A teoria da perda de uma chance

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Poder Judiciário da União Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios Código de Verificação: D1TK.2011.RXH6.ARQJ.LJ2I.V0YJ Órgão PRIMEIRA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF Processo N. Apelação Cível do Juizado Especial 20090111761498ACJ Apelante(s) PAULO VARANDAS JÚNIOR Apelado(s) ANDRÉA MAGALHÃES GLÓRIA Relatora Juíza SANDRA REVES VASQUES TONUSSI Acórdão Nº 487.796 E M E N T A JUIZADOS ESPECIAIS. CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA. DESÍDIA NÃO CONFIGURADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A r. sentença explicitou fundamentadamente os argumentos que apoiaram a procedência da pretensão condenatória deduzida, em absoluta conformidade ao art. 93, IX, da CF. Preliminar de nulidade rejeitada. 2. A situação fática demonstrada nos autos é a de que o advogado réu não foi desidioso na execução dos serviços de advocacia para o qual foi contratado. 3. Inaplicabilidade, à hipótese, da teoria da perda de uma chance, que exigiria ato culposo do advogado e o prejuízo decorrente, em face da probabilidade séria e real de êxito na demanda deflagrada. 4. Recurso conhecido e provido. A C Ó R D Ã O Acordam os Senhores Juizes da PRIMEIRA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SANDRA REVES VASQUES TONUSSI - Relatora, WILDE MARIA SILVA JUSTINIANO RIBEIRO - Vogal, FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA - Vogal, sob a Presidência da Senhora Juíza SANDRA REVES VASQUES TONUSSI, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. PRELIMINARES REJEITADAS. PROVIDO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília (DF), 15 de março de 2011 Certificado nº: 44 35 BF 93 15/03/2011 - 14:53 Juiza SANDRA REVES VASQUES TONUSSI Relatora

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A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.

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Poder Judiciário da União

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Código de Verificação: D1TK.2011.RXH6.ARQJ.LJ2I.V0YJ

Órgão PRIMEIRA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS

CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF Processo N. Apelação Cível do Juizado Especial 20090111761498ACJ Apelante(s) PAULO VARANDAS JÚNIOR Apelado(s) ANDRÉA MAGALHÃES GLÓRIA Relatora Juíza SANDRA REVES VASQUES TONUSSI Acórdão Nº 487.796

E M E N T A JUIZADOS ESPECIAIS. CIVIL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA. DESÍDIA NÃO CONFIGURADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A r. sentença explicitou fundamentadamente os argumentos que apoiaram a procedência da pretensão condenatória deduzida, em absoluta conformidade ao art. 93, IX, da CF. Preliminar de nulidade rejeitada. 2. A situação fática demonstrada nos autos é a de que o advogado réu não foi desidioso na execução dos serviços de advocacia para o qual foi contratado. 3. Inaplicabilidade, à hipótese, da teoria da perda de uma chance, que exigiria ato culposo do advogado e o prejuízo decorrente, em face da probabilidade séria e real de êxito na demanda deflagrada. 4. Recurso conhecido e provido.

A C Ó R D Ã O

Acordam os Senhores Juizes da PRIMEIRA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS DO DF do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SANDRA REVES VASQUES TONUSSI - Relatora, WILDE MARIA SILVA JUSTINIANO RIBEIRO - Vogal, FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA - Vogal, sob a Presidência da Senhora Juíza SANDRA REVES VASQUES TONUSSI, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. PRELIMINARES REJEITADAS. PROVIDO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 15 de março de 2011

Certificado nº: 44 35 BF 93

15/03/2011 - 14:53 Juiza SANDRA REVES VASQUES TONUSSI

Relatora

APELAÇÃO CÍVEL DO JUIZADO ESPECIAL 2009 01 1 176149-8 ACJ

Código de Verificação: D1TK.2011.RXH6.ARQJ.LJ2I.V0YJ

GABINETE DA JUIZA SANDRA REVES VASQUES TONUSSI 2

R E L A T Ó R I O

Trata-se de recurso inominado interposto por PAULO VARANDAS JÚNIOR contra sentença que julgou procedente a pretensão indenizatória, por dano material e moral, que lhe ajuizou ANDREA MAGALHÃES GLÓRIA. Considerou o respeitável Juízo que o advogado, ora recorrente, foi desidioso na execução dos serviços de advocacia para o qual foi contratado pela autora, ora recorrida.

Inconformado, o réu interpõe o presente apelo. Argui preliminar de nulidade por falta de fundamentação da sentença guerreada. No mérito reafirma que não foi desidioso e cumpriu adequadamente os serviços advocatícios para o qual foi contratado. Pugna pelo conhecimento e provimento do recurso para cassar a sentença proferida ou, se ultrapassada a preliminar, julgar improcedente a pretensão indenizatória deduzida.

Contrarrazões às folhas 120 e seguintes, em que a parte autora requer a manutenção da sentença proferida.

É o breve relato do necessário.

V O T O S

A Senhora Juíza SANDRA REVES VASQUES TONUSSI - Relatora

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e, da detida análise dos autos, com a mais respeitosa vênia do Ilustre Julgador, devo lhe dar provimento.

DA PRELIMINAR

Afasto, inicialmente, a preliminar de nulidade arguida.

A r. sentença explicitou fundamentadamente os argumentos que apoiaram a procedência da pretensão condenatória deduzida, em absoluta conformidade ao art. 93, IX, da CF.

DO MÉRITO

A situação fática demonstrada nos autos é a de que o advogado réu foi contratado pela autora para ajuizar ação de reconhecimento de união estável com partilha de bens no ano de 2006.

Deflagrada a demanda em março de 2006, por aquele Juízo foi determinada a emenda da inicial para que fosse adequadamente deduzido o pedido de partilha de bens e para que juntasse à inicial os documentos relativos ao imóvel que se pretendia partilhar.

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O advogado cumpriu a emenda e esclareceu que o imóvel, no qual haviam edificado construção, embora pertencesse ao ex-companheiro, foi registrado no nome de sua genitora visando o cumprimento de exigências cadastrais da imobiliária, mas que ela havia falecido, e ainda não teria sido aberto o inventário.

O Juízo então proferiu o seguinte despacho litteris: “Emende-se a inicial para excluir o pedido de partilha de bem não pertencente às partes. Saliento que a autora poderá ingressar, no juízo civil competente, com ação própria para invalidar o negócio jurídico que alega ser fraudulento, onde deverá incluir os herdeiros da genitora do réu no pólo passivo. Venha a inicial em termos sob pena de indeferimento.”

Em cumprimento à determinação judicial o advogado excluiu o pedido de partilha do imóvel. O Juízo então, por despacho, determinou que a autora especificasse o interesse jurídico com a demanda deflagrada se não havia bens a partilhar. Tal prazo escoou in albis e sobreveio a sentença que extinguiu o processo sem julgamento do mérito.

Estes os fatos. E não vislumbro, em sua valoração, não obstante escoado em branco o último prazo judicial, conduta profissional desidiosa hábil a fundamentar a pretensão indenizatória.

A situação fática demonstrada nos autos é a de que o advogado réu não foi desidioso na execução dos serviços de advocacia para o qual foi contratado, sendo inaplicável à hipótese, com a mais respeitosa vênia ao douto magistrado sentenciante, a teoria da perda de uma chance, que exige ato culposo do advogado e o prejuízo decorrente, em face da probabilidade séria e real de êxito na demanda deflagrada.

Segundo os elementos constantes dos autos é crivel a afirmação de que o advogado não tinha ciência de o imóvel estar em nome da genitora do ex-companheiro quando deflagrada a demanda, instruída, apenas, com contas de luz do imóvel, fato que lhe teria sido informado pela cliente após a primeira determinação judicial de emenda.

A par do exposto, o advogado contratado atendeu todas as determinações judiciais de emenda, esclareceu adequadamente a situação do imóvel e ao deixar escoar o último prazo afeto ao interesse com o prosseguimento sem a partilha do único bem, não ensejou a perda de uma chance de sua cliente.

Com efeito, não se pode vislumbrar razoabilidade de êxito na partilha de bem imóvel, em ação de dissolução de sociedade de fato, que está em nome da genitora falecida do ex-companheiro.

Sobre a matéria confira-se a clara e irretorquível lição contida no precedente do e. STJ, que possui a atribuição de pacificar a interpretação da legislação infraconstitucional, de relatoria do Exmo. Ministro Luis Felipe Salomão, verbis:

“ RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE

APELAÇÃO CÍVEL DO JUIZADO ESPECIAL 2009 01 1 176149-8 ACJ

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GABINETE DA JUIZA SANDRA REVES VASQUES TONUSSI 4

INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO.

1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.

2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico.

Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa.

3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance", condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais.

4. Recurso especial conhecido em parte e provido.” (REsp 1190180/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 22/11/2010)

Com essas razões, conheço do recurso, rejeito a preliminar e lhe dou provimento para julgar improcedente a pretensão da autora ora recorrida. Sem honorários em atenção ao art. 55 da Lei n. 9.099/95.

A Senhora Juíza WILDE MARIA SILVA JUSTINIANO RIBEIRO - Vogal

Com o Relator.

O Senhor Juiz FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA - Vogal

APELAÇÃO CÍVEL DO JUIZADO ESPECIAL 2009 01 1 176149-8 ACJ

Código de Verificação: D1TK.2011.RXH6.ARQJ.LJ2I.V0YJ

GABINETE DA JUIZA SANDRA REVES VASQUES TONUSSI 5

Com a Turma.

D E C I S Ã O

CONHECIDO. PRELIMINARES REJEITADAS. PROVIDO. UNÂNIME.