A SUCESSÃO TRABALHISTA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL · assumir o passivo trabalhista da sociedade....

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1 FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS A SUCESSÃO TRABALHISTA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL NOVA LIMA 2009

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

A SUCESSÃO TRABALHISTA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

NOVA LIMA 2009

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GABRIELA MASCARENHAS LASMAR

A SUCESSÃO TRABALHISTA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Empresarial

Orientador: Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo

NOVA LIMA 2009

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LASMAR, Gabriela Mascarenhas

L 337 s A sucessão trabalhista na recuperação judicial / Gabriela Mascarenhas Lasmar – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2009.

114 f. enc.

Orientador: Prof. Dr. Vinicius José Marques Gontijo

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração

Direito empresarial junto à Faculdade de Direito Milton Campos.

Bibliografia: f. 94 - 102

1. Recuperação Judicial. 2. Lei 11.101/2005. 3. Sucessão Trabalhista. 4. Inocorrência. Gontijo,

Vinícius José Marques. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título

CDU 347. 736:331(043)

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

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Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial

Dissertação intitulada “A sucessão trabalhista na recuperação judicial”, de autoria da mestranda GABRIELA MASCARENHAS LASMAR , para exame da banca constituída pelos seguintes professores:

Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo Orientador

Prof. Dr. Prof. Dr.

Nova Lima, outubro de 2009. Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900

3

Aos meus pais, por sempre estarem ao

meu lado, incentivando meu crescimento

pessoal e profissional.

4

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por sempre acreditarem em mim.

Ao meu irmão, pelo seu exemplo de estudo e dedicação.

À tia Flávia, pelo constante incentivo e por sua essencial ajuda nesse projeto.

À tia Claudia, por sua carinhosa ajuda na finalização desse trabalho.

A todos que contribuíram para a concretização desse trabalho.

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Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo.

Ludwig Wittgenstein

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RESUMO

O presente trabalho versa sobre a sucessão trabalhista na recuperação judicial. Apesar

da omissão do parágrafo único do artigo 60 da Lei 11.101/2005, discute-se se haverá ou não

sucessão trabalhista na aquisição de estabelecimento do devedor; concluímos que não. Se

houvesse a determinação de uma obrigatoriedade, ocorrência da sucessão trabalhista, a lei

seria expressa nesse sentido. A recuperação judicial tem por finalidade a obtenção de recursos

para que o devedor possa cumprir suas obrigações e continuar exercendo suas atividades, de

acordo com os objetivos estipulados no artigo 47 da mencionada Lei. A recuperação judicial

não importa apenas aos devedores e credores, mas cumpre função social ao atender aos

interesses da sociedade como um todo, daí sua importância.

Palavras-chave: Recuperação Judicial. Lei 11.101/2005. Sucessão Trabalhista. Inocorrência.

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ABSTRACT

The dissertation focuses on labour succession during judicial intervention. In spite of

the dearth of provisions in the article 60 of the Bill 11.101/2005, there is an on-going

discussion whether or not there will be labour succession’s liability to the buyers of the debtor

company when it is sold: we conclude that it will not. If that were to be the case, the Bill

would explicitly state so. The judicial recovery has as its goal to create conditions to allow the

debtor to comply with his/her obligations and keep running the business as stated in article 47

of the Bill. The importance of the provisions of the judicial recovery goes beyond the debtors

and creditors it addresses. It has an important social role as it preserves the interests of the

society as a whole.

Key words: Judicial recovery. Bill 11.101/2005. Labour succession. It does’t have.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................…………........................ 10 2 CONCEITO DE SUCESSÃO..................................…………........................... 12 2.1 A sucessão no trespasse................................................…………….................... 13 2.2 A sucessão tributária......................................................……………………….. 16 2.2.1 Da responsabilidade tributária.......................................……………….............. 18 2.3 A sucessão no direito empresarial.................................……………................... 22 2.4 A sucessão trabalhista..................................................................……………..... 28 2.4.1 Alguns institutos do direito civil e seus pontos de contato com a sucessão trabalhista.....................................................……................... 29 2.4.2 Sucessão causa mortis e sucessão trabalhista..................................................... 30 2.4.3 Cessão de contratos e sucessão trabalhista........................................................... 32 2.4.4 Natureza jurídica..................................................................................................... 34 2.4.5 Fundamentos técnico-legal.................................................................................. 34 2.4.6 Finalidade............................................................................................................... 36 2.4.7 Exceções à regra da sucessão trabalhista............................................................ 37 2.5 Recuperação judicial ordinária de empresas......................................................... 38 2.5.1 Conceito de recuperação judicial.......................................................................... 38 2.5.2 Natureza jurídica da recuperação judicial............................................................. 39 2.5.3 Finalidade da recuperação judicial......................................................................... 40 3 ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO DA LEI.............................................. 42 3.1 Elemento gramatical ou literal.............................................................................. 44 3.1.1 Elemento lógico-sistemático................................................................................. 47 3.1.2 Elemento histórico.................................................................................................. 50 3.1.3 Elemento teleológico............................................................................................. 54 3.2 A interpretação quanto às fontes........................................................................... 56 3.2.1 Interpretação legislativa......................................................................................... 57 3.2.2 Interpretação jurisprudencial.................................................................................. 58 3. 2.3 Interpretação da doutrina........................................................................................ 62 3.2. 4 Interpretação administrativa.................................................................................. 65

4 PRINCÍPIO PRO MERCATORE....................................................................... 68 4.1 Teoria subjetiva...................................................................................................... 68 4.1.1 Teoria objetiva....................................................................................................... 69 4.1.2 Teoria subjetiva moderna....................................................................................... 71 4. 2 Recuperação da empresa em juízo........................................................................ 74 5 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA............................................................... 78 5.1 Conceituação de função social ............................................................................. 78 5.2 A função social da propriedade como manifestação Da atividade empresarial.................................................................................... 80 5.2.1 Propriedade: origem e conceito............................................................................ 80

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5.2.2 A propriedade na constituição da república de 1988........................................... 82 5.2.3 A função social da propriedade............................................................................ 83 5.3 A função social da empresa e sua função social na recuperação judicial............................................................................................... 86 5.3.1 Conceito e base principiológica de função social da empresa.............................. 86 5.3.2 A função social da empresa na recuperação judicial............................................ 89

6 CONCLUSÕES...................................................................................................... 92

REFERÊNCIAS................................................................................................................ 94

ANEXO.............................................................................................................................. 104

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1 INTRODUÇÃO

A Lei n. 11.101, publicada no dia 9 de fevereiro de 2005, reformulou o instituto da

falência e extinguiu as concordatas, introduzindo a recuperação judicial e extrajudicial.

A mencionada lei foi criada para acompanhar a nova tendência do Século XXI,

trazendo novos mecanismos às sociedades empresariais e aos empresários, para superarem

crises econômico-financeiras. A recuperação de um empresário ou de uma sociedade

empresarial, com a manutenção de sua atividade e perpetuação de empregos, envolve

múltiplos interesses:

a) dos empregados;

b) dos credores;

c) das instituições financeiras, que lhes dão financiamento, atentas à

segurança das garantias;

d) da ordem social;

e) do próprio credor.

Para atender aos múltiplos interesses na continuidade, permanência e preservação da

atividade do empresário, o juiz deverá estar atento ao preceito do artigo 5º da Lei de

Introdução ao Código Civil: “ Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se

dirige e às exigências do bem comum”.

O artigo 141, II, da Lei de Falências dispõe:

Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho.

O referido artigo 141 encontra-se inserido nas disposições que tratam da falência e

não, da recuperação judicial.

A Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, que tem como objetivo adequar a

legislação tributária à Lei de Falências, introduziu três parágrafos ao artigo 133 do Código

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Tributário Nacional, o qual trata da sucessão tributária do adquirente do fundo de comércio ou

estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e determinou que não há sucessão nas

hipóteses de alienação judicial em processo de falência, nem mesmo de filial ou unidade

produtiva isolada em processo de recuperação judicial.

Todavia o parágrafo único do artigo 60 da Lei de Falência, que trata da recuperação

judicial, é omisso quanto à sucessão do arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor,

bem como nas decorrentes de acidente do trabalho.

A legislação deixa dúvidas quanto à sucessão trabalhista na alienação de bens do

empresário em recuperação judicial. A omissão da lei sinaliza decisões divergentes quanto à

sucessão trabalhista. Se considerada a sucessão trabalhista do adquirente de unidades da

sociedade em recuperação, os empregados serão beneficiados, todavia essa situação poderá

dificultar a alienação dos bens da sociedade, podendo tornar inviável a sua recuperação.

Vários interessados deixarão de participar da alienação judicial, porque terão receio de

assumir o passivo trabalhista da sociedade. Por outro lado, poderá implicar mitigação de

direitos trabalhistas e mesmo da dinâmica hermenêutica justrabalhista.

Para saber se há sucessão trabalhista do arrematante dos bens do devedor em

recuperação judicial, serão abordadas as vantagens e desvantagens de uma possível sucessão,

aliando a isso uma criteriosa análise das fontes do direito, dos vetores e métodos

hermenêuticos.

A importância do tema decorre das implicações da sucessão trabalhista na recuperação

e manutenção da empresa e da impactação no Direito do Trabalho. A situação é nova, porque

a lei é nova, e o tema até então foi pouco estudado pelos doutrinadores e citado pela

jurisprudência.

A pesquisa tem, ainda, por objetivo mostrar as diversas implicações da sucessão

trabalhista na recuperação das sociedades.

Considerando-se praticamente inexistentes as manifestações doutrinárias e

jurisprudenciais acerca do tema e sua contemporaneidade, verifica-se que o trabalho que se

pretende fazer será importante e útil.

Tal fato indica a relevância do tema escolhido para a dissertação.

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2 CONCEITO DE SUCESSÃO

De acordo com o dicionário Aurélio (1999)1, a palavra suceder vem do latim

succedere que significa: vir depois ou acontecer depois. Diniz (2005)2 define como: “ter a

posse do que pertencia ao seu antecessor; tomar o lugar”.

Para Pereira (1980)3, a palavra suceder possui um sentido genérico de virem os fatos e

fenômenos jurídicos “uns depois dos outros” (sub+cedere). Sucessão seria, então, a respectiva

seqüência.

Moraes Filho (1960)4 também conceitua a palavra sucessão ao mencionar que:

Sucessão vem diretamente do latim succesio, assim como o verbo suceder se origina de succedere. A raiz fundamental é cedere, com esta riqueza vocabular: cedere, cessum, ir, retirar-se, ceder, césio, onis, cessão, cessare, cessar; abs-cedere, afastar-se, accedere, aproximar-se, accessus, ssio, acesso, antecedere, preceder, concedere, retirar-se, conceder, decere, ir-se, morrer, excedere, passar, precedere, preceder, succedere, vir sob, suceder, ter sucesso ou êxito. Em português, então, podemos alinhar aqui mais de duas dezenas de palavras baseadas na raiz cedere latina: ceder, cessão, cessar, abcesso, aceder, acesso, acessão, acessório, ancestral, antecedente, conceder, concessão, decesso, exceder, excesso, excessivo, preceder, proceder, processo, processão, suceder, sucesso, sucessão. É a mesma raiz do antecestor e do decease ingleses e do Prozess alemão.

De Plácido e Silva (2009)5 amplia os sentidos dados à palavra sucessão:

[...] em sentido etimológico e amplo, sucessão, exprimindo uma relação de ordem, de continuidade, ou uma seqüência de fatos ou de coisas, define o que se segue, o que vem para colocar-se em lugar de qualquer outra coisa, ou o que vem em certa ordem, ou em certo tempo. Já na etimologia jurídica, mesmo genericamente, a sucessão conduz sentido de substituição, compreendendo-se a vinda de coisa ou de pessoa para colocar-se no lugar ou na posição ocupada por outra, investindo-se na mesma situação jurídica, que mantinha a outra coisa, ou a outra pessoa. Em relação às pessoas entende-se propriamente a substituição ativa dos titulares de direitos que se transmitem aos substitutos. Nesse particular, pois, a própria venda realiza uma sucessão, desde que por ela transmitem ao comprador os direitos que pertenciam ao vendedor.

1 SUCEDER. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1897. 2 SUCEDER. In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico . 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 4. p. 548. 3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. v. 6. p. 1. 4 MORAES FILHO, Evaristo. Sucessão nas obrigações e a teoria da empresa. Rio de Janeiro: Forense, 1960. v. 1. p. 85-86. 5 SUCESSÃO. In: DE PLÁCIDO e Silva (1987). Vocabulário jurídico . Atualiz. por Nagib Slaibi Filho; Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 287-288.

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Na linguagem comercial, mesmo, é muito comum o emprego do vocábulo sucessão para exprimir o ato porque uma firma ou um comerciante, adquirindo todo acervo comercial de um estabelecimento ou negócio, substitui o seu dono anterior, continuando e mantendo negócios e relações anteriores. E, assim, sucessão pode definir-se como transmissão de bens e direitos de uma pessoa a outra, em virtude da qual esta última, assumindo a propriedade dos mesmos bens e direitos, pode usufruí-los, dispô-los em seu próprio nome.

Segundo Beviláquia (1997)6, sucessão, em sentido geral e vulgar, ”é a sequência de

fenômenos ou fatos que aparecem uns após outros, ora vinculados por uma relação de causa,

ora conjuntos por outras relações”.

A correta compreensão do significado da palavra sucessão facilitará o entendimento

do significado jurídico no direito em geral e, principalmente, no ramo do direito empresarial e

do trabalho. É o que será abordado nos próximos tópicos.

2.1 A sucessão no trespasse

A expressão “trespasse” foi consagrada na doutrina para se referir à cessão de

estabelecimento, preferindo-se à transferência, alienação ou cessão (BARRETO FILHO,

1998)7, embora o Código Civil não tenha adotado essa terminologia.

O estabelecimento empresarial é o conjunto de bens ou elementos utilizados pelo

empresário para a exploração da atividade econômica. É composto pelos bens corpóreos

(estoque de mercadorias, imóveis, maquinário etc), incorpóreos (nome comercial, título do

estabelecimento, ponto empresarial, tecnologia etc) e pelo aviamento, que é o valor acrescido

ao conjunto de bens em razão da organização do empresário. Borges (1976)8 define o

aviamento como o grau de eficiência e qualidade que possui o estabelecimento de dar lucro.

Em síntese, é uma resultante dos elementos organizados que compõem o estabelecimento,

sendo um atributo necessário e essencial.

Esses três elementos conjuntamente determinam o preço da alienação do

estabelecimento. Logo, o estabelecimento é objeto de direito, integra o patrimônio do

empresário e representa, também, uma forma de garantia para os seus credores.

6 BEVILÁQUIA, Clóvis. Direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 15. 7 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 208. 8 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense: 1976. p. 195, 197.

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Nesse sentido, a alienação do estabelecimento empresarial está sujeita à observância

da legislação específica que foi criada para assegurar os interesses dos credores.

O Código Civil admite que o estabelecimento pode ser objeto unitário de direitos e de

negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza

(art. 1.143 do Código Civil).

No entanto, o contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arredamento do

estabelecimento só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da

inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas

Mercantis e publicado na imprensa oficial (art. 1.444 do Código Civil).

O próprio Código Civil faz uma limitação no que tange a alienação do estabelecimento

quando não restarem bens suficientes ao alienante para solver o seu passivo. Nesse caso, a

alienação do estabelecimento dependerá do pagamento de todos os credores, ou do

consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação

(artigo 1.145 do Código Civil).

A Lei n. 11.101/2005, Lei de Falências e Recuperação de Empresas, também impõe

restrições à venda do estabelecimento empresarial, sob pena de ineficácia. Assim, a norma do

artigo 66 estabelece que, após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não

poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade

reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente

relacionados no plano de recuperação judicial. Já o artigo 94 regulamenta as hipóteses em que

o devedor terá a sua falência decretada caso tente burlar a legislação para não solver suas

dívidas, como por exemplo, a do inciso III, letra “d”, simulando a transferência de seu

principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou fiscalização ou para

prejudicar credor. Em relação à massa falida, são ineficazes os atos cujo contratante tenha ou

não conhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção

deste fraudar credores quando ocorrer a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o

consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não

tendo restado ao devedor bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30

(trinta) dias, não houver oposição dos credores, após serem devidamente notificados,

judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos (artigo 123, VI da Lei n.

11.101/2005).

É importante observar a finalidade da Lei de Falências e Recuperação Judicial que

fixa, no seu artigo 75, os objetivos da falência. Deve-se fazer uma interpretação teleológica

dessa lei. É preciso preocupar-se com a atividade, a empresa, a teoria é da conservação da

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empresa. Não visa a proteger o empresário. Uma das formas de se obter a teoria da

conservação da empresa é através da liquidação rápida de seus ativos, impedindo-se, assim,

que seus bens e direitos se deteriorem. O artigo 140 regulamenta como ocorrerá a alienação

dos ativos e deve ser interpretado conjuntamente com o princípio da conservação da empresa.

O inciso I refere-se à venda de seus estabelecimentos em bloco (“porteira fechada”), o que é

ideal para que a empresa possa continuar a desenvolver suas atividades. O inciso II trata da

alienação de unidades produtivas, isto é, cada estabelecimento é vendido de porteira fechada,

de maneira a preservar a empresa. O inciso III refere-se à alienação em bloco dos bens que

integram cada um dos estabelecimentos do devedor, presumindo-se que quem for comprá-los

montará um estabelecimento semelhante em outro ponto da federação. E, finalmente, o inciso

IV diz respeito à alienação dos bens individualmente considerados, ou seja, já não mais será

possível preservar a empresa. Por isso, essa foi a última opção dada pelo nosso legislador.

A regra a ser observada será sempre o princípio da unidade do estabelecimento. Nesse

sentido, pode-se mencionar o posicionamento de Negrão (2003)9:

Incorretas serão as decisões judiciais que considerarem eficazes vendas separadas de linhas telefônicas, de direitos sobre marcas, de bens que compõem as instalações etc., principalmente ocorrendo às vésperas do pedido de falência. O entendimento no sentido de a lei apenas coibir a venda de todo conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas, mas não em separado, leva a tornar inócuo o texto legal, bastando que o empresário, inescrupulosamente, faça as vendas de forma fracionada.

Com o objetivo de evitar a fraude entre o alienante do estabelecimento e o adquirente,

o Código Civil, em seu artigo 1.146, responsabiliza o adquirente pelo pagamento dos débitos

anteriores à transferência, e o alienante responde, solidariamente, quanto aos créditos

vencidos pelo prazo de um ano da publicação e, quanto aos outros, a partir da data do

vencimento.

O adquirente se sub-roga em todos os contratos estipulados para a exploração do

estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal. Nesse caso, podem os terceiros rescindir o

contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência se ocorrer justa causa,

ressalvada, nesse caso, a responsabilidade do alienante (artigo 1.148 do Código Civil).

O artigo 1.149 do Código Civil prevê que os créditos referentes ao estabelecimento

transferido produzirão efeito em relação aos respectivos devedores desde o momento da

9 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial de empresa. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1. p. 79.

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publicação da transferência. No entanto, ressalva-se a hipótese em que o devedor realiza o

pagamento de boa-fé ao cedente, exonerando-se da dívida1.

Finalmente, destaca-se que a Lei Civil prescreveu que, não havendo autorização

expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente nos 5

(cinco) anos subsequentes à transferência, (cláusula de não restabelecimento), ou seja, não

poderá restabelecer-se em idêntico ramo de atividade empresarial, concorrendo com o

adquirente, salvo se devidamente autorizado em contrato.

Importante mencionar que o estabelecimento, além da alienação, pode ser objeto de

usufruto e arredamento.

2.2 A sucessão tributária

O Código Tributário Nacional regulamenta a responsabilidade tributária dos

sucessores em seu capítulo V, na seção II nos artigos 129 a 133.

O instituto jurídico da sucessão é caracterizado quando ocorre a transferência de

direitos e obrigações. É importante ressaltar que a figura do sucessor é inconfundível com a

dos demais sujeitos passivos da obrigação tributária, nos dizeres de Denari (1973)10, que

complementa:

Não sendo titular do fato gerador, ou seja, partícipe do evento econômico que deu causa ao nascimento da obrigação tributária, não se equipara ao contribuinte. Tampouco ao substituto, porque não ocupa o lugar do contribuinte na relação tributária. Demais disso, é de se observar, pode ocorrer sucessão na própria substituição tributária (sucessor do substituto).

De todo modo, subrogando-se nos direitos e obrigações do contribuinte ou do substituto, vincula-se-lhes por nexo causal, experimentando, assim, a eficácia reflexa da obrigação tributária. Equipara-se, neste aspecto, ao responsável, acrescentando-se que ambos são solidários com o contribuinte, pois respondem conjuntamente com este pela satisfação do débito fiscal.

Chama-se a atenção para o fato de que a responsabilidade do sucessor deriva,

invariavelmente, de sua vinculação ao contribuinte. Porém, jamais participa do fato gerador.

1 Artigo 290 do Código civil: “A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita”. 10 DENARI, Zelmo. Elementos de direito tributário. São Paulo: Juriscrédi, 1973. p. 258.

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Contrariamente é o que ocorre com o responsável, que pode, excepcionalmente, ser

partícipe do pressuposto fático (DENARI, 1973)11.

No Direito Tributário, existem quatro espécies de sucessão (DENARI, 1973)12:

a) Sucessão imobiliária: resultante da compra e venda de bens imóveis, sub-

rogando-se o adquirente os direitos e obrigações do transmitente;

b) Sucessão comercial: decorrente da aquisição de fundo de comércio ou

estabelecimento comercial, industrial ou profissional;

c) Sucessão causa mortis: decorrente do falecimento, sub-rogando-se o

espólio os direitos e obrigações do de cujus;

d) Sucessão falimentar: quando ocorre a falência do empresário, sub-rogando-

se a massa falida os direitos e obrigações do falido.

O artigo 129 do Código Tributário Nacional regulamenta a regra da responsabilidade

dos sucessores pelos tributos:

O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.

Logo, pode-se afirmar que, na sucessão, independentemente de qual seja das

mencionadas acima, o sucessor responde pelos tributos devidos pelo antecessor, quer o

lançamento (constituição do crédito tributário) tenha se efetivado antes ou depois do ato da

sucessão, desde que seja relativo a obrigações tributárias ocorridas até esta data (DENARI,

1973)13.

No caso do artigo 130 do Código Tributário Nacional, de acordo com o entendimento

de Carvalho (2007)14: o único motivo que justifica sua desconfortável situação de responsável

é não ter curado de saber, ao tempo da aquisição, do regular pagamento de tributos devidos

pelo alienante até a data do negócio. E ainda acrescenta que: por descumprir esse dever,

embutido na proclamação de sua responsabilidade, é que se vê posto na contingência de pagar

certa quantia.

11 DENARI, Zelom. Elementos de direito tributário. São Paulo: Juriscrédi, 1973. p. 258. 12 DENARI, op. cit. p. 258-259. 13 Id. 1973. p. 259. 14 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário . 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 354.

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No artigo 131 do Código Tributário Nacional, tem-se a responsabilidade pessoal. Nos

três incisos, pressupõe a lei um dever de cooperação para que as prestações tributárias venham

a ser satisfeitas. Em caso contrário, atua a sanção que, por decisão política do legislador, é

estipulada no valor da dívida tributária, e seu pagamento tem a virtude de extinguir aquela

primeira relação, conforme esclarecimento de Carvalho (2007)15. O mesmo raciocínio é

aplicado para os casos de fusão, transformação e incorporação. E, para o artigo 133 do Código

Tributário Nacional, também foi aplicado o mesmo mecanismo implícito de forçar a

regularização do débito antes da operação, ou de assumir o ônus na qualidade de responsável,

embora a situação descrita seja diferente das anteriores mencionadas.

Nesse sentido, pode-se concluir que o que irá regular o conjunto de obrigações

transferidas para o sucessor é o fato gerador. As obrigações tributárias originárias de fatos

geradores já ocorridos ao tempo da sucessão passam para a responsabilidade do sucessor,

ainda que o crédito tributário não tenha sido composto (FARIA, 2007)16.

2.2.1 Da responsabilidade tributária

No Direito Tributário, em que o crédito fiscal também é dotado de privilégio, a

abordagem do instituto sucessório tem uma coloração extensiva da responsabilidade dos

envolvidos na operação da sucessão (SENA, 2000)17.

Segundo Moraes (1994)18, a responsabilidade tributária por sucessão é:

A sucessão ocorre diante da transmissão e aquisição de direitos e obrigações sem interrupção da relação jurídica. Haverá responsabilidade tributária por sucessão quando uma pessoa se torna obrigada por débito tributário não satisfeito, diante de uma relação jurídica que passa do predecessor ao adquirente do direito.

Na responsabilidade tributária por sucessão, o sujeito passivo tributário da obrigação originária é substituído (perde o lugar) por outra pessoa, que lhe é sucessora. O sucessor, seja por mortis causa ou inter vivos, assim, responde pela dívida tributária do sucedido, vinculando-se, como responsável, à data da ocorrência da sucessão.

15 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário . 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 354. 16 FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. Código tributário nacional comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 626-627. 17 SENA, Adriana Goulart de. A nova caracterização da sucessão trabalhista. São Paulo: LTr, 2000. p. 108. 18 MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. 2. p. 510.

19

No âmbito do Direito Tributário e do Direito Trabalhista, não interessa se a relação

jurídica se iniciou com o antigo titular. A finalidade do ordenamento jurídico é assegurar a

continuidade das relações jurídicas até a satisfação integral dos interesses dos envolvidos ou

pelo menos buscar uma eventual responsabilização dos sujeitos que participaram daquela

relação jurídica.

O Código Tributário Nacional trata da responsabilidade dos sucessores em seus artigos

129 a 133. Uma questão polêmica que tem gerado dúvidas em relação ao tema da sucessão é a

sucessão trabalhista na recuperação judicial.

Com o intuito de adaptar o Código Tributário Nacional à disciplina da lei que regula a

recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária (Lei

n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005), a Lei Complementar 118, de 09 de fevereiro de 2005,

introduziu novas modificações no CTN, com o objetivo de se adequar à nova legislação

falimentar.

O artigo 133 do Código Tributário Nacional dispõe que:

A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato: I-integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II-subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ramo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão. § 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial (§1º acrescentado pela LC 118/2005): I - em processo de falência; II - de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial. § 2º Não se aplica o disposto no §1º deste artigo quando o adquirente for (§2º acrescentado pela LC 118/2005): I-sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; II-parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou III-identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

§ 3º Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário (§ 3º acrescentado pela LC 118/2005).

20

A regra geral estabelece que haverá a responsabilidade tributária por sucessão nos

casos em que uma pessoa, natural ou jurídica, adquire de outra fundo de comércio ou

estabelecimento comercial, industrial ou profissional, dando continuidade à exploração da

atividade empresarial.

As expressões fundo de comércio ou estabelecimento comercial são entendidas pela

doutrina como expressões sinônimas2, consistindo em um conjunto de bens corpóreos e

incorpóreos, reunidos pelo empresário para o desenvolvimento de sua atividade empresarial.

De acordo com o Código Civil em seu artigo 1.142: considera-se estabelecimento todo

complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade

empresária.

Faria (2007)19 observa que:

Considerando que a nova Lei de Falências, em seus arts. 60 e 141, prevê a alienação dos bens ali indicados sem que haja sucessão tributária pelo adquirente, excepcionam-se da regra contida no caput as alienações judiciais de filial ou de unidade produtiva isolada em recuperação judicial, bem como aquelas ocorridas no processo de falência, de modo que, nestas hipóteses, o comprador não responderá pelos tributos (§ 1º). A exclusão não se aplica nas situações descritas no § 2º, todas reveladoras da prática de alienação fraudulenta.

As inovações são importantes para sistematizar melhor o processo de falência e de recuperação judicial, oferecendo possibilidade efetivas de venda de bens para pagamento dos credores, sem insegurança sobre o quesito pertinente à responsabilidade tributária. De toda forma, a LC 118/2005 não deixou descurada a questão dos tributos, pois o produto da alienação permanecerá em conta de depósito judicial pelo prazo de um ano, somente podendo ser utilizado para pagamento de créditos extraconcursais (ver art. 84, Lei n. 11.101/2005) ou outros que preferem ao tributário (§3º do art. 133 do CTN).

Conclui-se que o artigo 133, § 3º do Código Tributário Nacional, menciona que o

erário terá o prazo de um ano para levantar o crédito. Objetiva, assim, garantir, ao máximo, a

quitação dos débitos. Se, durante esse lapso temporal, a unidade produtiva, a própria empresa

ou a filial forem vendidas, o produto de sua venda permanecerá em juízo por um ano e

somente poderá ser utilizado para pagar créditos extraconcursais, definidos no art. 84 da Lei

n. 11.101/2005, ou os que tenham preferência maior que o crédito tributário. Findo esse prazo,

começa-se a pagar aos credores que sucedem à fazenda pública. Na hipótese de após o

2 REQUIÂO, Rubens, em seu livro: curso de direito comercial, 1998. v. 1, p. 44, diz que “na nomenclatura jurídica usada pelos nossos autores, aplicam-se, comumente, as expressões fundo de comércio, por influência dos escritores franceses (fonds de commerce) e azienda, por inspiração dos juristas italianaos, como sinônimas de estabelecimento comercial. Usaremos, pois indistamente os três vocábulos”. 19 FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. Código tributário nacional comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 638.

21

período estipulado pela lei, um ano, surgir algum crédito pertencente ao tesouro público, o

processo será paralisado, e o pagamento efetuado, caso haja dinheiro disponível.

Posteriormente, retorna-se de onde estava. Se não houver dinheiro, o tesouro público ficará

sem receber.

Finalmente, destaca-se que o administrador judicial é co-responsável com a massa

falida (artigo 134, V do Código Tributário Nacional) pelo prazo de um ano a partir da venda

dos bens (artigo 133, § 3º do Código Tributário Nacional).

Com o objetivo de acompanhar as mudanças legislativas e sociais, o Supremo

Tribunal Federal vem decidindo no sentido de incentivar o processo de recuperação judicial

da empresa. O recurso especial de nº 844.279 – SC3, apontou a tendência da doutrina e da

legislação tributária em favorecer que as empresas em recuperação judicial possam aderir ao

programa de parcelamento de débitos fiscais, devido à importância social que exercem

(MACHADO, 2005)20:

Ocorre que as disposições do Código Tributário Nacional, interpretadas à luz do princípio da capacidade contributiva, conduzem-nos à inexorável conclusão de que o deferimento da recuperação judicial implica, automaticamente, o surgimento do direito ao parcelamento dos créditos tributários.

Realmente, nos termos do § 3º do art. 155-A, decorrente da Lei Complementar 118/05, tem-se que lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial e se harmoniza, especialmente, com a Constituição Federal que determina seja o tributo cobrado em atenção ao princípio da capacidade contributiva.

Devido à importância social da empresa na sociedade e o impacto econômico que

exerce, o Supremo Tribunal Federal4, mesmo no procedimento falimentar, vem estimulando a

continuidade da atividade produtiva:

3 Recurso Especial nº 844.279 – SC ( 2006/0092158-3). Site certificado - DJ: 19/02/2009. Ementa: Tributário. Programa de parcelamento de débitos junto à receita federal. Lei n. 10.684/03. Obrigações do requerente. Empresa sob regime falimentar. Pedido administrativo de adesão. Negado. Art. 38, § 11 da Lei n. 8.212/91. Regra geral. Inexistência de disposição específica. Art. 111 e 155 - A do CTN. Princípio da preservação e recuperação econômica da empresa. Aplicabilidade. Superveniência da nova Lei de falências. Art. 6º, § 7º da Lei n. 11.101/05. Alegada violação do art. 535 do CPC. Inocorrência. Ministro relator: Luiz Fux. Consulta no dia: 27 de julho de 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 19 jan. 2009. 20 MACHADO, Hugo de Brito. Divida tributária e recuperação judicial da empresa. São Paulo, Revista Dialética de Direito Tributário, v.120, p.76-77, set. 2005. 4 Recurso Especial nº 844.279 – SC (2006/0092158-3). Site certificado - DJ: 19/02/2009. Ementa: Tributário. Programa de parcelamento de débitos junto à receita federal. Lei n. 10.684/03. Obrigações do requerente. Empresa sob regime falimentar. Pedido administrativo de adesão. Negado. Art. 38, § 11 da Lei n. 8.212/91. Regra geral. Inexistência de disposição específica. Art. 111 e 155 - A do CTN. Princípio da preservação e recuperação econômica da empresa. Aplicabilidade. Superveniência da nova Lei de falências. Art. 6º, § 7º da Lei n. 11.101/05. Alegada violação do art. 535 do CPC. Inocorrência. Ministro Relator: Luiz Fux. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 27 jun. 2009.

22

A tendência da atual doutrina e legislação brasileiras sobre regime falimentar das empresas, especialmente o art. 6º, § 7º da Lei n. n. 11.101/05, a Lei complementar n. 118/05 e a Medida Provisória n. 449 de 04.12.08, orienta-se no sentido de viabilizar que as empresas, ainda que estejam em situação falimentar, devem ter garantido seu direito ao acesso aos planos de parcelamento fiscal, no sentido de manterem seu ciclo produtivo, os empregos gerados, a satisfação de interesses econômicos e consumo da comunidade.

Verifica-se, portanto, a preocupação em incentivar a perpetuação da atividade

empresarial. A retirada de uma empresa do mercado provoca uma série de consequências

irreparáveis não só aos trabalhadores e aos seus dependentes, como também faz com que

outros serviços deixem de ser consumidos devido à falta de renda, gerando, assim, um

processo de retração na economia, seja local ou até mesmo nacional.

É por isso que todos os ramos do Direito são interligados. O empresarial é dependente

das regras tanto do Direito Tributário quanto do Trabalhista. Daí a importância de mencioná-

los neste trabalho.

2.3 A sucessão no direito empresarial

O Direito empresarial é o ramo do direito que visa à proteção do empresário. Por isso,

jamais se pode olvidar que o objetivo fundamental de uma empresa é gerar lucro. Quando isso

não for mais possível, uma das possibilidades dada ao empresário será o pedido de

recuperação judicial, que visa à tentativa de superação da crise econômica do devedor e,

consequentemente, o de preservar a empresa e estimular a continuidade das atividades

econômicas. A outra opção é o pedido falimentar. Apesar de a falência proteger os credores e

seus créditos, não beneficia a sociedade como um todo, a qual necessita da atividade

produtiva para o seu desenvolvimento.

Com o passar do tempo, as relações comerciais vêm se tornado cada vez mais

complexas. Por isso, nas palavras de Bulgarelli (1999)21, nos quadros concentracionistas, a

fusão e a incorporação tomaram um novo sentido, não em si mesmas, como integração

societária, mas pelas causas e objetivos visados e, consequentemente, por seus efeitos. E,

21 BULGARELLI,Waldiriro. Fusões, incorporações e cisões de sociedades. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 26.

23

acrescenta ( BULGARELLI, 1999)22 que, antes, o fenômeno ocorria sob o aspecto econômico

em que a incorporação surgia, como uma verdadeira absorção da mais fraca pela mais forte;

enquanto, hoje, dá - se também por causas variadas, entre elas a concentração diagonal ou

conglomerado, as de natureza fiscal, ou então para subtraírem-se às leis contra o abuso do

poder econômico, o que acaba por modificar a concepção simplista de outrora, de que

constituía sempre um fenômeno de crescimento de empresa.

Para se ajustar à nova realidade empresarial, a Lei de Falências e Recuperação Judicial

estabeleceu, em seu artigo 50, meios de recuperação do devedor. Como por exemplo, permitiu

ao devedor não apenas ter uma maior flexibilidade de prazos e condições especiais para o

pagamento das obrigações vencidas ou vincendas, mas também e especialmente, concedeu a

possibilidade de se utilizarem outros mecanismos para efetiva recuperação da empresa, a

exemplo da cisão, incorporação, fusão e transformação de sociedade, dentre outras, como

meio de recuperação judicial, observada a legislação pertinente de cada caso.

O objetivo da lei foi dar ao empresário liberdade na gestão de seus negócios. Assim,

não houve limitação na estratégia a ser adotada pela empresa e seus credores. Tudo

dependerá, exclusivamente, da visão empresarial das partes.

Na recuperação judicial, o devedor apresenta diretamente ao judiciário um plano de

recuperação, demonstrando um diagnóstico da situação financeira da empresa e sua proposta

para a renegociação das dívidas, inclusive as trabalhistas e tributárias. Caso seja necessário,

mencionará se haverá cisão, transformação, incorporação etc. Como essas consistem em

meios importantes de recuperação judicial, serão mencionadas a seguir.

A Lei das Sociedades por Ações disciplina os institutos jurídicos da transformação,

incorporação, fusão e cisão, embora, atualmente, também seja aplicada para os demais tipos

societários. O Código Civil também regulamenta tais figuras jurídicas nos artigos 1.113 a

1.122, exceto a cisão, pois em que pese o título, os artigos da lei foram esquecidos.

O artigo 220 da Lei n. 6.404, Sociedade por ações, conceitua o que é transformação:

“A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução

e liquidação, de um tipo para outro”.

Corrêa-Lima (2003)23 explica o que seja transformação:

é como se a empresa mudasse de roupa. A mesma empresa, que adotava uma forma (um tipo) passa a adotar outra. A empresa constituída sob a forma de sociedade

22 BULGARELLI,Waldiriro. Fusões, incorporações e cisões de sociedades. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 26. 23 CORRÊA–LIMA, Osmar Brina. Sociedade anônima. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 431-432.

24

anônima transforma-se em sociedade por cotas, de responsabilidade limitada, ou vice-versa. Com a transformação, a empresa muda de forma independentemente de dissolução e liquidação. Consequentemente, muda de forma sem se extinguir. Quando o código civil atribui personalidade jurídica às sociedades, ele enxerga a casca, a “fôrma” ou a forma: sociedade anônima, sociedade por cotas, de responsabilidade limitada etc. Mas a verdadeira pessoa jurídica, viva e material, acha-se enquadrada escondida por detrás dessas expressões. O corpo e o espírito da sociedade empresarial continuam os mesmos, quer a chamemos de companhia, de sociedade em comandita simples, ou seja lá o que for. Por detrás do rótulo e atrás da firma ou da denominação vamos encontrar, pulsando, a empresa, entidade econômica de capital e trabalho, organizada para a produção ou a circulação de bens e de serviços.

Quando ocorre a transformação em uma companhia, não ocorre a extinção da

personalidade jurídica e sim, apenas mera alteração da condição jurídica, do tipo societário.

Presente a alterabilidade estrututral, entretanto mantidos os vínculos, as relações jurídicas, os

contratos de trabalho, os direitos adquiridos dos empregados continuam intactos, arts. 221 e

222 da Lei n. 6.404/76 e artigos 10 e 448 da CLT (SENA, 2000)24.

A empresa expressa a atividade econômica a ser desenvolvida pela sociedade, mas,

não se confunde com a sociedade, que é criação do direito.

Entretanto, nos dizeres de Sena (2000)25, é geralmente através da sociedade que a

empresa se exerce, o que faz com que o fenômeno puramente econômico da “concentração”

gere relevantes efeitos no universo jurídico. E ainda salienta que (SENA, 2000)26:

Por ser uma realidade econômica, a empresa não é e nem pode ser uma realidade estática, cristalizando-se em formas jurídicas definitivas e imutáveis. Os interesses dos sócios podem destoar no tempo, exigindo novos posicionamentos, nova composição social.

Por outro lado, a realidade econômica e as transformações constantes verificadas no cenário de atividade da própria empresa determinam-lhe frequentemente a urgência de reestruturar-se para continuar em suas ações de forma satisfatória e, às vezes, como forma de permanecer viável.

O fenômeno da incorporação significa etimologicamente ação ou efeito de incorporar,

juntar num só corpo, unir, adicionar, no que não se distanciaria de fusão, que também

significa reunião, aliança, mistura (ALMEIDA, 1999) 27. No entanto, o artigo 227 da Lei de

Sociedades Anônimas conceitua a incorporação como: “[...] é a operação pela qual uma ou

mais sociedades são absorvidas por outra, que lhe sucede em todos os direitos e obrigações”.

24 SENA, Adriana Goulart de. A nova caracterização da sucessão trabalhista. São Paulo: LTr, 2000. p. 64. 25 SENA, op.cit., p. 67. 26 id. 2000. p. 68. 27 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 58.

25

Não nasce uma nova sociedade, a incorporadora apenas absorve uma ou mais sociedades que

se extinguem, como também assume todas as obrigações das sociedades incorporadas.

A incorporação e a fusão representam fenômenos observados a partir da Revolução

Industrial os quais vêm sendo chamados de concentração empresarial (SENA, 2000)28.

Amador Paes de Almeida ressalta que a incorporação é, antes de tudo, um fenômeno do

capitalismo moderno consubstanciado, essencialmente, um processo gradativo e inexorável de

absorção de pequenas e médias empresas por grupos econômicos ou multinacionais

(ALMEIDA, 1999)29.

Em relação a direitos de terceiros, a incorporação não prejudicará os credores das

sociedades. Como resultado da incorporação, todos os direitos e obrigações da sociedade

incorporada passarão a ser direitos e obrigações da sociedade incorporadora (MAMEDE,

2004).30

Outro instituto jurídico de modificação de uma sociedade é a fusão. A Lei n.

6.404/76, em seu artigo 228, define o que seja fusão: a fusão é a operação pela qual se unem

duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhe sucederá em todos os direitos e

obrigações. É também uma forma de extinção da companhia, artigo 219 da Lei de Sociedade

por Ações.

É importante mencionar que não há possibilidade de se confundir o conceito de fusão

com os chamados grupos de empresas ou sociedades coligadas (trust, holding, cartel), pelo

fato de que, nesta hipótese, cada sociedade mantém sua autonomia jurídica, enquanto

conectadas por interesses econômicos.

Bulgarelli (1999)31 esclarece a diferença entre fusão e incorporação:

[...] a fusão de várias sociedades pode realizar-se mediante a constituição de nova sociedade, o que significa que, no caso de incorporação, a extinção da sociedade e a transferência de seu patrimônio acarretam apenas a sua transformação.

Assim como na incorporação e na transformação, a fusão não resultará prejuízos para

terceiros, pois a nova sociedade que nasce da fusão será responsável pelas obrigações

28 SENA, Adriana Goulart de. A nova caracterização da sucessão trabalhista. São Paulo: LTr, 2000. p. 67. 29 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 11. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 60. 30 MAMEDE, Gladston. Direito empresarial: direito societário; sociedade simples e empresáriais. São Paulo: Atlas, 2004. v. 2. p. 218. 31 BULGARELLI,Waldiriro. Fusões, incorporações e cisões de sociedades. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 75.

26

contraídas pelas sociedades desaparecidas. Ressalta-se que a fusão é uma das hipóteses de

sucessão no Direito Empresarial, assim como no Direito do Trabalho.

Uma vez ocorrida a reorganização societária com a fusão de duas ou mais sociedades,

os vínculos serão mantidos: as relações jurídicas, os contratos de trabalho, os direitos

adquiridos dos empregados, artigos 10 e 448 da CLT e artigo 228 da Lei n. 6.404/76.

Outro instituto jurídico de sucessão no Direito Empresarial é o da cisão. O seu

conceito é assim definido por Carvalhosa (2002)32:

A cisão constitui negócio plurilateral, que tem como finalidade a separação do patrimônio social em parcelas para a constituição ou integração destas em sociedades novas ou existentes. Do negócio resulta ou não a extinção da sociedade cindida.

O instituto jurídico da cisão é definido no artigo 229 da Lei n. 6.404/76:

A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedade, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão.

De acordo com a interpretação dada a esse dispositivo, apresentam-se dois tipos de

cisão: a primeira, que será total, quando ocorrer a transferência de todo o patrimônio da

sociedade cindida. E a segunda, que será parcial, quando apenas uma parte da divisão do

patrimônio for destinada à outra sociedade, permanecendo parcela em mãos da sociedade

cindida.

Portanto, há cisões com permanência da sociedade cindida, uma vez que conservará

parte do patrimônio que lhe foi destinado, e cisões com extinção da sociedade cindida (cisão

total), isto é, que se extinguirá por completo.

A cisão é um fenômeno do Direito Empresarial, porém poderá ocorrer não somente

entre as sociedades anônimas, mas também entre sociedades de tipos diferentes, consoante o

artigo 223, caput, da Lei de Sociedades por Ações.

É uma figura jurídica que estabelece, para cada espécie distinta, os direitos dos

credores, respeitando-os. De acordo com o entendimento de Almeida (1999)33:

32 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de sociedades anônimas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4. p. 303. 33 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 64.

27

Assim, se se tratar de cisão total, com a conseqüente extinção da sociedade cindida, as sociedades que absorvem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta.

Em se tratando de cisão parcial, hipótese em que a sociedade cindida subsiste, tanto esta quanto as que absorvem parte de seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira, anteriores à cisão.

Carvalhosa (2002)34 complementa esse entendimento ao esclarecer que, no caso de

cisão parcial, poderá ser estipulado, no protocolo, que as sociedades que absorverem parcelas

do patrimônio responderão apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem

solidariedade entre elas ou com a companhia cindida.

Os direitos dos credores na cisão são regulamentados pelo artigo 233 da Lei de

sociedades anônimas:

Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão. Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor anterior poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de noventa dias a contar da data da publicação dos atos da cisão.

Ressalte-se que os credores têm, na cisão parcial, tratamento distinto daquele dos

credores na incorporação e na fusão (CARVALHOSA, 2002)35. E a solidariedade na cisão

total é baseada na dispersão do patrimônio, que, por isso, enfraquece, podendo cada parcela

sua ter vocação diversa, na medida em que uma das sociedades beneficiárias prospere e a

outra não o faça (CARVALHOSA, 2002)36. Modesto Carvalhosa ainda acrescenta, no que diz

respeito à cisão total, que a lei impõe a solidariedade entre todas as novas ou existentes

sociedades, beneficiárias do negócio reorganizativo. Assim, na cisão total ocorre,

necessariamente, a sucessão e a solidariedade.

O instituto jurídico da cisão é uma das hipóteses jurídicas sucessórias do Direito

Empresarial, assim como do Direito do Trabalho.

A causa da cisão tem como objetivo a perpetuação da empresa. Assim, pode-se dizer,

de acordo com Carvalhosa (2002) 37:

34 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de sociedades anônimas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4. p. 307. 35 CARVALHOSA, op. cit. 331. 36 id. 2002. p. 331. 37 id. 2002. p. 303.

28

A causa da cisão é a intenção válida e eficaz dos sócios e acionistas de racionalizar sua participação no capital da sociedade cindida, mediante sua repartição em outras sociedade novas ou existentes. Visa à composição de interesses individuais que, de outra forma, levariam à dissolução da sociedade, ou à concentração ou desconcentração empresarial. O objetivo será a obtenção de economias de escala pela junção de específicas divisões de empresas diversas, que se somam para tal fim.

Uma vez ocorrida a reorganização societária com a cisão e a transferência de parcelas

patrimoniais para uma ou mais sociedades, serão mantidos os vínculos, as relações jurídicas,

os contratos de trabalho e os direitos adquiridos dos empregados, artigo 229 da Lei n.

6.404/76 e o artigos 10 e 448 da CLT.

Os institutos jurídicos da transformação, incorporação, fusão e cisão muitas vezes

ocorrem no Direito Empresarial como uma tentativa de adaptação às exigências do mercado

interno e externo com o escopo de manutenção e preservação da sociedade empresarial. Em

consonância com as transformações econômicas e sociais, a atual Lei de Falências e

Recuperação judicial tem como principal objetivo oferecer condições para que as empresas

permaneçam no mercado e, consequentemente, evitem a redução de empregos e o

desaquecimento da economia.

Pela lei anterior, o empresário ingressava com o pedido de concordata, na tentativa de

ganhar tempo para negociar suas dívidas. Entretanto, esse instrumento não era flexível o

suficiente a ponto de permitir a recuperação da empresa e a sua capacidade de retornar a

funcionar normalmente. Assim, na prática, esse instituto servia apenas como um meio

preparatório para o pedido de falência. Daí, a importância da inovação do artigo 50 da atual

lei, que fornece ao empresário a flexibilidade e os instrumentos necessários à sua recuperação.

2.4 A sucessão trabalhista

A sucessão trabalhista é denominada, também, sucessão de empregadores, ou até

mesmo alteração subjetiva do contrato. A sucessão, no Direito do Trabalho, traduz uma

substituição de empregadores, com uma imposição de créditos e débitos (BARROS, 2006) 38.

O fenômeno da sucessão trabalhista decorre de dois princípios. O primeiro, da

continuidade do vínculo jurídico trabalhista, ao declarar que a alteração na estrutura jurídica e

38 BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, 2006. p.366.

29

a sucessão de empresas em nada o afetarão, defendendo, assim, os contratos de trabalho e

visando à garantia do empregado (NASCIMENTO, 2001)39. O segundo, princípio da

despersonalização quanto à figura do empregador, ou seja, ausência de pessoalidade da figura

do empregador, gerando a fungibilidade do tomador. O empregado, regra geral, não poderá se

opor à sucessão e nem pleitear a rescisão indireta. Todavia, Maranhão (1993)40 traz uma

hipótese de exceção da rescisão indireta quando ocorre a mudança de titularidade da empresa.

Exemplifica, citando a situação de um jornalista diante da mudança radical de orientação da

empresa jornalística de que era empregado. Nesse caso, diz ele, e de forma excepcional,

conforme já citado, o contrato de trabalho poderá ser concluído também intuitu personae em

relação ao empregador.

Segundo a regra geral, a aquisição de uma fábrica ou equipamentos não gera sucessão.

No entanto, qualquer alteração intra ou inter empresarial que venha a promover a

impossibilidade de cumprimento das obrigações, ou quando essa venda é de tal monta que o

empregador antigo não consegue se manter, haverá a sucessão. No instante em que o

empregador vende a “alma da empresa” e não consegue mais manter o seu negócio, será uma

hipótese de sucessão. Ou mesmo quando ocorrer a transferência de uma unidade produtiva,

essencial para a atividade do negócio, também se dará a sucessão.

Ressalta-se que a cláusula de não responsabilização só é válida entre as partes. Tais

cláusulas restritivas da responsabilização trabalhista não têm qualquer valor para o Direito do

Trabalho. Porém, tais cláusulas viabilizam o mais ágil e funcional ressarcimento de gastos

eventualmente realizados pelo adquirente no que tange aos períodos empregatícios anteriores

à transferência (DELGADO, 2001)41.

Caso haja fraude, o sucedido será responsável solidariamente, entretanto é preciso

fazer prova nesse sentido.

A doutrina tenta aproximar o instituto da sucessão trabalhista a algumas figuras

jurídicas do Direito Civil. É o que será abordado no próximo tópico.

2.4.1 Alguns institutos do direito civil e seus pontos de contato com a sucessão trabalhista

39 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 537. 40 MARANHÃO, Délio; BARBOSA, Luiz Inácio. Direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1993. p. 95/96. 41 DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao direito do trabalho: relações de trabalho e relação de emprego. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 408.

30

A aquisição derivada é um dos institutos do Direito Civil que possui semelhança com

a sucessão trabalhista, pois é considerada uma forma de aquisição derivada.

De acordo com Sena (2000)42:

E, essa “aquisição derivada de direitos” pode-se fazer sem o concurso da vontade de uma das partes, e até mesmo contra a vontade do antecessor, pois a vontade que impera é a da lei. Eis, aí uma similitude marcante com a sucessão trabalhista: mesmo que as partes não concorram com sua vontade no sentido de ocorrência da sucessão, não importa, a vontade da lei é soberana e irá ocorrer o fenômeno.

Há também outro ponto de convergência entre o instituto da sucessão civil e o

trabalhista. Na sucessão trabalhista, existe uma alteração do pólo subjetivo da relação jurídica,

em que o sucessor recebe, integralmente, todo o conteúdo do antigo titular, e o fato jurídico

(um daqueles previstos nos artigos 10 e 448 da CLT) transportará, nas mesmas condições, o

direito do sujeito anterior para o atual. A mesma autora ainda salienta que(SENA, 2000)43:

Entretanto na sucessão trabalhista não serão transportados apenas os direitos (como no caso da sucessão a título particular), mas também débitos (como na sucessão a título universal). Às vezes o recebimento integral do conteúdo da primeira sofrerá restrições. Por outro lado, ela decorre da lei (ope legis), não sendo voluntária, além do que, despiciendo qualquer consentimento do “credor empregado” no transpasse.

Tanto na sucessão civil quanto na sucessão trabalhista, ocorre a modificação de

direitos subjetivos. Na sucessão trabalhista, ocorre a mudança de direitos em relação à pessoa

do titular.

Nesse sentido, o direito se transforma, em razão de se alterar o sujeito, em que pese

subsistir a relação jurídica primitiva. São transferidas as faculdades jurídicas para um novo

titular, sem a cessação da relação jurídica. O direito não perde substância pelo fato da

transferência, apenas ocorre o deslocamento de faculdades, sem extinção da relação jurídica

(SENA, 2000)44.

A sucessão causa mortis tem muitos pontos em comum com a sucessão trabalhista. No

próximo tópico, serão abordados os preceitos legais que regulamentam esses dois institutos do

direito brasileiro.

42 SENA, Adriana Goulart de. A nova caracterização da sucessão trabalhista. São Paulo: LTR, 2000. p. 47. 43 SENA, op. cit. p. 47. 44 id. 2000. p. 48.

31

2.4.2 Sucessão causa mortis e sucessão trabalhista

Na sucessão civil e na sucessão trabalhista, ocorre a modificação de direitos

subjetivos. Enquanto na primeira verifica-se o desaparecimento do titular do direito em razão

de sua morte, no segundo instituto poderá haver o desaparecimento dos titulares anteriores, ou

não, como exemplo, face a uma fusão ou incorporação societária. Assim, o desaparecimento

dos titulares é um ponto em comum nos dois institutos.

Os dois tipos de sucessão decorrem da lei. Serão transferidos não apenas os direitos,

mas também os débitos. O artigo 1.997 do Código Civil de 2002 salienta que: “a herança

responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os

herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube”. Também não existe

exclusão de responsabilidade na sucessão trabalhista. Caso haja algum contrato que preveja a

exclusão de responsabilidade pelo sucessor, tal cláusula será considerada inexistente, em

relação ao empregado.

Na sucessão civil, poderá ocorrer a aceitação ou a renúncia pelos herdeiros (artigo

1.804 e 1. 806 do Código Civil de 2002). Na aceitação da herança ou renúncia, não é

permitido impor condições ou termo (artigo 1.808 do Código Civil de 2002). A

responsabilidade do herdeiro dentro dos limites de sua herança não decorre de sua vontade e

sim, pela imposição da lei.

No entanto, na sucessão trabalhista a assunção dos débitos e créditos assumidos pelo

antigo titular transfere-se, automaticamente, para o novo proprietário, também em decorrência

da lei. Conforme já mencionado, qualquer cláusula cível ou comercial que exclua o novo

proprietário da responsabilidade pelos débitos trabalhistas não terá nenhuma eficácia jurídica

em relação ao tomador. Nesse caso, o empregado não opina se é a favor ou contra a

transferência da titularidade do estabelecimento. Acrescenta-se que a renúncia de direitos e

garantias trabalhistas é algo muito restrito dentro do direito do trabalho, em decorrência do

princípio da irrenunciabilidade de direitos pelos obreiros, antes da resolução do contrato de

emprego.

É importante frisar que, para que ocorra o instituto sucessório trabalhista, é

fundamental que haja a modificação dos sujeitos na relação justrabalhista. Ao se mencionar a

sucessão, é necessário que tenha havido a modificação do titular ou titulares por outro ou

outros, com a assunção automática dos direitos e das obrigações em razão da continuidade do

vínculo laboral, débitos e créditos, tudo em consonância com a lei.

32

2.4.3 Cessão de contratos e sucessão trabalhista

Outro instituto do Direito Civil que possui semelhança com a Sucessão Trabalhista é a

cessão de contratos. Para Carvalho Santos (1936)45, a cessão é fonte permanente de

controvérsia e uma das matérias mais espinhosas do Direito Civil. Santos a define como: ato

inter vivos pelo qual alguém se priva de um direito seu, em favor de outrem, ou mediante o

qual se transmite um crédito a um novo credor.

A transferência de créditos, a assunção de dívidas, enfim, as circulações de títulos em

geral apontam para a importância do tema, que está intimamente ligado às relações negociais

(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006)46. A transmissibilidade das obrigações contribui

em grande parte para o giro das engrenagens econômicas do mundo (GAGLIANO;

PAMPLONA FILHO, 2006)47.

O ordenamento brasileiro jurídico possui três modalidades de transmissão:

a) a cessão de crédito;

b) a cessão de débito e

c) a cessão de contrato.

O Código Civil, em seu título II, Da transmissão das obrigações, regulamentou à

cessão de crédito e também a cessão de débito, mas deixou de lado as normas referentes à

cessão de contrato. A falta de regulamentação não impede a aplicação do instituto da cessão

de contrato. Não é objetivo desse estudo exaurir cada uma dessas modalidades de cessão, mas

apenas ressaltar os pontos que tangenciam a sucessão trabalhista.

Venosa (2007) 48 explica que:

A cessão de crédito substitui uma das partes na obrigação apenas do lado ativo e em um único aspecto da relação jurídica, o mesmo ocorrendo pelo lado passivo na assunção de dívida. Todavia, ao transferir uma posição contratual, há um complexo de relações que se transfere: débitos, créditos, acessórios, prestações em favor de

45 CARVALHO SANTOS, J. M. Código civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro: Calvino Filho, 1936. v. 14. p. 310. 46 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 2. p. 245. 47 GAGLIANO, op.cit., 2006. v. 2. p. 245. 48 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil : teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 151.

33

terceiros, deveres de abstenção etc. Na transferência da posição contratual, portanto, há cessões de crédito (ou pode haver) e assunções de dívida, não como parte fulcral do negócio, mas como elemento integrante do próprio negócio.

O instituto da cessão contratual é de grande utilidade e necessidade prática,

principalmente para o Direito do Trabalho. Um dos princípios trabalhistas é o da continuidade

da empresa. Caso ocorra modificação na estrutura jurídica da empresa ou de domínio da

própria empresa, as relações empregatícias individuais não serão afetadas. O contrato de

trabalho não será alterado. Esse princípio é materializado pelo artigo 105 e 4486 da

Consolidação das Leis Trabalhistas.

A inalterabilidade das relações empregatícias vem sustentar o princípio da proteção do

hipossuficiente econômico, viga mestra do Direito do Trabalho, e a análise de tais preceitos,

sob a ótica da teoria das obrigações, pode acabar em determinadas circunstâncias, por

construir conclusão em sentido oposto (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006)49.

A alteração da titularidade da empresa é uma típica cessão de contrato, pois o

adquirente assume o posto do antigo titular em todos os direitos e obrigações decorrentes dos

vínculos empregatícios mantidos com este último (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,

2006)50.

Para a doutrina trabalhista, trata-se de uma sucessão de empregadores, e o novo titular

assumirá os encargos trabalhistas dos empregados da empresa sucedida. Nesse sentido

(MARTINS, 2006) 51:

A mudança na estrutura jurídica ocorre quando a empresa passa de um tipo de sociedade para outro, como de limitada para sociedade anônima. A mudança na propriedade indica que os sócios eram A e B e passaram a ser C e D. Essas modificações não irão alterar o contrato de trabalho dos empregados, pois o empregador, no caso, continuará a ser a empresa. Isso evidencia a despersonalização do empregador. O Direito do Trabalho não se preocupa com a empresa, no sentido de conjunto de bens, mas com os direitos do empregado. Se a empresa prossegue na atividade, os contratos de trabalho não são extintos, mas continuam a vigorar. Nenhum valor terá perante os empregados o contrato social que rezar que os sócios retirantes assumem as pendências trabalhistas, pois será exigida a dívida da empresa. A obrigação do contrato social será válida apenas entre as partes e não perante os empregados.

5 Artigo 10 da CLT: Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. 6 Artigo 448 da CLT: A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados. 49 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 2. p. 258. 50 GAGLIANO, op. cit. p. 258. 51 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 387.

34

Esse entendimento não será aplicado em caso de comprovação de fraude, nos termos

do artigo 9º, da CLT. De acordo com a jurisprudência, se houver comprometimento das

garantias empresariais deferidas aos contratos de trabalho, incidirá a responsabilidade

subsidiária da empresa sucedida (DELGADO, 2001)52.

Assim, pode-se concluir que a sucessão trabalhista possui pontos de contato com a

cessão de contratos; entretanto se faz distinta em dois aspectos fundamentais: os seus efeitos

não decorrem da vontade das partes e sim, da lei; e o consentimento do credor (cedido) não se

faz presente no instituto trabalhista.

2.4.4 Natureza jurídica

Deve-se ressaltar que o instituto da sucessão de empregadores é algo peculiar no

Direito Trabalho e não há, no Direito Civil e em nenhum outro ramo do Direito, figura

jurídica que defina o que seja a sucessão trabalhista. Logo, pode-se afirmar que a sucessão

trabalhista tem natureza jurídica própria. Assim conceitua-se a doutrina (SENA, 2000)53.

2.4.5 Fundamentos técnicos-legais

Esse instituto peculiar trabalhista é regulamentado pela Consolidação das Leis

Trabalhistas em seus artigos 10 e 448, que são normas imperativas, ou seja, as partes não

podem modificar.

De acordo com o artigo 10 da CLT: ”Qualquer alteração na estrutura jurídica da

empresa não afetará os direitos adquiridos pelos empregados”. E o artigo 448, do mesmo

diploma legal, assim dispõe: “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa

não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”.

Moraes Filho e Morais (1995)54 explicam melhor o entendimento desses dois artigos:

52 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao direito do trabalho: relações de trabalho e relação de emprego. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2001, p. 409. 53 SENA, Adriana Goulart de. A nova caracterização da sucessão trabalhista. São Paulo: LTR, 2000, p. 243. 54 MORAES FILHO, Evaristo; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 1995, p. 275.

35

Como no caso de grupos econômicos, também aqui não foi feliz o legislador, restringindo em demasia os casos de sucessão de empresa, pois esqueceu-se das hipóteses de sucessão em estabelecimentos, gozando de autonomia técnico-produtiva, fato curial no tráfico econômico dos nossos dias. Pode dar-se a sucessão numa filial, sucursal, mesmo seção ou atividade especial de empresa, desde que gozando ou sendo possível de gozar de autonomia organizativa e técnico-produtora. O contrato de trabalho acompanha o estabelecimento, como elemento indispensável da sua constituição, através de todas as suas vicissitudes. Pouco importam aos exercentes de uma relação de emprego as transformações subjetivas que se operem na estrutura jurídica do organismo patronal: venda, cessão, doação, alteração, fusão, locação, usufruto ou qualquer outra modificação quanto à sua propriedade ou titularidade. A sucessão dá-se ope legis, por força da lei, ficando o sucessor inteiramente responsável pelas obrigações do sucedido, não valendo acordos ou convenções entre eles para elidir os efeitos da disposição legal, de ordem pública.

É importante mencionar que esses dois artigos da CLT são imprecisos em suas

definições, com o escopo de permitir à doutrina e à jurisprudência aplicar, para cada caso

concreto, o melhor entendimento adequado para solucionar o conflito em questão, bem como

permitir modificações que possam acompanhar as mudanças fáticas e jurídicas da sociedade e

os objetivos teleológicos do Direito do Trabalho.

De acordo com o entendimento da CLT, ocorre a sucessão de empregadores não

somente com o transpasse de toda a organização, mas também com a transferência de apenas

uma ou algumas de suas frações (estabelecimentos): nas duas hipóteses, altera-se,

subjetivamente, o contrato, ingressando, no pólo passivo, novo titular (DELGADO, 2001)55.

Para que ocorra a efetiva sucessão, é indispensável que a empresa ou estabelecimento

apresentem condições reais de sobrevivência com todos ou alguns de seus elementos que são

essenciais para o prosseguimento do negócio empresarial.

Com relação à responsabilidade do empregador, Martins (2001)56 aborda a questão da

seguinte maneira:

Não tem qualquer valor acordo ou convenção das partes de forma a elidir os direitos trabalhistas dos empregados, como de se colocar numa cláusula que o antigo proprietário é que deve pagar os débitos trabalhistas. Empregador é quem está atualmente dirigindo a empresa.

Se persiste a finalidade econômica do conjunto patrimonial e são mantidos os contratos de trabalho, empregador é quem continua nessa atividade.

55 DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao direito do trabalho: relações de trabalho e relação de emprego. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2001, p. 399. 56 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 179.

36

Enfatiza-se que a sucessão se dá ope legis, por força de lei, cabendo ao sucessor

assumir inteiramente as responsabilidades contraídas pelo sucedido, não valendo qualquer

tipo de acordo realizado com o intuito de elidir os efeitos da norma de ordem pública.

Nascimento (2001)57 trata do acordo celebrado entre sucessor e sucedido com relação

à responsabilidade de cada um:

A limitação da responsabilidade trabalhista ao cedente fixada por contrato entre duas instituições tem validade entre elas com base no princípio pacta sunt servanda. Autoriza, em caso de execução judicial direta do adquirente, a via regressiva. Todavia, não modifica as regras legais trabalhistas sobre a matéria. Estas são imperativas e não modificáveis pela autonomia privada dos contratantes, estabelecendo que a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afeta os contratos de trabalho (CLT, arts.10 e 448), efeitos jurídicos imperativos e que operam ope legis.

Martins (2001)58 ressalta que, para o direito do Trabalho, a sucessão tem um aspecto

mais econômico do que jurídico, assim como na visão de Moraes Filho e Morais (1995)59 ao

mencionarem que: “ao contrário do civil ou do comercial, a sucessão é mais de natureza

econômica, objetiva, do que propriamente jurídica ou subjetiva. Não há necessidade de

nenhum vínculo jurídico expresso entre o sucedido e o sucessor”.

2.4.6 Finalidade

A finalidade da sucessão trabalhista é a manutenção de uma determinada relação

jurídica mesmo que ocorra a mudança de um dos titulares. Há uma completa assunção de

créditos e débitos trabalhista pelo sucessor em relação ao sucedido, gerando efeitos pretéritos.

No entanto, pode ser que ocorra o desaparecimento dos titulares anteriores ou não, como por

exemplo, em face de uma fusão ou incorporação societária.

Objetiva, também, a permanência do ramo do negócio e a continuidade dos contratos

de trabalho com a unidade econômica de produção. Destaca-se que é por isso que a sucessão

trabalhista pode se dar em qualquer hipótese, engendra entre o cedente (sucedido) e o

57 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 533/534. 58 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 179. 59 MORAES FILHO, Evaristo; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao direito do trabalho. 7.ed. São Paulo: LTr, 1995, p. 276.

37

cessionário (sucessor) da empresa, não importa a nomenclatura dada. A Consolidação das

Leis do Trabalho foi abrangente de propósito: tanto a título privado quanto a título público,

haverá sucessão trabalhista.

2.4.7 Exceções à regra da sucessão trabalhista

Há, no ordenamento jurídico, alguns institutos que parecem ser passivos da ocorrência

da sucessão trabalhista, mas há normas jurídicas que o excluem da abrangência da sucessão.

A sucessão trabalhista abrange tanto os empregados urbanos quanto os rurais (artigos

10 e 448 da CLT, combinados com o art. 1º, caput, Lei n. 5.889/73). No entanto, há exceções

para essa regra mencionada.

Para a categoria dos empregados domésticos, não se aplica a sucessão trabalhista. Os

institutos da Consolidação das Leis do Trabalho não são aplicados automaticamente para os

domésticos (artigo 7º, alínea a da CLT). Consequentemente, não se lhes aplica os artigos 10 e

448 do mesmo diploma legal.

É importante mencionar também que os artigos 10 e 448 da CLT utilizam o conceito

de empresa para caracterizar o empregador, enquanto o empregador doméstico não tem

finalidade lucrativa. Assim, destaca-se o entendimento de Barros (2006)60: o empregado

doméstico vincula-se à pessoa do empregador e não à sua residência, não se lhe aplicando os

artigos 10 e 448 da CLT, por exclusão expressa do mesmo diploma legal (artigo 7º).

A própria lei do doméstico (Lei n. 5.856/1972), em seu artigo primeiro, define que o

empregador doméstico será apenas a pessoa física ou a família, no âmbito residencial. Logo,

há a pessoalidade na figura do tomador doméstico, afastando-se, assim, o princípio da

despersonalização do empregador, que é um dos princípios presente no instituto da sucessão

trabalhista.

Outra situação excetiva à regra geral da sucessão trabalhista é a do 488, § 2º da CLT:

"No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao

empregado rescindir o contrato de trabalho”. Nesse caso, a modificação subjetiva do tomador

não é imperativa sob a ótica do empregado, e este poderá optar pela continuidade ou não de

seus serviços.

60 BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTR, 2006, p. 374.

38

“Em caso de criação de novo município, por desmembramento, cada uma das novas

entidades responsabiliza-se pelos direitos trabalhistas do empregado no período em que

configurarem como real tomador” (Orientação Jurisprudencial 92 da SDI – Subseção I – do

TST). Conclui-se que, no novo município, quando ocorrer novas relações jurídicas, não

haverá sucessão. A finalidade de tal norma jurídica é preservar o princípio da autonomia

político-administrativa de tais entes, de acordo com o caput do artigo 18 da Constituição da

República.

É também situação excetiva a criada pela Lei n. 11.101/2005, que reformulou o

instituto da falência e extinguiu as concordatas, introduzindo a recuperação judicial e

extrajudicial no Brasil. O artigo 141, II, dispõe:

Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho.

Ou seja, não haverá sucessão trabalhista no caso de alienação da empresa falida ou de

alguns de seus estabelecimentos. Os novos contratos trabalhistas serão regidos pela norma do

parágrafo segundo do mesmo artigo: “Empregados do devedor contratados pelo arrematante

serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por

obrigações decorrentes do contrato anterior”.

Todavia, o parágrafo único do artigo 60 da Lei de Falências, que trata da recuperação

judicial, é omisso quanto à sucessão do arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor,

outrossim, as decorrentes de acidente do trabalho. A legislação deixa dúvidas quanto à

sucessão trabalhista na alienação de bens da sociedade em recuperação judicial. Esse assunto,

que é o objeto de investigação nesta dissertação, será desenvolvido nos próximos capítulos.

2.5 Recuperação judicial ordinária de empresas

2.5.1 Conceito de recuperação judicial

A recuperação judicial tem por objeto viabilizar a superação da situação de crise

econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do

39

emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação

da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (artigo 47, caput da Lei n.

11.101/2005). Nas palavras de Sérgio Campinho: apresenta-se como um somatório de

providências de ordem econômico-financeiras, econômico-produtivas, organizacionais e

jurídicas, por meio das quais a capacidade produtiva de uma empresa possa, da melhor forma,

ser reestruturada e aproveitada (CAMPINHO, 2006)61.

Na visão processual, a medida se implementa por via de uma ação judicial que

somente poderá ser proposta pelo próprio devedor (parágrafo único do artigo 48 da Lei n.

11.101/2005), com o intuito de concretizar o princípio da preservação da empresa e a sua

função social. No entanto, tal pretensão somente poderá ser exercida até a declaração da

falência (artigo 48, I da Lei n. 11.101/2005).

2.5.2 Natureza jurídica da recuperação judicial

A recuperação judicial de empresas abrange todos os credores. De acordo com o artigo

47 da Lei n. 11.101/2005, a recuperação judicial visa à preservação da empresa

subjetivamente considerada e do empresário, enquanto a falência tem por escopo

exclusivamente a preservação da empresa (objetivamente considerada).

Ajuizada a recuperação judicial, compete ao juiz verificar as condições da ação e

averiguar a presença dos pressupostos específicos aplicáveis à espécie para, então, deferir o

processamento da recuperação, o qual pressupõe a observância dos requisitos do artigo 51 da

Lei n. 11.101/2005.

Ressalta-se que o ato judicial que determina o processamento da recuperação não se

confunde com o ato da concessão (o qual pressupõe a manifestação dos credores) da

recuperação.

A superação da situação de crise econômico-financeira do devedor será concretizada

pela vontade dos credores, que é manifestada pela aceitação ao que consta no plano de

recuperação judicial.

Se não houver objeção dos credores ao plano de recuperação, o juiz deferirá a

recuperação judicial, a qual, baseada no plano, implica novação. O plano de recuperação 61 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 10.

40

implica novação dos créditos anteriores ao pedido de recuperação (mas sem prejuízo das

garantias ofertadas). Se o plano dispuser acerca da alienação de bem objeto de garantia real, a

supressão da garantia e/ ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação

expressa do credor titular da respectiva garantia, artigo 50, §1º da Lei n. 11.101/2005. É

importante frisar que a novação na recuperação judicial difere da novação do Código Civil

(artigo 360), porque, decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e

garantias nas condições originariamente contratadas, deduzidos os valores recebidos durante a

recuperação, artigo 61, § 2º da Lei n. 11.101/2005.

Poder-se-á dizer que o plano é um negócio de cooperação celebrado entre devedor e

credores, homologado pelo juiz (FRANCO; STAJN, 2008)62. A cooperação se assemelha ao

contrato plurilateral; a homologação é uma forma de garantia do cumprimento das obrigações

assumidas, com redução dos custos de transação, devido à coercitividade que dela resulta

(FRANCO; STAJN, 2008)63. Ou seja, a natureza jurídica da recuperação judicial é contratual

e judicial.

Caso haja objeção ao plano, caberá ao juiz convocar a assembleia geral de credores

para deliberar sobre o tema. Não é necessário que haja a aprovação da totalidade dos credores,

desde que haja aprovação pela assembleia geral consoante artigo 45 da Lei n. 11.101/2005, ou

então, caso não ocorra a aprovação nesses termos, o magistrado poderá concedê-la respeitadas

as regras do artigo 58 da Lei n. 11.101/2005. A massa de credores é que declara a sua

vontade, através do órgão deliberante: a assembleia-geral de credores. De acordo Campinho

(2006)64, isso se justifica porque o fim do processo de recuperação judicial deve ser único para

todos, pois a relação processual que se estabelece é única.

2.5.3 Finalidade da recuperação judicial

O impacto da falência de um devedor não se restringe apenas às empresas que se

tornam insolventes ou a seus credores particulares, mas afeta diretamente a economia, que

sofre os efeitos das crises econômicas, fatores conjunturais, problemas de liquidez,

62 FRANCO, Vera Helena de Mello; STAJN, Rachel. Falência e recuperação da empresa em crise. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 234. 63 FRANCO, op. cit. p. 234. 64 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 13.

41

acirramento da concorrência, desenvolvimento de novas tecnologias e até mesmo insolvência

de fornecedores ou clientes.

Os nefastos efeitos sócio-econômicos da falência demandam uma ordem jurídica mais

coerente e adequada, visando a diminuir os impactos causados pela insolvência na economia,

voltando-se, principalmente, para a função social da empresa, enquanto atividade

desenvolvida pelo empresário.

Assim, a interação entre direito e economia torna-se essencial para o desenvolvimento

e o funcionamento de um sistema seguro e eficiente para a preservação da empresa e dos

interesses de todos aqueles que dela dependem, inclusive o Estado e os trabalhadores.

Daí nasceu o objetivo da Lei n. 11.101/2005, ao instituir o princípio da preservação da

empresa como instituição social, o qual é manifestado através da figura jurídica da

recuperação judicial. Essa norma legal é regulamentada no artigo 47 da mencionada lei e visa

a preservar a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses

dos credores.

É inegável que a aprovação da Lei de Recuperação de Empresas representou um

avanço na medida em que consolidou o princípio da preservação da empresa. A real

implementação desses princípios na prática forense brasileira pode trazer benefícios maiores

aos credores, devedores e à própria sociedade.

42

3 ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO DA LEI

Na língua portuguesa, é muito comum a compreensão da palavra interpretação como

sinônimo de hermenêutica. No entanto, esses dois vocábulos possuem significados diferentes.

Interpretar, que de acordo com o dicionário De Plácido (2009)1, significa: do latim

interpretatio, do verbo interpretare (explicar, traduzir, comentar, esclarecer) é compreendido,

na acepção jurídica, como a tradução do sentido ou do pensamento que está contido na lei, na

decisão, no ato ou contrato. Já, hermenêutica (DE PLÁCIDO, 2009)2 origina-se do grego

hermeneutikos, de hermeneus (intérprete), de Hermes ou Mercúrio, pelo latim hermenêutica

(que interpreta ou que explica) e é empregado na técnica jurídica para assinalar o meio ou

modo por que se devem interpretar as leis, a fim de que se tenha delas o exato sentido ou o

fiel pensamento do legislador. Ou seja, interpretar é fixar o verdadeiro sentido e alcance de

uma norma jurídica, enquanto hermenêutica, em sentido técnico, é a teoria científica da

interpretação (MONTORO, 2005)3.

As leis são elaboradas em termos genéricos e abstratos, para que possam ser

estendidas a todos que se encontrem na mesma situação. A passagem do texto abstrato de uma

lei para o caso concreto é tarefa que cabe ao aplicador do direito, por exemplo, advogados,

magistrados, promotores, dentre outros. Toda lei é obra humana e aplicada por homens,

portanto imperfeita, na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não for

verificado, com esmero, o sentido e alcance das suas prescrições (KORKOUNOV, 1866 apud

MAXIMILIANO, 2002) 4.

Para que seja extraído de uma lei o seu real significado, o intérprete utilizará os

instrumentos necessários para alcançar o verdadeiro sentido da norma jurídica. Com esse

intuito, deverá usar os elementos de interpretação, que assim passam a ser explicados

(SEGANFREDDO, 1981)5:

1 INTERPRETAR . In: DE PLÁCIDO e Silva (1987). Vocabulário jurídico . Atualiz. por Nagib Slaibi Filho; Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p 764. 2 HERMENÊUTICA. In: DE PLÁCIDO e Silva (1987). Vocabulário jurídico . Atualiz. por Nagib Slaibi Filho; Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 681. 3 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 27. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 420. 4 KORKOUNOV Cours de théorie générale du droit, p. 525; Giuseppe Saredo. Tratado delle Leggi, 1866, n. 503 apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 8. 5 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva. Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981. p. 48.

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Os elementos de interpretação constituem recursos de que dispõe o intérprete, como meios necessários, para atingir o sentido da norma jurídica e o seu alcance prático. Esses elementos são relacionados como o gramatical ou literal, o lógico-sistemático, o histórico e o sociológico.

Não se pode olvidar que o principal objetivo para uma determinada lei a ser

interpretada e aplicada é atender aos anseios da sociedade na qual ela foi criada. O intérprete

deverá sempre visar ao fim social a que a lei se destina, bem como o juiz ao aplicá-la,

conforme consta no artigo 5º da lei de Introdução do Código Civil.

Nesse contexto, deve-se sempre ter em mente a possibilidade de reavaliação do

sentido de uma norma jurídica, devido à constante mutação e progresso, para que ela possa

continuar servindo e sendo aplicada com o escopo de solucionar as questões para as quais foi

criada.

A alteração da Lei n. 11.101/2005 modificou um importante paradigma, agora voltado

não apenas para o interesse do credor e do devedor ou para a proteção do crédito e das

relações privadas entre comerciantes, mas, preponderantemente, para a função social, com

toda ênfase para a preservação ou conservação da empresa, conforme expressou Márcia de

Paoli Balbino1.

A matéria tratada na Lei de Falências e de Recuperação Judicial é algo muito

importante para a economia do país. Ela objetiva, como já se tem afirmado reiteradamente, a

preservação de empresas. Está voltada especificamente para a manutenção das atividades

empresariais, na plena convicção de que, quando existe uma falência no País, o prejuízo é de

todos. Além disso, parte-se do princípio de que o devedor está de boa-fé. Do contrário, seus

sócios devem responder pelos seus atos e suas consequências. O prejuízo é também dos

credores, trabalhadores e da economia em geral2.

Nos próximos tópicos serão abordados os elementos de interpretação da Lei , com

ênfase na Lei n. 11.101/2005 e seus princípios norteadores do processo de elaboração e

aplicação.

1 Desembargadora do TJMG. Palestra proferida no seminário: A nova Lei de falências, EJEF-TJMG, 06/05/2005, Belo Horizonte/MG. Disponível em <http://www.iamg.org.br/site/revista/sumarios.htm>. Acesso em 16 jan. 2009. 2 Complemento dos pareceres nº 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 84. Disponível em: <www.senado.gov/br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009.

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3.1 Elemento gramatical ou literal

O elemento gramatical é o mais antigo utilizado pelos intérpretes do direito3. Pode ser

chamado, também, de gramatical ou literal, são palavras sinônimas.

O primeiro passo para uma interpretação gramatical é o conhecimento da linguagem

empregada no texto, comum e jurídica. A lei é a manifestação de vontade do legislador e,

portanto, deve ser reproduzida com precisão e observância rigorosa de seu conteúdo. Para que

seja concretizado esse tipo de interpretação, é necessário realizar esforço para compreender o

pensamento do legislador. Nesse sentido é o entendimento de Reale (2002)6:

A lei é uma realidade morfológica e sintática que deve ser, por conseguinte estudada do ponto de vista gramatical. É da gramática – tomada esta palavra no seu sentido mais amplo – o primeiro caminho que o intérprete deve percorrer para dar-nos o sentido rigoroso de uma norma legal. Toda lei tem um significado e um alcance que não são dados pelo arbítrio imaginoso do intérprete, mas são, ao contrário, revelados pelo exame imparcial do texto.

Muitos requisitos orientam a exegese literal, todos ligados ao conhecimento da língua.

Um deles, por exemplo, é o conhecimento do fato de que uma determinada palavra pode ter

vários significados. Pode, também, ocorrer o contrário, várias palavras possuírem significado

semelhante. Presume-se que a lei não contém palavras inúteis. Algumas vezes, o uso e

costume de uma determinada região podem influenciar entendimentos diferentes, como, por

exemplo, em uma cidade do interior do país e em uma grande metrópole, onde a realidade e

os hábitos de cada localidade são completamente distintos. O contexto em que uma

determinada lei foi criada também deverá ser observado.

Ressaltam-se outras regras que devem ser observadas: o singular não exclui o plural,

os enunciados podem ser taxativos ou exemplificativos, a concordância gramatical deve ser

observada, dentre outros (SEGANFREDDO, 1981)7.

A interpretação deve ser condizente com as necessidades atuais, para que sejam

observados os princípios da preservação da empresa, do emprego e da competitividade

empresarial, que foram alguns dos princípios norteadores da Lei n. 11.101/2005.

3 Historicamente, é a interpretação literal, gramatical ou filológica a mais antiga, chegando a ser exclusiva para os glosadores medievais. SEGANFREDDO, 1981, p. 48. 6 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 279. 7 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981. p. 49.

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A discussão do assunto central deste trabalho gira em torno do parágrafo único, do artigo 60

da Lei de Falências, que trata da recuperação judicial, mas é omisso quanto à sucessão do

arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor, bem como as decorrentes de acidente do

trabalho. Está, assim, redigido:

Artigo 60: Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta lei .

Parágrafo único do artigo 60: O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta lei.

No entanto, o artigo 141, II, da Lei de Falências, que está inserido dentro do capítulo

que trata da Falência e não, da recuperação judicial, assim dispõe:

II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidente do trabalho.

A legislação deixa dúvidas quanto à sucessão trabalhista na alienação de bens da

sociedade em recuperação judicial. Por isso, neste tópico, será feita uma interpretação

gramatical dos artigos da Lei n. 11.101/2005, acima mencionados.

De acordo com a interpretação gramatical, haverá sucessão trabalhista do arrematante

nas obrigações do devedor em recuperação judicial, conforme a interpretação dada pelos

romanos: exceptinoes sunt strictissima interpretationis (interpretam-se as exceções

estritissimamente). Ou seja, o fato de não ocorrer sucessão trabalhista na alienação de

estabelecimento em decorrência de recuperação judicial representa uma exceção, portanto

deveria o legislador ter mencionado expressamente tal condição exceptiva. Pelo fato de não a

ter mencionado, não poderá o intérprete colocar uma ressalva onde não foi posta, caso o

fizesse, estaria inovando a norma jurídica e, por consequência, acabaria por exercer uma

função que não é a sua e sim, do legislador, o qual, a princípio, representa a vontade do povo

em geral.

A Lei n. 11.101/2005, em seu artigo 60, parágrafo único, ressalvou apenas que não

haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor com relação às dívidas de natureza

tributária. Tanto foi essa a intenção do legislador, que foi editada a Lei Complementar 118, de

09 de fevereiro de 2005, com o objetivo de adequar a legislação tributária à Lei de Falências.

Foram introduzidos três parágrafos ao artigo 133 do Código Tributário Nacional, que trata da

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sucessão tributária do adquirente do fundo de comércio ou estabelecimento comercial,

industrial ou profissional e determina que não há sucessão nas hipóteses de alienação judicial

em processo de falência, nem mesmo de filial ou unidade produtiva isolada em processo de

recuperação judicial (art. 133, § 1º, I e II do CTN).

No entanto, no parágrafo segundo do artigo 133 do Código Tributário Nacional,

tentou-se evitar a ocorrência de uma possível fraude:

§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo quando o adquirente for: I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; II – parente, em linha reta ou colateral até o quarto grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

A correta interpretação literal desse dispositivo deve ser feita no sentido de que, se

alguns dos compradores forem as pessoas referidas nos incisos supra mencionados, estes não

serão beneficiados com a supressão da sucessão tributária.

O objetivo da legislação tributária foi possibilitar a continuação da empresa através do

plano de recuperação judicial. Caso a empresa obtenha êxito na manutenção dos seus

negócios, poderá, eventualmente, beneficiar seus credores e, consequentemente, manter seus

empregados ou, talvez, até mesmo criar novos postos de trabalho.

As possíveis tentativas de fraude devem ser combatidas. O legislador quis, a princípio,

incentivar a continuação dos negócios, mesmo que para isso fosse necessária a ausência da

sucessão tributária. Entretanto, no momento em que esse instituto passa a ser desvirtuado, a

própria lei veda a sua ausência e passa a exigir, integralmente ou subsidiariamente, o valor da

dívida, consoante o artigo 133, caput, e incisos I e II do CTN.

Conforme mencionado, para o elemento de interpretação gramatical não há sucessão

tributária do arrematante nas obrigações do devedor, nesse sentido é o parágrafo primeiro do

artigo 133 do CTN, ressalvadas as hipóteses de fraude. No entanto, conclui-se pela sucessão

trabalhista do arrematante na recuperação judicial. Assim, os artigos 10 e 448 da

Consolidação das Leis Trabalhistas deverão ser observados sob a ótica da interpretação

gramatical.

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Apesar desta conclusão, haver sucessão trabalhista do arrematante na recuperação

judicial, uma crítica merece ser feita. Note-se a observação de Tepedino (2002)8:

Há, pois, que se abandonar interpretações literais de antanho, para procurar inserir o texto legal na conjuntura da atualidade, e não simplesmente realejar interpretações literais antiquadas, com os olhos fixos numa realidade que há muito já passou. A lei, definitivamente, não é um fenômeno estático – muito ao revés, ela deve renovar-se através da hermenêutica.

A interpretação literal para esse dispositivo legal (parágrafo único do artigo 60, da Lei

n. 11.101/2005) não satisfaz, uma vez que, ao elaborar a Lei de Falências e Recuperação

Judicial, o legislador se inspirou em alguns princípios, tais como: a preservação da empresa; a

recuperação das sociedades e empresários recuperáveis; a redução do custo de crédito no

Brasil.

É, por isso, que, nos próximos tópicos, o parágrafo único do artigo 60 da Lei de

Falências e Recuperação Judicial será interpretado sob a ótica de outros elementos de

interpretação.

3.1.1 Elemento lógico-sistemático

A interpretação lógica pretende o simples estudo das normas em si ou em conjunto,

por meio do raciocínio dedutivo, para obter a interpretação correta (MAXIMILIANO, 2002)9,

enquanto a interpretação sistemática expressaria o sentido de uma lei de acordo com o sistema

em que estiver inserida. Assim, pode-se dizer que o processo sistemático consiste em

comparar o dispositivo sujeito à exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis

diversas, mas referentes ao mesmo objeto (MAXIMILIANO, 2002)10.

É importante mencionar o seguinte sobre o assunto (SEGANFREDDO, 1981)11:

O processo lógico-sistemático desdobra-se em fases que visam, através do raciocínio, chegar ao real sentido da lei. É uma interpretação que objetiva atingir o conteúdo do texto legal e não o seu aspecto meramente verbal e externo.

8 TEPEDINO, Ricardo. A recuperação da empresa em crise diante do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 128, p. 165-173, out./dez. 2002. p. 168. 9 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeio: Forense, 2002. p. 100. 10 MAXIMILIANO, op. cit. p. 104. 11 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981. p. 49.

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Com o passar do tempo, os intérpretes verificaram a impossibilidade de se separarem

esses dois tipos de interpretação. Nesse sentido é o comentário de Reale (2002)12:

Interpretar logicamente um texto de Direito é situá-lo ao mesmo tempo no sistema geral do ordenamento jurídico. A nosso ver, não se compreende, com efeito, qualquer separação a interpretação lógica e a sistemática. São antes aspectos de um mesmo trabalho de ordem lógica, visto como as regras de direito devem ser entendidas organicamente, estando umas na dependência das outras, exigindo-se reciprocamente através de um nexo que a ratio juris explica e determina.

O mesmo autor ainda ressalta que não se deve olvidar que, no contexto de

interpretação gramatical e lógica, permaneceram velhos ensinamentos de Hermenêutica

Jurídica, representados por antigos brocardos, que ainda hoje têm aplicação (REALE, 2002)13:

[...] tal como o que pondera que deve ser entendida extensivamente a norma benéfica, mas estritamente a que impõe penas ou restringe direitos, o que, de certo modo, atenuava os males de uma atitude puramente formalista.

Ressalta-se que o elemento lógico busca a harmonia lógica das normas dentro de uma

determinada lei ou legislação, enquanto o elemento sistemático visa à análise do todo.

Voltando ao estudo do artigo 60, parágrafo único, da Lei n. 11.101/2005, Delgado

(2006)14 apresenta a seguinte interpretação:

[...] Nas falências processadas a partir do império do novo diploma, não incidirá sucessão de empregadores no caso de alienação da empresa falida ou de algum ou de um ou alguns de seus estabelecimentos (art. 141, II e § 2º, da Lei n. 11.101/2005). Em conseqüência, serão tidos como novos os contratos de trabalho iniciados com o empregador adquirente, ainda que se tratando de antigos empregados da antiga empresa extinta (§ 2º do art. 141 da Lei n. 11.101/2005).

A presente exceção, contudo, não se aplica a alienações efetivadas durante o processo de simples recuperação extrajudicial ou judicial de empresas, nos moldes da recente lei falimentar. Quanto à modalidade extrajudicial, tal não abrangência da excludente sucessória é bastante clara na Lei n. 11.101/2005 (art. 161, § 1º, combinado com o art. 83, todos do referido diploma normativo).

No tocante à recuperação judicial, esta não abrangência resulta de interpretação lógico-sistemática da nova lei, uma vez que semelhante vantagem somente foi concedida para os casos de falência, conforme inciso II e § 2º do art. 141, preceitos integrantes do capítulo legal específico do processo falimentar. Nada há a respeito da generalização da vantagem empresarial dos dispositivos comuns à recuperação judicial e à falência, que constam do capítulo II do mesmo diploma legal (arts. 5º até 46). Além disso, o art. 60 e seu parágrafo único, regras integrantes do capítulo regente da recuperação judicial, não se referem às obrigações trabalhistas e acidentárias devidas aos empregados, embora concedam a vantagem excetiva (ausência de sucessão) quanto às obrigações de natureza tributária. Por fim, estes

12 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 280. 13 REALE, op. cit. p. 280. 14 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 418-419.

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mesmos dispositivos (art. 60, caput e parágrafo único) somente se reportam ao §1º do art. 141, mantendo-se, significativamente silentes quanto às regras lançadas no inciso II e § 2º do citado art. 141(estas, sim, fixadoras da ausência de sucessão trabalhista).

À medida que os créditos trabalhistas dos empregados (trabalhistas e acidentários) têm absoluta preponderância na ordem jurídica, em face dos princípios constitucionais da prevalência do valor-trabalho, da dignidade da pessoa humana e da subordinação da propriedade à sua função social, torna-se inviável, tecnicamente, proceder-se à interpretação extensiva de regras infraconstitucionais agressoras de direitos constitucionalmente assegurados. (GRIFO NOSSO).

Múcio Nascimento Borges também fez uma interpretação sistemática do artigo 60 da Lei n.

11.101/2005. Em suas próprias palavras5:

Aqui a interpretação não pode ser outra senão a sistemática, ou seja, no artigo 60 e parágrafo, não se desonerou o arrematante dos encargos sociais (onde se incluem os trabalhistas), pelo contrário, o legislador expressamente inseriu e diferenciou as obrigações de encargos no artigo 49 acima transcrito, determinando que “As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial”.

Observa-se que há uma tendência no âmbito trabalhista em reconhecer a sucessão do

arrematante nas obrigações do devedor na recuperação judicial. Note-se o seguinte

comentário (ALMEIDA, 2007)15:

A tendência que se observa, no âmbito da Justiça do Trabalho, com amplo apoio dos juslaboralistas, é no sentido de rejeitar qualquer interpretação que altere as regras dispostas nos arts. 10 e 448 da CLT, que garantem os direitos e a imutabilidade do contrato de trabalho, na alteração da estrutura jurídica da empresa.

Pensamento oposto é do ramo empresarial, o qual entende claramente que não haverá

sucessão em nenhuma hipótese. Daí, cria-se a divergência na doutrina no que diz respeito a se

haverá ou não responsabilidade do adquirente. Note-se o pensamento de Jorge Lobo (2007)16:

Interpretando-se lógica, literal, sistemática e teleologicamente o art. 133, § 1º, II, do CTN e o parágrafo único do art. 60 da LRE, conclui-se que, no “trespasse de estabelecimento”, previsto no art. 50, VII, da LRE, com as denominações “filial” ou “unidade produtiva isolada” dadas pelo art. 60, parágrafo único, da LRE e pelo

5 Sucessão Trabalhista do arrematante de empresa em recuperação judicial (Varig S.A). Decisão com base na nova Lei de falências 11.101/2005 do Juiz titular da 33ª VTRJ, Múcio Nascimento Borges. Decisão proferida nos autos da ação civil pública de nº: 1053-2006-033-01-00-7. 15 ALMEIDA, Amador Paes de; ALMEIDA, André Luiz Paes de. A sucessão trabalhista na recuperação judicial. Revista Ltr, v. 71, n. 04, p. 442-444, abril de 2007. p. 444. 16 JORGE LOBO, Joaquim. Comentários aos artigos 35 a 69 da lei de recuperação de empresas. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; ABRÂO, Carlos. (Org.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 185-186. .

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inciso II do § 1º do art. 133 do CTN, o adquirente não “responde pelos tributos relativos ao fundo de estabelecimento adquirido”, na esteira, aliás, da legislação de diversos países, como, por exemplo, Itália, França e Estados Unidos.

De acordo com esse método de interpretação lógico-sistemático, na visão trabalhista,

conclui-se que haverá sucessão trabalhista na alienação de bens da sociedade em recuperação

judicial, pelos argumentos acima expostos. Porém, sob a ótica da área empresarial, não sucede

o devedor nas obrigações e dívidas tributárias e nem em quaisquer outras dívidas por ventura

existentes.

A discussão sobre a existência ou inexistência de sucessão continua nos próximos

tópicos em que serão abordados outros elementos de interpretação.

3.1.2 Elemento histórico

O elemento histórico tem por escopo analisar o projeto de lei, a sua justificativa, a

exposição de motivos, pareceres, discussões, as condições culturais e psicológicas que

resultaram na elaboração da norma (LENZA, 2008)17.

Pode-se definir como (SEGANFREDO, 1981)18:

Pela interpretação dos elementos históricos procura-se alcançar o sentido da norma jurídica, tendo-se em vista as idéias dominantes, os usos e costumes da época em que foi elaborada. Visa, dentro de uma lógica, ao esclarecimento de determinadas expressões e situações específicas da ordem do conhecimento histórico.

Uma vez que se encontra pronta uma lei, ela não fica presa às suas fontes originárias,

pois deve acompanhar os anseios da sociedade para a qual foi criada. É muito importante

conhecer as fontes que inspiraram a sua elaboração para que se verifiquem quais foram as

intenções do legislador, bem como para adaptá-la às situações do cotidiano.

Será realizada, a seguir, a interpretação histórica do parágrafo único, do artigo 60, da

Lei n. 11.101/2005.

O processo legislativo originário da Lei n. 11.101/2005, que, na Câmara dos

Deputados, apresentado pelo Poder Executivo, tramitou sob o número 4.376/1993, foi

17 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 70. 18 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981. p. 51.

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apresentado no dia 22 de dezembro de 1993 e, no Senado Federal, se transmutou em Projeto

da Câmara de número 71/2003.

Uma Emenda de número 12-PLEN foi apresentada em turno suplementar ao

Substitutivo ao PLC número 71, de 2003, em que foram relatores: o senador Ramez Tebet,

representando a Comissão de assuntos econômicos, e o senador Fernando Bezerra, relator da

Comissão de constituição e justiça.

A Emenda de número 12, do senador Arthur Virgílio, que constituía reiteração de

emenda apresentada pelo senador Rodolpho Tourinho à comissão de constituição, justiça e

cidadania, tinha como objetivo a modificação do parágrafo único do artigo 60 do Substitutivo

e tinha o seguinte argumento6:

[...] para estabelecer a não responsabilização do arrematante pelo passivo trabalhista nas vendas judiciais de empresas no âmbito da recuperação judicial, ou seja, propõe o fim da sucessão trabalhista também na recuperação judicial. (GRIFO NOSSO)

E o conteúdo do parecer foi7:

Nosso parecer é pela rejeição da emenda, porque a exclusão da sucessão trabalhista na recuperação judicial pode dar margem a fraudes aos direitos dos trabalhadores e a comportamentos oportunistas por parte de empresários. Além disso, é preciso ressaltar que diferentemente do crédito tributário, protegido ao menos pela exigência de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa para a concessão da recuperação judicial – o crédito trabalhista fica desguarnecido caso a empresa seja vendida e o valor apurado seja dissipado pela administração da empresa em recuperação judicial, já que não há, na recuperação judicial, ao contrário da falência, vinculação ou destinação específica desses valores.

No entanto, a emenda número 41, do senador Pedro Simon, trouxe alterações de trinta

artigos do Substitutivo, modificando a disciplina dos créditos de natureza trabalhista na

recuperação judicial e na falência. De maneira semelhante foram as Emendas de números 43,

44, 46, 47 e 49, da senadora Heloísa Helena, e as emendas de números 45 e 50, do senador

Paulo Paim.

O objetivo dessas emendas, no tocante à falência, tinha por escopo restabelecer a

sucessão trabalhista nas alienações judiciais do processo falimentar e de incluir expressamente

6 Complemento dos pareceres nº. 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 92. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009. 7 Complemento dos pareceres op. cit. p. 92-93

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a solidariedade do arrematante. Mas o parecer foi pela rejeição da emenda, devido aos

seguintes argumentos8:

Já a exclusão da sucessão trabalhista na falência tem por objetivo viabilizar a venda da empresa como unidade produtiva e maximizar o valor obtido na alienação judicial. O valor apurado será utilizado para pagar os próprios trabalhadores, com preferência sobre os demais credores. Viabilizando-se a venda e maximizando-se o valor da empresa pela exclusão da sucessão trabalhista, ganham os trabalhadores, que terão maiores chances de obter o pagamento integral de seus créditos. Mais ainda, a alienação da empresa como unidade produtiva beneficia os trabalhadores não somente em relação ao recebimento de seu crédito, mas também - e talvez principalmente – no que tange à preservação de seus empregos. Se não for possível a venda em bloco, os bens da massa serão vendidos em separado e, nesse caso, além de o agregado econômico se perder, nenhum dos empregos poderá ser mantido.

A Emenda nº 99 tinha como proposta modificar o parágrafo único do artigo 60, o

inciso II do artigo 141 e o parágrafo único do artigo 166, do Substitutivo, com o escopo de

reintroduzir a sucessão trabalhista na alienação judicial da empresa em processo de falência9:

Não concordamos com as modificações propostas pela Emenda nº 99, por entendermos estar baseada em uma visão equivocada dos objetivos e dos efeitos da exclusão da sucessão trabalhista na falência. O fato de o adquirente da empresa em processo de falência não suceder o falido nas obrigações trabalhistas não implica prejuízo aos trabalhadores. Muito ao contrário, a exclusão torna mais interessante a compra da empresa e tende a estimular maiores ofertas pelos interessados na aquisição, o que aumenta a garantia dos trabalhadores, já que o valor pago ficará à disposição do juízo da falência e será utilizado para pagar prioritariamente os créditos trabalhistas. Além do mais, a venda em blocos da empresa possibilita a continuação da atividade empresarial e preserva empregos. Nada pode ser pior para os trabalhadores que o fracasso na tentativa de venda da empresa, pois, se esta não é vendida, os trabalhadores não recebem seus créditos e ainda perdem seus empregos. Portanto, reiteramos o entendimento adotado na elaboração do Substitutivo, cuja redação julgamos importante manter. (GRIFO NOSSO)

Durante o processo legislativo, discutiu-se, também, sobre a questão da sucessão

tributária na recuperação extrajudicial. É interessante verificar quais foram os argumentos

utilizados10:

8 Complemento dos pareceres nº. 559 e 560, de 2004 - PLEN, p. 104 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/senador/ramez/ramez.htm>. Acesso em: 16 jan. 2009. 9 Complemento dos pareceres op. cit. p. 59. 10 id. 2009. p. 53.

53

No que tange à recuperação extrajudicial, convém rever o entendimento relativo à exclusão da sucessão tributária na alienação judicial do estabelecimento, se prevista em plano de recuperação extrajudicial. Na falência, tal medida é salutar e plenamente justificável, pois o valor obtido com a alienação fica à disposição do juízo para pagamento dos credores. Na recuperação judicial, muito embora não haja essa retenção do valor pago pelo adquirente, o fato de esse instituto consistir em um remédio extremo para as dificuldades das empresas, com o grave risco de decretação da falência no caso de não-concessão, associado ao rigoroso controle judicial em todo o processo, diminui a probabilidade de conduta lesiva ao fisco. Na recuperação extrajudicial, contudo, esses argumentos não cabem, pois a participação do juiz restringe-se à homologação do plano negociado extrajudicialmente e não há conseqüências para a não-aceitação ou para a não-homologação das condições propostas aos credores. Por isso, amplia-se excessivamente a possibilidade de devedores mal-intencionados valerem-se do instituto com o fito exclusivo de promover a venda de estabelecimentos sem sucessão tributária, o que não é objetivo da nova lei. Assim, é necessário suprimir o parágrafo único do art. 166 do Substitutivo e, conseqüentemente, também o parágrafo primeiro do artigo 162, uma vez que, afastado o risco ao crédito tributário, não há motivo para exigir certidões negativas para a homologação do plano de recuperação extrajudicial. Com a modificação aqui proposta, deverá ser alterado também o PLC nº 70, de 2003 – Complementar, a fim de compatibilizar a redação do CTN ao novo entendimento.

De acordo com o exposto, o legislador no processo de elaboração da Lei n.

11.101/2005 pensou ser razoável a ausência da sucessão tributária na falência e na

recuperação judicial, com o objetivo de incentivar a preservação da empresa.

Embora no processo legislativo de elaboração da Lei de Falências e Recuperação

Judicial o legislador tenha entendido, devido aos argumentos acima, ser melhor a exclusão da

sucessão na falência, entendeu por bem manter a sucessão na recuperação judicial. Entretanto,

tal argumentação não poderá ser aceita, pois um dos princípios que orientou a elaboração da

Lei de Falências e de Recuperação Judicial foi o da preservação da empresa, por implicar

benefícios indiretos ou até mesmo diretos em razão do estímulo à atividade produtiva, bem

como a possibilidade de manutenção dos empregos acaso já existentes e, talvez, até mesmo de

criação de novas oportunidades de trabalho.

Adiante, será tratado o elemento de interpretação teleológico.

54

3.1.3 Elemento teleológico

É o elemento que busca a finalidade da norma. A norma jurídica deve alcançar a sua

finalidade social e econômica para a qual foi criada e, consequentemente, será esta a

finalidade do direito. É, por isso, que muitos juristas chamam o elemento teleológico,

também, de interpretação sociológica.

Em A finalidade do direito, Ihering estabelece o método teleológico como o método

próprio do direito, objetivando a realização dos interesses sociais (SEGANFREDO, 1981)19.

Note-se a seguinte observação (SEGANFREDO, 1981)20:

A interpretação teleológica é um objetivo. Ela forma um todo, cujo resultado visa um fim porque o próprio direito é finalista, isto é, visa a um fim que consiste na realização do bem comum – e não só dos valores de justiça – acorde este com todos os valores sociais, que são elementos da cultura. Cada elemento de interpretação está vinculado a outro e o objetivo da interpretação não é puramente lógico, histórico ou sociológico do direito, mas sim uma interpretação global, que abrange todas as razões sócio-culturais em sua valoração.

Na busca da melhor interpretação do artigo 60, parágrafo único da Lei de Falências e

Recuperação Judicial, é necessário que seja feita uma análise teleológica desse artigo.

Primeiramente, ressalte-se que o princípio da preservação da empresa não foi uma

novidade no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei n. 11.101/2005.

A Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as sociedades por ações

em seu artigo 117, § 1º, alínea b, já demonstrava a preocupação do legislador em preservar a

companhia próspera dos atos abusivos do acionista controlador. Assim, vem redigido o artigo

117, § 1º, alínea b da lei de sociedades por ações:

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. §1º. São modalidades de exercício abusivo de poder: b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia.

19 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981. p. 70. 20 SEGANFREDDO, op. cit. p. 69.

55

No ano de 1988, foi publicada, no Diário Oficial da União n.º 191-A, no dia 05 de outubro, a Constituição da República Federativa do Brasil21. No Título I, dos princípios fundamentais, temos o artigo 3º, inciso II: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: II – garantir o desenvolvimento nacional.

Nesse sentido, é interessante observar o comentário de Fonseca (2003)22 em relação à

exclusão da sucessão tributária, que poderia ser aplicada por analogia à ausência de sucessão

trabalhista na recuperação judicial:

Parece-nos suficientemente demonstrado que a exclusão da sucessão tributária em hasta pública no curso do processo de falência contribui para o desenvolvimento nacional ao ensejar maior agregação de valor à empresa falida a ser vendida e promover a continuação da atividade econômica. Os benefícios ao desenvolvimento nacional estão na manutenção e possível criação de empregos, aumento das riquezas produzidas no país, no aumento de arrecadação e estímulo a investimentos internos e externos.

O artigo 37 da Constituição da República em seu caput faz menção expressa ao

princípio da eficiência na administração pública. Tal dispositivo não se presta somente à

análise dos atos administrativos, mas também à elaboração e à interpretação das normas

atinentes à atividade administrativa (FONSECA, 2003)23.

Já demonstramos que a alienação da empresa em bloco deve ser estimulada e só pode ser plenamente implantada se não houver sub-rogação pessoal do arrematante, uma vez que o risco excessivo afugenta os possíveis interessados e diminui o valor da oferta. Eficiência, no que tange à Fazenda Pública, implica maximização do valor obtido com a venda dos bens do devedor e conseqüente aumento de arrecadação efetiva.

Tal fundamentação para a ausência de sucessão tributária deverá ser aplicada também

para a exclusão da sucessão trabalhista na recuperação judicial, como meio de incentivar a

continuação dos negócios e perpetuação dos empregos. Constam também outros artigos na

Constituição da República que incentivam o princípio da preservação da empresa.

21 BRASIL. Códigos Civil: Comercial; Processo Civil; Constituição Federal/obra coletiva de autoria da Ed. Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 9. 22 FONSECA, Humberto Lucena Pereira da. Alienação da empresa na falência e sucessão tributária. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômico e Financeiro. Nova série- Ano XLII- n. 132- out.-dez. de 2003. p. 93. 23 FONSECA, op. cit. p. 93.

56

O artigo 170 da Constituição da República está inserido dentro do título VII: Da

ordem econômica e financeira, no capítulo I: dos princípios gerais da atividade econômica.

Consta do artigo 170:

Art. 170, caput: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes preceitos: III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; VIII – busca do pleno emprego [...].

Assim, por contribuir para a preservação da empresa, a exclusão da sucessão

trabalhista na recuperação judicial encontra-se em perfeita harmonia com o texto

constitucional.

Pode-se, também, deduzir do artigo 5º da Constituição da República, que se encontra

inserido dentro do titulo II: Dos direitos e garantias fundamentais, que um de seus escopos é o

da preservação da empresa, pois, no caput do artigo 5º, é assegurado o direito à propriedade.

Logo, conclui-se que uma sociedade empresária que exerce suas atividades de modo lícito

estará amparada nos termos deste dispositivo constitucional.

Verifica-se que a interpretação teleológica busca os fins colimados pela lei. Nesse

sentido, não haverá sucessão trabalhista do arrematante nas obrigações do devedor na

recuperação judicial, em decorrência da sistemática de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim que está implícito na mensagem

da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades sociais, cabe ao intérprete revelar os

novos fins que a lei tem por missão garantir (NADER, 2003)24.

A Lei de Falências e Recuperação Judicial materializa uma forma de pensamento que

ao longo dos anos já vinha se manifestando através das normas jurídicas supracitadas. O

objetivo almejado pelo legislador é o interesse na preservação e perpetuação da atividade

empresarial, devido à sua inegável importância para a sociedade. Ou seja, ressalta- se mais

uma vez, que não haverá sucessão trabalhista.

A seguir, será feita a interpretação quanto às fontes.

24 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 274.

57

3.2 A interpretação quanto às fontes

Fonte significa origem, causa (FERREIRA, 1999)25. A interpretação jurídica quanto às

fontes refere-se à origem do ato interpretativo, por exemplo, pelos órgãos jurisdicionais ou

pelos juristas em suas obras doutrinárias (SEGANFREDO, 1981)26. A interpretação pode ser

modificada de acordo com a fonte de que se origina.

Em relação às fontes, a interpretação pode ser: legislativa, jurisprudencial, doutrinal e

administrativa.

Nos próximos tópicos serão abordados os métodos de interpretação jurisprudencial,

doutrinário e administrativo.

3.2.1 Interpretação legislativa

A interpretação legislativa é chamada também de autêntica. É a que se origina do

próprio legislador através da lei. É materializada por norma jurídica (lei, regulamento, tratado

etc) que estabelece como uma determinada lei (primária) deverá ser compreendida através de

outra lei (secundária). A lei corporifica o resultado de um processo de sua elaboração e acaba

por ter obrigatoriedade na sua aplicação.

A fonte de interpretação autêntica não pode ser aplicada neste estudo. A lei em estudo,

Lei n. 11.101/2005, produto da atividade legislativa, veio substituir o Decreto – Lei n.

7.661/1945, Lei de Falências e Concordatas. Portanto, é a Lei de Falências e Recuperação

Judicial que será obrigatoriamente colocada em prática. Mesmo que a Lei n. 11.101/2005

fosse apenas explicativa, constituir-se-ia em verdadeira norma, logo esta é que deverá ser

aplicada, devido à sua obrigatoriedade. Entretanto, na prática, não há nenhuma lei posterior à

Lei n. 11.101/2005 que procure estabelecer o sentido desta. E, para finalizar, o Decreto – Lei

n. 7.661/1945 foi substituído pela Lei de Falência e Recuperação Judicial. Assim, fonte de

interpretação legislativa não constitui objeto deste estudo devido à sua impossibilidade de

aplicação, na medida em que a lei não se prestou e este método.

25 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 926. 26 SEGANFREDDO, Sonia Maria Saraiva.Como interpretar a lei: a interpretação do direito positivo. Rio de Janeiro: Rio, 1981. p. 75.

58

3.2.2 Interpretação jurisprudencial

A interpretação jurisprudencial consiste na interpretação feita pelos magistrados e

tribunais através das sentenças e acórdãos. Tem como objetivo a aplicação da lei em casos

concretos.

Nas palavras de Mata Machado (1995)27:

O termo jurisprudência pode revestir-se de três significados diferentes: os alemães usam-na para designar “ o conjunto das ciências do Direito”, jurisprudence, para os ingleses, é a “disciplina jurídica mais geral”, digamos a Teoria Geral do Direito; na França, como no Brasil, reserva-se a palavra jurisprudência para referir-se à “prática dos tribunais”, quando revestida de certa continuidade.

Os juízes devem aplicar o direito aos casos concretos, bem como dirimir conflitos que

surgem entre os indivíduos. No entanto, ao aplicar o Direito, o magistrado terá que interpretar

a norma jurídica e realizar um procedimento prévio de hermenêutica, antes de concluir qual

será a melhor norma a ser aplicada para o caso. Ressalta-se que as leis jurídicas constituem

momentos da vida que se integram na experiência humana e, a todo instante, exigem que

sejam superadas, para que sejam aplicadas em consonância com as exigências da sociedade

em determinado momento e lugar (REALE, 2002)28.

No entendimento de Gusmão (2003)29, a interpretação jurisprudencial é a mais

importante, porque é por ela que se orientam os advogados e se esclarecem os juízes em suas

dificuldades ao julgar. Declara o direito vivo.

Em relação à sucessão trabalhista do arrematante nas obrigações do devedor na

recuperação judicial de empresas, não há muitas decisões judiciais proferidas. Recentemente,

o STF julgou improcedente a ADI 3.93411 em que se pedia a declaração direta de

inconstitucionalidade dos artigos 83, incisos I e VI, letra “c” e 141, inciso II da Lei n.

27 MATA MACHADO, Edgar de Godói. Elementos de teoria geral do direito: para os cursos de introdução ao estudo do direito. 4. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1995. p. 267. 28 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 167. 29 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 232. 11 ADI 3934-2/600 (Medida Liminar). O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, vencidos. Os Senhores Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que a julgavam parcialmente procedente nos termos de seus votos. Data do julgamento final: plenário: 27/05/2009.Disponível em: <http://www;stf.jus.br>. Acesso em: 21 jul. 2009.

59

11.101/2005. O que ocorre é que a situação é nova, porque a lei é relativamente nova no

ordenamento jurídico brasileiro, e o tema até então foi pouco discutido nos tribunais.

O primeiro caso debatido nos tribunais em relação à existência ou não da sucessão

trabalhista foi o da Varig.

Em breve síntese relata-se o ocorrido. Com fundamento na nova Lei de Falências e

Recuperação Judicial, o juiz titular da 33ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro entendeu que

havia a sucessão trabalhista do arrematante (Varig Log) de empresa em recuperação judicial

(Varig S.A), a aplicabilidade dos acordos coletivos e, em sede de antecipação de tutela, o

bloqueio de R$ 244.457.839,12 (duzentos e quarenta e quatro milhões, quatrocentos e

cinquenta e sete mil, oitocentos e trinta e nove reais e doze centavos) por meio do sistema on

line (bacen jud) para a garantia do pagamento dos valores devidos aos empregados da

sucedida.

A sentença foi proferida nos autos de ações civis públicas12 conexas propostas pelo

Sindicato Nacional dos Aeronautas, Associação dos Comissários da Varig, Associação dos

Mecânicos da Varig, Associação dos Pilotos do Nordeste, Sindicato dos Aeronautas do

Município do Rio de Janeiro e Ministério Público do Trabalho.

O provimento antecipatório foi sustado, em decisão monocrática, pelo Ministro Ari

Pargendler na Reclamação número: 2281 no Superior Tribunal de Justiça.

A Associação dos Comissários da Varig–Apvar e outros suscitaram no Supremo

Tribunal Federal conflito de competência entre o Ministro do STJ e o Juiz Titular da 33ª Vara

do Trabalho do Rio de Janeiro, cujo seguimento foi negado pelo Ministro Relator Joaquim

Barbosa, decisão que foi atacada por meio de agravo regimental no dia 20 de setembro de

2006. O parecer da procuradoria-geral da república foi pelo desprovimento do agravo.

O conflito de competência, número 7404, não foi julgado até a presente data. Os autos

estão conclusos com o relator desde o dia 26 de outubro de 2006 no Supremo Tribunal

Federal.

Até então, o caso da Varig em que se discutia a questão da sucessão trabalhista do

arrematante nas obrigações do devedor, foi o único que teve grande repercussão.

É interessante observar o comentário de Coelho (2006)30:

12 A sentença foi proferida nos autos da ação civil pública: 1053-2006-033-01-00-7, conexas propostas pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas, Associação dos comissários da Varig, Associação dos mecânicos da Varig, Associação dos pilotos da Varig, Associação dos pilotos do nordeste, Sindicato dos aeronautas do município do Rio de Janeiro e Ministério Público do Trabalho. 30 COELHO, Fábio Ulhoa. Os valores do direito comercial e a autonomia do judiciário. Revista da Escola Nacional da Magistratura, Brasília, ano 1, n. 2. p. 82-89, 2006. p. 84.

60

[...] Ninguém apresentou proposta na primeira fase, em que havia um valor mínimo a ser respeitado. Na segunda, um solitário lance foi feito. Deu-o TGV (Trabalhadores do Grupo Varig), uma entidade criada em 2003 por algumas das associações de pilotos, comissários e outros empregados da empresa em crise. A proposta foi recebida com ceticismo, mesmo pelos mais ardorosos defensores da sobrevivência da Varig a qualquer custo.

O malogro da hasta judicial surpreendeu ingênuos e otimistas (embora muitas vezes me indague se, no enfretamento das questões de direito comercial, pode haver otimismo sem ingenuidade...). Afinal, diversas empresas de transporte aéreo haviam, desde a semana anterior, se habilitado a participar do leilão, pagando para tanto a nada módica taxa de R$ 60.000,00. TAM, Gol, Oceanair e Brooksfield podiam apresentar propostas, mas não o fizeram. Mesmo a TGV não parecia tão segura dos seus objetivos: o envelope dela chegou à mesa no último minuto do prazo para os lances livres.

[...] Nunca antes do frustrado leilão da Varig se pôde exemplificar com tanta felicidade o impacto negativo que a instabilidade do marco institucional produz nos investimentos. Quem sustenta que as decisões judiciais desconformes com o direito positivo acabam afastando investidores da economia brasileira nem sempre é bem compreendido porque lhe faltava uma prova histórica, uma situação de fato em que essa relação se materializasse de modo claro.

No Brasil, há um sério problema legislativo no sentido de que praticamente quase

todas as leis elaboradas pelo Poder Público geram margens a discussões: se devem ou não ser

aplicadas, qual a melhor hermenêutica para aquele caso em concreto, se é constitucional ou

não, dentre outros argumentos. Assim, é evidente que acaba gerando incertezas jurídicas e,

consequentemente, acaba gerando reflexos na economia.

Não há como negar que a legislação jurídica influencia direta ou indiretamente a

economia do país. Foi exatamente o que ocorreu no caso da Varig. A Lei n. 11.101/2005 foi

elaborada para incentivar sobretudo o princípio da preservação da empresa. No momento em

que a legislação deveria ser aplicada, principalmente como uma forma de exemplo para

situações futuras semelhantes, acabou causando discussões no meio jurídico. Resulta, daí, que

o adquirente computa como sua responsabilidade a dívida de seu antecessor, e um

determinado negócio, que a princípio seria interessante, passa a não ser mais. O empresário

perde o interesse em adquirir e continuar com as atividades da recuperanda.

Coelho (2006)31 ressalta, ainda, que a imprensa havia publicado que uma das

habilitadas mais entusiasmada com o negócio desistiu de oferecer qualquer lance com medo,

especificamente, da sucessão trabalhista. Nenhum outro motivo a afastou.

O Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu a questão do conflito de competência,

qual será o órgão competente para julgar a causa. Quem realmente for decidir se caberá ou

não a sucessão trabalhista do arrematante deverá sopesar os prós e contras. Mas

31 COELHO, Fábio Ulhoa. Os valores do direito comercial e a autonomia do judiciário. Revista da Escola Nacional da Magistratura, Brasília, ano 1, n. 2. p. 82-89, 2006. p. 85.

61

principalmente não se pode olvidar que o País necessita da criação de empregos para atender

às necessidades da população!

Nas palavras de Mandel (2005)32:

Resta saber se a nova legislação será respeitada, ou se será letra morta em algumas décadas. Bastará que um credor fiscal ou trabalhista consiga em uma ação judicial responsabilizar o comprador de uma filial do devedor pelas dívidas fiscais deste para que o instituto perca eficácia por falta de segurança jurídica.

Tendo em vista que são publicados editais e a venda é pública, o credor discordante deve impugnar a venda antes que ela ocorra ou nos momentos oportunos posteriores, e não tratar de responsabilizar o comprador de boa-fé por uma dívida que ele não gerou e não assumiu, nos termos da lei específica.

Recentemente, algumas decisões começaram a ser prolatadas pelos tribunais. Foi

proferida uma decisão no Superior Tribunal de Justiça em 25 de junho de 2008 com relação à

penhora de bens de empresa pertencente ao mesmo grupo econômico na recuperação

judicial13:

Ementa: Agravo regimental. Conflito de competência não conhecido. Recuperação Judicial da controladora. Penhora de bens de empresa pertencente ao mesmo grupo econômico. Execução trabalhista. 1.se os ativos da empresa pertencente ao mesmo grupo econômico não estão abrangidos pelo plano de recuperação judicial da controladora, não há como concluir pela competência do juízo da recuperação para decidir acerca de sua destinação. A recuperação judicial tem como finalidade precípua o soerguimento da empresa mediante o cumprimento do plano de recuperação, salvaguardando a atividade econômica e os empregos que ela gera, além de garantir, em última ratio, a satisfação dos credores.

2, Agravo regimental desprovido. (GRIFO NOSSO).

O Superior Tribunal de Justiça, no conflito de competência14 nº 68.173-SP

(2006/0176543-8), decidiu pela competência da 3ª Vara de Matão/SP para decidir acerca do

patrimônio da empresa recuperanda. Vale a pena ressaltar alguns dos argumentos proferidos

no relatório:

É que existem dois valores a serem ponderados, a manutenção ou tentativa de soerguimento da empresa em recuperação, com todas as conseqüências sociais e econômicas dai decorrentes (como, por exemplo, a manutenção de

32 MANDEL, Julio Kanhan. Nova Lei de falências e recuperação de empresas anotada: Lei 11.101/2005. São Paulo: Saraiva: 2005. p. 133. 13 Ag.Rg no CC 86594/SP. Agravo Regimental no conflito de competência 2007/0138668-0. Relator (a) Ministro Fernando Gonçalves (1107). Órgão julgador – Segunda Seção. Data do Julgamento: 25/06/2008. Superior Tribunal de Justiça. 14 Conflito de competência nº 68.173/SP (2006/0176543-8). Ministro relator: Luis Felipe Salomão. DJ: 04/12/2008. Disponível em: <http:// www. stj.gov. br>. Acesso em: 31 jul. 2009.

62

empregos e o giro comercial da recuperanda), e, de outro lado, o pagamento dos créditos trabalhistas reconhecidos perante a justiça laboral.

No caso, diante do conflito aparente, o valor que prepondera é o da preservação da empresa, até mesmo para, depois, se levantar recursos para o pagamento dos empregados. Permitir que "cada um defenda o seu crédito" implica colocar abaixo o princípio nuclear da recuperação, que é o do soerguimento da empresa, a par de colocar em risco o princípio da "par conditio creditorum"

Por fim, é importante ressaltar que, no Direito do Trabalho, a jurisprudência é fonte do

Direito, conforme consta do artigo 8º, caput, da CLT:

As autoridades administrativas e a justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência , por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.(GRIFO NOSSO).

Somente o tempo para nos dizer qual será o caminho que os tribunais irão seguir. No

entanto, será necessária muita cautela ao decidir tal questão, pois, conforme já mencionado, a

nova Lei de Falências e Recuperação Judicial poderá se tornar letra morta, caso não seja

respeitada. Entretanto, verifica-se uma tendência dos tribunais em preservar a Lei n.

11.101/2005 para que possa alcançar os objetivos para a qual foi criada.

No próximo tópico será abordada a interpretação doutrinal.

3.2.3 Interpretação da doutrina

É a interpretação feita pela doutrina. É chamada de doutrinária ou científica. Os

estudiosos do Direito interpretam a lei e dizem qual a melhor norma a ser aplicada para o caso

em questão.

É uma interpretação que não é obrigatória, assim como a jurisprudencial. No entanto, é

muito respeitada, pois muitas vezes orienta e até mesmo esclarece questões controvertidas.

Isso ocorre, principalmente, quando é um doutrinador que goza de certa respeitabilidade no

campo acadêmico e jurídico.

63

Nas palavras de Gusmão (2003)33: entende-se por interpretação doutrinal a dada pelos

juristas, em suas obras, com espírito científico. Não tem ela força de lei, apesar de os

tribunais, em regra, respeitarem-na.

Para Nader (2003)34:

A ciência do direito proporciona resultados práticos no setor da legislação, dos costumes, na atividade judicial e no ensino do Direito. A doutrina se desenvolve apenas no plano teórico, oferecendo valiosos subsídios ao legislador, na elaboração dos documentos legislativos.

Muitas vezes, antes de ocorrer inovação de uma norma jurídica é a doutrina a

responsável por compreender e divulgar pensamentos novos que atendem aos anseios da

sociedade. A elaboração de uma lei, às vezes, demora muito tempo, como por exemplo, a Lei

n. 11.101/2005, que só na Câmara dos Deputados tramitou por aproximadamente dez anos.

Então, a doutrina exerce o seu papel no sentido de demonstrar qual a melhor interpretação a

ser aplicada para aquele momento. Principalmente no Direito Empresarial, os empresários

necessitam de respostas rápidas para os seus problemas. O mundo dos negócios não

acompanha a lentidão do Poder Judiciário brasileiro e muito menos do Poder Legislativo. É,

por isso, que a doutrina tenta suprir essa lacuna.

Antes de mencionar a posição doutrinária em relação ao tema da sucessão trabalhista

na recuperação judicial, é importante esclarecer que no Direito existem dois ramos jurídicos

praticamente “opostos” em termos de opinião: o Direito Trabalhista e o Direito Empresarial.

Nesse sentido, observa-se o comentário de Tepedino (2002)35:

A doutrina comercialista, de forma uníssona, aponta para que todos os esforços sejam desenvolvidos em favor da preservação da empresa, e, com isso, dos empregos diretos e indiretos que ela gera, dos tributos que recolhe e da circulação de riquezas que propicia.

Cada ramo jurídico possui um enfoque diferente em relação ao Direito. O Direito

Trabalhista tem o objetivo de proteger o trabalhador hipossuficiente, enquanto o Direito

Empresarial, de um modo geral, privilegia os interesses do empresário.

Sendo assim, serão expostas as duas visões e seus argumentos em relação ao assunto

que está sendo discutido.

33 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.p. 232. 34 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 177. 35 TEPEDINO, Ricardo. A recuperação da empresa em crise diante do Decreto – Lei 7.661/1945. Revista de direito Mercantil: industrial, econômico e financeiro. Nova série – Ano XLI – n. 128 – out.- dez.de 2002. p. 166.

64

Na opinião de Jorge Lobo (2007)36:

Por fim, observe-se que a LRE prevê, taxativamente, que o arrematante não será responsável, como sucessor, das dívidas trabalhistas, de acidentes de trabalho, fiscais, previdenciárias, comerciais, civis etc., salvo se o arrematante for: a) sócio da controladora ou da sociedade em recuperação judicial; b) “parente, em linha reta ou colateral até o quarto grau, consangüíneo ou afim”, do devedor em processo de recuperação judicial; c) “testa-de-ferro” do devedor “com o objetivo de fraudar a lei ” (incisos I a III, do § 1º, do art. 141 da LRE e LC n. 118, de 9-2-2005, art. 1º, que deu nova redação ao art. 133, § § 1º e 2º do CTN).

Nesse sentido é também o posicionamento de Munhoz (2005)37:

Uma das inovações mais importantes da lei atual é a de desonerar de todos e quaisquer ônus e obrigações a alienação de filiais ou unidades produtivas do devedor no processo de falência ou de recuperação. A sucessão das obrigações trabalhistas e, sobretudo, das tributárias, no sistema anterior, inviabilizava a manutenção da unidade produtiva (da empresa) viável nas mãos de terceiro, em detrimento do interesse dos trabalhadores e credores (inclusive o próprio fisco) do devedor anterior.

Ressalta-se, também o entendimento de Coelho (2005)38:

Quando necessária à reorganização econômica do devedor-e, por isso, prevista no plano de recuperação judicial, a alienação em juízo do estabelecimento empresarial passível de distinção como filial ou unidade produtiva isolada não acarreta a sucessão. Isto é, o arrematante não pode ser cobrado pelas dívidas do alienante requerente da recuperação judicial.

Aparentemente, trata-se de medida contrária aos interesses dos credores, mas, de verdade não é. Se a lei não ressalvasse de modo expresso a sucessão do adquirente, o mais provável é que simplesmente ninguém se interessasse por adquirir a filial ou unidade produtiva posta à venda. E, nesse caso, a recuperação não seria alcançada e perderiam todos os credores [...]

Face aos argumentos acima expostos, fica evidente o posicionamento da doutrina

empresarial. Diferentemente é o que ocorre na doutrina trabalhista.

Na visão trabalhista, a Lei de Falências e de Recuperação Judicial ultrapassou os

limites da sua competência legislativa ao avançar no campo trabalhista e confrontar suas

normas (ORTIZ, 2005)39.

36 JORGE LOBO, Joaquim. Da assembléia-geral de credores; seção IV. In: TOLEDO, Paulo F.C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.91-202, p. 186. 37 MUNHOZ, Eduardo S. Do procedimento de recuperação judicial. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO. Antonio Sérgio A. de Moraes. (Org.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p. 11-670, p. 294. 38 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de falências e de recuperação de empresas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 172. 39 ORTIZ, Patrícia Manica. Sucessão trabalhista: consequências nas relações de trabalho. São Paulo: IOB

65

Para os doutrinadores trabalhistas, a legislação trabalhista já possui dispositivo

específico regulamentando sobre a questão, artigos 10 e 448 da CLT. Nesse sentido é o

comentário de Giuliani (2005)40 ao afirmar sobre a elisão da responsabilidade trabalhista do

sucessor, fazendo tabula rasa do sistema instituído pela consolidação das Leis Trabalhistas

(CLT) há mais de meio século.

Para Delgado (2006)41, haverá sucessão trabalhista na recuperação judicial de

empresas:

À medida que os créditos dos empregados (trabalhistas e acidentários) têm absoluta preponderância na ordem jurídica, em face dos princípios constitucionais da prevalência do valor-trabalho, da dignidade da pessoa humana e da subordinação da propriedade à sua função social, torna-se inviável, tecnicamente, proceder-se à interpretação extensiva de regras infraconstitucionais agressoras de direitos constitucionalmente assegurados.

Em que pese um forte e respeitoso posicionamento doutrinário que defenda a sucessão

trabalhista na recuperação judicial, no presente estudo, conclui-se por discordar de tal posição.

O arrematante na recuperação judicial estará excluído da responsabilidade da sucessão

trabalhista.

No próximo tópico será demonstrada a interpretação administrativa.

3.2.4 Interpretação administrativa

É a que se origina dos órgãos da administração pública. São os despachos, decisões,

circulares, portarias, instruções ou regulamentos das autoridades administrativas que indicam

a maneira como devem ser compreendidas as leis a que se referem (GUSMÃO, 2003)41.

A procuradoria geral da fazenda nacional emitiu parecer em junho de 2006, abordando

a questão da alienação judicial de unidade produtiva isolada no plano de recuperação judicial

da Varig na sucessão tributária. O parecer foi pela inocorrência:

Thomson, 2005. p. 123. 40 GIULIANI, Ivani Martins Ferreira. Inconstitucionalidades da lei de recuperação de empresas e da lei complementar n. 118, de 2005. Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 70, n. 5, p.585-589, maio 2006. p. 587. 41 DELGADO, Mauricio Godinho.Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 419. 41 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 232.

66

Nessa ordem de considerações, as modalidades de alienação contempladas no Plano de Recuperação Judicial da VARIG S.A., tal como estipulada na consolidação de seu Plano de Recuperação Judicial consolidado aos 08 de maio de 2006, encontram-se albergadas pelos artigos 60 e 133, § 1º, II, da Lei de Falências e Recuperação Judicial e do CTN, respectivamente, não havendo que se falar aprioristicamente em sucessão tributária.

A inocorrência da sucessão tributária na recuperação judicial, de acordo com o

parecer, poderá ser aplicada, por analogia, à sucessão trabalhista na recuperação judicial. De

acordo com Bobbio (1995)42, a interpretação analógica se funda num raciocínio por analogia.

Mas para que tal raciocínio seja exato, é necessário que haja uma semelhança relevante. E

continua43:

No caso da interpretação analógica, quando é que entre o caso regulado por uma norma e o caso ao qual é estendida a disciplina de tal norma existe semelhança relevante? A doutrina responde que tal semelhança existe quando os dois casos apresentam a mesma ratio legis, isto é, quando o elemento que induziu o legislador a dar ao primeiro caso uma certa disciplina jurídica se encontra também no segundo caso ( por exemplo, o elemento que induz um legislador a proibir a venda de livros obscenos é a obscenidade; tal norma não pode se estender aos livros policiais porque estes não têm em comum com os primeiros o elemento que é a ratio legis; mas tal norma pode estender aos discos obscenos, porque estes têm em comum com os livros obscenos o elemento que funda a ratio legis). A comunhão da ratio legis entre os dois casos representa, portanto, no campo do direito, aquela comunhão da razão suficiente que torna legítimo o raciocínio por analogia.

No caso em tela pode-se dizer que a ratio legis do legislador foi o objetivo da

preservação e perpetuação da empresa, conforme consta no artigo 47 da Lei de Falências e

Recuperação Judicial. Nesse sentido o parecer16 menciona:

O artigo 47 da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 traz verdadeiro vetor exegético das normas contidas no Estatuto da Recuperação, ao dispor que a “recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Ergo, os dispositivos legais que disciplinam a recuperação empresarial devem ser lidos e entendidos sob essa ótica, interpretando-se sob o seu influxo normativo os instrumentos postos à disposição dos órgãos de recuperação.

42 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito; compiladas por Nello Morra e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 218. 43 BOBBIO, op. cit.,p. 218. 16 Anexo A -Parecer PGA/ PGF: 2. Fundamentação, p. 3. Brasília/DF, 7 de junho de 2006.

67

Se a alienação for efetivada de acordo com o plano de recuperação judicial, o qual foi

previamente aprovado judicialmente, não há que se falar, a princípio, em sucessão tributária

ou trabalhista, a não ser que fique caracterizada alguma das hipóteses estipuladas na lei como

fraudulentas.

Pode-se mencionar que, para a interpretação administrativa por analogia, não haverá

sucessão trabalhista na recuperação judicial, conforme os argumentos acima expostos.

68

4 PRINCÍPIO PRO MERCATORE

O princípio pro mercatore diferencia o Direito Empresarial dos demais ramos do

Direito. É o que o torna um ramo independente dos demais, inclusive do Direito Civil.

A explanação desse princípio é consequência da evolução da teoria subjetiva e

objetiva do Direito Comercial, que resultou, consequentemente, na teoria subjetiva moderna,

a adotada atualmente. Após a compreensão de tais teorias, é possível entender que a tutela do

Direito Empresarial é o empresário. Para que isso ocorra, é necessário que haja normas

jurídicas protetivas da atividade empresarial as quais sejam capazes de incentivar a atividade

econômica e empresarial. Neste sentido, veio a Lei n. 11.101/2005 que, em seus dispositivos,

incentiva a perpetuação da atividade empresarial. Tais teorias serão abordadas a seguir.

4.1 Teoria subjetiva

Neste sistema, o comerciante ocupa o primeiro lugar. O foco do Direito Comercial é,

essencialmente, o direito do comerciante ou da profissão mercantil e, apenas eventualmente, o

direito do ato de comércio (BORGES, 1976)1

Surge na Idade Média dentro das Corporações de Ofício, que acabaram por criar suas

próprias leis e jurisdição particulares, como um direito de classe. É nesse período histórico

que o Direito Comercial começa a se firmar como verdadeiro ramo do direito.

Nas palavras de Requião (2003)2:

Temos, nessa fase, o período estritamente subjetivista do direito comercial a serviço do comerciante, isto é, um direito corporativo, profissional, especial, autônomo, em relação ao direito territorial e civil, e consuetudinário. Como o comércio não tem fronteiras, e as operações mercantis se repetem em massa, transpira nítido o seu sentido cosmopolita.

O direito comum não satisfazia mais às necessidades dos comerciantes, pois, devido à

influência do direito romano, era muito formal e acabava por não atender às soluções exigidas

pelas relações comerciais.

1 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 96. 2 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 11.

69

Assim, os comerciantes passaram a se organizar e criaram um direito costumeiro que

era aplicado internamente na corporação por juízes eleitos pelas suas assembleias: era o juízo

consular, ao qual tanto deve a sistematização das regras de mercado (REQUIÃO, 2003)3. Os

cônsules adquiriram uma função semelhante a de um magistrado da atualidade, pois

solucionavam não apenas as questões que eram apresentadas, mas também tinham o poder,

inclusive, de punir os culpados (MARTINS, 2007)4.

As regras que os cônsules aplicavam eram escritas nos Estatutos das cidades. Essas

normas acabaram por adquirir um caráter internacional e regulamentavam as feiras de

comércio. Foi nesse período em que surgiram vários institutos do direito comercial e, ao

mesmo tempo, o incremento das normas já existentes.

Visava a assegurar o privilégio da classe burguesa, bem como o oligopólio da

profissão. As cidades em que o comércio estava bem desenvolvido copilaram os costumes

mercantis nos seus Estatutos (MARTINS, 2007)5. Persistiu até o advento do Código

Comercial, promulgado por Napoleão em 15 de setembro de 1.807, mas que entrou em vigor

no dia 1º de janeiro de 1.808.

O Código Comercial Francês, que é conhecido também como o Código Napoleônico,

não inovou o ordenamento jurídico. Consistia, apenas, em uma compilação das normas já pré-

existentes, no entanto exerceu grande influência nas legislações, principalmente nas dos povos

latinos.

Como conseqüência da expansão da autoridade e jurisdição das corporações de

comércio, passou-se a adotar o conceito de ato de comércio, nascendo a teoria objetiva.

4.1.1 Teoria objetiva

Tem como marco o Código Napoleônico, após a Revolução Francesa, que adotou o

conceito objetivo e se estruturou na teoria dos atos de comércio. Explicando esse fato,

Requião (2003)6 acrescenta que:

3 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 11 4 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 8. 5 MARTINS, op. cit., p. 9. 6 REQUIÃO,op. cit. p. 12.

70

[...] os legisladores do Império punham-se a serviço dos ideais da Revolução Francesa, de igualdade de todos perante a lei, excluindo o privilégio de classe. Não se concebia, diante dessa filosofia política, um código destinado a garantir, numa sociedade fundada sobre o princípio da igualdade de todos perante a lei , prerrogativas e privilégios dos mercadores.

Nesse contexto da revolução francesa, torna-se insustentável a existência das

corporações. A Lei Le Chapelier, em 1791, proibiu qualquer tipo de associação profissional e

declarou a liberdade do trabalho e do comércio.

No entanto, há quem afirme que o Código francês de 1.807 já nasceria ultrapassado,

pelo fato de reproduzir, parcialmente, o direito anterior e, também, apresentara lacunas.

Todavia, teve a virtude de construir um sistema objetivo que era baseado na teoria dos atos de

comércio (DORIA, 1994)7.

A teoria dos atos de comércio consiste na enumeração em lei de cada um dos atos

considerados importantes e, assim, os empresários passam a gozar de privilégio da lei

mercantil. Visa a proteger os atos de comércio, o que é importante para a sociedade e não,

para o empresário em si. Essa teoria foi responsável por orientar a elaboração do Código

Comercial de 1850. De acordo com essa teoria, o comerciante passou a ser caracterizado

como aquele que realiza a prática de determinados atos de comércio com habitualidade.

Passaram a ser considerados comerciantes, por expressa disposição legal, embora, na

realidade, não fossem comerciantes.

Não se podem olvidar as severas críticas feitas a essa teoria. Nos dizeres de Requião

(2003)8:

O sistema objetivista, que desloca a base do direito comercial da figura tradicional do comerciante para a dos atos de comércio, tem sido acoimado de infeliz, vez que até hoje não conseguiram os comercialistas definir satisfatoriamente o que sejam eles.

O critério usado para conceituar o Direito Comercial como o que ampara os atos de

comércio não pode ser aceito, porque os atos de comércio carecem de uma caracterização

científica, no entendimento de Martins (2007)9.

Pelo fato de essa teoria não possuir base científica, perdeu credibilidade no meio

jurídico. Com o desenvolvimento do capitalismo, foi necessário criar uma nova visão do

7 DÓRIA, Dylson. Curso de direito comercial. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. v. 1. p. 21. 8 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p. 13. 9 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 26.

71

direito comercial. O empresário passou a sustentar o Estado democrático de direito, e ao

Estado interessa quantidade e não, qualidade.

Um novo conceito precisava ser criado. Nasceu, assim, o conceito subjetivo moderno.

4.1.2 Teoria subjetiva moderna

A teoria objetivista não mais atendia às necessidades da época e da sociedade para a

qual fora criada. Era necessário um novo sistema que pudesse satisfazer às necessidades da

nova sociedade que se desenvolvia cada vez mais com o incremento do capitalismo. Requião

(2003)10 acrescenta que:

[...] Novos paradigmas cresceram na cena econômica. J. B. Say pôs em destaque, nos princípios do século XIX, uma das novas figuras – o empresário. O economista francês havia ampliado, no Continente, as noções econômicas sustentadas por Adam Smith, acentuando, a par da agricultura, a importância dos capitais para a exploração das forças produtivas da natureza. Ao lado desses capitais situa-se a figura do empresário, até então desconhecida.

O Direito Empresarial passa a retomar o seu foco para o empresário -In dúbio pro

empresário-, visando a assegurar o privilégio de uma classe social.

O Código Civil, Lei n. 10.406/2002, adotou essa corrente, tanto que nomeou o Livro II

de: Do direito de empresa. O empresário passa a ser pessoa natural ou jurídica. O artigo 966

do Código Civil de 2002 dispõe sobre o conceito de empresário: “considera-se empresário

quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a

circulação de bens ou serviços”.

Esse dispositivo é ramo do direito privado, no qual se insere o Direito Empresarial. No

entanto, ele se difere de outros ramos jurídicos, principalmente do Direito Civil. O Direito

Empresarial também tem os seus princípios basilares que o direcionam na aplicação de suas

normas. Eles consistem na aplicação de alguns elementos que podem variar de autor para

autor, mas os principais são:

a) Profissionalismo: é a pessoa natural ou jurídica que exerce com

habitualidade uma atividade extraindo dela as condições necessárias para

se estabelecer e se desenvolver.

10 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p.14.

72

b) atividade econômica: Animus lucrandi, buscando obter o lucro. Essencial é

a intenção do lucro e não o lucro (senão jamais haveria falência). É uma

intenção subjetiva, de querer alcançar o lucro.

c) organização: organiza o trabalho alheio, segundo uma corrente. Para outra,

a organização é fator de produção: capital, trabalho (que pode ser o seu,

próprio trabalho), atividade.

d) produção ou circulação de bens ou serviços: não poder ser para mero

deleite, tem que ser para suprir o mercado (ainda que o mercado seja

constituído por um único empresário).

e) cosmopolita: o direito empresarial tende a se universalizar, inclusive suas

normas.

f) individualismo: as regras do direito empresarial inspiram-se em acentuado

individualismo porque o lucro está diretamente vinculado ao interesse

individual (REQUIÃO, 2003)11.

g) informalismo: as expectativas do mundo dos negócios é que haja celeridade

nas transações comerciais. Assim, o direito empresarial muitas vezes tenta-

se adequar à realidade com procedimentos menos formais que os do direito

comum. Esse princípio condiz com a exigência do ritmo empresarial,

embora não se possa olvidar do espírito do Código Civil brasileiro de 2002,

que exige boa-fé nos contratos. E, há, também, o artigo 107 que menciona:

“a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial,

senão quando a lei expressamente a exigir”

h) fragmentarismo: o direito comercial é extremamente fragmentário. Não

forma um sistema jurídico completo, mas um complexo, de normas que

deixa muitas lacunas (REQUIÃO, 2003)12.

i) solidariedade presumida: tem o objetivo de ampliar a margem da

solvabilidade dos contratos sociais. Nas palavras de Requião (2003)13: a

tutela do crédito e a segurança na circulação dos bens, dada a celeridade

das operações realizadas em massa, importa muitíssimo ao direito

comercial. Entretanto, de acordo com o dispositivo 265 do CC: A

solidariedade não se presume, resulta da lei ou da vontade das partes. Essa

11 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1. p.32. 12 REQUIÃO, op.cit. p.32. 13 id., 2003. p.32.

73

regra no direito brasileiro é aplicada tanto para o direito empresarial quanto

para o direito civil. Não é específica do direito empresarial, embora seja útil

para as relações comerciais.

De acordo com a norma do artigo 966, parágrafo único, a sociedade simples está

excluída. É a maneira pela qual o lucro é obtido, poderá haver lucro. O fator de distinção é a

ética e não depende do número de colaboradores, salvo se o trabalho intelectual for elemento

de empresa. Empresa pode ser definida como o conjunto de elementos, dentre os quais se

destacam o capital, o trabalho e a atividade organizada para gerar lucro. Empresa é o objeto

de direito, enquanto empresário é o sujeito, titular do direito, pessoa natural ou jurídica.

Se o trabalho intelectual estiver inserido na área–meio, a atividade será empresarial. Se

estiver inserido na atividade-fim, será sociedade simples, presta serviço intelectual, conforme

o parágrafo único do artigo 982 do CC – cooperativa, artigo 971 do CC ruralista (que pode

optar por ser empresário ou sociedade simples; ressalta-se que é o único que tem o direito de

escolha).

Vivante1 propôs a unificação do direito privado com o público.

Rocco2 defendeu o contrário. Não pode haver unificação do direito privado devido à

diferença do estado de espírito. A ética do indivíduo é diferente da ética do empresário. É por

isso, que o servidor público, o clérigo, juízes, promotores, militares, por exemplo, são

proibidos de exercer a atividade empresarial, pois não podem absorver a ética empresarial.

Uma exceção é o falido (até sentença). De acordo com esse pensamento, conclui-se que os

princípios que são aplicados no Direito empresarial lhe são peculiares.

Daí, porque não se devem mesclar regras de dois ramos totalmente diferentes, como

no caso em questão do direito do trabalho e do direito empresarial. Na prática, cada ramo

1 Pertencem a Teixeira de Freitas as honras e merecimento de ter sido o precursor do movimento unificador, que só mais tarde desabrochou na Europa. [...] Tornou-se, realmente, Cesare Vivante o lidador magnífico do movimento. Produziu sua iniciativa o milagre de provocar, em todos os países, adesões entusiastas e repulsas veementes, propiciando literatura variada e abundante, que veio a se refletir como que de torna viagem, no Brasil. ( FERREIRA, 1960. v. 1. p. 165-166). 2 Nota: No direito privado compreendem-se as duas zonas, o direito civil e o direito comercial, cada qual com o seu objeto legalmente especializado; mas, havendo âquele precedido historicamente a este, acumulou em si o fundo comum de todas as noções, que servem de base ou de materiais para as construções jurídicas. Veio ele, assim, a assumir nesse particular o caráter de pressuposto do direito comercial. Fenômeno idêntico observa-se relativamente a outros direitos autônomos, como o direito público, o direito administrativo e outros. O Professor ALFREDO ROCCO explica muito bem que autonomia científica não significa isolamento científico. Citação tirada do livro: MENDONÇA, 1963. v. 1. p. 30).

74

surgiu com o intuito de proteger e defender o interesse de cada classe que estava diretamente

envolvida. É importante verificar a observação de Delgado (2006)14:

Em conclusão, para a Ciência do Direito os princípios conceituam-se como proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a ele se reportam, informando-o.

Nesse sentido, é importante ressaltar o posicionamento de Gontijo (2004)15:

Conquanto na exegese do Direito Empresarial se aplique o procedimento interpretativo geral, há que se atentar para uma especificidade do ramo: ele existe para a tutela dos interesses e a regulamentação das relações jurídicas de uma classe, qual seja a empresarial. [...] Destarte, como ocorre no Direito do Trabalho para com as relações de emprego, no Direito Empresarial se protegem, ou, pelo menos se deveriam proteger, as relações empresariais. O foco da tutela deve ser este e, mais especificamente, a tutela do empresário e da empresa.

É primordial compreender que o foco do direito empresarial é o empresário. Logo,

suas normas, ao serem aplicadas, devem priorizar a razão de sua existência, que é a

preservação da empresa. “Assim, o Direito Empresarial faz retornar ao seu eixo histórico a

tutela dos empresários, de suas relações e da própria empresa, buscando o desenvolvimento

do País” (GONTIJO, 2004)16.

Consequentemente defende-se que Lei de Falências e Recuperação Judicial é um

instrumento posto à disposição do empresário para que suas atividades empresarias possam

ter continuidade quando estiver passando por um momento de crise econômico-financeira.O

argumento a favor da sucessão trabalhista na recuperação judicial em que se menciona a falta

de vinculação na destinação da alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas não

procede. É o que será abordado no próximo tópico.

4.2 Recuperação da empresa em Juízo

14 DELGADO, Mauricio Godinho.Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2006. p. 187. 15 GONTIJO, Vinícius José Marques. O empresário no código civil brasileiro. Revista de Julgados TAMG , Belo Horizonte, v. 94, p. 17-36, jan./mar. 2004. p.30. 16 GONTIJO, op.cit. p. 30.

75

Para que a recuperação judicial possa ser concedida a uma determinada empresa, é

necessário preencher os requisitos legais e não estar impedida. Ressalta-se que não é fácil

preencher todos os requisitos e procedimentos exigidos pela Lei de Recuperação Judicial e

Falência. Ou seja, não será toda e qualquer empresa que conseguirá obter o benefício dado

pela Lei n. 11.101/2005. A ausência de fraude e o próprio procedimento de aprovação do

plano de recuperação judicial constituem requisitos para a ausência da sucessão trabalhista na

recuperação judicial.

O artigo 48 da Lei n. 11.101/2005 traz várias exigências legais afim de que o devedor

possa requerer a recuperação judicial. O devedor tem que estar no ramo há mais de dois anos

de forma regular, não pode ser falido e nem ter sido condenado por crime falimentar. E, no

caso da recuperação judicial, não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de

recuperação judicial (contados a partir da concessão).

Há credores e proprietários de bens que não se sujeitam ao plano de recuperação

judicial, conforme o artigo 49, § 3º da LF. É um benefício, pois essas pessoas devem ser

pagas imediatamente. Ressalta-se que o artigo 49, § 4º da LF, remete o operador do direito ao

artigo 86, II, da LF decorrente de adiantamento de contrato de câmbio para exportação,

também não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial.

O artigo 50 da LF enumera alguns meios que podem ser usados como recuperação

judicial, enquanto o artigo 51da LF trata dos requisitos da petição inicial, dentre eles, a

explicação do devedor sobre qual é a crise da empresa e a apresentação de todos os

documentos exigidos nesse item.

Se o juiz indeferir, o processamento da recuperação judicial será convolado em

falência. Essa decisão deverá ser analisada em conjunto com o artigo 6º da LF, pois, caso seja

deferida a recuperação, ocorrerá a suspensão das ações em andamento por 180 dias, com

exceção das ações tributárias (o credor tributário não se sujeita a recuperação), reclamações

trabalhistas e obrigações ilíquidas. O que é suspenso são as execuções.

O devedor terá o prazo de 60 dias da publicação que deferir o processamento da

recuperação para apresentar sua proposta (artigo 53 da LF), que deverá conter:

I- discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados [...]; II- demonstração de sua viabilidade econômica; e, III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

76

Tais exigências mostram que a concessão do plano é fundada em requisitos objetivos,

e há necessidade de estudo de viabilidade de mercado para a continuação dos negócios.

Para que ocorra a concessão do plano, há alguns limites impostos no artigo 54 da LF,

que não poderá prever prazo superior a um ano para pagamento de qualquer crédito

trabalhista. O parágrafo único determina que:

[...] o plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.

Poderá haver impugnação de qualquer credor que discordar do plano nos termos do

artigo 55 da LF. Caso ocorra objeção, o juiz convocará a assembleia–geral para deliberar

sobre o plano (artigo 56 da LF). O modo de deliberação pela assembléia-geral de credores é

regido nos termos dos artigos 41 e 45 da LF.

O plano de recuperação judicial poderá sofrer alterações na assembleia-geral, desde que haja expressa concordância do devedor e em termos que não impliquem diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes (artigo 56, § 3º da LF).

Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial (artigo 66 da LF).

Toda essa demonstração dos procedimentos e requisitos exigidos pela Lei n.

11.101/2005 para a concessão de um plano de recuperação judicial foi com o intuito de se

provar que não é qualquer empresa que facilmente conseguirá sua aprovação. O

procedimento de aprovação do plano de recuperação judicial imposto pela Lei n. 11.101/2005

pode ser considerado como um requisito para a ausência da sucessão trabalhista na

recuperação judicial. A destinação do dinheiro arrecadado com a venda do estabelecimento na

recuperação judicial é previamente especificada (com a anuência dos credores) e homologada

pelo juiz.

A quantia arrecadada terá uma destinação previamente estipulada e não será, como

muitos autores mencionam, ao livre dispor do empresário. Realmente, a lei não estabelece

uma ordem para essa destinação como o fez no caso da falência, entretanto, na recuperação, é

77

o plano judicial que estipulará qual será a ordem de credores a ser obedecida. Ressalta-se,

conforme já mencionado, que, para que ocorra a aprovação do plano, há a participação direta

dos interessados e regras a serem seguidas.

Caso haja a venda de estabelecimento judicial ou unidade produtiva, um novo contrato

de trabalho será firmado entre o novo empregador e os empregados que por ventura sejam

contratados. É, por isso (dentre outros argumentos já mencionados), que não se pode dizer que

há sucessão trabalhista na recuperação judicial.

No plano judicial pactuado entre as partes, pode até mesmo ocorrer a possibilidade de

a recuperanda assumir o passivo trabalhista. Tudo dependerá do interesse dos credores e,

consequentemente, da deliberação na assembleia-geral. Não se pode esquecer que, se o plano

de recuperação for rejeitado pela assembléia-geral de credores, o juiz decretará a falência

(artigo 56, § 4º da LF), o que com certeza não trará nenhum benefício para os credores.

Nas palavras de Gontijo (2004)17:

A empresa hoje é um bem que urge ser tutelada como atividade geradora de riquezas, na medida em que, a partir dela, se implementam empregos e se auxilia na diminuição da criminalidade, melhora-se tecnologicamente o País, recolhem-se tributos e auxilia-se o Estado, etc.

Assim, por todos os argumentos expostos, defende-se, neste estudo, a tese de que não há

sucessão do arrematante nas obrigações trabalhistas do devedor, bem como as decorrentes de

acidente do trabalho.

17 GONTIJO, Vinícius José Marques. O empresário no código civil brasileiro. Revista de Julgados TAMG , Belo Horizonte, v. 94, p. 17-36, jan./mar. 2004. p. 30.

78

5 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

5.1 Conceituação de função social

A palavra função origina-se do latim functio, de fungi e significa exercer, desempenhar

(DE PLÁCIDO, 2009)1. O dicionário Aurélio (1999)2 também a define no sentido da

sociologia, antropologia: “a contribuição objetiva de uma instituição à realização de certos

processos sociais como adaptação, integração ou continuidade das formas de organização de

uma sociedade”. A palavra social é assim conceituada: “da sociedade, ou relativo a ela; que

interessa à sociedade; próprio dos sócios de uma sociedade, comunidade ou agremiação

(FERREIRA,1999)” 3. Já De Plácido (2009)4 define sociedade: “do latim societas (associação,

reunião, comunidade de interesses), gramaticalmente e em sentido amplo, sociedade significa

reunião, agrupamento ou agremiação de pessoas, na intenção de realizar um fim, ou de

cumprir um objetivo de interesse comum, para o qual todos devem cooperar ou trabalhar”.

Definir com precisão o que seja função social é uma tarefa muito difícil de ser

realizada. Segundo Bulos (2005)5, trata-se de expressão imprecisa, vaga e de difícil

intelecção. Entretanto, o mesmo autor ainda acrescenta que, mesmo diante da complexidade

do termo, os textos constitucionais incorporaram-no, convertendo-o num conceito jurídico

fundamental, de uso freqüente no vocabulário legislativo (BULOS, 2005)6.

De acordo com Cretella Junior (1997)7: “ Antes, a “propriedade” e o “individual”

andavam lada a lado, conjuntamente identificando-se. Com o correr dos tempos, a

“propriedade” perde seu traço individualista e se torna “social”. É a função social da

propriedade”.

1 FUNÇÃO. In: DE PLÁCIDO e Silva (1987). Atualizado por Nagib slaibi filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 644. 2 FUNÇÃO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 951. 3 SOCIAL. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1873. 4 SOCIAL. In: DE PLÁCIDO e Silva (1987). Atualizado por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 1300. 5 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 193. 6 BULOS, op. cit., 2005. p.194. 7 CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. v. 1, p. 300.

79

A Constituição da República, em seu artigo 5º, estipulou que: a propriedade atenderá

à sua função social. Ou seja, é a própria ordem jurídica que obriga ao proprietário cumprir a

função social da propriedade. Pode ser que haja interesses divergentes entre a vontade do

particular e os interesses da sociedade. Nesse caso, prevalecerá a vontade da coletividade

devido à imposição do ordenamento jurídico. Salienta-se que o conceito de função social deve

ser compreendido como algo amplo: não é só o direito à propriedade que deve ser respeitado,

mas também as questões ambientais, bem como outras que sejam consequências de um

interesse social, como por exemplo, os direitos trabalhistas e previdenciários.

Foi com a Constituição de 1.988 que, pela primeira vez, o legislador se preocupou em

regulamentar a função social da propriedade urbana. Anteriormente, apenas a propriedade

rural continha, expressamente, tal exigência constitucional (TAVARES, 2008)8.

O artigo 182, § 2º, da Constituição, definiu: “a propriedade urbana cumpre sua função

social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano

diretor”. O plano diretor é uma lei ordinária obrigatória para as cidades com mais de vinte mil

habitantes, editada pelo Município. “É o instrumento básico da política de desenvolvimento e

de expansão urbana (art. 182, § 2º da CR/88”). No § 4º do mesmo artigo, o legislador impôs

as penalidades para o proprietário do solo urbano que não cumprir as exigências impostas pela

lei federal (Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257/2000). Ao mesmo tempo, faculta ao Município

editar uma lei específica para área incluída no plano diretor, desde que seja observado o

disposto em lei editada pela União (Estatuto da Cidade).

Para o imóvel rural, é o artigo 186, caput da Constituição, que estabelece as normas

impostas pelo constituinte:

A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem–estar dos proprietários e dos trabalhadores.

O imóvel rural que não cumprir sua função social será desapropriado pela União,

mediante justa e prévia indenização em títulos da dívida agrária, nos termos do artigo 184 da

Constituição, enquanto o parágrafo 1º, do artigo 185, menciona que: “a lei garantirá

8 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 643.

80

tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos

requisitos relativos a sua função social”.

A função social, por ser um direito fundamental, não poderia deixar de compatibilizar-

se com sua destinação social. Acrescenta-se a explanação de Celso Ribeiro Bastos (2001) 9:

Portanto, há uma perfeita sintonia entre fruição individual do bem e o atingimento da sua função social. Só essa harmonia e compatibilização podem explicar por que os países que mais se desenvolvem economicamente são os que o fazem sob a modalidade do capital privado.

Caso ocorra abuso no modo de exploração, utilização da propriedade por parte do

titular da propriedade, a lei impõe sanções para que a propriedade volte a cumprir as funções

previamente estipuladas no texto constitucional.

O liberalismo não consagra a propriedade como privilégio de alguns, mas acredita ser

a gestão individual do objeto do domínio a melhor forma de explorá-lo, gerando, destarte, o

bem social, de acordo com o entendimento de Bastos (2001)10.

Nesse sentido, a exploração de um determinado bem gera múltiplas possibilidades na

vida de seu titular, como por exemplo, os lucros, a realização pessoal, dentre outras. O

exercício de um direito individual dentro dos limites impostos pela lei é capaz de

proporcionar melhorias na vida de outras pessoas que acabam sendo atingidas pelas

consequências dos atos exercidos pelo titular da propriedade. No sistema capitalista em que se

vive atualmente, essas melhorias são essenciais para o desenvolvimento da sociedade. Assim,

torna-se essencial o cumprimento da função social da propriedade.

5.2 A função social da propriedade como manifestação da atividade empresarial

5.2.1 Propriedade: Origem e Conceito

9 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Arts. 5ª a 17. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 135. v.2. 10 BASTOS, op. cit. p. 135.

81

O termo propriedade provém do latim proprietas que, por sua vez, deriva de proprius,

que denota a relação de pertença de um ser em relação a outro; no caso da propriedade, de um

objeto em relação a um sujeito (BARRETTO, 2006)12.

Bobbio (1993), ressalta que a definição de um termo é explicada dentro de um

contexto, no momento histórico e na sociedade nos quais está inserida, embora a etimologia

da palavra propriedade não tenha sofrido mudanças significativas com o decorrer do tempo. E

acrescenta13:

O conceito que daí emerge é o de “objeto que pertence a alguém de modo exclusivo”, logo seguido da implicação jurídica: “direito de possuir alguma coisa”, ou seja, “de dispor de alguma coisa de modo pleno, sem limites”. A implicação jurídica (de enorme importância sociológica) surge logo: ela é, com efeito, um elemento essencial do conceito de Propriedade, dado que todas as línguas distinguem, como já fazia o direito romano, entre “posse” (manter “de fato” alguma coisa em seu poder, independentemente da legitimidade de o fazer) e Propriedade ( ter o direito de possuir alguma coisa, mesmo independentemente da posse de fato).

No Século XX, diversos países do mundo passaram a adotar legislações

intervencionistas com o objetivo de assegurar que os recursos econômicos atendessem aos

interesses coletivos da sociedade. O dirigismo estatal tentou garantir que os agentes

econômicos privados utilizassem os meios de produção de acordo com os anseios da

sociedade. As regulamentações existentes nos mais diversos ramos da economia fixavam

rígidos limites à discricionariedade no uso, gozo e disposição da propriedade, fora dos quais a

função social deixava de ser atendida e cessava a legitimidade no exercício do direito de

propriedade (BARRETTO, 2006)14.

A consagração da função social da propriedade veio como um instrumento

harmonizador entre o interesse individual do titular e, de outro lado, o interesse público da

coletividade. Nas palavras de Rentería e Dantas: afinal, se a função social impunha um

crescente constrangimento sobre o exercício da propriedade que tinha por efeito marginalizar

a autonomia privada, esta, entretanto, permanecia dentro dos limites traçados pela lei, no

12 PROPRIEDADE. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2006. p. 666. 13 PROPRIEDADE. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1993. v. 2. p. 1021. 14 BARRETTO, Vicente de Paulo. (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2006. p. 668.

82

próprio núcleo do instituto, reproduzindo um espaço residual de individualismo

(BARRETTO, 2006)15.

A forma como o homem usa a propriedade vem sendo modificada ao longo dos

tempos. A maneira correta de utilizá-la é transformada de acordo com o contexto histórico e o

grupo social.

No início, na Mesopotâmia, o uso da terra era coletivo. Já o Direito Romano

assegurava ao titular as faculdades de usar, fruir e dispor da coisa de maneira plena e

exclusiva e de reivindicá-la de quem a possuísse injustamente, sem que outra pessoa tivesse

direitos sobre a mesma (BARRETO, 2006)16. Na Alta Idade Média, a concepção de

propriedade era mesclada com o que era particular e o que era público. Entretanto, na baixa

Idade Média e na Renascença, há uma tentativa de se recuperar o que era dito pelo Direito

Romano. Isso, devido ao fortalecimento da burguesia e o consequente desenvolvimento do

comércio que pediam instrumentos jurídicos capazes de assegurarem a transferência das

riquezas.

Percebe-se, assim, que a definição de propriedade é mutável de acordo com o contexto

histórico na qual está inserida. Ao abordar sobre a propriedade na Constituição Brasileira de

1988, é importante se ter em mente o momento político pelo qual o país passava. É o que será

mencionado no próximo tópico.

5.2.2 A propriedade na Constituição da República de 1988

A Constituição da República de 1988 reflete as preocupações da época em que foi

escrita. Houve mais cuidado no sentido de delimitar o que seria o direito de propriedade.

O ordenamento jurídico impõe as hipóteses de aquisição, perda, uso e limites da

propriedade. Toda pessoa, física ou jurídica, possui o direito à propriedade. A Constituição

garante o direito de propriedade e estabelece que, em casos de necessidade ou utilidade

pública, ou por interesse social, será permitida a desapropriação. O constituinte preocupou-se

em normatizar tais situações para que ninguém seja privado, arbitrariamente, de tal direito.

15 RENTERÍA, Pablo Valdemar; DANTAS, Marcus. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2006. p. 668. 16 PROPRIEDADE. In: BARRETTO, Vicente de Paulo. (Coord.). Dicionário de filosofia do direito. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2006.p. 666.

83

Assim, verifica-se que o constituinte consagrou o direito de propriedade como um

direito fundamental, mas não de forma incondicional e absoluta. Esse direito apenas será

tutelado se cumprir a função social que lhe é imposta. Se a propriedade não atender a esse

requisito, caberá ao Estado intervir para que tal objetivo seja atingido.

No sistema brasileiro, a Constituição é um documento eminentemente consagrador do

liberal capitalismo. É por isso que nos dizeres de Celso Ribeiro Bastos (2001)17:

A propriedade privada tanto colabora para a expressão da individualidade, quando incidente sobre meios de produção, quanto sobre bens de consumo, daí por que no sistema constitucional brasileiro a propriedade está simultaneamente vinculada ao regime das liberdades que estatui, como também a própria ordem econômica.

De acordo com a concepção atual, não mais se justifica a predominância de um direito

individual e egoísta quando prejudicam os demais membros da sociedade. Na maioria dos

casos, é possível compatibilizar o gozo individual da propriedade com os fins sociais, por

isso, a Constituição impõe limites às formas de uso da propriedade e ao mesmo tempo indica

a correta forma de usá-la.

5.2.3 A função social da propriedade

O legislador constituinte mencionou quatro vezes a expressão “função social da

propriedade”, nos artigos 5º, XXIII; 170, III; 182, § 2º, e 186, caput na CR/88.

O artigo 5º, da Constituição da República de 1988, garante, em seu caput, o direito à

propriedade e, logo à frente, em seu inciso XXIII, dispõe que a propriedade atenderá a sua

função social.

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.228, caput, estabeleceu que: “O proprietário

tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer

que injustamente a possua ou detenha”. E, em conformidade com a Constituição, em seu

parágrafo primeiro, ressaltou o caráter social da propriedade:

17 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Arts. 5ª a 17. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 129. v. 2.

84

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

Nas palavras de Carvalho Filho (2007)18:

Se o proprietário não respeita essa função, nasce para o Estado o poder jurídico de nela intervir e até suprimi-la, se esta providência se afigurar indispensável para ajustá-la aos fins constitucionalmente assegurados.

No artigo 170 da CF, o constituinte tratou da ordem econômica, valorizando o trabalho

humano e a livre iniciativa, conforme os ditames da justiça social. Garantiu, ainda, o princípio

da função social da propriedade privada (inciso III), entretanto assegurou, primeiramente, o

princípio da propriedade privada (inciso II). No dispositivo (art. 170, III, da CF), o

constituinte reconheceu a propriedade como fator econômico, mas a condicionou ao

atendimento da função social, tornando este elemento superior àquele (CARVALHO FILHO,

2007)19.

Ao mencionar a questão da política urbana no artigo 182 da CF, destacou, no

parágrafo 2º, que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Esse dispositivo

indicou de forma clara que será o plano diretor que mencionará o quê deve ser entendido

como função social da propriedade. A Constituição concedeu ao município poderes

interventivos na propriedade quando o proprietário não observar a correta destinação que

deverá ser dada ao imóvel, podendo, inclusive, exigir do proprietário do solo urbano não

edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento. Caso

haja inobservância de tais normas, o município tem o poder de impor o parcelamento ou

edificação compulsória do solo e o de promover a desapropriação (§ 4º, art. 182 da CF/88).

A política agrícola e fundiária foi contemplada no artigo 186 da CF:

A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado;

18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 658. 19 CARVALHO FILHO, op. cit. p. 661.

85

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Pode-se afirmar que as regras mestras de como será utilizada a propriedade é dada pela

Constituição. É ela que direciona o rumo que deverá ser seguido pelos operadores e

aplicadores do Direito. O julgador deverá harmonizar o individual com o social de modo a

trazer o equilíbrio para o caso concreto.

Nas palavras de Venosa (2008)20:

A propriedade, portanto, tendo em vista sua função social, sofre limitações de várias naturezas, desde as limitações impostas no Código Civil de 1916, bem como no de 2002 em razão do direito de vizinhança, até as de ordem constitucional administrativa para preservação do meio ambiente, fauna, flora, patrimônio artístico etc.

É importante distinguir, que quando se fala em função social da propriedade, não se

indicam as restrições ao uso e gozo dos bens próprios. Estas últimas são limites negativos aos

direitos do proprietário (COMPARATO, 1995) 21. A noção do que seja social está ligada a um

poder, no sentido de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de conectá-lo a certo

objetivo. Já o adjetivo social mostra que esse objetivo corresponde a um interesse coletivo e a

um interesse individual, próprio do dominus. De qualquer jeito, destaca-se o interesse

coletivo, e a função social da propriedade corresponde a um poder-dever do proprietário,

sancionável pela ordem jurídica, embora isso não signifique que não possa existir

harmonização entre um e outro interesse (COMPARATO, 1995) 22.

Destaca-se, também, a diferenciação entre o direito absoluto sobre o capital com o

poder de organização e comando das forças produtivas. A partir do momento em que é

constituída uma pessoa jurídica para desenvolver a atividade produtiva, separa-se o acervo

empresarial do patrimônio dos sócios. E nos dizeres de Comparato (1995)23: estes, de

proprietários passam à posição jurídica de participantes dos resultados de uma exploração

patrimonial autônoma.

É através desse processo que a empresa passa a exercer tal influência na sociedade que

não mais exerce influência apenas na vida de seus sócios e/ ou fundadores. Daí, ser tão

20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. v.5, p.157. 21 COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 32. 22 COMPARATO, op. cit. p. 32. 23 id. 1995. p. 32.

86

importante a questão da discussão da função social da empresa. Por isso, defende-se, aqui, a

idéia de que tudo dentro do possível e do razoável deverá ser feito para a manutenção da

empresa.

Nesse sentido, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível

com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma

exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir uma empresa para a

realização dos interesses coletivos, assim se expressa Comparato (1995)24.

O liberalismo não consagra a propriedade como privilégio de alguns, mas acredita ser

a gestão individual do objeto do domínio a melhor forma de explorá-lo, gerando, destarte, o

bem social (BASTOS; MARTINS, 2001)25.

Assim, verifica-se que há total compatibilidade entre a fruição individual do bem e o

seu alcance da função social. Essa completa harmonia e compatibilização podem explicar por

que os países que mais se desenvolvem economicamente são os que o fazem sob a

modalidade de capital privado (BASTOS; MARTINS, 2001)26.

Conclui-se que o princípio da função social da propriedade não deve ser observado

apenas pelo proprietário de bem imóvel, mas de modo amplo, por qualquer pessoa que exerça

o direito de qualquer espécie de propriedade, incluindo-se aí os empreendimentos econômicos

(SILVA NETO, 2001) 27.

5.3 A função social da empresa e sua função social na recuperação judicial

5.3.1 Conceito e base principiológica de função social da empresa

A abordagem da função social da empresa não é novidade da legislação falimentar,

conforme já mencionado. Cita-se, como exemplo, o parágrafo único do artigo 116 da Lei n.

6.404/1976:

24 COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 34. 25 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Arts. 5ª a 17. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 135. v. 2. 26 BASTOS, op. cit. p. 135. 27 SILVA NETO, Jorge Manoel. Direito constitucional econômico. São Paulo: LTr, 2001. p. 110.

87

O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. Acrescenta-se, o caput do artigo 154 da mesma lei: O administrador deve exercer as atividades que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. (GRIFO NOSSO).

É interessante observar o comentário de Carvalhosa (2003)28:

A empresa é a racionalização dos fatores econômicos, tecnológicos e humanos da produção, instituída sob a forma de pessoa jurídica, a companhia. Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais.

[...] Consideram-se principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com seus empregados, em termos de melhoria crescente de sua condição humana e profissional, bem como de seus dependentes. A segunda volta-se ao interesse dos consumidores, diretos e indiretos, dos produtos e serviços prestados pela empresa, seja em termos de qualidade, seja no que se refere aos preços. A terceira volta-se ao interesse dos concorrentes, a favor dos quais deve o administrador da empresa manter práticas equitativas de comércio, seja na posição de vendedor, seja na de comprador. A concorrência desleal e o abuso do poder econômico constituem formas de antijuridicidade tipificadas1.

O mesmo autor ainda ressalta a preocupação que a empresa deve ter com o meio

ambiente. O compromisso com a preservação da natureza não é mais apenas comunitário ou

local e sim, mundial. A produção de elementos nocivos não só ao homem, como também à

fauna e à flora, representa dano de igual importância (CARVALHOSA, 2003)29.

Na difícil tarefa de administrar uma companhia, deverá o administrador harmonizar a

busca pelo lucro com as exigências dos interesses da comunidade.

Uma observação importante a ser feita sobre a nova legislação falimentar é a

dissociação entre a empresa e o empresário, sendo essa diferenciação o alicerce da Lei n.

11.101/2005. Essa distinção é que permitirá o afastamento do empresário, sem, contudo,

acarretar a extinção da atividade da empresa. Ou seja, quando houver a má gestão dos

negócios por um empresário incompetente, ele será privado de exercer suas funções, mas não

ocorrerá a dissolução da empresa. E, se a empresa for viável economicamente, poderá ser

28 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas: Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações das Lei 9.457, de 5 de maio de 1997, e nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 276. v. 3 1 LF: BN. 4.131/1962; Lei da Economia Popular; Código de Defesa do Consumidor. 29 CARVALHOSA, op. cit., 2003. p. 276. v. 3.

88

administrada com maior eficiência por quem seja apto para desempenhar o plano de

reorganização.

Sztajn (2004)30 define em que consiste a empresa:

Empresas são instituição econômica que, visando ao desenvolvimento das atividades de produção e distribuição de bens e serviços nos mercados, criação de riquezas ou utilidades, interessam a operadores do direito e a economistas. São criação da iniciativa econômica em que meios patrimoniais se aliam a outros pessoais e, portanto, são uma fattispecie originária, devem ter suporte fático próprio, não derivado da noção de empresário.

Assim, verifica-se que o conceito de empresa sobreleva o do empresário no que diz

respeito às finalidades sociais e econômicas (SIMIONATO, 2008)31. Por isso, o destino de um

está inteiramente desvinculado do outro. Como a empresa exerce interesse público, deverá

prosseguir nas suas atividades devido à sua relevância socioeconômica, nos casos em que for

viável economicamente. Não se pode desejar que a sociedade pague pela má administração de

toda empresa privada que falir, o bom senso deve prevalecer. A melhor solução será analisar

cada caso concreto, e haverá situações em que o mais indicado será a liquidação da empresa,

pois poderá ocorrer que, em determinados casos, a sua continuação gere aumento de

problemas já existentes.

Nas palavras de Simionato (2008)32:

Assim, a empresa se torna uma verdadeira instituição, na qual congregam e convergem vários interesses conflituosos, que devem buscar um resultado de equilíbrio entre estes mesmos interesses, para, democraticamente, se suportarem como partes de um organismo dialético por natureza, mas que buscam a sua manutenção e viabilidade dentro do sistema capitalista.

A preservação da empresa viável no sistema capitalista possibilita aos cidadãos uma

condição digna de vida. Assim, pode-se mencionar a empresa, hoje, como uma instituição

social de grande importância para a sociedade.

Congrega interesses coletivos que, em determinados momentos, superam os interesses

individuais dos administradores da companhia e fazem dela uma atividade organizada e

funcional, a qual, conseqüentemente, terá deveres dentro da sociedade capitalista de massa e

30 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004. p. 177. 31 SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. Tratado de direito falimentar. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 33. 32 SIMIONATO, op. cit. p. 35.

89

se transformará em atividade econômica e social, de matiz público e de interesses superiores

(SIMIONATO, 2008)33.

Para que haja a efetiva recuperação de uma companhia, é necessária a realização de

estudos por especialistas no ramo que verifiquem sua real viabilidade econômica e social.

Ressalta-se, conforme anteriormente mencionado, que uma empresa não deve ser recuperada

a qualquer custo, pois causará impactos na sociedade, e o interesse da coletividade deve ser

sempre observado.

5.3.2 A função social da empresa na recuperação judicial

A Lei n. 11.101/2005 apenas seguiu a tendência universal de privilegiar normas de

ordem pública. Os interesses e direitos envolvidos não mais pertencem apenas aos devedores

insolventes e aos credores. Passa a pertencer a um âmbito de maior amplitude, ou seja, à

sociedade como um todo.

É por isso que a nova legislação tenta proteger vários interesses:

a) dos trabalhadores;

b) direitos sociais;

c) princípios gerais da atividade e da organização econômica e;

d) função social da propriedade e da empresa.

Esses direitos sintetizaram a norma do artigo 47, da Lei de falência, que dispõe:

A recuperação judicial tem por objeto viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

A finalidade da lei passa a ser o da recuperação da empresa, econômica e

financeiramente viável, por todos os meios possíveis. Não é mais apenas a liquidação do

patrimônio do devedor, como ocorria anteriormente.

33 SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. Tratado de direito falimentar. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 36.

90

Em uma economia globalizada, para que todos os fenômenos sejam bem

compreendidos e interpretados, é necessário que sejam examinados sob múltiplos ângulos.

Assim, é naturalmente impossível desassociar o Direito da Economia, cabendo ao legislador a

tarefa de procurar um perfeito equilíbrio entre ambos, com o objetivo de alcançar a melhor

solução para todas as partes envolvidas no conflito de interesses (JORGE LOBO, 1998)34.

Nesse sentido, já mencionava a mensagem de número: 1.014 de 1993 do Poder

Executivo no projeto de Lei n. 4. 376 de 19932:

Com efeito, paralelamente à caracterização dos objetivos e aspirações de seus proprietários, a empresa moderna reflete um interesse social maior, pois que ela é agente do desenvolvimento e da estabilidade econômica. Por isso é que convém ao Estado sua sobrevivência e prosperidade, se não por interesse imediato, no mínimo pela sua responsabilidade quanto à proteção do interesse coletivo, representado pelas oportunidades de trabalho, distribuição de riqueza, estabilidade econômica e garantia ao adequado fluxo econômico-financeiro, consubstanciado nas inter-relações entre produtores, intermediários, financiadores e consumidores.

Observando a atual legislação falimentar, é possível verificar que foi priorizado o

interesse da coletividade na continuação da exploração da empresa de forma eficiente e, em

segundo plano, os interesses individuais dos credores e do próprio devedor (LOPES, 2008)35.

Há, portanto, um nítido interesse coletivo na preservação da empresa, que, se exercida de

forma eficiente, cumpre sua função social, visto que voltada à efetiva consecução dos

fundamentos, fins e valores da ordem econômica consagrados na Constituição, conforme

entendimento de Lopes (2008)36.

Tão importante é o papel desempenhado pelas empresas, que a legislação falimentar

priorizou a função social desenvolvida pelas companhias, instituindo instrumentos que

possibilitem a continuação de suas atividades e, consequentemente, afastam-nas da falência.

Tais instrumentos estão em consonância, também, com a legislação trabalhista. Observe-se,

por exemplo, o artigo 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas em seu caput, no trecho em

que menciona: “[...] mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular

prevaleça sobre o interesse público”. Esse dispositivo, assim como a Lei de Falências e

34 JORGE LOBO, Joaquim. Direito concursal: direito concursal contemporâneo, acordo pré - concursal, concordata preventiva, concordata suspensiva, estudos de direito concursal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 20. 2 Projeto de Lei n. 4.376 de 1993 do Poder Executivo. Mensagem 1.014/1993. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/comissao/index/esp/CEPL4376-pu/1.htm>. Acesso em: 2 fev. 2009. 35 LOPES, Bráulio Lisboa. Aspectos tributários da falência e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 52. 36 LOPES, op. cit. p. 52-53.

91

Recuperação Judicial, visa a proteger uma classe e não a predominância de um interesse

individual.

A Constituição da República de 1988 trouxe como um de seus fundamentos os valores

sociais do trabalho e a livre iniciativa, que são direitos fundamentais. Entretanto, não são

absolutos. Como todo e qualquer direito fundamental, devem ser sopesados e aplicados de

forma harmônica com todo o ordenamento jurídico.

Neste sentido, o instrumento da recuperação judicial dado pela Lei n. 11.101/2005 não

deverá ser concretizado a qualquer custo. Será necessária a realização de estudos que

demonstrem a real viabilidade econômica e financeira de superação da crise. O julgador, antes

de se decidir pela concessão da recuperação judicial e ausência da sucessão trabalhista e de

proferir sua decisão, analisará todos os pontos negativos e positivos.

É inegável que os fatores sociais serão levados em consideração, assim como a

questão do direito ao trabalho. Mas, uma vez concedida a recuperação judicial, não caberá a

sucessão trabalhista, justamente pelo fato de esta ser incompatível com a perpetuação das

atividades empresariais.

92

6 CONCLUSÕES

A presente pesquisa teve como objetivo realizar um estudo mais detido da Lei n.

11.101/2005, quanto à sucessão na alienação dos bens da sociedade em recuperação judicial,

bem como estudar a sucessão trabalhista na recuperação judicial, sob a ótica do Direito do

Trabalho e da preservação da sociedade.

Foram abordados os institutos jurídicos da transformação, incorporação, fusão e cisão,

do Direito Empresarial, que estão em conformidade com a Lei de Falências e Recuperação

Judicial, cujo principal objetivo é propiciar condições às empresas em dificuldades de

permanecerem ativas, competitivas e produtivas no mercado.

Alguns institutos do Direito Civil e seus pontos de contato com a sucessão trabalhista

foram aqui tratados.

A legislação deixa dúvidas quanto à sucessão trabalhista na alienação de bens ou

estabelecimentos da sociedade em recuperação judicial. A questão foi tratada sob as diversas

formas de interpretação (gramatical ou literal, lógica-sistemática, histórica, teleológica,

legislativa, jurisprudencial, doutrinal e administrativa), mas, por enquanto, a tendência é de

que não haja sucessão trabalhista.

Apesar de a lei não ser clara, sustenta-se, aqui, que não haverá sucessão do

arrematante em relação às dívidas trabalhistas. Caso houvesse limitação de uma determinada

obrigação, a lei deveria ser expressa nesse sentido. Acrescenta-se, também, que a forma de

quitação referente aos créditos trabalhistas será objeto de discussão no plano de recuperação

judicial. A destinação do dinheiro arrecadado com a venda do estabelecimento na recuperação

judicial tem destinação previamente especificada, com a devida anuência dos credores e

sempre homologada pelo juiz.

Convém reiterar que o único caso em toda a Lei de Falências e Recuperação Judicial

em que a intimação pessoal do Ministério Público é obrigatória, sob pena de nulidade

expressamente cominada em lei, é o ato de alienação do ativo do devedor falido (artigo 142, §

7º, da LF). Com isso, o legislador externa que “elegeu” o Ministério Público como o fiscal da

regularidade na alienação do ativo; cabe a ele evitar ilícitos nessa venda.

A venda judicial tem como principal objetivo a obtenção de recursos para que o

devedor possa cumprir suas obrigações e continuar exercendo suas atividades. Se o

arrematante herdar os débitos do devedor, o objeto da alienação terá o seu preço depreciado e,

93

consequentemente, deixará de ser atrativo para o comprador, podendo o devedor ser obrigado

a cessar suas atividades, o que irá prejudicar toda a coletividade.

Frisa-se que a lei explicitou que não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do

devedor, inclusive as de natureza tributária (art. 60, p. único da Lei n. 11.101/2005), pois os

créditos tributários não se submetem ao processo de recuperação.

O Direito Empresarial possui princípios basilares que o regem, sendo o seu principal

foco o empresário. Assim, suas atividades empresariais são incentivadas e protegidas por

meio de suas normas.

Por fim, é inevitável mencionar que, atualmente, qualquer atividade empresarial está

conectada à função social. O administrador de uma empresa deverá dar aos negócios

destinação compatível com o interesse da coletividade. Nesse sentido, ressalta-se que os

interesses da recuperação judicial não estão adstritos aos devedores e credores e sim, a um

âmbito de maior amplitude, a sociedade como um todo.

94

REFERÊNCIAS

ADI 3934-2/600 (Medida Liminar). O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, vencidos. Os Senhores Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que a julgavam parcialmente procedente nos termos de seus votos. Data do julgamento final: plenário: 27/05/2009. Disponível em: <http://www;stf.jus.br>. Acesso em: 21 jul. 2009. Ag.Rg no CC 86594/SP. Agravo Regimental no conflito de competência 2007/0138668-0. Relator (a) Ministro Fernando Gonçalves (1107). Órgão julgador – Segunda Seção. Data do Julgamento: 25/06/2008. Superior Tribunal de Justiça.

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Sucessão Trabalhista do arrematante de empresa em recuperação judicial (Varig S.A). Decisão com base na nova Lei de falências 11.101/2005 do Juiz titular da 33ª VTRJ, Múcio Nascimento Borges. Decisão proferida nos autos da ação civil pública de nº: 1053-2006-033-01-00-7.

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104

ANEXO

105

ANEXO A - Parecer PGA/PGFN

MINISTÉRIO DA FAZENDA PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

PARECER PGA/PGFN N°. /2006

DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. VARIG. ALIENAÇÃO JUDICIAL DE UNIDADE PRODUTIVA ISOLADA. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA. INOCORRÊNCIA. 1. A teor do artigo 60 da LRJ e do artigo 133, § 1°, II, do CTN, a alienação de unidade produtiva isolada não enseja sucessão tributária, observados os requisitos e as proscrições legais. 2. Trespasse parcial de estabelecimento empresarial e alienação de Unidade Produtiva Isolada. Sinonímia 3. Alienação de Unidade Produtiva Isolada e Cisão. Universalidade de fato e de direito. Distinção. Conseqüências.

1. Introdução

Honra-nos o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da Fazenda Nacional com consulta a respeito das conseqüências jurídico-tributárias da alienação judicial a ser efetivada no bojo dos autos n° 2005.001.072887-7, em trâmites perante o Juízo da 8a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, correspondentes ao procedimento de recuperação judicial das sociedades empresárias VARIG S/A - Viação Aérea Riograndense (VARIG); Rio Sul Linha Aéreas S/A (Rio Sul) e Nordeste Linhas Aéreas S/A (Nordeste), doravante referidas simplesmente como VARIG.

O presente Parecer cingir-se-á à análise da sucessão tributária no âmbito da operação constante do Plano de Recuperação Consolidado (PRJ), conforme consolidação efetivada aos 08 de maio de 2006, cujo inteiro teor passa a fazer parte integrante do presente.

106

1

107

MINISTÉRIO DA FAZENDA PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

A alienação judicial a ser levada a efeito vem causando encapeladas dúvidas a respeito de sua legalidade, sobretudo à luz de sua modelagem vis a vis a tessitura normativa tributária, mais especificamente no que concerne a eventual sucessão dos débitos tributários da VARIG pela adquirente, o que se procurará aclarar no presente.

Conforme estipula o indigitado PRJ, o grupo VARIG alienará o que chama de "Unidade Operacional" (complexo de bens e direitos integrado por um conjunto de operações da malha da VARIG, aí incluídas as rotas, HOTRANS, arrendamentos e todos os direitos inerentes a tais operações), sob duas diferentes roupagens, quais sejam:

1. unidade que compreenda toda a malha de serviços VARIG (doméstica e internacional), a marca VARIG, o "Programa Smiles", sua marca e suas receitas, todas as receitas de serviços relacionadas às operações de transporte aéreo, propriedade ou direitos sobre as instalações, equipamentos de ferramental de manutenção, treinamento, instalações e (ou) direitos de uso sobre instalações operacionais (balcões de atendimento, escritórios, hangares, salas de aula, edifícios e outros, excluídos aqueles expressamente destinados à dação em pagamento prevista no item "12 b) ii" do PRJ) e todos os equipamentos, programas, manuais, documentos, sistemas de reserva, bases de dados, sistemas diversos, arquivos e demais itens pertinentes à operação, inclusive Certificado de Homologação de Empresa de Transporte Aéreo e HOTRANS ("UNIDADE OPERACIONAL INTEGRAL");

2. conjunto de bens e direitos que compõe a malha doméstica da VARIG, ("UNIDADE OPERACIONAL DOMÉSTICA")

Para os fins da alínea "b" (alienação da Unidade Operacional Doméstica), previu o PRJ a segregação das operações da VARIG em duas empresas, quais sejam a VARIG INTERNACIONAL e a VARIG DOMÉSTICA, a esta incumbindo a operação da malha doméstica e a propriedade de parte da frota de "Narrow Bodies" existente na frota atual da VARIG, mediante a necessária e prévia assinatura de Acordo Operacional.

Em qualquer hipótese, determinou o PRJ que serão obrigatoriamente mantidos na VARIG ativos e meios operacionais suficientes para, em conjunto com o valor mínimo em moeda corrente nacional estipulado para a alienação

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judicial, proporcionar meios para o integral pagamento dos credores, de acordo com os vencimentos pactuados.

No que concerne ao objeto do presente, cai a lanço o item 40 do PRJ, ipsissima verba:

"40. O arrematante da UNIDADE OPERACIONAL não será sucessor em nenhum passivo da VARIG, com exceção dos transportes a executar. No caso da UNIDADE OPERACIONAL DOMÉSTICA, a VARIG reembolsará o arrematante, de acordo com critérios definidos no ACORDO OPERACIONAL, o passivo referente aos transportes a executar da operação doméstica, na medida em que se realizar. "

À luz de tais informações é que deve ser aferida a imunidade das operações acima aludidas à sucessão tributária.

2. Fundamentação.

O artigo 47 da Lei nº 11.10 1, de 9 de fevereiro de 2005 traz verdadeiro vetor exegético das normas contidas no Estatuto da Recuperação, ao dispor que a "recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. "

Ergo, os dispositivos legais que disciplinam a recuperação empresarial devem ser lidos e entendidos sob essa ótica, interpretando-se sob o seu influxo normativo os instrumentos postos à disposição dos órgãos de recuperação.

A Lei n° 11.101/2005 dispõe sobre a chamada alienação de unidades produtivas isoladas nos artigos 60, 141 e 142, verbis:

"Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 10 do art. 141 desta Lei."

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Art. 141 .................................................

I - ................................................... ;

II - o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

§ 10 O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:

I-sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;

II - parente, em linha reta ou colatera1 até o 40 (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou

III - identificado corno agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.

§ 2º ..............................................."

"Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em urna das seguintes modalidades:

I -leilão, por lances orais;

II - propostas fechadas;

III - pregão.

§ 1º A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata este artigo será antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação, com 15 (quinze) dias de antecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresa ou de bens imóveis, facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amplo conhecimento da venda.

§ 2º A alienação dar-se-á pelo maior valor oferecido, ainda que seja inferior ao valor de avaliação.

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§ 3º No leilão por lances orais, aplicam-se, no que couber, as regras da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil.

§ 4º A alienação por propostas fechadas ocorrerá mediante a entrega, em cartório e sob recibo, de envelopes lacrados, a serem abertos pelo juiz, no dia, hora e local designados no edital, lavrando o escrivão o auto respectivo, assinado pelos presentes, e juntando as propostas aos autos da falência.

§ 5º A venda por pregão constitui modalidade híbrida das anteriores, comportando 2 (duas) fases:

I - recebimento de propostas, na forma do § 30 deste artigo;

II - leilão por lances orais, de que participarão somente aqueles que apresentarem propostas não inferiores a 90% (noventa por cento) da maior proposta ofertada, na forma do § 20 deste artigo.

§ 6º A venda por pregão respeitará as seguintes regras:

I - recebidas e abertas as propostas na forma do § 50 deste artigo, o juiz ordenará a notificação dos ofertantes, cujas propostas atendam ao requisito de seu inciso II, para comparecer ao leilão;

II - o valor de abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertante presente, considerando-se esse valor como lance, ao qual ele fica obrigado;

III - caso não compareça ao leilão o ofertante da maior proposta e não seja dado lance igualou superior ao valor por ele ofertado, fica obrigado a prestar a diferença verificada, constituindo a respectiva certidão do juízo título executivo para a cobrança dos valores pelo administrador judicial.

§ 7º Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público será intimado pessoalmente, sob pena de nulidade.

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Também é de 9 de fevereiro de 2005 a Lei Complementar n° 118, que introduziu importantes alterações no Código Tributário Nacional, notadamente no artigo 133, litteris:

"Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:

I-integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:

I - em processo de falência;

II - de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.

§ 2º Não se aplica o disposto no § 10 deste artigo quando o adquirente for:

I-sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;

II - parente, em linha reta ou colateral até o 40 (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios;

III - identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

§ 3º ......................................"

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Do arcabouço legislativo acima transcrito é possível inferir os requisitos para que a alienação de estabelecimento empresarial, ou de parcela deste, não dê azo à sucessão tributária:

a) que se trate de alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas;

b) que tal forma de alienação tenha sido aprovada no Plano de Recuperação Judicial;

c) que a alienação se dê em sede de procedimento licitatório, sob a presidência da autoridade judicial;

d) que não seja o adquirente sócio da sociedade em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor em recuperação judicial; parente, em linha reta ou colateral até o 4° (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou identificado como agente do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

Presentes os requisitos, e ausentes as causas proibitivas (só passíveis de serem aferi das ex post), a alienação judicial não ensejará sucessão tributária.

Repontando-se para a espécie em tablado, é de ver que a VARIG, em seu PRJ, pretende alienar o que epitetou de "Unidade Operacional", sob a modalidade "Integral" ou sob a modalidade "Doméstica", reservando-se, em qualquer hipótese, ativos e meios operacionais suficientes para, em conjunto com o valor mínimo em moeda corrente nacional estipulado para a alienação judicial, proporcionar meios para o integral pagamento dos créditos de acordo com os vencimentos pactuados.

O ínclito prof. paulista EDUARDO DOMIGOS BOTT ALLO, em precioso escólio1, procurou gizar o que se deve entender por "Unidade Produtiva Isolada", conceito que o legislador, em má hora, optou por não consignar na LRF:

"Quer-nos parecer que a expressão "unidade produtiva isolada" (§1 ~ 11) associa-se, em seu significado, ao conceito de estabelecimento de que tratam os artigos 1.142 e 1.143, do Código Civil, ou seja "complexo de bens organizado para o exercício da empresa ", capaz de "ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicos, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza.

Portanto, a consideração sistemática dos preceitos do Código Civil e da NLF autoriza-nos a entender por "unidade produtiva isolada" o estabelecimento apto a possibilitar, de per si, o desempenho de atividades econômicas, embora não se trate de pessoa jurídica, ou de filial de pessoa jurídica, formalmente constituídas." ______________________________ 1 Reflexos Tributários da Nova Lei de Falências. In: Revista do Advogado, v. 25, n. 83, p. 30-34

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A modelagem conferida à alienação da Unidade Operacional no PRJ da VARIG se enquadra à perfeição no conceito de trespasse de estabelecimento empresarial, variando tão-somente a extensão, qualidade e quantidade dos bens e direitos a serem transferidos, de acordo com a modalidade eleita pelo licitante.

Se assim é, pode-se afirmar que, em sendo a alienação efetivada em sede judicial de acordo com Plano de Recuperação Judicial adrede aprovado, não há se falar, a priori, em sucessão tributária, a não ser que reste caraceterizada alguma das hipóteses estabeleci das na lei como indiciárias de proceder fraudulento.

Poder-se-ia obtemperar que a operação pretendida se aproxima da cisão, tal como plasmada no artigo 229 da Lei nº 6.404/76, fazendo incidir o guante normativo do artigo 132 do Código Tributário Nacional, o que, todavia, não se dá.

É que na cisão ocorre a versão de parcelas do patrimônio da cindida, entendendo-se por patrimônio complexo de relações ativas e passivas de que é titular pessoa natural ou jurídica (universitas iuris).

Neste eito, pontifica CARVALHOSA2:

"A parcela do patrimônio atribuída a sociedades novas ou existentes dá-se a título universal, ainda que avaliada pelo seu valor líquido, para efeito de subscrição do capital nestas. Serão assim transferidos valores ativos e passivos, ou seja, ocorrerá uma transmissão conjunta de ativos e passivos. "

Roborando essa preciosa achega, vem a talho o artigo 224, inciso lI, da LSA3.

Outra é a hipótese de trespasse de estabelecimento empresarial, por isso que este se enquadra no conceito de universalidade de fato, entendida como ''pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária ", podendo, assim, os bens que formam essa universalidade ser objeto de relações jurídicas próprias (Código Civil, artigo 90).4

______________________________ 2 Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. 4, 1. 1, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 293 3 Art. 224. As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá: .......................................... II - os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão; .............................." 4 No sentido do texto: ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial, p. 313; FERRI, Giuseppe. Manaule di diritto commerciale, 165; NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, v. I, p. 71; CAMPINHO, Sérgio. ° direito de empresa, p. 321; CARV ALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil, v. 13, p. 631; BORGES, João Eunápio, Curso de direito comercial terrestre, v. 1, p. 204; BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial, p. 89; VIV ANTE, Césare. Trattato di diritto commerciale, v. 3, p. 5; MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2001, v. 15, p. 431-432; FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1962, v. 6 , p. 51.

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Firma-se, assim, o entendimento segundo o qual a transmissão dos bens integrantes de uma unidade produtiva isolada dá-se a título singular, ainda que os bens que a componham se encontrem episódica ou permanentemente reunidos por destinação do seu proprietário, distinguindo-se, destarte, o trespasse de estabelecimento da cisão societária, que importa, sempre, em transferência de patrimônio (universalidade de direito).

Em nada altera esse aviso a incidência do artigo 1.146 do Código Reale, segundo o qual "o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento", ou mesmo o artigo 133 do Código Tributário Naciona15,

A uma, porque o artigo 1.146 do Código Civil existe justamente para impor a sucessão nas hipóteses que assinala. À sua falta não se poderia falar em sucessão, mesmo porque a lei não contém palavras inúteis.

A duas, porque o Código Tributário Nacional dispôs no artigo 132 sobre as operações previstas na legislação societária (fusão, transformação ou incorporação), optando por cuidar em dispositivo apartado sobre a questão do trespasse do estabelecimento, evidenciando, assim, a diferença de tratamento.

N em se diga que a omissão foi proposital, de molde a abarcar o artigo 133 o instituto da cisão. É que a cisão, enquanto modalidade de operação societária, só veio a lume com o advento da Lei n° 6.404/76, daí porque imprevista pelo codificador tributário.

A título de reforço de argumentação, insta anotar que o artigo 132 do Código Tributário Nacional, ao empregar a oração "a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra" demanda, para que reste caracterizada a sucessão, a formação de nova sociedade, o que se mostra infenso à figura da alienação judicial, que pressupõe adquirente já existente à época da transmissão onerosa do ativo, jamais pessoa jurídica in fieri.

Lado outro, havendo versão patrimonial para sociedade já existente, o direito do credor tributário encontra resguardo nos dispositivos legais da própria legislação societária pertinentes, notadamente no artigo 229, §3°, que determina a

______________________________ 5 “Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariam ente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão."

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obediência aos ditames sobre a incorporação, cuja normatização tributária encontra-se já estabelecida, de lege lata, no aludido artigo 132 do códice tributário.

Mantém-se, assim, a inteireza e coerência do sistema, que é necessariamente harmônico.

3. Conclusão

Nessa ordem de considerações, as modalidades de alienação contempladas no Plano de Recuperação Judicial da VARIG S.A., tal como estipuladas na consolidação de seu Plano de Recuperação Judicial consolidado aos 08 de maio de 2006, encontram-se albergadas pelos artigos 60 e 133, § 1°, II, da Lei de Falências e Recuperação Judicial e do CTN, respectivamente, não havendo que se falar aprioristicamente em sucessão tributária.

É o nosso parecer, S.M.J.

Brasília/DF, 07 de junho de 2006

PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES PATRÍCIA DE SEIXAS LESSA Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional Procuradora da Fazenda Nacional

De acordo. Encaminhe-se ao Gabinete do Exmo. Sr. Ministro da Fazenda.

LUIS INÁCIO LUCENA ADAMS Procurador-Geral da Fazenda Nacional

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