A TRANSFORMAÇÃO DE CONCEPÇÕES EM … · de diferentes momentos históricos que apresentassem...

50
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE MÚSICA INICIAÇÃO CIENTÍFICA ARIANE DA SILVA ESCÓRCIO RIBEIRO A TRANSFORMAÇÃO DE CONCEPÇÕES EM EDUCAÇÃO MUSICAL ATRAVÉS DA ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS SÃO PAULO 2013

Transcript of A TRANSFORMAÇÃO DE CONCEPÇÕES EM … · de diferentes momentos históricos que apresentassem...

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

DEPARTAMENTO DE MÚSICA

INICIAÇÃO CIENTÍFICA

ARIANE DA SILVA ESCÓRCIO RIBEIRO

A TRANSFORMAÇÃO DE CONCEPÇÕES EM

EDUCAÇÃO MUSICAL ATRAVÉS DA ANÁLISE DE

LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS

SÃO PAULO

2013

ARIANE DA SILVA ESCÓRCIO RIBEIRO

A TRANSFORMAÇÃO DE CONCEPÇÕES EM

EDUCAÇÃO MUSICAL ATRAVÉS DA ANÁLISE DE

LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS

Trabalho de iniciação científica realizado pelo PIBIC/CNPq na Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, Departamento de Música.

Orientação: profa. Dra. Maria Teresa Alencar de Brito

SÃO PAULO

2013

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................................4

2. OBJETIVOS ........................................................................................................................ 6

3. METODOLOGIA ............................................................................................................... 7

4. RESULTADOS .................................................................................................................... 8

4.1 SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS .................................................................................... 8

4.1.1 Definição .......................................................................................................................... 8

4.1.2 Análises ............................................................................................................................ 8

4.1.3 Os livros no processo histórico ........................................................................................ 9

4.1.4 Discussão sobre os livros didáticos ................................................................................ 10

4.1.5 Sobre a efetiva necessidade da utilização dos livros ...................................................... 11

4.2 PERCURSO HISTÓRICO DA MÚSICA NA ESCOLA BRASILEIRA ........................ 11

4.2.1 1549 - Chegada dos jesuítas e início do ensino de música ............................................ 12

4.2.2 1808 – Transferência da Corte portuguesa .................................................................... 13

4.2.4 1854 – Oficialização do ensino de música ..................................................................... 13

4.2.3 1822 – Império e implantação do sistema educacional .................................................. 14

4.2.5 1889 – A República e uma nova fase no ensino de artes ............................................... 14

4.2.6 Início do século XX – movimentos de renovação ..........................................................15

4.2.7 1932 – Reforma de Anísio Teixeira e Canto Orfeônico ................................................ 15

4.2.9 1961 – Educação Musical .............................................................................................. 16

4.2.8 Década de 40 - Fim do Estado Novo ............................................................................. 16

4.2.10 A Lei de 1971 – Educação Artística ............................................................................ 17

4.2.11 A LDB de 1996 – A arte como área de conhecimento................................................. 18

4.3 HISTÓRICO DOS LIVROS DIDÁTICOS DE MÚSICA NO BRASIL...........................19

4.4 CATALOGAÇÃO DOS LIVROS DIDÁTICOS DE MÚSICA ...................................... 22

5. ANÁLISES ................................................................................................................26

5.1 APRESENTAÇÃO DOS LIVROS SELECIONADOS ......................................................... 26

5.2 CONCEPÇÕES VEICULADAS NOS LIVROS ............................................................. 28

5.2.1 Concepções de educação ....................................................................................................... 28

5.2.2 Concepções de música .................................................................................................... 31

5.2.3 Concepções de educação musical ................................................................................... 33

5.2.3 O professor de música para esse contexto........................................................................... 37

5.2.4 Sobre o aluno ................................................................................................................ 40

5.3 PERSPECTIVAS ATUAIS ....................................................................................................... 43

6. CONCLUSÕES ................................................................................................................45

7. REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 48

4

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa buscou compreender a transformação de concepções que envolvem a

educação musical ao longo de sua trajetória histórica no ensino fundamental no Brasil. Para

tanto, os referenciais de estudo foram os livros didáticos direcionados ao ensino de música

nesse contexto. A seleção dos livros inclusos nas análises levou em conta o conceito de que

eles foram elaborados com a intenção de organizar uma prática de ensino para uso do

professor ou do aluno. Entendeu-se esse material como um registro importante dos

acontecimentos e das mudanças pelas quais passou o ensino de música na escola.

Para situar esse objeto dentro do seu contexto, foi traçada uma trajetória histórica da

presença do ensino de música no ensino fundamental no Brasil, no qual identificou-se alguns

momentos fundamentais: a implementação oficial na escola em 1854; a obrigatoriedade do

canto orfeônico em 1932; a substituição do canto orfeônico pela educação musical em 1961; a

extinção da educação musical e criação da educação artística de caráter polivalente em 1971;

o entendimento da arte como área de conhecimento, a partir da LDBEN de 96; e, mais

recentemente, a obrigatoriedade da música como conteúdo das Artes em 2008. Cada mudança

acontece dentro de um contexto político e social, cujos princípios influenciam o modo de

pensar o ensino de música.

Procurou-se também relatar registros do uso de livros didáticos na educação musical

do ensino fundamental e quais bases orientaram sua elaboração. É importante ressaltar que

este estudo se limita a uma apreensão do pensamento veiculado na elaboração do material,

visto que não se pode saber sua efetiva utilização. Dado o panorama geral da presença da

música na escola brasileira, pode-se, então, analisar sob esta perspectiva, de que maneira essas

características – do pensamento e da prática da educação musical – ficaram registradas na

produção e na elaboração dos livros didáticos criados e utilizados para este contexto da

educação musical.

A partir disto, os critérios estabelecidos para o estudo do pensamento da educação

musical foram as concepções de educação, de música e de educação musical, assim como as

definições para o professor e o aluno desse processo pedagógico. Ao final, procurou-se

relacionar estes aspectos com ideias veiculadas atualmente nesse sentido, para compreensão

das mudanças.

5

Visto que a educação musical se encontra em um momento importante no seu

fortalecimento e efetivação dentro do processo pedagógico, acredita-se que é necessário

ampliar os meios de análise dentro da complexidade da área, e nesse sentido, este esta

pesquisa propõe o estudo histórico para auxiliar a compreensão de como determinadas

estruturas, pensamentos e práticas foram estabelecidas, o que disso já foi superado e o que

ainda vigora, com o intuito de promover uma reflexão acerca das possibilidades atuais da

educação musical, mais sintonizadas com nosso contexto e realidade.

6

2. OBJETIVOS

Este trabalho tem como objetivos identificar fases da presença da música na escola

brasileira, a partir das legislações e mudanças estruturais que elas provocaram no ensino;

analisar a produção e a elaboração de concepções para o ensino de música em livros didáticos

direcionados ao ensino fundamental; verificar quais práticas de educação musical foram

realizadas ao longo da trajetória da educação musical e como estas se relacionam com os

pensamentos veiculados nos livros; e identificar o que ainda vigora e é relevante para o

momento atual, verificando as perspectivas de produção de materiais didáticos voltados à

escola básica.

Como se trata de um trabalho de caráter qualitativo, por investigação das concepções

veiculadas nos livros didáticos e análise da transformação do pensamento no percurso

histórico buscou-se também neste estudo, fazer uma reflexão sobre a transformação das

concepções em educação musical a partir do resultado das análises do material em questão.

7

3. METODOLOGIA

Os resultados desejados foram alcançados através do levantamento da produção de

livros didáticos para o ensino de música no ensino fundamental ao longo da história da

educação musical no Brasil. A escolha desta bibliografia deu-se por meio da seleção de livros

de diferentes momentos históricos que apresentassem informações relevantes a respeito de

concepções de educação, musica, educação musical e os atores dessa prática.

Para tanto, a sistematização de informações e a revisão bibliográfica ocorreram da

seguinte forma:

• Levantamento e organização da produção de livros didáticos de música, através da

bibliografia organizada em Livros de Música para a escola, de Jussamara Souza

(1997), de consulta ao catálogo das bibliotecas públicas municipais de São Paulo e em

pesquisa no acervo particular da profa. Dra. Maria Teresa Alencar de Brito.

• Seleção e organização dos livros utilizados na pesquisa, de acordo com o ano de

produção ou edição, com apresentação de cada obra inclusa no trabalho, com breves

comentários a respeito da sua elaboração.

Desse modo tornou-se possível identificar perspectivas atuais dessa produção, o que

permanece da produção do passado, o que é feito de novo e tendências.

8

4. RESULTADOS

4.1 SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS

4.1.1 Definição

Nesta pesquisa procurou-se uma delimitação para o objeto de estudo e os aspectos que

o envolvem. Esse material pode ser entendido como parte integrante do processo pedagógico,

pois se tratam de “livros que explicitamente ou implicitamente têm a intenção ou procuram

introduzir os alunos de uma maneira sistemática nas teorias e práticas musicais.” (SOUZA,

1997, p. 11). E entende-se a importância do livro didático dentro desse processo pedagógico

pela sua grande presença na sala de aula (SILVA, 2002, p. 11). O contato do aluno com a área

do conhecimento pelo livro pode se dar de diversas maneiras, seja mediada pelo professor ou

em uma relação direta com a leitura.

4.1.2 Análises

A analise dos livros didáticos de música pode ser considerada uma importante

referência do estudo das relações da educação musical ao longo do tempo, pois a partir de

uma analise pode-se extrair diversas dimensões do ensino de música, do contexto em que

acontece, das relações de aluno, professor e área do conhecimento. Nesse sentido, tendo esta

fonte como um registro histórico, é possível identificar concepções de música, de ensino e de

educação musical na medida em que este material de pesquisa.

9

reflete a natureza dos conhecimentos [disponíveis] em cada momento, o

nível de desenvolvimento em que se encontrem esses conhecimentos, e

também as expectativas da sociedade em relação a esses conhecimentos para

a formação de novas gerações (SOARES 1996 apud SILVA, 2002 p. 17)

A partir das leituras, foi possível verificar pensamentos relacionados a um

determinado momento histórico e cultural, bem como a tendências pedagógicas e políticas

educacionais que influenciam essa produção. Silva (2002, p.26) delimita que esta ideia faz

parte do entendimento do livro como um objeto cultural, que pode conter a representação de

um determinado período e seu contexto.

Nesse sentido, Silva (2002, p.23) estabelece que o estudo dessa interpretação,

considerando as escolhas e os discursos, podem ajudar a compreender as concepções

específicas de determinado momento e região. Para tanto, utiliza a referência de que o objeto

principal da história cultural é “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos

uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER 1990 apud

SILVA, 2002, p.22)

4.1.3 Os livros no processo histórico

É possível realizar o estudo sob esta perspectiva uma vez que “a análise crítica do

livro didático não pode ser desvinculada do contexto geral do sistema educacional brasileiro.”

(FREITAG, 1997, p.7)

Esse estudo pretende, então, a partir de análises de diversos aspectos desses livros

didáticos atingir uma dimensão mais ampla, que de acordo com a ideia de Silva (2002, p.10) é

alcançada considerando o livro didático para o ensino de música como um objeto cultural, que

reflete a história da educação musical brasileira em sua complexidade.

Sabe-se que é uma área que ainda possui poucos estudos no Brasil, fato que pode ser

justificado talvez pelo

10

caráter facultativo e de superfluidade que se hospedou no ensino de música

na educação brasileira tenha reflexos diretos na forma de produção dos livros

didáticos de música, tornando-a muito mais lenta do que em outras áreas do

conhecimento, tanto em termos quantitativos como de atualização de

conceitos. (SILVA, 2002, p. 11)

4.1.4 Discussão sobre os livros didáticos

Pretende-se, então “perceber o livro didático como um mediador ativo no processo de

construção de conceitos, comportamentos e pensamentos sobre a cultura musical brasileira.”

considerando que essa discussão “não pode ser dissociada de seu significado mais amplo, que

envolve não apenas aspectos pedagógicos, mas também econômicos e político-ideológicos.”

(SILVA, 2002, p. 10-11)

É importante ressaltar que pode ser feita uma reconstrução para entender o

pensamento veiculado em uma determinada época, mas ainda fica uma lacuna a suprir

considerando que

a partir do levantamento dessa literatura, é possível apresentar só a produção

disponível, faltando, nesse sentido, um estudo complementar sobre a

apropriação desse material por parte dos alunos e professores, pois ainda

sabemos muito pouco sobre o que pensam os alunos a respeito do livro

didático, suas preferências, objeções e sugestões. (SOUZA, 1997, p.15)

Entende-se que esse material é uma referência importante para a compreensão das

relações do professor com o ensino de música, do aluno com o conteúdo e da prática com as

políticas educacionais, pois quadro ainda restrito do grau de escolaridade no Brasil,

subentende-se que essa faixa do ensino fundamental é relevante na construção de

conhecimentos e de representações, muitas vezes mediada pelo contato e leituras desses

livros. (SOUZA 1999 apud SILVA, 2002, p.11)

11

4.1.5 Sobre a efetiva necessidade da utilização dos livros

A crítica se dá pelo fato de uma adoção sem questionamentos desse material quando

há uma tentativa de suprir carências na formação dos professorese que muitas vezes acabam

adotando esse material de forma “passiva e reprodutivista que os professores assumem diante

do livro didático.” (SOUZA, 1997, p. 19),

Segundo ECO (1980, p.15) esse fato se torna preocupante na medida em que “muitas

das nossas cãibras morais e intelectuais, muitas das nossas ideias correntes mais contorcidas e

banais (e difíceis de morrer) nascem justamente dessa fonte.” O autor afirma também que

desta leitura passiva e acrítica é que são construídos no aluno os conceitos simplistas, lugares

comuns e significados que não representam a realidade.

4.2 PERCURSO HISTÓRICO DA MÚSICA NA ESCOLA BRASILEIRA

Para compreender melhor o contexto no qual se situa o objeto de estudo desta

pesquisa, é importante traçar uma trajetória da presença do ensino de música na escola regular

brasileira, e mais especificamente no ensino fundamental. Parte-se do princípio que em

diferentes momentos históricos, o ensino de música esteve ligado à organização de um

determinado grupo, com seus propósitos e pensamentos específicos.

12

4.2.1 1549 – Chegada dos jesuítas e início do ensino de música

A primeira manifestação das práticas de ensino de música no Brasil “remonta aos

primórdios do processo de colonização, iniciando-se com a vinda dos jesuítas” e esta é uma

referência importante, pois após sua chegada em 1549 ainda permaneceram aqui, “abriram as

primeiras escolas e [...] por dois séculos os inacianos foram praticamente os detentores do

sistema educacional vigente na Colônia.” (LOUREIRO, 2003, p.42)

O ensino, de caráter religioso e ligado à ação da catequese e que, a princípio, era

destinado a escravos índios ou negros, era realizado com o canto e com instrumentos de

cordas e sopros, sendo que “essa música era na base do gregoriano e, entre as formas

preferidas de ensino estavam os Autos” (JANIBELLI, 1980 p.39)

Esse quadro se transforma em sintonia com transformações políticas e econômicas “já

no século XVIII, com o aparecimento dos primeiros teatros, as manifestações musicais foram

mais frequentes, não só no Rio, como em Minas, Bahia e São Paulo.” Após um período de

maior organização social é que surge a necessidade de se estruturar o ensino e então há a

criação de colégios. Relata-se que nos primeiros dois séculos do país havia um descaso com o

ensino de música e que este se dava apenas em um âmbito muito restrito, e assim “toda a

cultura estava relegada a um número limitadíssimo de pessoas”. (JANNIBELI, 1980, p.40)

E “à medida que uma elite de brancos e mestiços ia aqui se formando, os jesuítas

iniciam um novo modelo de educação, nos moldes do desenvolvido na sociedade europeia, ou

seja, uma educação humanista.” (LOUREIRO, 2003, p.45). A maneira de desenvolver a

prática de ensino ainda manteve a mesma referência europeia desde o princípio da atuação

jesuítica e, portanto,

no período colonial, a situação pouco mudou: a educação musical, assim

como a educação geral, estava diretamente vinculada à Igreja e, portanto,

estreitamente ligada às formas e ao repertório europeus, e a preceitos básicos

de organização e ordenação de conteúdos, que evoluíam dos mais simples

aos mais complexos e que se utilizavam de repetições, memorizações e

averiguações de aprendizado. (FONTERRADA, 2008, p.209)

13

4.2.2 1808 – Transferência da Corte portuguesa

Com a transferência da Coroa para o Brasil houve uma maior movimentação cultural e

um ampliação da prática musical, até então vinculada apenas à Igreja. Mas este fato não gerou

transformações significativas no âmbito do ensino, apesar do incentivo dado à cultura geral, a

educação “não teve progresso digno de nota e, durante muitos anos, permaneceu num plano

secundário das preocupações do governo.” (JANIBELLI, 1980, p.41). Esse período indica

também uma outra relação no ensino de música que se dava na dimensão particular, uma vez

que havia se incentivado o gosto da sociedade pela música.

Novamente o quadro da educação musical viria a sofrer alterações relacionadas a

mudanças políticas:

“Após um período de desestruturação, ocasionado pelo fechamento dos

colégios inacianos e pela demora, por parte da Coroa, em assumir seus

compromissos em relação ao ensino, a educação brasileira começa a sentir

os efeitos dos novos ventos que atingem o cenário educacional português”.

(LOUREIRO, 2003, p.45)

4.2.3 1822 – Império e implantação do sistema educacional

A nova configuração do país em Império traz um pensamento diversificado dos

momentos anteriores e uma preocupação com a organização de um sistema e a formação de

professores, especialmente a partir da convocação de uma constituinte pelo Imperador D.

Pedro I, em 1823. A partir dela fica estabelecido que a educação tem grande importância e

para concretização desse objetivo a “implantação de um sistema educacional no país dependia

da criação de uma rede de escolas e da formação de professores. Em 1835 é criada, em

Niterói, a primeira Escola Normal.” (LOUREIRO, 2003, p.48-49) Nestas escolas que visavam

preparar professores para atuar no ensino dessa nova rede, com o tempo o ensino de música

aparece integrando o quadro de atividades a serem desenvolvidas nas escolas.

14

4.2.4 1854 – Oficialização do ensino de música

O marco oficial do ensino de música nas escolas públicas se dá com um decreto de

1854, que determina a organização do ensino e de que maneira realizá-lo: “Ainda no Império,

o Decreto governamental 331 A, de 17/11/1854, dividia as Escolas Públicas em duas classes:

as de 1º e as de 2º graus. Neste último, aparecem os itens: h)noções de música, i) exercícios

de canto.”(JANIBELLI, 1980, p.41). Um aspecto relevante desse momento é o fato de que

com a oficialização do ensino na rede pública, o ensino de música caminha a partir daí para

um processo de ampliação da sua abrangência, alcançando um maior número de pessoas.

4.2.5 1889 – A República e uma nova fase no ensino de artes

A reestruturação política do final do século XIX acaba “culminando com a

proclamação da República em 1889. A instituição do novo regime aponta o início de uma

nova fase no ensino das artes, até então profundamente marcado pela influência europeia.”

(LOUREIRO, 2003, p.52)

Nessa nova fase há uma nova organização do sistema educacional além de um marco

em relação à preocupação do profissional que atua no sistema de música, fato que pode ser

relacionado com o estímulo à formação de professores que se inicia tempos atrás, por um

decreto de 1890 que é estabelecido

regulamentando a Instrução Primária e Secundária, no então Distrito Federal,

dividia o ensino em Escolas Primárias do 1º e 2º graus e abrangia 3 cursos: o

Elementar, o Médio e o Superior. Determinava, na letra i) o ensino de

ELEMENTOS de Música. Neste mesmo Decreto, havia exigência de

Professor Especial para Música, mediante concurso. (JANIBELLI, 1980, p.

41)

15

4.2.6 Início do século XX – movimentos de renovação

No início do século XX, o ensino de música na Europa sofre mudanças e isto reflete

no Brasil. Nesse momento é dada uma nova dimensão da função do ensino de música, a partir

de 1915 com João Gomes Junior que sugere novas bases para o ensino de música através da

prática do canto coletivo. Ideais que são incorporados ao sistema por serem vistos como “um

recurso importante da formação da cidadania e na construção da nacionalidade.”

(LOUREIRO, 2003, p.54)

A Semana de Arte Moderna em 1922 também propõe um outro questionamento, agora

em relação à influência europeia, cuja influência foi grande no ensino de música até então, e

situava sua proposta “trazendo novas maneiras de entender o fazer artístico e uma proposta de

redefinição para o ensino contestando todo aquele que não considerasse a expressão

espontânea e verdadeira da criança.” (LOUREIRO, 2003, p. 54) Essa nova maneira de

entender o fazer artístico também trazia preocupações voltadas à identidade nacional e à

difusão da música popular e folclórica. (FONTERRADA, 2008, p.212)

4.2.7 1932 – Reforma de Anísio Teixeira e Canto Orfeônico

Esses ideais ganham força com o impulso dado pela proposta da Escola Nova, trazida

ao Brasil por Anísio Teixeira a partir da década de 30 em que propõe maior democratização

para a arte, considerando que a “música não deveria restringir-se a alguns talentosos, mas ser

acessível a todos, contribuindo para a formação integral do ser humano.” (FONTERRADA,

2008, p.210)

A partir desse momento a prática da música nas escolas fortalece seu formato baseado

no canto coral, em que Fabiano Lozano e Villa-Lobos são educadores importantes nesse

momento. A proposta de Villa-Lobos é a que toma maior proporção, favorecido pelo

16

nacionalismo em sua característica de formação de identidade (FONTERRADA, 2008, p.

213).

O canto orfeônico, atividade de caráter essencialmente cívico, torna-se obrigatório em

todas as escolas públicas a partir de um decreto assinado por Getúlio Vargas em 1932 e então,

esse caminho tratado como um ”projeto político-musical, cujas bases estavam comprometidas

com o nacionalismo da era Vargas, trazia consigo, além do objetivo social, o lado político-

pedagógico.” (LOUREIRO, 2003, p. 57)

4.2.8 Década de 40 – Fim do Estado Novo

O fim do estado novo tem relação direta com o declínio da prática do canto nas

escolas, visto que a ênfase do projeto tinha forte cunho político. O momento político do país,

com vias a adquirir o contorno democrático, necessitava se desvincular do passado. A

disciplina do canto orfeônico permanece nas escolas, mas perde espaço e importância. Mesmo

assim, é importante ressaltar que todo o período teve grande importância por impulsionar um

novo momento da educação musical, com a proposta educativa baseada em outras questões,

pois até então as práticas tinham a influência do modelo conservatorial europeu.

(LOUREIRO, 2003, p. 63)

4.2.9 1961 – Educação Musical

O canto orfeônico dá lugar à Educação Musical nas escolas, com a primeira Lei de

Diretrizes e Bases Nacionais de 1961, porém essa mudança de classificação parece não ter

interferido na prática, visto que neste novo modelo “os professores de música, nas escolas,

eram ainda praticamente os mesmos, e não havia flagrante antagonismo entre a nova e a

proposta anterior.” (FONTERRADA, 2008, p. 214)

17

Outra característica importante que passa a vigorar nesse período é a influência dos

educadores musicais europeus do século XX, cujas propostas passam a influenciar a

metodologia dos professores no âmbito da educação especializada de música, na iniciação

musical. São abordagens que aos poucos vão se integrando ao pensamento da educação

musical, de maneira mais geral, tirando a ênfase do ensino para o objetivo técnico e

instrumental e ampliando as possibilidades de prática musical baseada na percepção auditiva e

no movimento corporal. (FONTERRADA, 2003, p.214)

Nos anos 60 as novas manifestações artísticas também começam a influenciar o campo

da educação e apontar para mudanças no sistema, decisivas na década seguinte. Eram

movimentos de vanguarda, que rompiam com tradições e se lançavam em novas propostas

estéticas além de provocarem “uma aproximação entre a música popular e a de vanguarda,

diluindo barreiras e possibilitando, aos que se engajavam nessa proposta, a vivência de novas

formas de expressão artística” (LOUREIRO, 2003 p. 68)

4.2.10 A Lei de 1971 – Educação Artística

Um novo momento político de desenvolvimento econômico e o Golpe Militar indicam

um novo caminho para a música dentro do sistema de educação:

“Como acontece em todos os regimes autoritários, a escola é alvo de atenção

especial, em virtude de seu papel importante no campo da inculcação

ideológica. [...] De acordo com a nova política, o papel da escola consistia na

formação de recursos humanos necessários ao desenvolvimento do país.

Essa preocupação provoca alterações no currículo das escolas.[...] A nova

dimensão atribuída à educação artística se explica também, pela filosofia que

orienta a política educacional do momento cuja principal preocupação é a

inserção imediata do indivíduo no mercado de trabalho” (LOUREIRO, 2003,

p.68-69)

No contexto da educação musical, o que ocorre é a extinção da educação musical

como disciplina e sua substituição pela educação artística de caráter polivalente, cujos

princípios “colocam ênfase no processo sobre o produto, valorizando a sensibilização e a

18

improvisação.” Outra característica fundamental nesse momento é o encaminhamento do

professor para uma função polivalente, que “devia dominar quatro áreas de expressão artística

– música, teatro, artes plásticas e desenho, mais tarde substituído pela dança.”

(FONTERRADA, 2008, p. 218)

Esta sequencia de acontecimentos gera um momento de esvaziamento das propostas e

de dúvidas quanto ao encaminhamento do trânsito e da integração entre as artes, que acabou

por ocasionar um afastamento da música no processo educativo.

4.2.11 A LDB de 96 – A arte como área de conhecimento

No início dos anos 80 se dá o fim do autoritarismo e o país passa por um movimento

pela redemocratização da sociedade, e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

nº 9.394/96, há a reestrutura da organização escolar baseada em princípios de igualdade de

ofertas, visando garantir maior tempo de escolaridade e acesso democrático ao conhecimento

e à cultura. (LOUREIRO, 2003, p. 74-75) Uma das medidas tomadas para a concretização

desse fim é a elaboração de propostas norteadoras, documentos oficiais do MEC, os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que orientam acerca de objetivos e o

desenvolvimento de conteúdos para cada área do currículo obrigatório, passando a considerar

“a arte um objeto de conhecimento”. (LOUREIRO 2003 p. 76-77)

Essas modificações da nova legislação que, embora passem a contemplar cada

linguagem das artes como uma área autônoma, ainda configuram o momento atual em que

apesar da discussão acerca da educação musical nas escolas e “das maneiras de implementá-la

na nas escolas do país, ainda não houve modificações profundas.” (FONTERRADA, 2008,

p.221)

19

4.3 Histórico dos livros didáticos de música no Brasil

No início do processo de oficialização das escolas no Brasil, até início do século XX, a

utilização de livros didáticos nas escolas se dá por meio de importações das culturas então

dominantes “ da Europa, sobretudo da França e de Portugal...” fato que “reflete as condições

sociais, culturais e econômicas da época.” (SOARES 1999 apud SILVA, 2002, p. 15)

Mesmo com esse quadro, há relatos de elaboração de livros por iniciativa de

educadores brasileiros de escolas particulares no ensino então chamado primário, mas por

meios de impressa estrangeira, e cujo conteúdo é de informações teóricas e repertório:

Ainda no setor do ensino particular, o Diretor de Ensino Municipal de

Belém, no Pará, o professor Virgílio Cardoso de Oliveira, manda editar, na

Tipografia Aillaud, Paris-Lisboa, em 1908, uma Pequena Enciclopédia

Nacional, na última série, sendo considerado tão útil que foi adotado

também no Ginásio. Além de conhecimentos valiosos, incluía os hinos:

Nacional, 2 de julho, da Proclamação da República, à Pátria, Canção

Patriótica, dedicada à Mãe brasileira, constituindo a parte de educação

propriamente dita. (JANIBELLI, 1980, p. 42)

No período que sucede a implementação oficial do ensino de música nas escolas, a

produção é baseada essencialmente em conteúdos de teórica musical e repertório para canto

coletivo e “essas características revelam a presença de uma metodologia de ensino voltada

apenas para o professor, onde a perspectiva do aluno não é considerada. Assim, o professor

passa a ser a única fonte de aprendizagem para o aluno.” (SOUZA, 1997, p.11)

A partir de 1930, o contexto revela “condições favoráveis ao aparecimento de autores

e edições de livros didáticos em nosso país” (Soares 1996 apud SILVA, 2002 p. 15), ainda

que ainda permeados pelas influências das ideias de educação praticadas até então, o que é um

dado importante por tornar a produção, de fato, nacional. E a partir desse momento “Sua

história não passa de uma sequencia de decretos, leis e medidas governamentais que se

sucedem” (FREITAG p.11) Isto é assim descrito, pois nesse impulso de estruturação nacional

é que se dá a criação de uma série de instituições regulamentadoras dessa produção.

20

Cria-se em 1933 a Superintendência de educação musical e artística, SEMA sob

direção de Heitor Villa-Lobos, que orientava professores para a prática do canto orfeônico.

Mesmo após sua saída em 1943, outras gestões que o sucederam trabalharam no sentido de

elaborar materiais para o uso nessa mesma concepção deixada pelo canto orfeônico.

(JANIBELLI, 1980, p.42) Em 1937, por iniciativa do Estado Novo, como medidas para

“assegurar a divulgação e distribuição de obras de interesse educacional e cultural” cria o

INL, Instituto Nacional do Livro que desenvolviam atividades de produção e distribuição dos

livros. Em 38 é criado a CNLD, Comissão Nacional do Livro Didático, “à qual cabia

examinar e julgar, indicar livros para a tradução e sugerir abertura de concursos para a

produção de livros ainda não existentes no país.” (FREITAG, 1997, p.12-13)

Com a atuação destas instituições, a produção de livros para o ensino de música na

década de 1940 é ainda influência pela metodologia orfeônica. Outros órgãos passam a atuar

na elaboração de materiais com esta proposta. Em 1946 “Por solicitação do INEP (Instituto

Nacional de Estudos Pedagógicos, do MEC), foi organizado, pelo SEMA, um livro sob o

título de “Coleção de Músicas Escolares para o Ensino primário” (JOPPERT, 1980, p. 143)

Há registros do controle da produção e do conteúdo veiculado pelos livros didáticos de

música utilizados nas escolas: “Só poderão ser adotadas obras didáticas e músicas orfeônicas

aprovadas pela Comissão Nacional do Livro Didático.” (JULIÃO, 1949, p.7) E também

desses órgãos atuando na elaboração de livros com o intuito de manter uma prática em risco

de cair em desuso após a saída de Villa-Lobos da SEMA e do fim do Estado Novo:

Para evitar que o canto desaparecesse das escolas e numa tentativa de

incentivar a prática do canto escolar, criou-se a Comissão Consultiva

Musical, cujo objetivo era manter o bom nível do material pedagógico

adotado pelas escolas. O material, produzido sob sua coordenação, já

demonstrava uma diversificação em relação à temática das músicas

(LOUREIRO p.62)

A partir da substituição do canto orfeônico pela educação musical, da influência de

correntes artísticas do século XX e do maior interesse por parte dos músicos pela educação

(FONTERRADA, 2008, p.214), a produção é relacionada com a legislação e com as novas

feições que a educação musical adquiria: “Na década de 60, a produção didática brasileira

cresce e diversifica-se extraordinariamente.” (SILVA, 2002, p. 15-16).

21

Nos anos 60 e 70, outra mudança relacionada “a necessidade de uma produção

vinculada às reformas de ensino de 1961, Lei nº4.024/61 e de 1971, Lei n° 5.692/71 é a

inserção da música brasileira nos livros didáticos, fato relacionado ao desligamento paulatino

das práticas relacionadas ao canto orfeônico (SILVA, 2002, p. 9) Nesse mesmo momento,

observa-se a presença de obras que tem como princípio a música como disciplina autônoma e

também dela integrada às outras linguagens artísticas. (SOUZA, 1997, 12)

Um fato recorrente nesse período é a reutilização de livros, o que caracteriza a

convivência de novos pensamentos com uma produção anterior, já muitas vezes até

ultrapassada e questionada (SOUZA, 1997, p. 12) e a partir disto, nos anos 80, também com o

fim do regime autoritário, “os livros didáticos passam a constituir o principal segmento do

mercado editorial no Brasil.” (SILVA 2002: 17) e assumem características que os diferenciam

de períodos anteriores, em que, especialmente por conta da proposta polivalente que vigora

nesse período, o “ensino da música viu emergir práticas recreativas e lúdicas que fogem

totalmente às questões e aos objetivos propriamente musicais.” (LOUREIRO, 2003, p.72)

Os anos noventa, também com as mudanças políticas que estão por vir, confirmam

estas novas características, especialmente pela “importância que os recursos audiovisuais

recebem. Essa renovação do livro pode ser observada principalmente naqueles destinados às

séries iniciais, que vêm acompanhados de discos, CDs ou fitas cassete.” (SOUZA, 1997, p.

14). Este fato é relacionado com os avanços tecnológicos e as possibilidades de utilização

desses recursos na educação.

22

4.4 Catalogação dos livros didáticos de música

1900 BIERI, Fr. Canto Escolar: o solfefo escolar.Porto Alegre. Livraira [sic]

Universal Krahe & Cia. 1906

ARCANJO, Samuel. Lições Elementares de teoria musical.São Paulo, Ricordi:

1908

1920 GOMES JÚNIOR, João. Orpheon Escolar: série segunda. São Paulo/Rio de

Janeiro: Cia. Melhoramentos de S. Paulo, 1921.

BIRNFELD, João. Cantos Escolares. Porto Alegre: Livraria Selbach, 1924.

GOMES JÚNIOR, João.Aulas de Música. São Paulo: Companhia Graphico-

Editora Monteiro Lobato, 1925

1930 VILLA-LOBOS, Heitor. Guia Prático Estudo Folclórico Musical. São Paulo:

Irmãos Vitale, 1932

STEWARD, Margaret, MOGNONE, Francisco. História da Música contada à

juventude. São Paulo: E.S. Mangione Editora: 1936

MAUTE, Frederico. Hymnos e canções escolares. Porto Alegre: Editora Globo,

1935

1940 VILLA-LOBOS, Heitor. Canto Orfeônico. 1º volume. São Paulo/Rio de Janeiro:

Irmãos Vitale. 1940

LOZANO, Fabiano. Antologia Musical. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1944.

VILLA-LOBOS, Heitor. Solfejos. São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale,

1940.

ARAUJO, Dalva. Hinos Patrióticos. Edição “A Melodia”, 1944.

IZZO, Miguel. Pequena Antologia II parte. São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos

Vitale, 1947

JULIÃO, João Baptista. Hinos e Cantos Escolares. Para uso dos conservatórios

e dos cursos primário, secundário, normal, comercial, industrial e colegial. 7 ed.

Casa Wagner. São Paulo, 1949

1950 INEP. Canto Orfeônico no Curso Primário. Ministério da Educação e Saúde.

Rio de Janeiro, 1950

23

LACOMBE, Laura Jacobina; BEVILACQUA, Octavio. Vamos Cantar (Teoria e

Canto Orfeônico) 2ª série do ginasial. 3 ed. São Paulo: Ed. Do Brasil, 1951

ARICÓ JR., Vicente. Canto da Juventude. São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos

Vitale, 1953.

LIMA, Florêncio de Almeida. O Canto Orfeônico no Curso Secundário: 3ª e 4ª

séries. 4 ed. Rio de Janeiro: Baptista de Souza & Cia. Editores, 1954.

SIQUEIRA, José. Música para a juventude. 3 ed. Rio de Janeiro: Companhia

Editora Americana, 1955.

ARAUJO, Alceu Maynard; ARICÓ JÚNIOR, Vicente. 100 melodias

folclóricas. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1957.

ALMEIDA, Judith Morrison. Aulas de canto orfeônico. São Paulo: Companhia

Editora Nacional. 25 ed. 1957

LOZANO, Fabiano. Alegria das Escolas. 137 ed. São Paulo: Ricordi, 1959.

GRAF, Frederico. Salve o Brasil! Calendário musical das festas escolares e de

outras datas comemorativas. São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale Editora,

1959.

1960 REGO, Luís. Manual de Canto Orfeônico. 4 ed. Porto Alegre: Editora Globo,

1961.

ARRUDA, Yolanda de Quadros. Elementos de canto orfeônico. São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 48 ed. 1961

MEC. Música na escola primária. Rio de Janeiro, 1962

CARTOLONA, Ruy Botti; CALDEIRA FILHO, J.C. Canta, Mocidade. São

Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1962.

Noções de Pedagogia Musical e Elementos da Educação Musical. Letícia

Pagano 1965.

RIBEIRO, Wagner. Antologia dos cantos orfeônicos e folclóricos – parte I. São

Paulo: Ed. Coleção FTD, 1965

JOPPERT, Maria Augusta. Educação Musical no Curso Secundário. 8. Ed. Rio

de Janeiro: Eulenstein Música, 1967.

MASCARENHAS, Mário. Um voo ao país da música. 7 ed. São Paulo/Rio de

Janeiro: Irmãos Vitale, 1968.

MAHLE, Maria Aparecida. Iniciação Musical. Rio de Janeiro/ São Paulo:

Irmãos Vitale, 1969.

24

1970 MASCARENHAS, Mário. Método de Solfejo. 4 ed. Rio de Janeiro/São Paulo:

Irmãos Vitale 1970

CORRÊA, Sérgio Vasconcelos. Planejamento em educação musical.1971

JANIBELLI, Emilia. A Musicalização na Escola. 1971

VALLE, Edna Almeida Del; COSTA, Niobe Marques. Música na Escola

Primária. 4 ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1971.

FRIAS, Irvani Bedaque Ferreira. Estudo Dirigido de Educação Musical. São

Paulo: Editora Orfeu Ltda, 1972

CORRÊA, Sérgio. Ouvinte Consciente. Educação Musical. Para cursos ginasial

e normal. 1973

KOCHER, Áurea. Música é comunicação. Ensino fundamental – 1º grau. Rio de

Janeiro: Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1974

JULIÃO, João Baptista. Melodias Escolares. 1º livro. 44 ed. São Paulo:

Mangione e Filhos, 1974.

JANIBELLI, Emilia d’Aniballi. Cantar, Viver e Criar. Caderno. 1974

DECKERS, Jan. VIEIRA, Ivone Luzia; MOURA, José Adolfo. Educação

Artística. Área de Comunicação e Expressão. 1 º grau. 2 eed. São Paulo: Editora

Lê, 1975

ABRAHÃO, Luz Martins.Música Comunicação. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1975.

VIEIRA, Ivone Luzia; MOURA, José Adolfo. Educação Artística. Belo

Horizonte: Livraria Lê Editora Ltda, 1975.

COTRIM, Gilberto Vieira. TDEM – Trabalho Dirigido de Educação Musical. 2

volumes São Paulo: Ed. Saraiva, 1976

ROCHA, Carmen Maria Metting. Canções para a iniciação musical. São Paulo:

Ricordi, 1971. COTRIM, Gilberto Vieira. Educação Artística: expressão

corporal, musical, plástica. I grau. São Paulo: Saraiva, 1977.

QUADROS, Luiza Palhano; ROCHA, Edila Sousa Aguiar; PIERRE, Maria

Eugênia (Org). Cantar é Viver. S.l. s.e., 1977.

FLEITAS, Ornaldo. Comunicação pela Arte. 5ª série. São Paulo: Editora FTD

S.A., 1977

1980 AGUIAR, Glorinha.Educação Artística. 1º grau. São Paulo: Ática, 1980

BOTELHO, Suzy. Educação Musical. São Paulo: Ática, 1982

25

COTRIM, Gilberto Vieira. Educação Musical, 1º grau. 12 ed. São Paulo:

Editora Saraiva, 1982.

NOVAES, Iris Costa. Brincando de Roda. 2 ed. São Paulo: Ed. Livraria Agir

editora, 1986.

PRIOLLI, Maria Luisa. Princípios Básicos de Música para a juventude.17 ed.

Rio de Janeiro: Casa Oliveira de Música S. A., 1987.

GARCIA, Rose Marie; MARQUES, Lilian Argentina. Brincadeiras Cantadas. 3

ed. Porto Alegre: Ed. Kuarup, 1989.

1990 ROSA, Nereide Schilaro Santa. Educação Musical para 1ª a 4ª Série. São Paulo:

Ática, 1990.

Estado do Rio Grande do Sul – Secretaria de Educação. Canções Infantis. Porto

Alegre: s.e. 1992

SANTANA, Celina. É hora de cantar. São Paulo: Edições Paulinas, 1993.

NICOLAU, Marieta Lúcia Machado. (Coord). Educação Artística da Criança.

Maristela Nicolau. São Paulo: Ática, 1995

26

5. ANÁLISES

5.1 Apresentação dos livros selecionados

• Orpheon Escolar. Coros. João Gomes Júnior. Série Primeira

Editora Cia. Melhoramentos de S. Paulo. São Paulo / Rio de Janeiro. 1921

• Aulas de Música João Gomes Júnior. 2 ed

Casa Wagner.São Paulo 1925

• Alegria das Escolas. Primeiros passos no ensino natural da música. 2 ed. Fabiano R.

Lozano

Livraria Liberdade. São Paulo, 1931

• VILLA-LOBOS, Heitor. Guia Prático Estudo Folclórico Musical.

São Paulo: Irmãos Vitale, 1932

• IZZO, Miguel. Pequena Antologia II parte.

São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1947

• Hinos e Cantos Escolares. Para uso dos conservatórios e dos cursos primário, secundário,

normal, comercial, industrial e colegial. 7 ed. João Baptista Julião.

Casa Wagner. São Paulo, 1949

• Canto Orfeônico no curso primário. Sugestões para organização e desenvolvimento de

programas. Ministério da Educação e Saúde.

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, 1950

27

• Música na Escola Primária. Ministério da Educação e Cultura.

Biblioteca da Professora brasileira. 1962

• Educação Musical no curso secundário. 1º volume. Maria Augusta Joppert

EM75. Rio de Janeiro, 1966

• Iniciação Musical. Maria Aparecida Mahle

São Paulo, 1969

• TDEM Trabalho Dirigido de Educação Musical. 1º Grau. Gilberto Vieira Cotrim

Edição Saraiva. São Paulo, 1975

• Ouvinte Consciente. Educação Musical. Para os cursos ginasial e normal. Sérgio Ricardo

S. Corrêa.

Edição do Autor. São Paulo, 1975.

• Educação Musical. Primeiro Grau. 2 ed. Suzy Piedade Chagas Botelho

Editora Ática. São Paulo, 1982

• Educação Musical para 1ª a 4ª série. Nereide Schilaro Santa Rosa

Editora Ática. São Paulo, 1990

• A Educação Artística da Criança. Artes Plástica e Música. Fundamentos e Atividades. 4

ed.

Editora Ática. São Paulo, 1995

28

5.2 CONCEPÇÕES VEICULADAS NOS LIVROS

5.2.1 Concepções de educação

Baseados em transformações sociais ou teorias de pedagogia que podem ser

estabelecidas em determinado momento, os autores, inseridos no contexto, refletem sobre o

papel da educação na sociedade ou na formação do indivíduo, que pode ser entendido de

diferentes maneiras. Em momentos históricos distintos, constatou-se o foco para diferentes

possibilidades da função da educação, no geral, para o ser ou para a sociedade.

Nos livros mais antigos, não há uma preocupação tão evidente em expor para o leitor o

pensamento que fundamenta a proposta do livro. A ênfase da organização do livro é voltada

para a sistematização do conteúdo nas aulas e demonstra também a existência de um senso

comum em relação aos conteúdos a se trabalhar em sala de aula: “Nada tem elas de original

no que diz respeito às doutrinas expostas; quanto à construção didática, porém, precisamos

dizer que seguem uma orientação individual.” (GOMES JÚNIOR, 1925) É possível notar,

nesse momento, a relação do que deve ser ensinado ligado a um controle ou orientação do

Estado: “As aulas são desenvolvidas unicamente com o programa de música adaptado nas

Escolas Normaes, de acordo com a nova lei que reformou a instrução pública em S. Paulo.”

(GOMES JÚNIOR, 1925)

Em outro período, já é possível identificar a reflexão que o autor faz em relação àquela

atividade dentro do processo educativo do aluno, e sob quais bases ela se orienta: “O processo

mais simples e racional é partir-se do todo mais fácil e conhecido, e encaminhar os alunos,

intuitivamente, para o desconhecido, procurando que eles induzam por si as regras e porquês,

a razão das coisas.” Outra questão abordada neste momento é a do método como garantia de

um resultado eficiente, da educação baseada em uma construção racional: “quanto melhor e

mais racional o material empregado e o modo de utilizá-lo, tanto melhor o fruto colhido.”

(LOZANO, 1931, p. 8).

29

Fica evidente também, em alguns casos, o tipo de relação que se espera criar entre o

aluno e a área de conhecimento, o resultado esperado do processo de educação nesse campo

específico, quando há a descrição de:

“pessoas que nunca tiveram educação estético-social-artística, nem nenhuma

iniciação de discernimento de senso estético, nem souberam da utilidade

significada desse sistema de educação entre os povos civilizados, sem

nenhuma intuição de bom senso para poderem discernir ou apreciar as

manifestações elevadas dos fatos e das cousas” (VILLA-LOBOS, 1932)

Com a influência política do Estado Novo e a disseminação da prática do canto

orfeônico, a ênfase da educação, mesmo que aqui descrita somente no âmbito da educação

musical, fica claramente relacionada à um caráter disciplinador, “tendo como principal

finalidade pedagógica educar e disciplinar.” (JULIÃO, 1949, p.5)

A escola aparece destacada como a instituição capaz, ou ainda, que tem a finalidade de

promover o processo de educação, de maneira sistematizada e controlada: “A escola vai

oferecer oportunidade para enriquecer este patrimônio, em quantidade e qualidade, ampliando

e depurando o repertório do aluno”. (INEP, 1950, p. 2)

A reflexão sobre o papel da educação dentro de um âmbito mais amplo foi constatada

apenas a partir do momento em que a preocupação vai além das finalidades musicais ou

artísticas e chega a formação do cidadão inserido no contexto do país, onde há a afirmação

por parte do Ministério, em relação a elaboração de livros didáticos, que “cumpre o seu dever

básico de auxiliá-las no desempenho de sua alta função de formar os cidadãos brasileiros.”

(MEC, 1962, p. 5). Além da preocupação de inserir a pessoa em um contexto social, também

aponta para outra questão, que é a da dimensão cultural do ser humano, que vai além de sua

necessidade de inserção no mercado de trabalho ou de uma característica somente utilitária da

educação: “as matérias do curso ginasial não visam formar profissionais, mas dar ao estudante

uma ideia geral para a formação cultural necessária a qualquer pessoa, seja qual for a sua

profissão.” (JOPPERT, 1966, p.3)

Observou-se também a reflexão de autores sobre a mudança nos processos de ensino,

questionando as práticas anteriores, e justificando fracassos pela insistência na sua utilização,

e, então, propondo novos meios para a prática:

30

O ensino musical no Brasil, diante da metodologia tradicionalmente

adotada, metodologia esta ineficiente, a qual encontrava-se de longa data

superada, não consegue assim despertar o mínimo de interesse que seria

lícito esperar-se do aluno.” (CORRÊA, 1973)

Sobre o papel da educação na formação do ser humano, passa-se a levar em conta

outros aspectos, mais ligados ao desenvolvimento da personalidade, pois “ao lado do preparo

intelectual, também importa orientar o desenvolvimento das capacidades afetivas e morais,

sobretudo no sentido da formação do caráter.” (CORRÊA 1973)

Outro aspecto que começa a ser colocado em evidência é a especificação do público

para o qual se direciona o livro e também a educação, tornando o contato com o aluno mais

próximo, pela maneira que se propõe a experiência de aprendizagem:

“Este livro de educação musical tem um único propósito: ajudar você a

aprender música de uma forma simples e agradável. Nós acreditamos em

você e na sua vontade de aprender. O texto foi escrito com palavras que você

entende e como sabemos que você gosta de quadrinhos sempre

acompanhamos o texto com muitas ilustrações que tornam ainda mais fácil a

compreensão da matéria.” (COTRIM, 1975, p.4)

Coloca-se, mais recentemente, a necessidade de entender o processo de

desenvolvimento humano para poder atuar a seu favor e colaborar de maneira positiva:

“Como recomendação, pode-se dizer que, quanto mais conhecermos o desenvolvimento

humano, mais eficaz será o trabalho educativo no campo da música.” (ROSA, 1990, p. 16)

Já se aponta também para questões mais amplas para a formação do ser humano,

considerando que “a melhor forma de trabalho pedagógico é aquela que proporciona a

educação da pessoa inteira, criativa e crítica.” (ROSA, 1990, p.19) Tal preocupação é voltada

para os aspectos da função da educação no contexto social, quando descreve-se que “Essa

educação facilitará a formação do sentimento de cidadania, o enriquecimento de nossa cultura

popular e, principalmente, a compreensão, por parte do aluno, da importância de sua

participação e do papel na sociedade.” (ROSA 1990 22)

Nesse sentido, também é ressaltada a importância de fazer o ser humano interagir

melhor com o meio em que vive, pois a criança “penetra progressivamente no mundo dos

sons e, quanto mais adequados forem os estímulos sonoros, melhor ela captará o ambiente que

a rodeia.” (NICOLAU, 1995, p.162)

31

5.2.2 Concepções de música

A definição do que se entende por música também pode ser um conceito determinante

na elaboração de propostas para o ensino musical na escola, visto que dessa ideia é que se

pode extrair o que seria necessário ensinar, ou que aspectos, sejam humanos ou artísticos,

podem ser desenvolvidos a partir da presença da música no processo de educação e qual seu

lugar na vida e no contexto escolar.

A música e sua descrição são associadas ao contexto educacional e à função que ela

desenvolve, estabelecendo partes fragmentadas:

“1º) A Música representando sons, encantando o ouvido, emocionando o

coração, e interessando o espírito; 2º) A Melodia despertando o sentimento e

o gosto pela música; 3º) A Harmonia nas suas diversas partes, educando o

ouvido; 4º) O ritmo despertando o conhecimento dos diversos gêneros de

musica;” (GOMES JÚNIOR, 1925)

Também é possível encontrar a descrição de um tipo aceitável de música e de

execução musical, conceito transmitido aos alunos: “[...] na musica cumpre empostar o som

para a sua emissão, de modo que haja fidelidade entre o interpretador musical e o artista que

compõe.” (GOMES JÚNIOR, 1925)

Antes que se exponha qualquer definição para a música, ela é associada a um modo de

apreensão racional, que, pela descrição, parece remeter apenas ao aspecto intelectual:

A música, como linguagem falada e escrita, deve ser ensinada, pensamos, de

igual forma que as demais matérias, isto é, analiticamente, ou antes,

naturalmente, como costumamos dizer, empregando-se os processos mais

simples e racionais. (LOZANO, 1931, p.8)

O repertório apresentado aos alunos se mostra restrito, que, pode-se deduzir, o contato

do indivíduo com a música apenas no contexto escola, faz com que ele mesmo crie um

universo limitado da produção musical, que com a descrição do livro envolve “elementos de

teoria musical, um trecho de obra didática, hinos [oficiais] e canções [patrióticas]” (JULIÃO,

1949, p.6)

32

A música passa então a ser apresentada como um meio de expressão e como uma

matéria escolar: “Meio de expressão dos mais sugestivos, a música, dentre os aspectos que

oferece como matéria de estudo [...]” (INEP, 1950, p. 2). Ideia que ainda não é ampliada e

regride à exposição de uma visão restrita da música ao campo que se pretende trabalhar com

ela: “Destina-se a servir de auxiliar ao professor primário, contendo canções fáceis de serem

cantadas a uma voz.” (MEC, 1962, p. 6)

Ainda do ponto de vista da expressão de sentimentos, posteriormente, é feita uma

reflexão de maior amplitude desse aspecto, considerando que: “a música está inteiramente

ligada ao nosso estado de espírito.” Apesar de ser, no pensamento exposto pelo autor,

relevante apenas quando elaborada de uma determinada maneira considerada mais correta:

“Não se conscenda em ouvir música inferior, mesmo de permeio com música elevada, pois,

desta maneira, uma e outra tende a equivaler-se.” E ainda dependente de uma apreensão

racional, configurando, com esta outra colocação, uma contradição no pensamento do autor:

“Ora, a boa música, em regra, exige esforço de compreensão e não revela de imediato o seu

segredo. Só se torna acessível depois de estudada e assimilada” (CORRÊA, 1973)

No mesmo sentido, é proposta a ideia de transmissão do belo e a atribuição a um

determinado tipo de pessoa a capacidade de produzir beleza e se expressar por essa

linguagem:

“Os homens, como o escultor, que nos transmitem a beleza com a maior

habilidade e organização são chamados artistas. E os artistas, procurando

transmitir a beleza através do som, da imagem, do movimento e da palavra

deram origem às Artes, como a Literatura, a Escultura, a Pintura, a Dança, a

Arquitetura e a Música.” (COTRIM, 1975, p. 9)

Há definições baseadas em princípios fechados de organização e transmissão de

beleza, que consideram que “O elemento essencial da música é o som. E a música, como toda

arte, nasce de uma atividade organizada. Assim o músico organiza os sons para que sua

música se torne agradável e transmita a beleza.” (COTRIM, 1975, p. 11)

Outro aspecto que entra em questão, embora não seja muito recorrente a definição

deste elemento nos livros analisados, é da ideia tradicional do que produz música, mesmo no

século XX: “Na música nem todo tipo de som pode ser usado, pois o músico, preocupado com

a beleza, utiliza somente: (X) sons agradáveis ( ) sons desagradáveis.Os sons empregados na

música recebem o nome de sons musicais.” (COTRIM, 1975, p.19)

33

Esse pensamento, de definição a partir de um conceito mais fechado e do potencial

criador e artístico perdura na produção dos livros. Vemos a colocação da música como uma

forma de criação artística que tem um material específico para ser construído: “O homem não

se satisfaz em contemplar as criações da natureza. Ele sempre sentiu necessidade de criar suas

próprias obras. [...] o homem cria obras de arte usando o som.” (BOTELHO, 1982, p.8-9)

Encontrou-se definições generalizantes e simplistas: “A música é a arte que trabalha com os

sons. Mas para haver música é necessário organizar os sons.” (BOTELHO, 1982, p.27)

O conceito é visto também como um recurso de expressão diretamente ligada ao

aspecto emotivo: “A música é uma linguagem expressiva e as canções são veículos de

emoções e sentimentos, e podem fazer com que a criança reconheça nelas seu próprio sentir.”

(ROSA, 1990, p. 19) E como uma linguagem, a partir da qual o ser humano pode se

comunicar e se expressar “valendo-se da fala, da escrita e da linguagem corporal, plástica e

musical.” (NICOLAU, 1995, p.162)

5.2.3 Concepções de educação musical

Os autores também apresentam ideias sobre a utilidade ou a função da educação

musical, especificamente, e com quais meios ela pode ou deve ser desenvolvida. A educação

musical esteve vinculada a diferentes políticas e práticas e isso fica evidenciado na exposição

dos autores a respeito da importância ou do papel do ensino de música no contexto escolar.

Relatam também o que pretende proporcionar aos alunos, das possibilidades de exploração de

aspectos artísticos, humanos ou na transmissão de conhecimentos, apenas.

Quando a educação musical estava diretamente vinculada ao canto coral fica claro que

a definição para esta atividade, assim como sua finalidade, fica restrita a esse campo e ao

repertório utilizado: “A utilidade dos coros orfeônicos consiste em educar e desenvolver o

gosto pela música coral, assim como despertar o interesse pela musica caracteristicamente

nacional.” (GOMES JÚNIOR, 1921) Outra preocupação evidente são os meios para tornar

essa prática possível, para que o aluno fosse capaz de cantar em conjunto, ou que o professor

soubesse quais os requisitos necessários para desenvolver em seus alunos, em uma visão mais

34

técnica da educação musical, considerando que “o solfejo é a base do ensino de música. Os

alunos devem solfejar a tempo, marcando os compassos, com pouca voz, para não prejudicar

a emissão, procurando respirar nos lugares indicados, como adiante se explica” (GOMES

JÚNIOR, 1925)

Pode-se ver a discussão da música como mais um entre os elementos que constituem o

processo educativo desenvolvido na escola, adotando a mesma lógica de aprendizagem e

“como linguagem falada e escrita, deve ser ensinada, pensamos, de igual forma que as demais

matérias, isto é, analiticamente, ou antes, naturalmente, como costumamos dizer,

empregando-se os processos mais simples e racionais.” (LOZANO, 1931, p. 8) Também é

possível identificar a busca por benefícios atingidos por meio do ensino de música e em quais

aspectos humanos atua: “sempre insistimos perante os alunos sobre a benéfica influencia que

a boa linguagem dos sons exerce no desenvolvimento de nobres sentimentos, por dirigir-se

principalmente ao coração” (LOZANO, 1931, p.8)

A música na educação esteve muito voltada para outras finalidades, como aquelas de

caráter moral e com o intuito de despertar sentimento cívico e o gosto para um determinado

tipo de repertório,

tendo como principal finalidade a educação artística e musical, é uma obra

de documentos analisados e selecionados, obedecendo a uma ordem de

classificação de música para a formação do gosto artístico como o mais

agradável auxílio à educação cívico-social. (VILLA-LOBOS, 1932)

A ênfase no objetivo final de tornar os educandos capazes de ouvir e apreciar a

música, de acordo com os valores que serão desenvolvidos na aula é novamente exposta,

considerando que “se nossos amáveis leitores tirarem proveito desta obra, a ponto de se

tornarem apreciadores conscientes da arte que adoramos, já ns sentimos regiamente pagos e

recompensados.” (IZZO, 1947, p.1)

Pode-se identificar ideias que apontam um caminho que passa a considerar a

experiência fundamental como a vivência do aluno, numa tentativa de superar a prática

anterior voltada para a aquisição de conhecimentos teóricos, definindo a educação na escola

como aquela que atua:

Visando, essencialmente, musicalizar a criança, as aulas de canto orfeônico,

na escola primária, procurarão desenvolver-lhe a sensibilidade auditiva e o

35

senso rítmico, habituando-a, antes de qualquer contato com a teoria musical,

a viver a música, sabendo compreendê-la, apreciá-la e ouvi-la com interesse,

cantando com prazer e correção. (INEP, 1950, p.2)

Outro caminho que a música na escola percorreu foi de auxiliar o professor com

canções a ensinar outros conteúdos que não musicais, que orientam às crianças a uma rotina

ou um tipo esperado de comportamento, e nesse sentido o livro e consequentemente a prática

da educação musical se restringe a “melodias que atendam às condições exigidas pela

pedagogia musical para a idade infantil.” (MEC, 1962, p. 6)

Em certo momento, pode-se concluir que a música esteve relacionada a um papel

menor dentro da vida, em uma visão de entretenimento ou somente com o objetivo de

preparar a pessoa para convenções sociais:

“O pequeno conhecimento musical que adquirir servirá, pelo menos, para

impedir que você faça feio ao assistir um concerto ou um espetáculo de

ópera. Além disso o homem não vive exclusivamente de sua profissão. Nas

horas de folga ele tem necessidade de ter uma atividade diferente. Quase

todos tem o seu hobby, uma ocupação preferida para descansar dos encargos

do seu trabalho. Um dos hobbies preferidos , é ouvir música na vitrola,no

rádio, na televisão e também cantar.” (JOPPERT, 1966, p. 3)

Outro pensamento da educação musical com um objetivo bem específico, o de

direcionar o trabalho para uma pratica considerada correta, “fazendo com que o aluno se torne

um ouvinte consciente, isto é, [dando] condições para o julgamento consciente daquilo que

ouve (crítica musical).” E também ressaltando que esta função se encaixa em um sentido mais

amplo, no qual “de um modo geral o papel da Educação Musical nas escolas é puramente

educacional no sentido da formação da personalidade [...]” (CORRÊA, 1973)

Um processo de transformação observado é quando se vê que a música já é entendida

como um elemento importante dentre os outros aspectos da vida, porém seu desenvolvimento

na educação ocorre com uma visão mais tradicional:

“Neste livro você participa preenchendo lacunas, marcando alternativas,

resolvendo brincadeiras e descobrindo que estudar é uma atividade bastante

agradável. Procuramos relacionar a música com os acontecimentos de sua

vida diária e com os conteúdos das outras matérias que você estuda na

escola.” (COTRIM, 1975, p.4)

36

Há a apresentação do que se acredita ser a participação ativa do aluno nas aulas de

educação musical, definida como “cantar, bater palmas, andar, marcar passo, balançar o

corpo, fazer ruídos, desenhar figuras e até fazer instrumentos musicais.” (BOTELHO, 1982,

p.3). Também mostra uma possível função, que seria a de preparar o aluno para ser capaz de

apreciar as criações artísticas, objetivo que vêm enraizado desde a prática do canto orfeônico,

pois “devemos educar nossos sentidos e nossa sensibilidade. É através da sensibilidade que

apreciamos uma pintura, uma música, uma dança ou qualquer outra obra de arte.”

(BOTELHO, 1982, p.9)

A educação musical passa a ser realizada com a ideia de que “proporciona a vivência

da linguagem musical como um dos meios de representação do saber construído pela

interação intelectual e afetiva da criança com o meio ambiente.” (ROSA, 1990, p.16) E em

contraposição ao que ocorria no passado, o enfoque da música na sala de aula passa a

considerar que “as atividades do ensino de música devem oferecer à criança a vivência de

fatos musicais, a fim de garantir que ela possa utilizar realmente linguagem musical.” (ROSA

1990 17)É possível observar um discurso de contestação da prática anterior, quando é exposto

que:

a atividade com linguagem musical não é uma simples oportunidade para o

professor fazer recreação. Em muitas circunstâncias bem planejadas, ela é

uma forma de representação de vida da criança; Nessas condições, pode-se

dizer que a música contribui sistemática e significativamente com o processo

integral do desenvolvimento do ser humano.” (ROSA, 1990, p.20)

Ainda assim, observa-se pensamentos ligados à uma tradição anterior, baseada no

refinamento de um gosto considerado correto: “O ensino da música favorece o

desenvolvimento do gosto estético e da expressão artística, além de promover o gosto e o

senso musical.”. Tal formação é ainda baseada em princípios racionais, “educando adultos

capazes de usufruir a música, de analisá-la e de compreendê-la.” (ROSA, 1990, p. 21). E

também atuando de forma a moldar o aluno na adequação à uma expectativa social:

“As atividades musicais contribuem para que o indivíduo aprenda a viver na

sociedade, abrangendo aspectos comportamentais como disciplina, respeito,

gentileza e polidez e aspectos didáticos, com a formação de hábitos

específicos, tais como os relativos a datas comemorativas, a noções de

higiene, a manifestações folclóricas e outros.” (ROSA, 1990, p. 22)

37

Mas, mesmo ressaltando a possibilidade de proporcionar diversos benefícios em

outros aspectos, nota-se uma tendência de considerar o desenvolvimento musical como fim

esperado com o objetivo de

desenvolver a linguagem sonora ou musical. Para isso, coloca à disposição

das pessoas atividades apoiadas na expressão corporal e na oralidade,

atividades que envolvem o som e o ritmo, estimulando a discriminação

auditiva, o senso rítmico e a expressão vocal. (NICOLAU, 1995, p.162)

5.2.3 O professor de música para esse contexto

A discussão sobre quem deve assumir a responsabilidade sobre o ensino de música

esteve relacionada ao professor especialista em música e ao pedagogo. Outro aspecto em

questão é sobre as qualidades que este precisa ter para uma ação eficiente e,

independentemente de sua formação, se o resultado do processo é depositado em suas atitudes

e capacidades.

Inicialmente, os livros pressupõe que o professor já domine o conteúdo e a maneira de

abordá-lo, visto que as orientações são muito gerais, ou mesmo que ocorre a utilização de uma

terminologia mais técnica. Fica bem explícito também que há uma ordem a ser seguida:

Para a sua perfeita execução o professor examinará individualmente todas as

vozes, classificando-as respectivamente: soprano, meio-soprano, contralto,

tenor, barytono e baixo. Antes de serem iniciados os cânticos orpheonicos o

professor fará exercícios de vocalização na extensão de cada uma das vozes,

e ensinará o empostamento das vozes, e a maneira para a perfeita dicção e

boa respiração. Fará a analyse da composição musical que deve ser

executada pelos coros, relativamente à espécie e ao gênero da musica dando

à execução uma interpretação conscienciosa (GOMES JÚNIOR, 1921)

Essa crença no método, no preparo do professor para obter resultados positivos é

novamente apresentada: “No ensino coletivo, como é sabido, o maior ou menor resultado

38

depende, quase que exclusivamente, do preparo, habilidade e, principalmente,

comunicabilidade e entusiasmo do professor.” (LOZANO, 1931, p. 7)

E, desse fato, é colocada em questão a preocupação de muitos professores atuantes não

terem a formação considerada necessária para cumprir o que consta nos programas oficiais:

“A classe de professores de canto orfeônico, como V.S. o sabe, não se constitui somente de

elementos que tenham realizado curso daquela especialização, pois, se isso se verificasse,

inútil seriam as instruções” (JULIÃO, 1949, p.9-10)

A questão da formação específica do professor, em certo momento, é apresenta em um

quadro precário da formação dos professores de base (que sugere um problema ainda mais

grave que a falta de professores com formação musical) desse contexto da educação e situa o

livro como um auxílio no processo, para

atender a professora brasileira muito poucas vezes ajudada no sentido de

melhor cumprir sua missão. Segundo nossos cálculos, cerca de 2 milhões de

crianças estão sendo educadas neste momento no Brasil, por professores que

não tem sequer a 4ª série primária. Aquelas que, mais felizes, conseguiram

completar cursos normais, ressentem-se igualmente de deficiências na sua

formação profissional, de falta de amparo e estímulo ou de meios materiais

necessários à boa execução de sua nobre tarefa educacional. (MEC, 1962)

Após uma fase de apresentação de catálogos de partituras e conteúdos teóricos, é

observada com mais frequência a elaboração do livro de uma maneira sequenciada, como um

recurso que auxilie o professor a discriminar o que e quando utilizar, quando há indicação de

que a matéria exposta “deverá ser aplicada alternadamente, de acordo com o critério do

professor.” (JOPPERT, 1966, p. 2)

Talvez pelo crescimento de ambientes de ensino de música especializados, atuando

inclusive na iniciação musical, essa preocupação com o professor especialista é cada vez mais

tomada como um aspecto relevante: “O ensino da música, sempre que possível, deveria ser

entregue a especialistas. O ideal seria que cada grupo escolar pudesse ter o seu professor de

música, para o ensino do canto e formação do orfeão.” E esta necessidade é colocada como

um elemento essencial, e não mais tanto dependente de características pessoais que o

pedagogo poderia empreender ao trabalhar com esse conteúdo, que não domina: “A boa

vontade é importantíssima em toda atividade que se realiza, nesta vida, mas somente com ela

39

não é possível ensinar música. O professor precisa ter preparo, conhecer muito bem sua

matéria, saber reger e tocar bem um instrumento, pelo menos.” (MAHLE, 1969, p.93)

A atuação do professor passa a ser vista além do âmbito da formação de seu aluno e do

contexto, escolar e social, e passa a dever ser realizada de modo a atingir um objetivo coletivo

em favor da música na escola, configurando outra necessidade, a de formação de uma

identidade para a imposição da área, quando “necessário se torna que os profs. de música nos

auxiliem, a fim de que reconduzamos o ensino musical no Brasil ao lugar que lhe é

reservado.” (CORRÊA, 1973)

O professor, em determinado momento, e deslocado desse movimento em favor de um

objetivo maior e de conscientização de uma prática comum, é colocado como uma função

como outra qualquer na sociedade, onde todas as “ pessoas trabalham em atividades

diferentes. [...] A atividade do pedreiro é construir casas. A atividade do guarda é atravessar

as crianças e a atividade do professor é ensinar aos alunos.” (COTRIM, 1975, p.5)

Em alguns casos, a figura do professor não aparece diretamente contextualizada no

livro, mas é possível fazer a leitura de que a visão que se tinha dele de detentor do

conhecimento, passa para um mediador, ou alguém capaz de orientar o processo a ser

construído pelo aluno: “Você pode fazê-los sem dificuldades na sua casa ou na escola. Peça

orientação ao professor e aos seus pais.” (BOTELHO, 1982, p.3)

Quando o professor passa a ser entendido como quem media o processo de

aprendizagem, nota-se a preocupação em fazer com que o ele reflita sobre essa sua condição:

Sabemos que o educador consciente apresenta aos alunos as mais variadas

situações de aprendizagem, e entre elas as que envolvem a linguagem

musical. [...] O educador atento olha o mundo e descobre objetivos

importantes na utilização da linguagem musical. (ROSA, 1990, p.20)

E a partir dessa atitude de reflexão, espera-se que ele passe a agir de maneira positiva

no processo de aprendizado do aluno, possibilitando e não mais impondo o contato da criança

com a música, pois o professor “deve propiciar situações em que a criança possa olhar o

mundo e se expressar.” (ROSA, 1990, p. 18). Além disso, é depositada no professor a

responsabilidade de garantir o sucesso com os resultados na educação dos alunos “pela

postura reflexiva e crítica do professor, facilitando a aprendizagem, propiciando situações

40

enriquecedoras, organizando experiências que garantam a expressividade infantil.” (ROSA,

1990, p. 19)

O professor de música é então apresentado não mais como alguém com um conteúdo a

transmitir ou um roteiro a seguir, mas um agente do processo, com a importância dada em

relação à atenção que ele dispõe aos alunos e a forma como eles interagem:

O professor é um elemento imprescindível no processo de ensino-

aprendizagem. Sua ação pedagógica é exercida com crianças, que mantém

um dinâmico potencial criativo. As experiências estão aí para serem feitas e

o modo de o professor com concretizá-las tem de se ajustar às características

dos alunos com quem ele está trabalhando. (NICOLAU, 1995, p.173)

E embora passe a ser dada ao professor a possibilidade de proporcionar um contato

mais livre e ativo dos alunos, com o conteúdo ou que a expressão da linguagem, ainda ressalta

que ele deve estar sempre controlando a situação, quando coloca que “delegar às crianças a

condução da aula não significa que o educador não deva ter sua proposta de trabalho.”

(NICOLAU, 1995, p.177)

5.2.4 Sobre o aluno

Em um primeiro momento, é esperado que o aluno seja capaz de se encaixar em um

formato pré-concebido, agir de acordo com um determinado comportamento para atingir um

resultado coletivo e padronizado, “afim de que sejam conseguidas as necessárias nuanças

indispensáveis à boa execução.” (GOMES JÚNIOR, 1921, p.5)

A maneira pela qual o conhecimento é apresentado passa a ser colocado em evidência,

questionando o interesse dos alunos, e essa questão parece ser apresentada em um momento

de declínio e desvalorização, por parte dos alunos, do ensino de música no contexto escolar:

A cada melodia corresponde uma dose bem graduada de noções teóricas, que

o aluno surpreende no vivo, aplicadas na própria melodia. E assim os seus

conhecimentos intelectuais de música vão se fazendo gradualmente e

instintivamente, sem que ele se proponha a um estudo teórico, que é sempre

41

o lado por onde o conhecimento se torna aborrecido pras crianças.”

(LOZANO, 1931)

E a partir do momento que o autor se dirige diretamente ao aluno, expõe a maneira que

este deve se colocar diante do seu processo de ensino: “só lhes resta um recurso: estudar,

estudar sempre, trabalhando o mais racional e intensamente possível para alcançar o que

outros já alcançaram, cientes sempre de que tem na frente o infinito.” (LOZANO, 1931, p. 15)

A avaliação do aluno também é estabelecida por critérios expostos, onde ao final do

processo, a criança deve ser capaz de reproduzir os ensinamentos, em seus conceitos,

escolhas, definições através de “músicas selecionadas com o fim de permitir a observação do

progresso, da tendência, temperamento e gosto artístico revelados na escolha feita pelo aluno,

das músicas adotadas para este gênero da educação.” (VILLA-LOBOS ,1932)

Sobre a questão da avaliação do aluno, fica clara a inserção da música no sistema de

ensino vigente, quando “a cada aluno será dada uma nota mensalmente da avaliação do seu

aproveitamento. A nota mensal será dada por meio de exercícios orais e práticos realizados

em aulas.” (JULIÃO 1949 p.9)

O aluno passa, posteriormente, a ser entendido em sua dimensão humana, quando as

propostas consideram que o aluno possui uma experiência anterior, levando em conta, na

elaboração da proposta, que “ao entrar para a escola, a criança, de modo geral, já possui um

pequeno patrimônio musical, constante de canções e o resultante da fusão dos seus dotes

inatos com a influência do meio em que vive.” (INEP, 1950, p. 2)

Entretanto, ainda vigoram ideias relacionadas a restrição da prática da música para

alguns poucos, com características aceitas para a prática da música que se sobressaem aos

demais: “Há dentre eles os vários desafinados e o ensino não seria “direito’, devido ao

número de alunos.” Aponta, inclusive, caminhos alternativos para aqueles não dotados

musicalmente, visando um melhor resultado do produto final: “poderemos aproveitá-los na

banda rítmica, tocando ritmos fáceis, se para isso também forem pouco dotados, ou

executando partes mais difíceis, conforme sua capacidade.” (MAHLE, 1969, p.93)

Os autores também descrevem aquelas atitudes dos alunos que desfavorecem a

aceitação da música no ambiente escolar, quando a concepção de educação é voltada para um

caráter mais utilitário e concreto:

42

Os jovens estudantes, principalmente os de hoje em dia, são talvez um tanto

pretenciosos, no sentido de procurar estudar ou dedicar-se com mais afinco

às disciplinas que lhes ajudarão mais tarde a ingressar numa faculdade.

Quase nunca chegam a entender a necessidade das chamadas “Práticas

Educativas” onde se situa a Educação Musical, de vital importância na

formação da personalidade dos mesmos. (CORRÊA, 1973)

O aluno, aos poucos, começa a ser integrado como uma parte que também deve atuar

no processo de aprendizagem, quando o autor se dirige a ele afirmando que através das

atividades propostas pelo livro, o aluno “vai participar ativamente das aulas de educação

musical.” (BOTELHO, 1982, p.3) Nesse sentido, observa-se a afirmação de todos como

capazes de produzir arte, mesmo especificando que há os que possuem maiores habilidades

para isto: “Todos nós podemos criar obras de arte. As pessoas que possuem grande

capacidade para criar são chamadas artistas.” (BOTELHO, 1982, p. 2) E então, o aluno é

considerado no aspecto de seu desenvolvimento, que deve ser entendido e respeitado no

processo da educação:

A criança, de uma certa forma, desenvolve-se de uma maneira que reproduz

a própria história do desenvolvimento de sua espécie: ela cresce em seu

conhecimento da música descobrindo os sons e os ritmos, desenhando,

garatujando, experimentando instrumentos musicais; confeccionando-os,

descobrindo novos sons. (ROSA 1990 18)

Apesar de um pensamento veiculado anteriormente em grande medida, tanto implícita

quanto explicitamente, que é do ensino de música voltado para os talentosos, a ênfase na

música para todos passa a ser considerada como não prejudicial o desenvolvimento das

propostas, o que demonstra uma ampliação da concepção da educação musical e suas

propostas de realização:

Nossa proposta prevê a participação de todas as crianças, mesmo

considerando que algumas delas têm habilidades específicas, que lhes

possibilitam um melhor desempenho, e outras apresentam dificuldades a

serem superadas a longo prazo. (NICOLAU, 1995, p.168)

43

5.3 PERSPECTIVAS ATUAIS

O panorama atual, da legislação após as mudanças com a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional de 96, é estabelecido a partir da lei 11.769, aprovada em agosto de

2008, em que a música se torna conteúdo obrigatório, uma nova série de questões é colocada

em evidência. O projeto de lei, cujas alterações foram sancionadas em agosto de 2008, indica

algumas dessas alterações nos diversos aspectos analisados nesta pesquisa.

A educação é vista sob a perspectiva do desenvolvimento mais abrangente do ser

humano, considerando “uma formação mais humanística dos estudantes, na qual serão

desenvolvidas habilidades motoras, de concentração e a capacidade de trabalhar em grupo, de

ouvir e de respeitar o outro.”. A música é compreendida em seus aspectos teóricos, históricos

e sensíveis que compreendem “elementos musicais (timbre,dinâmica, tempo, ritmo, forma)

nas peças escutadas, inclusive seu contexto histórico e cultural, sem menosprezar as emoções

e as impressões”. Por esse pensamento, a educação musical é vista como essencial para “o

desenvolvimento das habilidades cognitivas, psicomotoras, emocionais, afetivas” e aponta

também para questões de socialização e interdisciplinaridade.

O projeto de lei visava também de estabelecer como regra a atuação do professor

especialista, com formação específica, embora o artigo tenha sido vetado. O aluno é

considerado em sua particularidade e sua experiência é inclusa no processo pedagógico, “pela

valorização da cultura que o aluno já possui, estabelecendo elos com a música que lhe é

familiar e agradável, sem, no entanto ignorar a possibilidade de novas experiências”.

(http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=67E3B0847783

2611C1DF587409DCF8A7.node1?codteor=576175&filename=Avulso+-PL+2732/2008)

A produção de livros, influenciada por esse novo contexto “tem se renovado, talvez

pelas exigências do mercado, pela mudança de comportamento da criança ou mesmo pela

renovação da escola.”. (SOUZA ,1997, p. 10) Essa nova produção aponta para uma ampliação

do repertório, uma participação dos alunos e grande enfâse no aspecto gráfico, audiovisual e

da linguagem, de modo que se torne estimulantes e atraentes ao mercado e ao público-alvo.

44

A compreensão de como foram estabelecidas as estruturas do ensino de música e sob

quais bases colaboram para “avaliar as produções recentes e tendências editoriais do setor,

bem como observar aspectos ligados à circulação dos livros já produzidos.” (SOUZA, 1997,

p. 10) Isto pode ser auxiliado pelo aumento de estudos acadêmicos relacionados a este tipo de

produção em diversas áreas do conhecimento, a partir da década de 50, abordando a “análise

de seu conteúdo, com as mais variadas ênfases.” e também o embasamento psicopedagógico e

a dimensão ideológica relacionados a elaboração desse material. (FREITAG, 1997, p. 65-66)

Estes aspectos podem dar impulso para novos estudos a partir da produção de livros didáticos

para o ensino de música no Brasil.

45

6. CONCLUSÕES

Este estudo é capaz de elucidar que na trajetória da educação musical no ensino

fundamental alteraram-se não somente políticas, legislações e práticas, mas também o

pensamento, as concepções dos elementos que envolvem o fazer musical nesse contexto.

A partir do discurso dos próprios autores dos livros, é possível verificar processos que

constroem e transformam pensamentos da educação musical e de todos os elementos que

envolvem esta prática. Com o relato dessas concepções traçadas em um percurso histórico, é

notável o fato de que a exposição do pensamento envolvido na elaboração de uma proposta

que dialogue com a prática passa a estar cada vez mais presente nos livros didáticos.

Dado este quadro, é possível uma maior compreensão desses aspectos vigentes em

cada período, com vias a identificar momentos relevantes no processo de transformação de

pensamento, de alteração das práticas e como se manifesta nos livros, o registro histórico

tomado como base para este estudo.

Compreendeu-se também que todas as transformações que ocorrem necessariamente

garantem que haja efetivamente uma mudança de atitudes ou de procedimentos relacionados

ao ensino de música na escola. Há diferentes concepções e práticas que coexistem e que

podem ser verificadas através desse registro histórico no livro didático, presente nas relações

de ensino pela sua produção e pelos elementos que envolvem sua elaboração e utilização.

Percebeu-se que Inicialmente, a preocupação voltava-se mais para a questão do

método, em de como organizar e sequenciar conteúdos e aulas, demonstrando um sistema

essencialmente racional e padronizado de acordo com normas oficiais., Ao longo do tempo,

pouco a pouco é possível observar com mais freqüência a exposição, mesmo que breve, do

pensamento pedagógico que envolve a elaboração de determinada proposta pedagógico-

musical. Vê-se que o discurso é, então, desenvolvido de maneira a apresentar as bases que

norteiam o método e sobre o que se entende pelo processo de aprendizagem, apontando para

uma reflexão sobre o motivo de adotar uma ou outra maneira de desenvolver cada trabalho.

A definição do processo educativo é abordada propondo os resultados esperados, seja

em contribuições para a formação do aluno ou do papel da educação dentro do contexto

social. Observou-se, nesse sentido, diferentes aspectos dessa questão: se por um lado

pretende-se enquadrar o aluno em uma convenção social, torná-lo disciplinado ou ampliar seu

46

repertório de conhecimento, por outro coexistem ideias contrárias diante da forma

convencional de se preparar um cidadão, optando-se por privilegiar, dessa forma, o

desenvolvimento da personalidade, a formação cultural e preparo intelectual de cada aluno.

Experiências mais recentes destacam a importância fundamental do conhecimento

sobre o desenvolvimento humano para poder agir corretamente no processo educativo, de

forma que além de considerar todos os aspectos citados anteriormente, a educação deve

trabalhar no sentido de propiciar a melhor interação do ser humano com o meio.

Sobre os recursos utilizados para o entendimento da música, nota-se o costume de

fragmentá-la em seus aspectos constitutivos atribuindo uma função a cada um deles e uma

tendência no sentido de estabelecer um tipo correto de música, tanto para apreciação como

para produção e estabelecendo um repertório específico para aquele contexto. Verificou-se

que por diversas vezes, sua definição se volta apenas para seus aspectos teóricos e históricos,

limitando sua abrangência no contexto escolar.

De maneira geral percebe-se que a música é concebida como uma linguagem, a ser

assimilada e interpretada de modo racional e intelectual ou, em oposição a esta visão, como

algo que apela para o aspecto emocional. A partir destes preceitos estabelecem-se novos

parâmetros para seu entendimento, como um meio de expressão e como um campo da criação

humana, muitas vezes emitindo conceitos fechados de organização, beleza e sonoridades

musicalmente apropriadas.

Essa visão de música reflete na questão da educação musical, e um ponto muito

questionado é acerca da sua utilidade dentro do contexto escolar. Quando o ensino de música

é diretamente ligado a um tipo específico de prática, nota-se que o desenvolvimento de seus

aspectos técnicos é colocado em evidencia, assim como despertar o interesse pelo repertório

estabelecido, além da ênfase na dimensão extramusical, cívica e disciplinadora, moralizante e

para a aquisição de comportamentos adequados.

Com o decorrer do tempo, a preocupação voltou-se para a importância do ensino de

música dentro do processo de educação e desenvolvimento, transformando a ideia de

realização por um processo técnico e intelectual através de uma participação ativa e de

vivências, ainda que isto tome um caminho mecanicista na atuação. Esta discussão

basicamente atinge dois polos: por um lado se prepara a pessoa para ser capaz de fruir e

executar uma linguagem; por outro vê-se uma representação que contribui para o

desenvolvimento do ser humano em diversos aspectos.

O conflito sobre a figura que deve assumir a responsabilidade sobre este processo se

mostra presente desde o início das análises. Mas tanto para o pedagogo que atua nas séries

47

iniciais, quanto para o especialista que domina os conteúdos de música, verificou-se que a

garantia da efetivação dos resultados almejados se dá pela eficácia de sua atuação, relacionada

ao seu preparo e à sua motivação.

A transformação vista foi na dimensão de como esse profissional deve agir,

inicialmente de acordo com uma prática padronizada e orientada passo a passo, caminhando

para aquela em que ele decide sobre a ordem de realização, e se mostra atento às necessidades

do aluno, como um mediador do processo, e principalmente, chegando a um estágio que ele

reflita sobre sua condição e suas possibilidades.

Por parte do aluno, inicialmente, espera-se que se encaixe em um padrão para atingir

um produto final coletivo, este enfoque é questionado à medida que os autores colocam em

questão o desinteresse dos alunos por esse tipo de prática, fato que justificaria inclusive a

desvalorização da área. São destacadas características que o aluno deve apresentar e também

aquelas não desejáveis, que acabam por tornar o ensino excludente. Mesmo com esses

aspectos ainda permeando o ensino de música, o aluno passa a ser considerado na sua

dimensão humana, com aspectos fundamentais a desenvolver e sua experiência anterior é

considerada para o processo de aprendizagem.

Considerando que o estudo de uma perspectiva histórica pode ajudar a entender o

presente, pode-se compreender melhor de que maneira foram estabelecidas concepções e de

estruturas que vigoram ainda hoje. Conclui-se que essa dimensão da analise da educação

musical pode contribuir para a tomada de consciência da complexidade do processo,

ampliando o espaço para discussões, com vias a estabelecer o pensamento e a prática

condizente com o pensamento atual.

48

7. REFERÊNCIAS

BOTELHO, Suzy. Educação Musical. São Paulo: Ática, 1982

CORREA, Sérgio. Ouvinte Consciente. Educação Musical. Para cursos ginasial e normal.

1973

COTRIM, Gilberto Vieira. TDEM – Trabalho Dirigido de Educação Musical. São Paulo:

Ed. Saraiva, 1976

ECO, U.; BONAZZI, M.;. Mentiras que Parecem verdades. São Paulo: Summus, 1980.

FONTERRADA, Maria Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e

educação. 2ª Ed. São Paulo: Editora UNESP, 2008.

FREITAG, Bárbara .COSTA, Wanderly F. da.; MOTA Valéria R. O livro didático em

questão. 3. ed. São Paulo: Cortez Editora, 1997

GOMES JÚNIOR, João. Orpheon Escolar: série segunda. São Paulo/Rio de Janeiro: Cia.

Melhoramentos de S. Paulo, 1921.

GOMES JÚNIOR, João. Aulas de Música. São Paulo: Companhia Graphico-Editora

Monteiro Lobato, 1925

INEP Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Canto Orfeônico no curso primário.

Sugestões para organização e desenvolvimento de programas. Ministério da Educação e

Saúde.. Rio de Janeiro, 1950

IZZO, Miguel. Pequena Antologia. II parte. São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1947

JOPPERT, Maria Augusta. Educação Musical no Curso Secundário. 8. Ed. Rio de Janeiro:

Eulenstein Música, 1967

JULIÃO, João Baptista. Hinos e Cantos Escolares. Para uso dos conservatórios e dos cursos

primário, secundário, normal, comercial, industrial e colegial. 7 ed. Casa Wagner. São Paulo,

1949

49

LOUREIRO, Alícia Maria Almeida. O ensino de música na escola fundamental. Campinas,

SP: Papirus, 2003. 3ª Ed. 2007.

LOZANO, Fabiano. Alegria das Escolas. 137 ed. São Paulo: Ricordi, 1959.

MAHLE, Maria Aparecida. Iniciação Musical. Rio de Janeiro/ São Paulo: Irmãos Vitale,

1969.

MEC. Música na escola primária. Rio de Janeiro, 1962

NICOLAU, Marieta Lúcia Machado. (Coord). Educação Artística da Criança. Maristela

Nicolau. São Paulo: Ática, 1995

ROSA, Nereide Schilaro Santa. Educação Musical para 1ª a 4ª Série. São Paulo: Ática,

1990.

SOUZA, Jussamara (Org.) Livros de música para a escola: uma bibliografia comentada.

Porto Alegre: Curso de Pós-Graduação em Música-Mestrado e Doutorado/ UFRGS, 1997.

SILVA. Nisiane Fraklin da. A Representação de Música Brasileira nos Livros Didáticos

de Música. 01/08/2002. 3v. 150p. Mestrado. Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul –

Música Orientador: Jusamara Vieira Souza. Biblioteca Depositaria: Biblioteca do Instituto de

Artes da UFRGS.

VILLA-LOBOS, Heitor. Guia Prático Estudo Folclórico Musical. São Paulo: Irmãos

Vitale, 1932.