A VARIAÇÃO DIAGERACIONAL NAS CAPITAIS DO PROJETO … · de seu contexto e a conservação de...

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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 3 Número 9 março 2013 Edição Especial Homenageada PROFESSORA DOUTORA MARIA LUIZA BRAGA 70 A VARIAÇÃO DIAGERACIONAL NAS CAPITAIS DO PROJETO ALiB Marcela Moura Torres Paim (UFBA) 1 [email protected] RESUMO: Este artigo investiga como a linguagem de indivíduos apresenta marcas linguísticas específicas que constroem, mantêm e projetam a identidade social de faixa etária em inquéritos do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB) a partir da utilização do léxico como fator diageracional dos indivíduos no grupo etário ao qual fazem parte. A metodologia empregada consistiu na realização das seguintes etapas: 1) leitura de textos teóricos referentes ao tema proposto; 2) escolha e formação do corpus, constituídos de inquéritos das capitais do Projeto ALiB; 3) análise do corpus a fim de verificar marcas linguísticas transmissoras da construção, projeção e manutenção da identidade social de faixa etária. As análises dos inquéritos selecionados buscam estudar os itens lexicais presentes no repertório linguístico de informantes da faixa I (18-30 anos) e faixa II (50-65 anos) do Questionário Semântico Lexical do Projeto Atlas Linguístico do Brasil do campo semântico ciclos da vida (menstruação) com o intuito de verificar a seleção lexical realizada por informantes de diferentes faixas etárias das diferentes capitais do país. A análise do corpus possibilitou realizar o registro e a documentação da diversidade lexical do português falado no Brasil, seguindo os princípios da Geolinguística Pluridimensional em que o registro segue os parâmetros diatópicos e diastráticos. PALAVRAS-CHAVE: Geolinguística, Léxico, Variação. ABSTRACT This paper investigates how individuals’ language presents specific linguistic marks that construct, maintain and project the age-group social identity in the questionnaire of the ALiB Project, based on the use of the lexicon as a generational factor of individuals within their age-group. The methodology used was based on the performance of the following stages: 1) reading of the theoretical texts related to the proposed theme; 2) choice and formation of the corpus, made up of inquests of the ALiB Project in different capitals; 3) analysis of the corpus in order to verify linguistic marks that transmit the construction, projection and maintenance of the age-group social identity. The analyses of the selected inquiries try to study the lexical items present in the semantic field of the life cycles (menstruation), with the aim of verifying the lexical selection carried out by the informers from different age-groups in the different capitals of the country. The analysis of the corpus enabled the realization of the register and the documentation of lexical diversity of the Portuguese language spoken in Brazil, according to the principles of the Pluridimensional Geolinguistics in which the register follows specific parameters. KEY-WORDS: Geolinguistics, Lexicon, Variation. 1 Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia, com atuação no Instituto de Letras, no Departamento de Letras Vernáculas.

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A VARIAÇÃO DIAGERACIONAL NAS CAPITAIS DO PROJETO

ALiB

Marcela Moura Torres Paim (UFBA)

1

[email protected]

RESUMO: Este artigo investiga como a linguagem de indivíduos apresenta marcas linguísticas

específicas que constroem, mantêm e projetam a identidade social de faixa etária em inquéritos do Projeto

Atlas Linguístico do Brasil (ALiB) a partir da utilização do léxico como fator diageracional dos

indivíduos no grupo etário ao qual fazem parte. A metodologia empregada consistiu na realização das

seguintes etapas: 1) leitura de textos teóricos referentes ao tema proposto; 2) escolha e formação do

corpus, constituídos de inquéritos das capitais do Projeto ALiB; 3) análise do corpus a fim de verificar

marcas linguísticas transmissoras da construção, projeção e manutenção da identidade social de faixa

etária. As análises dos inquéritos selecionados buscam estudar os itens lexicais presentes no repertório

linguístico de informantes da faixa I (18-30 anos) e faixa II (50-65 anos) do Questionário Semântico

Lexical do Projeto Atlas Linguístico do Brasil do campo semântico ciclos da vida (menstruação) com o

intuito de verificar a seleção lexical realizada por informantes de diferentes faixas etárias das diferentes

capitais do país. A análise do corpus possibilitou realizar o registro e a documentação da diversidade

lexical do português falado no Brasil, seguindo os princípios da Geolinguística Pluridimensional em que

o registro segue os parâmetros diatópicos e diastráticos.

PALAVRAS-CHAVE: Geolinguística, Léxico, Variação.

ABSTRACT

This paper investigates how individuals’ language presents specific linguistic marks that construct,

maintain and project the age-group social identity in the questionnaire of the ALiB Project, based on the

use of the lexicon as a generational factor of individuals within their age-group. The methodology used

was based on the performance of the following stages: 1) reading of the theoretical texts related to the

proposed theme; 2) choice and formation of the corpus, made up of inquests of the ALiB Project in

different capitals; 3) analysis of the corpus in order to verify linguistic marks that transmit the

construction, projection and maintenance of the age-group social identity. The analyses of the selected

inquiries try to study the lexical items present in the semantic field of the life cycles (menstruation), with

the aim of verifying the lexical selection carried out by the informers from different age-groups in the

different capitals of the country. The analysis of the corpus enabled the realization of the register and the

documentation of lexical diversity of the Portuguese language spoken in Brazil, according to the

principles of the Pluridimensional Geolinguistics in which the register follows specific parameters.

KEY-WORDS: Geolinguistics, Lexicon, Variation.

1 Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia, com atuação no Instituto de Letras, no

Departamento de Letras Vernáculas.

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Estabelecendo um ponto de partida

Para realizar uma reflexão sobre as questões que envolvem a identidade social

tomou-se como ponto de partida a Teoria Social do Discurso por Fairclough em

Discurso e Mudança Social (2001). Segundo o referido estudioso, o discurso é um

modo de ação, uma maneira como as pessoas podem agir sobre o mundo e

especialmente sobre os outros, como também uma forma de representação. Nesse

sentido, o discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura

social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e

convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes.

Tendo em vista essa questão, é possível dizer que o discurso é uma prática de

significação do mundo, que pode construir o mundo em significados. Tal prática

focaliza, dentre os aspectos relacionados aos efeitos construtivos, a construção,

manutenção e projeção de identidades sociais. Em outras palavras, é possível afirmar

que o discurso é o local onde as identidades sociais podem ser construídas, projetadas e

mantidas.

Com o intuito de explicitar a concepção de identidade social adotada neste

trabalho em relação a essas abordagens, foi tomado como base o trabalho de Hoffnagel

(1999), considerado como exemplar para este tema. Demarcando uma perspectiva de

análise na sociolinguística interativa, Hoffnagel, (1999, p.81) comentando Ochs (1993,

p. 289), expõe que:

[...] a identidade social é formada de uma gama de personae sociais que pode

ser invocada ou atribuída ao longo da vida, não sendo, portanto, fixa nem

categórica, pois um indivíduo pode evidenciar aspectos diferentes como faixa

etária, sexo, profissão, etc, dependendo de com quem se está interagindo [...]

Neste trabalho, o foco direciona-se para uma das dimensões da identidade social:

identidade de faixa etária na fala de informantes a partir de inquéritos das capitais do

Projeto Atlas Linguístico do Brasil (Projeto ALiB), por meio da análise de itens do

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Questionário Semântico Lexical relacionados ao campo semântico ciclos da vida

(menstruação) a partir do repertório linguístico de informantes da faixa I (18-30 anos) e

faixa II (50-65 anos), com o objetivo de observar a seleção lexical feita por diferentes

faixas etárias das distintas capitais do país.

O trabalho com o léxico permite observar a leitura que uma comunidade realiza

de seu contexto e a conservação de parte da memória sócio-histórica e linguístico-

cultural da comunidade, além de permitir o registro da variação lexical e geolinguística

do português falado no Brasil. Desenvolver este trabalho também vem a colaborar para

o objetivo mais amplo do Projeto ALiB referente à descrição da realidade linguística do

Brasil, no que se diz respeito à língua portuguesa, enfatizando, como expõe Cardoso

(2010, p. 169), a identificação das variantes diatópicas (fônicas, morfossintáticas,

léxico-semânticas e prosódicas) consideradas na visão da geolinguística.

O relacionamento existente entre a identidade social de faixa etária e o léxico

Na contemporaneidade, é possível verificar que o ser humano pode possuir

múltiplas identidades, sendo inúmeros os traços disponíveis que possibilitam a

fundamentação das atribuições de identidade social de faixa etária. Segundo Preti (1991,

p. 75), existe no Brasil, e praticamente em todo o mundo, o aumento da população

idosa, gerando, também, o aumento do número de estudos relacionados a essa faixa

etária que possui traços específicos que podem ser explorados nos campos prosódico,

sintático, léxico e, sobretudo, discursivo ou conversacional. É justamente nesses últimos

campos, léxico, discursivo ou conversacional, que será evidenciado o estudo da

identidade social de faixa etária no discurso dos informantes do Projeto ALiB.

Analisando-se a questão da faixa etária, é possível mencionar que a linguagem

dos idosos pode ser estudada em três perspectivas que se relacionam e não são estáticas:

a de caráter cultural, social e psicológico individual. Na perspectiva de caráter cultural,

há a concepção de que os idosos devem ter um papel específico na sociedade em que

vivem, conforme a tradição cultural a que pertencem; na segunda perspectiva, a de

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caráter social, existe a ideia de que a sociedade tem uma postura relacionada aos idosos

e, de acordo com ela, processam-se as relações sociais entre os idosos e os demais

grupos etários; e, por último, pela ótica psicológico individual, existe a concepção de

que uma pessoa é tão velha quanto imagina ser.

Em geral, é possível mencionar que o levantamento das características peculiares

à fala das pessoas mais maduras, nos diferentes níveis de análise, revela que as

diferenças básicas entre essa linguagem e a dos falantes mais jovens estão muito mais

na intensificação das características comuns a ambos, do que propriamente nos traços

específicos. É o que ocorre com as repetições e suas várias espécies, como os

anacolutos, com as parentéticas e, principalmente, com as pausas, as hesitações e as

autocorreções.

Segundo expõe Preti (1991, p. 102), a linguagem dos idosos possui interferência

de fatores naturais, psicofísicos (maior lentidão das reações na comunicação ativa ou

receptiva, os problemas de audição e memória) e a outros de natureza sociocultural,

como a situação estigmatizada dos velhos na sociedade contemporânea, o que lhes

acarreta uma insegurança manifestada em todos os atos de sua vida e, muito

particularmente, no seu discurso. Mas, estas variações dos processos de repetição e as

autocorreções – que interferem na fluência do discurso de pessoas mais velhas – são

mecanismos estratégicos que elas utilizam para compensar problemas de disfluência que

ocorrem ao nível prosódico e para os quais esses falantes não têm solução; assim, tais

recursos possibilitam aos idosos garantir o andamento da conversa, isto é, apesar de

tudo, seu discurso é levado adiante. O referido autor apresenta, em seu trabalho, o

resultado de uma pesquisa com falantes acima de 80 anos, “os Idosos Velhos”,

limitando as citações de sua obra a apenas um diálogo entre dois informantes (de sexo

feminino – 85 anos e de sexo masculino – 81 anos), apesar de ter feito 25 entrevistas

sobre os temas: vestuário e diversões. Dessa forma, o autor subdivide os idosos em: os

“idosos jovens” com 60 a 80 anos, e os “idosos velhos” com mais de 80 anos, faixa

etária a partir da qual é mais frequente a consciência da velhice.

Os lapsos de memória configuram-se como um dos problemas mais importantes

para a perda do ritmo normal na fala de pessoas mais velhas juntamente com a

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rememoração do passado que integra a própria organização do discurso do idoso, sendo

realizada através de vários tipos de informação responsável por situar os falantes no

chamado “nosso tempo”. Essas informações referem-se à história da vida de cada um

dos falantes; em geral, trata-se de uma experiência compartilhada por ambos e, às vezes,

podem ser citadas incompletamente, porque pressupõe o conhecimento do ouvinte.

As informações sobre o passado, que são reveladas constantemente no discurso

do idoso, muitas vezes, são expostas por um léxico em que aparecem vocábulos,

expressões, estruturas formulaicas, formas de tratamento, relacionados com sua época.

Dessa forma, podemos mencionar que as categorias espaço e tempo podem transparecer

nas seguintes marcas lexicais: arcaísmos (uso de vocábulos, formas de construções

frasais que saíram do uso na língua corrente, que têm referentes limitados no tempo e

proporcionam, não raro, sérias dificuldades de compreensão para os ouvintes mais

jovens, podendo ter significados diversos em outras épocas e lugares), expressões

formulaicas (frases-feitas, provérbios, refrões, expressões que, muitas vezes, remontam

à sua infância e a melodia e a rima que, não raro, as acompanham, favorecem a

permanência na memória) e as formas de tratamento (um dos índices sociolinguísticos

mais expressivos, para evocar as relações sociais entre falante/ouvinte).

Embora existam algumas marcas lexicais do tempo, na fala das pessoas mais

velhas especialmente, é preciso reconhecer que nem por isso essa linguagem se tornou

incompreensível aos mais jovens, até mesmo porque os próprios idosos procuram

utilizar formas para esclarecer os arcaísmos, as expressões formulaicas fora de uso, a

gíria de seu tempo. E são esses artifícios que constituem precisamente as marcas mais

expressivas da linguagem desse grupo social.

Nessa perspectiva, Isquerdo (1996, p.93) aborda que o léxico de uma língua

apresenta uma relação bastante forte com a história cultural da comunidade, visto que

realiza o registro das diferentes mutações que ocorreram na sociedade, afinal, como

“qualquer sistema léxico é a somatória de toda a experiência acumulada de uma

sociedade e do acervo da sua cultura através das idades” (Biderman, 2011, p. 179).

Sobre esse aspecto linguístico, Isquerdo (2003, p. 178) apresenta que

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[...] o conjunto de vocábulos que integra o universo lexical de uma língua,

por reproduzir a visão de mundo, o patrimônio cultural dos falantes e por

testemunhar a vida, a história e a cultura de um grupo em diferentes fases de

sua história, fornece marcas da identidade desse grupo. A forma de usar a

língua, particularmente a de escolher as palavras, revela aspectos da maneira

de pensar e de agir de um indivíduo/grupo, além de fornecer índices da

origem geográfica e da classe social do falante.

É justamente no sentido de valorizarem seu tempo ou de se mostrarem

integrados na sociedade em que vivem, que as pessoas mais velhas escolhem com

habilidade o inusitado de suas narrativas e avaliam seus pormenores em função das

necessidades da interação verbal, considerando os próprios valores e os do ouvinte ou

audiência. Enfim, nos esclarece Preti (1991) que sendo um artifício que se vale

fundamentalmente da categoria tempo, as narrativas demonstram o quanto a vida dos

falantes mais velhos permanece centrada no passado. Buscando no arquivo da memória

fatos para ilustrarem suas ideias, os “idosos” vão acumulando uma preciosa

documentação da longa “viagem no tempo” a que costumam entregar-se durante a

conversação, denunciando, também, através da utilização de itens lexicais, a sua

identidade social de faixa etária.

Um olhar direcionado para questão da faixa etária nos dados do Projeto ALiB

Apresentar os dados é preciso, mas antes disso faz-se de extrema importância

abordar os procedimentos metodológicos que nortearam a pesquisa.

O corpus da pesquisa é um recorte da rede de pontos do Projeto ALiB, um

empreendimento de grande amplitude, de caráter nacional, em desenvolvimento, que

tem por meta a realização de um atlas geral no Brasil no que diz respeito à língua

portuguesa, desejo que permeia a atividade dialetal no Brasil, desde começo do século

XX e ganha destaque no ano de 1996, a partir de iniciativa de um grupo de

pesquisadores do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia.

A pesar de a manifestação em favor da elaboração de um atlas linguístico

brasileiro remontar a 1952, quando se estabeleceu através do Decreto 30.643, de 20 de

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março, como principal finalidade da Comissão de Filologia da Casa de Rui Barbosa a

“elaboração do atlas linguístico do Brasil”, as dificuldades conduziram os dialetólogos

brasileiros a mapear linguisticamente o Brasil por meio da realização de atlas regionais.

Sendo assim, a ideia do Atlas Linguístico do Brasil foi retomada por ocasião do

Seminário Nacional Caminhos e Perspectivas para a Geolinguística no Brasil, que

ocorreu em Salvador, na Universidade Federal da Bahia, em novembro de 1996.

Naquela ocasião foi criado um Comitê Nacional, integrado pelos autores dos cinco atlas

linguísticos regionais já publicados e por um representante dos atlas em andamento. São

eles: os Professores Suzana Alice Marcelino da Silva Cardoso (UFBA), que preside o

Comitê, Jacyra Andrade Mota (UFBA), Maria do Socorro Silva de Aragão (UFPB),

Mário Roberto Lobuglio Zágari (UFJF), Vanderci de Andrade Aguilera (UEL) e Walter

Koch, representando os atlas em andamento2.

O Projeto ALiB pauta-se nos fundamentos gerais da Geolinguística

contemporânea, focalizando a variação espacial ou diatópica, mas também atentando-se

para as implicações de ordem social que não podem deixar de ser consideradas no

estudo da língua. Assim, o Projeto objetiva mapear o Brasil com base em dados

coletados em 250 pontos, representativos de todas as regiões, e recolhidos, in loco, a

1.100 informantes, distribuídos equitativamente por duas faixas etárias — 18 a 30 anos

e 50 a 65 anos —, pelos dois gêneros e, nas capitais de Estado, em número de 25 (as

capitais Palmas, Estado de Tocantins, e Brasília, Distrito Federal, se excluem por

questões metodológicas em virtude de serem cidades recém-criadas), por dois níveis de

escolaridade — fundamental e universitário —, ficando os demais pontos da rede com

apenas informantes do nível fundamental.

Ao se atingir, em 2013, a coleta de dados em 95,6% da rede programada,

algumas reflexões iniciais já podem ser feitas sobre áreas dialetais brasileiras. Nesse

2Atualmente, o Comitê Nacional do Projeto ALiB é constituído pelos professores Suzana Alice Cardoso

(Presidente), Jacyra Andrade Mota (Diretora-Executiva), ambas da UFBA, e os diretores científicos

Abdelhak Razky (UFPA), Aparecida Negri Isquerdo (UFMS), Cléo Altenhofen (UFRGS), Felício

Wessling Margotti (UFSC), Maria do Socorro Aragão (UFPB/UFC) e Vanderci de Andrade Aguilera

(UEL).

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sentido, apresentam-se neste artigo, de maneira ilustrativa, resultados que revelam a

diversidade de usos vinculada a área semântica do ciclo da vida, mas também

relacionada a fatores sociais.

Dessa forma, para este trabalho, serão considerados fatos relacionados à

diversidade diatópica e à diferenciação diageracional, não se incluindo, para esse

momento, a diferenciação diagenérica ou diastrática, embora, no levantamento e análise

dos dados, essas variáveis sociais tenham sido controladas sistematicamente.

Os resultados que se apresentam fundamentam-se em levantamentos no corpus

do Projeto ALiB, especificamente nas capitais de Estados, referentes à pergunta 121 do

Questionário Semântico Lexical que apresentou designações, nas capitais do Brasil, as

quais foram agrupadas em três categorias, a saber: a) ocorrências de base menstr- (ciclo

menstrual, fase menstrual, menstruação, tá menstruada); b) ocorrências metafóricas de

caráter diageracional (boi, paquete, regra, bode e chico) e c) outras variantes

(bandeira, chegou a hora, dia da mulher, dias difíceis, dias especiais, escrever com

tinta vermelha, sangramento, semana da mulher, sinal vermelho, tá doente, tá

incomodada, tá moranguinho, tá naqueles dias e tá no dia). Dessas variantes lexicais,

apenas as ocorrências de base menstr- são comuns às capitais pesquisadas. As demais

designações encontram-se distribuídas entre as capitais, como é possível visualizar no

Quadro seguinte.

Quadro - As denominações para o sangue que as mulheres perdem todos os meses nas

capitais do Brasil numa perspectiva diageracional

Localidade Faixa Etária 1 Faixa Etária 2

Utiliza Conhece Utiliza Conhece

Macapá Ocorrências

de base

menstr-

Bode Ocorrências de base menstr-

Regra

Bode

Boa Vista Ocorrências

de base

menstr-

Regra

Bode

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr-

Regra

Bode

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Manaus Ocorrências

de base

menstr-

Regra

Chico

Ocorrências de base menstr-

Regra

Bode

Belém Ocorrências

de base

menstr-

Ocorrências de base menstr-

Regra

Bode

Rio Branco Ocorrências

de base

menstr-

Ocorrências de base menstr-

Regra

Porto Velho Ocorrências

de base

menstr-

Ocorrências de base menstr-

Bode

São Luís Ocorrências

de base

menstr-

Bode Ocorrências de base menstr-

Regra

Bode

Chico

Outras

variantes

Teresina Ocorrências

de base

menstr-

Bode Ocorrências de base menstr-

Bode

Fortaleza Ocorrências

de base

menstr-

Regra

Bode

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr-

Bode

Natal Ocorrências

de base

menstr-

Regra

Boi

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr-

Regra

Boi

Outras

variantes

João Pessoa Ocorrências

de base

menstr-

Boi

Ocorrências de base menstr-

Boi

Outras

variantes

Recife Ocorrências

de base

menstr-

Boi

Chico

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr- Outras

variantes

Maceió Ocorrências

de base

menstr-

Boi

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr-

Regra

Aracaju Ocorrências

de base

menstr-

Regra Ocorrências de base menstr-

Regra

Salvador Ocorrências

de base

menstr-

Regra

Boi

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr-

Regra

Outras

variantes

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Cuiabá Ocorrências

de base

menstr-

Ocorrências de base menstr-

Regra

Campo

Grande Ocorrências

de base

menstr-

Chico

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr-

Goiânia Ocorrências

de base

menstr-

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr-

Chico

Regra

Belo

Horizonte Ocorrências

de base

menstr-

Chico

Regra

Ocorrências de base menstr-

Chico

Regra

Outras

variantes

São Paulo Ocorrências

de base

menstr-

Chico

Ocorrências de base menstr-

Regra

Vitória Ocorrências

de base

menstr-

Boi

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr-

Paquete

Rio de

Janeiro Ocorrências

de base

menstr-

Ocorrências de base menstr-

Regra

Curitiba Ocorrências

de base

menstr-

Chico

Ocorrências de base menstr-

Chico

Outras

variantes

Florianópolis Ocorrências

de base

menstr-

Boi

Ocorrências de base menstr-

Regra

Boi

Paquete

Chico

Porto Alegre Ocorrências

de base

menstr-

Outras

variantes

Ocorrências de base menstr- Outras

variantes

A respeito da pergunta 121, é interessante mencionar o estudo realizado por

Benke (2012) acerca das denominações para menstruação. Segundo a pesquisadora, “a

menstruação é permeada de tabus, o que justifica a interdição vocabular, no que diz

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respeito às nomeações para designar esse período da fisiologia feminina” (BENKE,

2012, p. 91).

Nessa questão, a variação lexical diageracional também encontra-se presente visto

que existem variantes lexicais mais utilizadas no discurso dos informantes da faixa

etária 2 conforme apresenta o Gráfico a seguir:

Gráfico - Denominações dos informantes das faixas etárias 1 e 2 para o sangue que as

mulheres perdem todos os meses

Do ponto de vista diageracional, as ocorrências de base menstr-, com 71,76% de

uso na faixa 1 e 60,00% na faixa 2, refletem a aquisição pelos mais jovens da lexia atual

e, por isso, se opõem às metáforas, boi, bode, Chico, regra, paquete (forma que já nem

é mais reconhecida pelos mais jovens, como sinônimo de navio), com 20,61% na faixa

1 e 35,55% na faixa 2. No intuito de contextualizar algumas dessas variantes lexicais, é

possível verificar as denominações tá de Chico e regra sendo sinalizadas no discurso

dos informantes como uma variante típica de informantes mais velhos; já as variantes

menstruação e tá menstruada sendo apontadas em algumas capitais como variante

lexical dos mais jovens, como demonstra o exemplo:

Exemplo 1

INQ.- As mulheres perdem sangue todos os meses, né? Como é que

se chama isso?

INF.- Aqui pra nós é tudo menstruação, né?

71,76%60,00%

20,61%

35,55%

7,63% 4,45%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Ocorrências de base menstr-

Fx 1

Ocorrências de base menstr-

Fx 2

Ocorrências Metafóricas

Fx 1

Ocorrências Metafóricas

Fx 2

Outras Variantes

Fx 1

Outras Variantes

Fx 2

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INQ.- Isso. Tem algum nome mais folclórico, mais popular, que a

gente falava quando era mais mocinha, hoje eu tô do quê? O que que veio

pra mim?

INF.- (risos) Aí não, antigamente, a gente, quando tava menstruada,

lá muito nos anos de guaraná de rolha, né? (risos)

INQ.- Guaraná de rolha é bom!

INF.-A gente falava assim: “Ixe, eu tô de Chico” (risos) que eu

achava o máximo, né?

INQ.- É isso mesmo. No meu tempo também.

INF.- Aí que horror, né? Agora, cê fala menstruação é mais assim

delicado, né? (risos). (São Paulo, Mulher, Faixa 2, Nível Fundamental)

Através desse exemplo, pode ser percebido que a informante da faixa etária 2

constroi a sua identidade social de faixa etária. Sobre a designação registrada “tô de

Chico”, Benke (2012, p. 93) levanta a hipótese de que o uso de “Chico”, com base em

seu sentido castelhano – “pequeño” – quando empregado para nomear o sangue que as

mulheres perdem todos os meses faz alusão ao espaço de tempo em que, normalmente,

o sangue é eliminado pela mulher, que corresponde, em média, de 3 a 7 dias. Conforme

a interpretação da referida pesquisadora, essa fase, consideravelmente “pequena”, pode

ter sido a motivação para o uso da denominação “Chico”.

O exemplo a seguir também reflete um dado diageracional:

Exemplo 2

INQ.- As mulheres perdem sangue todos os meses. Como é que

chama isso?

INF.- É… menstruação, né?

INQ.- Tem um mais comum? Pode falar.

INF.- Não, mas, o nome de antigamente é muito feio.

INQ.- Fala!

INF.- Regras.

INQ.- O que mais?

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INF.- Menstruada... (Belo Horizonte, Homem, Faixa 2, Nível

Fundamental)

O depoimento do informante revela o entendimento, por parte dos mais velhos,

de que a vida mudou e junto com ela também os itens lexicais para se referir ao fato de

as mulheres perderem sangue todos os meses. Acerca do uso de “regra” como

designativo para menstruação, Benke (2012, p. 98) expõe a questão da regularidade,

normalidade, expressa semanticamente por “regra” em associação ao ciclo menstrual

que teoricamente acontece de forma regular todos os meses. Sobre esse aspecto, é

importante mencionar, como o faz Benke (2012), o século XIII para o primeiro registro

para regra, evidenciando uma marca diacrônica dessa variante.

O exemplo 3 também denuncia reconhecer que a seleção lexical para o fato de as

mulheres perderem sangue todos os meses é diferente conforme a faixa etária:

Exemplo 3

INQ.- As mulheres perdem sangue todos os meses, como chama

isso?

INF.- Menstruação.

INQ.- Agora eu quero os nomes populares...

INF.- Ah, é?

INQ.- “Não vou pra piscina hoje porque eu tô...”

INF.- Tô de bandeira vermelha

INQ.- Isso. O que mais?

INF.- Tô de sinal vermelho, tô de regras, as mais antigas chamam

regras.

INQ.- É.

INF.- Tô de bode.

INQ.- Isso. Tua geração.

INF.- Aí que nome feio, eu acho horrível.

INQ.- (risos)

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INF.- Tô de bode.

INQ.- E da tua geração?

INF.- Da minha geração é... tô menstruada, tô ... tô naqueles dias, tô

de bandeira vermelha, tô de sinal vermelho.

INQ.- Certo.

INF.- Tem, tem, tem outros nomezinhos que hoje as menininhas

usam mais...

INQ.- Ah, é?

INF.- Mas que eu não me lembro agora.

INQ.- Se você lembrar, depois você me fala.

INF.- Mas esses nomes assim. A maioria do povo mesmo assim

popular, os mais antigos é: tô de bode.

INQ.- Tô de bode.

INF.- Né?

INQ.- E ponto final.

INF.- Eu acho horrível.

INQ.- É?

INF.- Eu não gosto muito não.

INQ.- Você não usa?

INF.- Não eu não, mas que eu ouço, ouço, né? (Boa Vista, Mulher,

Faixa 1, Nível Superior)

No exemplo 3, a informante da faixa etária 1 cita itens mais antigos,

configurando os usos de menstruação, tô menstruada, tô naqueles dias, tô de bandeira

vermelha, tô de sinal vermelho, na atualidade, e regras e tô de bode como as variantes

de antigamente. Assim, é possível verificar o reconhecimento da utilização de uma

variante distinta relacionada a uma época diferente. Pode-se pensar, então, numa

categoria de tempo dos acontecimentos dentro do qual a informante de faixa etária mais

avançada organiza o seu discurso, relacionando com um passado sobre o qual, ainda, de

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certa forma, está muito presa, e dentro do qual estão itens lexicais que fazem parte de

sua história.

Segundo Benke (2012, p. 91), a referência ao bode para designar o sangue que a

mulher perde todos os meses, possivelmente pode ser resultado da analogia existente

entre o cheiro exalado pelo animal e o cheiro exalado pelo sangue eliminado pela

mulher, daí o uso de “bode” para designar esse referente. Assim, o uso dessa variante

metafórica reporta ao sema “odor”. Logo, a referência a esse animal para designar a

“menstruação” tem conotação depreciativa e, consequentemente, tabuística, tendo em

vista a associação entre o mau cheiro desse animal e o cheiro do sangue expelido pela

mulher.

Portanto, a preocupação simultânea com o “dizer” e com o “que dizer” vai

deixar evidente, no texto falado, uma série de marcas responsáveis pela caracterização

específica de sua formulação, entre as quais as que sinalizam o trabalho de seleção

lexical através de itens lexicais responsáveis pela construção da identidade social de

faixa etária do informante.

Considerações finais

A análise do corpus possibilitou realizar a documentação da diversidade lexical

do português falado no Brasil, seguindo os princípios da Geolinguística

Pluridimensional em que o registro segue os parâmetros diatópicos, diageracionais,

diagenéricos e diastráticos. Nesse sentido, no que diz respeito às denominações que

recebe menstruação podem-se fazer algumas considerações preliminares:

a) as designações enfocadas apresentam uma grande variação,

possibilitando a visualização da diversidade lexical e geolinguística do português falado

no Brasil;

b) a temática da comparação passado X presente está presente na linguagem

dos informantes de faixa etária mais avançada, evidenciado-se na seleção lexical desses

informantes como demonstram as estruturas: bode, boi, paquete, regra e tá de Chico.

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Assim, o trabalho procurou mostrar como as lexias trazem, na fala dos

informantes, as marcas do contexto em que se encontram inseridas, oferecendo

subsídios para o registro da diversidade da língua portuguesa.

Referências bibliográficas

BENKE, Vanessa Cristina Martins. Tabus linguísticos nas capitais do Brasil: um

estudo baseado em dados geolinguísticos. 2012. 244 p. Dissertação (Mestrado em

Estudos de Linguagens) – Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal

de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2012.

BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. Teoria linguística: teoria lexical e linguística

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Questionários. Londrina: UEL, 2001.

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ISQUERDO, Aparecida Negri. O fato lingüístico como recorte da realidade sócio-

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PRETI, Dino. A linguagem dos idosos. São Paulo: Contexto, 1991.

Recebido Para Publicação em 27 de fevereiro de 2013.

Aprovado Para Publicação em 13 de março de 2013.