos (CTV), e particu-larmente seu secretário-geral, Carlos Ortega (a CTV era uma correia de transmissão do re-gime do “ponto fixo”).

O presidente chegou a ser sequestrado pelos golpistas e detido numa ilha do Caribe pe-los golpistas. Foi a irrupção es-pontânea das massas populares em Caracas e o levante nas prin-cipais casernas (sobretudo do baixo oficialato e de uma parte dos oficiais) – que cercaram o Palácio de Miraflores (sede do governo), que tinha sido ocu-pado pelo “novo governo” de Pedro Carmona (presidente da Fedecamaras, a Fiesp venezu-elana), provocando a fuga em

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helicóptero dos golpistas –, que definiu a situação a favor de Chávez, resgatado em seguida por militares leais a ele e recon-duzido a Caracas.

O pêndulo se move para a esquerda

Reconduzido ao poder pela ação das massas, ainda assim a atitude de Chávez foi concili-atória com a oposição, convoca-da pelo presidente para “mesas de diálogo”, tendo sido proces-sados apenas alguns de seus lí-deres, os que já haviam abando-nado o país.

Mas, no final do mesmo ano de 2002, a oposição pró-impe-rialista, apoiando-se nos buro-cratas sindicais da CTV (que já haviam participado do golpe fracassado) e nos gerentes da PDVSA – os mesmos homens que, antes, deviam seus cargos às trocas de favores que cara-cterizavam o velho esquema AD-Copei –, deflagra o “paro petrolero” (3), na verdade um locaute promovido pela direção da estatal com a cobertura da CTV (sem que os trabalhadores

tenham sido consultados para nada). O objetivo era forçar uma renúncia de Chávez, paralisan-do a produção de petróleo (70% das exportações), e, portanto, o próprio país.

A ação da classe operária or-ganizada nos sindicatos de base que se opunham à cúpula da CTV foi decisiva. As refinarias de petróleo, sabotadas pelos ge-rentes que haviam inutilizado o equipamento (incluindo com-putadores), foram ocupadas pelos trabalhadores petro-leiros que as puseram a funcio-nar manualmente. Nos bair-ros populares e concentrações operárias, enormes sacrifícios foram feitos para amenizar a fal-ta de combustível, enquanto em todo o país se ouvia a mensagem dirigida a Chávez: “Não capitule presidente, estamos contigo”!

Foram quase três meses de batalha, e, finalmente, a produção de petróleo foi resta-belecida, os gerentes demitidos, e Chávez iniciou um processo de “refundação da PDVSA”. Assim, pela primeira vez na história do país, os bilhões de dólares que a indústria petrolífera gerava pas-

3 – “Paro Petrolero” – literalmente, greve do setor petrolífero, mas, na verdade, um locaute patronal.

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saram a ser investidos em pro-gramas sociais – chamados de “missões” – nas áreas de saúde, educação, moradia e infra-estru-tura para os setores mais pobres da população.

A pressão internacional con-tra o governo, liderada desde Washington, não parou. Até a OIT (Organização Internacio-nal do Trabalho) foi palco dessa ofensiva, através de uma queixa conjunta da Fedecamaras e da CTV contra o governo Chávez, por “atropelos à liberdade sin-dical”, em função da demissão dos gerentes da PDVSA. Uma contra-ofensiva de sindicalis-tas venezuelanos, apoiada pelo Acordo Internacional dos Tra-balhadores, impediu a conde-nação do governo Chávez pela OIT.

Um passo para a organização independente

Como resultado direto do en-gajamento dos setores operários na luta contra o “paro petrolero” sabotador, e diante da passagem da CTV de armas e bagagens para o campo da oposição bur-guesa pró-imperialista, várias correntes sindicais confluíram

para a fundação da União Nacio-nal dos Trabalhadores (Unete), em abril de 2003, que rapida-mente transformou-se na cen-tral sindical com maior número de sindicatos filiados, com uma base de mais de 1 milhão de tra-balhadores.

A Unete jogou um papel-chave na campanha “Traba-lhadores em Batalha pelo Não”, quando a oposição, em 2004, utilizando-se de um recurso previsto na própria Constituição bolivariana que combatia, con-seguiu reunir o número de as-sinaturas necessárias para sub-meter o presidente Chávez a um “referendo revogatório” de seu mandato.

Realizado em agosto, a vitória do “Não”, que confirmava Chávez no poder, aconteceu por quase 70% dos votos, comemorados pelas massas como sinal de apro-fundamento do processo revolu-cionário que tanto ansiavam.

Em 2006, Chávez é reeleito com praticamente a mesma vo-tação do referendo, anunciando que o rumo da revolução se-ria o “socialismo do século 21”, ainda que os contornos desse so-cialismo não se apresentem de forma clara (por exemplo, nele

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caberiam “empresários”, vários tipos de propriedade, incluindo a propriedade privada etc.).

Fortalecido pelo respal-do popular, Chávez naciona-liza empresas (como a Invepal) abandonadas por empresários que saíram do país ou simples-mente as largaram, e incen-tiva experiências de coopera-tivas e de “auto-gestão”. Essas experiências provocaram uma viva polêmica no movimento operário, pois, além do fracasso de várias delas, “a autogestão” esconde a inevitável integração da organização sindical, e, por-tanto, sua dissolução.

Nos últimos dois anos, sentin-do a necessidade de uma base de apoio organizada, Chávez propõe acabar com o Movimento 5ª República, e constituir, junto com outras formações políticas que apoiavam o seu governo, o Partido Unido Socialista da Venezuela (PSUV).

Mas, antes disso, seu go-verno sofre a primeira der-rota eleitoral, em dezembro de 2007, quando Chávez propôs a refe-rendo um conjunto de emendas constitucionais, inclu-indo a possibilidade de reeleição indefinida para presidente.

Algumas dessas emendas, como a que previa conselhos de tra-balhadores nas empresas, sem delimitar claramente que lugar teriam os sindicatos, provoca-ram polêmicas no movimento sindical (num momento em que a própria Unete vivia uma crise interna desde seu 2º Congresso, em junho de 2006) e entre os próprios chavistas.

O fato é que o “Não”, pelo qual a oposição pró-imperial-ista fez campanha, ganhou por estreita margem, mas, na ver-dade, o que lhe deu a vitória foi a grande abstenção de setores populares que anteriormente haviam votado com Chávez. Muitos dirigentes e militantes venezuelanos atribuíram a “cul-pa” pela derrotada à rejeição que existe a autoridades e ministros “chavistas”, que além de se en-frentar contra os trabalhadores e setores populares que lutam por suas reivindicações, seriam reconhecidamente corruptos.

Entretanto, o PSUV, formal-mente constituído em seu 1º Congresso de julho de 2008, é uma formação policlassista, que agrupa desde setores da burgue-sia local e da pequena-burgue-sia, passando por militares e al-tos funcionários (que, no seio do

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partido, são chamados de “di-reita endógena”), até correntes que se declaram marxistas.

A situação atual

O período de preparação do congresso do PSUV coincidiu com uma série de greves e mo-bilizações em distintos setores para defender os salários da in-flação (que é alta no país, cerca de 50% ao ano) e contra a de-gradação das condições de tra-balho (em particular contra a terceirização, inclusive em em-presas públicas).

Uma delas ganhou relevância nacional e tornou-se um símbolo da situação que vive a Venezuela hoje. Trata-se da mobilização dos trabalhadores da Sidor, no Estado de Bolívar, maior side-rúrgica do país e que tinha sido privatizada no passado. Iniciada pelos trabalhadores terceiriza-dos (subcontratados), a greve se chocou com a multinacional que era dono da Sidor, ultrapas-sou a direção sindical e acabou forçando o governo Chávez a re-estatizar a empresa, bem como a assumir o compromisso de transformar os trabalhadores terceirizados em trabalhadores fixos da Sidor (processo ainda em curso).

Uma vez mais, foi a atuação independente do movimento operário que acabou pression-ando Chávez a adotar medidas de ruptura com os interesses dos capitalistas.

Diante da crise mundial do capitalismo, que sacode o mun-do desde o final de 2008, Chávez criticou diretamente o FMI e Banco Mundial, apontando-os como responsáveis pelas políti-cas que a criaram, dispensando qualquer “contribuição” que pudesse vir desses organismos.

Condenando a brutal agressão do Estado de Israel na Faixa de Gaza, no final de 2008 e início de 2009, o governo venezuelano não ficou só nas palavras, mas expul-sou o embaixador de Israel, tal como já havia feito antes com o embaixador dos Estados Unidos, em solidariedade ao governo de Evo Morales, da Bolívia, quando este enfrentou a ameaça seces-sionista de Santa Cruz e outras regiões, patrocinadas por Wa-shington. Hoje, conjuntamente com os governos de Correa, do Equador, e o mesmo Evo Morales, a Venezuela realiza uma auditoria de sua dívida externa.

Essas demonstrações de in-dependência diante dos ditames

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do imperialismo dos Estados Unidos anteciparam a recente vitória do “Sim” no referendo de 15 de fevereiro passado, que permite a reeleição indefinida para todos os cargos (e não só o de presidente).

É uma vitória que renova o mandato que o povo venezuelano dá a Chávez: defender a nação do imperialismo, defender a força de trabalho que constrói a nação contra a exploração capitalista.

Qual é então a natureza do governo Chávez? Para esclare-cer este fenômeno contraditório – o de um governo pequeno-burguês levado ao poder e man-tido pela ação das massas, que adota medidas de ruptura com a política ditada pelo imperia-lismo estadunidense, mas que busca um equilíbrio entre as classes na Venezuela – é útil nos reportarmos, como base teórica, ao texto inacabado que Trotsky deixou sobre sua mesa de tra-balho no dia em que sofreu sua agressão mortal, em agosto de 1940. Analisando os “países atrasados”, ele escreveu:

“Como nos países atrasados, é o capitalismo estrangeiro e não o capi-talismo nacional que joga o

papel principal, a burguesia nacional ocupa, do ponto de vista de sua situação social, uma posição bem inferior à que ela deveria ocupar com relação ao desenvolvimento da indústria.

Como o capitalismo es-trangeiro não traz junto os trabalhadores de fora, mas proletariza a popula-ção nativa, o proletariado nacional começa, muito rapidamente, a ocupar o papel mais importante na vida nacional. Em tais condições, na medida em que o governo na-cional tenta oferecer uma resistência ao capital estrangeiro, ele se vê levado, em maior ou menor medida, a se apoiar no proletariado.

Por outro lado, os gov-ernos dos países atrasa-dos que consideram como inevitável ou mais vanta-joso marchar lado a lado com o capital estrangeiro destroem as organizações operárias e instauram um regime mais ou menos to-talitário. Assim, a fraque-za da burguesia nacional, a ausência da tradição de

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governo próprio, a pressão do capital externo e o crescimento relativamente rápido do proletariado cortam pela raiz qualquer possibilidade de um re-gime democrático estável. Os governos dos países atrasados – quer dizer, países coloniais ou semi-coloniais – assumem, em seu conjunto, um caráter bonapartista ou semi-bonapartista. Eles se dis-tinguem entre si pelo fato de que alguns ten-tam se orientar para a democracia, buscando o apoio dos trabalha-dores e dos campone-ses, enquanto outros instauram uma dita-dura político-militar rígida. Isso determina também a sorte dos sin-dicatos: ou eles ficam sob a tutela do estado, ou são submetidos a um cerco cruel.

Esta tutela corre-sponde a duas tarefas antagônicas às quais o Estado deve fazer frente: primeiramente, atrair a classe operária para ganhar um ponto de apoio para a re-

sistência às pressões excessivas do imperi-alismo, mas, ao mesmo tempo, disciplinar es-tes mesmos trabalha-dores, colocando-os sob o controle de uma burocracia” (destaques da edição).

A situação atual não é, cer-tamente, a mesma dos anos 40 do século passado. A fraqueza da “burguesia nacional” a trans-formou em uma burguesia com-pradora do imperialismo (neste caso, dos Estados Unidos), só-cia menor de suas iniciativas. Mas a análise sobre o caráter bonapartista ou semi-bonapar-tista do governo dos países atrasados continua válida. No caso de Chávez, na Venezuela, orientando-se sobre uma linha de resistência ao imperialismo, ele busca “o apoio dos operá-rios e camponeses”, mas sempre tentando colocar suas organiza-ções sobre a tutela do estado, para discipliná-las.

A estrutura do estado con-tinua sendo a de um estado semi-colonial, mesmo abalado de alto a baixo, de um lado, pelo processo revolucionário, e, de outro, pela ofensiva imperia-lista. O governo toma medidas

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parciais de ruptura com o im-perialismo, mas ele se orienta, antes de tudo, pela afirmação da defesa da unidade nacional.

A ofensiva imperialista passa também pelo apoio aos movi-mentos regionalistas, como no Estado de Zulia. Esta situa-ção é transitória. O movimento instintivo da classe tende a exi-gir a formação de um verdadeiro governo operário e camponês, que varra de cabo a rabo todas as instituições do estado semi-colonial. Esse movimento cor-responde aos processos revolu-cionários em curso na América do Sul. Mas o fator subjetivo, quer dizer, o grau de organiza-ção da classe, é o elemento fun-damental. E Chávez, ao mesmo tempo, tenta impedir a orga-nização independente da classe.

Assim, aproveitando-se da crise da Unete, setores do go-verno ligados à burocracia do Ministério do Trabalho criaram uma central sindical (a Central Socialista dos Trabalhadores, CST), ligada diretamente ao PSUV e a membros da Força Bo-livariana dos Trabalhadores.

A condição para uma pro-gressão efetiva na via do so-

cialismo – quer dizer, na via da abolição da propriedade privada dos meios de produção e da “ex-propriação dos expropriadores” – é que a classe trabalhadora da Venezuela progrida em sua or-ganização independente. Um primeiro passo nesse caminho é superar a crise da Unete, para que a central possa jogar o papel ao qual está chamada, a fim de que o processo revolucionário que está aberto na Venezuela tenha o desfecho mais positivo, o que teria repercussões em toda a América Latina e em ou-tras regiões do mundo.

Para isso, existem elementos desde já, e é sobre eles que se apoia a construção da seção da 4ª Internacional na Venezuela. A declaração política adotada pela Federação dos Trabalha-dores de Zulia, da Unete, para as comemorações do 1º de Maio de 2009, coloca em evidência o que acabamos de afirmar:

“Neste 1º de Maio, o movimento da classe tra-balhadora está confronta-do a problemas como o desrespeito às convenções coletivas; a recusa de fato e/ou de direito, por par-te dos patrões públicos e

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privados, de discutir no-vas convenções coletivas; a manutenção do trabalho informal, em violação à Constituição nacional e a várias sentenças do Tri-bunal Superior de Justiça a esse respeito; a per-seguição judicial contra trabalhadores e dirigentes sindicais etc.

Apesar de tudo, a classe trabalhadora não cessou o seu combate. Mas ela se viu obrigada a fazê-lo de forma dispersa e par-cial, com avanços que não significam uma mudança substantiva na relação de forças em nível nacio-nal favorável aos trabal-hadores. É por isso que o movimento da classe e de suas organizações deve ser socialmente colocado no centro da luta.

No contexto da grande crise internacional do siste-ma capitalista, só a classe operária organizada pode e tem os meios para dar uma resposta à barbárie que esta crise prepara de forma acelerada.

A vontade de luta re-

afirmada pelos trabalha-dores dos setores público e privado é uma das formas pelas quais se exprime esta crise na Venezuela. O G-20 e as organizações interna-cionais como o FMI dão apenas um remédio, cujo resultado é praticamente o de enviar o doente ao cemi-tério. Suas resoluções, para punir os países que não praticam o livre-comércio e que protegem seu mer-cado interno, buscam, en-tre outros objetivos, isolar o processo revolucionário em curso na Venezuela.

Na Venezuela, há setores que, apesar das medidas adotadas pelo presidente Chávez, querem (tal como os capitalistas do mundo inteiro e suas organiza-ções, como o FMI e o Banco Mundial) despejar o peso da crise nas costas dos tra-balhadores.

Como eles não têm outro jeito, usam a velha cantilena segundo a qual não há dinheiro, é preciso reduzir os custos (o que inclui os salários e os em-pregos), é necessário se sacrificar pelo país etc.,

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tentam falsificar o social-ismo (poder dos trabalha-dores) e ficam repetindo as mesmas coisas, agora com um verniz vermelho, para defender as empresas ‘so-cialistas’ e as convenções ‘socialistas’.

Digamos claramente: eles não têm nenhuma cor-agem. Eles são os geren-tes capitalistas de compa-nhias anônimas que apenas aplicam as diretrizes imp-essoais do capital, por um lado, e por outro tentam desviar o dinheiro das em-presas em benefício pessoal ou de um grupo – dinheiro do povo trabalhador.

Os aumentos salariais, não somente o reajuste do poder de compra dos trabalhadores, são estí-mulos econômicos para a produção interna, pois sustentam outras empre-sas, outros trabalhadores, garantindo um consumo sustentável. Nós, os tra-ba-lhadores, investimos o dinheiro em compras no nosso país, não o enviamos para as ilhas Cayman ou outros paraísos fiscais.

Lembramos hoje que a PDVSA e as empresas esta-tais foram recuperadas em proveito da nação, para os trabalhadores e não para os gerentes hipócritas (ver-melhos por fora, brancos por dentro).

Atacar os interesses dos trabalhadores só beneficia ao capital e a todos que trabalham para ele: o im-perialismo estadunidense, os partidos de oposição, a Fedecamaras, os sindica-tos a serviço do patronato, os meios de comunicação, a hierarquia eclesiástica etc.

Apoiamos as medidas tomadas pelo presidente Chávez, mas afirmamos que é preciso aprofundá-las, que é necessário ir mais longe. É preciso es-tatizar o sistema bancário, decretar o monopólio es-tatal do comércio exterior, criar rapidamente os siste-mas complementares de aposentadorias e pensões para começar a construir um verdadeiro e efetivo sistema de Previdência So-cial integral, que será tam-bém uma fonte importante

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de renda (na casa dos 20 bilhões de dólares) para fi-nanciar obras de infra-es-trutura, escolas, hospitais, agroindústria etc.

As organizações sindicais são conquistas do movi-mento operário venezuela-no. A Unete é também uma conquista, um concentrado histórico dos combates dos trabalhadores da Venezue-la, apesar de todas as críti-cas que possam lhe fazer.

Nós, os trabalhadores, não iremos renunciar a ela para embarcar em uma nebulosa ‘solidarie-dade operária’ erguida por patrões, militares facciosos, juízes destituídos por terem tomado decisões contra o programa Bar-rio Adentro, velhos e novos intelectuais partidários da 4ª República, um vereador de Chacao, membros de ONGs financiadas pelo im-perialismo, trânsfugas da esquerda, todos agrupados no Movimento 2D. Uma iniciativa ferozmente hostil aos trabalhadores, que tem a coragem de lançar um chamamento público para reivindicar... o 1º de Maio!

Finalmente, somos pela defesa e pelo apro-fundamento, de forma decidida, das conquistas da revolução bolivariana em matéria de saúde, de educação, de emprego, de aumentos salariais, da constituição de redes de alimentação e de atenção aos setores excluídos, de estatizações, do exercício da solidariedade nacional e da solidariedade ativa com os povos de nossa América e do mundo.

A unidade ocorre na luta, com os sindicatos autênticos dos trabalha-dores, e na revolução boli-variana, em torno do com-bate por:

• respeito às convenções coletivas;

• discussão das conven-ções coletivas encerradas;

• eliminação do tra-balho informal nos setores público e privado;

• uma nova lei do tra-balho;

• um sistema integral de Previdência Social;

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• liberdade sindical completa e direito de greve, sem restrições patronais ou judiciais à luta social;

• pleno exercício de to-das as liberdades e direitos sindicais e democráticos.

Viva o 1º de Maio!

Viva os trabalhadores!

Viva os sindicatos!

Viva a união nacional dos trabalhadores!

Maracaíbo, 29 de abril de 2009”

Os elementos para avançar na constituição de um Partido dos Trabalhadores existem. É possível se apoiar em setores da Unete que combatem para reconstituir a central sindical a nível nacional. Além disso, trata-se de afirmar uma clara posição de defesa incondicional do governo Chávez face aos ataques do imperialismo, apoiando-se em todo o passo adiante de rup-tura, de estatização etc., mas preservando toda a independên-cia política.

maio de 2009

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O Secretariado Internacional da 4ª Internacional comunica:

Guillermo lora(�92�-2009)

Saudamos a memória do diri-gente revolucionário Guillermo Lora, que morreu em 17 de maio de 2009, aos 88 anos.

O nome de Guillermo Lora ficará indissoluvelmente ligado à história da Bolívia e ao com-bate de seu povo contra o impe-rialismo e seus agentes locais, ao desenvolvimento do movimento operário na Bolívia e à luta inter-nacional dos trabalhadores por sua emancipação, em função do lugar que Guillermo Lora teve no combate da 4ª Internacional.

Guillermo Lora nasceu na região mineira do país, na qual viria a desempenhar um importante pa-pel. Ele começou os estudos de di-reito, que interromperia após sua adesão ao Partido Operário Revo-lucionária (POR), em 1943. O POR, fundado em 1935, reclamava-se da 4ª Internacional.

A partir de 1944, Guillermo Lora concentra sua atividade nas minas, setor fundamental da classe operária na Bolívia. Em 1947 é eleito deputado pelo “Bloco Parlamentar Mineiro”. Mas, em 1949, teve que se exi-lar no Chile. É preso quando re-torna, permanecendo detido até abril de 1952.

Em abril de 1952, com o go-verno da Bolívia nas mãos de uma junta militar, um golpe de Estado fracassado provoca a mo-bilização das massas, que exigem o fim do governo militar.

O Movimento Nacional Rev-olucionário (MNR), partido nacionalista pequeno-burguês, que esperava se beneficiar da situação, canalizando a ação das massas, vê-se confrontado com o início da guerra civil. Os diri-gentes se resignam a armar os

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Guillermo Lora (1921-2009)

operários. A insurreição varre o poder de estado.

Nesses acontecimentos, no desenvolvimento da Revolução Boliviana em 1952-1953, o POR, sob a direção de Lora, desem-penha um importante papel. Ele preserva a independência do movimento operário frente à bur-guesia. Para isso, enfrenta uma grave luta interna, na qual a cor-rente animada por Lora se opõe aos representantes bolivianos do “Secretariado Internacional” re-visionista de Pablo e Mandel.

Em uma entrevista ao se-manário A VERDADE– então publicado pelo Partido Comu-nista Internacionalista, a seção francesa da 4ª Internacional, que tinha se oposto à política de liquidação pró-stalinista condu-zida por Pablo-Mandel –, ele de-clara notadamente:

“O Partido Operário Revolucionário, nossa seção, fortemente en-raizado nos setores mais importantes do proletari-ado, tem desenvolvido nos últimos meses uma grande campanha política, po-larizando politicamente amplos setores dos ex-plorados. Mesmo na ile-

galidade, o programa de-sta campanha foi lançado publicamente, ao mesmo tempo em que lançamos um apelo a todos os par-tidos de massas, entre os quais o MNR, para organi-zar uma frente comum de luta contra o imperialismo. O partido não alimenta ilusões sobre o anti-impe-rialimo pequeno-burguês, mas está particularmente interessado em ajudar os trabalhadores e os setores explorados da classe média a encontrarem o caminho revolucionário.”

Se o POR foi então capaz de apontar com sua ação o “caminho revolucionário” e de preservar a ação do movimento operário, após uma nova ditadura militar imposta com sangue, e isto ao preço de grandes sacrifícios, entre os quais o de César Lora, irmão de Guillermo, é porque a atividade do POR junto à classe operária, particularmente nos setores min-eiros, foi desenvolvida sobre uma clara linha política.

Esta linha foi notavelmente traduzida nas teses adotadas pela Federação Sindical dos Tra-balhadores Mineiros da Bolívia, em novembro de 1946. Esta fed-

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Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional

eração, em seguida, desempen-hou um papel central na consti-tuição da Confederação Operária Boliviana (COB), que ainda hoje é a base de organização do pro-letariado boliviano. Essas teses, chamadas “Teses de Pulacayo”, foram redigidas por Guillermo Lora. Elas constatavam que:

“O proletariado na Bolívia, como em outros lugares, constitui a classe social revolucionária por excelência (...). A Bolívia é um país capitalista atrasa-do; no seio de sua econo-mia, coexistem diferentes estágios de evolução e dife-rentes modos de produção, mas é o modo de produção capitalista o qualitativa-mente dominante. A hege-monia do proletariado na política nacional decorre desse estado de coisas (...).

Nós, trabalhadores mi-neiros, não insinuamos que se pode passar por alto das tarefas democrático-burguesas, ou seja, da luta pelos direitos democráticos elementares e pela reforma agrária anti-imperialista. Não negamos a existência da pequena burguesia, em sua maioria camponeses e

artesãos. Dizemos que, se não quisermos afogar no nascimento a revolução democrático-burguesa, temos de considerá-la ap-enas como uma fase da re-volução proletária (...).

Nós, trabalhadores das minas, denunciamos aos explorados os que preten-dem substituir a revolução proletária pelas revoluções palacianas fomentadas pe-los diversos setores da bur-guesia feudal.”

Durante a sucessão de gover-nos militares ou ditatoriais que es-magaram as liberdades democráti-cas, Guillermo Lora continuou a assumir suas tarefas de dirigente do POR, tanto na clandestinidade, quanto no exílio.

Ele deixa, igualmente, con-siderável obra histórica consa-grada à história da Bolívia e, em especial, à história de seu movi-mento operário.

Em 1970, Guillhermo Lora desempenhou um papel con-siderável no combate que levou não apenas à queda da junta militar e ao estabelecimento de um governo nacionalista bur-guês presidido pelo general Tor-res, mas também à constituição

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Guillermo Lora (1921-2009)

da Assembléia Popular, o ponto mais elevado atingido em sua luta pelas massas exploradas e oprimidas na Bolívia.

Esta assembléia, formada a partir das organizações da classe operária, de sua mobili-zação nas localidades e nas em-presas, englobando os setores oprimidos dos camponeses e da pequena burguesia das cidades, reuniu-se em 21 de junho de 1971. Uma vez aberta uma situação de duplo poder, a hierarquia militar reagiu com um levante armado a partir da província de Santa Cruz, que, após duros comba-tes, fez sub-mergir novamente a Bolívia num regime ditatorial.

Guillermo Lora publicou um livro sobre essa experiência, do qual foi extraído o texto discutido, em abril de 1972, na Conferência Latino-Americana pela Recon-strução da 4ª Internacional (texto publicado em “A Verdade” nº 557, de julho de 1971, páginas 36 a 53). Neste texto, Lora explica:

“A Assembléia foi, an-tes de tudo, uma autêntica criação das massas bo-livianas, e, em particular, do proletariado (...). A As-sembléia Popular foi desde

o início um organismo de caráter soviético.”

Lora estava então associado ao Comitê de Organização pela Reconstrução da 4ª Interna-cional (Corqui), com a corrente política que reproclamou a 4ª Internacional em 1993.

Seria desrespeitoso à memória do camarada Guillermo Lora não assinalar aqui as sérias divergên-cias políticas que, em diversas ocasiões, opuseram nossa cor-rente às posições que ele defen-deu. Essas divergências levaram a uma ruptura quando Guiller-mo Lora, abandonando toda uma parte de sua elaboração anterior, rejeitou, nos fatos, a frente única anti-imperialista, relegando a um segundo plano as reivindicações democráticas.

Esses desacordos surgiram, essencialmente, como resultado de apreciações diferentes da situ-ação e das tarefas na Bolívia. Na verdade, tiveram suas raízes na posição de Guillermo Lora, para quem a solução dos problemas e da crise da 4ª Internacional de-pendia exclusivamente da prévia construção de um partido revolu-cionário na Bolívia, o que o levou a abandonar o combate pela re-construção da 4ª Internacional.

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Comunicado do Secretariado Internacional da 4ª Internacional

Hoje, quando as massas bo-livianas estão escrevendo um novo capítulo de seu combate contra a dominação imperia-lista e contra a exploração, está se reconstituindo uma seção da 4ª Internacional. Junto com ela, saudamos a memória do cama-rada Guillermo Lora, militante revolucionário com o qual tra-balhamos em comum e que, aos nossos olhos, permaneceu um revolucionário, apesar dos pro-fundos desacordos políticos que levaram a uma ruptura com ele.

O legado da vida militante e da obra de Guillermo Lora é parte integrante do próprio de-senvolvimento do movimento operário. Isso ocorre pela ação e pela construção de uma seção da 4ª Internacional na Bolívia, que recuperará o que afirmou, em 1953, a resolução adotada pelo 10º Congresso do POR:

“Os filisteus podem prender e perseguir os combatentes da vanguar-da revolucionária, podem caluniar aqueles que lu-tam lado a lado com os operários nas fábricas, nas minas e com os cam-poneses, podem pagar detratores para insultar o POR, mas não têm ne-nhum poder para deter a roda da história. A vitória final será dos operários e camponeses! É assim que triunfará a revolução boliviana, que, pelo seu caráter permanente, é parte integrante da re-volução socialista mundi-al que acontece sob nossos olhos.”

Paris, 22 de maio de 2009

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Budapeste (Hungria), 4 de abril de 2009

Debate de lançamento do livro “�9�6, a revolução dos Conselhos Operários”

por A.K.

No sábado, 4 de abril, em Budapeste, as camaradas Marika Kovacs e Liliane Fraysse apresentaram a edição em língua húngara de seu livro “1956, a revolução dos Conselhos Operários”

Lembremos que a versão francesa deste livro surgiu há três anos, editada por Cahiers du Cermtri, sob o título de “Ou-tubro Húngaro de 1956 – A Re-volução dos Conselhos”, no qual nossa camarada Marika Kovacs relata as lembranças de sua par-ticipação, como jovem militante comunista, na Revolução Hún-gara. Ele foi traduzido para o húngaro por uma camarada que está na origem da existência do boletim húngaro “Informacio es

vita” (“Informações e debates”), publicado há dois anos.

Esta reunião na Hungria foi um duplo acontecimento. Primeiro porque, pela primeira vez, aparece na Hungria e em húngaro um livro que, como destacaram diversos partici-pantes do debate, restabelece a verdade histórica sobre o que foi a Revolução Húngara dos Con-selhos Operários : uma revo-lução política contra a burocra-cia stalinista, uma revolução na qual a classe operária hún-gara, se reapropriando de suas tradições cuja origem é a Revo-lução de 1919, na continuidade da Revolução Russa, dotou-se de seus próprios órgãos: os con-selhos operários.

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A.K

Ora, depois de 1956, não somente a burocracia buscou sufocar esta verdade histórica sob a tumba das calúnias, mas após sua queda, no final dos anos 1980, todos os regimes sucessivos que privatizaram e dividiram a propriedade social estão obstinados em impedir a classe operária húngara de to-mar conhecimento desta página fundamental de sua história. E isto por causa, precisamente, da continuidade entre o regime burocrático que acabou por es-magar os conselhos operários e o “novo regime” que surgiu de-pois de 1989.

Prova viva desta continui-dade: alguns dias antes desse debate, foi anunciada a de-missão do primeiro-ministro “socialista” Ferenc Gyurcsany. Primeiro-ministro de 2004 a 2009, Gyurcsany começou sua carreira no final dos anos 1980 na direção da organização da ju-ventude do regime burocrático. Em seguida, converteu-se aos “negócios”, após a queda do re-gime stalinista em 1989, antes de retomar o serviço no “Par-tido Socialista”, o principal par-tido oriundo do partido único da burocracia. Seus quatro anos à frente do governo foram mar-cados por uma ofensiva bru-

tal contra a classe operária e o campesinato, pela entrada da Hungria na União Europeia em 1º de maio de 2004, e, há alguns meses, pela submissão do país à tutela do FMI.

Uma demissão que diversos militantes húngaros têm acordo em comentar assim: Gyurcsany, cuja política de privatização-pil-hagem a serviço da União Euro-peia foi rejeitada pelas massas, não era capaz de servir até o fim de correia de transmissão das exigências que o FMI acaba de formular ao governo húngaro “em troca” dos créditos concedi-dos. E isso quando as multina-cionais, implantadas na Hungria há mais de quinze anos devido ao “baixo custo de trabalho” (particularmente por causa da proibição dos sindicatos nessas empresas), multiplicam as on-das de demissões.

O novo governo – dirigido, por proposta do mesmo Gyurc-sany, por seu antigo ministro da Economia Gordon Bajnai – informou imediatamente que convocaria os sindicatos a fim de comprometê-los a aceitar os drásticos cortes nas despesas públicas. Está previsto, em par-ticular, tentar impor, em todos os setores do estado, “a semana

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de quatro dias de trabalho”... com uma redução de 20% dos salários. “É contra isso”, afirma uma mili-tante húngara, “que todos os sin-dicatos se opõem até o momento”.

Compreendemos então para que serve a verdadeira cam-panha de progrons (1) contra a minoria cigana (17 mortos, ho-mens, mulheres e crianças, des-de 1º de janeiro de 2009), orga-nizada pelo grupo provocador “A Guarda Húngara”, visando opor os trabalhadores entre si, como aconteceu, sob outras for-mas, na ex-Iugoslávia.

O debate organizado pelas ca-maradas Marika Kovacs e Liliane Fraysse (que ocorreu no Club Kossuth (2)) não esteve limitado a aspectos históricos, mas asso-ciou permanentemente as lem-branças de Marika Kovacs com a sua atualidade, em relação direta com a situação internacional e a da própria Hungria.

Abrindo a discussão, uma militante do grupo húngaro “In-formacio es vita” declara:

“Muitos livros foram escritos sobre 1956, mas a maioria é parcial, partin-do de pré-julgamentos políticos e ideológicos. Eu mesmo me perguntei o que realmente foi 1956: uma revolta? Uma revolução? Aqueles que, como Mari-ka, o viveram, podem re-sponder, para pertimitir a cada um julgar a questão por si mesmo.

Depois de ter lido este livro, eu diria que está claro que os conselhos operários foram uma re-volução, pois os conselhos sempre proclamaram: ‘Não entregaremos as fá-bricas e as terras, que per-tencem aos operários e aos camponeses’. Os conselhos recusaram o retorno do capitalismo e combateram pelo socialismo numa Hun-gria independente.

O conselho de estu-dantes (do qual Marika era uma militante) declarou:

1 – Progrom – Perseguição e massacre étnico contra minorias (NdE).

2 – Lajos Kossuth (1802-1894) – Herói do movimento revolucionário nacional e democrático na Hungria. Deputado durante a Revolução de 1848, tomou posição no fim de sua vida por uma federação dos povos e nações livres da região dos Bálcãs e do Danúbio.

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‘A fábrica pertence aos operários, e os conselhos operários são a forma de organização mais elevada’. Para mim, este livro foi útil, e vai servir a outros. É um ponto de vista diferente. A pessoa que o escreveu se comporta como uma militante comunista e leni- nista. Convido-os então a uma discussão livre e sem constrangimentos.”

Marika Kovacs tomou então a palavra para apresentar o liv-ro e contar como, “durante um longo tempo, depois de ser con-strangida a deixar a Hungria após a revolução, buscamos um caminho”... caminho que a le-vou a conhecer a obra de Trotsky analisando a degenerescência da URSS, o livro “A Revolução Traída”, por meio de militan-tes da Organização Comunista Internacionalista (OCI, pela re-construção da 4ª Internacio-nal), e a unir-se ao combate pela 4ª Internacional.

Na sala, perto de 35 militan-tes, de todas as gerações, es-cutaram atentamente e também falaram. Alguns, como três mili-tantes de um comitê sindical da metalurgia, percorreram 160 quilômetros de ida e volta para

assistir ao debate. Uma destas jovens militantes operárias nos confidenciou, após o debate: “Eu poderia escutá-los durante toda a noite!”

Outros vieram de ainda mais longe, como camaradas de uma região da Eslováquia onde vive uma importante minoria hún-gara. Na partida, todos pegaram exemplares do livro para difundir.

“É necessário um partido?”

Um professor de filosofia – que tomou conhecimento do conteúdo do livro em sua versão francesa – foi um dos primeiros a tomar a palavra:

“A primeira coisa que me surpreendeu foi o tí-tulo, pois é indispensável para afirmar o que ver-dadeiramente foi 1956: uma revolução operária, a revolução dos conselhos operários. Em segundo lugar, é muito importante o que Marika conta sobre sua infância no interior. Agora, muitos jovens não sabem o que era a vida difícil no campo há 60 anos ou mais. É importante lembrar, pois isso permite ver como a vida dos cam-

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poneses melhorou e tam-bém para medir o que nós perdemos nos últimos 15 anos.

Este livro é, além disso, na minha opinião, par-ticularmente importante para a nova geração. Pois, através da história pes-soal de Marika, a maneira como ela se tornou mem-bro do partido, permite-se compreender o que a le-vou a abrir os olhos, com-preender que a realidade não era o que ela tinha pensado, entender a ce-gueira do stalinismo até o ponto da ruptura com ele. Enfim, este livro co-loca uma questão política abordada por Marika e que abre uma discussão: é necessário um partido? Os conselhos operários fiz-eram uma demonstração de que eram capazes de as-sumir a organização da so-ciedade, a revitalização, a organização da produção. Então, há realmente neces-sidade de um partido?”

Ele concluiu sua intervenção novamente sublinhando:

“Que a juventude leia este

livro! É um excelente instru-mento de propaganda, que ajuda a descobrir os fatos.”

Uma novidade: a edição em húngaro do Programa de Transição

Numa de suas intervenções, Marika retomou estas questões políticas:

“É verdade que, em 1956, os conselhos operários tin-ham assumido a sociedade e que demonstraram que eram capazes de dirigi-la. Minha opinião, e aquela de meus camaradas, é que é necessário destruir este sistema capitalista mun-dial em plena crise, que já causou tantos prejuízos. Quem pode acabar com este sistema?

Vivemos num nundo no qual há classes sociais. Como Marx demonstrou há mais de 150 anos, toda a riqueza é produzida pela classe tra-balhadora. Podemos utilizar não importa qual máquina moderna: ela não existiria nem funcionaria sem o tra-balho humano. Mas a classe que produz todas as rique-zas é sempre oprimida por

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aquela que possui os meios de produção.

Hoje, esta classe domi-nante tornou-se um fator de guerra, de decomposição por meio da especulação. O que deixaremos a nossos netos se não revertermos este sistema? Então, o pro-blema colocado é ainda hoje o do combate pelo social-ismo, por uma sociedade baseada no trabalho, sem exploração nem opressão.

Os conselhos operários fracassaram em 1956, pois estavam sós; o stalinismo, para esmagá-los, os ha-via isolado do movimento operário internacional. Os conselhos hesitaram e não derrubaram o governo, deixando em suas mãos o poder político. Portanto, creio que os operários têm necessidade de um partido que ajude a desenvolver a consciência das mas-sas, que ajude a combater pela democracia, ou seja, por representantes eleitos, mandatados e revogáveis pelos trabalhadores.

Para isso é necessário nos organizarmos. Pode

ser dito que não somos muitos? Mas se aqueles que estão aqui disserem: ‘Não podemos continuar como antes’, nós ajudaremos a expressar o que é a aspira-ção da maioria do povo.”

Marika abordou em seguida os problemas políticos da luta de classes na França, os obstácu-los para as “jornadas de ação”, a campanha do Partido Operário Independente (POI) pela mar-cha unida pela proibição das de-missões, a necessidade do com-bate para acabar com a União Europeia, por uma Federação Livre dos Povos da Europa e da Região Balcânica-Danubiana etc. E concluiu:

“Então, sim, eu tenho meu partido. Mas qual deve ser o dever de um par-tido? Demonstrar os fatos e permitir aos trabalha- dores avançarem.”

É precisamente para contri-buir com esta reflexão que foi apresentada aos participantes do debate uma edição em lín-gua húngara do programa da 4ª Internacional, “A Agonia do Capitalismo e as Tarefas da 4ª Internacional”, conhecido como Programa de Transição, que acaba

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de ser traduzido pela primeira vez para o húngaro desde sua redação e adoção em 1938, e cuja difusão e discussão foram assumidas por um grupo de militantes que pre-param o 7º Congressso Mundial da 4ª Internacional.

Trata-se de um reagrupa-mento de militantes que, por toda parte, começou a subme-ter à discussão dos militantes operários de todas as tendên-cias um projeto de chamamento visando a formular uma saída para a crise.