A Variação Do Português Em Comunidades Afro

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Variação Linguística.

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A VARIAO DO PORTUGUS EM COMUNIDADES AFRO-BRASILEIRAS DO RIO GRANDE DO SUL

Antonio Carlos Santana de SOUZA[footnoteRef:1] [1: Docente do Programa de Mestrado em Letras da UEMS. Lder do Ncleo de Pesquisa e Estudos Sociolingusticos, Dialetolgicos e Discursivos (NUPESDD-UEMS). E-mail: [email protected]]

RESUMO: O presente trabalho perscruta a influncia do contato lingustico de afrodescendentes do Rio Grande do Sul (RS). A anlise d especial ateno aos fenmenos que remontem a uma Origem Africana ou que rumem para o Portugus Contemporneo e alinha-se teoricamente a outros estudos de lnguas africanas e seu contato com o portugus (VOGT; FRY, 1996; FIORIN; PETTER, 2009; LUCCHESI, 2009). Temos no 155 Comunidades Afro-brasileiras com 3831 famlias. As comunidades selecionadas para este trabalho foram: 1) Regio do Litoral/Lagunas Morro Alto (Osrio); 2) Regio Metropolitana Famlia Fidelix (Porto Alegre); 3) Regio das Antigas Charqueadas Maambique (Canguu); 4) Regio dos Pampas Palmas (Bag); 5) Regio da Depresso Central Cerro Formigueiro (Formigueiro); 6) Serrana/Imigrao So Roque (Arroio do Meio) e 7) Regio das Misses Comunidade Quilombola Correa (Giru). Consideramos condicionamentos scio-histricos distintos, entre os quais grau de isolamento, localizao rural ou urbana, microrregio scio-cultural, presena de outras lnguas no entorno, antiguidade da comunidade ou toposttica da populao. Verificaram-se as marcas de africanidade que distinguem a variedade do portugus dessas comunidades do portugus falado no seu entorno, e em que medida se transfere variantes lingusticas do entorno para o portugus dessas comunidades. Os resultados advindos do trabalho de campo identificaram se o comportamento lingustico dos membros desse tipo de espacialidade lingustica era mais conservador e seguia deste modo, uma orientao mais centrpeta (para dentro da comunidade), ou se tendia a uma abertura para fora (orientao centrfuga), perdendo/abandonando neste sentido as marcas de africanidade que distinguem sua variedade da variedade do portugus do entorno.

Introduo

O presente trabalho perscrutou a influncia do contato lingustico entre afrodescendentes, nomeadamente quilombolas, e comunidades de fala presentes em seu entorno em diferentes reas scio-geogrficas do Rio Grande do Sul (RS). O objetivo central foi realizar uma macroanlise pluridimensional da variao do portugus nessas comunidades afro-brasileiras, dando especial ateno aos fenmenos que remontam, de um lado, a uma origem africana ou que, de outro lado, sinalizam uma mudana na direo do portugus contemporneo.Este estudo buscou contribuir, neste sentido, para integrar os estudos de lnguas africanas e de seu contato com a lngua portuguesa no Brasil, ampliando o conhecimento da lngua falada por afro-brasileiros (PESSOA DE CASTRO, 1990; VOGT; FRY, 1996; CARENO, 1997; PETTER, 2001 e 2002; PETTER; FIORIN, 2009; LUCCHESI, 2009).

Comunidades afro-brasileiras no Rio Grande do Sul

Oficialmente em 2013, existem 2.408 comunidades remanescentes de quilombos identificadas no Pas, mas acredita-se que h de 4 a 5 mil, com uma populao estimada de 2 milhes de pessoas.

Figura: Mapa do Estado do Rio Grande do Sul dividido em regies (Fonte: http://img.radios.com.br/mapas/brasil_riograndesul.gif).

O RS conta, atualmente, com 155 comunidades afro-brasileiras que englobam 3831 famlias. As comunidades selecionadas para esta anlise foram:1) Regio do Litoral/Lagunas: RS01 Morro Alto (Osrio).2) Regio Metropolitana: RS02 Famlia Fidelix (Porto Alegre).3) Regio das Antigas Charqueadas RS03 Maambique (Canguu).4) Regio dos Pampas: RS04 Palmas (Bag).5) Regio da Depresso Central: RS05 Cerro Formigueiro (Formigueiro).6) Serrana/Imigrao: RS06 So Roque (Arroio do Meio).7) Regio das Misses: RS07 Comunidade Quilombola Correa (Giru).

As localidades selecionadas diferenciam-se por uma srie de fatores, seja de ordem scio-histrica, poltica ou geogrfico, que podem influenciar a lngua (portuguesa) falada nessas comunidades. Trata-se, em termos dialetolgicos, de espaos descontnuos que lembram ilhas lingusticas, ocupadas por determinada populao caracterizada por traos como origem tnica e lngua particular, em que possvel identificar a comunidade afro-brasileira como um grupo minoritrio diferente de outros.

Para investigar a variedade do portugus falado nessas comunidades, nos baseamos na perspectiva terica da dialetologia pluridimensional, conforme Thun (1998), Radtke e Thun (1996), a qual inclui nas pesquisas lingusticas diferentes dimenses espaciais e sociais em comunidades de fala distintas. Segundo Thun (1998), a dialetologia pluridimensional pode ser compreendida como a cincia geral da variao lingustica e das relaes entre variantes e variedades de um lado e de falantes de outro. dimenso diatpica ou areal da geolingustica tradicional se incorporam outras dimenses, tais como a idade (dimenso diageracional) e o sexo (dimenso diassexual) etc. Dialetologia Pluridimensional

Dialetologia tradicional: valoriza a anlise espacial, mas deixa de abordar diferentes variveis extralingusticas;

Sociolingustica: aborda diferentes dimenses em apenas um determinado espao;

Dialetologia pluridimensional: busca suprir as lacunas existentes nessas duas abordagens ao analisar diferentes variveis extralingusticas em diversos pontos de pesquisa (THUN, 1998, 2010).

Figura: Modelo da dialetologia pluridimensional e relacional, segundo o esquema de Thun (1998, p. 705)

O que a pluridimensionalidade pretende evitar as concluses perigosas da dialetologia monodimensional da suposta uniformidade e ausncia de variabilidade lingustica. O estudo a observao da variao orienta-se por um conjunto de dimenses de anlise, atravs das quais se busca organizar o caos aparente da variao lingustica e captar os aspectos centrais que caracterizam o comportamento lingustico em determinada rea de estudo.Atravs desse modelo de macroanlise da variao e dos contatos lingusticos, foi possvel identificar no comportamento lingustico varivel das sete comunidades afro-brasileiras alguns fatores determinantes da variao e mudana do portugus, apontados pelos dados dos diferentes pontos de pesquisa (dimenso diatpica), grupos etrios GII e GI (dimenso diageracional) e falantes homens e mulheres (dimenso diassexual). Frente impossibilidade de se poder considerar o Rio Grande do Sul como um bloco lingustico uniforme, preciso partir do pressuposto de que o portugus sul rio-grandense comporta subvariedades que podem ser associadas microreas de variao, condicionadas por fatores histricos, scio-culturais e geogrficos, entre os quais reas de fronteira, de campo, de serra e de litoral, bem como reas de imigrao, de colonizao antiga e recente, urbanas e rurais.

As contribuies de projetos como o Atlas Lingustico-Etnogrfico da Regio Sul do Brasil (ALERS, 2011a e 2011b) e Variao Lingustica Urbana da Regio Sul (VARSUL) tm mostrado a relevncia dos contatos lingusticos para essa configurao lingustica do territrio (ALTENHOFEN, 2008). Torna-se necessrio, assim, considerar a dimenso diatpica das comunidades afro-brasileiras, seu contexto histrico e geogrfico, a fim de evitar generalizaes que impediriam a observao e anlise de processos regionais particulares que, alm de caracterizarem as respectivas comunidades, permitem comparar e compreender melhor os diversos fatores sociais subjacentes ao comportamento lingustico dos falantes em cada ponto de pesquisa.

Afrodescendentes no contexto das lnguas minoritrias

Lngua minoritria pode ser entendida como toda e qualquer lngua falada por uma minoria num estado nacional. Partindo deste princpio, o Grupo de Trabalho da Diversidade Lingustica do Brasil (GTDL), em Seminrio realizado no ano de 2006, comeou a discutir acerca da Criao do Livro de Registro das Lnguas.Segundo o Livro de Registro de Lnguas do IPHAN, no Brasil, alm da Lngua Portuguesa, temos mais de 200 lnguas sendo faladas. As naes indgenas do pas falam cerca de 180 lnguas (chamadas de autctones), e as comunidades de descendentes de imigrantes cerca de 30 lnguas (chamadas de lnguas alctones). Alm disso, usam-se pelo menos duas lnguas de sinais de comunidades surdas, lnguas afro-brasileiras, e prticas lingusticas diferenciadas nos quilombos, muitos j reconhecidos pelo Estado, e outras comunidades afro-brasileiras. Finalmente, h uma ampla riqueza de usos, prticas e variedades no mbito da prpria lngua portuguesa falada no Brasil, diferenas estas de carter diatpico (variaes regionais) e diastrtico (variaes de classes sociais) pelo menos. Somos, portanto, um pas de muitas lnguas, tal qual a maioria dos pases do mundo (em 94% dos pases so faladas mais de uma lngua).No tocante a herana lingustica africana, as lnguas que aqui aportaram no se estabeleceram por vrios motivos que no vem a propsito nesta pesquisa. A variedade dialetal falada em comunidades afro-brasileiras designada pelo GTDL como lnguas de comunidades afro-brasileiras. Essa definio se baseou na manifestao de usos especficos, seja como lnguas rituais (por exemplo, as usadas nos cultos afro-brasileiros), seja como lnguas secretas que identificam afrodescendentes como a Gira da Tabatinga fruto de remanescentes de uma das duas famlias de Bom Despacho/MG detentoras da tradio lingustico-cultural africana.Essa lngua de comunidade afro-brasileira composta por um portugus rural do Brasil-Colnia e por lnguas do grupo Bantu, com predomnio do quimbundo e umbundo, faladas at hoje em Angola. A lngua praticada na Comunidade Afro-brasileira da Tabatinga considerada uma lngua minoritria de base africana, reconhecida por sua riqueza, sua funo histrica e sua legitimidade. Mas ainda est longe o dia em que as lnguas minoritrias, como indgenas e africanas, passaro a ser lnguas naturais e no dialetos marginalizados e estigmatizados pela cultura dominante.Porm, esse uso de uma lngua de comunidade afro-brasileira, realizada somente pela prtica oral perde cada vez mais espao para a lngua escrita, principalmente por sua prtica nas escolas etc., e como critrio de insero social; colocando em desuso as lnguas minoritrias. Est em jogo a questo do prestgio da escrita em relao as lnguas africanas. A resistncia para tratar de questes relativas s lnguas africanas no Brasil comea, antes de tudo, pelo prestgio atribudo escrita em detrimento da oralidade, a partir de uma pedagogia vigente no mundo ocidental, que sempre privilegiou o ler e o escrever diante da no menos importante e mais antiga arte do falar e do ouvir.O plurilinguismo uma caracterstica que ocorre na grande maioria dos pases e no Brasil no diferente. S que aqui, devido s represses, os afrodescendentes, passaram obrigatoriamente a usar a lngua portuguesa; deixando o uso de suas lnguas ou cdigos em grupos especficos, como a linguagem-ritual usada nos cultos de origem afro e afro-brasileiro, e tambm como lngua secreta, usadas, por exemplo, nas atuais comunidades afro-brasileiras, ou seja, as referidas representaes lingusticas existentes hoje esto em grupos pequenos e com um nmero de lxico bastante reduzido:

I Os cultos de tipo candombl das diferentes naes (nag-quetu, jeje, angola) utilizam diversas lnguas: iorub, em todos os cultos e principalmente na nao nag-quetu; ewe-fon, nos cultos jeje; quimbundu e quicongo, no candombl de Angola. No Maranho, no tambor de mina, h um misto de lngua mina-nag.

II Nos cultos de umbanda religio brasileira formada do encontro de cultos africanos e tradies indgenas com o espiritismo e o catolicismo fala-se portugus brasileiro popular, com vocabulrio, semantismo e traos morfossintticos particulares, prprios da entidade incorporada pelo mdium no estado de transe (BONVINI; PETTER, 1998, p. 78).

III Por comunidades negras rurais, como forma de resistncia cultural foi registrado por duas obras: uma sobre a linguagem do Cafund, em So Paulo (Vogt; Fry, 1996) e outra a respeito da linguagem da Tabatinga, em Minas Gerais (Queiroz, 1998). Em Minas Gerais h menes sobre situao semelhante no povoado de Milho Verde e em Capela Nova (QUEIROZ, 1998, p. 32).

IV [...] Vogt; Fry relatam a existncia em Patrocnio (MG), de uma lngua identificada como calunga, com um lxico bastante semelhante ao do Cafund, mas com um uso bastante distinto: ela falada por brancos e negros, indistintamente (VOGT; FRY, 1996, p. 234-255).

Espao e sociedade na relao entre sociolingustica e dialetologia

Conforme observa Altenhofen (2014), fronteiras polticas e fronteiras lingusticas dificilmente coincidem. Neste estudo, ao tratar desta temtica percebemos que mesmo os quilombos dentro das reas determinadas diferem linguisticamente. As lnguas variam internamente e de status, podendo ser a) lngua majoritria ou minoritria, b) central ou perifrica, ou ainda c) lngua oficial ou marginal. As lnguas que foram trazidas para o Brasil pelo escravizados nunca teve um status de majoritria, portanto, sempre fora considerada minoritria.Isso faz com que lnguas muito distintas ocupem territrios e constituam territorialidades

Por territorialidade entendo, aqui, o espao de uso real ou potencial de uma variedade ou variante lingustica. O territrio , em contrapartida, a base fsico-geogrfica, a rea onde se constituem territorialidades distintas. Consequentemente, a territorializao refere-se ao de ocupar territrios e definir a territorialidades, que, como veremos, podem ocorrer em diversos nveis, desde o situacional at o geogrfico (ALTENHOFEN, 2014, p. 73).

A situao que se apresenta no Rio Grande do Sul de contato do portugus com vrias outras lnguas, dentre elas com lnguas indgenas num primeiro momento, lnguas africanas num segundo momento, e por ltimo, lnguas de imigrao (alctones) vindas a partir da segunda metade do sculo XIX. O que est ocorrendo a partir do contato destas lnguas o que Altenhofen (2014) denomina de territorializao horizontal, ou seja, territorialidades com menor densidade de ocupao de espao. Pesquisas atuais do conta de que desde o sc. XIX passou-se ao processo de territorializao vertical, atravs do qual o portugus vem substituindo a territorialidade das lnguas as com quais entrou em contato (PONSO, 2003; MARGOTTI, 2004; LEO, 2007; PERTILE, 2009; DCK, 2011; HORST, 2014).

Dimenses de anlise

De acordo com os objetivos propostos para esta pesquisa, sero controladas trs dimenses e parmetros da amostra, segundo o Quadro a seguir.Alm dos parmetros elencados no Quadro consideramos o critrio de ter nascido e vivido sempre ou a maior parte de sua vida na comunidade onde mora.

DIMENSOPARMETROCRITRIO

diatpicaToposttico (informantes no trocam de quilombo)quilombo rural quilombo urbanoSete localidades de pesquisa:RS01 Regio do Litoral/Lagunas Morro Alto (Osrio).RS02 Regio Metropolitana Famlia Fidelix (Porto Alegre).RS 03 Regio dos Pampas e Antigas Charqueadas Maambique (Canguu).RS04 Regio da Campanha Quilombo de Palmas (Bag)RS05 Regio da Depresso Central Cerro Formigueiro (Formigueiro).RS06 Serrana /Imigrao So Roque (Arroio do Meio).RS07 Regio das Misses Comunidade Quilombola Correa (Giru).

diastrticaSe: Sem EscolaridadeCe: Com EscolaridadeSe: Sem EscolaridadeCe: Com EscolaridadeNO ser considerada, pois um dos critrios para a entrevista era !escolaridade preferencialmente inferior a Ensino Mdio.

diageracionalGII (gerao velha)GI (gerao jovem)GII: idade acima de 55 anosGI: idade entre 18 e 36 anosForam realizadas entrevistas separadas com os mais velhos e os mais jovens.

diassexualH: HomensM: MulheresA variao diassexual ser observada apenas de forma qualitativa, por meio da pluralidade simultnea de informantes, que rene homens e mulheres de mesma gerao e perfil scio-cultural na mesma entrevista.

diafsicaResp: respostas ao questionrioTx: conversa livre (etnotextos)

NO ser considerada, apesar da ateno a dados de entrevista com questionrio e conversa livre, porm de forma qualitativa.

diarreferencialLg: fala objetivaMLg: fala metalingusticaAnlise qualitativa de dados obtidos por meio da tcnica de entrevista em trs tempos: perguntar insistir - sugerir

diareligiosaMafri: cultos de matriz africanaCrist: cristo (catlico, evanglico etc)

NO ser considerada, ser dada ateno religio, porm de forma qualitativa.

dialingual (contatual)Conta: monolngues e/ou contato com lngua alctonesLafri: praticantes de lnguas ritualsticas de religies de matriz africana

NO ser considerada, porm ser dada ateno para situaes de contato lnguas autctones e lnguas alctones e para praticantes de lnguas ritualsticas de religies de matriz africana.

Quadro Dimenses e parmetros de anlise da pesquisa

Coleta dos dados

Para a coleta de dados visitamos sete comunidades quilombolas em sete Regies distintas do RS. Nossa inteno num primeiro momento, era entrevistar, um homem e uma mulher da gerao mais velha juntos; e num segundo momento, um homem e uma mulher da gerao mais nova; no necessariamente nesta ordem. A boa vontade em participar da pesquisa fez com que em algumas comunidades houvesse uma pluralidade de entrevistados. Nestes pontos houve a presena de informantes, como segue:

PontoComunidadeGIImGIIfGImGIfTotal

RS01Morro Alto21003

RS02Famlia Fidelix11114

RS 03Maambique12126

RS04Quilombo de Palmas12115

RS05Cerro Formigueiro11125

RS06So Roque12216

RS07Comunidade Quilombola Correa12115

81078

Total Geral34

Quadro: Nmero de informantes.

Esta pesquisa tem um carter inovador, uma vez que fizemos uma macroanlise pluridimensional e relacional do portugus falado por afrodescendentes de comunidades afro-brasileiras do Rio Grande do Sul situadas em sete pontos distintos entre si.Aps a etiquetagem dos dados, investigamos ponto por ponto como se constituiu e constitui a variedade local das comunidades quilombolas, buscando descobrir se elas mantm ou substitui variantes de origem africana ou mais arcaicas, ou seja, se configuram uma variedade mais conservadora ou mais contempornea. Em seguida verificamos se a variedade local do portugus convergia ou divergia do portugus do entorno; por fim, se se distancia ou aproxima do standard/substandard do portugus do Brasil, ou melhor, se, mostram uma variedade mais normatizada ou mais popular, levando-se em conta os traos caractersticos:

[+ peculiar] [+ nivelamento][+ conservador/ arcaico][+ mudana lingustica][+ africano][+ substituio lingustica][+ popular][+ normatizao]

Essa identificao serviu de base para a cartografia e anlises quantitativas.

Macrotendncias observadas

A anlise particularizada de cada um dos mapas elaborados para a presente artigo permitiu observar algumas macrotendncias que confirmam ou rebatem expectativas formuladas no incio da pesquisa:a) No plano diatpico, pode-se destacar as seguintes tendncias:1) RS01 (litorneo) e RS02 (urbano) so os pontos que mais conhecem a forma [+afro]. Por extenso, parecem ser os pontos com maior conscincia das marcas de africanidade (v. mapas 028 e seguintes provam isso); 2) RS03 (charqueadas) e RS04 (pampas) sugerem um comportamento fortemente convergente e assimilvel ao portugus do entorno. Tm, por isso, um comportamento regional prprio (cf. mapas 028b). RS04 parece ser o ponto mais conservador, mesmo que muitas vezes predomine uma variante que poderia ser no exclusiva da influncia afro; 3) por fim, RS05 (regio central) constituiu um ponto parte, com um comportamento de perda acentuada, como em parte tambm RS07; 4) os pontos RS02, RS03 e RS05 muitas vezes compartilham comportamentos que parecem sinalizar uma influncia dos centros urbanos em torno (Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria); 5) O ponto RS06 (de imigrao) parece ser o ponto que mais reflete a influncia do contato com lngua imigrao, ao lado do ponto RS07 (missioneiro) que tambm possui influncia de imigrao, pelo menos na variao fontica (cf. mapas 001-003, 015, 016).6) Os pontos situados mais ao norte (Litoral RS01, Imigrao RS06, Misses RS07) e, em posio intermediria, RS05, levantam a hiptese de influncia paulista de um portugus popular de base caipira, provavelmente em virtude das rotas de tropeiros, por exemplo, na ocorrncia de /r/ retroflexo. compartilham igualmente marcas que parecem contrastar com o portugus rio-grandense de influncia paulista e de imigrao7) Os pontos RS05 e RS07 so os que menos conhecem a forma [+afro] (cf. mapas 028d e 035).b) Na dimenso diassexual, evidencia-se, de modo geral, que as mulheres, mesmo as GII, tendem a um comportamento de maior adeso s inovaes ou s variantes do portugus do entorno, de fora das comunidades afro-brasileiras. Isso pode se explicar pelo papel social das mulheres que mantinham um contato maior com falantes lusos, tendo em vista sua atividade como servindo os senhores/os donos. c) Os falantes homens GII, em contrapartida, parecem constituir o grupo mais conservador. Entre os jovens, tambm primordialmente o grupo GIm que mais mantm variantes [+afro] no portugus.d) A anlise da variao lexical do portugus das comunidades afro-brasileiras analisadas no RS sinaliza fortemente uma mudana em curso em dois sentidos: 1) de um lado constata-se, atravs dos dados cartografados, uma perda significativa de variantes [+ afro] da GII para GI;2) de outro lado, verifica-se no sentido contrrio uma reintegrao de formas [+ afro], provavelmente resultantes em grande parte do portugus geral falado no entorno destas comunidades tanto de/quanto de uma conscincia identitria acentuada por meio do movimento negro; a comparao diageracional permite levantar essa hiptese.

Consideraes Finais

guisa de concluso, vale destacar ao menos dois pontos relevantes que serviram de motivao finalizao deste estudo. Primeiro, tratar-se da linguagem de um tipo de minoria cuja linguagem no se encontra em um processo de obsolescncia no que diz respeito espacialidade sul-riograndense. Temos plena certeza que com esse trabalho, pelo menos parte de nossa riqueza lingustica fica registrada. Em segundo lugar, o estudo tem seu valor como registro de uma fala regional brasileira, especficamente do RS; afinal, o que as comunidades afro-brasileiras estudadas falam uma variedade do portugus.Este trabalho foi a tentativa de romper paradigmas. Com todas as deficincias e lacunas que reconhecemos neste trabalho e a pesquisa com os dados levantados deve continuar com certeza, visto que h ainda muitos dados por analisar no corpus levantado se o presente estudo proporcionou um olhar e uma perspectiva diferente de estudo das relaes entre lngua e sociedade em comunidades afro-brasileiras do Brasil, em toda a sua diversidade representada, neste recorte do Rio Grande do Sul litoral, metrpole, charqueada, pampa, imigrao, planalto central e Misses (colnias novas) Eu enquanto autor, que se considera parte dessa histria, j se dar por satisfeito pela contribuio prestada. Entender como se constitui ou desconstitui a lngua de um grupo humano , alis, o primeiro passo para a afirmao de sua identidade.A realizao deste estudo permitiu, enfim, entender um pouco melhor a dinmica de formao do portugus em comunidades desse tipo, historicamente segregadas em virtude de sua condio de opresso, porm no descontextualizadas, tampouco to isoladas que s se possa pensar em formas arcaicas. Um ponto central que no se pode esquecer que essas comunidades se constituram, acima de tudo, em situaes de contato lingustico com a sociedade do entorno. O portugus dos afro-brasileiros, nos dias atuais, essencialmente o resultado dos contatos lingusticos desses grupos de fala com o portugus da sociedade e cultura dominante em que esto inseridos.

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ANEXOS