A Tirania Da Tirania _ Cathy Levine

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  • A Tirania da Tirania

    Cathy Levine

    Biblioteca Terra Livre, 2013

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    Apresentao

    Desde que o artigo de Jo Freeman intitulado A Tirania das Organizaes sem Estrutura1 foi publicado no Brasil a editora anarquista Index Librorum Prohibitorum hoje extinta - anunciou a publicao do livreto A Tirania da Tirania, escrito por uma anarquista em resposta Jo Freeman. O opsculo de Freeman fez muito sucesso e circulou em formato de livreto e pela internet no meio anarquista e dos movimentos autnomos. O contexto em que ele foi lido no Brasil remete s manifestaes anti-globalizao ou mais corretamente, anti-capitalistas durante a primeira metade da dcada de 2000, quando milhares de jovens e militantes se lanaram s ruas para construir uma nova forma de fazer poltica.Durante esse processo alguns temas eram sensveis para todos. Um deles foi sem dvida a questo da organizao e das formas de deciso levadas cabo entre os grupos que compunham a grande frente ampla, impulsionada pelos anarquistas em So Paulo, conhecida como AGP (ou Ao Global dos Povos). Mesmo tendo sido escrito muitos anos antes e pertencer a um contexto e um debate especficos relativos ao movimento feminista nos EUA, a descoberta da tirania das organizaes sem estrutura por aqui foi um dos assuntos mais relevantes naquela poca, por trazer uma reflexo nova para os envolvidos nas lutas contemporneas e que, naquele momento, rompiam de vez com a esquerda tradicional e partidria. Mas no devemos nunca esquecer o momento, nem como, por quem e, principalmente, por que um texto foiescrito.Jo Freeman uma feminista liberal estadunidense que ainda est viva e ativa. tambm cientista poltica, advogada e escritora. Mesmo com o impacto de seu artigo em vrias partes do mundo e ele sendo objeto de discusso entre grupos autnomos e anarquistas, ela est longe de ter qualquer relao direta com tais movimentos. Muito pelo contrrio, comno veremos.No cabe nesta apresentao uma biografia extensa de suas atividades como feminista, mas vale destacar, por exemplo, que Jo se envolveu, ao longo de sua vida, em diversas campanhas polticas parlamentares nos EUA, at que finalmente nos anos 1980 filiou-se ao Partido Democrtico. Esteve inclusive nas ltimas Convenes dos dois maiores partidos norteamericanos (2012).Apesar disso, o panfleto foi lanado por grupos anarquistas de diferentes tendncias em diversos pases ao longo dos anos, e ainda hoje circula como um texto a ser estudado pelos libertrios. Claro que acreditamos ser importante a leitura desse e de muitos outros artigos que tratam de temas afins ou que podem trazer reflexes dentro do movimento anarquista para avanarmos em nossa organizao e atuao na sociedade. Porm, infelizmente, ainda hoje pouca gente conhece o artigo que Cathy Levine escreveu em 1979 na revista anarquista Black Rose, contestando alguns argumentos de Freeman e apresentando sua viso libertria sobre o tema das estruturas ou da ausncia das mesmas.

    1 A primeira verso em portugus, traduzida por Pablo Ortellado, foi publicada no nmero especial da revista Temporaes (Democracia e Autogesto) por alunos de histria da USP em 1999. Posteriormente, foi editado comolivreto pela Index Librorum Prohibitorum. O texto em ingls foi escrito originalmente em 1971/1972 nos EUA.

  • Por sorte, camaradas anarquistas j se debruaram sobre o tema e h algumas opinies sobre a polmica que vale a pena serem postas para debate. A primeira constatao de que o texto de Jo Freeman foi amplamente lido e debatido e aceito pela maior parte do que se convencionou chamar de Movimento de Libertao das Mulheres, que incluia feministas de diversas matizes polticas. Aparentemente, as anarquistas da poca foram as nicas a se levantarem contra os argumentos expostos al.Sobre o assunto, Chuck Munson, militante anarquista co-fundador do site infoshop.org, entre outras atividades, escreveu:

    Uma das coisa mais ignorantes promovidas por anarquistas como anarquistas um ensaio intitulado A Tirania das Organizaes sem Estrutura que foi escrita pela ativista feminista Jo Freeman no incio dos anos 1970. Os anarquistas que promovem este ensaio muitas vezes o fazem por causa da frustrao com os pequenos grupos, que muitas vezes so controlados pela desorganizao e pela falta de familiaridade dos anarquistas com processos de grupos anarquistas. O problema com este ensaio que Freeman foi uma esquerdista autoritria que escreveu o ensaio para atacar os grupos de conscientizao anarquistas que eram organizados por mulheres feministas na poca. Freeman foi favor da construo de partidos de massas no modelo leninista e ficou assustada com as idias anarquistas tomando fora entre as mulheres radicais. Um aanarquista chamada Cathy Levine escreveu uma resposta, "A Tirania da Tirania", onde defendeu os pequenos grupos anarquistas. A ironia, claro, que os anarquistas contemporneos esto utilizando um ensaio anti-anarquista para criticar problemas em seus grupos e organizaes! muito melhor, realmente, falar sobre os problemas dos processos de grupos do que acenar com um ensaio decontextualizado sobre as cabeas das pessoas.2

    So palavras duras, mas que merecem nossa reflexo aps a releitura do texto de Jo Freeman e a leitura de Cathy Levine. Finalmente ganha o mundo a traduo prometida h muitos anos. Ainda que tardia e, talvez, descontextualizada para alguns grupos ou indviduos, mas, certamente, extremamente atual em seu contedo para muitos outros, convidamos todos e todas o estudo, reflexo e debate coletivos de mais essa saudvel polmica nos meios libertrios.

    Rodrigo Rosa

    2 Traduo livre do texto: http://theanarchistlibrary.org/library/chuck-munson-debunking-nonsense-in-the-anarchist-movement

    http://theanarchistlibrary.org/library/chuck-munson-debunking-nonsense-in-the-anarchist-movementhttp://theanarchistlibrary.org/library/chuck-munson-debunking-nonsense-in-the-anarchist-movement

  • A Tirania da Tirania, Cathy LevineArtigo publicado pela primeira vez na revista Black Rose3 N1, 1979Traduo: Rodrigo Rosa

    Um artigo intitulado A Tirania das Organizaes sem Estrutura que tem recebido muita ateno dentro do movimento de mulheres (em Ms.4, Second Wave5, etc) ataca a tendncia desde a falta de lderes e a existncia de grupos sem estruturas como se fosse a principal seno a nica forma organizacional do movimento e a v como um beco sem sada. Mesmo que escrito e recebido com boa-f, como uma ajuda ao movimento, o artigo destrutivo porque distorce e calunia uma estratgia vlida e consciente para construir movimentos revolucionrios. hora de reconheamos como uma alternativa poltica real a direo a que apontam estas tendncias, ao invs de impedir que apaream.

    H pelo menos dois modelos diferentes para construir um movimento e Joreen6 s d conta de um: uma organizao de massa com um controle forte e centralizado, como um partido. O outro modelo, se baseia emm pequenos grupos de associao voluntria.

    Um grupo grande funciona como uam soma de partes em que cada membro funciona como uma unidade, uma engrenagem da roda da organizao maior. O indivduo est alienado pelo tamanho e se v relegado a lutar contra os obstculos que gera o tamanho do grupo, por exemplo, esforando-se por assumir um ponto de vista aceito por todos.

    Por outro lado, os pequenos grupos multiplicam a fora de cada um de seus membros. Ao trabalhar coletivamente entre poucas pessoas, os pequenos grupos utilizam ao mximo a variada contribuio de cada integrante. O que permite alentar y potenciar os aporte individuais, ao invs d eperder tempo na competio pela sobrevivncia do mais apto, amis astuto ou agarciado da organizao.

    Joreen associa a influncia dos pequenos grupos com a fase de despertar da conscincia no movimento de mulheres, mas conclui que com o foco mudando o centro de ateno da conscincia indivudual para a construo de um movimento revolucionrio de massas, as mulheres deveriam envolver-se na construo de uma grande organizao. Isto verdade e durante algum tempo muitas mulheres que participaram de grupos de despertar conscincias sentem a necessidade de expandir suas atividades polticas para alm do raio d ao deste tipo de grupos, mas se sentem confusas sem saber o que fazer. Mas tambm igualmente verdade que outras correntes de esquerda tambm esto confusas e no sabem como derrotar o capitalismo, o imperialismo e o quase-fascismo norteamericano.

    Mas Jorren no consegue definir o que entende por movimento de mulheres, o que um pr-requisito indispensvel para debater a estratgia ou a direo a seguir. O movimento feminista, em seu sentido mais amplo, isto , como movimento para derrotar o patriarcado, um movimento revolucionrio e socialista sob o guarda-chuva da esquerda. Um problema central para que as mulheres determinem as estratgias do movimento de mulheres como se relacionar com a esquerda masculina; no queremos fazer nosso o seu modus operandi porque o consideramos uma perpetuao dos valores patriarcais, e por consequncia, capitalistas.

    Apesar de nossos melhores esforos para renegar e nos dissociarmos da esquerda masculina, ns no no conseguimos ter essa energia. Os homens tendem a organizar a forma como fazem sexo: um grande descarga e depois passar bem, nenem As mulheres deveriam edificar o nosso

    3 Black Rose foi uma revista anarquista publicado em Boston durante os anos 1970 e 1980. (NT)4 Ms. uma revista feminista liberal publicada nos EUA, fundada nos anos 1970 e que existe at hoje. (NT)5 Second Wave foi uma revista feminista dos anos 1970-80 que no tinha uma linha poltica definida, apesar de ter

    havido conflitos internos causados por membros ligados partidos polticos. (NT)6 Joreen refere-se Jo Freeman, autora do artigo A Tirania das Organizaes sem Estrutura. (NT)

  • movimento da maneira como fazemos amor: gradualmente, envolvendo-se constantemente, esforando-nos sem limitaes - e, claro, orgasmos mltiplos. Ao invs de sertir-nos desanimadas e isoladas agora, deveramos estar em nossos pequenos grupos debatendo, planejando, criando e problematizando. Deveramos estar sempre gerando problemas ao patriarcado e apoiando as mulheres; deveramos estar sempre comprometendo-nos e criando atividades feministas, porque todas nos fortalecemos com isso. Sem uma ao feminista, as mulheres caem nos tranquilizantes, enloquecem e cometem suicdio.

    O outro extremo da inatividade, que parece afetar aqueles que so ativistas polticos, o super-envolvimento, que levou, nosfins dos anos 1960, a uma gerao de ativistas radicais esgotados. Uma vez uma amiga feminista comentou comigo que para ela estar no movimento de mulheres significava passar 25% de seu tempo em atividades grupais e 75% desenvolvendo-se a si mesma. Isto real e importante para o movimento de mulheres e devemos pensar nisto. O movimento masculino pensa que as participantes do movimento devem dedicar 24 horas do dia Causa, algo totalmente coerente com a socializao feminina com vistas ao auto-sacrifcio. Fundimos nossa cabea nas atividades organizacionais, descuidando de nosso desenvolvimento pessoal, sem importar qual seja a causa de nossa dedicao ao resto. Finalmente, um dia, descobrimos que no sabemos o que estamos fazendo, nem para quem o fazemos; o resultado que terminamos odiando a ns mesmas, tanto quanto antes de entrar no movimento. (por outro lado, o super-envolvimento masculino, obviamente que no motivada por nenhum auto-sacrifcio de gnero, cheira fortemente tica Judica/Protestante, Trabalho/Realizao, e inclusive fachada racional, fria, no emocional, com a qual o machismo suprime os sentimentos dos homens).

    Estas armadilhas perenes das pessoas do movimento, que representam um poo sem fundo para o movimento, explica Jo Freeman como parte da tirania da falta de estruturas, o que uma piada no contexto de uma nao de semi-autmatos que lutam por manter uma aparncia de individualidade contra um trator militar/industrial ps-tecnolgico. Ao contrrio, o que definitivamente no necessitamos mais so de estruturas e regras que nos dem respostas fceis, alternativas pr-fabricadas sem espao para nossas prprias formas de vida. O que est ameaando a esquerda feminina, e ainda mais as outras correntes, a Tirania da Tirania, que tem nos impedido de relacionarmos com os indivduos, ou de criar organizaes que no eliminem a individualidade com papis pr estabelecidos, ou de liberar-nos das estruturas capitalistas.

    Contra a suposio de Joreen, a fase de conscientizao do movimento no acabou. O despertar de conscincia um processo vital que deve continuar entre aqueles comprometidos com a mudana social e atravs da libertao revolucionria. Elevar a nossa conscincia - ou seja, ajudar uns aos outros a nos libertar das algemas antigas - a principal forma pela qual as mulheres vo transformar a sua raiva pessoal em energia construtiva, e juntar-se luta. Despertar nossas conscincias de toda forma uma ideia ampla, vaga e necessita ser esclarecida. Uma ofensiva comercial televisiva pode despertar a conscincia de mulheres enquanto ela passa sozinha em seu lar a roupa do marido; isso pode recordar-lhe o que j sabe, que ela est presa, que sua vida no tem sentido, chata, etc., mas provavelmente no a animar a deixar de lado as roupas e comear uma greve de donas de casa. A conscientizao uma estratgia da revoluo e deve ajudar as mulheres a traduzir sua insatisfao pessoal em conscincia de classe e possibilitar que as mulheres organizadas sejam acessveis todas as mulheres.

    Ao sugerir que o prximo passo depois dos grupos de conscientizao construir um movimento, Joreen no s implica numa falsa dicotomia entre um e outro, mas tambm passa por cima de um processo importante do movimento feminista: construir uma cultura de mulheres. Enquanto que, em ltima instncia, ser necessria uma fora macia de mulheres (e alguns homens) para esmagar o poder do Estado, um movimento de massa em si no faz uma revoluo. Se ns esperamos criar uma sociedade livre de supremacia masculina depois de derrubar o capitalismo e construir o socialismo internacional,s eria melhor que comecemos a trabalhar nisso desde agora, j que alguns de nossos companheiros anticapitalistas vo nos dar muito o que fazer. Devemos gerar uma cultura de mulheres visvel dentro do qual as mulheres possam definir-se e expressar-se para alm dos

  • padres patriarcais e que satisfaa as necessidades das mulheres que o patriarcado falhou.A cultura uma parte essencial do movimento revolucionrio e tambm uma das ferramentas mais importantes da contra-revoluo. Devemos ser muito cuidadosas em especificar que a cultura que estamos falando aquela uma revolucionria e confronta constantemente a cultura do pai.

    A cultura de uma classe ou casta oprimida ou colonizada no necessariamente revolucionria: EUA contm tanto no sentido de ter como no de impedir a propagao - uitas sub-culturas, que mesmoq ue se definam diferentes da cultura do pai, no ameaam o status quo. De fato so parte de um EUA multi-cultural, uma-grande-famlia-feliz de culturas tnico/sociais, a contracultura. Eles foram validados, admitidos, adotados ou comprados pela grande cultura. O que chamamos de cooptao.

    A cultura das mulheres enfrente um verdadeiro perigo agora, desde um novo crculo revolucionrio de liberao at a revista MS, passando por The Diary of a Mad Housewife7 (O Dirio de uma Dona de Casa Louca). The New Women8 (A Nova Mulher), por exemplo, de classe mdia, universitria, parceira de algum um homem, pode obter seu pedao da torta norteamericana. Soa bem, mas onde est a Revoluo? Devemos reavaliar constantemente nossa posio para garantirmos que no estamos sendo acolhidas nos brazos sempre abertos do Tio Sam.

    O tema da cultura das mulheres, mesmo denegrida pela cega e arrogante esquerda masculina, no necessariamente um tema revisionista. A polarizao entre os papis femininos e masculinos como definidos controlados pela sociedade masculina, no s subjulgou as mulheres, mas sim fez com que todos os homens, sem importar classe nem raa, se sintam superiores s mulheres. Este sentimento de superioridade, contrariando o sentimento anti-capitalista, a essncia do sistema. O objetivo da revoluo feminista que as mulheres conquistem a humanidade plena, o que significa destruir os papis masculinos e femininos que fazem os homens e as mulheres serem humanos pela metade. Recuperaremos nossa humanidade perdida criando cultura de mulheres.

    O tema de nossa humanidade perdida mostra aquilo que os marxistas comuns descuidaram em suas anlises durante mais de meio sculo: os elementos psico-sexuais na estrutura do carter de cada indivduo, que atua comom um policvial interior, em cada membro da sociedade. Wilhelm Reich comeou a descrever de forma estreita, heterossexual e centrada no masculino a armadura de carter que faz cada pessoa se transformar num verdadeiro fascista, ou em nossas sociedade, bons cidados. Ns mulheres experimentamos este fenmeno todos os dias que se manifesta na represso dos sentimentos, especialmente obvio em nossos amigos homens, para quem muito difcil expressar ou inclusive expor seus sentimentos honestamente. A mutilao psiquica com a que a psicologia capitalista nos coage a acreditar que um problema dos indivduos, uma situao social que nos afeta a todos e que ajuda a sociedade capitalista avanada a manter-nos juntos. As deformidades psiquicas dos cidados fazem com que trabalhem, que lutem nas guerras, que reprimam suas mulheres, aos no-brancos e a todos os inconformistas suscetveis de serem reprimidos. En nossa sociedade ps-tecnolgica, todos seus membros a reconhecem como a cultura mais avanada, mesmo que os defeitos psiquicos sejam tambm os mais avanados - h muito mais merda para a psique cortar, como Jonathan Livingstone Seagull9 e sua poltica do I'm OK You're OK10 (Eu estou bem, voc est bem), sem mencionar os ps-neofreudianos e os psico-cirurgies.

    Pela ensima vez, permita-nos dizer, que se no encararmos nossas cadeias psiquicas internas, ao mesmo tempo em que estudamos as externas, estruturas polticas e as relaes entre ambas, no conseguiremos criar fora que ameace o nosso inimigo, e mais, nem sequer saberemos quem

    7 Filme americano dos anos 1970 sobre uma esposa frustrada.(NT)8 Termo utilizado no sculo XIX pare referir-se mulheres em geral filhas de homens letrados de classe mdia ou

    alta que se educavam, trabalhavam, vestiam-se de maneira mais confortvel, eram mais liberais sexualmente, entre outras caractersticas. (NT)

    9 Trata-se de um romance escrito em 1971 por Richard Bach sobre uma gaivota que decide se diferenciar do seu bando e acaba excluda. No Brasil foi lanado como Ferno Capelo Gaivota. (NT)

    10 Livro de auto-ajuda e reprogramao mental que fez muito sucesso nos anos 1970 escrito por Thomas A. Harris. (NT)

  • nosso inimigo. A esquerda perdeu horas e muito papel tentando definir a classe dominante; mas a classe dominante tem seus representantes carcerrios dentro da mente de cada membro da sociedade essa a lgica que h por trs do que se chama parania. A tirania da tirania um inimigo profundamente enraizado.

    O grupo pequeno onde se conecta a luta psicolgica com a participao poltica. por isso que os temas de ttica e estratgia e os mtodos de organizao so to cruciais neste momento. Durante dcadas a esquerda tem tentado reunir as pessoas nas ruas, sempre e quando existisse um nmero suficiente para provocar algum efeito. Como afirmou I. F. Stone11, voc no pode fazer uma revoluo quando quatro quintos das pessoas so felizes. Tambm no devemos esperar at que todos estejam prontos para se tornar radicais. Enquanto, por um lado, devemos constantemente sugerir alternativas ao capitalismo, atravs de cooperativas de alimentos, aes anti-empresariais e atos de rebelio pessoal, devemos tambm combater as estruturas capitalistas psiquicas e os valores e padres de vida que dela derivam. Estruturas, presidentes, lderes, retrica - quando uma reunio de um grupo de esquerda torna-se indistinguvel no estilo de uma sesso de um senado dos EUA, no devemos rir disso, mas reavaliar a estrutura por trs do estilo e reconhece-la como uma representante do inimigo.

    A origem da preferncia pelos pequenos grupos no movimento de mulheres e por pequenos grupos me refiro a coletivos polticos foi, como exps Joreen, uma reao contra a organizao hierrquica e super-estruturada da sociedade em geral e dos grupos masculinos de esquerda, em particular. Mas as pessoas nos e do conta de que reagimos contra a burocracia porque ela nos priva da gesto,como o resto da sociedade. E ao invs de reconhecer nossas loucura voltando ao rebanho estruturado, ns que nos rebelamos contra a burocracia devemos criar alternativas organizao burocrtica. A razo para construir um movimento baseado em coletivos que queremos criar uma cultura revolucionria coerente com nossa viso de uma nova sociedade; mais que uma reao; os pequenos grupos so uma soluo.Porque o movimento de mulheres est tendendo para pequenos grupos e porque o movimento de mulheres no tem sentido, neste momento, algumas pessoas concluem que os pequenos grupos so os culpados pela falta de direo. Eles apontam tab de "estrutura" como uma soluo para o impasse estratgico, como se estrutura nos daria uma viso terica ou alvio das ansiedades pessoais. Ele pode nos dar uma estrutura em que "organizamos" ou reunir mais mulheres, mas na ausncia de estratgia poltica, podemos estar criando uma ironia kafkiana, onde o proceso substitudo por uma reunio.A falta de energia poltica que nos persegue nos ltimos anos, menos no movimento de mulheres do que na esquerda masculina, provavelmente se relaciona diretamente aos sentimentos de insatisfao pessoal que tiranizam todos e cada um de ns. A menos que enfrentemos esses sentimentos diretamente e tratemos com a mesma seriedade que tratamos o bombardeio de Hani, a paralisia que provocam os primeiros nos impedir de revidar de forma eficaz os segundos. Mais que fazer um chamado para substituir os pequenos grupos por grupos estruturados maiores, necessitamos alentarmos umas s outras para encontrarmos pequenos grupos desestruturados que reconheam e analteamo valor do indivduo. A amizade, mais que qualquer terapia, alivia imediatamente os sentimentos de insatisfao pessoal. A revoluo deveria construir-se sobre o modelo de amizades.O problema onipresente que Joreen confronta, aquele das elites, no se soluciona com a formao de estruturas. Ao contrrio do que se acredita de qua a falta de estruturas leva maquinao, a estruturas invisveis baseadas em elites, a ausncia de estruturas em pequenos grupos de confiana mtua, combate o elitismo em seu nvel bsico, o nvel das dinmicas pessoais, nas quais o indivduo que ameaa a segurana com um comportamento agressivo domina sobre aquele cuja insegurana o mantm em silncio. O pequeno grupo pessoalmente envolvido aprende, primeiro a reconhecer aquelas diferenas de estilos e depois a aprecia-las e trabalhar com elas. Mais que tentar ignorar ou aniquilar as diferenas de estilo pessoal, os pequenos grupos aprendem a aprecisa-las e

    11 Jornalista investigativo e escritor norteamericano que combateu o machartismo e a guerra do Vietn e editou uma publicao independente durante os anos 1960. (NT)

  • autiliza-las; portanto, a fortalecer o poder pessoal de cada indivduo. Dado que cada um foi socializado em uma sociedade na qual a competio individual a forma de existncia. Ns no vamos eliminar todos os estilos-pessoais-como-poder, mas vamos reconhecer as diferenas e aprender a deixar coexistir essas diferenas. J que no somos o inimigo e sim as vtimas, necessitamos apoiarmos e no destruirmos uns aos outros. Os elementos destrutivos retrocedero medida que nos fortalecermos. Mas, enquanto isso, devemos evitar situaes que recompensam o estilo pessoal com o poder. As reunies premiam os mais agressivos, retricos, carismticos e que se expressam com mais clareza (quase sempre homens).Considerando os mltiplos e variados derivados do termo anarquismo que circulam, muito poucos na esquerda se dedicaram a estuda-lo com seriedade. Estamos seguras de que as pessoas que se orgulham da hipocrisia dos tabs sociais esto carregados de tab contra o anarquismo.Do mesmo modo que com a masturbao, nos educam a temer o anarquismo irracional e inquestionavelmente, porque no faze-lo poderia levar-nos a experimenta-lo, aprende-lo e desfruta-lo. Para quem j considerou a possibilidade de que a masturbao pode fornecer mais benefcios do que loucura, um estudo do anarquismo altamente recomendado remontando aos tempos de Marx, quando Bakunin foi seu adversrio socialista mais radical... mais radical, porque ele deu passo de gigante dialtico para alm de Marx, confiando nas qualidades dos indivduos para salvar a humanidade.Porque a esquerda no fez mais que ignorar o anarquismo? Pode ser por causa de que os anarquistas nunca alcanaram uma vitria revolucionria. O marxismo venceu, ams tambm o capitalismo, e isto somente prova ou sugere que o perdedor, at este momento, est do nosso lado. Os anarquistas russos se opuseram fortemente tirania demasiadamente revisionista dos bolcheviques, do qual se ri com velhaca crueldade a Nova Esquerda ante seus pais esquerdistas dos anos 1960. Claro, a antiga gerao de esquerdistas norte-americanos era tacanha, tanto que no viam que o capitalismo se renegerava na Rssia; mas a viso fechada com a qual definimos os caminhos do dogma marxista-leninista no algo a se orgulhar.

    As mulheres, claro, tm conseguido sair do tnel antes da maioria dos homens porque na obscuridade, guiadas por homens cegos da Nova Esquerda, nos encontramos a ns mesmas. Donas de casa para a revoluo ou prostitutas para o proletariado; impressionante como a forma como somos vistas se refunda em si mesma. Por todo o pas, os grupos independentes de mulheres comearam funcionando sem estruturas, lderes e outros clichs da esquerda masculina, criaram, independente e simultaneamente, organizaes simlares s dos anarquistas de muitas dcadas e lugares. O que no foi um acidente.

    O estilo e a audcia de Emma Goldman foram adotados por mulheres que no se consideram a si mesmas anarquistas... porque Emma estava to certa. Poucas mulheres assustaram tantos homens por tanto tempo. Parece lgico que deveramos estudar Emma Goldman, no para seguir cada um de seus pensamentos mas para encontrar a fonte de sua fortaleza e seu amor de vida. No por acaso, tambm, que o Terror Vermelho anarquista chamado Emma Goldman tambm foi uma defensora e praticante do amor livre. Ela era uma afronta aos grilhes capitalistas muito mais do que qualquer um de seus contemporneos marxistas.

    Cathy Levine

    A Tirania da TiraniaCathy LevineA Tirania da Tirania, Cathy Levine