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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo A UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS MORFOMÉTRICAS DO RELEVO APLICADAS NA DETERMINAÇÃO DA FRAGILIDADE AMBIENTAL: O CASO DA BACIA DO CÓRREGO PROENÇA, MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP) Luís Ribeiro Vilela Filho 1 Antonio Carlos Vitte 2 Introdução De um modo geral, uma paisagem apresenta uma estrutura formada pela interação dos elementos da geoesfera com a cultura, sendo que esta interação forma unidades espaciais distintas que guardam entre si padrões similares. Esta estrutura da paisagem é designada de unidade de paisagem, sendo qualificada como uma fração homogênea do território com potencial biológico de ocupação (DELPOUX, 1974; MONTEIRO, 1987). Historicamente, o conceito de unidades de paisagem desenvolveu-se no interior da chamada Ecologia da Paisagem (GOMES OREA, 1978). A ecologia da paisagem pode ser definida como sendo o campo que se preocupa com as interações entre os fatores do ecossistema de uma dada paisagem. O conceito de ecologia da paisagem associada à noção de “arquitetura da paisagem” permitiu o desenvolvimento da concepção de planejamento da paisagem. Esta concepção teve como preocupação inicial o desenvolvimento caótico das cidades e a crescente destruição da natureza, uma vez que, tradicionalmente o processo de ocupação do espaço urbano seguiu a tendência de relegar ao segundo plano os aspectos da dinâmica natural do lugar. Com o crescimento das cidades, os problemas decorrentes do ambiente construído transcenderam o meio físico, e afetaram os aspectos sociais. Entre as décadas de 1950 e 1960, a tendência nos estudos de ecologia da paisagem foi de produzir regionalizações do espaço natural, ou seja, um método de classificação de unidades de regiões naturais. O processo se iniciava com as unidades regionais fisionômicas, que eram subdivididas em unidades menores, baseado em critérios como o relevo, o clima, o mesoclima, a vegetação e o solo. Este procedimento que já vinha sendo trabalhado desde 1920, foi intensificado entre 1960 e 1970 com a introdução da noção de geossistemas, desenvolvido por SOTCHAVA 1 Geógrafo, Mestrando Geografia, Instituto de Geociências-UNICAMP, Campinas – SP, [email protected] 2 Geógrafo, Prof. Doutor, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências-UNICAMP, Campinas – SP, [email protected] 16272

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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo

A UTILIZAÇÃO DE TÉCNICAS MORFOMÉTRICAS DO RELEVO APLICADAS NA DETERMINAÇÃO DA FRAGILIDADE AMBIENTAL: O CASO DA BACIA DO CÓRREGO PROENÇA, MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP)

Luís Ribeiro Vilela Filho1

Antonio Carlos Vitte2

Introdução

De um modo geral, uma paisagem apresenta uma estrutura formada pela interação

dos elementos da geoesfera com a cultura, sendo que esta interação forma unidades

espaciais distintas que guardam entre si padrões similares. Esta estrutura da paisagem é

designada de unidade de paisagem, sendo qualificada como uma fração homogênea do

território com potencial biológico de ocupação (DELPOUX, 1974; MONTEIRO, 1987).

Historicamente, o conceito de unidades de paisagem desenvolveu-se no interior da

chamada Ecologia da Paisagem (GOMES OREA, 1978). A ecologia da paisagem pode ser

definida como sendo o campo que se preocupa com as interações entre os fatores do

ecossistema de uma dada paisagem.

O conceito de ecologia da paisagem associada à noção de “arquitetura da paisagem”

permitiu o desenvolvimento da concepção de planejamento da paisagem. Esta concepção

teve como preocupação inicial o desenvolvimento caótico das cidades e a crescente

destruição da natureza, uma vez que, tradicionalmente o processo de ocupação do espaço

urbano seguiu a tendência de relegar ao segundo plano os aspectos da dinâmica natural do

lugar. Com o crescimento das cidades, os problemas decorrentes do ambiente construído

transcenderam o meio físico, e afetaram os aspectos sociais.

Entre as décadas de 1950 e 1960, a tendência nos estudos de ecologia da paisagem

foi de produzir regionalizações do espaço natural, ou seja, um método de classificação de

unidades de regiões naturais. O processo se iniciava com as unidades regionais

fisionômicas, que eram subdivididas em unidades menores, baseado em critérios como o

relevo, o clima, o mesoclima, a vegetação e o solo.

Este procedimento que já vinha sendo trabalhado desde 1920, foi intensificado entre

1960 e 1970 com a introdução da noção de geossistemas, desenvolvido por SOTCHAVA

1 Geógrafo, Mestrando Geografia, Instituto de Geociências-UNICAMP, Campinas – SP, [email protected] 2 Geógrafo, Prof. Doutor, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências-UNICAMP, Campinas – SP, [email protected]

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(1977) e aperfeiçoado por MONTEIRO (1987), em que o geossistema como sinônimo de

paisagem, é considerado um sistema singular, uma entidade espacial delimitada segundo

um nível de resolução determinado pelo pesquisador, a partir dos objetivos centrais da

análise. De qualquer modo, o geossistema é sempre o resultado da integração dinâmica e,

portanto, instável dos elementos de suporte, forma e cobertura (físicos, biológicos e

antrópicos), expresso em partes delimitáveis infinitamente, mas individualizadas por meio

das relações entre elas, relações estas que organizam um todo complexo, um verdadeiro

conjunto solidário em perpétua evolução. Assim, para MONTEIRO, o geossistema é uma

categoria complexa, na qual interagem elementos humanos, físicos, químicos e biológicos,

sendo que os elementos sócio-econômicos não constituem um sistema antagônico e

oponente, mas sim estão incluídos no funcionamento do próprio sistema.

Ainda, segundo MONTEIRO (1987), a grandeza espacial é o resultado da dinâmica do

geossistema. Este se define por relações que, por sua vez, irão qualificar os atributos de um

determinado espaço. Neste sentido, o geossistema, como organização espacial complexa

(CHRISTOFOLETTI, 1980), define-se a partir de processos que operam tanto nas esferas

natural e sócio-econômica, quanto na resultante da interação entre estes atributos. Para

GOUDIE (1986), a grandeza espacial tende a ser cada vez mais complexa a medida em que

ao longo da história intensifica-se a ação humana na superfície terrestre, com modificação

constante em sua fisionomia, ao mesmo tempo, independente da presença humana, a

natureza físico-biológica da superfície terrestre está também sujeita às transformações ao

longo do tempo geológico, ou por mudanças globais ou setoriais nos seus elementos.

Na concepção de TRICART (1977), o desequilíbrio de um sistema ambiental ocorre

em função de condições naturais, como mudanças climáticas ou estruturais, ou pela

intervenção humana, com a organização do espaço.

Utilizando estes conceitos, ROSS (1990 e 1994) inseriu novos critérios para as

unidades ecodinâmicas estáveis e instáveis, desenvolvendo assim o conceito de fragilidade

ambiental. A fragilidade ambiental está ligada à suscetibilidade de algo sofrer intervenções,

ou de ser alterado. A fragilidade do meio físico está relacionada a fatores de desequilíbrio,

tanto de ordem natural (grau de declividade, grau de erodibilidade, variações climáticas)

quanto de ordem social como o uso indevido do solo, intervenções em regimes fluviais,

técnicas impróprias de cultivo, etc. (FRAISOLI, 2002).

Para que o conceito de fragilidade ambiental pudesse ser utilizado como subsídio ao

planejamento ambiental, ROSS (1994) aprofundou o uso do conceito, estabelecendo as

unidades ecodinâmicas instáveis em vários graus, desde instabilidade muito fraca à muito

forte. Aplicou o mesmo critério para as unidades ecodinâmicas estáveis, que, embora

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estejam em equilíbrio dinâmico, apresentam instabilidade potencial qualitativamente

previsível, face às suas características naturais e à possível inserção antrópica.

De acordo com ROSS (1994), o conhecimento das potencialidades dos recursos

naturais passa pelo levantamento de todos os componentes do estrato geográfico que dão

suporte a vida. Estes estudos devem originar produtos cartográficos temáticos de

geomorfologia, geologia, pedologia, climatologia e uso da terra/vegetação.

Para se obter a fragilidade ambiental de um meio é necessário antes se definir um

recorte analítico que relacione tanto os processos físicos-naturais do relevo quanto os

elementos da organização sócio-econômica. Desta forma, assume-se que a bacia de

drenagem, por ser uma categoria escalar de origem natural, atende as condições para esta

escala de abordagem.

Segundo CUNHA (1997), é possível encontrar na bibliografia existente diversos

conceitos para bacia de drenagem, sendo que, a maioria tem em comum a noção de um

curso fluvial que recebe água da precipitação, diretamente sobre o espelho d’água, e do

escoamento superficial de determinada área, a qual é definida por meio dos pontos

altitudinais mais elevados, ou seja, os divisores de água. Além disso, estas definições

enfatizam o fato destas águas sempre convergirem para um ponto comum, a foz. Outra

semelhança nas citações de vários autores, é que os cursos fluviais de uma bacia de

drenagem também são alimentados pela água oriunda do escoamento sub-superficial e pelo

lençol freático.

Isso demonstra, quanto ao conceito de bacia hidrográfica, que não existem

divergências significativas, constatando-se apenas maior ou menor ênfase em determinados

aspectos desta unidade espacial, em função do enfoque considerado por cada autor em

particular.

Esta similaridade entre conceitos pode ser aglutinada naquele apresentado por

SILVEIRA (1993) que define a bacia hidrográfica como uma área de captação natural de

água da precipitação que faz convergir os escoamentos para um único ponto de saída,

sendo composta por um conjunto de superfícies vertentes e por uma rede de drenagem

formada por cursos d’água que confluem até resultar um leito único.

No Brasil, o uso da bacia hidrográfica nos trabalhos de pesquisa se intensificou

somente nas últimas décadas. BOTELHO (1999) ressalta que a década de 1980, e

principalmente a de 1990, foram marcadas pela elaboração de diversos trabalhos que têm

na bacia hidrográfica sua unidade fundamental de pesquisa, em detrimento das áreas de

estudo anteriormente utilizadas, como as unidades político-administrativas ou aquelas

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delimitadas por linhas de coordenadas cartográficas formando quadrículas definidas em

cartas topográficas.

Dessa forma, tendo sua delimitação baseada em critérios geomorfológicos, as bacias

de drenagem levam vantagens sobre outras unidades de planejamento definidas por

atributos, que podem ter os traçados dos limites bastante imprecisos, como unidades

definidas por atributos climáticos ou tipos de vegetação que podem não cobrir a paisagem

de modo contínuo.

A área escolhida para desenvolver o trabalho é a bacia de drenagem do Córrego

Proença, que segundo levantamentos bibliográficos, foi onde se deu a origem do município

de Campinas (SP). Além disso, em função da magnitude, intensidade e funcionalidade do

uso do solo, retratados pelo alto grau de urbanização, aliados às suas características

naturais, esta bacia está sujeita a constantes situações de enchentes no período das águas.

Área de Estudo

A área de estudo compreende a bacia hidrográfica do córrego Proença, uma sub-bacia

do Ribeirão das Anhumas (uma de suas cabeceiras), e está localizada entre as

coordenadas 7463.000 e 298.000 UTM e, 7460.000 e 301.000 UTM (imagem 1), no

município de Campinas que dista aproximadamente 100 km da cidade de São Paulo e tem

como principais vias de acesso as rodovias Anhanguera, Bandeirantes, D. Pedro I e Santos

Dumont (IG, 1993).

Imagem 1: Localização da bacia de drenagem do córrego Proença, no município de

Campinas (SP)

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Bacia de drenagem do Córrego Proença

Fonte: Embrapa Monitoramento por Satélite; trabalho de gabinete.

O relevo do município pertence a áreas de transição entre o Planalto Atlântico e a

Depressão Periférica, apresentando relevos dissecados como morros e morrotes a leste, e

formas mais suaves, como colinas a oeste. A disposição do relevo é influenciada,

principalmente, pelo tipo de rocha que as suportam e suas estruturas. Assim, as rochas

cristalinas localizam-se a leste do município, no Planalto Atlântico, e são compostas por

gnaisses diversos, granitos e rochas miloníticas. À oeste, na Depressão Periférica,

localizam-se as rochas sedimentares – arenitos, ritmitos e lamitos – do Subgrupo Itararé, e

as intrusões de diabásios da Formação Serra Geral. As principais estruturas geológicas

ocorrentes no município são as Zonas de Cisalhamento Valinhos e Campinas. O clima local

é classificado como Subtropical de Altitude, com verão quente e úmido, e inverno seco e

frio, com temperatura média anual de 20,6ºC. A precipitação média anual é de 1.700 mm,

concentrados no período chuvoso que estende-se de outubro a março (IG, 1993).

O início do processo de urbanização em Campinas

O início do processo de urbanização em Campinas está intimamente associado às

operações de reformas e melhoramentos empregados nas cidades que se constituíram em

função do ciclo do café.

Mas, o apogeu da cidade veio com a instalação das ferrovias. Em 1868 foi criada a

Cia. Paulista de Vias Férreas, ligando Campinas a Jundiaí e daí à São Paulo e Santos.

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Posteriormente, em 1872 foi criada a Cia. Mogiana estabelecendo assim a conexão com o

interior no itinerário do café.

Neste cenário, a combinação da produção do café com a nova configuração e

reprodução da cidade, fez com que Campinas se estruturasse sob a dinâmica do

capitalismo, sobretudo, respaldada pelos interesses fundiários da elite local.

No entanto, os primeiros indícios de planejamento urbano para a cidade somente

começaram a se delinear a partir da criação da Companhia Campineira de Águas e Esgotos

(CCAE), em 1887, responsável pela implantação das obras de drenagem e dos trabalhos de

abastecimento de água e saneamento básico no município.

Posteriormente, próximo ao final do século XIX, Campinas foi assolada por um surto

de febre amarela. Em conseqüência da epidemia, instalou-se no município a Comissão de

Saneamento do Estado, dirigida pelo engenheiro Saturnino Rodrigues de Brito, que

implantou um grande conjunto de obras – baseado no movimento higienista – envolvendo

pavimentação, canalização de córregos, tratamento de água, coleta e destinação de esgoto.

De acordo com SANTOS (2002), após o deslanche destas obras, houve uma

paralisação de aproximadamente dezoito anos, e apenas na segunda década do século XX

ocorreria sua retomada, por Saturnino de Brito. Ainda, segundo o autor, esta nova fase veio

articulada com uma nova proposta de plano urbanístico. Por meio de obras de drenagem e

canalização de córregos, Saturnino de Brito realizou uma construção perimentral ao centro

histórico de Campinas. A articulação urbanística proposta por meio de bem definidas regras

de desenho e perspectiva, consolidaria a construção panorâmica de uma solução de

townscape.

Assim, Campinas seguiu o mesmo padrão implantado nos grandes centros nesse

período. Os planos se referiam essencialmente ao melhoramento e ao embelezamento das

cidades, com as obras a serem implantadas sendo debatidas pela classe dominante da

população (VILLAÇA 1999).

A partir dos da década de 1920 a expansão da cidade passou às mãos da iniciativa

particular e a estrutura física pré-existente passa a conflitar com as exigências do capital.

Essa expansão, que até então restringia-se ao adensamento do centro devido às

subdivisões dos terrenos antigos, começa a se configurar com o surgimento dos bairros

periféricos. Essa mudança na organização territorial resultou na valorização das terras

urbanas, dando início ao processo de transformação dos proprietários rurais em urbanos.

De acordo com BADARÓ (1996), no final da década, a crise internacional de 1929

atingiu de forma direta todo o complexo cafeeiro, resultando em profundas transformações

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na estrutura social e econômica do município, evidenciadas na renovação das infra-

estruturas existentes.

Esse período de crise impôs à cidade um novo ritmo de crescimento, sobretudo

baseado na especulação imobiliária, que tinha no lote urbano sua principal mercadoria do

processo de expansão urbana.

Iniciou-se a partir de então o questionamento da necessidade do planejamento para a

cidade, o qual viera a se concretizar em 1934 com a aprovação, pela prefeitura, do seu

Código de Construções. Neste mesmo ano foi contratado o engenheiro arquiteto Francisco

Prestes Maia, responsável por elaborar um Plano de Melhoramentos Urbanos para

Campinas (CARPINTERO 1996).

Desta forma, o Plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas, desenvolvido sob as

diretrizes de Francisco Prestes Maia, tornou-se o grande marco do planejamento urbano do

município. Sua implantação, baseada nas necessidades econômicas e estéticas, alterou

eixos viários, alargou ruas e reconstruiu edificações, no sentido de dar à cidade um caráter

arquitetônico modernista. Dada sua relevância, este projeto se impôs por quase trinta anos

às sucessivas administrações municipais.

Resultados Preliminares

Hierarquia Fluvial

Segundo CHRISTOFOLETTI (1980) a hierarquia fluvial consiste no processo de

classificação de curso d’água (ou da área drenada que lhe pertence) no conjunto total da

bacia hidrográfica na qual se encontra. Isso é realizado com a função de facilitar e tornar

mais objetivo os estudos morfométricos (análise linear, areal e hipsométrica) sobre as

bacias hidrográficas. Quanto maior a participação percentual de canais de primeira ordem,

maior é a fragilidade da paisagem, pois os mesmos indicam maior dissecação do relevo,

que pode ser provocada por controle estrutural, como falhas, fraturas ou dobramentos.

De acordo com o trabalho realizado, na bacia de drenagem do Córrego Proença

82,2% dos canais fluviais são de primeira ordem; 12,3% de segunda ordem; 3,7% de

terceira ordem e, 1,3% e 0,5% são canais de quarta e quinta ordem respectivamente

(gráfico 1 e figura 1).

Gráfico 1: Índice de hierarquia fluvial da bacia do córrego Proença

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Fonte: trabalho de gabinete

Índice de Hierarquia Fluvial

82,2%

12,3%

3,7%

1,3%

0,5%

2ª ordem

1ª ordem

4ª ordem

3ª ordem

5ª ordem

Figura 1: Mapa de hierarquia fluvial da bacia do Córrego Proença

Fonte: trabalho de gabinete

7462.000 293.000

7462.000 289.000

289.000 7468.000

293.000 7468.000

Hierarquia Fluvial da Bacia do Córrego Proença

Hierarquia Fluvial

4ª ordem

3ª ordem

2ª ordem

1ª ordem

5ª ordem

N

0 100 200 metros Escala

Densidade de Drenagem (Km/Km²)

De acordo com CHRISTOFOLETTI (1980), a densidade de drenagem correlaciona o

comprimento total dos canais de escoamento com a área da bacia hidrográfica. O cálculo da

densidade de drenagem é importante na análise das bacias hidrográficas, visto que,

apresenta relação inversa com o comprimento dos rios. À medida que aumenta o valor

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numérico da densidade há diminuição quase proporcional do tamanho dos componentes

fluviais das bacias de drenagem.

A densidade de drenagem relaciona-se com o escoamento superficial, gerando

condições que refletem da relação entre a intensidade de fluxo de superfície e subsuperfície,

com a infiltração. Outro fator relevante é que em um mesmo ambiente climático, o

comportamento das rochas repercute na densidade de drenagem.

O gráfico 2 e a figura 2 apresentam a distribuição da densidade de drenagem na bacia

do Córrego Proença, onde 13% apresenta baixa densidade; 28% média densidade; 37%

alta densidade e, 22% apresenta densidade de drenagem muito alta.

Gráfico 2: Índice de densidade de drenagem da bacia do córrego Proença Fonte: trabalho de gabinete

13%

28%

37%

22% < 0,003

0,003 ? 0,005

0,005 ? 0,01

> 0,01

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Figura 2: Mapa de densidade de drenagem da bacia do Córrego Proença

Fonte: trabalho de gabinete

Densidade de Drenagem da Bacia do Córrego Proença

293.000 7468.000

289.000 7468.000

7462.000 289.000

7462.000 293.000

Intervalos de classes

Hidrografia

Lago

Rio

N

0 100 200 metros

Escala

0,003 0,005

0,005 0,01

< 0,003

> 0,01

Comprimento de Vertentes

Uma das principais variáveis do relevo que condicionam a ação exercida pelas águas

pluviais é o comprimento das vertentes.

Segundo VITTE & SANTOS (1999), experiências tem demonstrado que o aumento do

comprimento da vertente age no sentido de acentuar a erosão dos solos, pois, à medida em

que elas são mais longas, maior é o volume de água escoado e conseqüentemente a

capacidade de remover detritos.

De acordo com CHISTOFOLETTI (1980), o comprimento da superfície da vertente

corresponde à soma dos comprimentos das superfícies dos segmentos que unem os

diversos pontos plotados para o levantamento do perfil. Visto que as vertentes podem ser

tomadas como exemplos de sistemas morfológicos, este índice torna-se importante para a

compreensão da dinâmica do ambiente.

Nesse sentido, os resultados do trabalho realizado na bacia de drenagem do

Córrego Proença mostram que as vertentes com comprimentos inferiores a 100 metros e

entre 100 e 200 metros são predominantes, representando respectivamente, 53% e 33% do

total. Dentre as demais, 10% possuem comprimento ente 200 e 300 metros; 2,9% entre 300

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e 400 metros; 1,0% entre 400 e 500 metros e 0,1% acima de 500 metros (gráfico 3 e figura

3).

Gráfico 3: Índice de comprimento das vertentes da bacia do Córrego Proença

Índice de Comprimento de Vertentes

53,0%33,0%

10,0%

0,1%2,9%

1,0%

< 100 m

100 - 200 m

200 - 300 m

300 - 400 m

400 - 500 m

> 500 m

Fonte: trabalho de gabinete

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Figura 3: Mapa de comprimento das vertentes da bacia do Córrego Proença

Fonte: trabalho de gabinete

Hidrografia

Lago

Rio

N

Escala0 100 200 metros

Intervalos dos comprimentos

7462.000 289.000

289.000 7468.000

293.000 468.000

462.000 293.000

Comprimento das Vertentes da Bacia do Córrego Proença

< 100m

100 200m

200 300m

300 400m

400 500m

> 500m

Considerações Finais

A análise dos parâmetros cartográficos e morfométricos da bacia do córrego Proença

demonstrou que há forte participação da densidade de drenagem e comprimento das

vertentes na dissecação do relevo. Fato que fica comprovado pelo predomínio de canais de

1ª ordem, que associado ao padrão e densidade de urbanização, gera uma elevada vazão

de escoamento superficial pluvial. Este fato, aliado às obras de engenharia de retificação e

construção de pontes e viadutos ao longo do canal do córrego Proença, produzem pontos

de enchentes.

Desta forma, os estudos preliminares de desenvolvimento da pesquisa, mostram que a

associação entre as características naturais e o processo de urbanização, e a consequente

incorporação da bacia à dinâmica urbana de Campinas, resultam em graves consequências

sócioambientais.

REFERÊNCIAS BADARÓ, Ricardo de Souza Campos. Campinas: o despontar da modernidade. Campinas, Área de publicações CMU/UNICAMP, 1996.

BOTELHO, Rosangela Garrido Machado. Planejamento Ambiental em Microbacia Hidrográfica. In: GUERRA, Antonio José Teixeira, SILVA, Antonio Soares da,BOTELHO, Rosangela Garrido Machado (org.). Erosão e conservação dos solos, conceitos, temas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, 340p.

CARPINTERO, Antonio Carlos Cabral. Momento de Ruptura: as transformações no centro de Campinas na década dos cinqüenta. Campinas, Área de publicações CMU/UNICAMP, 1996.

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CUNHA, Cenira Maria Lupinacci da. Quantificação e mapeamento das perdas de solo por erosão com base na malha fundiária. Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP, Rio Claro, 1997, 93p.

CHRISTOFOLETTI, Antonio. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blücher, 2ª edição, 1980, 188p.

DELPOUX, M. Ecossistema e Paisagem. Revista IG-USP, Série Métodos em Questão, SP, nº 7, 1974.

FRAISOLI, Camila, Formação Territorial, Valorização do Espaço e Fragilidade Ambiental na Bacia do Córrego Santo Antônio, Município de Mogi Mirim, estado de São Paulo. Monografia, UNICAMP, 2002.

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