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Paredes divisórias: Passado, presente e futuro, P.B. Lourenço et al. (eds.) 15 A UTILIZAÇÃO DE MADEIRA EM PAREDES DIVISÓRIAS NA REGIÃO SUL DE PORTUGAL Inês FONSECA Arquiteta, Doutoranda Universidade do Évora SUMÁRIO Um pouco por todo o país, mas com maior incidência no Norte e no Centro, encontram-se diferentes sistemas construtivos de paredes divisórias com madeira sob a forma de esqueleto, tabuado e combinada com argamassas e alvenarias diversas. Também a Sul, ainda que com menor incidência, a madeira foi utilizada como material único ou conjugado com outros. Nas áreas piscatórias foi o material escolhido para a edificação sobre as dunas da praia e nos estuários sobre estacaria também de madeira em portos palafíticos. No Alentejo e Algarve, as soluções construtivas são semelhantes às conhecidas no Norte e Centro de Portugal, onde a utilização de madeira se encontra mais difundida no território. Contudo, a arquitetura vernácula apresenta variações entre regiões que se prendem com a matéria-prima disponível. Exemplo disto é a utilização de caniço para a execução de um fasquiado de um tabique que suporta a argamassa do reboco, na região de São Brás de Alportel. Em Lagos, a construção em altura foi conseguida com esqueletos reticulados de madeira preenchidos com alvenarias pobres. Ainda, por todo o território, podemos encontrar soluções de tabique com fasquiado revestido com argamassa de cal e areia na edificação de paredes divisórias em situações de construção mais recente e sempre associadas a uma arquitetura mais erudita que se distancia dos modelos vernaculares. Pretende-se dar a conhecer as soluções construtivas de paredes divisórias com utilização de madeira que se podem encontrar a sul do território português. 1. INTRODUÇÃO A madeira sempre existiu em abundância no território nacional, pelo que foram surgindo diferentes sistemas construtivos que souberam utilizar este material. Em Portugal existem diferentes tipos de paredes divisórias com utilização de madeira que podem ser uma simples estrutura onde é pregado um tabuado que fica visível. Mas também um esqueleto ou tabuado vertical, onde é pregado um ripado revestido com argamassa escondendo a madeira. Contudo, podem constituir soluções mais complexas em que a estrutura de madeira é conjugada com alvenarias e outros materiais. No Sul, as divisórias mais comuns foram edificadas com recurso a tijolo cozido maciço, por vezes a cutelo, por economia de material e espaço, associadas a construções de tijolo, terra ou

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Paredes divisórias: Passado, presente e futuro, P.B. Lourenço et al. (eds.) 15

A UTILIZAÇÃO DE MADEIRA EM PAREDES DIVISÓRIAS NA REGIÃO SUL DE PORTUGAL

Inês FONSECA Arquiteta, Doutoranda Universidade do Évora

SUMÁRIO

Um pouco por todo o país, mas com maior incidência no Norte e no Centro, encontram-se diferentes sistemas construtivos de paredes divisórias com madeira sob a forma de esqueleto, tabuado e combinada com argamassas e alvenarias diversas. Também a Sul, ainda que com menor incidência, a madeira foi utilizada como material único ou conjugado com outros. Nas áreas piscatórias foi o material escolhido para a edificação sobre as dunas da praia e nos estuários sobre estacaria também de madeira em portos palafíticos. No Alentejo e Algarve, as soluções construtivas são semelhantes às conhecidas no Norte e Centro de Portugal, onde a utilização de madeira se encontra mais difundida no território. Contudo, a arquitetura vernácula apresenta variações entre regiões que se prendem com a matéria-prima disponível. Exemplo disto é a utilização de caniço para a execução de um fasquiado de um tabique que suporta a argamassa do reboco, na região de São Brás de Alportel. Em Lagos, a construção em altura foi conseguida com esqueletos reticulados de madeira preenchidos com alvenarias pobres. Ainda, por todo o território, podemos encontrar soluções de tabique com fasquiado revestido com argamassa de cal e areia na edificação de paredes divisórias em situações de construção mais recente e sempre associadas a uma arquitetura mais erudita que se distancia dos modelos vernaculares. Pretende-se dar a conhecer as soluções construtivas de paredes divisórias com utilização de madeira que se podem encontrar a sul do território português.

1. INTRODUÇÃO

A madeira sempre existiu em abundância no território nacional, pelo que foram surgindo diferentes sistemas construtivos que souberam utilizar este material. Em Portugal existem diferentes tipos de paredes divisórias com utilização de madeira que podem ser uma simples estrutura onde é pregado um tabuado que fica visível. Mas também um esqueleto ou tabuado vertical, onde é pregado um ripado revestido com argamassa escondendo a madeira. Contudo, podem constituir soluções mais complexas em que a estrutura de madeira é conjugada com alvenarias e outros materiais. No Sul, as divisórias mais comuns foram edificadas com recurso a tijolo cozido maciço, por vezes a cutelo, por economia de material e espaço, associadas a construções de tijolo, terra ou

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pedra. Esta solução prende-se com a disponibilidade de terras argilosas para a manufatura de tijolo maciço. Em algumas regiões este é substituído pelo adobe seco ao sol, sempre que as condições naturais o permitiram. Neste caso, a parede possui sempre uma espessura maior, funcionando como parte da estrutura portante da construção e travamento ortogonal das paredes exteriores. A construção com recurso a madeira aparece em áreas restritas em que a disponibilidade de recursos naturais assim o permitiu ou a isso obrigou. De facto, por vezes não existem outros materiais disponíveis, caso das construções com recurso a materiais vegetais. Ainda, em construções mais tardias, a madeira surge em tabiques revestidos com argamassas em situações de trapeiras, acrescentos e paredes divisórias (figura 1a). Por vezes, aparece em paredes exteriores, mas numa arquitetura com origens distintas dos modelos tradicionais e já no século XX (figura 1b). De facto, numa região onde não abunda a floresta de espécies adequadas para a construção civil, o eucalipto e o pinho são utilizados onde são imprescindíveis, nomeadamente em pavimentos elevados, em coberturas inclinadas e na caixilharia. Mais recentemente, a sua utilização generalizou-se com o reforço dos transportes terrestres e as trocas comerciais entre regiões. No Algarve e no Alentejo identificaram-se sistemas construtivos com recurso a madeira que se assemelham aos existentes no restante território português. De facto, a construção de Vila Real de Santo António incluiu estruturas semelhantes aos modelos pombalinos, que combinam madeira e alvenarias, e divisórias com fasquiados de madeira revestidos com argamassas.

(a) (b)

Figura 1 : (a) habitação erudita em Arraiolos e (b) “casa do Brasileiro” em Avis.

Ainda, no Algarve existe outro sistema construtivo que combina um esqueleto de madeira com alvenarias de pedra, comparável aos existentes na região de Santarém. Também, as paredes de materiais vegetais das povoações piscatórias da costa de Santo André, do estuário do Sado e da costa Algarvia são idênticas às existentes na costa de Mira, Aveiro ou Vieira da Leiria. Na arquitetura vernácula os sistemas construtivos apresentam variações entre regiões que se prendem com a matéria-prima disponível. Exemplo disto é a utilização de cana para a execução do fasquiado que suporta a argamassa de reboco, na região de São Brás de Alportel, o revestimento do esqueleto de madeira com junco na costa litoral e o enchimento de paredes interiores com palha seca no interior do Alentejo. A comunicação, inserida no âmbito de uma dissertação de doutoramento na Universidade de Évora e a orientação do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, pretende dar a conhecer os sistemas construtivos de paredes divisórias em que a madeira é o material base a Sul do território português.

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2. PAREDES DIVISÓRIAS COM UTILIZAÇÃO DE MADEIRA

Os sistemas construtivos têm sido objeto de estudo por parte de diversos autores por motivos diferentes e com abordagens muito díspares. Destes pode-se destacar pela abrangência o livro Construções Primitivas em Portugal onde os autores dedicaram um texto ao tabique que definem como uma parede construída em madeira e materiais leves revestida de argamassa [1]. Apesar desta descrição ser demasiado sucinta para a complexidade dos sistemas construtivos existentes, não deixa de corresponder à realidade. De facto, as paredes divisórias que apelidamos de tabique possuem sempre pouco peso, que associado à sua reduzida espessura, constituem soluções ideais para utilizar na divisão de compartimentos em andares elevados. O livro Arquitetura Tradicional em Portugal também descreve a “casa de tabique” como uma construção anterior ao século XVII, onde por vezes se usa o fasquio [2]. Contudo, esta referência é à zona Norte e Centro do país não se estando a aludir às soluções construtivas identificadas a Sul do país que, de um modo geral e como se verá de seguida, não recuam tanto no tempo. Na região Sul, a arquitetura popular, com exceção para algumas áreas com características específicas, utiliza a madeira como uma solução muito económica e de fácil execução com o intuito de dividir o espaço. Estas divisórias são soluções de grande simplicidade constituídas por tábuas, por vezes, não aplainadas, alinhadas lado a lado, pregadas a duas vigas horizontais, uma de teto e outra de pavimento, conseguindo-se desta forma dois compartimentos distintos. Nesta região esta situação não é corrente, havendo registo de algumas paredes executadas desta forma, que assentam sobre pavimentos elevados de madeira onde o fator mais importante é o pouco peso da estrutura. Esta solução regista-se nas áreas urbanas onde os edifícios possuem mais que um piso, nomeadamente na região de Portalegre. Contudo, existem áreas onde se tornou comum o uso da madeira na execução de paredes divisórias, associadas a uma construção em madeira. É o caso das construções de pescadores do estuário do Sado e na costa de Santo André, onde a madeira surge associada a materiais vegetais.

Tabela 1 – Tipos de sistemas construtivos identificados na construção de paredes interiores

Sistema Esqueleto Enchimento Revestimento(s) Divisória em tabuado Prumos - Tábuas Divisória em canas Prumos - Canas

Madeira com materiais vegetais

Prumos Camarinheira Junco

Tabuado Argamassa de cal e areia Argamassa de terra

Madeira com revestimento em argamassa

Prumos Tábuas

Palha -

Ripado e argamassa de cal e areia

Madeira com enchimento em alvenaria

Prumos Alvenarias diversas

Argamassa de cal e areia Canas e argamassa de cal e areia

Também a Sul, registaram-se soluções que combinam um esqueleto em madeira com alvenarias, por exemplo, na região de Lagos. Ainda, no concelho de Ponte de Sor, regista-se o uso de madeira combinada com alvenarias. Em habitações eruditas é comum encontrar paredes divisórias com fasquiado bem como trapeiras e acrescentos, por vezes, com revestimentos exteriores que lembram outras regiões, como as chapas pintadas. Em algumas habitações de construção corrente, nas áreas urbanas, também aparecem soluções de paredes divisórias em tabique fasquiado, mas fruto de remodelações do século XX. Mais recentemente, aparecem construções onde a madeira com argamassa sobre fasquiado é utilizada em paredes exteriores e divisórias, numa arquitetura com beirados pronunciados e

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decorados sobre tabuado corrido, combinados com revestimentos em ardósias em escama, que resulta de movimentos migratórios do Brasil.

2.1. A utilização de materiais vegetais

A utilização de materiais vegetais conjugados com um esqueleto em madeira foi frequente até meados do século passado nas zonas piscatórias da costa portuguesa, nomeadamente na áreas de Alcácer do Sal, Comporta e Santo André, mas também no Algarve, em Monte Gordo, Tavira e Faro. Estes sistemas construtivos encontravam-se também nas áreas rurais do sul do território com incidência na região do Vale do Sorraia na construção de anexos para guardar gado e palha. As Cabanas de materiais vegetais também foram registadas no livro Construções Primitivas em Portugal, que fornece abundantes dados sobre os núcleos habitacionais que existiam em meados do século XX na costa portuguesa. Também o inventário realizado entre 1955 e 1960 pelo Sindicato Nacional dos Arquitetos, identificou este tipo de estruturas associadas a povoações piscatórias [3]. Os sistemas de paredes divisórias com utilização de materiais vegetais estão associados a este tipo de construções (figura 2a). Na Carrasqueira, no concelho de Alcácer do Sal, as paredes interiores são um esqueleto de madeira com canas pregadas na horizontal com afastamentos de cerca de 4cm onde são assentes as argamassas. Os pregos são mal batidos para melhorar a aderência destas. O interior é cheio com junco que funciona como um bom isolante acústico.

(a) (b)

Figura 2 : (a) Cabana na Carrasqueira, Alcácer do Sal; (b) Esteira de canas em Lagos

Em Mértola também se registam estes sistemas construtivos com canas rebocadas em ambas as faces. Consistiam numa armação de canas ao alto onde se atavam, transversalmente, canas deitadas [4]. Em Santo André registou-se o uso de camarinheiras que servem de suporte ao reboco de terra, que era executado em duas camadas e que cobria completamente a estrutura [5]. Os mesmos autores referem que, mais tardiamente, aparece o uso do tabuado como revestimento interior das paredes, em vez da argamassa. Na Comporta foi registada uma parede interior em que o esqueleto era preenchido com camarinheiras [6]. Neste local também se verificou o uso de tabuado de revestimento interior. Em Lagos, mas também no Sotavento Algarvio, regista-se um tipo de parede que se consegue através de "uma esteira de ripas de canas entrelaçadas em que as faces convexas destas, lisas e envernizadas, ficam viradas para o lado oposto ao das faces côncavas e rugosas que serviam de suporte às argamassas de reboco" [7]. Em cada face da estrutura primária de madeira é pregada uma esteira onde se assentam depois as argamassas de assentamento (figura 2b).

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Nesta região, o sistema mais simples consiste numa esteira de canas de secção inteira apoiadas umas nas outras e entaladas entre prumos verticais de ambos os lados que suportam as canas na horizontal aprumadas. Estas paredes não eram revestidas, ficando a estrutura visível.

2.2. Esqueleto de madeira com enchimento em alvenaria

Existem vários sistemas construtivos que utilizam um esqueleto de madeira, como estrutura de suporte, associado a alvenarias de pedra e tijolo, inteiros ou em pedaços miúdos, que podem incluir desperdícios de telha. Estas situações costumam constituir paredes estruturais, como é o caso das paredes de frontal da Baixa Pombalina ou da taipa de rodízio de Guimarães [8]. No Alentejo, encontrou-se um sistema construtivo que combina madeira com uma alvenaria semelhante no Convento de São Bento de Avis. É um esqueleto de madeira em cruz em que os nembos são preenchidos com uma alvenaria de tijolo maciço. As paredes em causa constituem um frontão triangular que marca a ligação entre os dormitórios e o acesso ao claustro Norte. Esta área não se encontra rebocada pelo interior uma vez que deita sobre uns entreforros não habitáveis. Também, a construção de Vila Real de Santo António nos finais do século XVIII por ordem do Marquês de Pombal, foi realizada com recurso a estes sistemas construtivos que combinam madeira e alvenarias, beneficiando da experiência de reconstrução da Baixa Pombalina [9]. Na região Sul, as paredes divisórias identificadas são diferentes. Na região de Lagos, encontra-se um sistema construtivo que combina também um esqueleto em madeira com alvenarias (figura 3a). Este surge em edifícios com mais que um piso e sempre acima do piso térreo, que é executado em alvenaria de pedra. Além de ser utilizado em paredes divisórias é empregue em paredes exteriores, pelo que possui função estrutural para além da simples divisão espacial. É uma estrutura de madeira de prumos verticais, com secções que variam entre 8x8cm e 14x14cm com um afastamento entre os 0,30 e os 0,65cm. Sobre estes prumos é pregada, de um lado e de outro, uma estrutura de ripado de madeira com cerca de 5x2cm de secção. Entre ripas registaram-se medidas entre os 13 e os 24cm. Estas duas fiadas são desencontradas entre cada lado do esqueleto. Esta solução deve estar relacionada com a forma como se executam as paredes, bem como com a necessidade de suportar as alvenarias que preenchem o esqueleto. De facto, este é cheio com uma alvenaria feita de pedras ligadas por argamassa de cal e areia. Entre as ripas, dos dois lados, é visível uma argamassa que preenche estas áreas. O revestimento é feito com um reboco de cal e areia com cerca de 1,5cm. Por vezes, aparecem duas camadas de argamassa. A primeira é mais grosseira sobre a estrutura de madeira. A segunda argamassa, de acabamento, é composta por areias de granulometria mais pequena. No distrito de Santarém e no vale do Sorraia, o mesmo sistema é encontrado em paredes interiores de construções de taipa e adobe, e ao contrário do anterior, foi identificado em situações de piso térreo. No Alentejo, na zona de Ponte de Sor, em Torre da Vargens, também se identificaram paredes divisórias deste tipo, mas num edifício que deverá datar do início do século XX, associado à construção de um nó ferroviário numa área rural (figura 3b). A proximidade desta região ao Ribatejo, tanto a nível geográfico como no que diz respeito às características dos solos e tipos arquitetónicos, poderá justificar a semelhança entre sistemas construtivos, resultante da migração de conhecimentos entre regiões. É um sistema de prumos verticais com 7x7cm com afastamentos entre eixos de 45cm, onde se prega uma estrutura secundária na horizontal com 3,5x1,5cm e afastamentos na ordem dos 30cm. Também estas ripas são desencontradas de cada lado da parede e os nembos são cheios com uma alvenaria de tijolo. Os rebocos possuem espessuras na ordem dos 1,5cm e são constituídos por cal e areia.

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(a) (b)

Figura 3 : Madeira com enchimento; (a) exemplo em Lagos; (b) exemplo em Ponte de Sor A uma técnica construtiva semelhante Augusto Leitão chama "frontal à galega" [10], em que o esqueleto de madeira é preenchido com uma alvenaria constituída por uma argamassa e pequenas pedras. Também nesta solução, como nos casos registados, as peças de madeira horizontais de uma face alternam com as de outra, estando desencontradas. Para além do desencontro do ripado horizontal, na execução destas paredes seria necessária a utilização de taipais laterais para auxiliar o enchimento com alvenarias de pedras miúdas. O mesmo autor refere o uso de tábuas pregadas às peças horizontais, que depois de efetuado o enchimento, são removidas. No Sotavento Algarvio existe referência a um sistema construtivo onde o enchimento é suportado por canas pregadas no esqueleto [11]. A estrutura primária é semelhante à mencionada acima com prumos afastados cerca de 50cm e o enchimento é feito com pedras e pedaços de cerâmica argamassados com terra argilosa. Contudo, este é suportado pelas canas pregadas em ambas as faces dos prumos, com afastamentos entre 20 a 30cm. Ao contrário do referido para o “frontal à galega”, estas canas, que substituem o ripado horizontal, não são removidas, servindo de suporte do reboco de revestimento.

2.3. Madeira com revestimento em argamassa ou o “tabique fasquiado”

Na construção de paredes interiores e exteriores utilizava-se um sistema que recebe o nome genérico de tabique. Em certas regiões é denominado por "taipa de ripa" ou "taipa de fasquio", que se deve ao fasquiado colocado para receber a argamassa de revestimento. É uma estrutura de madeira constituída por tábuas costaneiras colocadas na vertical onde, depois, é pregado um ripado com 1,5x1cm na horizontal com afastamentos na ordem dos 3cm que recebe o reboco, normalmente, de cal e areia. Esta estrutura normalmente só é utilizada a partir do piso térreo que é executado com uma alvenaria de pedra e evita que a madeira sofra com a humidade ascensional. É muito utilizada na região Norte do País, associada a soluções de revestimento em telha, ardósias e chapas onduladas pintadas.

Figura 4 : Exemplos de tabiques fasquiados em Avis, Alentejo.

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A Sul este sistema construtivo aparece em construções de finais do século XIX, inícios de XX, em paredes interiores, mas também na construção de acrescentos sobre as coberturas. Ainda, nos anos 60 do século XX era comum a execução deste tipo de paredes em remodelações interiores. Este método surge também associado a modelos arquitetónicos com origens distintas dos modelos vernáculas como o são as habitações de imigrantes que regressaram do Brasil. No Alentejo, em paredes interiores identificou-se uma variante ao uso das tábuas costaneiras aprumadas. Nestes casos, a estrutura primária da divisória é constituída por prumos verticais com afastamentos na ordem dos 50 cm. Este esqueleto apresenta secções que variam entre os 7,5x4cm e os 10x8cm. É neste que é pregado o fasquiado na horizontal onde assenta a argamassa. Foram registadas situações que apresentam diferenças no fasquiado, mantendo-se o mesmo tipo de esqueleto. O fasquiado apresenta, por vezes, um aspeto muito tosco, com ripas com uma grande curvatura e afastamentos variáveis. Contudo, constatou-se o cuidado na forma trapezoidal das secções das ripas para melhor aderência das argamassas de revestimento. Todavia, existem situações onde o ripado se encontra rigorosamente cortado com secção em forma de trapézio, em que a face menor fica virada para o interior, e é colocado com afastamentos constantes de 1,5cm. Supõe-se que esta execução é mais recente que a anterior, apesar de terem sido encontradas duas situações destas num mesmo edifício. Curiosamente, o segundo exemplo possui o esqueleto cheio com palha, o que melhora o comportamento destas estruturas a nível acústico. É o fasquiado que recebe o reboco que possui 0,015m de espessura. As argamassas eram realizadas com uma mistura com cal aérea e areia e, por vezes, usa-se estuque. Em Mértola, regista-se o uso de tábuas costaneiras de madeira dispostas ao alto em construções do início do século XX. Nesta solução, o afastamento entre ripas horizontais é superior às situações registadas, podendo possuir 4 ou 5 cm. Fernando Varanda confirma a utilização deste sistema construtivo em todo o sul do país [12].

Figura 3 : Tabique fasquiado

As diferenças nos afastamentos das peças que constituem o fasquiado resultam do tipo de esqueleto utilizado em cada uma das soluções construtivas. No caso do uso de um esqueleto de prumos de madeira, era necessário criar uma superfície para prender o reboco pelo que o ripado possui afastamentos muito pequenos na ordem de 1cm. Também, o enchimento com a palha, auxilia a aderência das massas ao suporte. No caso da estrutura primária ser constituída por tábuas ao alto, o fasquiado pode apresentar afastamentos maiores uma vez que a tábua já constitui uma superfície para suporte da argamassa. Estas superfícies eram, muitas vezes, golpeadas para criar maior rugosidade à peça. As mesmas razões estão na base da utilização das peças de secção trapezoidal. A colocação da ripa com a face menor pregada para o interior

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faz com que a massa fique presa nestes espaços, melhorando o comportamento de toda a estrutura. No Algarve e no Baixo Alentejo, existem situações em que estes ripados são substituídos por canas, em vez do fasquiado em madeira, à semelhança com o que acontece nas soluções de revestimento interior das coberturas inclinadas em que o caniço, serve de teto e suporte da telha, em vez de tábuas de forro ou ripado.

3. NOTAS FINAIS

Estes sistemas construtivos assumiram um papel importante na construção do património edificado em Portugal, não só em áreas urbanas, mas também em zonas rurais. O estado de degradação de muitas das construções identificadas denuncia o abandono a que este património, de um modo geral, tem sido votado. No entanto, é interessante verificar que as construções permanecem razoavelmente conservadas, ainda que sobre estas não tenha havido nenhum cuidado particular, o que revela a sua qualidade. Por outro lado, a observação de algumas intervenções atuais permite concluir que estes paramentos são substituídos por soluções diferentes que, na maior parte das vezes, se revelam incompatíveis. As construções com materiais vegetais quase que desapareceram, com exceção para alguns exemplares. Contudo, há poucos anos foram “recuperadas”, estando a ser construídas de novo para habitações sazonais nas áreas onde outrora existiam. Neste caso, introduziram-se melhorias significativas na qualidade habitacional, com elevação do pavimento com pilotis de betão e a introdução de isolamento e tijolo furado pelo interior. A investigação em curso pretende avaliar a qualidade das estruturas edificadas e dos materiais utilizados e comparar o comportamento destas paredes com as exigências atuais de conforto e de habitabilidade dos espaços. Neste sentido, pretende-se poder contribuir para a salvaguarda destes sistemas construtivos, justificando a sua permanência ou orientando a sua transformação. Ainda, sempre que se revele adequada uma alteração da estrutura, será estudada a adição de materiais modernos e industriais de forma a conseguir uma melhoria do desempenho destes sistemas construtivos.

4. AGRADECIMENTOS

Agradeço ao orientador da dissertação, eng. José Saporiti Machado do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e ao co-orientador, prof. Virgolino Ferreira Jorge, da Universidade de Évora, o apoio prestado na investigação realizada para a elaboração deste artigo.

5. REFERÊNCIAS

[1] Oliveira, E., Galhano, F., Pereira, B. – “Construções Primitivas em Portugal”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1994.

[2] Oliveira, E, - “Arquitetura Tradicional Portuguesa”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1994.

[3] A.A.V.V. – “Arquitetura Popular em Portugal”, Ordem dos Arquitetos, Lisboa, 2004. [4] Varanda, F. – “Mértola no Alengarve, Tradição e mudança no espaço construído.”,

Assírio e Alvim, Lisboa, 2002. [5] Oliveira, E., Galhano, F., Pereira, B. – “Construções Primitivas em Portugal”,

Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1994. [6] Bruno P., Rodrigues, P. – “Cabanas de materiais vegetais na herdade da Comporta.

Tradição construtiva e novas abordagens”, Comunicação apresentada no 6.º ATP / 9.º SIACOT, Coimbra, 2010.

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[7] GTAA Sotavento – “Materiais, sistemas e técnicas de construção tradicional”, Edições

Afrontamento, Porto, 2008. [8] Teixeira, G. B., Belém, M. C. – “Diálogos da Edificação”, Centro Regional de Artes

Tradicionais, Porto, 1998. [9] Mendes, A. R. – “Vila Real de Santo António e o Urbanismo Iluminista”, Câmara

Municipal de Vila Real de Santo António, VRSA, 2010. [10] Leitão, L. A. – “Curso Elementar de Construções”, Escola Central da Arma de

Engenharia do Estado Maior do Exército, Lisboa, 1896. [11] GTAA Sotavento – “Materiais, sistemas e técnicas de construção tradicional”, Edições

Afrontamento, Porto, 2008 [12] Varanda, F. – “Mértola no Alengarve, Tradição e mudança no espaço construído.”,

Assírio e Alvim, Lisboa, 2002.

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