A TEMPESTADE E O CAOS

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A TEMPESTADE E O CAOS HERRANS, Paulo Martins 1 RU 1194466 VALESE, Rui 2 RESUMO A realidade é intrinsecamente incerta e, portanto, a verdade cartesiana também é incerta. Neste sentido, para nossa libertação e evolução do pensamento e de nossas existências, o pensamento deve ser levado para além das ideias claras e distintas, deve ser complexificado, caotizado, depois deve retornar à simplificação e à ordem, desta vez pleno de implenitude. Partindo desta ideia, utilizando-se dos próprios elementos simples e complexos que deseja estudar, este artigo pretende interpretar alguns aspectos do conceito de caos e relacioná-lo à complexidade. Uma flor é simples e ordenada, mas também é complexa e caótica. Caos parece ser o ingrediente que unido com a ordem forma a unidade orgânica da realidade. Caos e ordem não existem separadamente. Caos relaciona-se com os novos conceitos de complexidade, incerteza, acaso, interação, sistema, retroalimentação, indeterminação, probabilidade, descontinuidade temporal, irreversibilidade, imprevisibilidade, desproporcionalidade e fractal. Todos estes novos conceitos relacionam-se por um lado à incerteza caótica intrínseca à própria realidade e por outro ao ordenamento ou organização que brota neste caos intrínseco. Estes conceitos, especialmente o conceito de incerteza, entram em conflito com o senso comum ou com a tradição (paradigma) do pensamento cartesiano, que procura analisar as partes do mundo e encontrar nele a certeza, as ideias claras e distintas, a determinação, o verdadeiro e não o provável, a continuidade temporal, a previsibilidade e a proporção entre as causas e efeitos, uma vez que separa o tempo continuo verdadeiro da res cogita (espírito) e o tempo fragmentado ilusório da res extensa (matéria). O trabalho se iniciará com a observação empírica e interpretação das tempestades. Palavras-chave: Complexidade. Incerteza. Espaço. Tempo. Caos. 1 Aluno do Centro Universitário Internacional UNINTER. Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso. 2º semestre – 2017. 2 Professor Orientador no Centro Universitário Internacional UNINTER.

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A TEMPESTADE E O CAOS

HERRANS, Paulo Martins1

RU 1194466 VALESE, Rui2

RESUMO

A realidade é intrinsecamente incerta e, portanto, a verdade cartesiana também é incerta.

Neste sentido, para nossa libertação e evolução do pensamento e de nossas existências,

o pensamento deve ser levado para além das ideias claras e distintas, deve ser

complexificado, caotizado, depois deve retornar à simplificação e à ordem, desta vez

pleno de “implenitude”. Partindo desta ideia, utilizando-se dos próprios elementos simples

e complexos que deseja estudar, este artigo pretende interpretar alguns aspectos do

conceito de caos e relacioná-lo à complexidade. Uma flor é simples e ordenada, mas

também é complexa e caótica. Caos parece ser o ingrediente que unido com a ordem

forma a unidade orgânica da realidade. Caos e ordem não existem separadamente. Caos

relaciona-se com os novos conceitos de complexidade, incerteza, acaso, interação,

sistema, retroalimentação, indeterminação, probabilidade, descontinuidade temporal,

irreversibilidade, imprevisibilidade, desproporcionalidade e fractal. Todos estes novos

conceitos relacionam-se por um lado à incerteza caótica intrínseca à própria realidade e

por outro ao ordenamento ou organização que brota neste caos intrínseco. Estes

conceitos, especialmente o conceito de incerteza, entram em conflito com o senso

comum ou com a tradição (paradigma) do pensamento cartesiano, que procura analisar

as partes do mundo e encontrar nele a certeza, as ideias claras e distintas, a

determinação, o verdadeiro e não o provável, a continuidade temporal, a previsibilidade

e a proporção entre as causas e efeitos, uma vez que separa o tempo continuo verdadeiro

da res cogita (espírito) e o tempo fragmentado ilusório da res extensa (matéria). O

trabalho se iniciará com a observação empírica e interpretação das tempestades.

Palavras-chave: Complexidade. Incerteza. Espaço. Tempo. Caos.

1 Aluno do Centro Universitário Internacional UNINTER. Artigo apresentado como Trabalho de

Conclusão de Curso. 2º semestre – 2017.

2 Professor Orientador no Centro Universitário Internacional UNINTER.

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1 INTRODUÇÃO O embasamento teórico do presente trabalho foi realizado por meio da leitura e da

interpretação pessoal, com ênfase para o pessoal, do trabalho de Edgar Morin (2015),

nos aspectos filosóficos e educacionais, e de autores de divulgação científica, tais como

Ilya Prigogine (2011), Wolfgang Smith (2011) e Stephen Hawking (2011).

Como não poderia deixar de ser, já que o tema é a interação e a complexidade

assentada na coletânea O Método, de Edgar Morin, publicada entre 1977 e 2004, será

indispensável a interpretação a partir deste sistema que se inter-relaciona chamado eu,

pois este eu necessariamente e obrigatoriedade faz parte do sistema interpretativo,

sujeito às mesmas variáveis das teorias que pretende decifrar. “O sujeito emerge ao

mesmo tempo que o mundo” (MORIN, 2015, p. 38). Este eu é um dos complexos que

compõe a unidade e ele não está na periferia como pretende o cartesianismo e as

ciências, ele talvez seja simultaneamente e contraditoriamente o centro e a periferia da

interpretação. (MORIN, 2016).

Por se tratar de um tema de tamanha dificuldade, a interpretação estará sujeita à

simplificação e ao erro, entretanto, no contexto das ideias de Morin, a incerteza e os erros

fazem parte do próprio ato de pensar, portanto o primeiro passo é não temê-los, porque

o conhecimento origina-se das interações complexas entre erros, acertos e incertezas

(MORIN, 2015, p. 47).

A reconhecimento da necessidade de simplificação também compõe o

pensamento complexo. No filme Contato (1997), adaptado do romance de Carl Sagan

(2008), a personagem principal, cientista de observatório, passa a vida tentando fazer

contato com o céu a procura de extraterrestres, após uma infância em que o pai falecido

foi seu grande inspirador, mas no final do filme ela contempla a simplicidade complexa

do Grand Canyon, como se naquele momento ela tivesse obtido as respostas aos seus

questionamentos. Neste sentido, metafísica, criatividade, arte, ciência e sujeito são

interdependentes e inseparáveis. A questão que nos anima é sempre complexa, mas

fazer ciência atualmente implica uma dissociação desta, uma vez que a “unidade é,

evidentemente, impossível e incompreensível no quadro atual”. (MORIN, 2015, p 50).

A capacidade do cérebro é enorme, tanto de simplificação quanto de

complexificação, “alguns minutos de intensa atividade intelectual geram um número de

interconexões neuronais tão grande quanto o número total de átomos no sistema solar”

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(MORIN, 2015, p. 99). Mas, essa capacidade do cérebro é suprimida quando ocorre a

intolerância ideológica, a crença em uma ideia vista com convicção e certeza, uma vez

que a “afetividade agressiva é inseparável, nem que seja como companhia, do

conhecimento e do pensamento humano” (Morin, 2015, p. 106). Medo da autoridade,

memorização de crenças e conceitos, fixação em um paradigma, inibem o cérebro e o

faz desistir da ação, uma vez que a ação é uma “interação complexa com o pensamento”

(MORIN, 2015, p. 108). Memorizamos conceitos e os aceitamos, porque somos

biossociais e por este motivo imitamos e obedecemos O paradigma nos amedronta

porque além de sociais somos seres caóticos, incertos, emotivos, enquanto que o

paradigma é certo, ordenado e exato, que despreza esse sujeito caótico. (MORIN, 2016).

Em relação aos autores de divulgação científica, é importante frisar que são eles

que atualmente fazem a cabeça da grande maioria das pessoas cultas, pois seus livros

são vendidos aos milhões, enquanto que o público dos filósofos muitas vezes se restringe

a eles mesmos ou a algumas salas de aulas com alunos não muito interessados. Muitas

vezes a filosofia se torna apenas uma arqueologia do pensamento. O que está

acontecendo de fato é que os cientistas estão se tornando filósofos, do tipo cientistas-

filósofos e os filósofos se tornando arqueólogos ou excessivamente críticos. O motivo do

criticismo e atraso da filosofia é o uso do mesmo paradigma lógico do pensamento que

separa filosofia, religião e ciência. (MORIN, 2016).

Stephen Hawking, por exemplo, já vendeu dezenas de milhões de livros e suas

ideias são conhecidas por bilhões de pessoas. Seus livros contém uma filosofia implícita,

embora sejam de divulgação científica. Há neles um entendimento pessoal do que são o

tempo e o espaço. É necessário então que a filosofia tente desvendar e incorpore essa

nova forma de pensar pós-moderna impregnada de ciência, caso contrário ela estará

ultrapassada, pois não poderá atrair as pessoas, uma vez que estas estão sendo

formadas pelo pensamento científico e tecnológico.

A filosofia tradicional realmente tem uma péssima propaganda quando no segundo

parágrafo do livro O Grande Projeto, Hawking escreve que em relação a certas perguntas

fundamentais colocadas no primeiro parágrafo do livro:

Tradicionalmente, essas são questões para a filosofia, mas a filosofia está morta. A filosofia não tem acompanhado a evolução da ciência moderna, particularmente da física. Os cientistas se tornaram os portadores da tocha da descoberta, em nossa busca pelo conhecimento. (Hawking, 2011, p. 05).

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Na tentativa de solucionar esse impasse entre ciência e a filosofia entra Edgar

Morin e diz que “não há fronteira ‘natural’ entre elas” (MORIN, 2016, p. 28). Dissolvida a

fronteira entre filosofia e ciência, passamos a não ter certeza se Edgar Morin é filósofo

ou cientista ou um novo tipo de pensador, do tipo filósofo-cientista. Assim, os objetivos

deste artigo são compreender os conceitos de caos e complexidade e das implicações

no contexto da existência humana, oferecendo uma primeira indicação do caminho para

libertação de nossos pensamentos e sentimentos condicionados por uma visão

cartesiana fragmentada da realidade. (MORIN, 2016).

Uma observação importante, para os gregos a ordem instaurou-se a partir do caos

e este deixou de existir naquele momento que surgiu o logos (ordem) (MORIN, 2016, p.

80). Entretanto, na teoria da complexidade não há essa dissociação. O universo surgiu

do caos original, “dessa indistinção, desse antagonismo, dessa contradição, dessa

concórdia/discórdia na qual não se pode dissociar o que está em harmonia e o que não

está”, mas ainda o caos e a ordem coexistem, porque “a gênese não cessou”. “Ainda

estamos em um universo que se desintegra e se organiza num mesmo movimento”

(MORIN, 2016, p. 81). A complexidade visa a organicidade ordem-desordem-interações-

organização. “O que existe de ‘plenamente real’ é a conjunção da ordem e da desordem”.

(MORIN, 2016, p. 99).

2 A TEMPESTADE E O CAOS A metodologia utilizada no presente artigo começa com o sentimento de

insignificância deste eu caótico (sujeito), passa pela intenção deste eu caótico de

encontrar uma ordem e se recompor da posição subalterna frente ao mundo. A seguir o

eu é direcionado para a observação (relação sujeito-objeto) das tempestades,

comparando estas com os objetos e sistemas em geral, depois busca na literatura o

embasamento teórico e, no final, tenta recompor a relação sujeito-objeto após a inserção

do elemento caótico nesta relação. Em O Conhecimento do Conhecimento, Morin

escreve:

Enquanto as ciências “normais”, inclusive as cognitivas, baseiam-se no princípio disjuntivo, que exclui o sujeito (o cognoscente) do objeto (o conhecimento), ou seja, exclui o cognoscente do seu próprio conhecimento, o conhecimento do conhecimento deve enfrentar o paradoxo de um conhecimento que só é o seu próprio objeto porque emana de um sujeito. (MORIN, 2015, p. 30).

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Em palavras mais simples: o “eu” é o centro de todos os universos. Mas embora o

“eu” seja o centro, nosso egocentrismo pode colocar nossa família, nossa comunidade e

nosso planeta de forma ampla, pois o eu é complexo (MORIN, 2016). Neste sentido,

dentro do pensamento complexo, os objetivos, a metodologia e a fundamentação teórica

estabelecidas em regras cartesianas são também incertos. Em primeiro plano está o eu,

suas incertezas, seu egocentrismo, seus reais objetivos, sua sobrevivência, sua arte que

transita entre a criação e a destruição, seu desejo de poder e de descoberta, seu desejo

de plenitude, suas crenças e descrenças, seus sentimentos ocultos e complexos. A razão

é o instrumento simplificador que vem para dosar o egocentrismo, mas não deve aniquilá-

lo pela autocrítica, pois é do egocentrismo, da afirmação do eu, que vêm todas as grandes

e pequenas criações do homem enquanto sujeito.

Se há incerteza e caos em todos os aspectos da realidade, mesmo que em relação

complexa com alguns aspectos de certeza e de ordem, e se, por estas razões, o

conhecimento deve ser reformulado pelo eu, uma vez que somente o eu pode reconhecer

na realidade o que há de certo ou incerto a partir da observação e da experiência, como

não cair no subjetivismo, no egocentrismo e no relativismo radical do conhecimento?

Como confiar no método de Morin que tem como base o próprio estado caótico da

realidade e, portanto, o próprio método é incerto e não confiável? Morin responde a estas

perguntas dizendo que o método não é um conjunto de regras a serem seguidas, “o

objetivo do método, aqui, é ajudar a pensar por si mesmo para responder ao desafio da

complexidade dos problemas”. (MORIN, 2016, p. 36).

Portanto, o pensamento complexo contradiz muitos aspectos do pensamento

lógico e também se contradiz a si mesmo. As respostas às perguntas filosóficas

fundamentais precisam ser desconstruídas e reconstruídas inserindo-se nos alicerces o

conceito de caos, o que implica na criação de uma lógica complexa, não excludente, uma

lógica que aceite as contradições como componentes da realidade e também do

pensamento (MORIN, 2016). Mas não é certeza que o caos possa fundamentar algo, pois

a incerteza, a organicidade e a catástrofe são características deste conceito. O nosso

primeiro impulso emocional e natural é o de negação do caos e da incerteza,

relacionando-os aos demônios, ao mal e aos erros. O senso comum vê o caos como

perigoso, pois “nosso aparelho lógico-matemático atual (...) não cola com os aspectos

verdadeiramente complexos” (MORIN, 2015, p. 36). Entretanto, Morin diz: “O turbilhão

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do pensamento é animado por um movimento em espiral. Desloca-se como ciclone.

Nunca é repetitivo. O pensamento apaga-se ao reduzir-se à repetição da mesma verdade

adquirida”. (MORIN, 2015, p. 203).

A tentativa de compreensão dos conceitos caóticos depende de um grande

esforço intelectual (razão), teimosia (afirmação do eu) e imaginação (criação mental de

novas imagens e novos sistemas mais complexos a partir de sistemas simples). Mesmo

aqueles homens teimosos com enorme habilidade matemática e que passaram a vida

trabalhando nestes conceitos discordam dos aspectos interpretativos das teorias

relacionadas.

A matemática é a habilidade que temos de redução do complexo ao simples, mas

isso não significa necessariamente que a realidade seja matemática (SMITH, 2011). Por

exemplo, em relação à interpretação da teoria quântica, que é uma teoria físico-

matemática, nem mesmo os cientistas que a criaram, como Albert Einstein e Niels Bohr,

entendiam o que de fato queria dizer qualitativamente essa teoria quantitativa (SMITH,

2011).

Até hoje não se sabe se é o observador quem aciona através da observação a

partícula que mata o gato de Schrodinger (SMITH, 2011) ou se é um processo irreversível

de probabilidade onde a morte do gato ocorreria mesmo sem a observação do sujeito.

Essa questão é de fundamental importância, pois surgem novas crenças ou religiões com

fundo em falsas interpretações da teoria onde o sujeito é colocado como criador absoluto

da realidade, onde ele teria a liberdade total de escolha entre as infinitas bifurcações que

a realidade supostamente oferece. Provavelmente a morte ou vida do gato siga regras

probabilísticas e não seja resultado de nossa observação ou mesmo de qualquer

medição. (SMITH, 2011).

Assim também a teoria da incerteza de Heisenberg (SMITH, 2011), que diz que

não é possível medirmos a posição e o momento de uma partícula simultaneamente, tem

diversas interpretações filosóficas. Afinal, a partícula existe ou não existe? Ela está lá ou

está cá? Eu existo ou não existo? A indeterminação opera somente no mundo

microscópicos ou também no macroscópico? Ninguém sabe dizer ao certo, mas para

Smith essa dúvida tem a ver com a confusão que fazemos entre medição matemática e

a natureza da realidade.

O caso é, na verdade, análogo ao de uma moeda, a qual pode dar ‘cara’ ou ‘coroa’ quando lançada. Aqui também, o fato de não podermos prever de qual

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lado a moeda vai cair não significa que a moeda esteja de algum modo “indeterminada”: em outras palavras, a chamada incerteza pertence obviamente ao lançamento e não à moeda. (SMITH, 2011, p. 111).

Da mesma forma, as leis da termodinâmica (conservação de energia e entropia)

possuem diversas interpretações, pode ser que o erro esteja em nossas mentes ao

encontrarmos nelas o caos.

Do mesmo modo as leis da dinâmica que levam ao efeito borboleta, onde ínfimas

alterações nas condições iniciais de um sistema levam a resultados finais extremamente

desproporcionais àquelas condições iniciais, possuem diversas interpretações, pode ser

que em vez de acaso poderemos no futuro interpretá-las como leis deterministas. Mesmo

em relação a impossibilidade de calcular-se a trajetória de três corpos em interação,

talvez no futuro possamos encontrar previsões deterministas com muitíssimos corpos em

interação. Talvez o ponto de inflexão tenha relações precisas de causa e efeito,

diferentemente da instabilidade. Mesmo a interpretação do próprio conceito de caos pode

estar distorcido por algum erro de nossa matemática ou impossibilidade de nossas

mentes primatas e não na própria realidade.

Entretanto, os indícios do caos são tão visíveis na realidade quotidiana quanto os

da ordem e também a própria incerteza em relação à fonte do caos já é uma incerteza e

coloca em dúvida o método cartesiano. (MORIN, 2016).

Morin escreve na Introdução ao Pensamento Complexo:

Para mim, a ideia fundamental da complexidade não é a de que a essência do mundo seja complexa e não simples. É que essa essência seja inconcebível. A complexidade é a dialógica ordem-desordem-organização. Mas, por trás da complexidade, a ordem e a desordem se dissolvem, as distinções se diluem. O mérito da complexidade é o de denunciar a metafísica da ordem. Como dizia muito justamente Whitehead, por trás da ideia de ordem havia duas coisas: havia a ideia mágica de Pitágoras, de que os números são a realidade última, e a ideia religiosa ainda presente, em Descartes como em Newton, de que a inteligência é o fundamento da ordem no mundo. (MORIN, 2015, p. 104).

Incerteza, organicidade e catástrofe não são compatíveis com a necessidade de

ordem das instituições e de nossas vidas, também não são compatíveis em muitos

aspectos com as formas lógicas da mente humana funcionar, muito menos com a tradição

simplificadora das ciências e da filosofia, as quais buscam a estabilidade, a certeza, a

ordem, a análise lógica, a verdade e o determinismo.

Essa conexão significa, em princípio, que o conhecimento racional não domina por si mesmo a afetividade e as pulsões: pode ser dominado por estas, encoberto

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ou submetido por elas. Inversamente o conhecimento, mesmo o mais racional no seu princípio (matemático, científico, filosófico), mobiliza afetividade e pulsões, que põe a seu serviço, mas que podem ultrapassá-lo (agressividade e paixão dos matemáticos, cientistas e filósofos). Pode-se assim entrever o aspecto afetivo da identificação do eu às suas ideias, das suas ideias a si: “minha ideia”, “minhas ideias”... (MORIN, 2015, p. 106).

Mas, apoiando-nos no método de Morin, que em parte utiliza-se das descobertas

científicas, na tentativa de darmos resposta ao “como funciona o caos?” e a partir daí

cada um de nós elaborarmos hipóteses de “o que é o caos?” e “por que o caos é assim?”,

observemos ou imaginemos uma tempestade em toda sua complexidade.

Ela geralmente começa com vento, raios e trovões. Daí bilhões de pingos se

formam, movimentam-se e desfazem-se tão rapidamente como se formaram, dividindo-

se, transformando-se em pingos diferentes, unindo-se a outros, interagindo consigo

mesmos e com cada um dos bilhões dos demais pingos.

Cada um destes pingos ocupam um espaço diferente dos demais em um momento

do tempo diferente de todos os possíveis pingos seja no passado ou no futuro. E cada

pingo é diferente em seus elementos constituintes de cada um dos demais daquela

tempestade e dos infinitos outros pingos possíveis das infinitas outras tempestades

possíveis.

Dentro de cada minúsculo pingo há também inúmeros elementos em interação do

mesmo modo que os pingos interagindo nas tempestades. Em uma gigantesca teia de

interações, cada pingo sofrendo a influência das forças de cada um dos demais pingos

daquela tempestade e das outras tempestades que já ocorreram. E todos eles sofrendo

a influência das forças internas a si mesmos, das forças internas da tempestade e de

todas as demais forças externas à tempestade. De tal forma que a tempestade e cada

um dos pingos e cada elemento constituinte do pingo não é o efeito de uma ou outra força

e não é o efeito das ocorrências em um determinado momento do tempo e do espaço e

sim é o resultante de toda a constituição orgânica do universo considerado em sua

história passada, presente e futura.

Apesar de toda essa confusão caótica, abstraindo-se tudo o que pode ser

diferente, todos os pingos são semelhantes, têm uma história parecida e um destino fatal,

o desaparecimento com a união de todos eles provavelmente na enxurrada.

A enxurrada leva ao rio e este vai ao mar.

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O mar por sua vez também é uma tempestade. Cada uma daquelas outrora gotas

são agora uma enorme gota repleta dos movimentos frenéticos e caóticos de nutrientes

e organismos vivos que competem entre si pela sobrevivência, uns engolindo os outros

e ao mesmo tempo uns apoiando os outros na manutenção de um equilíbrio caótico e

ordenado onde a vida surge e morre a cada instante em uma instabilidade avassaladora.

Tempestade de igual complexidade ocorre em cada um destes organismos vivos,

que se auto organizam em sistemas autônomos, onde as células se auto organizam em

órgãos, cada qual com suas funções, cada órgão organizado em células, estas

compostas de intrincados sistemas que interagem com todas as partes do organismo e

com o meio exterior, e, o mais intrigante, cada célula contendo uma memória de todo o

organismo em sua complexidade, memória que está disposta em filamentos

matematicamente organizados chamados DNA.

Interagindo com cada sistema do organismo está lá o sistema nervoso e o cérebro.

O cérebro é muito mais que uma tempestade, ele é um cataclismo de movimentos,

incerteza e acaso.

Este organismo, menor que seja ele, é instável, sujeito a transformações bruscas

na memória inserida no DNA e alterações bruscas no sistema nervoso e no cérebro, pois

está em infindáveis interações com os infindáveis sistemas internos e externos.

Entretanto, todo este sistema chamado vida que nasce e morre, que surge e se

extingue em um acaso não mensurável, segue para uma enxurrada a qual representamos

como evolução.

Nesta tempestade evolutiva insere-se a formação deste universo e de todos os

demais infinitos universos possíveis em teias de tempestades em relação aos quais

nenhuma certeza podemos ter da complexidade de suas interações, de tal forma que a

cada instante nascem e morrem como pingos de chuva, deixando apenas a memória de

suas existências nesta enxurrada do além tempo e do além espaço que podemos apenas

imaginar.

Por fim, a tempestade mais vertiginosa, porque reúne em si todos os universos,

todas as tempestades, todas as certezas e incertezas possíveis, todos os enganos e todo

o poder de construção e destruição: eu. Eu entendido como esse sistema único que se

diferencia dos demais sistemas por possuir em si a consciência, resultante das interações

de bilhões de neurônios no espaço chamado cérebro. Eu entendido como singularidade

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única originada a partir do caos, da mesma forma como se originaram todos os universos

e cada uma das gotas da tempestade. A singularidade deste eu está em seu poder de

ordenar infinitas imagens e explicações a partir de seu caos intrínseco. Portanto,

contraditoriamente, o eu é insignificante como um pingo de chuva, porque é apenas um

sistema dentro do todo, mas também está no centro do todo e é ele que incute significado

aos sistemas que giram ao seu redor.

De todos os sistemas que influenciam na formação e desenvolvimento da

tempestade o mais importante é o sol. Sem o sol a terra não possuiria toda esta

complexidade que ora percebemos, ela seria uma pedra seca no espaço. O sol é o deus

máximo da criação na terra, pois ele é o grande responsável pela tempestade, uma vez

que dele vem o movimento das partículas que fazem aquecer ou esfriar o ar e as águas,

movimentando-os. Ele mesmo, que aparentemente é estável e calmo, na verdade

também é uma gigantesca tempestade. Cada partícula do sol não sabe o que ocorrerá

com ela no futuro, pois está sujeita às incertezas das forças quânticas e gravitacionais.

Esse sistema incerto chamado sol aquece e fornece movimento aos sistemas terrestres,

logo estes são incertos tal quanto o sol.

Apesar de toda essa incerteza caótica, o sol estará lá no céu provavelmente

amanhã e depois de amanhã com uma certeza quase que absoluta e emitirá suas

partículas que movimentam e criam a vida com uma regularidade previsível que tomada

em seus aspectos gerais pensamos ser determinista e não caótica.

Quando os filósofos e cientistas renascentistas e modernos (MORIN, 2016)

observaram a tempestade, perceberam a regularidade de seus elementos constituintes

e depararam-se com toda a sua complexidade, então propuseram uma simplificação para

que aquela aparente confusão pudesse ser compreendida. Eles tinham grande habilidade

matemática, muito acima das pessoas comuns. Assim, quando isolaram alguns sistemas

do todo e analisaram quantitativamente estas partes isoladas, desprezando-se os

elementos qualitativos do eu, conseguiram obter delas resultados precisos de cálculo.

Esta precisão levou-os a definir a realidade como um grande relógio matematicamente

preciso. A matemática e a lógica passaram a ser os elementos primordiais na

interpretação da natureza. O lado subjetivo, a parte artística e qualitativa do sujeito,

passou a ser visto como um erro que deveria ser rigorosamente desprezado, uma vez

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que dificultava a análise e universalização dos resultados obtidos, é o chamado dualismo

cartesiano entre a mente (res cogito) e corpo (res extensa). (MORIN, 2016).

As ideias destes homens matemáticos passaram a dominar o conhecimento. Para

eles e para todas as gerações seguintes até os dias atuais a verdade e a realidade estão

na precisão da análise lógica, decomposição do todo em partes rigorosamente

compreensíveis sujeitas às leis causais e universalização dos resultados obtidos. Como

se o sujeito individual não tivesse qualquer participação importante na natureza, exceto

o de observá-la e obter dela os resultados, sendo que o elemento caótico seria o

resultado negativo da participação do sujeito. Daí que houve a cisão entre arte, ciência,

religião e filosofia. Nós, homens comuns caóticos, de pouca matemática, fomos

desprezados intelectualmente e tivemos nosso valor reduzido a produtores e

consumidores de mercadorias. (MORIN, 2015).

Mas, quando o eu é desprezado, ele se torna indiferente e desmotivado, às vezes

agressivo, então parte para o niilismo, para o criticismo, para a afirmação no poder e para

o fundamentalismo. A competição, o criticismo e o fundamentalismo talvez sejam o eu

tentando reafirmar seu egocentrismo, reafirmar-se como centro, utilizando-se como

instrumento a racionalização, os ideais de verdade e certeza cartesianas que satisfaçam

sua necessidade de dominação, através da “adesão a um centro único de referência,

invariável, confiável, que liberta para sempre da dúvida, da incerteza, da precariedade,

da multiplicidade de perspectivas, da pluralidade dos pontos de vista”. (MORIN, 2011, p.

307).

Cada eu, partindo do egocentrismo, racionaliza que a certeza de suas ideias e as

do grupo a que pertence são mais verdadeiras do que as do outro. Destas interações

entre as diversas certezas entre indivíduos, grupos e nações, mais a associação destas

certezas com os aspectos animais do cérebro humano e com o sistema econômico,

político e social, vem a guerra, o individualismo, a competição, a destruição da natureza,

o desprezo à vida dos animais, a miséria, a indiferença e o ódio. Para solução dessas

implicações éticas, Edgar Morin prescreve uma ética complexa com base na incerteza:

“A complexidade ética deve tornar-se lei universal, comportando problemática, incerteza,

antagonismos internos, pluralidades”. (MORIN, 2011, p. 38).

Se observarmos todos os sistemas da realidade, vamos constatar que todos eles

são tempestades caóticas. Os sistemas naturais e artificiais, as relações entre as

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pessoas, os sistemas políticos, nossos corpos, nosso cérebro, nosso coração e órgãos,

a formação das ideias e os pensamentos, a percepção, a arte, as sociedades, as cidades,

as economias, os sistemas financeiros, as bolsas de valores, as empresas e qualquer

sistema que imaginemos. Seja um sistema que chamemos fechado ou um sistema que

chamemos aberto estarão entre a ordem e a desordem. A tempestade está dentro de

nossos corpos e também fora deles. A ordem e o caos estão em todos eles em maior ou

menor grau, ora pendente para um lado e ora pendente para o outro, formando o

incompreensível “circuito tetralógico desordem-interações-ordem-organização”. (MORIN,

2016, p. 77).

Cada coisa que chamamos objetos, seres ou sistemas são constituídos por uma

infinidade de subsistemas que interagem entre si bem como com os sistemas nos quais

estão contidos formando-se daí novos sistemas com elementos que podem ser

matematizáveis e outros não matematizáveis. Morin comenta em relação ao átomo:

Entendido como sistema, o átomo passa a constituir a verdadeira textura do que é o universo físico, gás, líquidos, sólidos, moléculas, astros, seres vivos. Passamos a perceber que o universo é fundado não em uma unidade indivisível, mas em um sistema complexo. (MORIN, 2016, p. 127).

E cada um desses elementos ou sistemas estão em contínua transformação. A

esta transformação chamamos tempo. Tempo é a expressão simples matemática que

inventamos para chamar essa sucessão irreversível e complexa de ordem-desordem

dentro de cada sistema e nas interações entre sistemas, cujos movimentos e interações

tudo cria e tudo destrói. Neste sentido, o tempo é complexo, há um tempo para cada

sistema, por outro lado há um tempo para a unidade de sistemas. Seguindo este

raciocínio, não há sentido em falarmos que o universo foi criado em um momento do

tempo, mas sim que ele se cria e recria a cada interação. “Nosso mundo organizado é

um arquipélago de sistemas no oceano da desordem”. (MORIN, 2016, p. 128). “O tempo

é uno e múltiplo, contínuo e descontínuo, ou seja, (...), agitado por rupturas, sobressaltos,

que rompem o seu fluxo e eventualmente recriam, em outros lugares, outros fluxos”.

(MORIN, 2016, p. 113).

Mesmo as coisas aparentemente delimitadas por aquilo que chamamos espaço

(sistemas chamados fechados) são constituídas de inúmeros sistemas e, portanto,

mesmo que aparentem ser fechados, estáveis e previsíveis, são também abertos e

caóticos se pensarmos nas interações destes sistemas que ocupam espaços maiores ou

Page 13: A TEMPESTADE E O CAOS

menores e desenvolvem-se ao longo de um intervalo menor ou maior de tempo. “Só

existem realmente sistemas de sistemas, o sistema simples não sendo senão uma

abstração didática”. (MORIN, 2016, p. 129).

Por exemplo, mesmo este computador ou esta caneta são sistemas que, embora

aparentemente estáveis, máquinas ou objetos construídos com sistemas matemáticos e

lógicos rígidos de tal forma que se reduzam os efeitos do acaso, são caóticos se

pensarmos em longos períodos de tempo em termos das interações de seus elementos

constituintes e das interações com os elementos externos. Essas interações dependem

do que chamamos de intervalo de tempo e do que chamamos de espaço. Intervalos de

tempo mais longos significam maior possibilidade de interações e espaços menores

significam maior quantidade de sistemas interagindo com aquele objeto. Mais tempo de

interação e menores espaços nos sistemas interativos significam menor possibilidade de

previsibilidade.

Tudo o que representamos como coisas e seres também podemos representar

como sistemas. Seja um objeto ou um conjunto de objetos em interação. A mudança da

palavra muda também o sentido dos conceitos de ser e existência. Entendidos como

sistemas, os seres de certa forma perdem a individualidade estável, como se o princípio

da individuação passasse a ser apenas uma representação infantil e não pertencente a

própria realidade orgânica complexa e mutável. Nos sistemas o sentido de ser passa a

constituir-se como uma massa orgânica caótica que compõe todo o universo ou

multiversos e não mais como objetos isolados no espaço. Assim, todos os sistemas

podem ser comparados às tempestades. Toda tempestade é imprevisível, mas parte de

suas águas por enquanto correm para o mar.

Mas, quando pensamos em uma tempestade, comumente não imaginamos a

complexidade de seus elementos constituintes. Do estudo de uma tempestade,

buscando-se explicações científicas e filosóficas, podemos tirar algumas ideias:

1) O sol, as águas e os ventos formam as tempestades. Na física diz-se sobre a

primeira e segunda leis da termodinâmica, onde a primeira lei é a da manutenção

da quantidade de energia em um sistema isolado e a segunda lei é a entropia

(calor dividido por temperatura), que diz que a desordem de um sistema isolado

tende a aumentar e chegar a um valor máximo assim que fornecemos energia ao

mesmo, uma vez que aumenta a entropia (a relação calor dividido por temperatura

Page 14: A TEMPESTADE E O CAOS

aumenta com o tempo). A incerteza origina-se do calor da agitação de partículas

ou de moléculas, cujos momentos particulares não podemos prever. Sobre a

termodinâmica, Prigogine escreve:

É esta produção de entropia interna que é sempre positiva ou nula, e que corresponde aos fenómenos irreversíveis. Todas as reações químicas são irreversíveis; todos os fenómenos biológicos são irreversíveis. Mas, que é a irreversibilidade? Para muitos homens de ciência (e para a maioria dos divulgadores) a irreversibilidade corresponde à dissipação, à desordem: toda a estrutura seria conquistada por uma forte luta contra o segundo princípio: assim para a vida como para o universo. Quero imediatamente insistir já – e a isto voltarei no contexto cosmológico – no facto de a produção de entropia conter sempre dois elementos dialéticos: um elemento criador de desordem, mas também um elemento de criação de ordem. E os dois estão sempre ligados. (PRIGOGINE, 2008, p. 35).

2) A maior parte das águas da tempestade no momento atual corre para o mar, uma

parte é absorvida pelas plantas e animais, outra parte evapora e outra permanece

nos solos. Parece existir uma memória na natureza que estabelece uma certa

ordem e sucessão nos movimentos, de tal forma que um pingo de chuva não se

transforma em uma serpente ou em um dragão imediatamente. O pingo de chuva

se tornará um dragão somente após uma infinidade de interações na imaginação

do homem que precisa beber o copo de água composto de inúmeros pingos de

chuva. Neste sentido, parece haver na natureza a predisposição para a existência

de tudo o que é possível e impossível a partir das interações entre sistemas, mas

parece que tudo possui uma sucessão memorizada (histórico) de interações e um

modo sistematizado para que possa existir. Em outras palavras, a partir da gota

de chuva o dragão caótico de fato existirá após um intervalo de eventos, mas ele

existirá de uma forma ordenada e sistematizada na imaginação do homem, mas

não solto no espaço.

3) Uma tempestade nunca será igual a qualquer outra tempestade. Também um

instantâneo da tempestade em um instante será diferente de qualquer outro

instantâneo em qualquer momento desta e de todas as outras tempestades. Serão

diferentes mesmo que consideremos a possibilidade de infinitas tempestades no

passado e no futuro. Entretanto todas as tempestades serão parecidas em alguns

aspectos. É o que a filosofia tradicional chama de ser e devir da tempestade. O

ser representa a estabilidade e ordem, o devir representa a instabilidade e caos.

“Vivemos de morte, morremos de vida”. (Heráclito).

Page 15: A TEMPESTADE E O CAOS

4) Do mesmo modo, cada gota da tempestade parece ser uma cópia imperfeita de

cada uma das demais gotas que vierem a existir, sendo todas diferentes, mas

todas parecidas. Parece que a natureza copia e cola infinitamente com algumas

distorções as partes (sistemas menores) para formar o todo (sistemas maiores),

de tal forma que nestas adições de partes imperfeitas vão se constituindo sistemas

cada vez mais complexos e diferentes em relação aos sistemas constituintes, onde

o todo tem a forma semelhante às partes e as partes formas semelhantes ao todo.

“Todo sistema é uno e múltiplo”. (MORIN, 2016, p. 146).

5) Não é possível definirmos uma tempestade como um ser no sentido tradicional

de forma e essência. Entretanto, uma tempestade existe de alguma forma em certo

intervalo de tempo e no espaço. Ela é um elemento vivo, um ser em transformação,

ela é um sistema que nossa consciência interpreta como unidade com certa

autonomia.

6) São muitas as forças que interagem em cada elemento de uma tempestade de

forma que se torna muito difícil a possibilidade de prevermos com exatidão os

eventos futuros no interior dela, mesmo se considerarmos intervalos de tempo

muitíssimos pequenos, tendendo a zero. Podemos pressupor que seja por uma

falha em nossa razão ou nossos computadores, mas também podemos pressupor

que seja na própria natureza que esteja a incerteza, a indeterminação, a desordem

e o acaso. A balança da complexidade inclina-se para a segunda hipótese.

7) Cada elemento constituinte de uma tempestade interage consigo mesmo no

mesmo instante que interage com todos os demais elementos em uma cadeia sem

fim de retroalimentação.

8) A tempestade também não é um evento isolado na natureza. Assim como todos

os demais eventos, ela também se relaciona com todos os outros sistemas

existentes e pertence a estes outros sistemas.

9) Cada um de nós se relaciona com a tempestade de um modo subjetivo totalmente

diferente dos demais. A tempestade será diferente para cada um de nós, mesmo

ela sendo a mesma tempestade. Esta realidade de cada um de nós é de fato real,

não é uma fantasia, é uma realidade própria nossa. As cores, os sabores, os

cheiros, os sons e a matéria do tato existem para nós. Se tomarmos como hipótese

de que todos os elementos da natureza se inter-relacionam, podemos também

Page 16: A TEMPESTADE E O CAOS

supor que de algum modo a subjetividade de cada um de nós se inter-relaciona

com os elementos da tempestade. Deste modo, a interpretação e realidade da

tempestade também será diferente para cada um de nós, uma vez que são dois

sistemas caóticos se inter-relacionando. Deste modo, nossa subjetividade torna

extremamente caótica a tempestade, uma vez que a mesma tempestade, em suas

infinitas transformações, também é infinitamente diferente para cada subjetividade

que se relaciona com cada um desses infinitos momentos. Nesta linha de

pensamento, se considerarmos a instabilidade dos sistemas, comparativamente a

uma tempestade, a velha questão sobre as relações entre a teoria e a prática é

resolvida com a ideia de que a teoria será sempre uma aproximação mais ou

menos grosseira do real, pois este possui em si mesmo elementos não teorizáveis,

caóticos, instáveis e incertos. Mesmo os conceitos de ordem e caos são apenas

representações de uma realidade que em si mesma não é a própria

representação. Representamos a realidade através de palavras e números. Estes

podem representá-la de uma forma melhor ou pior para obtenção de resultados

práticos em nossa existência. Entretanto, a realidade não é número e nem

palavras, a realidade possui elementos quantitativos e qualitativos, bem como

elementos que não podemos nem quantificar e nem qualificar, que estão fora de

nosso alcance. São elementos absurdamente caóticos e complexos sobre os

quais podemos apenas levantar incertezas.

10) Uma única gota pode mudar a história de toda a tempestade. Uma vez que esta

gota interage em rede com cada uma das demais gotas da tempestade e uma vez

que há incerteza nestas interações, talvez seja impossível prevermos a história

futura de qualquer tempestade. É a ideia do caos determinístico, onde o bater de

asas de uma borboleta no Japão pode provocar uma tempestade no Brasil.

Embora não tenhamos certeza se o motivo da imprecisão seja o desconhecimento

atual de todas as variáveis das equações ou se o motivo seja o acaso intrínseco

da realidade. De qualquer forma, existe um limite neste acaso, pois as

probabilidades do bater de asas de uma borboleta provocar uma tempestade são

quase nulas. Exceto se considerarmos os eventos catastróficos, aqueles eventos

que ocorrem nas menores probabilidades possíveis. Por exemplo, quando a falta

de prego na ferradura do cavalo faz o rei perder o reino (GLEICK, 1989).

Page 17: A TEMPESTADE E O CAOS

Entretanto, embora talvez uma catástrofe tenha originado este universo, dentro de

cada sistema as catástrofes não ocorrem a todo instante, pois caso ocorressem

os sistemas não existiriam. Os rompimentos dos sistemas através de catástrofes

também estão sujeitos a uma certa relação ordem-desordem no tempo, que

podemos calcular através das probabilidades.

11) A tempestade está sujeita a eventos catastróficos. São os eventos que saem da

regularidade normal dos movimentos. A tempestade às vezes se torna um furacão

ou um ciclone. Embora o resultado final também seja o mar, os movimentos em

um furacão são mais intensos durante o percurso para o mar. Quanto maior a

quantidade de interações, maiores serão as probabilidades de catástrofes, porque

maior será o acaso resultantes das interações. Mas as catástrofes ocorrem a cada

instante, nas grandes e pequenas coisas, mesmo com poucas interações e baixas

probabilidades de ocorrência, por exemplo, quando surge uma ideia, quando

ocorre um evento inusitado nas relações entre sistemas, quando ganhamos na

loteria, quando um cisco entra nos olhos ou quando surgem os universos inteiros,

inclusive este que estamos. “O termo catástrofe deve ser concebido não apenas

em seu sentido geofísico e geoclimático tradicional, mas sobretudo...” como

“...mudança/ruptura de forma, em condições de singularidade irredutível”. E a

seguir diz: “a ideia de catástrofe contribui para a compreensão de que a

organização e a ordem do mundo se edificam no e pelo desiquilíbrio e

instabilidade”. (MORIN, 2016, p. 64).

12) A tempestade se vista a uma certa distância no espaço parecerá uma coisa

insignificante na terra, se confundirá inclusive com as nuvens ou com a umidade

do ar. A uma certa distância as coisas parecem perder a essência de ser para a

mente humana e passam a fazer parte de outros sistemas, elas deixam de existir

para nós, deixam de ser seres isolados e passam a fazer parte de outros seres.

13) Podemos em relação à tempestade fazer três perguntas distintas: O que é a

tempestade? Como funciona a tempestade? Por que funciona deste modo? Estas

três perguntas são complementares e dependentes uma da outra. Quando

tentamos descobrir o que é e porque funciona, acabamos por descobrir o modo

do funcionamento, o que nos leva a pensar sobre o porquê e o que é, que por sua

vez leva a novas descobertas do como funciona. Assim, a busca das explicações

Page 18: A TEMPESTADE E O CAOS

metafísicas do “porquê” e “do que é” filosóficos não estão separados do “como”

científico. A pergunta inicial e fundamental que parte de nossos cérebros começa

sempre com o “porquê” e “o que é”, somente depois de muito treinamento

percebemos que não existe resposta lógica para o “porquê” e para “o que é” e sim

para o “como”, entretanto o “como” só é significante se perguntarmos sobre o

“porquê” e sobre “o que é”. Assim, não se pode reduzir o conhecimento somente

ao “como”, porque isso significaria a desmotivação, pois o “como” está associado

ao “porquê” e ao “o que é” em nossas mentes. Para Morin:

Através da trilogia do espírito, da afetividade, do anel que liga e opõe racionalidade, afetividade, imaginário, mito, estética, lúdico, despesa, o ser humano vive sua vida de alternância de prosa e de poesia, em que a privação de poesia é tão fatal quanto a privação de pão. (MORIN, 2012, p. 141).

Por que o mundo existe? Absurdamente, ele existe porque o nada é impossível e

tudo procura existir de alguma forma envolta por ordem e desordem a partir do caos

primordial. O que é o mundo? Absurdamente, é aquilo que o eu percebe e sente que ele

seja. Como o mundo existe? Absurdamente, existe de um modo a fazer com que o eu

exista e o nada não exista, mantendo o caos e afirmando a ordem.

Quando pensamos na tempestade e fazemos analogia entre ela e todos os

demais sistemas, podemos concluir através da observação que a realidade é uma

unidade orgânica ou sistema único composto por elementos que quando separados

tornam-se incompreensíveis: um espaço (que não sabemos o que é), muito movimento

(cuja sucessão chamamos de tempo, mas também não sabemos o que é), uma pitada

de ordem (que não sabemos o que é) e uma quantidade a gosto de desordem (caos que

não sabemos o que é). Estes elementos simples quando interagem entre si tornam-se

indissociáveis e a partir deles surge tudo o que existe e também o que não existe. Mas

quando os isolamos e tentamos entender o que são e porque devem ser assim, tornam-

se sem compreensão. Por outro lado, quando tentamos entender a unidade orgânica

complexa da realidade, também ela se mostra incompreensível porque tentamos

naturalmente decompô-la em suas partes componentes. Daí que é necessário então a

filosofia da complexidade para entendermos o todo e as partes sem perdermo-nos na

complexidade do todo e nem na simplicidade das partes. “O pensamento complexo

reconhece ao mesmo tempo a impossibilidade e a necessidade de totalização, de

unificação, de síntese”. (MORIN, 2016, p. 38).

Page 19: A TEMPESTADE E O CAOS

O espaço é outro elemento que aparenta existir somente quando há sistemas nele

e os sistemas só aparentam existir quando há espaço. Então, na complexidade não é

possível também isolarmos a existência separada do espaço. Quando isolado, ele parece

ser o ingrediente principal da matéria, a massa do pão que é amassada infinitamente de

formas variadas. Do mesmo modo o movimento parece ser essas infinitas formas

variadas do modo como a massa do pão é amassada, mas também não pode existir

sozinho sem o espaço e sem os sistemas. A relação entre o antes e o depois dos

movimentos nós chamamos de tempo, que parece ser um tipo de memória atemporal

que se lembra dos movimentos anteriores e prepara a massa de pão para os movimentos

seguintes. A ordem parece ser a regularidade matemática como essas infinitas formas

da massa ocorrem na realidade, de tal forma que o antes e o depois dos movimentos

podem ser calculados com certa precisão matemática. E a desordem é o caos, é o que

foge à regularidade, é a própria variedade de formas infinitamente novas como a massa

de pão é amassada em um contínuo movimento ilógico e irracional, sem previsibilidade,

sem continuidade do tempo, com quebras abruptas irreversíveis, somente sendo possível

talvez a previsão de forma probabilística.

Entretanto, nenhum desses elementos tem sentido se tentamos entendê-los

isoladamente. Todos estes termos físico-matemáticos, tais como tempo, espaço, energia,

massa e movimento são apenas palavras simples para expressar certos aspectos

simplificados de uma realidade complexa não passível de compreensão até o momento

sem que utilizemos as representações simplificadoras destas palavras, que isoladas

nada significam. Mas, contraditoriamente, foi a partir da simplificação do método de

Descartes que a ciência pode avançar e descobrir tudo o que ora dispomos. Por outro

lado, a realidade é um complexo ordem-desordem-interações-organização, onde os

elementos dos sistemas não existem separadamente dos demais e nem podem ser

totalmente definidos ou conhecidos separadamente da unidade orgânica composta por

todos os sistemas. “A complexidade está na base de tudo” (MORIN, 2016, p. 452). “O

todo é mais do que a soma das partes”. (MORIN, 2016, p. 135).

Nesta linha da representação, a complexidade tenta aprimorar o método

cartesiano inserindo nele o caos. Procura-se interpretar as interações de elementos

simples de tal forma que de poucos elementos e desta aparente simplicidade formam-se

todos os sistemas complexos, aleatórios e talvez imprevisíveis. Esta teoria tenta abarcar

Page 20: A TEMPESTADE E O CAOS

todas as teorias científicas para compreender filosoficamente a ordem que emerge do

caos e o caos que emerge da ordem, mas embora se embase na ciência e na filosofia, a

complexidade vai além da ciência e além da filosofia, pois inclui o caos e a incerteza

como elementos chaves da realidade associados com a ordem.

São cinco as teorias que se sobressaem na atualidade e que incorporam o caos:

1) teoria do caos determinístico;

2) teoria dos fractais;

3) teoria quântica;

4) teoria dos sistemas;

5) teoria da complexidade.

As quatro primeiras são físico-matemáticas e a quinta é filosófica. Embora seja um

campo do saber que está em desenvolvimento e nos limites da racionalidade humana e

não haja ainda uma teoria geral que unifique todas elas, há um ponto em comum nestas

cinco teorias: a incerteza das previsões. Mesmo a teoria da complexidade não tem a

pretensão de ser unificadora, mas sim crítica e autocrítica. Mesmo a ideia de incerteza

tem diferentes interpretações. Há uma feira livre da realidade a partir de meados do

século XX. Entende-se como feira livre da realidade a oferta de diferentes interpretações

sobre a matéria ou sobre o funcionamento dela. Essas diferentes interpretações têm

como plano de fundo as medições da teoria da incerteza e da teoria quântica. Como feira

livre pode-se entender também que o mercado é livre para a oferta de diferentes

produtos, sendo que alguns serão mais aceitos enquanto outros não terão nenhuma

procura, mesmo que sejam bons produtos. A feira livre tem um sentido muito positivo

porque a feira pode ter a participação de cada um de nós, tanto na oferta quanto na

procura dos produtos. Entretanto, “precisamos reconhecer, acima e antes de qualquer

ciência, qualquer filosofia e qualquer perquirição racional, que o mundo existe e que é

conhecido em parte”. (SMITH, 2011, p. 30).

De fato, a realidade parece ser absurdamente caótica quando começamos a

pensar sobre ela, entretanto tentamos a todo instante compreendê-la e inseri-la em

nossos sistemas racionais, porque a razão é nosso principal instrumento de

compreensão. Quando não conseguimos dar ordem a algo aparentemente caótico

acusamo-nos de incompetentes. Os menos teimosos desistem de buscar soluções ou

apegam-se a respostas prontas. Os mais teimosos e matemáticos se esforçam ainda

Page 21: A TEMPESTADE E O CAOS

mais para encontrar respostas lógicas, acreditando que o caos estaria nas ideias e não

na realidade, pois se melhorassem o método de análise da realidade confiam que

certamente corrigiriam a direção das ideias e, portanto, desvendariam todos os segredos

ocultos da realidade. É a chamada visão cartesiana da realidade, onde busca-se a

certeza das relações matemáticas, lógicas e quantitativas e relega-se ao nível do erro e

da ilusão as perspectivas pessoais e as interpretações qualitativas subjetivas. Entretanto,

“O que precisamos entender acima de tudo é que nada no mundo ‘simplesmente existe’,

que existir é precisamente entrar em interação com outras coisas, incluindo

observadores”. (SMITH, 2011, p. 37).

Nossos diversos sistemas racionalistas tentam dar sentido ao absurdo da

realidade a ponto da maioria de nós acreditarmos que a realidade é compreensível e

previsível, sendo possível decifrar toda a realidade através de fórmulas matemáticas,

teóricas, filosóficas ou místicas e utilizarmos esses sistemas na previsão do futuro ou na

elaboração de projetos pessoais infalíveis a curto e longo prazo. Para a maioria de nós a

solução seria o aprimoramento do método de interpretação. Desta certeza nas leis e na

previsibilidade surgem as crenças no progresso contínuo das ciências, na teoria do tudo,

na solução de todos os problemas humanos, na explicação radical através das ciências

de todos os aspectos da vida e da mente. As coisas que não podem ser explicadas, como

os sentimentos, a percepção e a imaginação, são consideradas subprodutos das coisas

que podem ser explicadas através de conexões lógicas e causais.

A teoria da complexidade procura flexibilizar este ponto de vista e buscar na

realidade os elementos caóticos, estudá-los e compreendê-los a partir de uma

perspectiva diferente do instrumental lógico e matemático que dispomos na atualidade.

Tenta, portanto, descobrir uma possível ordem que está por trás do caos e vice-versa,

mas com a consciência dos seus limites de interpretação. Busca na unidade, na união

das partes com o todo e do todo com as partes, nas equações probabilísticas mais do

que nas equações determinísticas, nas teorias científicas de vanguarda e nos sistemas

filosóficos. Embora tenha consciência também que a realidade possui elementos

determinísticos bem como elementos caóticos, ambos interagindo e constituindo a

realidade.

Não podemos reduzir nem o todo às partes, nem as partes ao todo, nem o uno ao múltiplo, nem o múltiplo ao uno, mas que precisamos tentar conceber em conjunto, de modo complementar e antagônico, as noções de todo e de partes,

Page 22: A TEMPESTADE E O CAOS

de um e de diversos. (MORIN, 2016, p. 135).

Assim, pensando na realidade como um todo ciência-ideologia-política, é inegável

que a história da filosofia e do pensamento humano trouxe um grande progresso à

humanidade, apesar de que esse progresso tenha ocorrido encima do sofrimento de cada

um de nós, da exploração de uns poucos sobre todos os demais, da mentira de alguns

que se impõe como a verdade da maioria, da destruição da natureza, da guerra, do

desperdício, do enorme consumo de alguns e a necessidade de bilhões. Isto é, uma

quantidade enorme de elementos caóticos levou ao equilíbrio instável do sistema social,

político e econômico como ora se apresenta. Se por um lado pregou-se teoricamente a

busca da ordem e da racionalidade, o desenvolvimento sempre ocorreu em um processo

desordenado onde a ordem de elementos lógicos e estáveis parecem existir apenas nas

teorias sociológicas, políticas e filosóficas, mas não no mundo real. Portanto, a ciência, a

filosofia e a religião tiveram e têm como principal objetivo a manipulação política e não

de fato a verdade. Embora negue-se veementemente, a afirmação de que existe uma

verdade ordenada e que esta é exterior ao indivíduo serve para censurar as verdades

caóticas de cada indivíduo ou grupos de modo a criar um objetivo social único, impondo-

se a universalização. Morin chamou de “relação complexa ciência-política-ideologia”.

(MORIN, 2016, p. 21).

Na prática a enganação política é muito importante, pois as pessoas e os povos

precisam crer em seus mitos e em seus líderes para que possamos todos perseguir os

objetivos propostos socialmente, por causa dos elementos psicológicos, motivacionais e

afetivos incutidos nas crenças, que levam as pessoas ao trabalho, ao estudo e ao respeito

às leis. Embora precisemos negar a cada instante para fins de manutenção das

sociedades, a verdade é esta: a mentira é uma necessidade humana, assim como a

afirmação de seu fundamento, a ordem. “A tragédia política reside igualmente na

contradição inerente à ação política, cuja maior necessidade é a detecção do erro, do

falso e da mentira, e cujo maior produto é o erro, o falso e a mentira”. (MORIN, 2015, p.

481).

Neste sentido, as mentiras devem ser afirmadas como verdades e de fato se

tornam verdades nos sistemas políticos e sociais, pois são elas que constituem os

sistemas e os mantém em funcionamento, embora sempre em conflito com as verdades

de cada indivíduo ou grupo, que contraditoriamente convivem submissas às verdades

Page 23: A TEMPESTADE E O CAOS

maiores que as subjugam. Observemos então que mesmo nestes aspectos sociais e

políticos impera o caos e não a ordem. Impera o caos porque todos os elementos estão

ali em constante interação, cada sistema com suas particularidades, cada indivíduo com

seu egocentrismo inato, sentimentos, desejos, razões e paixões prontos para impor-se

ao mundo e subjuga-lo a sua vontade. Assim, o acaso e a indeterminação caóticos estão

prontos para eclodir nas interações. Mas de cima vem uma ordem que diz a cada um dos

sistemas que o caminho certo é outro, o caminho certo é o da razão e o da ética filosófica

e historicamente construídos. Instaura-se, portanto, um ordenamento necessário ao

funcionamento social. Assim como a chuva na tempestade, a multidão de gotas humanas

se converte em enxurrada e direciona-se ao mar. A ordem é instaurada. Entretanto, esta

é uma realidade histórica complexa e não há outra alternativa até o momento, pois “as

revoluções que quiseram instaurar a hipercomplexidade caíram nas piores regressões e

só puderam estabilizar-se no terror e no sagrado, isto é, nas formas mais baixas de

organização social”. (MORIN, 2015, p. 481).

Então, se de um lado temos como exigência um posicionamento filosófico flexível

perante nossas ideias, de outro lado temos uma impossibilidade deste posicionamento,

uma vez que nossa formação biológica, nossas bases políticas, econômicas e filosóficas

dão ênfase à sistematização ordenada e racional dessas ideias apoiadas em verdades

evidentes exteriores ao sujeito. Para que possamos sobreviver, aprendemos desde cedo

que a construção de um edifício deve ser sob bases objetivas sólidas e inquebráveis e

assim agimos e pensamos durante toda a vida, como se afastássemos de nós mesmos

os sujeitos caóticos que somos. Entretanto, quando tentamos buscar estas bases sólidas

no mundo exterior, encontramos uma crise total dos fundamentos: o mundo físico é

caótico e incerto, a política é corrupta, a economia é instável, a violência está em cada

ato, lá fora nada parece ser confiável. A ordem e a estabilidade só aparentam existir nas

teorias e nos discursos. Então, perguntamos: Porque este eu interno deve ter

fundamentos de ordem se o mundo exterior balança entre o caos e a ordem? Morin diz

que “ética é religação”:

Alcançamos a religação cósmica pela religação biológica, que nos chega pela religação antropológica, que se manifesta na solidariedade, na fraternidade, na amizade e no amor, que é a religação antropológica suprema. O amor é a expressão superior da ética. (MORIN, 2011, p. 37).

Page 24: A TEMPESTADE E O CAOS

Não há como fugir do caos e da complexidade, mesmo quando obcecadamente

busquemos a ordem. Eles estão em toda parte, mesmo onde aparentemente só há

ordem. Observemos, por exemplo, a bandeira do Brasil. No centro está escrito “Ordem e

Progresso”. Voltamos a observação para nossa realidade social e política, constatamos

o erro e então corrigimos as palavras por “Caos e Progresso”, “Caos, Ordem e Progresso”

ou então, “1% de Ordem, 99% de Caos e 90% de Probabilidade de Progresso”, de acordo

com uma nova interpretação mais realista de nosso caos. O resultado prático na vida das

pessoas e da sociedade talvez fosse uma catástrofe, pois cada um de nós necessita ser

direcionado por uma ordem fictícia não sujeita a probabilidades ou incertezas do mundo

real. Entretanto, o caos é predominante tanto na realidade prática quanto nos sistemas

teóricos políticos e jurídicos. Porque, na tentativa de controlar o caos da realidade, criam-

se milhões de leis que embora controlem o caos momentaneamente, com o passar do

tempo provocam o efeito contrário, uma vez que estas, além de criarem uma burocracia

caótica e incompreensível, atrapalhando a economia e o bem-estar social, são utilizadas

nos discursos políticos e jurídicos como formas de manipulação de alguns grupos sobre

outros e não de ordem racional. Ouvimos os discursos e, embora pouco entendamos,

sentimos que estamos amparados por este emaranhado de normas, embora os discursos

sejam confusos e prolixos, sendo a principal função dos mesmos criar sentimento de

amparo e não razão de amparo. De fato, os sistemas jurídico e político apenas constroem

uma ficção de ordem supostamente amparada na razão, mas esta ordem é sustentada

pela irracionalidade e pela força, porque na prática são absolutamente caóticos, os reinos

da mentira e da manipulação, mantidos pelo medo e pela ignorância das pessoas,

embora tenhamos que negar sempre, enquanto defensores da ordem que somos. Mesmo

discordando da ideia positivista de ordem contida na bandeira, precisamos ser cínicos

(sentido filosófico) o suficiente para concordarmos com esta ordem, porque a tempestade

no mundo político é muito mais violenta do que no mundo natural e muito mais

imprevisível, de tal forma que talvez calar ou concordar ou ficar em cima do muro seja

mais prudente e correto, porque nenhuma teoria é possível prever nem sequer se a

enxurrada vai ao mar, muito menos em qual momento, porque envolve as intenções, os

jogos de expectativas e a manipulação dos homens (pingos de chuvas). Apegamo-nos,

portanto à esperança e à necessidade de ordem, mas nenhuma teoria sistematizada,

Page 25: A TEMPESTADE E O CAOS

seja liberalista, marxista, evolucionista ou qualquer outra, pode abarcar o real, porque o

caos é imprevisível, não ordenado, incompreensível: o caos é caótico.

Por outro lado, se negarmos qualquer possibilidade de sistematização racional da

realidade, se desenvolvemos perante a cultura uma posição niilista e de negação da

razão, de crítica das ideias sem substituição por outras, de demolição sem construção,

também incorremos no risco de um precipício ainda maior, que é a indiferença ética e a

irracionalidade. Tudo é permitido onde não existe razão. “A hipercomplexidade traz

consigo a admirável aptidão para transformar as desordens em liberdade e criatividade,

mas também o risco de ver a liberdade transformar-se em desordem”. (MORIN, 2015, p.

481).

Então, no que devemos nos apoiar para não nos perdermos na incerteza e na

indiferença frente as coisas do mundo, para nos motivarmos e podermos crer no

conhecimento e nas pessoas? Edgar Morin diz que são a fraternidade e o amor as forças

vitais que evitam a desintegração da hipercomplexidade. (MORIN, 2015).

Ele argumenta que a fraternidade é um componente biológico-social que traz

consigo tanto a confraternização quanto a potencialidade fraticida, porque surgem no

grupo as rivalidades contra os “irmãos” bem como a revolta contra o exterior, o que resulta

da exploração e na dominação. Então, é necessária uma nova fraternidade complexa que

aceite o estranho e o inclua bem como veja o outro como a si mesmo. Fundamentado no

conceito indivíduo-sociedade-espécie, essa nova fraternidade exige o amor como

elemento biológico, social e religioso fortalecido pelo amor materno e pela educação,

como forma de ligação dos indivíduos e de toda a humanidade:

Neste sentido, o amor é verdadeiramente religião – no sentido original do termo: aquilo que liga – da hipercomplexidade: liga as individualidades egocêntricas nos seus caracteres mais íntimos e intensamente subjetivos. Ao mesmo tempo, esta ideia ‘religiosa’ e aparentemente irracional é a racionalidade da hipercomplexidade: á aquilo que, precisamente no âmago do processo de desintegração e de desunião, reintegra e reúne. (MORIN, 2015, p. 488).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este eu egocêntrico não se contenta com perguntas e respostas simples. Ele quer

saber qual é o lugar dele nesta realidade absurda e sem sentido. Ele se pergunta a cada

instante se há alguma ordem neste caos a ponto de ser possível sistematizar a realidade

a ponto deste eu poder controlar a enxurrada e não deixá-la levá-lo ao mar da morte.

Page 26: A TEMPESTADE E O CAOS

Uma sistematização que assimile todos os complexos da natureza e estabeleça uma

teoria do tudo amplificada que envolva tanto a física, quanto toda a realidade em seus

múltiplos sistemas. Este eu sabe de seus limites, mas mesmo assim sabe que deve

perguntar.

Pode-se dar diferentes respostas à estas perguntas. Mas qual é, senão a resposta

correta, pelo menos o caminho ou direção correta que nossa mente deve seguir para não

se perder no labirinto de soluções lógicas e místicas possíveis dadas a estes

questionamentos fundamentais? Morin sugere o caminho nas vias da complexidade

expostas nos seis volumes de O Método.

Mostra que as respostas a estas perguntas devem ser estudadas no conjunto

interdisciplinar e tem profundas implicações em todos os aspectos da existência humana,

sejam aspectos filosóficos, éticos, morais, psicológicos, religiosos, políticos e científicos.

A separação das partes desse conjunto faz-nos crer na ilusão de um mundo cartesiano.

As respostas podem reduzir o sujeito a um erro ou podem colocá-lo no centro complexo

do conhecimento.

Uma vez levantada a pergunta surge a dúvida, à semelhança do pensamento de

Descartes, embora este conclua que o caminho a seguir seria o de partir das ideias claras

e distintas e gradativamente avançar para os conhecimentos mais complexos,

entendendo-se com isso que a razão seria suficiente para o desvendamento da realidade.

Esta dúvida não cartesiana deve se estender à própria incerteza, de tal forma que a

flexibilidade do pensamento aceite suas infinitas variações, inclusive a possiblidade de

certezas: a incerteza deve ser em relação à certeza e à incerteza, bem como à incerteza

da incerteza, à incerteza da certeza, à incerteza da incerteza da certeza e assim

infinitamente no caleidoscópio das representações.

Edgar Morin em seu método indica que se partirmos da dúvida de que a realidade

seja totalmente cognoscível, se considerarmos a possibilidade do elemento caótico como

intrínseco à constituição da realidade, como mostra os atuais avanços da ciência, de fato

teremos uma dúvida autêntica, uma dúvida não cartesiana autêntica, uma vez que

colocamos em cheque a própria suficiência da razão para compreensão da realidade.

(MORIN, 2016, p. 28).

Indica que, embora esta dúvida seja resolvida geralmente incluindo-se a

irrefutabilidade religiosa ou alguma explicação mística, filosófica ou científica com caráter

Page 27: A TEMPESTADE E O CAOS

fundamentalista, que é próprio da necessidade biossocial humana de busca de

explicações verdadeiras e de busca da afirmação do eu, podemos aprender a ter em

relação aos nossos pensamentos egocêntricos um posicionamento autocrítico filosófico

flexível de forma que perguntemos a cada instante se estes pensamentos levam em conta

a complexidade. Neste sentido, as ideias claras e distintas talvez sejam improváveis, uma

vez que todas as ideias devem ser tomadas sob a ótica da incerteza caótica. Também

são improváveis, embora necessárias à vida, todas as explicações de caráter religioso,

científico e filosófico, uma vez que a dúvida fundamental do elemento caótico fará parte

do sistema de interpretação. O improvável está no sentido cartesiano, porque em todo o

seu texto Edgar Morin procura mostrar uma relação complexa entre a física, a biologia e

a antropossociologia, embora reconheça que essa “missão é impossível”. (MORIN, 2016,

p. 25).

Em A Natureza da Natureza, Morin diz que é inegável e irrefutável a possibilidade

de conhecimento humano, pois existem como prova toda a tecnologia inventada, todos

os livros já escritos, todas as cidades construídas, toda a arte já feita e todos os sistemas

detalhadamente explicados. Entretanto, todo esse conhecimento caminha sob o fio da

navalha, perigosamente para o precipício, pois associado a ele estão as maiores

catástrofes ocorridas na história, talvez porque seja a pretensão natural de cada sistema

se tornar hegemônico sobre os demais, afirmando-se como verdade inquestionável, uma

vez que se fundamenta em ideias claras e distintas, mesmo que no discurso sempre

afirme que as ideias divergentes devam ser respeitadas. Tendo esquecido o homem,

esse conhecimento parece caminhar por conta própria e levar consigo ao precipício o

homem, mero expectador. Morin escreve: “O pensamento simplificante se torna a

barbárie da ciência. É a barbárie especifica de nossa civilização. É a barbárie que hoje

se alia a todas as formas históricas e mitológicas de barbárie”. (MORIN, 2016, p. 463).

Os sistemas das instituições nas entrelinhas são geralmente fundamentalistas,

uma vez que desprezam o elemento caótico e afirmam uma verdade cartesiana, mas o

discurso teórico geralmente prega a flexibilidade quando diz que se deve respeitar as

ideias do outro. Basta observarmos as divergências políticas e religiosas na sociedade

contemporânea para confirmarmos esta tese e para constatarmos que este discurso do

respeito não funciona na prática, pois na prática prevalece o que está nas entrelinhas dos

Page 28: A TEMPESTADE E O CAOS

sistemas, o que é relevante, a lógica da verdade cartesiana, do certo e do errado, do

claro e do distinto, da refutação do elemento caótico e incerto.

Na política e na sociedade prevalecem as relações fundamentalistas, porque estas

se alinham à necessidade de ordem da mente humana, com o direcionamento político e

com a luta pela sobrevivência. Embora a filosofia sempre tenha prezado o “espanto” em

relação à realidade, ela tem uma postura de arrogância racional que espanta o “espanto”

ao pregar a lógica e a busca de verdades sistematizadas exteriores ao sujeito. Embora a

religião pregue o “religare”, ela cria a disputa e a separação, pois o caos é demoníaco e

o método religioso erra ao buscar a verdade e o ordenamento onde há caos e ausência

de verdade. Embora a ciência preze a criatividade do sujeito e a inovação, os trabalhos,

TCCs e teses são regidos por normas muito rigorosas e devem estar embasados em

autores reconhecidos socialmente, as redações precisam ter um ponto de vista definido,

cartesiano, a lógica binária do certo e errado vale pontos preciosos e os homens de

ciência devem se comportar como cientistas lógicos e racionalistas competentes, como

se não tivessem o sujeito caótico dentro deles. O desprezo a este sujeito caótico afasta-

o do conhecimento em vez de aproximá-lo. Contraditoriamente, na vida e nas ideias

somos levados ao “copia e cola” institucionalizado, mas a teoria diz que se deve buscar

a inovação.

Não se trata também de criticismo e nem de relativismo, porque as mentiras de

um sistema se tornam verdades para este sistema e serão verdades para todos os

sistemas, pois todos eles estão historicamente constituídos. Existem por uma

interdependência complexa, onde reina a contradição e o caos entre mentiras que são

verdades e verdades que são mentiras. Relação esta necessária à manutenção da

existência hipercomplexa física-biológica-antropossociológica da espécie humana, que

por ser hipercomplexa, caótica e incompreensível, precise talvez e necessariamente ser

simplificada a um ordenamento radical, como as gotas levadas pela enxurrada, porque

“estamos ainda na pré-história do espírito humano” e “as maiores descobertas relativas

ao universo, à natureza da matéria, as do cérebro humano e das suas interações, ainda

estão por vir”. (MORIN, 2011, p. 122).

Então, do caos e da complexidade o eu egocêntrico volta humilde, ou resignado,

para a ordem e para a simplicidade, consciente da necessidade de simplificação, mas

volta ciente dos limites tanto da simplificação quanto da complexidade quando inseridos

Page 29: A TEMPESTADE E O CAOS

no contexto do caos e da incerteza. Volta pleno de “implenitude”, pleno de contradições

e incertezas, envolvido pelo caos, mas obcecado e limitado pela ordem, para a qual

direciona sua vontade insaciável de autoafirmação. Neste contexto, a verdade simples

se converte na incerteza do tetrálogo complexo ordem-desordem-interações-

organização, depois se transforma no pentágono eu-ordem-desordem-interações-

organização, ou em um poliedro com infinitos lados possíveis em razão do eu

multifacetado, depois retorna à simplicidade da verdade limitada do eu-ordem consciente

das incertezas do eu-caos. Neste percurso que somente o eu pode realizar, ciente do

egocentrismo e da incerteza, abrem-se as reais possibilidades da fraternidade e do amor.

Page 30: A TEMPESTADE E O CAOS

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