A TUTELA LEGAL DA FAUNA ANTE A LIBERDADE...

65
UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Adalberto Messias Pezzot A TUTELA LEGAL DA FAUNA ANTE A LIBERDADE RELIGIOSA E O SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS São Paulo 2011

Transcript of A TUTELA LEGAL DA FAUNA ANTE A LIBERDADE...

UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Adalberto Messias Pezzot

A TUTELA LEGAL DA FAUNA ANTE A LIBERDADE RELIGIOSA E O

SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS

São Paulo

2011

Adalberto Messias Pezzot

RA 003200700044

A TUTELA LEGAL DA FAUNA ANTE A LIBERDADE RELIGIOSA E O

SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Coordenação do Curso de Direito da

Universidade São Francisco, como requisito

parcial para obtenção do Título de Bacharel

em Direito. Orientado pela Professora Mestra

Silmara Faro Ribeiro.

São Paulo

2011

Ficha catalográfica elaborada pelas bibliotecárias do Setor de

Processamento Técnico da Universidade São Francisco.

343.58 Pezzot, Adalberto Messias.

P619t A tutela legal da fauna ante a liberdade

religiosa e o sacrifício ritual de animais /

Adalberto Messias Pezzot – São Paulo, 2011.

63 p.

Monografia (graduação) - Universidade São

Francisco.

Orientação de: Silmara Faro Ribeiro.

1. Liberdade. 2. Culto. 3. Sacrifício. 4.

Crueldade. 5. Animais. I. Ribeiro, Silmara Faro.

II. Título.

Adalberto Messias Pezzot

RA 003200700044

A TUTELA LEGAL DA FAUNA ANTE A LIBERDADE RELIGIOSA E O

SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Coordenação do Curso de Direito da

Universidade São Francisco, como requisito

parcial para obtenção do Título de Bacharel

em Direito.

Data de aprovação: ___/___/_____

Banca Examinadora:

...............................................................................................................................................

Profª Ma. Silmara Faro Ribeiro (Orientadora)

Universidade São Francisco

.......................................................................................................................................................

Prof. Dr. José Luiz Mônaco da Silva (Examinador)

Universidade São Francisco

.......................................................................................................................................................

Profª Ma. Priscila Jorge Cruz Diacov (Examinadora)

Universidade São Francisco

Dedico este trabalho ao meu saudoso Pai,

Olivieri (in memoriam), que me ensinou a ter

firmeza de caráter e à minha querida Mãe,

Maria de Lourdes, que me deu a fortaleza da

fé.

Dedico à minha querida Professora

Orientadora, Silmara Faro Ribeiro, pelo

carinho, paciência e ensinamentos no decorrer

da elaboração deste trabalho.

Aos meus irmãos José Carlos, Aparecida e

Vera que nos momentos mais difíceis

estiveram ao meu lado me impulsionando para

a vitória.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os meus queridos

Professores que ao longo dessa caminhada me

agraciou com seus ensinamentos, carinho e

dedicação.

Agradeço aos meus queridos colegas de sala

pela convivência harmoniosa e amiga ao longo

do curso.

Aos meus queridos amigos e companheiros da

Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho

por todos os ensinamentos, carinho e amizade.

Aos Amigos do Núcleo EDUCAFRO –

Projeto Semente pela força ao longo da

caminhada.

À EDUCAFRO e à UNEAFRO pela

oportunidade da realização deste sonho.

A todos que direta ou indiretamente

contribuíram para a concretização deste sonho.

Aqui é o estrado para os teus pés, que

repousam aqui, onde vivem os mais pobres,

mais humildes e perdidos.

(Tagore)

Faze da tua crença em Deus e nos destinos

sobrenaturais do Homem a luz que te guiará

no meio da confusão dos desorientados e da

corrupção dos costumes.

(Código de Ética do Estudante)

PEZZOT, Adalberto Messias. A tutela legal da fauna ante a liberdade religiosa e o

sacrifício ritual de animais. 63 pp. Trabalho de Conclusão de Curso. Direito, Universidade

São Francisco, São Paulo, 2011.

RESUMO

O presente trabalho, a partir de uma pesquisa bibliográfica tem o objetivo trazer à baila os

posicionamentos doutrinários acerca da liberdade religiosa e do sacrifício de animais em

rituais religiosos, mostrando os conflitos existentes entre os diplomas legais que permitem tais

práticas e aqueles que vedam práticas que submetam os animais a crueldade. A liberdade

religiosa de onde se extrai a liberdade de culto encontra previsão legal na Carta Magna de

1988, em seu artigo 5, inciso VI. O amparo constitucional à liberdade religiosa está presente

em nosso ordenamento desde as primeiras Constituições Brasileiras, estando prevista também

na Carta Magna de 1988. O dispositivo constitucional mencionado garante ao cidadão o livre

exercício da liberdade religiosa, a liberdade de culto bem como a assistência religiosa.

Observou-se que a liberdade religiosa apresenta como uma de suas formas de expressão, a

liberdade de culto que se materializa em algumas religiões através do sacrifício ritual de

animais, no entanto, o artigo 225, inciso VII, do mesmo diploma legal impõe limites a tais

práticas, no sentido de coibir quaisquer práticas que possam submeter os animais à crueldade.

Um dos autores pesquisados trouxe um exemplificativo, a título de conhecimento, da

referência constitucional da liberdade religiosa de 3 (três) países, de confissões religiosas

bastante distintas: Arábia Saudita, Argentina e Coréia do Sul. O presente trabalho faz uma

abordagem aos princípios gerais que regem o Direito Ambiental à luz de renomados autores.

Outro aspecto abordado é a questão da dignidade da pessoa humana que, embora se relacione

a preceitos Cristãos está prevista no texto constitucional. Observa-se ao longo da pesquisa

realizada que um dos autores pesquisados discorre acerca da dignidade da pessoa como sendo

uma obrigação de o Estado colocar o cidadão no centro de suas ações. Com o advento da Lei

de Crimes Ambientais, a Lei nº 9.605/98, a tutela legal da fauna encontrou um amparo maior,

no sentido que passou a considerar crime ambiental o que na legislação revogada era

considerado contravenção penal, atualmente os crimes ambientais contra a fauna encontram-

se elencados nos artigos 29 a 37, do diploma legal mencionado. Acerca da pena imputada a

quem infringir os dispositivos do citado diploma legal, o texto da Lei de Crimes Ambientais

prevê pena de detenção e multa. Finalizando, a pesquisa se ateve ao sacrifício ritual de

animais, onde foi possível analisar seus aspectos jurídicos e religiosos, a pesquisa não se

preocupou apenas de observar o posicionamento de juristas, mas cuidou de trazer o

posicionamento de representantes do segmento religioso. Assim, observaremos que a pesquisa

realizada deparou-se com a existência de um conflito no ordenamento jurídico, no sentido de

que, se em nome da liberdade religiosa é permitido a prática de sacrifícios rituais como meio

de exteriorizar sua crença, por outro lado encontraremos as restrições impostas pelo Direito

Ambiental que tutelam a vida do animal.

Palavras-chave: Liberdade. Culto. Sacrifício. Crueldade. Animais.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 08

SEÇÃO 1 CONTEXTO HISTÓRICO, BEM AMBIENTAL, NATUREZA JURÍDICA .......... 10

1.1 Contexto Histórico......................................................................................................................... 10

1.2 Bem ambiental na visão de Celso Antonio Pacheco Fiorillo ........................................................ 11

1.2.1 Bem ambiental na visão de Paulo Affonso Leme Machado ................................................. 12

1.2.2 Bem ambiental na visão de Paulo de Bessa Antunes ............................................................ 14

1.2.3 A fauna como bem ambiental ............................................................................................... 15

1.3 Natureza jurídica do Direito Ambiental ........................................................................................ 16

1.4 A fauna como instrumento de prática cultural .............................................................................. 17

SEÇÃO 2 HISTÓRIA, LIBERDADE RELIGIOSA, CULTO E ORDENAMENTO

JURÍDICO ......................................................................................................................................... 20

2.1 A Religião na história da humanidade .......................................................................................... 20

2.2 Conceito de liberdade religiosa ..................................................................................................... 21

2.2.1 A liberdade Religiosa e a Constituição Federal .................................................................... 22

2.2.1.1 Breve histórico da liberdade religiosa nas Constituições Brasileiras ............................ 23

2.3 Princípios gerais do Direito Ambiental, segundo Paulo Affonso Leme Machado ....................... 26

2.3.1 Princípios gerais do Direito Ambiental, segundo Guilherme José Purvin de Figueiredo ..... 27

2.3.2 Princípios gerais do Direito Ambiental, segundo Paulo de Bessa Antunes .......................... 29

2.4 A liberdade religiosa no Direito Comparado ................................................................................ 30

2.5 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana .................................................................................. 31

SEÇÃO 3 A TUTELA LEGAL DA FAUNA ANTE A LIBERDADE RELIGIOSA E O

SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS ........................................................................................... 33

3.1 A tutela legal à fauna brasileira ..................................................................................................... 33

3.1.1 Dos crimes contra a fauna ..................................................................................................... 36

3.1.2 A Lei e a crueldade contra os animais .................................................................................. 40

3.1.3 A Lei de Crimes Ambientais ................................................................................................. 45

3.2 O sacrifício de animais em rituais religiosos – aspectos jurídicos ................................................ 48

3.2.1 O Sacrifício de animais – Aspectos religiosos ...................................................................... 54

3.2.2 Os Dez Mandamentos da Lei de Deus: um instrumento de pacificação social .................... 56

3.2.3 O Quinto Mandamento – Não matarás! ................................................................................ 56

3.2.4 O posicionamento dos Tribunais ........................................................................................... 57

CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 59

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 62

8

INTRODUÇÃO

A religião está presente na vida dos homens desde os primórdios da humanidade. Vista

como um dos fenômenos culturais mais importantes da história tem por objetivo oferecer ao

homem a salvação de sua alma em um plano posterior à vida terrena.

Desde o inicio da existência humana o homem tem procurado estabelecer uma relação

harmônica com o divino. Nessa relação, a busca pela salvação de sua alma sempre esteve

acompanhada de muitos questionamentos acerca do que agradaria ao criador?

Durante as pesquisas para elaboração do presente trabalho, realizaram-se consultas a

obras de renomados autores, de onde foram extraídas importantes considerações acerca do

tema proposto.

Antes de abordamos o sacrifício ritual de animais, analisaremos alguns aspectos que

envolvem o tema, dentre eles a religião na história da humanidade que passa pela liberdade

religiosa de onde se extrai a liberdade de culto, sua previsão legal no ordenamento jurídico

brasileiro, bem como os princípios do Direito Ambiental, a tutela legal da fauna, sua

classificação, a vedação as práticas que submetam os animais a crueldade, etc.

Na primeira seção, iremos fazer uma abordagem acerca da relação do homem com a

natureza, à luz de pensadores como Hobbes, Descartes, Locke, etc. Adiante, conceituaremos o

bem ambiental segundo renomados autores brasileiros. Por fim discorreremos acerca da

fauna, como bem jurídico ambiental tutelado pela legislação brasileira, levando-se em conta

sua classificação como bem ambiental, faremos ainda uma analise quanto a natureza jurídica

do Direito Ambiental, encerrando a seção traremos a fauna, como instrumento de prática

cultural.

Analisar-se-á na segunda seção, a religião na história da humanidade, discorrendo

acerca da liberdade religiosa, sua previsão na história das Constituições Brasileiras. Mais

adiante iremos abordar os princípios gerais que regem o Direito Ambiental. Faremos uma

abordagem acerca da liberdade de culto no direito comparado. Por fim, abordaremos a

liberdade de culto, prevista na Carta Magna de 1988.

Na terceira seção, finalizando o presente trabalho, iremos abordar aspectos que

envolvem a tutela legal da fauna, os crimes praticados contra a fauna, além de questões

inerentes à vedação constitucional às práticas que submetam animais a crueldade e acerca da

Lei de Crimes Ambientais, em especial os artigos 29 a 37, que tratam dos crimes contra a

fauna.

9

Não obstante, diante dessa incansável busca, muitas foram às formas encontradas pelo

homem para fazer aquilo que fosse aprazível ao Criador, com intuito de buscar a salvação de

sua alma. Dentre essas práticas encontra-se o sacrifício ritual de animais, onde as oferendas

poderiam variar de uma simples pombinha, um cordeiro ou até uma vida humana como se

verifica na passagem bíblica em que Abrahão, o Patriarca do Povo de Israel oferece seu

próprio filho em holocausto.

Nesse sentido, abordaremos não só aspectos jurídicos, mas também aspectos ligados à

religiosidade que envolva a relação do homem com o divino sem deixar de observar as

vedações legais às práticas que submetam os animais a crueldade.

Assim, diante das pesquisas realizadas, apresentaremos um estudo acerca do sacrifício

de animais em rituais religiosos, abordando seus aspectos jurídicos e religiosos, bem como o

posicionamento dos nossos tribunais, traçando um paralelo com os Dez Mandamentos da Lei

de Deus, com ênfase ao Quinto Mandamento: NÃO MATARÁS!

10

SEÇÃO 1 CONTEXTO HISTÓRICO, BEM AMBIENTAL, NATUREZA JURÍDICA

Nesta seção iremos abordar a relação do homem com os animais, fazendo uma análise

jurídica do bem ambiental, de sua natureza jurídica, a fauna como bem ambiental e como

instrumento de prática cultural, à luz de renomados doutrinadores da literatura jurídica

brasileira.

1.1 Contexto Histórico

Desde os primórdios da existência humana a relação com os animais tiveram como

elementos essenciais o domínio, pela ótica da exploração, arbitrariedade, irresponsabilidade

na relação e pela concepção de superioridade trazida por Sócrates o que posteriormente foi

ratificado pelo ordenamento jurídico.

Na Grécia antiga, o homem ainda não tinha a visão antropocêntrica, para o homem da

época a justiça estatal se confundia com as leis da natureza.

Ao longo dos tempos, vários pensadores difundiram suas idéias sempre se levando em

conta o homem como ser superior. Descartes, que viveu entre 1596-1650, deixa claro essa

forma de pensamento com a notória máxima “penso, logo existo”, reduzindo o homem à sua

capacidade cognitiva. Com esse pensamento inicia-se uma segregação que coloca de um lado

o homem e de outro lado a natureza, esse racionalismo dá ensejo a vivissecção, que

rapidamente se difundiu por toda Europa.

Contemporâneo de Descartes, Thomas Hobbes (1588-1674), lança as bases do contrato

social, funda a filosofia do direito individual moderno. Para ele, a linguagem é o elemento

principal que forma as relações políticas e sociais, excluindo do contrato social os animais que

posteriormente seria tratado por Locke (1632-1704) como mera propriedade privada, pois

acreditava que tudo aquilo que não tivesse natureza humana, não possuía vontade ou direitos,

assim os animais não-humanos foram colocados num rol de recursos disponíveis à

humanidade.

Em 1948, a Organização das Nações Unidas proclama a Declaração Universal dos

Direitos do Homem, que tendo como base os ideais iluministas, discorre apenas sobre os

homens, deixando claro o cunho antropocentrista da época. Até 1978 os animais

11

permaneceram à margem da exclusão, não tendo direitos nem voz, foi quando a Unesco

proclama a Declaração dos Direitos dos Animais, que em seu artigo primeiro reza que “Todos

os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência”.

Vários países se tornaram signatários da aludida Declaração, dentre eles o Brasil, muito

embora ainda não o tenha ratificado.

O artigo 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, reza em seu inciso I que

todo homem tem o direito de gozar os direitos e as liberdades constantes de seu texto, dentre

elas a liberdade de escolher livremente sua religião e suas formas de expressão.

A liberdade religiosa, direito que foi conquistado através dos tempos, surgiu debaixo de

muitas contestações na Inglaterra e posteriormente, de modo efetivo na França. No Brasil,

essa liberdade surgiu em 1890. Atualmente a liberdade religiosa é assegurada pela Carta

Magna de 1988 e recebe proteção garantida pelo Código Penal Brasileiro.

Embora garantida pela Constituição Federal à liberdade religiosa conflite muitas vezes

com outras garantias constitucionais, como por exemplo, o que se elenca no artigo 225, em

especial o inciso VII, que será abordado no decorrer do presente estudo, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-

se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para

as presentes e futuras gerações.

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que

coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies

ou submetam os animais a crueldade.

O sacrifício de animais em rituais religiosos é uma prática que remonta desde os

primórdios da humanidade, o que se pode verificar em diversos textos bíblicos, passando

pelas mais diversas civilizações da antiguidade e na atualidade, é tido como manifestação

cultural de diversos povos espalhados pelo mundo. No Brasil, esta prática encontra adeptos e

contrários, sobretudo nas religiões de matrizes africanas. O que para muitos é um direito de

expressão religiosa para outros se trata de crime ambiental, conflito este, objeto do presente

Trabalho de Conclusão de Curso.

1.2 Bem Ambiental na visão de Celso Antonio Pacheco Fiorillo

Bem ambiental na ótica de Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2009, p. 109-110), é um

bem de uso comum do povo, que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa, desde que

12

respeitado os limites constitucionais, sendo este um bem essencial à qualidade de vida. Vale

frisar que, para que o cidadão desfrute de uma vida digna e saudável, se faz necessário atentar

aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles o disposto no artigo 1º, inciso

III, da Carta Magna de 1988, o da dignidade da pessoa humana.

De acordo com o que dispõe o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, todo cidadão

brasileiro tem direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum do

povo, portanto necessário a uma vida digna e saudável, sendo dever do Poder Público e à

sociedade como um todo, defendê-lo e protegê-lo, de forma que as futuras gerações possam

gozar de seus benefícios. O legislador ao elencar o meio ambiente como bem ambiental, de

uso comum do povo, estabeleceu uma relação jurídica com duas modalidades de bens: o bem

público, difuso, portanto de uso comum, colocando toda a sociedade como titular desse

direito.

Ainda, de acordo com Fiorillo (2009, p. 110), entende-se como bem de uso comum do

povo, como aquele que se destina ao uso comum, podendo ser desfrutado por toda e qualquer

pessoa, respeitado os limites fixados pelo texto constitucional.

Fiorillo (2009, p. 110), ainda ressalta a existência de bens ambientais essenciais à sadia

qualidade de vida. No âmbito jurídico, salienta que um bem essencial à sadia qualidade de

vida, além de ser de uso comum do povo, são aqueles que garantem a todo cidadão o

fundamento previsto no inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal: a dignidade da pessoa

humana.

1.2.1 Bem Ambiental Na Visão De Paulo Affonso Leme Machado

De acordo com Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 116), todos os cidadãos têm

direito a um meio ambiente equilibrado, por se tratar de um bem ambiental de uso comum do

povo, essencial à sadia qualidade de vida, cujo dever de protegê-lo e preservá-lo para as

presentes e futuras gerações pertence ao Poder Público e à coletividade, de acordo com o que

reza o artigo 225, caput, da Carta Magna de 1988.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, independe de

sua nacionalidade, raça, sexo, idade, estado de saúde, renda profissão e residência, assim,

ninguém pode ser excluído desse direito, que pela expressão “todos”, entende-se como sendo

pronome indefinido de larga abrangência, pois o texto constitucional não elenca um rol de

13

pessoas que teriam o direito a tal bem ambiental, assim, ninguém pode ser excluído de

usufruir de tal direito.

Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 118) traz a visão do Supremo Tribunal Federal

que conceitua o direito ao meio ambiente, de acordo com o voto do Ministro Relator Celso de

Mello da seguinte forma:

[...] como um típico direito de terceira geração que assiste, de modo

subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa

que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e a própria

coletividade – de defendê-lo e preservá-lo em benefício de presentes e

futuras gerações.

De acordo com Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 119-120), a Constituição

Federal de 1988, em seu artigo 225, dimensiona o meio ambiente como bem de uso comum

do povo, ampliando o conceito já existente. Desta forma inseriu a função social da

propriedade.

Ainda, de acordo com seus escritos, o Poder Público passou a ser um gestor de bens

ambientais, dentre eles, a fauna objeto deste estudo. Assim, uma vez aceita esta concepção

jurídica, o Poder Público abriu uma clareira na relação jurídica entre Estado e povo, dando a

possibilidade de uma maior participação da sociedade civil, na gestão desses bens ambientais,

de uso comum do povo, como manda os princípios norteadores de um Estado Democrático e

Ecológico de Direito, conforme determina os artigos 225 e 170 da Constituição Federal.

Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 120-121), afirma que os Legisladores

Constituintes, ao tratarem do tema, poderiam simplesmente trabalhar as questões inerentes ao

meio ambiente sadio, no entanto, na opinião do doutrinador, os legisladores foram além.

As constituições brasileiras nunca deixaram de elencar no rol dos direitos fundamentais,

o direito à vida. Com a promulgação da Carta Magna de 1988, os legisladores promoveram

um avanço nesse sentido, ao resguardar no texto constitucional a dignidade da pessoa

humana, conforme artigo 1º, inciso III, já mencionado anteriormente e introduz o direito à

sadia qualidade de vida.

Para que o ser humano possa ter uma sadia qualidade de vida, diz o doutrinador, que

tem que ser levado em conta, não só o fato de não se contrair moléstias, mas também o estado

de seus ecossistemas e demais elementos da natureza - que passaremos a discorrer ao longo

deste estudo, sobre o elemento fauna pois entende que esses elementos quando em perfeito

estado de preservação, são fundamentais para que os seres humanos permaneçam imunes à

doenças, alcançando assim uma sadia qualidade de vida.

14

1.2.2 Bem Ambiental Na Visão de Paulo de Bessa Antunes

O doutrinador Antunes (2006, p. 58-59) esclarece que é no artigo 225 da Constituição

Federal, que se caracteriza e se concretiza o cruzamento entre a ordem econômica e os

direitos individuais, pois, é o referido dispositivo o centro nevrálgico da proteção

constitucional ao meio ambiente.

O ilustre doutrinador aborda questões relevantes ao tema, em especial o vocábulo

“todos”. Etimologicamente, a expressão mencionada pelo doutrinador, quando interpreta seu

significado concreto, se depara com uma concepção que abrange toda a população mundial no

tocante à defesa do meio ambiente. Portanto, a Carta Magna, em especial em seu artigo 225,

quando o legislador faz uso da expressão “todos”, se refere à abrangência que se destina a

proteção constitucional do meio ambiente e suas formas de vida, diferentemente da expressão

“todos” utilizada no texto do artigo 5º da Carta Constitucional, que se refere a todos os

cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional e não a todo e qualquer ser

humano.

A abrangência dos efeitos trazidos pela expressão mencionada no artigo 225 da

Constituição Federal, não abarca somente os brasileiros residentes no país, mas também os

estrangeiros residentes e os que por qualquer motivo tenham seus direitos de cidadania

suspensos estão inseridos no rol de destinatários desta norma constitucional.

Paulo de Bessa Antunes (2006, p. 60), discorre sobre as alterações que a Constituição

Federal trouxe ao conceito de meio ambiente, anteriormente tratado na Lei 6.938, de 31 de

agosto de 1981, inserindo o conteúdo humano e social no conceito. O doutrinador deixa claro

que o intuito do legislador foi garantir a todos o direito a um meio ambiente equilibrado e

saudável, de forma a preservá-lo às presentes e às futuras gerações.

Salienta ainda, que o conceito de meio ambiente com a promulgação da Carta Magna de

1988, em especial o artigo 225, tornou-se bem jurídico ambiental, de uso comum do povo,

ampliando o conceito jurídico de meio ambiente. Com isso, a Constituição Federal criou uma

categoria jurídica que impõe a todos os que utilizam o meio ambiente como meio de

sobrevivência, portanto, essencial a uma vida digna, uma obrigatoriedade pelo zelo e

conservação de seus recursos naturais. Garantindo que todos, sem nenhuma distinção, possam

ter acesso aos bens ambientais.

15

1.2.3 A Fauna como Bem Ambiental

Ao estudar a obra de Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 752-753), observa-se que

o autor conceitua fauna silvestre como aquela que não foi domesticada e que compõem o

conjunto de espécies habitantes de uma determinada região do país.

Em sua obra, faz menção ao ilustre jurista Lafayete Rodirgues Pereira que dividia os

animais em três categorias distintas: mansos ou domésticos; bravios ou silvestres e

domesticados, enfatizando que fauna silvestre é aquela que não se submete ao julgo humano e

que vive em liberdade, dentro de seu habitat natural.

Ressalta o autor que fauna “silvestre” não se resume ao conjunto de espécies que

sobrevivem e podem ser encontrados em ambientes selvagens, sendo que a expressão

“silvestre”, segundo Machado é a forma legal encontrada pelo legislador para que se possa

diferenciar a fauna doméstica pela não domesticada, levando-se em conta sua vida em

cativeiro ou fora dele.

Por fim, o ilustre professor esclarece que mesmo que uma determinada espécie tenha

indivíduos vivendo em cativeiro, sob a condição de domesticados, os demais membros de sua

espécie não perderão o caráter de “silvestre”.

O ilustre doutrinador deixa claro que a fauna silvestre não é um bem sujeito ao domínio

da Administração Pública, da qual a União pode dispor como elemento suscetível de atos de

comércio e enfatiza que a fauna pertence ao conjunto de bens públicos de uso comum do

povo, protegidos por legislação própria que se estende não somente aos indivíduos de cada

espécie, mas também a seus criadouros naturais e ninhos, independente de estarem sujeitas à

extinção ou pertencerem a espécies raras. (2006, p. 755).

Ainda, segundo o autor, fosse a Administração Pública detentora do domínio eminente

sobre a fauna silvestre, tal domínio, acarretaria consequências jurídicas ao Estado, uma vez

que esse domínio eminente da União sobre a fauna silvestre não se traduz em direito de

propriedade, já que o bem em questão se insere no rol de bens público de uso comum do

povo, restando claro que a União não teve em nenhum momento a intenção de que a fauna

silvestre, bem como a seu habitat, se submetessem a um regime jurídico de Direito Privado, o

que daria à União, o direito de uso e gozo sobre tal bem.

De acordo com Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2009, p. 184-185), a fauna, sob a égide

dos revogados Código de Caça, Decreto-Lei nº 5.894/67 e Código de Pesca, Decreto-Lei nº

794/38, era considerada como res nullius, ou passível de domínio, quer pelo fato do

16

abandono, quer pelo fato de a ele não ter sido atribuído senhor.

Com a revogação dos antigos Códigos de Caça e Pesca pela Lei nº 5.197/67, o

legislador passou a lançar outro olhar à fauna, pois este começou a preocupar-se com a

esgotabilidade do bem e com a garantia de um ecossistema que proporcionasse a manutenção

das espécies. Rezava a lei que a fauna silvestre era considerada um bem público, de poder da

União.

A Constituição Federal, em seu artigo 225 e o Código de Defesa do Consumidor, artigo

81, parágrafo único, inciso I, por meio de conjugação legislativa, enquadra os bens

ambientais, dos quais faz parte a fauna, como bem difuso, excluindo-se da categoria de bens

públicos.

No entendimento de Fiorillo (2009, p. 185), a fauna e a flora, por possuírem uma função

ecológica aludida pela Carta magna de 1988, em seu artigo 225, § 1º, inciso VII, passaram a

ser considerados bens ambientais. Para Fiorillo, a titularidade da fauna é indeterminável, não

passíveis de apropriação, administrado pelo poder estatal, no entanto, seu uso e gozo racional

são permitidos, desde que o bem ambiental seja protegido e preservado.

1.3 Natureza Jurídica do Bem Ambiental

No entendimento da ilustre Professora Erika Bechara (2003, p. 29-31), os bens

ambientais são de uso comum do povo, em consonância com o disposto no artigo 225, caput,

da Constituição Federal de 1988, o que estabelece a sua natureza jurídica dos bens ambientais.

Ela esclarece que tais bens podem ser usufruídos pela coletividade e salienta que a

propriedade não pode ser exercida por quem quer que seja, não caracterizando que sejam

públicos ou privados, mas sim, bens de natureza difusa, dotados das características que lhes

são peculiares, ou seja, a transindividualidade; indivisibilidade; titularidade; indeterminável e

o vínculo que os une a seus titulares.

A autora traz à baila, o ensinamento do Professor Sérgio Ferraz, que argumenta no

sentido de que “o patrimônio ambiental, bem ao contrário do que dizem os juristas e algumas

leis, não é res nullius, mas res ommium – coisa de todos. Todos temos interesse jurídico na

preservação do ambiente” (grifo do autor) (FERRAZ apud BECHARA, 2003, p. 31).

Na mesma linha de pensamento, a ilustre autora, traz a contribuição de Vitor Rolf

Laubé, que ensina que o artigo 225, caput, da Carta Magna de 1988, apresenta fácil

17

entendimento, no sentido de que seu texto trata de direito indivisível e não de um direito

individualizável, in verbis: “é um direito de todos, apresentando-se impossível a sua fruição

exclusiva por uma só pessoa. Assim, por ser subjetivamente indeterminável e objetivamente

indivisível, erige-se à condição de interesse difuso...”. (LAUBÈ apud BECHARA, p. 31)

Bem leciona a autora, que tendo em vista as características dos bens ambientais, não

resta margem a outra interpretação, de acordo com o entendimento doutrinário, que a natureza

jurídica dos bens ambientais, sob o prisma de sua titularidade, é de bem difuso.

Nos ensina Celso Antonio Pacheco Fiorillo, em artigo publicado no site de Donnini &

Fiorillo1, que de acordo com o previsto no artigo 225 da Constituição Federal de 1988, os

bens ambientais são de uso comum do povo, não cabendo a qualquer pessoa firmar relação

jurídica com tais bens, de modo a vir recair sobre o bem, direitos e prerrogativas individuais

ou coletivas, não sendo permitido a qualquer pessoa física ou jurídica, exercer direito de

propriedade sobre os bens ambientais.

Ele explica que a Constituição Federal de 1988, motivada pelo principio da dignidade

da pessoa humana, garante a qualquer cidadão, brasileiro ou estrangeiro residente no país, o

direito à propriedade, nos termos do inciso XXII, do artigo 5º, do Diploma Constitucional.

Salienta o ilustre Professor, que muito embora o direito à propriedade seja garantido

pelo texto constitucional, que lhes garante os direitos inerente à propriedade: gozar, dispor,

fruir, destruir, fazer o que bem entender com o bem do qual detenha o direito de propriedade,

tal direito não recai sobre os bens ambientais, uma vez que trata-se de bem de uso comum do

povo.

Finaliza o autor, que de acordo com o artigo 225, da Carta Magna de 1988, ao contrário

dos bens que se ligam á pessoa pelo direito de propriedade, o bem ambiental por ser um bem

de uso comum do povo, com vista a uma sadia qualidade de vida, cabendo ao Poder Público e

a coletividade, o dever de preservá-lo às atuais e futuras gerais, o que denota que o bem

ambiental possui natureza jurídica difusa.

1.4 A Fauna como instrumento de prática cultural

1 Consultores Jurídicos e Advogados Associados. Disponível em:

http://www.donninifiorillo.com.br/portugues2/artigos_d.asp?id=77. Acesso em: 24 abr. 2011.

18

Como se depreende da leitura da obra de Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2009, p.188),

onde faz menção ao uso da fauna em atividades que tem por finalidade a preservação e

exercício da cultura de diversos grupos da sociedade brasileira e cita como exemplo, a farra

do boi no sul do país e o sacrifício de animais em rituais religiosos.

O autor (2009, p.189), tece um breve comentário acerca da infração constitucional

praticada levando-se em conta o disposto no artigo 225, § 1º, inciso VII, da Constituição

Federal, que veda que os animais sejam submetidos á práticas cruéis, questão a ser analisada

oportunamente.

Dentre as práticas culturais mencionadas pelo autor, encontram-se a farra do boi no

Estado de Santa Catarina, os rodeios, atividade cultural desenvolvida em todo território

nacional e as práticas religiosas. O ilustre autor aborda o tema enfatizando que o direito

ambiental é composto por diversos fatores entre eles, o cultural, tutelado pela Constituição

Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216.

A Carta Magna de 1988, nos artigos citados, garante o apoio e incentivo do Estado às

manifestações culturais, no entanto, é muito clara quando impõe restrições às praticas que por

ventura venha impor aos animais utilizados, qualquer tipo de crueldade ou submissão.

A garantia constitucional às manifestações culturais que envolvam o uso de animais, de

acordo com o autor gera um conflito entre duas vertentes de meio ambiente: o natural e o

cultural. Buscando uma explicação lógica para dirimir tal conflito, o autor invoca o princípio

do desenvolvimento sustentável, que prega a análise específica de cada caso, não devendo

haver a prevalência de um aspecto sobre o outro.

Dentre os aspectos a serem analisados no caso concreto, deverá ser observado se o

animal utilizado em tal atividade encontra-se em vias de extinção e se o mesmo será exposto a

praticas cruéis. O autor ressalta que somente pode ser considerada prática cultural, aquela que

se mostra com nitidez a identificação de valores de uma população ou região.

Fiorillo, quando escreve para o site de Donnini & Fiorillo2 destaca que a Constituição

Federal determina ao Estado Democrático de Direito o apoio, incentivo e a difusão de suas

manifestações culturais, tutelando assim, o patrimônio cultural brasileiro.

O ilustre doutrinador esclarece que as práticas culturais existentes em nosso país, são

atividades que visam à recepção e a produção cultural, associando-se aos hábitos culturais do

povo brasileiro.

2 Disponível em: <http://www.donninifiorillo.com.br/portugues2/artigos_d.asp¿id=86>. Acesso em: 08 fev.

2011.

19

Tais hábitos, explica Fiorillo no citado artigo, foram incorporados à Carta Magna de

1988 tendo como ponto de partida a tutela a diferentes manifestações culturais que fazem

parte do processo de civilização de nosso país, dentre as quais se destacam as culturas

populares; indígenas; afro-brasileiras, entre outras, conforme previsto no artigo 225, § 1º da

Constituição Federal, com intuito de preservar a biodiversidade humana.

No mesmo artigo, Fiorillo faz uma análise acerca das influências que nossa sociedade

sofre diariamente pelos meios de comunicação que afetam o modo de criar, fazer e mesmo de

viver da população brasileira. Diante dessa mudança de hábito do povo brasileiro, Fiorillo,

ressalta a evolução do conceito de fauna que é motivada não só pela inclusão formal no texto

constitucional, conforme artigo 225, § 1º, inciso VII, mas também com fulcro nos novos

hábitos culturais adquiridos pelo povo brasileiro, que devem observar condutas equilibradas

em prol da conservação dos recursos naturais e preservação de seus hábitos culturais.

Ainda a respeito das manifestações culturais que envolvam a utilização de animais,

Guilherme José Purvin de Figueiredo (2009, p. 203), discorre acerca do conflito gerado pelo

texto constitucional que ao mesmo tempo em que veda na forma da lei, conforme disposto no

artigo 225, parágrafo primeiro, inciso VII, práticas que coloquem em risco a função ecológica

da fauna impõem ao Estado o dever de proteger e assegurar a livre expressão de

manifestações culturais, de acordo com o disposto no artigo 215, parágrafo primeiro da Carta

Magna de 1988, manifestações das quais o autor destaca a farra do boi e os rodeios.

20

SEÇÃO 2 HISTÓRIA, LIBERDADE RELIGIOSA, CULTO E ORDENAMENTO

JURÍDICO

Nesta seção iremos fazer uma análise acerca da religião na história da humanidade,

abordando seu conceito, falaremos sobre a liberdade religiosa nas Constituições Brasileiras e

a liberdade de culto no Direito Comparado, bem como o princípio da dignidade da pessoa

humana e os princípios do Direito ambiental, segundo autores de renome no universo jurídico

brasileiro.

2.1 A Religião na história da humanidade

Depreende-se da leitura da obra de Manoel Jorge e Silva Neto (2008, p. 7-10), na qual o

autor faz uma análise sobre a história da religião desde os primórdios da humanidade até os

dias atuais. Ao estudar sua obra, percebe-se que a religião, é um dos fenômenos universais da

cultura, cuja finalidade social é oferecer aos homens a salvação de sua alma em um plano

posterior à vida terrena, visão que se fundamenta pelos inúmeros achados arqueológicos da

pré-história, o que comprova que desde as primeiras civilizações já existia uma espécie de

culto a um “Ser” superior.

Ensina o autor, que segundo a doutrina de Hume, a religião se prende a um sentimento

humano que busca constantemente pela felicidade, pelo temor de acontecimentos futuros e

desconhecidos, medo da morte, dentre outras necessidades à existência humana. No entanto,

não se pode extrair a idéia de que a religião surge da insegurança humana, uma vez que

segundo ele, até nos dias atuais, misticismo e religiosidade andam ligados a todos aqueles que

exerçam atividades que envolvam perigo ou necessitem de uma dose de sorte, por exemplo, o

jogo.

Manoel Jorge, afirma que estudar a origem da religião significa estudar a evolução

histórica das comunidades humanas, seus respectivos contextos sociais e demais aspectos que

envolviam a vida em sociedade.

Discorrendo acerca da presença da religião na história da humanidade, Jayme

Weingartner Neto (2007, p. 27), faz questão de mencionar que o homem ao longo de sua

existência buscou pelo transcendente, pelo lúdico, deixando claro que isso é reflexo de nossa

21

herança cultural, adquirida de nossos antepassados. O autor narra que o homem que antecedeu

ao cristianismo esteve sempre diante de duas vertentes, a teocracia, em que o elemento

religioso se sobrepõe ao político e o cesarismo, antagônico ao primeiro. Ressalta ainda, que a

religião é uma experiência humana de vida em comunidade.

Segundo o autor, Santo Tomás de Aquino, tinha a concepção de que igreja e sociedade

faziam parte de um mesmo corpo, dessa forma entendia-se que o homem encontraria sua

salvação através da fé professada no seio da igreja.

Após discorrer sobre a trajetória da igreja ao longo dos séculos, dando ênfase à Idade

Média, o autor traz à baila o grande momento histórico da Igreja Católica, O Concílio

Vaticano II, que aconteceu tardiamente, já nos meados do século XX, que representou o

encontro da igreja com a modernidade e se tornou um dos momentos mais importantes da

Igreja Católica ao longo de sua existência.

Com o advento do Concílio Vaticano II, a Igreja sofre uma verdadeira renovação, de

ordem doutrinária e teológica, sem que perdesse sua identidade. A partir desse momento, a

Igreja se mostra aberta à uma nova forma de pensamento, passando a exercer uma defesa mais

vigorosa aos direitos fundamentais, dentre as bandeiras levantadas destacaram-se a dignidade

da pessoa humana, a liberdade de consciência e com maior força a liberdade religiosa.

2.2 Conceito de Liberdade Religiosa

Ao compulsar da obra de Manoel Jorge e Silva Neto (2008, p. 27-28), observa-se

claramente que liberdade religiosa ultrapassa a visão laica de que a pessoa tem direito de crer

no que quiser, segundo suas concepções. O autor esclarece que religião é algo que parte da

realidade humana, que envolvem fatores de cunho social, econômico, cultural, antropológico,

psíquico e muitos outros não mencionados pelo autor.

Portanto, para o autor, liberdade religiosa se refere ao direito, à prerrogativa da pessoa

em acreditar ou não em um SER místico, divino e quando positivo professar sua fé, de acordo

com suas convicções.

Ressalta que a liberdade religiosa se subdivide em três aspectos que se diferenciam

entre si: liberdade de crença; liberdade de culto e liberdade de organização religiosa,

salientando que a liberdade de crença encontra amparo legal no artigo 5º, inciso VI, da

Constituição Federal de 1988.

22

Desta forma, o autor enfatiza que liberdade religiosa está ligada à liberdade de crença

que também está ligada à liberdade de consciência, restando evidente tratar-se de um conceito

amplo, capaz de assumir os mais diversos desdobramentos, sejam de ordem positiva ou

negativa.

2.2.1 A Liberdade Religiosa e a Constituição Federal

Ao estudar a obra de José Afonso da Silva, sobretudo o contido no capítulo 16 que versa

sobre a liberdade Religiosa (SILVA, p. 248-253), verifica-se que ela se insere no rol das

liberdades espirituais tendo como sua forma de exteriorização a livre manifestação do

pensamento.

Ensina o ilustre professor, que a liberdade religiosa se subdivide e se expressa de três

maneiras: liberdade de crença; liberdade de culto e liberdade de associação religiosa, todas

amparadas pela Carta Magna de 1988.

A Constituição Federal de 1967, de acordo com o descrito na obra do ilustre doutrinador

não previa a liberdade de crença e sim a liberdade de consciência. No entanto, cumpre

esclarecer que o direito à liberdade de culto era garantida pela Constituição de 1967,

conforme previsto em seu artigo 150, § 5º, transcrito a seguir:

Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à

liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 5º - É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes

o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os

bons costumes.

Cogente esclarecer que a obra do prestigiado autor menciona o artigo 153, § 5º, da Carta

Magna de 1967, quando na verdade, o artigo a que se refere o autor é o artigo 150, o que resta

claro, tratar-se de um mero erro de grafia.

Esclarece ainda que o legislador acertou ao separar liberdade de crença de liberdade de

consciência no texto constitucional de 1988, em seu artigo 5º, inciso VI, visto que ambas as

liberdades tem suas características e não podem serem confundidas.

Quando o autor discorre sobre a liberdade de crença, explicita o direito do indivíduo em

optar por escolher esta ou aquela instituição ou seita religiosa, bem como deixá-la a qualquer

tempo, ou ainda, deixar de praticar seus cultos quando melhor lhe aprouver. Ressalta que tal

23

liberdade se estende também à liberdade do indivíduo de não optar pelo seguimento de

qualquer instituição religiosa, bem como pelo direito individual de não professar sua fé em

um ser divino e ainda declarar sua condição de ateu ou seu agnosticismo, enfatizando que o

direito de um não pode se prevalecer ao direito de outrem.

No tocante à liberdade de culto, o autor esclarece que tal liberdade não pode ser vista

apenas como uma simples contemplação do ente sagrado, mas que se materializa na pratica de

ritos, cultos que seguem doutrinas próprias, que se fundamentam na tradição, característica de

cada religião.

Para melhor aclarar esse entendimento, o autor traz à baila a contribuição do ilustre

doutrinador Pontes de Miranda, transcrita a seguir: “Compreendem-se na liberdade de culto a

de orar e a de praticar atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem

com a de recebimento de contribuições para isso”. (MIRANDA apud SILVA, p.249)

Finalizando suas palavras acerca da liberdade de culto, faz menção ao texto

constitucional que além de garantir a liberdade de culto, garante também proteção aos locais

de cultos e suas liturgias, diferenciando-se das constituições anteriores que condicionava o

exercício dos cultos à ordem pública e aos bons costumes.

Por fim, José Afonso da Silva, faz suas considerações acerca da liberdade de

organização religiosa, que não pode ser confundida com a liberdade conceituada, mas se

refere à possibilidade de estabelecimento, organização das instituições religiosas e sua relação

com o Poder Público: Estado.

2.2.1.1 Breve histórico da Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras

No Brasil Império, constava do texto supremo que a religião Católica era a religião

oficial do Império, conforme seu artigo 5º, no entanto os atos que por ventura viessem do

Vaticano, somente teriam eficácia no Brasil Império, após aprovação do governo local. No

Brasil Império as demais denominações religiosas que por ventura viessem a surgir, seriam no

máximo toleradas.

No início do Brasil República a liberdade religiosa continuou a existir, no entanto Igreja

e estado separaram-se, o que foi consolidado com a promulgação da primeira Constituição da

República, em 1891, na qual foram estabelecidos os princípios básicos da liberdade religiosa

em seus artigos 11, § 2º, 72, §§ 3º a 7º, 28 e 29. Dessa forma a Constituição da República

24

tornou o Brasil um país laico, o que acarretou que a partir daquele momento todas as formas

de vocações e denominações religiosas seriam admitidas e respeitadas.

A constituição de 1934, no entanto, por meio de seu artigo 113, item 5º, estatuiu que

todas as igrejas e instituições religiosas passassem a ter personalidade jurídica nos termos da

lei civil.

De acordo com o autor, as constituições seguintes mantiveram em seus textos os

princípios relativos à liberdade de organização religiosa, o que se mantém até a constituição

cidadã vigente, ressaltando o doutrinador que pequenos ajustes foram realizados no tocante à

relação Estado-Igreja.

De acordo com os ensinamentos do ilustre Professor Alexandre de Moraes (2005, p. 39-

43), a Constituição Federal garante que ninguém será privado de seus direitos por motivos de

crença religiosa, excetuando as situações em que o fizer para eximir-se de obrigações

impostas a todos pela lei.

Salienta que a liberdade religiosa prevista no texto constitucional é a consagração da

maturidade de um povo.

O ilustre professor conceitua religião da seguinte forma: “[...] pois sendo a religião o

complexo de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com

Deus, acaba por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto.” (MORAES,

2006, p. 40). Complementa, dizendo que constranger alguém, fazendo com que renuncie à sua

fé, representa ofensa às liberdades democráticas.

O autor menciona que a Constituição de 1824 previa a liberdade religiosa, com

restrições a liberdade de culto, pois a religião Católica era considerada a religião oficial do

Império. Às demais confissões religiosas eram permitidos os cultos domésticos, sem forma

exterior de templo.

Leciona o ilustre doutrinador que a primeira Constituição da República consagrou em

seu texto a liberdade religiosa, conforme disposto em seu artigo 72, § 3º, dando plena

liberdade de expressão religiosa e de culto, bem como a livre associação para esse fim.

O ilustre professor enfatiza que as Constituições que sucederam a primeira Constituição

da República, seguiram a mesma linha de pensamento, dando plena garantia ao cidadão de

professar sua crença, independente da confissão religiosa que venha escolher para tal fim.

Dessa forma, a Constituição Federal ao garantir a liberdade religiosa, garantiu também à

liberdade de culto e suas manifestações.

Em sua obra, o ilustre Professor traz à baila o ensinamento do ilustre Professor

Canotiho, que salienta que com a abertura constitucional à liberdade religiosa, originaram-se

25

outras confissões religiosas que já se manifestavam na defesa do direito a uma plena liberdade

religiosa. Canotilho se manifesta a respeito, nos seguintes termos:

Esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelo menos, a idéia de

tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do

crente uma religião oficial. Por este facto, alguns autores, como G. Jellineck,

vão mesmo ao para ponto de ver na luta pela liberdade de religião a

verdadeira origem dos direitos fundamentais. Parece, porém, que se tratava

mais da idéia de tolerância religiosa para credos diferentes do que

propriamente da concepção de liberdade de religião e crença, como direito

inalienável do homem, tal como veio a ser proclamado nos modernos

documentos constitucionais. (CANOTILHO apud MORAES, p. 503).

O autor ressalta ainda que a liberdade religiosa prevista na Carta Magna vigente vai

além de ter ou não ter uma religião na qual expresse sua fé, mas sim, de garantir ao indivíduo

o direito de não ter fé ou de não professar fé alguma, sendo dever do Estado respeitar o

ateísmo.

Salienta ainda, que a Constituição Federal prevê a liberdade religiosa e de culto, no

entanto, tais liberdades não podem ultrapassar os limites impostos pela lei, no sentido de que

o pleno exercício da liberdade religiosa encontrará barreiras quando este infringir a liberdade

de outrem.

Versando ainda sobre o tema, o professor Guilherme Peña de Moares (2008, p. 515),

tece breve consideração acerca do tema e salienta que o direito à liberdade de consciência e

crença é algo transcendental, que ultrapassa a possibilidade de se professar a fé nesta ou

naquela instituição, ou simplesmente a liberdade de não professar a fé, bem como a liberdade

de não se crer em um ser divino.

Explica que a separação existente entre Estado e Igreja, se resume às questões de cunho

litúrgico e de cultos de natureza religiosa, não podendo haver entre ambos uma relação de

dependência ou aliança entre seus representantes, exceto quando tal aliança venha a se pautar

em colaboração de interesse público que se sobreponha ao interesse do particular.

Tais colaborações mencionadas pelo autor referem-se à alocação de recursos públicos

em entidades educacionais ligadas a entidades religiosas que comprovem que suas atividades

não tenham finalidades lucrativas, apliquem seu capital excedente em atividades educacionais

e em caso de liquidação judicial, seu patrimônio seja destinado a outra instituição

confessional de mesma natureza ou ao Poder Público.

De acordo com os ensinamentos do professor Manoel Jorge e Silva Neto (2008, p. 105-

106), desde a Constituição de 1824, imposta por Dom Pedro I, já se previa alguns direitos

fundamentais ao cidadão, numa tentativa do monarca em adequar os princípios iluministas aos

princípios pregados pelo absolutismo da época, no entanto, esclarece que nada foi alterado em

26

relação à liberdade religiosa, não havendo à época qualquer tipo de perseguição aos que

praticassem outra crença religiosa, no entanto apenas a religião católica era reconhecida pela

Constituição de 1824, como religião oficial do império.

Diferente do texto republicano que tinha linha separatista e que foi seguido pela

Constituição de 1934, a Carta magna de 1946, traz em seu texto uma nova perspectiva na

relação entre Estado e Igreja, que, uma vez desfeita a desconfiança de que o poder eclesial

poderia representar um certo perigo ao poder estatal, caso houvesse uma rivalidade de cunho

político, o texto constitucional mencionado passa a admitir uma certa colaboração dos

segmentos religiosos em prol do interesse público que deveria estar sempre acima do interesse

particular.

Leciona o ilustre professor que os textos constitucionais de 1967/1969, não trouxeram

grandes alterações no tocante à liberdade religiosa, cumprindo lembrar que em seu texto foi

incluído o credo religioso como gênero, com intuito a impedir que desequiparações em nome

da opção religiosa acontecesse.

Discorrendo o autor acerca da liberdade religiosa, traça um paralelo entre a liberdade

em questão e os Direitos Individuais previstos no texto constitucional vigente. Menciona o

artigo 19, inciso I, que veda aos entes federativos estabelecer cultos religiosos e atividades

afins, salvo quando na forma da lei, tal colaboração traz benefícios ao interesse público.

Ensina ainda, que tal liberdade encontra barreira quando o livre exercício da liberdade

religiosa obstar a liberdade de outrem, mencionando que cultos religiosos não devem realizar-

se em horários e de forma que impeçam o sono e o descanso da comunidade.

2.3 Princípios gerais do Direito Ambiental, segundo Paulo Affonso Leme Machado

Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 53), traça em linhas gerais que Princípio é o

alicerce, o fundamento, a base de sustentação no qual se fundará o direito.

Ensina o doutrinador que, alguns princípios encontram apoio em convenções

internacionais.

O ilustre doutrinador quando leciona acerca dos princípios que norteiam o Direito

Ambiental (2006, p. 54), salienta que as constituições escritas, inseriram o direito à vida no

rol dos direitos individuais, ressaltando ainda, um avanço legislativo ao se conceituar “direito

à qualidade de vida”.

27

Paulo Affonso Leme Machado cita o Instituto de Direito Internacional, na sessão de

Estraburgo, em 1997, que afirmou “todo ser humano tem o direito de viver em um ambiente

sadio”.

Com essa menção, o doutrinador salienta a tendência dos membros do instituto,

conforme transcrito a seguir: “A tendência preponderante dos membros do Instituto foi a de

considerar o direito a um meio ambiente sadio como um direito individual de gestão coletiva”.

(MACHADO, 2006, p. 54).

Leciona Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 56) que o Direito Ambiental tem como

objeto e atribuição, criar normas que apontem a necessidade de uso dos recursos ambientais, a

fim de não se explorar tais recursos tendo-se em vista apenas a vontade humana ou sua

possibilidade tecnológica, mas ater-se a uma utilização razoável, retornando ao meio ambiente

quando não necessários e, negar sua exploração, ainda que tais recursos se mostrem em

grandes quantidades.

2.3.1 Princípios gerais do Direito Ambiental, segundo Guilherme José Purvin de

Figueiredo

Guilherme José Purvin de Figueiredo (2009, p. 81), inicia suas considerações acerca dos

princípios gerais do direito citando o ilustre jurista Miguel Reale, a seguir: “[...] enunciações

normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento

jurídico, quer pela sua aplicação e integração, quer para elaboração de novas normas.”

(REALE Jr. apud FIGUEIREDO, p. 81)

Leciona o autor que os princípios jurídicos adquirem importância na medida em que

contribuem para a interpretação do direito, pois são instrumentos que confirmam a

integralidade do direito.

Guilherme José Purvin de Figueiredo recorre aos ensinamentos de Carlos Maximiliano

para melhor aclarar a importância dos princípios jurídicos na interpretação do direito, como

transcrito a seguir:

Todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o

substratum de um complexo de alto ditames,o índice materializado de um

sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que

enfeixam princípios superiores. Constituem estes as diretivas, idéias do

hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica. Se é deficiente o

repositório das normas, se não oferece, explicita ou implicitamente, e não

28

sequer por analogia, o meio de regular ou resolver um caso concreto, o

estudioso, o magistrado ou funcionário administrativo como que renova, em

sentido inverso, o trabalho do legislador: este procede de cima para baixo, do

geral ao particular; sobe aquele gradativamente, por indução, da idéia em

foco para outra mais elevada, prossegue em generalizações sucessivas, e

cada vez mais amplas, até encontrar a solução colimada. (MAXIMILIANO

apud FIGUEIREDO, p. 81)

Guilherme José Purvin de Figueiredo (2009, p. 81-84), faz um compêndio acerca dos

princípios norteadores do Direito Ambiental, trazendo à baila o posicionamento de vários

operadores do direito quanto aos princípios que norteiam a aplicação do direito mencionado.

Figueiredo discorre que, no entendimento de Álvaro Luiz Valery Mirra os princípios

que norteiam o Direito Ambiental, devem ser extraídos do próprio ordenamento jurídico

vigente, salientando que não é cabível ao interprete e ao operador do Direito Ambiental

estabelecer princípios alicerçados em preceitos que se prevaleçam de sua própria vontade e

que a ordem jurídica rejeita, como transcrito a seguir: “não cabe ao aplicador do Direito

Ambiental estabelecer seus próprios princípios, com base naqueles preceitos que ele gostaria

que prevalecessem, mas que não são aceitos pela ordem jurídica.” (MIRRA apud

FIGUEIREDO, p. 82).

Guilherme José Purvin de Figueiredo (2009, p. 82), traz o posicionamento de Cristiane

Derani, que se alinha com a tendência germânica e à teoria do agir comunicativo de

Habermas, concentrando-se na perspectiva do Direito ambiental Econômico, apresentando

três pilares que se tornaram base de prática para o Direito Ambiental: o princípio da

cooperação; o princípio do poluidor-pagador e o princípio da precaução.

De acordo com a referida autora, os princípios do Direito Ambiental são: “[...]

construções teóricas que visam a melhor orientar a formação do direito ambiental, procurando

denotar-lhe certa lógica de desenvolvimento, uma base comum presente nos instrumentos

normativos.” (DERANI apud FIGUEIREDO, p. 82)

Figueiredo menciona o doutrinador Marcelo de Abelha Rodrigues, que entende que, o

Direito Ambiental como uma ciência autônoma, se forma por princípios que regulam seus

objetivos, como transcrito a seguir:

é informado por princípios que regulam seus objetivos e diretrizes que

devem se projetar para todas as normas ambientais, norteando os operadores

desta ciência e salvando-os de dúvidas ou lacunas na interpretação das

normas ambientais. Tais princípios encontram-se enraizados no texto maior,

e deles decorrem outros que lhes são derivados ou subsidiários. Trata-se de

classificação acadêmica, já que o legislador não os definiu lege data.

Entendemos como princípios diretores do direito ambiental os seguintes:

ubiqüidade; desenvolvimento sustentável; poluidor-pagador e participação.

(RODRIGUES apud FIGUEIREDO, p. 83)

29

Guilherme José Purvim de Figueiredo (2009, p. 84), conclui que tendo como base breve

pesquisa da doutrina acerca dos princípios do Direito Ambiental, os juristas ainda não

encontraram consenso quanto à nomenclatura e sua classificação. Ressalta não restar dúvidas

que o Direito Ambiental possui princípios próprios, e que tal fato lhe atribui autonomia

científica.

2.3.2 Princípios gerais do Direito Ambiental, segundo Paulo de Bessa Antunes

Paulo de Bessa Antunes (2006, p. 25), esclarece que o direito ambiental tem princípios

que são implícitos e explícitos, exemplificando que os princípios explícitos são aqueles que

constam de forma clara, expressos nos textos legais e de forma fundamental na Constituição

Federal. Já os princípios implícitos são aqueles que decorrem do texto constitucional, mas

que, no entanto, não se encontram escritos de forma clara no texto da Carta Magna, mas que

dela decorrem.

O autor ao discorrer sobre o assunto esclarece que tanto os princípios explícitos, quantos

os implícitos são dotados de positividade e devem ser levados em conta quando pelos

aplicadores da ordem jurídica, independente do poder constituído a qual pertença: Judiciário,

Legislativo ou Executivo.

O ilustre professor ensina que os princípios jurídicos do Direito Ambiental podem ser

encontrados quando se referirem ao ordenamento jurídico brasileiro, no texto de nossa Carta

Magna, como também nos fundamentos éticos que servem de apoio e aclaram as relações

humanas.

Aclara o autor que princípio não pode ser confundido com um direito, uma vez que o

princípio é o elemento norteador que irá constituir um direito, pois é pautado nos princípios,

que podem ser constitucionais ou não, que o cidadão adquire um direito assegurado em lei.

Avançando ainda mais no tema, o doutrinador menciona situações em que a mera inexistência

de uma lei, não impedirá que o cidadão exerça seus direitos decorrentes da aplicação de um

determinado princípio jurídico.

O autor vai mais além e esclarece que o princípio da dignidade humana é o elemento

que fundamenta e sustenta o caput do artigo 225, da Constituição Federal.

O princípio da dignidade da pessoa humana, segundo se depreende da leitura da obra

30

mencionada é a base para todos os demais sub-princípios constitucionais, ou princípios

setoriais que envolvem o Direito Ambiental.

O princípio mencionado pelo autor foi reconhecido internacionalmente quando da

proclamação da Declaração de Estocolmo em 1972 e reafirmado na Declaração do Rio em

1992, conforme transcrito a seguir: “Princípio 1 – Os seres humanos constituem o centro das

preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida

saudável e produtiva em harmonia com o meio ambiente”.

Avançando na leitura do autor, o mesmo elenca os princípios que envolvem o Direito

Ambiental, dentre eles o princípio da dignidade da pessoa humana, já mencionado acima e

que merecerá um capítulo ao longo deste trabalho, além dos princípios de desenvolvimento;

princípio democrático; princípio da precaução; princípio da prevenção; princípio do

equilíbrio; princípio do limite; princípio da responsabilidade e por fim, o princípio do

poluidor-pagador.

2.4 A liberdade Religiosa no Direito Comparado

Manoel Jorge e Silva Neto (2008, p. 44-52), traz referências constitucionais de diversos

países dos quatro cantos do mundo acerca da previsão legal à liberdade religiosa.

Cumpre ressaltar que o autor não elaborou um estudo comparado entre o direito

constitucional brasileiro e o direito constitucional dos países mencionados em sua obra, pois

isso implicaria em desenvolver um exame comparativo entre eles. No entanto o que o autor

fez foi trazer de forma sucinta, referências constitucionais atinentes à liberdade religiosa

nesses países.

Não cabe, no entanto, discorrer acerca da previsão constitucional inerente à liberdade

religiosa de todos os países mencionados, mas para fins de conhecimento, segue abaixo a as

referências constitucionais de 03 (três) dos países mencionados que serão transcritos na sua

íntegra:

Arábia Saudita

O artigo 1º da Constituição da Arábia Saudita é indicativo da franca natureza

confessional daquele Estado: “O Reino da Arábia Saudita é um Estado árabe

soberano e islâmico com o Islã como religião”.

Até mesmo a proteção aos direitos humanos encontra-se condicionada ao

império da religião, conforme prescreve o art. 25: “O Estado protege os

direitos humanos de acordo com a religião islâmica”.

31

O art. 33 chega mesmo a destinar as forças armadas o encargo quanto à

defesa da Religião Islâmica.

Os conflitos entre os cidadãos sauditas eventualmente conduzidos ao Poder

Judiciário também deverão ser solucionados à luz dos preceitos religiosos do

Islã, consoante a dicção do art. 48 da Constituição Saudita.

(SILVA NETO, 2008, p. 45)

Argentina

Surpreende o comando do art. 2º da Constituição argentina: “O Governo

Federal ampara o culto católico apostólico Romano”.

Como se vê, o sistema constitucional argentino explicitamente opta por

segmento religioso, distanciando-se, assim, das maiorias das constituições

ocidentais e das sul-americanas, que são laicas.

Todavia, o art. 20 consagra a liberdade de culto como direito fundamental.

(SILVA NETO, 2008, p. 45-46)

Coréia do Sul

Não fossem referências expressas no texto constitucional sul-coreano de

1948, a proteção à liberdade religiosa derivaria simplesmente do art. 10, que

garante aos indivíduos a dignidade e o valor humanos, além de exortá-los à

busca da felicidade.

Mas é o art. 20, nos itens 1, e 2, que registram a amplitude do direito

individual na Coréia do Sul.

Com efeito, o art. 20, item 1, salienta que todos os cidadãos gozam de

liberdade de religião, ao passo que o art. 20, item 2, definitivamente afasta o

Estado sul-coreano das confissões religiosas ao prescrever que “nenhuma

religião estatal será reconhecida e Igreja e Estado devem estar separados”.

(SILVA NETO, 2008, p. 51)

2.5 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

De acordo com Manoel Jorge e Silva Neto (2008, p. 109-116), a dignidade da pessoa

humana é um princípio contemplado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo Primeiro,

inciso III. Segundo ele, muito embora a dignidade da pessoa humana seja princípio ligado aos

preceitos Cristãos e se fundamenta na idéia de que o homem é imagem e semelhança de seu

Criador.

Segundo o autor, a dignidade da pessoa humana é o bem maior que o direito deva

alcançar, sendo que este deve ser o objetivo principal do Estado: a dignidade de seu povo.

Para melhor aclarar o assunto em pauta, o autor traz a tona os ensinamentos de Miguel

Reale Jr. que se coloca acerca da dignidade da pessoa humana da seguinte maneira:

[...] o fato de poder e dever cada homem se realizar de conformidade com o

seu ser pessoal, na condicionalidade de sua natureza e do meio histórico a

que pertence, não exclui, mas antes exige o reconhecimento de ser ele

partícipe de uma tarefa ou empenho comum a toda espécie humana, ou, por

outras palavras, de que os seus atos transcendem o circulo de seus interesses,

32

ou dos grupos em que mais imediatamente se inserem, por serem, pura e

simplesmente, atos humanos, suscetíveis de uma qualificação deontológica

de alcance universal. Donde resulta a emergência de uma multiplicidade de

ideologias, em função das quais cada um de nós situa e legitima as suas

inclinações e esperanças. (REALE Jr apud NETO, p.110-111)

Dizer que a dignidade da pessoa é o grande fundamento que norteia as ações do Estado

Brasileiro significa dizer que na concepção do autor, o Estado tem a obrigação de colocar no

centro de seus objetivos, o cidadão, para que este possa ser de forma efetiva, o destinatário

das ações do Estado, cujo grande propósito da Administração Pública é elevar ao mais

elevado patamar de dignidade, a pessoa humana.

Muito embora a dignidade da pessoa não seja passível de ser conceituada, o magistrado

quando de seu julgamento, deve sempre levar se em conta de sua decisão ira infringir ou não

o princípio constitucional que orienta o Estado brasileiro.

Conclui-se, no entanto, que a dignidade da pessoa humana está intimamente ligada a

liberdade religiosa, uma vez que ambos pregam o direito à vida em sentido amplo, passando

pela incolumidade física, à intimidade, à vida privada, pelo direito à imagem e à liberdade,

incluindo-se a liberdade religiosa, que uma vez desrespeitada, caracteriza ofensa ao princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana.

33

SEÇÃO 3 A TUTELA LEGAL DA FAUNA ANTE A LIBERDADE RELIGIOSA E O

SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS

Nesta seção pretendemos discorrer acerca da tutela legal à fauna brasileira, fazendo uma

abordagem acerca dos crimes ambientais, a vedação às práticas que submetam os animais à

crueldade, uma analise a Lei nº 9.605/98, A Lei de Crimes Ambientais, encerrando com as

considerações acerca do sacrifício de animais em rituais religiosos.

3.1 A tutela legal à fauna brasileira

Conforme leciona Alexandre de Moraes (2009, p. 838), a atual Constituição Federal, ao

contrário das anteriores, incluiu em seu texto um capítulo especialmente destinado à proteção

ao meio ambiente. Sobre o assunto o autor cita o ilustre professor Édis Milaré, que se

pronuncia da seguinte forma:

[...] marco histórico de inegável valor, dado que as Constituições que

precederam a de 1988 jamais se preocuparam da proteção do meio ambiente

de forma específica e global. Nelas sequer uma vez foi empregada a

expressão „meio ambiente‟, a revelar total despreocupação com o próprio

espaço em que vivemos”. (MILARÉ apud MORAES, 2009, p. 838)

O autor ressalta que a Constituição Brasileira de 1988 adotou uma tendência que se

alinha com a preocupação com os interesses difusos, demonstrada na Declaração sobre o

Ambiente Humano realizada na Conferência das Nações Unidas em Estocolmo em 1972, que

consagrou essa preocupação nos seguintes termos:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de

condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe

permita levar uma vida digna, gozar de bem estar e é portador solene de

obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações

presentes e futuras. A esse respeito, as políticas que promovem e perpetuam

o „apartheid‟, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e

outras formas de opressão e de dominação estrangeira permanecem

condenadas e devem ser eliminadas. (Conferência das Nações Unidas em

Estocolmo, Suécia, Junho de 1972 apud MORAES, p. 839)

A mesma Declaração sobre o Ambiente Humano, quando discorre sobre os interesses

difusos, expressa especial atenção ao meio ambiente, ressaltando a necessidade de zelar pelos

recursos naturais, em favor das gerações atuais e futuras, conforme transcrito a seguir:

34

[...] Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a

fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais,

devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante

um cuidadoso planejamento ou administração adequados. Devem ser

mantida e, sempre que possível, restaurada ou melhorada a capacidade da

Terra de produzir recursos naturais vitais. (Conferência das Nações Unidas

em Estocolmo, Suécia, Junho de 1972 apud MORAES, p. 839)

Ainda, a Declaração sobre o Ambiente Humano, no fragmento trazido por Alexandre de

Moraes, transfere ao homem, a responsabilidade por preservar e administrar tal patrimônio

ambiental, vejamos:

[...] O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar

judiciosamente o patrimônio representado pela flora e fauna silvestres, bem

assim seu „habitat‟, que se encontram atualmente em grave perigo, por uma

combinação de fatores adversos. Em conseqüência, ao planificar o

desenvolvimento econômico, deve ser atribuída importância à conservação

da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres. (Conferência das Nações

Unidas em Estocolmo, Suécia, Junho de 1972 apud MORAES, p. 839)

A Constituição Federal em seu artigo 225 proclama que todos têm direito a um meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia

qualidade de vida, no entanto, o mesmo dispositivo legal delega responsabilidade ao Poder

Público e a toda coletividade de preservá-lo e defendê-lo para presentes e futuras gerações.

Para que essa proteção se realize de forma eficaz, o legislador estipulou normas

obrigatórias de atuação da Administração Pública e dos particulares, cuja infração que cause

dano ao meio ambiente, sujeitará seus infratores, sejam pessoas físicas ou jurídicas às sanções

penais e administrativas, independente se imputada ao infrator à obrigação de reparar o dano

causado ao meio ambiente.

Dentre as regras impostas ao Poder Público e ao particular para a tutela ao meio

ambiente, o autor faz menção ao disposto no artigo 225, inciso VII, da Constituição Federal:

Artigo 225, da Constituição Federal

VII – Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que

coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies

ou submetam os animais a crueldade.

Em relação à proteção constitucional aos animais, o autor traz à baila trecho da decisão

do Supremo Tribunal Federal, transcrita a seguir:

[...] a obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos

culturais, incentivando e valorizando a difusão das manifestações, não

prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da

Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais

à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional, denominado

“farra do boi”. (MORAES, 2009, p. 844)

Ensina o professor Guilherme José de Purvin de Figueiredo (2009, p. 206), que a fauna

35

é um dos bens ambientais tutelados pela Constituição Federal, Constituições Estaduais, bem

como no Código Penal e nas leis que regem o Direito ambiental.

Menciona em sua obra, ensinamentos da professora Érika Bechara, onde faz menção à

relevância dos bens ambientais, dentre os quais a fauna, como elemento indispensável a um

equilíbrio ambiental e a uma qualidade de vida saudável.

[...] para o equilíbrio ambiental e qualidade de vida humana reclama que

atuem em sua proteção não apenas Direito Penal – coma criminalização das

condutas mais graves e ameaçadoras – mas tantos outros ramos do Direito

quanto possível, sem olvidar, porém, que mais eficiente que todo este

aparato jurídico é o trabalho permanente de informação, educação e

conscientização da população. Sim, por que uma população bem informada,

educada e consciente fará da preservação ambiental um „estilo de vida‟, e a

transformará em um verdadeiro valor ético e moral, tão arraigado que

sobreviverá independente de qualquer comando legal”. (BECHARA apud

FIGUEIREDO, p. 206)

O autor menciona a Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98, que em seus artigos 29

a 37, elenca os crimes contra a fauna.

O ilustre professor traz à luz o disposto na Lei nº 9.985/00, que trata da proteção à fauna

quanto aos refúgios de vida silvestre e ainda, quanto às reserva da fauna.

Aclara o autor que os refúgios de vida silvestre encontram-se tutelados no artigo 13,

caput, do mencionado diploma legal e descreve tais refúgios como sendo os ambientes

naturais nos quais estão presentes condições de existência e reprodução de espécies da fauna

silvestre ou migratória, ao passo que as reservas de fauna são aquelas cujo objetivo é o estudo

sobre o manejo sustentável da fauna. Esclarece por fim que a posse e domínio de tais áreas

devem ser públicos devendo as áreas particulares serem desapropriadas para tal finalidade.

O autor, ainda menciona a tutela à fauna, dentre as quais inclui-se a fauna exótica

presente em Jardins Zoológicos, que de acordo com o disposto no artigo 1º, letra “i”, da

Resolução CONAMA nº 11, de 03 de dezembro de 1987, eram considerados como unidades

de conservação, o que foi revogado com a edição da Lei nº 9.985/2000, que instituiu o

Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Acerca dos Jardins Zoológicos,

salienta que a Lei nº 7.173/83, em seu artigo 1º, passou a considerar como jardim Zoológico

qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou em semi-liberdade e

exposto à visitação pública.

Por derradeiro, menciona que a legislação brasileira, sobretudo a Lei de Crimes

Ambientais, Lei 9.605/98, artigo 37, incisos I, II e IV, não considera crime ambiental o abate

de animais, quando realizados em estado de necessidade, quando realizado com o objetivo de

saciar a fome do agente ou de seus familiares, bem como o abate com intuito de proteção à

36

lavouras, pomares e rebanhos, desde que observadas a legislação e devidamente autorizada

pelo Poder Público e ainda o abate de animais considerados nocivos à saúde pública, se assim

for caracterizado pelo órgão competente.

3.1.1 Dos crimes contra a fauna

De acordo com o ensinamento dos ilustres professores Vladimir Passos de Freitas e

Gilberto Passos de Freitas (2006, p. 81, ss), fauna é o conjunto de animais que habitam uma

determinada região e fazem uma breve classificação desses animais de acordo com suas

características: invertebrados, mamíferos, aves, répteis, anfíbios e os peixes.

Salienta os ilustres professores que a necessidade de se tutelar a fauna, decorre da

importância que representam para a biodiversidade e para os ecossistemas.

Os autores mencionam que no Brasil a consciência de preservação de nossa fauna ainda

não atingiu um patamar desejável e ressalta que ainda hoje, o homem conserva a visão de que

as demais espécies estão inseridas no mundo para satisfazerem as necessidades humanas, o

que faz com que a consciência de preservação das espécies animais seja pequena.

Um dos crimes contra a fauna mencionado pelos autores em sua obra se refere ao crime

de maus tratos, que segundo eles, são punidos de forma administrativa e criminalmente desde

o ano de 1934, com a publicação do Decreto nº 24.645, no entanto, ressalta que tal tutela, não

é realizada de forma efetiva.

Citam como exemplo dessa ineficácia, as inúmeras tentativas de se legalizar as rinhas de

brigas de galo, por meio de leis municipais ou estaduais, o que tem sido repelido com rigor

pelo Supremo Tribunal Federal.

Mencionam a adesão do Brasil à Declaração Universal dos Direitos do Animal, cujo

texto foi aprovado pela UNESCO, em 1978, em assembléia realizada em París. No entanto, os

autores ressaltam que as medidas que alcançam maior efetividade são as adotadas pelas

Organizações não-governamentais, coordenadas pela União Internacional Protetora dos

Animais.

Explicam que com a entrada em vigor da Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98, a

tutela animal passou a ter mais abrangência, no entanto o citado diploma legal fala em “fauna

silvestre” e os autores transcrevem a definição trazida pelo artigo 29, §3º, da citada lei.

Salientam que a Lei 9605/98 trouxe alterações que abrandou o rigor da Lei 7.653/88 no

37

sentido em que procurou aproximar a tutela à fauna da realidade brasileira, admitindo que se

mate um animal, quando o objetivo for saciar a fome de seu agente.

O ilustre Professor Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 769-774), inicia suas

considerações sobre o tema mencionando a Lei Federal nº 9.605/98, que definiu como

espécimes da fauna silvestre as categorias de animais descritas no artigo 29, § 3º da lei

mencionada, conforme transcrito a seguir:

Artigo 29, § 3º, Lei 9.605/98

“Todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras,

aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo

dentro do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras”.

O autor menciona os 9 (nove) artigos da Lei Federal nº 9.605/98, que trata dos crimes

contra a fauna, que compreende os artigos 29 a 37, da mencionada lei.

O autor faz uma análise acerca dos artigos mencionados, esclarecendo que o artigo 29,

caput, e § 1º, incisos I e III, contempla as práticas cuja legalidade carece de permissão, licença

ou autorização e ainda, as práticas que permanecem ilícitas ainda que com autorização,

conforme inciso II, do mesmo dispositivo legal.

Os artigos mencionados contemplam várias modalidades de crimes ambientais, dentre

elas as tuteladas pelo artigo 1º, da Lei 5.197/67, cuja nenhuma licença ou autorização tem o

condão de isentar tal comportamento da ilicitude prevista no citado artigo.

Ao longo do capítulo destinado aos crimes contra a fauna, o autor faz um apanhado de

tais condutas tipificadas como crime ambiental previsto nos artigo 29 a 37 da Lei de Crimes

Ambientais.

Ao estudar a obra do ilustre professor, em especial a análise do artigo 32 da referida lei,

o autor faz uma análise dos delitos tipificados como ilícitos, inseridos na categoria de maus

tratos destinados a animais, cuja pena prevista é de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa, sendo

esta aumentada de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), quando da prática ilícita resultar a morte

do animal, de acordo com o disposto no caput e parágrafo 2º, da lei mencionada.

No intuito de melhor aclarar o conceito de maus tratos, o autor trouxe a baila, o disposto

no artigo 3º, do Decreto nº 24.645/34, no qual relaciona as situações previstas como maus

tratos.

De acordo com os ensinamentos do autor, as práticas consideradas folclóricas como a

farra do boi, constituem infração ao artigo 32, devendo a punição para tal delito recair aos que

realizam tal prática, bem como a todos aqueles que de certa forma incitam tal manifestação,

devendo o segundo, ser apenado como co-autor do delito.

O artigo 32, do mesmo diploma legal, abarca também como infração a tal dispositivo o

38

emprego de instrumentos como o sedém nas apresentações de rodeio, bem como atividades

que coloquem em situação de combate, como é o caso da rinha de brigas de galo, uma vez que

tais atos caracterizam atos de crueldade contra os animais.

O parágrafo 1º, do mesmo artigo, reza que incorre no mesmo tipo penal, que realizar

experiências dolorosas ou cruéis com animais vivos, ainda que para fins didáticos ou

científicos, havendo alternativas para tais fins.

O ilustre doutrinador Paulo de Bessa Antunes (2006, p. 802-805), leciona que antes do

advento da lei nº 9605/98, os crimes praticados contra a fauna estavam contemplados na Lei

de Contravenções Penais e nas Leis nº 5.197/97; 7.643/87 e Lei nº 7.679/88. O autor esclarece

que os crimes contra a fauna estão previstos nos artigo 29 a 37 da Lei de Crimes Ambientais,

Lei nº 9.605/98.

O autor faz uma análise panorâmica acerca dos artigos mencionados dos quais o

presente trabalho contempla com maior ênfase o disposto no artigo 32, in verbis:

Artigo 32, Lei nº 9.605/98

Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,

domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou

cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando

existirem recursos alternativos de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se ocorre

morte do animal.

Para melhor ilustrar o tema Paulo de Bessa Antunes traz o ensinamento do renomado

Douto Miguel Reale Junior, in verbis:

Primeiramente, não se sabe o que vem a ser „praticar ato de abuso‟. De outro

lado, „maus tratos‟ é o nome jurídico da conduta constante do artigo 136 do

Código Penal, que tipifica como crime “expor a perigo a vida ou a saúde de

pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, privando-a de alimentação

ou cuidados indispensáveis...ou abusando de meios de correção”. (REALE

JR apud ANTUNES, 2006, p. 804)

Esclarece ainda que a pena aplicada ao crime ambiental é superior a pena aplicada

quando o delito é praticado contra ser humano, ressaltando que o mesmo erro contido na

legislação revogada foi praticado na legislação vigente.

Salienta o acerto obtido pelo legislador ao tipificar maus tratos contra animais como

crime ambiental e ressalta que tal infração deve ser punida com vigor. No entanto, recrimina a

distinção das penas, que prevê pena inferior para quem maltrata animais à pena aplicada para

quem pratica esse delito contra ser humano.

O autor esclarece que a utilização de animais em experiências científicas é uma

necessidade que está longe de ser superada, se levado em conta o atual estágio do

39

desenvolvimento da ciência. Os cientistas têm estabelecido códigos de ética rigorosos, cuja

finalidade é a de criar critérios e parâmetros que os cientistas deverão observar quando da

realização de suas experiências. Em relação ao mencionado, o autor aponta duas situações

passíveis de acontecer: a letra da lei será morta, ou, a observância ao texto legal, se

transformará em um entrave ao desenvolvimento científico.

A lei prevê tal prática quando não existirem alternativas. No entanto, o autor faz uma

crítica, alegando a existência de alternativas, como por exemplo, a realização de experimentos

de novas drogas no próprio ser humano, ou ainda, abolir tais testes.

De acordo com o descrito em sua obra, o ilustre Professor Celso Antonio Pacheco

Fiorillo (2009, p. 527), a Lei nº 9.605/98, foi elaborada de forma minuciosa, quando se trata

de dar proteção à fauna, caracterizando diversas situações que podem ensejar infração aos

artigos destinados a tal tutela.

Leciona o ilustre professor, que os artigos 29 a 37 da Lei de Crimes ambientais, trazem

em seu texto elementos que realmente procuram tutelar a fauna, enquanto bem ambiental,

salientando que os animais não são sujeitos de direito, dessa forma, a proteção ao meio

ambiente, tem como objetivo favorecer a espécie humana, e por vias reflexas, as demais

espécies de vida.

Bem leciona o autor, que é com a aplicação da tutela criminal dos bens ambientais que

devemos fazer uma interpretação em face da fauna, levando-se em conta, suas finalidades,

seja, ecológica, científica, recreativa e de modo particular no contexto cultural. Esclarece o

renomado doutrinador, que as finalidades mencionadas irão orientar o legislador, bem como

os operadores do direito, quando estiverem diante de conflitos reais, situações essas, que uma

aplicação equivocada da lei criminal ambiental, trará como consequência, um desvio do

império da dignidade da pessoa humana.

O ilustre professor Édis Milaré (2004, p. 794-796), leciona que os crimes previstos nas

Leis nº 5.197/67 (Código de Caça) e Decreto-Lei nº 221/67 (Código de Pesca), com o advento

da Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98, foram consolidados na Seção I do Capítulo V.

Esclarece que as penas podem variar de acordo com a gravidade das infrações, indo no

sentido contrário das leis revogadas, uma vez que a lei atual não prevê fiança para os crimes

contra a fauna silvestre. Nesse sentido esclarece que as leis anteriores eram discretas, ou na

maioria não possuíam nenhuma aplicação prática.

O autor ainda tece comentários acerca dos artigos 29 a 37, da Lei de Crimes

Ambientais, esclarecendo alguns conceitos que por ventura venham a aparecer obscuros.

No tocante ao previsto no artigo 32, da Lei nº 9.605/98, o autor faz considerações acerca

40

do que viria a ser “praticar ato de abuso” e “maus tratos”. Esclarece o ilustre professor que de

início, não se tem com clareza o que poderia ser caracterizado como prática de “ato de

abuso”.

Esclarece ainda, que maus tratos, pratica delitiva prevista no artigo 32, da Lei nº

9.605/98, também encontra previsão legal no artigo 136, do Código Penal Brasileiro, que

tipifica como crime “expor a perigo de vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda

ou vigilância...”, cuja pena prevista é de dois meses a um ano de detenção ou multa. Salienta o

autor, que a pena aplicada a quem pratica maus tratos contra um ser humano é inferior à

reprimenda aplicada contra quem pratica maus tratos a um animal, cuja pena prevista no

artigo 32, da Lei de Crimes Ambientais, é de três meses a um ano e multa.

Por fim, o ilustre doutrinador, faz uma breve análise do disposto no artigo 37, da Lei nº

9.605/98, no qual discriminaliza o crime de abate de animais quando em circunstâncias em

que o abate se faça necessário para a proteção da vida do agente ou de seus familiares, dentre

as situações previstas encontra-se o abate em estado de necessidade, para saciar a fome de si e

seus familiares, legitima defesa, etc.

3.1.2 A Lei e a crueldade contra os animais

Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2009, p. 189-191), conceitua crueldade, como a

qualidade do que é cruel. O autor traz a definição de crueldade contida no dicionário Aurélio

Buarque de Holanda, que classifica o termo como sendo: “aquilo que se satisfaz em fazer mal,

duro, insensível, desumano, severo, rigoroso, tirano”. (HOLANDA apud FIORILLO, p. 189).

O autor esclarece que o artigo 225, § 1º, VII, da Constituição Federal de 1988, tem

como objeto a proteção do homem e não do animal, levando-se em conta que o homem,

devido a sua saúde psíquica, não permite ver um animal em situação de sofrimento. Dessa

forma, a vedação a crueldade contra animais, tem como fundamento o sentimento humano,

sendo este, sujeito de direitos.

Salienta que tal interpretação legal remete a visão antropocêntrica do direito ambiental,

que diz que uma vez praticado ato visando o bem estar humano, afasta deste ato a crueldade

prevista na Carta Magna.

O autor ainda esclarece que um ato de crueldade se caracteriza em expor o animal a uma

situação maléfica, além da necessária. Enfatiza ainda, que compreensão contrária, na qual se

41

atribui a tutela constitucional ao sentimento de dor do animal, inviabiliza a utilização da fauna

pelo ser humano, como bem necessário à uma sadia qualidade de vida.

Fiorillo ainda esclarece que a crueldade somente estará caracterizada quando esta não

tiver como objetivo a sadia qualidade de vida do homem, ou ainda, quando os meios

empregados restarem desnecessários ao objetivo pretendido.

O ilustre doutrinador Paulo Affonso Leme Machado (2006, p. 131-132), discorre acerca

da vedação constitucional às práticas que submetam os animais à crueldade. O ilustre

doutrinador fundamenta suas considerações no parágrafo 1º, inciso VII, do artigo 225, da

Constituição Federal, in verbis:

§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder público:

VII Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que

coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies

ou submetam os animais à crueldade.

O renomado professor traz à luz o conceito de crueldade de acordo com o Dicionário

Houaiss da Língua Portuguesa que define o termo como sendo “a característica ou condição

do que é cruel; prazer em derramar sangue, causar dor”.

Enfatiza que o legislador constituinte acertou ao fazer constar no texto constitucional o

tema e de proibir a prática de crueldade contra os animais. O ilustre professor ainda menciona

que o texto da Carta Magna se utiliza da expressão “práticas”, deixando evidente que alguns

atos de crueldade tornaram-se hábitos e que por muitas vezes camuflam-se sob a expressão

“manifestações culturais”. Com o intuito de melhorar elucidar tal equívoco, Machado traz o

posicionamento do ilustre professor Édis Milaré que assim se manifesta: “Percebe-se o

equivoco que muitas vezes acontece, consistente em acobertar perversidades ou violências

sob o manto antropocentrista, sustentada no valor cultural ou recreativo que possa representar

determinada atividade humana em relação aos animais”. (MILARÉ apud MACHADO, 2006,

p. 132)

O autor, (2006, p. 132-133) trouxe decisão do Supremo Tribunal Federal que julgou

procedente ação civil pública, em face do Estado de Santa Catarina, determinado a esta

unidade da federação “à proibição da denominada festa da farra do boi por atos e medidas

formais e práticas, como a obrigação de fazer”.3

Ressalta ainda (2006, p. 132-133), que o Supremo Tribunal Federal suspendeu

cautelarmente Lei do Estado do Rio de Janeiro, que permitia a realização de rinhas de brigas

3 2ª T., RE 153.531-8-SC, rel. design. Min. Francisco Rezek, rel. para o acórdão Min. Marco Aurélio, j.

3.6.1997, m.v., DJU 13.10.1998.

42

de galo4.

Por fim, o ilustre professor (2006, p. 133), ressalta que tomando por base as decisões

acima mencionadas, o Supremo Tribunal Federal, declarou a inconstitucionalidade da Lei

11.366/2000, do Estado de Santa Catarina, cuja aprovação tornava lícita a criação e exposição

de aves de raça, bem como a realização de rinha de brigas de galo.5

Guilherme José Purvin de Figueiredo (2009, p. 202-203), discorre acerca do artigo 225,

da Constituição Federal de 1988, mencionando o rompimento com o paradigma

antropocêntrico, ao vedar na forma da lei, práticas que submetam animais à crueldade.

O autor menciona ainda, as práticas utilizadas no setor agropecuário como a utilização

de antibióticos e hormônios para crescimento de aves de forma artificial, castração e

confinamento de animais pra engorda, bem como condições precárias de transporte,

alimentação de filhotes sem contato com a mãe, entre outras.

Por fim, menciona o conflito constitucional entre os artigos 225 e os artigos 215,

parágrafo primeiro, ambos da Constituição Federal de 1988, no sentido de que, ao passo que o

primeiro artigo mencionado trata para que animais não sejam submetidos à crueldade, o artigo

215, parágrafo primeiro, impõe ao Estado o dever de proteger as manifestações culturais do

povo brasileiro.

Laerte Fernando Levai (2004, p. 30-32), traça uma linha do tempo na qual tece

considerações acerca da legislação brasileira no que tange a tutela da fauna.

O ilustre Promotor de Justiça do município de São José dos Campos – SP salienta que

por mais de quatro séculos nossa fauna esteve à margem da lei. Ele esclarece que a fauna

selvagem era considerada res nullius, ou seja, coisa de ninguém, ficando essa espécie de fauna

sujeita a caça ou a apropriação por parte do particular.

Com relação aos animais domésticos, o ilustre promotor esclarece que viviam em

constante situação de maus tratos e que para estes não havia qual amparo jurídico, salienta

ainda, que a única tutela que estes animais tinham era a compaixão de quem se compadecia

com seu sofrimento e articulava algum protesto contra o sofrimento alheio.

No decorrer de sua obra, ele enfatiza que somente duas décadas após a proclamação da

República, despontaram os primeiros dispositivos legais versando acerca da proteção à fauna.

O autor traz à baila o primeiro decreto em âmbito nacional, de número 16.590, de 10 de

setembro de 1924, chamado de Regulamento das Casas de Diversões Públicas, cujo artigo 5º

4 Pleno, ADIn 1.858-6-RJ, rel. Min, Carlos Velloso, j. 3.9.1998, v.u., DJU 22.9.2000.

5 Pleno, ADIn 2.514-7-SC, rel., Min. Eros Grau, j. 29.6.2005, v.u.., DJU 9.12.2005.

43

vedava a concessão de licenças para atividades de entretenimento, conforme trecho transcrito

pelo autor: “corridas de touros, garraios, novilhos, brigas de galo e canários e quaisquer outras

diversões desse gênero que causem sofrimento aos animais”.

Já no Governo de Getúlio Vargas, em 10 de julho de 1934, foi expedido o Decreto nº

24.645, que em seu texto, dispunha sobre a proibição de práticas de maus tratos e elenca as

condutas cujas práticas ensejariam infração ao mencionado artigo. Dentre as condutas

mencionadas estão:

Praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal, golpeando-o,

ferindo-o ou mutilando-o; manter animais em lugares insalubres; sujeitá-los

a trabalhos insalubres; abandonar animal doente ou ferido; atrelar animais,

em condições irregulares, nos veículos de tração e carroças, bem como

infligir-lhes castigos imoderados; utilizar dos serviços de animal enfermo e,

se sadio, fazê-lo trabalhar sem descanso ou alimento suficientes, manter ou

transportar animais em cativeiros anti-higiênicos; deixar de ordenhar vacas

leiteiras; depenar ou despelar animais vivos; promover a engorda mecânica

de aves; expor pássaros em gaiolas sujas ou utilizá-los para sortilégios ou

acrobacias; praticar tiro ao alvo ou lutas envolvendo animais, assim como

touradas e seus simulacros.

O autor salienta que o Decreto nº 22.645/34, não foi revogado pelas leis que o

sucederam, nem tácita nem expressamente, salvo ao sistema de penas nele previsto.

Acerca do referido decreto, salienta o autor que este tem natureza de lei, portanto,

somente poderá ser revogado por outra lei. Ainda que as condutas consideradas maus tratos

mencionadas no decreto, sejam definidas atualmente com crime ambiental, o disposto no

referido decreto tutela o animal e não a fauna em abstrato ou ainda o ambiente natural,

cabendo ao Ministério Público e às associações protetoras o poder de representar os animais

em juízo, conforme disposto no artigo 2º, § 3º, do decreto em questão.

O ilustre autor ainda discorre que a partir da década de 1940, com a vigência da Lei de

Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/41, as práticas cruéis contra animais passaram a

ser consideradas como contravenções penais, de acordo com o artigo 64, já revogado, o que

ensejava a seus infratores penas de multa.

Com relação aos animais selvagens, importante a observação do autor no sentido de

aclarar que com a entrada em vigor da Lei Federal nº 5.197/67, dentre outras medidas, os

animais selvagens deixaram de ser considerados como produtos pertencentes aos caçadores e

passaram a ser considerados como propriedade do Estado.

Outras normas foram editadas com a finalidade de tutelar a causa animal, dentre elas

destacam-se a Lei 6.638/79, que estabeleceu normas para as práticas de vivissecção de

animais, bem como a Lei nº 7.173/83, que disciplina o funcionamento dos jardins zoológicos.

44

Outras leis foram editadas ao longo do tempo, normas de suma importância à tutela da fauna e

do meio ambiente, como a Lei 7.643/87, que coíbe a pesca e o molestamento da fauna

aquática. Na década de 80, duas importantes normas surgiram no ordenamento jurídico

brasileiro, que permitiram um exercício mais efetivo da tutela ao meio ambiente e dos

animais: Lei nº 6.938/81, Política Nacional do Meio Ambiente e a Lei nº 7.347/85, que

disciplina a Ação Civil Pública, que se tornaram instrumentos processuais muito utilizados

pelo Ministério Público quando da defesa da fauna.

O ilustre Promotor, salienta que a promulgação da Carta Magna de 1988, abriu o

horizonte à proteção da fauna, no sentido de que seus dispositivos, além de preocupar com a

proteção da fauna, também se ateve com a preservação das espécies, bem como proibir a

exposição dos animais às práticas de crueldade, conforme previsto no artigo 225, parágrafo

primeiro, inciso VII, o que foi incorporado ao texto constitucional da maioria dos Estados da

Federação.

O artigo constitucional mencionado serviu de inspiração ao legislador quando da

elaboração da Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98, em especial o artigo 32, que

considera crime qualquer conduta que exponha animais à crueldade.

Finalmente, o ilustre autor, ressalta que o Brasil possui umas das mais avançadas

legislações ambientais do mundo, cujo fundamento principal está no próprio texto

constitucional, e traz em destaque em sua obra o texto do artigo 225, parágrafo primeiro,

inciso VII, da Constituição Federal de 1988.

De acordo com a obra da Ilustre Professora Erika Bechara (2003, p. 69-70), a expressão

ato “cruel” se refere àquele que se satisfaz em fazer mal a outrem, em causar tormento, ou

ainda, agir de forma dura, insensível, desumana, pungente, dolorosa...

A autora esclarece que a Constituição Federal quando veda situações em que coloque

animais a atos de crueldade, nessa vedação se elencam a fauna silvestre, doméstica, aquática,

exótica, assim, essa proibição constitucional se refere a todo ato que cruel praticado contra

animais.

A renomada autora esclarece que a Carta Magna de 1988 permite, ainda que

implicitamente, alguns atos, que embora sejam considerados cruéis, mas que atendem a

direitos fundamentais da pessoa humana, por seu o bem maior tutelado pela Constituição

Federal. Em outras palavras, a autora diz que práticas que visem garantir a saúde, bem estar,

segurança e a qualidade de vida do ser humano, não infringem as normas previstas no

ordenamento jurídico brasileiro.

A autora enfatiza haver uma dificuldade para os cientistas do direito no sentido de

45

elencar quais seriam as atividades consideradas cruéis, cabendo uma análise mais

aprofundada sobre o que realmente seria ato cruel e ato considerado necessário à qualidade de

vida do ser humano, não ficando claro o real significado da expressão crueldade para o texto

constitucional.

3.1.3 A Lei de Crimes Ambientais

Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2009, p. 523-527), faz uma síntese acerca do que

dispõe a Lei nº 9.605/98. Ele esclarece que em suas disposições gerais, a Lei de Crimes

Ambientais procurou atender não só os regramentos que fundamentam o direito criminal e

pena constitucional, mas também as especificidades que surgiram com o direito criminal

ambiental constitucional e pelo direito penal ambiental constitucional.

O autor fala em sua obra, que a Lei nº 9.605/98, em suas disposições gerais, configurou

fundamental evolução, ao trazer utilidade ao cidadão, por meio da proteção à vida, por

intermédio de sanções penais ambientais.

Ele salienta que a Lei de Crimes Ambientais possibilitou a imputação de penas às

pessoas físicas, como já é prática do Direito Penal, mas também possibilita apontar diversas

modalidades de culpa, no tocante ao Direito Ambiental.

O autor faz menção ao artigo 3º, da Lei nº 9.605/98, sobre a hipótese da

responsabilidade penal às pessoas jurídicas, de direito público ou privado, ressaltando ainda a

possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica prevista no artigo 4º da citada lei.

Em linhas gerais, o Capítulo II da Lei nº 9.605/98, trouxe ao seu texto, exemplos de

sanções fixadas pelo artigo 5º, XLVI, DA Constituição Federal de 1988. O autor esclarece

que as penalidades previstas nos artigos 9º a 13, são hipóteses de aplicação concreta de

penalidades, os quais levam em conta, os preceitos constantes da Carta Magna, de onde se

extraem as bases do Direito Penal Constitucional.

O texto da lei, em seus artigos 14 e 15, também traz as circunstâncias que atenuam e

agravam as penas por infrações aos artigos da norma legal analisada.

O ilustre doutrinador, ainda faz breves comentários acerca da possibilidade de

instauração de Inquérito Civil no âmbito da Lei nº 9.605/98 instituto regrado no artigo 129,

III, da Constituição Federal, quando da hipótese de realização de perícia que tenha por

finalidade constatar a existência de dano ambiental, previsto no artigo 19, parágrafo único, do

46

citado diploma legal.

Leciona o ilustre professor, que o resultado da perícia realizada no âmbito do Inquérito

Civil, poderá ser aproveitado, na esfera penal, desde que sejam observados, os princípios do

devido processo legal e do contraditório.

Por fim, esclarece que é por intermédio do Inquérito Civil, que o Douto Ministério

Público, adianta suas investigações no sentido de adotar providências imediatas de cunho

processual, seja na esfera civil ou penal.

O renomado professor Paulo de Bessa Antunes (2006, p. 802-805), leciona que antes da

vigência da Lei de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98, os crimes cometidos contra a fauna

estavam contemplados na Lei de Contravenções Penais e em algumas leis que disciplinam

temas específicos na legislação ambiental. A edição da lei de crimes ambientais, além de

revogar os tipos existentes, tratou de reorganizá-los dentro de uma norma única, de forma

sistemática. O autor em sua obra, não faz uma análise pormenorizada acerca de todos os tipos

penais, mas uma análise panorâmica sobre seu conjunto.

O autor explica que os crimes contra a fauna restam contemplados nos artigos 29 a 37

da Lei de Crimes Ambientais e tece breves comentários acerca de seus tipos penais, bem

como das penas que lhes são imputadas.

Discorrendo sobre o disposto no artigo 32, o autor esclarece que infringe tal artigo quem

“pratica ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou

domesticados, nativos ou exóticos”. Salienta ainda, que a pena imputada a quem praticar atos

previstos no citado artigo pode variar de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

Acerca do parágrafo 1º do artigo 32, da Lei de Crimes Ambientais, o autor esclarece que

pena igualmente é aplicada a quem praticar experiências dolorosas ou cruéis em animais

vivos, não importando sua finalidade, seja ela didática ou não, ou ainda para fins científicos,

quando restar recursos alternativos para tal fim.

Agravantes a tais práticas restam contempladas no parágrafo 2º do mesmo dispositivo

legal, quando estas práticas resultarem em morte do animal. Tal agravante implica em

aumento da pena, que varia de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).

Com as medidas acima descritas, o legislador deixou claro que atos de crueldade contra

animais é prática que merece ser reprimida. No entanto, ressalta que diante do atual estágio de

desenvolvimento científico, a experiência científica em que se faça uso de animais como

cobaias, é algo necessário ao desenvolvimento da ciência.

O artigo 29 da citada lei tem o seguinte tipo penal:

Artigo 29, Lei nº 9.605/98

47

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna

silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou

autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:

Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.

O ilustre professor ressalta que o ato de matar, que segundo ele, é a violência mais grave

praticada contra o animal, com a edição da Lei de Crimes Ambientais este ato equiparou-se a

simples utilização do animal. O autor faz ainda, uma análise de seus parágrafos, em especial o

terceiro, no qual define como animais silvestres aqueles que pertencem ao grupo das aves

migratórias, ou outras, sejam aquáticas ou terrestres, cujo seu ciclo de vida ocorra dentro do

território nacional, ou, em águas brasileiras.

As penas previstas para a infração ao citado dispositivo legal também são aplicadas a

todos que impede a procriação da fauna, sem o cumprimento dos requisitos legais, ou em caso

de obtenção de licença ou autorização, a faz em desacordo com o determinado.

Para quem cometer crime contra as espécies ameaçadas de extinção, a aplicação da pena

se torna mais árdua. São considerados animais em perigo de extinção, somente os arrolados

em lista específica, cuja publicação é feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis, ou os catalogados em catálogos em tratados e convenções

internacionais, que esteja em vigor e que o Brasil seja signatário.

Os crimes de exportar peles e couros de anfíbios e reptéis sem autorização do órgão

competente restam previstos no artigo 30, e sua pena está fixada em 1 (um) a 3 (três) anos de

reclusão e multa. O autor traz o ensinamento do ilustre professor Miguel Reale Junior, que

diz: “constata-se o descaso pelos dizeres do art. 30, segundo o qual, é crime „exportar para o

exterior‟ peles e couros...”. (REALE JR apud ANTUNES, 2006, p. 804).

Acerca do texto da lei, o autor esclarece que a exportação desses produtos animais,

manufaturados, não são crimes. Ainda, o tráfico de peles e couro dentro do território nacional

também não enseja ilícito penal. Salienta que o tipo previsto na lei em nada protege os

anfíbios e répteis.

De acordo com os ensinamentos do ilustre Professor Édis Milaré (2001, p. 462-463), a

Lei nº 9.605/98 a Lei de Crimes Ambientais, cumpriu duas missões: efetivou os ideais da

Carta Magna de 1988 apenando as condutas lesivas ao meio ambiente e ainda atenderam as

recomendações grafadas na Carta da Terra e na agenda 21, ambas aprovadas na Conferência

do Rio de Janeiro.

O autor esclarece que a Lei de Crimes Ambientais, por ser um diploma legal de natureza

híbrida, se ateve em disciplinar as infrações administrativas, bem como os aspectos de

cooperação para tutela do meio ambiente.

48

O ilustre doutrinador menciona que a lei em questão não atendeu de forma plena aos

interesses dos defensores do meio ambiente, visto que houve manifestações e polêmicas

acerca de seu texto, ao ponto do renomado jurista Miguel Reale Jr a classificá-la como uma

lei hedionda, ao passo que os ambientalistas a chamaram de tímida e os que representam

setores por ela afetados de uma lei draconiana.

Salienta ainda, que tal diploma legal foi elaborado de forma criteriosa e técnica, mas

que padece de diversos pontos negativos que a distancia de uma lei ambiental perfeita aos

ideais para a qual fora elaborada. Esclarece que muitos de seus artigos foram vetados ou

aprovados, por força de forte pressão de lobistas interessados em defender seus próprios

interesses. Ressalta ainda que muitos de seus dispositivos são resultado de concessões, a partir

de uma visão equivocada acerca do interesse social quanto a preservação do meio ambiente.

Ensina o ilustre professor, que embora a Lei de Crimes Ambientais, ainda que não seja

um modelo de lei capaz de garantir a preservação do meio ambiente, visto estar eivada de

defeitos que poderiam ser sanados no momento de sua elaboração, representa um avanço na

tutela ao meio ambiente, pois em seu texto, sistematiza a punição administrativa com a

aplicação de sanções severas e típica como crime as condutas maléficas ao meio ambiente,

seja nas modalidades culposas ou dolosas.

Acerca dos defeitos acima mencionados, o autor esclarece que cabe aos nossos tribunais

trabalhar no sentido de corrigir tais vícios, com a criação de jurisprudências que visem

consolidar as interpretações que se mostrem razoáveis à pacificação das demandas que se

originem na infração de seus dispositivos.

O autor salienta que com relação à tipificação de condutas, a edição da Lei de Crimes

Ambientais consolidou as leis esparsas, atualizando seus dispositivos, transformando

contravenções penais em crimes e ainda, criou condutas delitivas que até então as leis

esparsas não contemplavam, bem como descriminalizou outras.

Por fim, o ilustre doutrinador menciona que em seu contexto, a Lei 9.605/98, capitula

modalidades de crimes ambientais, como os praticados contra a fauna, a flora, crime de

poluição do meio ambiente, contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural e os crimes

contra a administração ambiental.

3.2 O sacrifício de animais em rituais religiosos – aspectos jurídicos

49

De acordo com os ensinamentos do ilustre Professor Manoel Jorge e Silva Neto (2008,

p. 143-147), o sacrifício de animais em rituais religiosos, é uma questão controvertida, que

nos remete a uma análise da legislação infraconstitucional que versam acerca do tema.

Ele explica que a liberdade religiosa se consolida na liberdade de culto, por ser este, a

forma representativa do ritual, no qual seus adeptos exteriorizam sua fé, seu sentimento

religioso.

Ele cita o artigo 5º, inciso VI, in fine, que tutela os locais destinados a celebração de

cultos e liturgias, desde que observados os preceitos legais. Ele complementa, que muito

embora o legislador constituinte refira-se à lei como meio capaz de efetivar a liberdade de

culto, essa mesma liberdade não está condicionada a um dispositivo infraconstitucional e

finaliza dizendo que a menção à lei, somente salienta a eficácia relativa do dispositivo

constitucional mencionado. Com essa afirmação ele quer dizer, que tão logo o dispositivo

legal passa a viger, produz os efeitos para os quais foram criados, assim, se assemelha aos

preceitos de eficácia plena.

O ilustre Professor salienta que tendo em vista o caráter literal do artigo 5º, inciso VI, da

Constituição Federal de 1988, qualquer restrição à liberdade de culto, só poderia ser

considerada legítima se houvesse no ordenamento jurídico, lei que trouxesse em seu texto,

limitações a esse direito.

O renomado doutrinador ainda ressalta que para uma melhor compreensão acerca da

liberdade de culto e ainda mais, a liberdade de sacrifício em rituais religiosos, se faz

necessário compreender o artigo 5º, inciso VI, contextualizando a teoria da aplicabilidade das

normas constitucionais, para que não ocorra uma compreensão equivocada de sua amplitude.

O autor ainda faz menção ao seu artigo 64, da Lei de Contravenções Penais: “Art. 64.

Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:” (grifo nosso). Explica o

autor, que sacrificado o animal, não se pode mais separar a conduta do tipo previsto no artigo

mencionado.

Silva Neto ensina que o termo “crueldade” possui características ambíguas, pois o

entendimento pode ser diferente entre os indivíduos. Desse modo, aos adeptos da prática de

sacrifício religioso, tal conduta é considerada normal, pois não reconhecem a existência de

crueldade em tais atos religiosos. No entanto, o autor enfatiza que não cabe aos adeptos dessa

prática fechar a questão, mas sim à sociedade, cuja solução definitiva deve ocorrer por

decisão proferida por um magistrado investido no cargo.

50

Leciona o ilustre Professor, que o legislador constituinte se ateve em garantir a

liberdade religiosa ao inseri-las no texto constitucional em seus artigos 5º, inciso IV, bem

como no inciso VI, que prevê que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

(grifei) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o

livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção

aos locais de culto e as suas liturgias;

O autor explica que na atualidade, sob a égide da Carta Magna de 1988, que o direito

individual à liberdade religiosa, se apresenta de três maneiras: direito à crença; ao culto e a

organização religiosa.

Ensina o renomado professor que na liberdade de culto, o indivíduo é protegido de

modo a se comportar de acordo com suas convicções religiosas durantes os rituais litúrgicos.

Salienta que nem o Estado poderá limitar a forma que o indivíduo irá adorar seus entes

divinos. Tal liberdade de culto encontra, no entanto limitação no sentido de a liberdade de um

indivíduo termina quando se inicia a liberdade de outrem.

O ilustre Professor deixa um questionamento acerca do tema: “Podem os membros de

um determinado segmento religioso promover o sacrifício de animais?” (SILVA NETO,

2008, p. 60)

O autor novamente ressalta tratar-se de questão delicada e refere-se à liberdade de culto

nos Estados Unidos e no Brasil, onde a expansão dos credos afros mostra a real importância

que deve ser dada ao tema.

Ele menciona um julgamento ocorrido nos Estados Unidos, no Estado da Flórida, em

que a denominação “Santeria”, um segmento religioso com um grande número de seguidores

latinos, resolveu construir um templo na cidade de Hialeah. Esclarece que a legislação

municipal local proíbe o sacrifício de animais em rituais religiosos, por entender que tal

prática significa a matança de animais, não destinados para consumo.

Com a interposição de recurso, o caso foi levado à Suprema Corte que decidiu pela

inconstitucionalidade da referida lei municipal, entendendo que o objetivo de tal norma era

proibir a liberdade religiosa.

Segundo os ensinamentos de Jayme Weingartner Neto (2007, p. 279-282), a questão

acerca do sacrifício de animais em rituais religiosos ainda é bastante controvertida. Esclarece

que não há no mundo doutrinário brasileiro, reflexões suficientes para pacificar as demandas

51

oriundas de tal prática. Menciona também as recentes discussões acerca do Projeto de Lei

Estadual Gaúcha que visa tornar legal o sacrifício de animais em rituais religiosos.

Em sua obra, o ilustre doutrinador trás à baila o ensinamento de Aldir Soriano, que

escreve acerca do tema sob a denominação “imolação de animais em rituais religiosos”.

Segundo o autor, ele se refere ao tema como um dos conflitos entre a liberdade religiosa e o

direito ambiental. Menciona que o sacrifício de animais é prática antiga em religiões como a

asteca e inca, atualmente tal prática é realizada por religiões de matrizes africanas.

(SORIANO apud NETO, p. 280)

Menciona ainda a colisão entre dois direitos, o que gera interrogações. Pode os adeptos

de tal prática sacrificar a vida de animais como forma de exteriorizar suas crenças? Ou devem

prevalecer as restrições impostas pelo direito ambiental que visam tutelar a vida animal?

(SORIANO apud NETO, p. 280)

Leciona o ilustre Professor, que se formos ver a questão por uma visão antropocêntrica

do direito ambiental, o sacrifício de animais seria admitido, mas em nome da expressão

cultural de um povo, ou de uma coletividade, entendendo-se desse modo, a inexistência de

crueldade praticada contra o animal. O autor traça um paralelo com a famigerada “farra do

boi” e com os “rodeios”, nesse caso não estaria presente a violação ao direito ambiental e nem

mesmo haveria colisão entre os dois direitos, pois, o sacrifício de animais nessa hipótese seria

praticado em nome da preservação cultural em detrimento do direito dos animais. (SORIANO

apud NETO, p. 280)

Maria Gabriela Moya Gannumy El Bayeh, no artigo: “O sacrifício de animais em cultos

religiosos à luz da Constituição Federal de 1988” 6 tece uma análise acerca do sacrifício de

animais em cultos religiosos e menciona o polêmico Projeto de Lei de autoria do Deputado

Edson Portilho, que propõe a inclusão do parágrafo único ao artigo 2º, da Lei 11.915, de 21 de

maio de 2003, Código Estadual de Proteção aos Animais, cujo objetivo é suprimir da vedação

imposta pelo citado artigo, ao livre exercício de culto e liturgias das religiões de matriz

africana, permitindo assim, o sacrifício de animais nos rituais religiosos.

A ilustre operadora do direito enfatiza que o assunto abordado é eivado de polêmicas.

Ela esclarece que, se de um lado há a obrigação do cumprimento das normas de proteção aos

animais, eis que consta em nosso ordenamento jurídico, por outro lado, há a liberdade de

culto, direito assegurado pela Carta Magna de 1988, considerado direito fundamental.

Ela esclarece que o interprete da norma tem por obrigação de ater-se ao ordenamento

6 Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/2563>. Acessado em: 22 abr. 2011.

52

jurídico e encontrar o melhor remédio para sanar os antagonismos mencionados no parágrafo

anterior. Por fim, esclarece que o melhor caminho para aferição do Direito é a Carta Magna

de uma Nação.

A autora explica que a liberdade de culto se resume na exteriorização, na manifestação

do pensamento religioso, que ao longo do tempo se consolidou como uma das bases da luta

pelos direitos individuais do ser humano.

Ela menciona ainda, a Declaração de Direitos do Homem, de 1789, e menciona de

forma especial, o artigo 10, in verbis: “Ninguém pode ser perturbado por suas opiniões,

mesmo religiosas, desde que a manifestação delas não conturbe a ordem pública estabelecida

pela lei.”

Esclarece que a liberdade de culto assegurada na declaração de 1789, não mais satisfaz

aos anseios da sociedade, que para manifestar suas opiniões, necessário se faz que exista uma

norma que discipline tal liberdade de pensamento, quando de sua exteriorização.

A autora ensina que os direitos, sejam individuais ou coletivos, não caminham

separadamente da ordem democrática, eles devem estar concatenados com o anseio social e

estar atentos para não se distanciarem do caminho da igualdade, da dignidade, da justiça e da

solidariedade.

Avançando em sua análise, a autora enfatiza que não há direito absoluto. Esclarece que

a liberdade de pensamento, subespécie da liberdade de culto, está vinculado ao que a

sociedade entende por bom e justo, devendo à sociedade julgar o que é primordial à uma vida

digna. Desse modo, fica claro no artigo mencionado que o pensamento é livre, mas que sua

exteriorização não pode macular o anseio social.

Por derradeiro, a autora ensina que o direito é bom senso e seja qual for o direito que

tenha como privilégio o derramamento de sangue, algo há de errado, entendendo que o

exercício de tal direito, ou até mesmo o próprio direito inexiste. Finaliza seu artigo dizendo

que se a prática de tal direito resultar em sacrifício, ali está sendo sacrificada a própria

democracia.

Acerca do tema proposto no presente capítulo, bem discorre o aluno da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro, Yannick Yves Andrade Robert, sob a orientação dos

Professores Carlos Alberto Plastino e Fábio Carvalho Leite, em relatório acadêmico publicado

no site da PUC-RJ7, no qual faz uma abordagem jurídica sobre o sacrifício de animais em

7 Disponível em http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/resumos/ccs/dir/j_yannick.pdf. Acesso em:

01 abr. 2011.

53

rituais de religiões de matrizes africanas.

Inicia suas considerações esclarecendo que algumas religiões de matrizes africanas se

utilizam de animais em seus rituais, enfatizando ser um tema polêmico e gerador de debates

calorosos não só no âmbito das comunidades religiosas.

Como fonte de sua pesquisa, o autor recorreu à pesquisa doutrinária, bem como à

pesquisa de campo, cuja finalidade era a busca pelo entendimento de tal prática. Dentre as

diligências realizadas, aconteceram entrevistas com líderes religiosos de diversas

denominações religiosas de matrizes africanas.

Em seu relatório, constam as fontes normativas utilizadas, das quais se destacam a Lei

de Crimes Ambientais, Lei nº 9.605/98; o Decreto-lei nº 3.688/41, de onde extraiu suas

considerações quanto à tipicidade ou não do sacrifício de animais em rituais religiosos de

matriz africana.

Como fonte suplementar de sua pesquisa, realizou estudo à polêmica Lei Gaucha nº,

11.915/2003, Código Estadual de Proteção aos Animais, atualizada pela Lei nº 12.131/2004,

de modo especial o artigo 2º, parágrafo único, que propôs a exclusão dos cultos de religiões

de matriz africana, do rol de vedações elencadas no citado diploma legal, que foi objeto de

uma Representação de Inconstitucionalidade, impetrado junto ao Egrégio Tribunal de Justiça

do Estado do Rio Grande do Sul, que proferiu decisão que resultou na impetração de um

Recurso Extraordinário, que à época de sua pesquisa ainda não havia sido julgado pelo

Supremo Tribunal Federal, sob o nº RE 494601.

O ilustre autor enfatiza que não há um entendimento jurisprudencial acerca do tema, e

ressalta que em sua pesquisa junto ao sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal, o único

resultado encontrado foi o Recurso Extraordinário mencionado no parágrafo anterior, cuja

matéria ainda não havia sido julgada pelo Excelso Tribunal.

Prosseguindo em sua análise, esclarece que tal prática não é exclusiva das religiões de

matrizes africana, e esclarece que alguns rituais muçulmanos, quando do final do período do

Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, ocorrem a degola de um cordeiro. Outra religião

citada pelo autor é a judaica, destacando o schochet, ritual de abate na cultura judaica, além de

mencionar que existem relatos de sacrifícios de animais em vários textos bíblicos.

O autor ainda faz uma análise acerca da Legislação que disciplina as questões inerentes

à fauna, mencionando a Lei de Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/41, que imputava

pena de prisão simples de 10 Dez) dias a 1 (um) mês para quem cometesse atos de maus tratos

contra animais, ou os submetesse a trabalho excessivo.

Por fim, esclarece que o sacrifício de animais em rituais religiosos poderia ser

54

perfeitamente enquadrado nos artigo 29 e 32 da Lei nº 9.605/98, a Lei de Crimes Ambientais,

Manifestando estranheza pela ausência no artigo 37, do mesmo diploma legal, por tratar

das causas de exclusão de ilicitude o sacrifício de animais. Finaliza dizendo que não há

comentários à prática de sacrifícios de animais em rituais religiosos nos artigos 29 a 37 da Lei

de Crimes Ambientais, que tratam dos crimes contra a fauna.

3.2.1 O sacrifício de animais em rituais religiosos – Aspectos religiosos

Sérgio Greif, biólogo, ao escrever artigo para a revista Pensata Animal nº 4 de Agosto

de 20078, esclarece que o sacrifício de animais em rituais religiosos é prática mal vista pela

sociedade ocidental, devido à crueldade empregada em tais rituais.

Em seu artigo ele menciona que o sacrifício é prática presente na maioria das confissões

religiosas, não caracterizando ato isolado de um determinado grupo. Em uma abordagem

ética, ele ressalta que a mera condenação á atitude de sacrificar um animal classificá-la como

atitude primitiva, em nada irá colaborar para a causa animal, ressaltando que todas as crenças

religiosas merecem respeito e diz que a solução para a questão está no entendimento de suas

origens, com vista a uma convivência pacífica entre os diversos grupos da sociedade.

O autor conceitua o sacrifício como sendo a oferenda de animais ou pessoas, a

determinada divindade, como uma forma de cultuá-la. Etimologicamente, sacrifício é

derivado dos radicais “sacro” e “ofício”, ou seja, ofício sagrado.

Analisando o artigo do autor, observa-se que os motivos que levam os seguidores das

mais diversas crenças a essa prática, são muitos. Para algumas confissões, o sacrifício se

associa a uma aproximação do devoto com a divindade.

O sacrifício para os povos da antiguidade, segundo o autor, está ligado ao poder das

divindades, outros imaginavam que o sacrifício aplacava a ira dos deuses, ou ainda, o

sacrifício servia para expiação dos pecados da comunidade.

Esclarece o ilustre autor, que tais práticas eram diárias nas sociedades americanas e pré-

colombianas e que em algumas civilizações eram ofertados seres humanos às divindades.

Ensina ainda, que muitos outros povos, como o hebreu, pagãos de todos os continentes,

8 Disponível em: http://www.olharanimal.net/capa/1043-sergiogreif/1135-sacrificio-de-animais. Acesso em: 30

abr. 2011.

55

romanos, gregos, muçulmanos e religiões de matrizes africanas utilizavam-se e ainda hoje

realizam sacrifício de animais em seus rituais.

Por fim, o ilustre autor, menciona a importância do sacrifício ritual em algumas

culturas, dentre elas, o cristianismo, o hinduísmo, o islamismo, entre outras. No entanto,

cumpre transcrever trecho do artigo, em que o autor discorre acerca do sacrifício de animais

nos cultos das religiões de matrizes africanas, por ser esta, uma religião com grande numero

de seguidores em nosso país.

Sacrifícios nas religiões africanas A maioria das religiões africanas ainda pratica o sacrifício de animais e, em

casos mais velados, também de seres humanos. Na antiga religião Zulu,

ainda praticada na África do Sul, pessoas podem ser mortas não como parte

de um sacrifício ritual, mas para que alguma parte de seu corpo seja utilizada

como medicamento (Muti). Nesta forma de medicina, o pênis de um menino

pode ser requerido pelo sangoma (curandeiro) para elaborar um elixir contra

a impotência ou o estupro de uma virgem pode ser necessário para curar

alguém de AIDS.

Os ritos sacrificiais africanos, trazidos para a América do Sul e Caribe no

período colonial, ainda são praticados em muitas comunidades.

No candomblé, o sacrifício de animais é praticado pelo Axogun ou pelo

Babalorixá. O primeiro que deve receber os sacrifícios é Exu, a quem é

oferecida uma galinha. Em seguida o Orixá que se pretende contatar recebe

sua oferta, sempre um animal quadrúpedes. Após morto e oferecido no

ritual, o animal é consumido pelos devotos e seu couro pode ser utilizado

para a confecção de instrumentos musicais.

No candomblé o sangue não apenas é vida, como possui uma energia

elementar. O sangue e as visceras dos animais tem o objetivo de produzir

axé, energia vital.

Apesar disto, há seguidores do candomblé que opõem-se à pratica de

sacrifícios de animais, como é o caso do Pai-de-Santo Agenor Miranda

Rocha.

Caio de Omulu não questiona a validade, ou necessidade, do uso de animais

dentro da umbanda, mas sim sua freqüência. Prega que tais rituais deveriam

ser exceção e não única prática como vem sendo realizado.

Não querendo discutir a validade do sacrifício no contexto do sistema de

crenças de qualquer religião, a mera existência de locais onde estas mesmas

religiões são praticadas sem a necessidade de sacrifícios de animais, rituais

estes reconhecidos pelos centros onde animais ainda são utilizados,

demonstra que a utilização de animais não é necessária. O ritual cumpre uma

função que, mais do que uma obrigatoriedade religiosa, configura-se em uma

forte impressão psicológica no devoto que a pratica.9

O autor esclarece que qualquer que seja o credo religioso, ou ainda que não se tenha

uma crença, o movimento ao qual pertence, o abolicionista, jamais poderá adotar um

posicionamento anti-religioso ou contrário a uma religião especifica, mas sim, adotar uma

postura anti sacrifício, salientando por derradeiro que as críticas feitas às religiões de origem

9 Sergio Greif, 2007. Disponível em: http://www.olharanimal.net/capa/1043-sergiogreif/1135-sacrificio-de-

animais. Acesso em: 30 abr. 2011.

56

africanas poderiam ser feitas a qualquer outra confissão religiosa, uma vez que o especismo é

algo que está enraizado em todos os povos e religiões.

Por derradeiro, conclui o autor dizendo que se no seio das religiões, o sacrifício agrada a

uma divindade, aquele que condena tal prática, mas não condena o ritual carnificista que

ocorre diariamente à mesa das famílias, coloca-se na condição de um ser mais que divino,

visto que a mera alacridade do apetite veda-o de qualquer conceito de moralidade.

3.2.2 Os Dez Mandamentos da Lei de Deus: um instrumento de pacificação social

Segundo os ensinamentos do Padre Lucio Zorzi10

, os mandamentos deixados por Deus a

Moisés, são normas de conduta humana que deveriam ser observadas pela sociedade da

época.

Esclarece que tais mandamentos se resumem em 10 (dez) e serviam como indicador de

uma conduta a ser seguida por aquela determinada sociedade a fim de evitar que as pessoas da

época adotassem condutas que as afastariam do plano de Deus.

O ilustre Reverendo, esclarece que os Dez Mandamentos vieram como orientador à

conduta do homem da época, e que não tinha o caráter de atingir apenas o homem na sua

individualidade, mas a sociedade como um todo, com o intuito de criar um povo livre e

fraterno.

O ilustre representante da Igreja Católica esclarece que as Tábuas da Lei, que se

resumem nos Dez Mandamentos, tinham o condão de pacificar a sociedade da época

tornando-a justa e igualitária, portanto, era um instrumento de pacificação social onde cada

um dos Dez Mandamentos nela expressos visava combater as causas que poderiam levar o

povo ao sofrimento.

3.2.3 Quinto Mandamento – Não matarás!

O quinto mandamento das Leis de Deus, entregue a Moisés, a cerca de 1250 anos antes

10

Disponível em: http://mais.uol.com.br/view/qp6o0gs8wcuw/os-dez-mandamentos-da-lei-de-deus-

04021C3360CCB97366. Acesso em: 30 abr. 2011.

57

de Cristo, conforme o Livro do Êxodo, 20, 1-17, é sem dúvida uma das mais antigas leis

conhecidas pela humanidade. No mandamento analisado, cuja redação é “NÃO MATARÁS”,

teremos sem a menor sombra de dúvidas a possibilidade de uma reflexão filosófica acerca do

bem tutelado por tal mandamento.

De acordo com artigo de PC Craigie11

, a redação dada ao mandamento analisado, proíbe

“matar”, dando a clara evidência da vedação ao assassinato.

O termo que o autor utiliza no dispositivo dado por Deus a Moisés, não restringe a

matança em tempos de guerra ou a uma penalidade imposta a quem contrariasse as normais

sociais vigentes à época.

Segundo o autor, o mandamento estudado proíbe a prática de homicídio, garantindo a

cada membro da sociedade da época o direito à vida. Atualmente, a vedação ao homicídio está

presente em quase todos os códigos jurídicos existentes mundo a fora, tornando norma

cogente a todo cidadão, de onde decorre que as Tábuas da Lei, serviram de alicerce para os

códigos editados posteriormente, deixando de ser uma norma religiosa ou simplesmente

moral, aplicando-se à mesma um caráter absolutamente jurídico.

De acordo com artigo de Sérgio Biagi Gregório12

, “O ser humano não tem o direito de

tirar a vida de quem quer que seja, pois ela pertence ao Criador. Aliás, não somos donos nem

do nosso próprio corpo, que é um empréstimo de Deus para que possamos desempenhar as

nossas funções aqui na Terra.

3.2.4 O posicionamento dos Tribunais

Yannick Yves Andrade Robert13

, em pesquisa ao sítio eletrônico do Supremo Tribunal

Federal, deparou-se com uma escassez de exemplares jurisprudenciais que versem sobre o

sacrifício de animais em rituais religiosos em religiões de matriz africana, exceto o Recurso

Extraordinário de nº RE 494601, ainda não julgado, à época da pesquisa realizada pelo autor.

11

Disponível em: http://mb-soft.com/believe/ttxt/tencomma.htm. Acesso em: 30 abr. 2011.

12 Disponível em: http://www.ceismael.com.br/artigo/dez-mandamentos.htm. Acesso em: 30 abr. 2011.

13 Disponível em: http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/resumos/ccs/dir/j_yannick.pdf. Acesso em:

01 abr. 2011.

58

Na esfera estadual, o autor menciona o Acórdão nº 70010129690, que versa sobre

Representação de Inconstitucionalidade da Lei 12.131/04-RS, que introduziu o parágrafo

único ao art. 2.° da Lei 11.915/03-RS, que exclui o sacrifício de animais em rituais religiosos

de matriz africana do rol das vedações da citada lei, cuja ação foi julgada improcedente pelo

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, em 18 de abril de 2005, conforme

ementa transcrita a seguir:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. SACRIFÍCIO RITUAL DE

ANIMAIS. CONSTITUCIONALIDADE.

1. Não é inconstitucional a Lei 12.131/04-RS, que introduziu parágrafo

único ao art. 2.° da Lei 11.915/03-RS, explicitando que não infringe ao

“Código Estadual de Proteção aos Animais” o sacrifício ritual em cultos e

liturgias das religiões de matriz africana, desde que sem excessos ou

crueldade. Na verdade, não há norma que proíba a morte de animais, e, de

toda sorte, no caso a liberdade de culto permitiria a prática.

2. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. VOTOS VENCIDOS.

59

CONCLUSÃO

Ao concluir o presente trabalho, observamos que a relação do homem com a natureza

remonta desde os primórdios da humanidade. Ao realizar as pesquisas necessárias,

observamos que o homem sempre colocou os bens ambientais a seu serviço, de modo que

todo ser vivo que não tivesse a natureza humana, assim como os animais não humanos, não

possuía qualquer tipo de vontade ou direito e eram colocados num rol de bens disponíveis à

humanidade. Nesse caso, entendemos que em concordância com os autores pesquisados, o

bem ambiental por ser de uso comum do povo, podendo ser usufruído por toda e qualquer

pessoa, sem que se caracterize como bens públicos ou privados, são considerados como bens

de natureza difusa.

O livre exercício da liberdade religiosa, previsto no texto constitucional se caracteriza

pela liberdade do indivíduo em crer ou não em um “Ser Superior”, sendo que dessa liberdade

decorre a liberdade de culto que se materializa na exteriorização de sua religiosidade, o que

em muitas religiões, em sua grande maioria de matriz africana, utilizam do sacrifício ritual de

animais como forma de prestar sua oferenda ao divino como forma de espiação de seus

pecados, com vista à salvação de sua alma.

Observou-se ainda, que a liberdade religiosa esteve presente na grande maioria das

Constituições Brasileiras, dentre elas a Carta Magna de 1988. Mesmo estando prevista no

texto constitucional de onde se extrai a garantia à liberdade de culto, o texto constitucional

veda práticas que submetam animais a crueldade, ao mesmo tempo em que garante a livre

expressão de atividades que visem garantir a preservação de manifestações culturais, como os

rodeios, farra do boi e o sacrifício de animais em rituais religiosos, restando claro a presença

conflitante entre dois de seus dispositivos.

Ao pesquisar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, concluímos, que mesmo

sendo um princípio que esteja intimamente ligado aos preceitos do Cristianismo, que se

fundamenta pela concepção de que o homem é a imagem e semelhança de seu Criador, tal

princípio foi abarcado pelo texto constitucional da Carta Magna de 1988, em seu artigo

primeiro, inciso III. Nesse aspecto podemos concluir que este, é sem duvida, o bem maior a

ser buscado pelo Estado, em prol de seu povo, que imputa ao Estado a obrigação de colocar o

cidadão no centro de suas ações.

Acerca da proteção constitucional ao meio ambiente, podemos concluir que

acertadamente, o legislador constituinte de 1988 incluiu um capítulo especialmente destinado

60

à proteção ao meio ambiente, no qual demonstra uma preocupação com os interesses difusos,

dentre eles a fauna, objeto do presente trabalho.

Pesquisando acerca da tutela legal da fauna, delimitamos o sacrifício de animais em

rituais religiosos como ponto principal do presente trabalho e concluímos que as normas

anteriores à Carta Magna de 1988 e consequentemente à Lei de Crimes Ambientais, não

tutelavam a fauna de maneira efetiva, que desde a década de 1930, com a vigência do Decreto

nº 24.645/34, tratavam os crimes de maus tratos administrativamente e criminalmente, no

entanto sem alcançar a eficácia esperada.

O Brasil a exemplo de muitos países se tornou signatário da Declaração da Declaração

Universal dos Direitos dos Animais, aprovado pela UNESCO, em 1978, mas até o momento,

seu texto não foi ratificado, sendo que suas principais deliberações só são levadas a cabo pelas

organizações não-governamentais de defesa dos animais.

Acerca dos crimes contra o meio ambiente, em especial, os crimes contra a fauna,

previstos nos artigos 29 a 37 da Lei de Crimes Ambientais, lei nº 9.605/98, que trouxe um

alento aos defensores da causa animal, devido às alterações trazidas em seu texto, que passou

a considerar crime o que antes era tratado com contravenção penal.

Ao analisarmos o texto constitucional, especialmente o artigo 225, em seu parágrafo

primeiro, nos deparamos com a vedação às práticas que submetam animais à crueldade, o que

em nosso entendimento, vem ao encontro com o disposto no artigo 32, da lei de Crimes

Ambientais, que tutela a vida animal. Por outro lado, o mesmo diploma legal, nos artigos que

versam sobre a liberdade religiosa e consequentemente a liberdade de culto, bem como a

garantia constitucional às manifestações culturais, que dentre outras, destacamos a malfadada

farra do boi, que embora proibida, ainda ocorre; os rodeios, que movimentam vultosas somas

e o sacrifício de animais em rituais religiosos, presente em algumas religiões de matriz

africana, concluímos que existe no ordenamento jurídico brasileiro um conflito entre seus

dispositivos, que ao mesmo tempo em que veda a crueldade contra animais, garante em seu

texto que tais práticas aconteçam.

Por fim, ao pesquisarmos acerca do sacrifício de animais em rituais religiosos,

procuramos não abarcar somente os aspectos jurídicos que envolvem o tema, mas cuidamos

também de pesquisar as questões de cunho religioso.

No aspecto religioso, a presente pesquisa procurou trazer à baila os fundamentos

legais que permitem aos adeptos dessa prática o livre exercício de suas manifestações

religiosas, que remontam desde o início da civilização, o que se pode verificar nos textos

bíblicos que versam sobre o tema.

61

Dessa forma, concluímos que esta é uma questão controvertida, polêmica e que está

longe de um entendimento pacifico no âmbito jurídico.

Assim, concluímos que, embora a prática religiosa esteja fundamentada na garantia

constitucional à liberdade de culto, esta representa um contra-senso às primícias religiosas

contidas nas Tábuas da Lei, em especial no 5º (quinto) Mandamento: NÃO MATARÁS, que

embora muitos exegetas entendam que estes preceitos eram dirigidos à espécie humana, o

texto bíblico não o especifica, restando aberta a questão se a expressão NÃO MATARÁS

pretendia tutelar a vida humana ou a toda espécie de vida existente, obra e criação de Deus.

Por derradeiro, entendemos que a pesquisa restou prejudicada devida a escassez

doutrinária e jurisprudencial acerca do tema. Assim, o presente trabalho não pretende esgotar

as questões jurídicas e religiosas atinentes a tão controvertido e polêmico tema, mas apenas

incitar a discussão e contribuir com novas pesquisas acerca de tal prática religiosa, sobretudo

no tocante aos posicionamentos doutrinários e religiosos, deixando em aberto um

questionamento: Pode o homem dispor livremente sobre a vida de um animal, uma vez que

ambos são obra e criação de Deus?

62

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 9ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen

Juris, 2006.

BECHARA, Erika, A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional, São Paulo: Editora

Juarez de Oliveira, 2003

Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, 5ª impressão revista, Edições Paulinas, 1992.

Bíblia Sagrada, Edição Claretiana, Editora Ave Maria, 1976.

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Curso de Direito Ambiental. 3ª edição. Curitiba:

Letra da Lei, 2009.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10ª edição.

São Paulo: Saraiva, 2009.

FREITAS, Vladimir Passos / Gilberto Passos. Crimes Contra a Natureza. 8ª edição, São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. 2ª edição, Campos do Jordão: Editora

Mantiqueira, 2004.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14ª edição, São Paulo:

Malheiros Editores, 2006.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 3ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2004.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24ª edição, São Paulo: Editora Atlas, 2009.

NETO, Jayme Weingartner. Liberdade Religiosa na Constituição. Porto Alegre: Livraria do

Advogado Editora, 2007.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29ª edição, São Paulo:

Malheiros Editores, 2007.

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Proteção Constitucional à Liberdade Religiosa. Rio de

Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

http://www.donninifiorillo.com.br

Disponível em: <http://www.donninifiorillo.com.br/portugues2/artigos_d.asp¿id=86>.

Acesso em: 08 fev. 2011.

http://jusvi.com

Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/2563>. Acesso em: 22 abr. 2011.

63

http://www.donninifiorillo.com.br

Disponível em: <http://www.donninifiorillo.com.br/portugues2/artigos_d.asp?id=77>. Acesso

em: 24 abr. 2011.

http://mb-soft.com

Disponível em: <http://mb-soft.com/believe/ttxt/tencomma.htm>. Acesso em: 30 abr. 2011.

http://www.ceismael.com.br

Disponível em: <http://www.ceismael.com.br/artigo/dez-mandamentos.htm>. Acesso em: 30

abr. 2011.

http://mais.uol.com.br

Disponível em: <http://mais.uol.com.br/view/qp6o0gs8wcuw/os-dez-mandamentos-da-lei-de-

deus-04021C3360CCB97366>. Acesso em: 30 abr. 2011.

http://www.puc-rio.br

Disponível em: <http://www.puc-

rio.br/pibic/relatorio_resumo2008/resumos/ccs/dir/j_yannick.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2011.