A TROFOLAXE DIGITAL - Caosmose – Estratégias de virtualização · 2004-10-22 · ... a forma...
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A TROFOLAXE DIGITAL
Celso Candido
Se o gosto pelos livros cresce com a inteligência, seus perigos, como vimos, diminuem com ela. Um espírito original sabe subordinar a leitura à sua
atividade pessoal. Ela não é para ele senão a mais nobre das distrações, sobretudo a mais enobrecedora, pois somente a leitura e o saber dão as ‘belas maneiras’ do
espírito. O poder de nossa sensibilidade e de nossa inteligência, não podemos desenvolvê-lo senão em nós mesmos, nas profundezas de nossa vida espiritual.
Marcel Proust
A comunicação é o plano e a forma pela qual uma sociedade enquanto
tal se constitui. Ela é um princípio fundamental da organização gregária
humana. Seria impensável o viver em comunidade, pois ela está no âmago da
interação social. Seja o intercâmbio econômico, cultural ou político, esses
platôs do “estar entre os homens” dependem essencialmente de um processo
de interação comunicativa. É este complexo lingüístico que “estrutura”, cria e
institui os modos da organicidade social e do pensamento.(1)
Para Aristóteles, o humano, “animal naturalmente político”, distingue-
se dos outros animais por ser o único capaz de utilizar-se de uma linguagem
articulada para existir em sociedade. Diferentemente daqueles que só podem
se manifestar por meio dos sons difusos o que agrada e desagrada, os humanos
trocam palavras. O uso da linguagem é o que permite aos seres humanos
distinguirem o certo do errado, o justo do injusto. Dessa forma, apenas os
humanos possuem o sentido do que seja o “bem” e o “mal”. De acordo com
Aristóteles,
...o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos. A natureza, que não faz nada em vão, concedeu apenas a ele o dom da palavra, que não devemos confundir com os sons da voz. Estes são apenas a expressão de sensações agradáveis ou desagradáveis, de que os outros animais são, como nós, capazes. A natureza deu-lhes um órgão limitado a este único efeito; nós, porém,
temos a mais, senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos o sentimento obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação dos quais nos foi principalmente dado o órgão da fala.(2)
É, ainda segundo a perspectiva aristotélica, nesta trama da linguagem,
na “troca de palavras”, que se constitui “o laço de união de qualquer
sociedade”. Quer dizer, é através da linguagem que a sociedade se institui a
si mesma com suas leis e costumes e se funda politicamente.
A linguagem é, então, o “meio”, a forma através da qual os seres
humanos, em sua singularidade existencial na natureza, comunicam-se e,
conseqüentemente, relacionam-se entre si e instituem, imaginam e elaboram
seu sentido, seu pensar, sua ética e sua sociedade. Nesse processo de
comunicação, as sociedades fundam suas significações imaginárias e
organizam seus Estados e que os seres humanos transmitem e adquirem
conhecimentos e valores, objetos e mercadorias. Será, então, aí, que vai
processar-se grande parte da vida e da paidéia dos indivíduos.
Assim, esta dimensão comunicativa não pode ser considerada apenas
um aspecto derivado, secundário ou espelho do momento econômico-
estrutural, como “campo de representação” das relações humanas; antes, ao
contrário, deve ser entendida como imanente aos processos subjetivos e
objetivos, como engrenagem essencial deste processo econômico-
estruturante.
Guattari e Deleuze, analisando a linguagem, diriam que a enunciação
não “representa”; ela age diretamente. “Um agenciamento de enunciação,
não fala ‘das’ coisas, mas fala diretamente os estados de coisas ou estados de
conteúdo.”(3) Trata-se de um “ato de linguagem”, uma pragmática
lingüística.(4) Desse modo, “talvez seja a economia ou a análise financeira,
que melhor mostrem a presença e a instantaneidade desses atos decisórios em
um processo de conjunto (é por isso que os enunciados certamente não fazem
parte da ideologia, mas já operam no domínio suposto da infra-estrutura)”.(5)
A comunicação é força interna subjacente a qualquer produção
econômica e social. Em todo caso, a comunicação é considerada como uma
dimensão essencial da condição social e existencial humana, destacando o
2
papel fundamental nas relações econômicas e na produção de subjetividade
contemporâneas.
A mente compartilhada
As relações de comunicação sociais constituem, segundo Maturana e
Varela, a “trofolaxe humana” propriamente dita, na medida em que
“formata” a condição humana de um modo especial e universal. Fala-se,
conversa-se e, nessa troca lingüística substancial, se revela o ser si-mesmo no
mundo da ação humana. Segundo estes autores,
nos insetos (...) a coesão da unidade social é proporcionada por uma interação química, a trofolaxe. Entre nós, humanos, a ‘trofolaxe’ social é a linguagem, que faz com que existamos num mundo sempre aberto de interações lingüísticas recorrentes. Quando se tem uma LINGUAGEM, não há limites para o que é possível descrever, imaginar, relacionar. A LINGUAGEM permeia, de modo absoluto, toda a nossa ontogenia como indivíduos, desde o modo de andar e a postura até a política.(6)
No “linguajar” o si-mesmo revela-se, o si-mesmo autocria-se. Assim,
quando, na conversação mais banal, se diz “aquele é um homem bom”, “o dia
está bonito”, dificilmente se trata – ou só secundariamente de uma
representação exterior; é todo um falar impregnado de significação e sentido
auto-referencial. É um pôr-se a si mesmo, em primeiro lugar. Porque sempre
se está implicado no “ato de fala”. Dizer do outro, não é representar o outro
necessariamente; é antes um representar – no sentido cênico sobretudo – de
si, para si e para o mundo. É um modo de atuar. As palavras, a conversa que
se produz na troca de palavras, é um apresentar-se, um narrar-se, um revelar-
se. As palavras não representam nada de exterior àquele que fala; elas são
afirmação de si, um constituir-se como sujeito, como diferença.
No conversar, como diz Maturana, emociona-se também. Para ele, o
conversar é um linguajar emocionado que torna o indivíduo humano entre
humanos. “Sendo o amor a emoção que funda a origem do humano e sendo o
prazer do conversar nossa característica, resulta em que tanto nosso bem
3
estar como nosso sofrimento dependem de nosso conversar.”(7) O “conversar”
como essência própria humana do emocionar e do linguajar é o que torna
possível o entrelaçar no mundo interpares, na ontológica relação dialogal. A
conversação, pois, torna humanos entre humanos, ao mesmo tempo, iguais
entre iguais e diferentes entre diferentes, como seres originais e singulares e
torna possível viver no mundo humano.(8)
A importância da trofolaxe lingüística na vida humana tem a ver, sem
dúvida, com o fato de que os indivíduos, para sobreviverem, precisam estar
em permanente processo de colaboração, pela fragilidade originária dos
corpos humanos. Segundo Maturana, é no compartilhar dos alimentos e em um
modo de vida cooperativo que, entre dois e três milhões de anos, teria surgido
a linguagem.(9)
Com efeito, quanto mais simples são as sociedades e as relações
humanas, mais simples o suporte lingüístico que torna possível estas mesmas
sociedades e relações. Mas, na medida em que a sociedade cresce e as
relações sociais tornam-se mais complexas, mais importante o suporte
lingüístico se faz como mediador dessas relações.(10) A palavra é uma forma
de imprimir um certo valor de referência abstrato a um fenômeno, objeto,
acontecimento, sentimento, tornando possível as mais diferentes conexões
humanas. Dessa forma, ela se torna um centro de articulação nervoso do
“coletivo social anônimo”. Essa trofolaxe humana envolve o acoplamento
estrutural e a contabilidade lógica do sistema nervoso humano, conforme
Maturana e Varela.(11)
O intercâmbio oral remete às origens hominídeas. Pode-se imaginar,
originariamente, a linguagem humana como um linguajar de gritos,
exclamações, gemidos, urros, seguido de gestos e expressões faciais que, em
sociedades simples, pouco numerosas, conseguiam coordenar as ações
coletivas. Pode-se supor que, em princípio, a linguagem humana aparece
dotada de forte/inseparável carga emocional. Mais do que nunca, nessa longa
estruturação de uma linguagem bastante diferente desta que se conhece e se
vive hoje, aí então “dizer é fazer”.(12) Segundo Maturana e Varela, “...as
palavras são ações, e não, coisas que passam daqui para ali”.(13)
4
As palavras, tal como as conhecemos hoje, então, devem ter surgido e
se desenvolvido a partir do esforço de comunicação fundamental para
coordenar ações e designar “coisas” e “fatos” a distância, ausentes, virtuais,
para designar algo que não está presente e, portanto, não pode ser captado
presencialmente pelos sentidos. É preciso fazer um gesto, aludir à natureza
circundante para evocar o “acontecido ausente”, o “fantasma”, mas também
para organizar um movimento de grupo, um trabalho coletivo ou uma batalha.
“Vamos!”, “atacar!”, “fugir”, “lá”, “aqui” – enunciados performativos, na
maioria das vezes.
Para Hannah Arendt, a linguagem, a comunicação com palavras
constitui o mundo humano e o mundo do si-mesmo: “É, com palavras e atos,
que nos inserimos no mundo humano; e esta inserção é como um segundo
nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato original e singular de
nosso aparecimento físico original. Não nos é imposta pela necessidade, como
o labor, nem se rege pela utilidade, como o trabalho.” (14) Para Edgar Morin, a
linguagem humana não é apenas utilitária, no sentido de que ajudaria o
indivíduo a sobreviver. A linguagem é também um modo de ser/estar que em
si produz valor e agrega gosto e singularidade ao existir. Para ele, “a
linguagem humana não responde apenas a necessidades práticas e utilitárias.
Responde a necessidades de comunicação afetiva. A linguagem humana
permite dizer palavras gentis, mas permite, igualmente, falar por falar, dizer
qualquer banalidade, pelo prazer de se comunicar com o outro”.(15) Ser
humano, ser si-mesmo é, pois, ser na linguagem.
Nesse contexto, uma proposição muito interessante: aquilo que se
chama de mente, de consciência, é, para Maturana e Varela, constituído pela
linguagem ou, em outras palavras, pela “trofolaxe linguística” humana. A
psique, a consciência não seria então nada de interior ao corpo, algo material
que ocuparia “algum lugar no cérebro”, mas, essencialmente,
“exterioridade”. Logo, para essa espantosa tese que tem mais a ver com a
“antiga” ciência e a física pré-socrática do que com a “moderna” física e
lógica matemática cartesiana a que se está acostumado hoje, o fenômeno da
mente é constituído pelas interações lingüísticas humanas. Assim, a
linguagem teria feito emergir a psique como acontecimento essencialmente
5
complexo, aberto, relacional, exterior, ‘interconectado’; sem este
“acoplamento lingüístico”, não haveria propriamente uma mente humana.
Para os autores, “...as características únicas da vida social humana e seu
intenso acoplamento lingüístico geraram um fenômeno novo, ao mesmo tempo
tão próximo e tão distante de nossa própria experiência: a mente e a
consciência”.(16) No mundo humano, pois, “...a linguagem faz com que essa
capacidade de reflexão seja inseparável de sua identidade”.(17)
Assim, nesse movimento comunicativo incessante, no “...qual nos
movemos, mantemos uma contínua recursão descritiva – que chamamos de
“eu” -, que nos permite conservar nossa coerência operacional lingüística
e nossa adaptação ao domínio da linguagem”.(18)(gm) Sob esse aspecto,
ainda segundo Maturana e Varela:
no domínio do acoplamento social e da comunicação (na ‘trofolaxe’ lingüística), produz-se o mesmo fenômeno. Só que a coerência e a estabilização da sociedade como unidade se produzirá, dessa vez, mediante os mecanismos tornados possíveis pelo funcionamento lingüístico e sua ampliação na linguagem. Essa nova dimensão de coerência operacional é o que experimentamos como consciência e como ‘nossa’ mente.
Dessa maneira, o aparecimento da linguagem no homem, e também no contexto social em que ela surge, gera o fenômeno inédito – até onde sabemos – do mental e da autoconsciência como a experiência mais íntima do ser humano. Sem o desenvolvimento histórico das estruturas adequadas, não é possível entrar no domínio humano – como aconteceu com a menina-lobo. Por outro lado, como fenômeno na rede de acoplamento social e lingüístico, o mental não é algo que está dentro de meu crânio. Não é um fluido do meu cérebro: a consciência e o mental pertencem ao domínio do acoplamento social, e é nele que ocorre a sua dinâmica.(19)
Desse modo, conhecer – e conhecer-se a si mesmo não menos – é
sempre um compartilhar, um conhecer junto, um tecer uma rede de
conhecimento. A consciência é um pensar-com. Conforme diz Capra: “Como
sua raiz latina – con-scire (‘conhecer juntos’) – poderia indicar, consciência é
essencialmente um fenômeno social”.(20)
6
As interfaces da trofolaxe humana
O que se é, o que se pode saber de si, o que se pode fazer de si,
portanto, se realiza, em grande parte, na medida desta dimensão
comunicativa. Assim, torna-se inevitável reconhecer o papel essencial desta
trofolaxe lingüística na produção da subjetividade e, assim, das interfaces de
comunicação constituídas historicamente. Como observa Peter Pelbart:
Há uma maneira curiosa de ler a história das tecnologias de comunicação tomando por eixo a tensão entre os selves e os corpos, suas interações, separações e fusões. Por exemplo, o surgimento dos endereços nas cidades, a crescente necessidade de amarrar cada um à sua identidade como se amarra um cachorro ao poste, e as mudanças diversas que intervêm nessa metafísica da presença, através do telefone, do computador, de todas essas tecnologias que criam espaços protovirtuais e que alteram a noção de presença, de corpo, de relação, de incorpóreo, de identidade etc. (21) (gm)
A experiência subjetiva contemporânea é inseparável das tecnologias
de comunicação como o rádio, o jornal, televisão, a Internet, com suas
diferentes interfaces e modos de manifestar idéias, opiniões; seus espaços do
dizer e fazer social, ético, estético, político, cultural; suas modalidades de
habitar, conviver com os outros, o mundo, consigo mesmo. Corpo e mente se
desterritorializam da terra nômade e dos estados territoriais. Percorre-se
espaços-de-tempo cada vez maiores e mais velozes. As distâncias, antes
enormes, tornam-se cada vez menores. O tempo de apropriação do espaço é
cada vez mais rápido.
Junto aos meios de comunicação eletrônicos, dever-se-ia somar os
meios de transporte que multiplicam as formas desse processo de
desterritorialização do tempo e do espaço vivido. Não há mais terras nem
cidades bem definidas a habitar. O indivíduo agora é cidadão do mundo,
percorrendo estradas, rotas aéreas e marítimas. Ele habita automóveis,
aviões, navios; comunica-se com o mundo todo via satélites, cabos óticos,
televisores, rádios, computadores. Aproximam-se afetos, sensações, desejos.
Doravante, os indivíduos estão interconectados em uma complexa rede de
comunicações planetárias.
7
As redes virtuais de comunicação como a Web e que estão na linha de
frente deste grande movimento de desterritorialização planetária e mutação
antropológica têm uma história. Esta história é contada mais com
sobreposições, acoplamentos, hibridizações que substituições. A fotografia
não acabou com a pintura, nem o cinema com a fotografia; a televisão não
pôs um fim ao cinema, nem ao rádio, apesar de seu tremendo poder de
penetração; e o carro não substituiu o telefone; a escrita não acabou com a
oralidade; na verdade, fizeram aumentar as conexões, as possibilidades de
comunicação entre as pessoas e suas múltiplas culturas. Esta é,
evidentemente, também uma história de substituições; o telegrama muitas
vezes é substituído pelo telefone, e este, pelo e-mail; o rádio desocupou o
lugar central da casa para cedê-lo à televisão; a eletricidade encerra o ciclo
do fogo; a novela de rádio, bem como a fotonovela diluíram-se diante da
telenovela.
Assim, as redes de computadores não vão simplesmente substituir os
meios de comunicação tradicionais; ao contrário, parece que estes estão
sendo cada vez mais incorporados ao próprio modo de ser do computador
pessoal. Hoje, um computador mediano possui os recursos, ao mesmo tempo,
de uma televisão, um rádio, um jornal, um livro. Ele estabelece não só uma
nova forma de interação entre estes meios antes separados, mas novas
possibilidades comunicativas para o radialismo, o jornalismo, a literatura, o
vídeo e o audiovisual.
Em todo caso, os meios tecno-intelectuais da trofolaxe humana são
interfaces comunicativas através das quais os indivíduos, em grande parte,
elaboram e constituem grande parte das formas éticas e políticas de suas
existências. Assim, as formas da organização da sociedade e das “práticas de
si”, o intercâmbio comercial e o aperfeiçoamento cultural estão intimamente
associados em seus processos auto-instituintes, às interfaces de comunicação
que os constituem.(22)
8
A interface da cultura oral
Assim, nas épocas em que predominou a comunicação oral, quando se
queria aprender ou ensinar algo, recorria-se à retórica, ao discurso,
encarnado em uma entidade viva: o mago, o sacerdote, o sofista, o político.
As informações e conhecimentos, mas também as crenças e os valores, então
acumulados por uma comunidade ou indivíduo, eram transmitidos pela
“interface oral” de comunicação. Com efeito, essa oralidade não apenas
pertence à maior parte da história ou experiência comunicativa humana, mas
ainda hoje constitui laço essencial da “colaboração” social e da existência
individual.
Com o “suporte oral”, os indivíduos e os povos comunicam-se entre si
em busca de entendimento e comércio, deliberação para a paz ou a guerra. A
interface comunicativa oral organiza, nas sociedades anteriores à escritura, o
campo de coexistência social e individual. Uma assembléia grega, a Ilíada e a
Odisséia, uma mensagem, uma declaração de guerra ou paz tinham, como
interface de comunicação, a oralidade.(23) Segundo Pierre Lévy, nesse tipo de
sociedade, “...quase todo o edifício cultural está fundado sobre as lembranças
dos indivíduos. A inteligência, nestas sociedades, encontra-se muitas vezes
identificada com a memória, sobretudo com a auditiva”.(24) Dessa forma,
antes da invenção e instituição da escrita, “o oral era um canal habitual de
informação”. Nas sociedades orais, as coordenadas existenciais de tempo e
espaço estão orientadas pelo uso da linguagem oral com as respectivas
limitações e potencialidades. Aí, continua Lévy, “...a produção de espaço-
tempo está quase totalmente baseada na memória humana associada ao
manejo da linguagem”.(25)
Assim, em tais sociedades toda a produção e transmissão do
conhecimento, a organização da memória e inteligência coletiva e dos valores
ancestrais dependiam quase exclusivamente da oralidade. “Nestas culturas,
qualquer proposição que não seja periodicamente retomada e repetida em
voz alta está condenada a desaparecer.”(26) Aí, quando um velho morre, é
uma “biblioteca” que, com ele, é destruída.
9
A interface da cultura escrita
A invenção da escrita dá à memória e ao pensamento humano um novo
suporte físico, além dos recursos da oralidade. Um plus, um artifício de
memória e pensamento. E, com a disseminação da impressão, durante o
século XV, essa nova interface de comunicação é instituída de modo cada vez
mais massivo e dominante. Aí, quando se desejava saber, ensinar ou aprender
algo recorria-se ao livro, às enciclopédias ou às bibliotecas.
A escritura é uma forma de comunicação mais impessoal, pois ela pode
comunicar a distância, pensamentos, idéias, ordens, sentimentos. Enquanto a
comunicação oral implica um intercâmbio “corpo a corpo” dos agentes
comunicativos – até o rádio e o telefone, que permitiram a comunicação oral
operar-se a distância dos mensageiros e os meios de registro de voz, que
permitiram uma presença da palavra oral que, até então era privilégio apenas
da palavra escrita da prensa moderna, o texto impresso representa, na cidade
moderna, o papel que os “mensageiros” e “oradores” representavam na
cidade antiga.
Desse modo, a escrita vai reinventar a apropriação de uma certa
quantidade e diversidade de saberes, impensáveis nas épocas situadas na
oralidade. Agora, uma idéia ou techne específica não precisam mais recorrer
necessariamente a uma oratória ou retórica para serem transmitidas e
conhecidas. Segundo Pierre Lévy, “a escrita permite uma situação prática de
comunicação radicalmente nova. Pela primeira vez, os discursos podem ser
separados das circunstâncias particulares em que foram produzidos”.(27) A
palavra escrita permite a apropriação de uma idéia muito distante do seu
local de origem e, com a impressão, em uma quantidade infinitamente
superior do simples recurso do discurso oral. Aqui, a memória e o pensamento
se desterritorializam; não necessitam mais se encarnar em uma entidade viva,
carnal.
Com a escrita os indivíduos tendem a “pensar por categorias”, ao passo
que, na cultura oral, a ecologia mental é ordenada por “situações”, por
contextos imaginários e políticos bem delimitados.(28) No contexto da palavra
oral, é o corpo que fala. Na linguagem escrita, o corpo torna-se, por assim
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dizer, irrelevante. Na ecologia cognitiva da oralidade, o corpo deveria estar
presente no processo comunicativo de uma idéia, de um comando, de uma
encenação teatral.
Sem dúvida, na sua emergência, a palavra escrita precisava apoiar-se
na oralidade. Ela deveria “imitar” a linguagem oral para tornar-se inteligível,
como ilustra a retórica e as tragédias gregas antigas. A autonomia pragmática
da escrita cresceu com o tempo, mesmo se ela ainda se encontra em um certo
estado de dependência relativa da oralidade. Mas, com efeito, distanciou-se
desta tanto quanto possível. Criou seus próprios meios de expressão, tais
como a carta, o livro, o jornal, através dos quais o coletivo humano, mal ou
bem, passou a conviver, a organizar e a coordenar seu “comportamento”.
Pelas cartas de amor, é o mundo dos afetos e do poder que se coordenam a
distância. Abelardo e Heloísa, através das cartas, mantêm sua relação
amorosa proibida. Através dos livros, Maquiavel escreveu O Príncipe, a fim de
dar subsídios ao Príncipe para conquistar o poder e nele manter-se; Balzac
pode compor um genial quadro da vida francesa de sua época e assim por
diante.
Sob esse aspecto, a escrita, com o tempo, torna-se cada vez mais uma
forma independente de linguagem comunicativa. O livro fez emergir uma nova
forma de trabalho intelectual, de criação artística e de produção e aquisição
de conhecimento, de entretenimento, mas também de organização e
exercício do poder. O poder da palavra oral foi, aos poucos, sendo substituído
pelos impressos e jornais ordinários matinais. De acordo com Lévy, “através
dos anais, arquivos administrativos, leis, regulamentos e contas, o Estado
tenta, de todas as maneiras, congelar, programar, represar ou estocar seu
futuro e seu passado”.(29) A escrita vai cumprir um papel importante na
organização agrícola e no sistema de impostos do Estado. Assim, “...a escrita
serve para a gestão dos grandes domínios agrícolas e para a organização da
corvéia dos impostos”.(30) E, pode-se acrescentar, da burocracia estatal.
Quanto mais a sociedade cresce, mais ela se complexifica em termos
políticos, culturais e econômicos, mais importante torna-se o meio impresso
pela mobilidade de sua distribuição. E, em parte, também é verdade que essa
complexidade será também condicionada pela palavra impressa. A praça
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pública agora se desterritorializa através de publicações, manifestos, cartas,
livros capitais. Antes, centro do poder, a praça pública torna-se, com o
tempo, um lugar vazio de poder. Sem dúvida, ela continua a ser um lugar de
comércio, de lazer, de diálogos de busca pela sabedoria, em torno da qual são
construídos inicialmente os prédios públicos de poder administrativo, igrejas
da religião oficial, mas onde, de fato, cada vez mais o poder está ausente.
Com a literatura escrita, a cultura pode expandir-se para lugares
distantes dos tradicionais centros de estudo e pesquisa orais. A cultura escrita
dá a impressão de sua potência universal. Sábios que nunca se encontraram ou
nunca se encontrarão, mestres e discípulos, agora, distantes uns dos outros
podem, através dos prodígios literários, se entender, se ensinar, se
compreender entre si. A escrita se torna uma arte comunicativa que pode
transcender povos, nações, raças, estamentos econômicos. Ela, pois,
universaliza a comunicação humana de um modo tal que seria impensável na
“oralidade primária”. Conforme Pierre Lévy,
A escritura fez surgir, assim, um dispositivo de comunicação, no qual as mensagens são muito freqüentemente separadas no tempo e no espaço de sua fonte de emissão e, então, recebidas fora do contexto. Do lado da leitura, foi preciso, então, refinar as práticas interpretativas. Do lado da redação, devemos imaginar sistemas de enunciados auto-suficientes, independentes do contexto.
Com a escritura e, mais ainda, com o alfabeto e a impressão, as formas de conhecimento teóricas e hermenêuticas avançaram sobre os saberes narrativos e rituais das sociedades orais. A exigência de uma verdade universal, objetiva e crítica não pôde se impor senão em uma ecologia cognitiva grandemente estruturada pela escrita.(31)
Com isso, em grande parte, a escrita vai reinstituir o mundo humano e
suas formas de transmitir informação e conhecimento, bem como sua forma
de organização da memória e da política. O texto impresso, na forma do livro
e do jornal, constituir-se-á, sobretudo desde Gutenberg, na interface
privilegiada de comunicação e subjetivação das sociedades pelo menos até a
invenção do rádio, no final do século XIX, e da televisão, na primeira metade
do século XX.
12
As interfaces telecomunicativas instantâneas
A partir do século XIX, com a invenção do telégrafo e do telefone,
associada à expansão do rádio e da televisão, durante o século XX, produziu-
se uma ecologia mental e social inteiramente nova que continuou a mudar
ainda mais as noções de tempo e espaço tradicionais. E, do ponto de vista da
economia social, as comunicações eletrônicas instantâneas tornaram-se uma
importante força produtiva, que não parou mais de evoluir. O telégrafo tornou
a informação instantânea, e o telefone aproximou as falas. O rádio
transformou profundamente o dispositivo de transmissão da informação da
cultura impressa. Enquanto um jornal impresso deveria ser entregue um a um,
ser transportado de casa em casa, de cidade em cidade, de país a país, de
mão em mão, o rádio vai permitir um deslocamento, em “tempo real”, da
informação e sua possibilidade de transmissão e consumo instantaneamente.
Dessa maneira, uma descoberta científica ou um acontecimento
político importante que, ao tempo da oralidade, levaria talvez dezenas de
anos ou talvez nem mesmo saísse do seu lugar de origem e que, na era do
texto impresso, levaria dias ou anos para chegar ao mundo inteiro, com o
rádio, ela pode ser transmitida com grande velocidade, de modo síncrono. O
rádio institui a primeira Ágora eletrônica no mundo. O rádio, suporte
comunicativo extremamente dinâmico, ultrapassa, com grandes vantagens, o
meio impresso da palavra no controle do poder político. Aos jornais caberá
uma informação mais analítica, uma vez que seu tempo não é o do
instantâneo como o é o do rádio. O rádio e a televisão se caracterizam por
este acontecimento do instantâneo, do fluxo permanente sempre renovado de
informação e entretenimento. Seu tempo é o do fugaz, do passageiro, do
fluido e do dinâmico. Por isso, em grande parte também, seu poder de
sedução – pela sua permanente capacidade de criar o novo, de descobrir
mundos possíveis para a imaginação humana em seu natural desejo de
descobrir novos horizontes, pela sua curiosidade inata.
A televisão sofisticou o rádio com os recursos da imagem em
movimento e constituiu-se, em especial, ao longo da segunda metade do
século XX, no principal meio de comunicação de massa, transformando-se em
uma engrenagem essencial do modo de produção e de ser social e cultural.
13
Sem os mass media, as sociedades de massas seriam praticamente
ingovernáveis e, talvez mesmo, impensáveis; de tal maneira que, com razão,
se chegou a falar em um certo “quarto poder” das comunicações de massa.
Os mass media só puderam tornar-se um “quarto poder” na medida em
que conseguiam atingir, pelo suporte técnico que lhes é próprio, grandes
massas de pessoas. Estes mass media condicionaram, de maneira
fundamental, a produção de sentido, dos valores e da opinião pública. As
populações acabaram “presas” àquilo que os mass media apresentavam ao
imaginário social como o “certo”, o “justo”, o “bem”, o “mal”.
Sem dúvida, o papel dos mass media foi paradoxal. Ao mesmo tempo
em que permitiam aquela velocidade na transmissão da informação e na
produção cultural, os mass media tornavam-se os “déspotas” da informação e
da comunicação. Agora, o mundo é partilhado, mediado, pelas telas coloridas,
brilhantes e cheias de movimento e ação.
Esses meios têm grande poder na determinação da opinião pública.
Mas, como se sabe, um fato jamais é simplesmente um fato. Ele é, pelo
menos metade, como diz Dostoiévski, interpretação. Desse modo, os grandes
meios de comunicação de massa acabariam por fazer, de sua interpretação
particular, a interpretação pública deste ou daquele fato. No mundo da
informação, o fato é quase nada. Como observa, de forma precisa, Lévy, não
é a verdade que visa ao “saber informático”, mas os procedimentos de
eficácia e economia de tempo.(32)
Quanto maior o poder de penetração de um dado meio de
comunicação, maior será seu poder de influir e determinar, repita-se, não
apenas a “opinião pública”, mas os gostos, os valores, apesar das recorrentes
tentativas de apresentar os mass media como “neutros”, como que “além do
bem e do mal”.(33) Doce e dura ilusão, pois, quando uma única interpretação
fala, de forma praticamente absoluta, para milhares, milhões de pessoas
reunidas na frente de um aparelho de televisão, ela tende a hegemonizar o
imaginário. Mas isso diz respeito ao modo próprio de ser da mídia eletrônica
de massas.
14
A Matrix contemporânea
Sem dúvida, contemporaneamente, os agenciamentos coletivos de
mídia assumem um papel preponderante e decisivo. Conforme Suely Rolnik,
esses equipamentos de mídia constituem “...uma imensa fábrica de
subjetividade, que funciona como indústria de base de nossas sociedades. É
exatamente nessa indústria que a mídia, tal como existe hoje em dia, com sua
cultura de massa, teria um papel de destaque”.(34) Diante de uma mídia como
a televisão, por exemplo, quase não há nem mesmo tempo para se pensar
sobre uma informação, uma imagem, um acontecimento. Eles se multiplicam
indefinidamente de forma desconexa, frenética, convocando uma
participação profunda passiva. É praticamente impossível remeter a uma
interação singular qualquer. Tudo se passa relativamente como na hipnose. O
desejo comunicativo é desencarnado, despersonalizado. As fantasias
totalitárias de Orwell, em seu romance de ficção 1984, resultam de uma
percepção adiantada, aproximada daquilo que, de fato, se constituiriam os
meios de comunicação de massa na real em 1984 e durante boa parte da
segunda metade do século XX; não o olho do déspota estatal, mas algo muito
mais sutil, uma “mão invisível”, uma espécie de “terceiro olho”. Aí, a
subjetividade é permanentemente, minuto a minuto, hora após hora, incitada
a assumir, inconsciente ou conscientemente, os valores e os desejos
capitalísticos reificados dominantes. Um outro tipo de totalitarismo, apenas
um pouco mais suave, não o totalitarismo de estado como na ficção de
Orwell, mas, veja-se só que ironia, um “totalitarismo de mercado”.
Rolnik, no entanto, observa que “...são as próprias pessoas que, em
seus investimentos de desejo, atualizam a mídia no papel de centralizadora
de sentidos e valores, dando-lhe crédito e realidade”.(35) Dessa maneira, surge
a pergunta admirada: “...como é que as pessoas aceitam investir seus afetos
desterritorializados nessa direção tão contrária à expansão de sua vida. Como
é que não percebem nada e se deixam atrair, a esse ponto, por aquela
máquina infernal”?(36)
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É o “desejo capturado”, tornando-se, assim, ele mesmo, parte
integrante do sistema de subjetivação global dos indivíduos e das sociedades.
Perde-se, então, o sentido maquínico dos processos de subjetivação. Ainda,
segundo Rolnik, “...o desejo, aqui, pensa o cartógrafo, perde muito de seu
sentido maquínico (o dos agenciamentos se fabricando e dos afetos passando
nesses agenciamentos), em favor do sentido exclusivamente mecânico de uma
existência feita de territórios psicossociais padronizados”.(37)
Estes mass media, na época do capitalismo mundial desterritorializado,
por assim dizer, formataram, em grande parte os conteúdos das
representações de valores, a partir de uma representação do mercado de
massas e da estrutura econômica em que estão baseados, na perspectiva de
uma subjetividade capitalística. Como dizem Guattari e Rolnik, nesse
contexto “...os indivíduos são reduzidos a nada mais do que engrenagens
concentradas sobre o valor de seus atos, valor que responde ao mercado
capitalista e seus equivalentes gerais. São espécies de robôs, solitários e
angustiados, absorvendo cada vez mais as drogas que o poder lhes
proporciona”.(38)
Os meios de comunicação, naquilo que lhes é mais próprio e originário,
se dirigem sempre a massas de leitores, ouvintes e telespectadores, na linha
de uma mão única, que resulta em uma ação essencialmente de consumo,
uma intensa recepção de conteúdos, sentidos, emoções, imagens. Trata-se aí
de uma forma de agenciamento reativo. Um pouco mais ou menos como na
hipnose: o desejo está no outro, reage-se somente. Assim, por maior que seja
a participação em profundidade diante do mosaico televisivo multicolorido,
esta relação constitui uma subjetividade essencialmente heterônoma.(39)
De certa forma, tais meios de comunicação correspondem às
necessidades econômicas e materiais de reprodução da vida no horizonte da
ideologia e da sociedade industrial que visa necessariamente a uma produção
serial em massa; eles estão no centro de grande parte da atividade capitalista
de mercado; sem os mass media, o mercado não poderia expandir-se; sem
eles, não poderia talvez existir um totalitarismo staliniano ou hitleriano, nem
tampouco o “estado espetáculo”.(40)
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Essa massificação se estenderá por toda a existência espiritual e física
dos indivíduos, na forma de uma incontida padronização do gosto e dos
sentidos, dos modos de perceber, sentir e subjetivar o mundo – ou seja, de
inserir-se existencialmente no mundo. Trabalha o tempo todo com esta
espécie de ilusão dos sentidos e hipnose do desejo. O desejo comunicativo é,
dessa forma, desinvestido de sua potência criadora plástica.
Intoxicados de informação
No mundo contemporâneo, não se está tão desinformado como
deformado pela atual intoxicação da informação. Por todos os lugares, a
preços acessíveis pode-se “consumir informação”; há informações por todos os
lados; basta ligar a televisão, o rádio, comprar um jornal que se fica
informado. Na verdade, antes, trata-se de uma guerra da informação. Cada
grupo, organizado em função de seus meios de comunicação, procura fazer
valer o seu interesse, suas causas, sejam elas nobres ou vis. Mas, é
exatamente este verdadeiro entrevero de informação que – sem deixar de
informar – sobretudo deforma as pessoas.
De certa maneira, a diversidade e multiplicidade infinita das fontes de
informação e das informações possíveis no mundo, esquizofrenizam a
subjetividade. Diante do imenso mosaico comunicativo, qual informação
agarrar? Mas só se agarra aquilo que afeta a si mesmo. As informações, tal
como se foi acostumado a consumir nos meios de comunicação de massa,
afetam apenas superficialmente a subjetividade ou, então, a afetam em uma
espécie de alienação de si, de reificação do próprio desejo, mas, sem dúvida,
sem deixar de produzir modos de ser positivos. Nessa multiplicidade infinita
de afecções informativas, aquelas, as mais essenciais, que dizem respeito à
subjetividade, estão essencialmente fora de alcance na maior parte das
vezes; pois tais informações não correspondem a uma “necessidade interior”.
Italo Calvino, analisando a linguagem no contexto das sociedades
atuais, dispara com precisão: “...a linguagem me parece sempre usada de
modo aproximativo, casual, descuidado, e isso me causa intolerável
17
repúdio...”.(41) A literatura vai aparecer, para ele, então, como uma
possibilidade de salvação.
Às vezes me parece que uma epidemia pestilenta tenha atingido a humanidade inteira em sua faculdade mais característica, ou seja, no uso da palavra, consistindo essa peste da linguagem numa perda de força cognoscitiva e de imediaticidade, como um automatismo que tendesse a nivelar a expressão em fórmulas mais genéricas, anônimas, abstratas, a diluir os significados, a embotar os pontos expressivos, a extinguir toda centelha que crepite no encontro das palavras com novas circunstâncias.(42)
Não lhe interessa, contudo, se as causas desta doença da linguagem
estejam “...na política, na ideologia, na uniformidade burocrática, na
homogeneização dos mass media ou na difusão acadêmica de uma cultura
média”.(43) O que importa “são as possibilidades de salvação” e justamente a
literatura “...(e talvez somente a literatura) pode criar os anticorpos que
coíbam a expansão desse flagelo lingüístico”.(44) Ainda, nesse contexto,
salienta:
Gostaria de acrescentar não ser apenas a linguagem que me parece atingida por essa pestilência. As imagens, por exemplo, também o foram. Vivemos sob uma chuva ininterrupta de imagens; os media todo-poderosos não fazem outra coisa senão transformar o mundo em imagens, multiplicando-o numa fantasmagoria de jogos de espelhos – imagens que em grande parte são destituídas da necessidade interna que deveria caracterizar toda imagem, como forma e como significado, como força de impor-se à atenção, como riqueza de significados possíveis. Grande parte dessa nuvem de imagens se dissolve imediatamente como os sonhos que não deixam traços na memória; o que não se dissolve é uma sensação de estranheza e mal-estar. (gm)
Mas talvez a inconsistência não esteja somente na linguagem e nas imagens: está no próprio mundo. O vírus ataca a vida das pessoas e a história das nações, torna as histórias informes, fortuitas, confusas, sem princípio nem fim. Meu mal-estar advém da perda de forma que constato na vida, à qual procuro opor a única defesa que consigo imaginar: uma idéia da literatura.(45) (gm)
Este mundo das informações destituído de um “sentido interno”, não
faz senão alienar, transformando o espírito em uma massa informe, em algo
que ele essencialmente não é. Assim, quanto mais informação, mais
deformação do espírito, no contexto de uma mídia de massas. O excesso de
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informação provoca invariavelmente a perda da capacidade de discernir e
apreciar o que realmente vale a pena.
Somente neste gosto, neste discernimento, neste “apreciar” a
informação, pode-se reconstituir uma autêntica, singular autoprodução de
sentido, pois aí há detença, duração, possibilidade de reflexão. Ao contrário,
uma torrente de imagens e informações que passam a uma velocidade
incontrolável não podem ser apreciadas; são naturalmente maldigeridas, às
vezes, como restos degradantes da imaginação.
Nesse contexto, duas dimensões fundamentais da produção de
subjetividade na era da mídia de massas devem ser destacadas. Em primeiro
lugar, o conteúdo propriamente dito das representações veiculadas pela
mídia, seu apelo ao consumo de massas, os ideais de vida, as opiniões
políticas, a focalização em determinados assuntos, valores, conceitos, que são
‘determinados’ pela lógica dominante da sociedade em questão. Em segundo,
a forma da comunicação enquanto tal, ou seja, a techne pela qual a
sociedade e os indivíduos de determinado contexto sociocultural processam
sua trofolaxe e, portanto, o modo através do qual reconhecem a si e ao seu
mundo, interagem para produzir, vender e consumir bens, valores, idéias.
Assim, o aspecto que mais interessa destacar aqui é exatamente o
modo da comunicação, a mensagem propriamente dita da mídia de massas, na
medida em que ela formata uma subjetividade comunicativa essencialmente
passiva e heterônoma.
Redes desejantes de comunicação
A instituição da World Wide Web siginifica uma importante mutação no
registro da produção, da programação e consumo comunicativo. Trata-se aí da
emergência de uma nova forma da trofolaxe humana essencialmente
intercriativa. Com a emergência da Web, as comunicações humanas ganham
possibilidades extraordinárias. De certa forma, trata-se da recomposição da
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inteligência coletiva sob uma nova base, a cibernética. É a mente eletrônica
compartilhada.
Tecnologias do desejo: autocontrole e invenção
A criação e instituição das novas tecnologias do fazer e do pensar
remetem a toda uma nova forma de relação com a comunicação que é
precisamente um dos aspectos mais importantes das mutações subjetivas se
processando contemporaneamente; quer dizer, estas novas “tecnologias da
inteligência” implicam uma relação com o ‘desejo comunicativo’
absolutamente diferente daquele que marcou o modo de ser comunicativo
fundamental dos mass media. Tais tecnologias intelectuais constituem um
novo modo de comunicação na medida em que o sujeito comunicativo não é
mais um simples agente passivo, mas um “prossumidor”, pois participa
ativamente em todo processo comunicativo; ele é, ao mesmo tempo,
produtor e consumidor de comunicação.
Aqui, é importante observar que, em alguns de seus mais importantes
protagonistas, uma compreensão teórica e uma postura ético-política, tanto
quanto tecno-científica, engajada e, mesmo utopista, e o questionamento da
forma de comunicação de massa estariam na base da criação do computador
pessoal, da Internet e da Web.
Assim, o sentido desta reapropriação do desejo comunicativo, como faz
notar Pierre Lévy, já estaria presente no magma imaginário e na economia
coletiva do desejo underground, durante os anos setenta, em Berkeley, em
especial pelo Homebrew Computer Club, do qual Steve Jobs e Steve Wozniac,
por exemplo, participavam. Nesse ambiente, a
...paixão pela bricolagem eletrônica se misturava, então, a idéias sobre o desvio da alta tecnologia em proveito da “contracultura” e a slogans tais como Computers for the people (“computadores para o povo” ou “ao serviço do povo”).(...) Foi deste ciclone, deste turbilhão de coisas, pessoas, idéias e paixões que saiu o computador pessoal. Não o objeto definido simplesmente por seu tamanho, não o pequeno computador de que os militares já dispunham há muito tempo, mas sim o complexo de circuitos eletrônicos e de utopia social que era o computador pessoal no fim dos anos setenta: a potência de cálculo arrancada do Estado, do
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exército, dos monstros burocráticos, que são as grandes empresas e restituída, enfim, aos indivíduos.(46)
O computador pessoal, assim, estaria, desde o princípio, impregnado
por este desejo emancipador. Castells, por sua vez, ressalta o fato de que,
além das forças científicas, acadêmicas, militares e comerciais, o
desenvolvimento da “comunicação global mediada por computadores”, a CMC,
teria um agente condicionante essencial, originário: o movimento
contracultural dos anos sessenta. Segundo ele,
...o que permanece das origens contraculturais da rede é a informalidade e a capacidade auto-reguladora de comunicação, a idéia de que muitos contribuem para muitos, mas cada um tem a própria voz e espera uma resposta individualizada. A multipersonalização da CMC expressa, em certa medida, a mesma tensão surgida nos anos 60 entre a “cultura do eu” e os sonhos comunais de cada indivíduo. Na verdade, há mais pontes do que os especialistas em comunicação normalmente reconhecem entre as origens contraculturais da CMC e o geral dos internautas da década de 90.(47)
Nesse sentido, a Web foi explicitamente imaginada para ser um espaço
de colaboração e intercâmbio de informações e conhecimento. Segundo as
intenções originais de seu criador, Tim Berners-Lee,
quando propus a Web em 1989, o impulso condutor que tinha em mente era a comunicação mediante o conhecimento compartilhado, e o “mercado” condutor para isso seria a colaboração entre as pessoas no trabalho e no lar. Pela construção de uma Web de hipertexto, um grupo humano de qualquer tamanho podia se expressar com facilidade, rapidamente adquirir e passar adiante o conhecimento, resolver mal-entendidos e minimizar a duplicação de esforços. Isso traria para os indivíduos de um grupo uma força nova para construírem algo juntos. (...)
A intenção era de que a Web fosse usada como um sistema de informação pessoal e uma ferramenta de grupo em todas as escalas, desde uma equipe de dois indivíduos, criando um aeromodelo para usarem na escola da localidade, até a população do mundo todo, decidindo sobre questões de ecologia.(48)
A Web, então, aparecerá como uma nova forma de poder de controle e
compartilhamento de informações e conhecimento, seja nas organizações ou
nas famílias. Assim, como destaca Berners-Lee, elas “...estão recém-
começando a enxergar o poder da Web trazido para dentro de suas paredes.
Embora seja mínimo o esforço para estabelecer o controle de acesso para uma
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intranet familiar ou de alguma corporação, logo depois de obtido, a utilidade
da Web se incrementa, pois os participantes compartilham um certo nível de
confiança”.(49) (gm)
Originalmente, a Web teria sido imaginada para ser uma espécie de
ferramenta auxiliar para aquilo que acontece na vida real. Uma espécie de
grande espelho de todas as relações da vida cotidiana. Entretanto, pondera
Berners-Lee, a idéia de espelho parece estar cada vez mais errada, na medida
em que a interatividade tem sido a principal função da Web.(50) De acordo
com ele,
o que Ari e eu estávamos tentando fazer era criar uma máquina que pudesse fazer a administração para, por exemplo, uma corte ou um grupo de trabalho ou parlamento. (...) Agora, há uma quantidade de produtos de software para fazer algumas dessas coisas. Para se organizar, realmente, uma sala de julgamento ou um processo de votação democrático, contudo, o mecanismo necessita de muito mais desenvolvimento. Eu anseio por um progresso em relação ao argumento pela repetição de bites sonoros para uma exposição hipertextual que possa ser justificada e modificada – uma que nos permitirá identificar e comparar, lado a lado, o que os políticos ou os defensores e os acusadores estão realmente dizendo, independente do que é proclamado nos comerciais de televisão e nas entrevistas exibidas nos noticiários de todas as noites.(51)
Assim, devido ao custo relativamente baixo, máquinas e seres humanos
se aliarão para realizar coisas impossíveis de serem feitas antes. Por exemplo,
...elaborar um plebiscito nacional, cujo gasto, outrora, seria proibitivo. Esse deveria, evidentemente, como todos os benefícios trazidos por esta nova tecnologia, ser orientado na direção daqueles com acesso à Internet. Esse é apenas um exemplo para mostrar que podemos repensar o que é possível; não estou defendendo que se abandone a democracia representativa em prol da democracia direta. Nós devemos ser cuidadosos para não fazer as coisas simplesmente porque elas são possíveis.(52)
Seja como for, diante dessa nova e revolucionária forma de
comunicação contemporânea, uma distinta reapropriação do desejo é
condição essencial para o desenvolvimento do potencial intelectual e cultural,
econômico e político dos indivíduos. Sem essa reapropriação desejante, estes
novos meios de comunicação simplesmente não funcionam. Ficam como que
perdidos no ar. No contexto da WWW, o banco de dados cultural é
teoricamente "ilimitado" e a programação torna-se “autoprogramação”. Que
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filme e a que horas assistir, hoje, ou neste próximo sábado? Isso diz respeito
a uma realidade singular, pois é, a partir dela, que se estabelece a relação
com o "objeto de desejo" comunicativo. Aí, a oferta é infinitamente múltipla
e mundial, sem nenhuma limitação geopolítica; os fluxos de informação e
poder assumirão cada vez mais a forma digital, e novas formas multimídias de
comunicação e expressão estão sendo e serão inventadas conjugando os
recursos do som, da imagem, do texto, da voz, de tal modo que, um dia,
desaparecerá talvez completamente a noção de televisão ou mesmo de rádio
tal como nós os conhecemos agora.
As próprias produções terão, também, um novo sentido e um novo
modo de apresentar-se ao público para consumo. Também novas interações
inusitadas, em caráter multimídia e internacional, serão e já estão sendo
inventadas, tais como debates sobre questões internacionais, eleições,
protestos, intervenções políticas diretas, pesquisa, marketing, entre outros.
Nessa trofolaxe digital, o agenciamento comunicativo é também um
ponto de articulação, um nó da rede; ele não é apenas autoconsciente do
processo de programação cultural, mas fundamentalmente estabelece uma
relação na qual ele é também um “canal de transmissão” ativo.
Em suma, enquanto os mass media produzem uma subjetividade
comunicativa passiva, padronizada e inserida na lógica da produção e do
consumo industrial de massa, de tipo nacional, na qual há, efetivamente, uma
espécie de alienação geral do desejo, a trofolaxe humana digital prefigura
uma subjetividade comunicativa ativa de tipo internacional, como produção
desejante real. Assim, o desejo comunicativo tende a desalienar-se e passar a
trabalhar na constituição de novos territórios e processos comunicativos
singularizantes.
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Notas
(1) É por isso que os meios de comunicação podem ser chamados de um “quarto poder”. Quem os controla, controla a vida em sociedade. Literalmente, hoje em dia, compreende-se e interpreta-se o mundo a partir do que se vê, ouve-se e lê-se nos meios de comunicação.
(2) ARISTÓTELES (1998, p. 5).
(3) DELEUZE, GUATTARI (1995, p. 28).
(4) Idem (p. 27).
(5) Idem (p. 20).
(6) MATURANA; VARELA (2001, p 233/4).
(7) MATURANA (1997, p. 175).
(8) Hannah Arendt (1989) segue de perto esta elaboração, sob o enfoque da arena política. Apenas o criminoso e o altruísta procuram fugir do conversar, porque este, para eles, torna-se perigoso, ou seja, revelador de si. (p. 192/3).
(9) MATURANA (19997, p. 175).
(10) Um pouco mais ou menos como a moeda, genial invenção ocorrida, segundo WEATHERFORD (1999, p. 30), entre os lídios há cerca de três milênios que tornou possível a existência de um mercado complexo, no qual não se precisava mais simplesmente trocar certas mercadorias por outras, mas cada mercadoria era capaz de possuir um valor de troca “abstrato” mensurável diante de outras mercadorias com seus valores específicos. Cada mercadoria, com a moeda, possuía exatamente um valor ou uma parcela de valor necessária para, no mercado mediado por ela, trocar por antigos pedaços do que seria outra mercadoria. A moeda é uma forma de imprimir valores abstratos às mercadorias; o que torna possível que cada mercadoria, relativamente ao seu valor, possa ser “trocada” por qualquer outra mercadoria. A moeda torna-se, então, um meio de equivalência geral para todos os produtos. Ela favorece o intercâmbio a distância, desterritorializa as mercadorias; os produtores e suas mercadorias abstraem o valor de seus bens e produtos e, através da moeda, torna-se possível a emergência de um mercado complexo, heterogêneo no qual todas as mercadorias são virtualmente trocadas por todas as mercadorias.
(11) MATURANA; VARELA (2001).
(12) AUSTIN (1990).
(13) MATURANA; VARELA (2001, p. 255).
(14) ARENDT (1989, p. 189).
(15) MORIN (1999, p. 53).
(16) MATURANA; VARELA (2001, p. 245).
(17) Idem (p. 247).
(18) Idem (p. 254).
(19) Idem (p. 254-6).
(20) CAPRA (1999, p. 227).
(21) PELBART (2000, p. 17).
(22) LÉVY (1994, cap. II). Para Pierre Lévy seriam, sinteticamente, três formas fundamentais a partir das quais a humanidade teria organizado suas “tecnologias da inteligência”, constituindo os “três tempos do espírito”. Seriam eles, primeiro, a “oralidade primária”, o tempo da linguagem oral; segundo, aquele baseado na linguagem “escrita”; e terceiro, aquele tempo baseado na “linguagem informática” e que ele chama também de “hipertexto”.
(23) Assim, foi durante um período considerável na história de nossa formação cultural – e observe-se – o mais longo período na história da civilização humana. Outros meios também foram inventados remotamente. A pintura, os cantos, o teatro, a música. Mas o meio essencial de comunicação entre os seres humanos era a palavra oral. E grande parte das relações sociais cotidianas eram praticamente todas determinadas por tal forma de comunicação.
(24) LÉVY (1994, p. 77).
(25) Idem (p. 78).
(26) Idem (p. 83).
24
(27) Idem (p. 89).
(28) Idem (p. 93).
(29) Idem (p. 88).
(30) Idem.
(31) LÉVY (http://www1.portoweb.com.br/pierrelevy/nossomos.html, em 20.03.2000).
(32) LÉVY (1994, P. 118/9).
(33) Balzac pretendia que o governo impusesse limites aos jornais de sua época. E tão fiel à verdade quanto brilhante na literatura, assiste-se em sua obra monumental Ilusões Perdidas, à crítica e ao desmascaramento do jornais de sua época como manipuladores da opinião pública.
(34) GUATTARI, ROLNIK (1986, p. 38).
(35) ROLNIK (1989, p. 116).
(36) Idem.
(37) Idem. (1989, p. 118).
(38) GUATTARI; ROLNIK (1986, p. 40).
(39) E há meios de comunicação que trabalham ainda mais no sentido de aprofundar ou simplesmente ser espelho de tal padronização.
(40) Uma galeria de grandes escritores e pensadores se posicionaram exatamente contra a imprensa de massas de suas épocas. Por exemplo Balzac, como foi dito, pedia uma intervenção governamental para deter os abusos da imprensa de sua época. Também Nietzsche é extremamente duro e radical quando trata da imprensa de massas em suas Considerações Extemporâneas. Proust, por sua vez, dizia que as pessoas que procuram a verdade nos jornais diários estão muito longe de a encontrarem. Para ele, a verdade estava nos livros. Outro exemplo do desprezo ou descrédito do jornal de massas encontra-se em O Retrato de Dorian Gray, o belíssimo romance de Oscar Wilde.
(41) CALVINO (1990, p. 72).
(42) Idem.
(43) Idem.
(44) Idem.
(45) Idem (1990, p. 73).
(46) LÉVY (1994, p. 44-45).
(47) CASTELLS (2001, p. 381).
(48) BERNERS-LEE (2000, p. 162). No original: “When I proposed the Web in 1989, the driving force I had in mind was communication through shared knowledge, and the driving “market” for it was collaboration among people at work and at home. By building a hypertext Web, a group of people of whatever size could easily express themselves, quickly acquire and convey knowledge, overcome misunderstandings, and reduce duplication of effort. This would give people in a group a new power to build something together. (...) The intention was that the Web be used as a personal information system, and a group tool on all scales, from the team of two creating a flyer for the local elementary scholl play to the world population deciding on ecological issues.” (Tradução: AZAMBUJA, C.; LOBO, T.).
(49) Idem (p. 162/3). No original: “...are just beginning to see the power the Web can bring inside their walls. Although it takes a little work to set up the access control for a corporate or family intranet, once that has been done the Web’s usefulness is accelerated, because the participants share a level of trust.” (Tradução: AZAMBUJA, C.; LOBO, T.).
(50) Idem (p. 165).
(51) Idem (p. 173). No original: “What Ari and I were trying to do was create a machine that would do the administration for, say, a court, or working group, or parliament. (...) There are now a number of software products for doing some of these things. To actually emulate a courtroom or a democratic voting process, however, the tools need much more development. I long for a move from argument by repetition of sound bites to a hypertext exposition that can be justified and challenged – one that will allow us to look up and compare, side by side, what politicians, or defendants and accusers, actually say, regardless of what is claimed in television commercials ans nightly news interviews.” (Tradução: AZAMBUJA, C.; LOBO, T.).
(52) Idem (p. 174). No original: “For example, they will allow us to conduct a national plebiscite whose cost would otherwise be prohibitive. This would, of course, like all the benefits of this new technology, be biased toward those with Internet access. This is just an example to show that we can reassess what is possible; I am not advocating a move from representative democracy to direct democracy. We should be careful not to do things just because they are possible.” (Tradução: AZAMBUJA, C.; LOBO, T.).
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