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1 www.BLOGdoAFR.com Monografia em nome de: Ângelo de Angelis A Substituição Tributária no ICMS – problemas e possíveis soluções Monografia apresentada ao concurso de monografias da Federação Nacional dos Fiscos Estaduais – FENAFISCO Maio de 2012

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Monografia em nome de: Ângelo de Angelis

A Substituição Tributária no ICMS – problemas e

possíveis soluções

Monografia apresentada ao concurso de monografias da

Federação Nacional dos Fiscos Estaduais – FENAFISCO

Maio de 2012

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RESUMO

A substituição tributária do ICMS foi introduzida pelos Estados brasileiros

ainda nos anos 1970, quando da vigência do então ICM. Na época as

condições da tecnologia da informação e a pulverização dos estabelecimentos

de varejo dificultavam a atuação dos Fiscos estaduais na fiscalização das suas

operações. Pela sistemática da chamada substituição tributária das operações

subsequentes ou para frente, o imposto relativo às operações da indústria para

a distribuição, desta para o varejo e deste para o consumidor é arrecadado na

indústria, ou em outro elo intermediário da cadeia produtiva que concentra a

distribuição. O objetivo é facilitar e racionalizar a ação do Fisco ao concentrar a

fiscalização em poucos grandes contribuintes, ao invés de centenas ou

milhares de pequenos varejistas.

Este mecanismo foi fartamente explorado pelos Estados e Distrito

Federal no Brasil nas décadas que se seguiram para poucos produtos que

atendiam determinadas condições: relevância para a arrecadação, produção ou

distribuição concentradas, homogeneidade, consumo de varejo pulverizado e

preços finais conhecidos ou tabelados.

A partir de 2008, os Estados passaram a explorar o instituto da

substituição tributária para frente para vários outros produtos, inaugurando uma

nova fase, mais conflituosa, da sua exploração. Ao mesmo tempo em que

propiciou consideráveis ganhos de arrecadação para os Estados, potencializou

vários conflitos em torno da tributação do valor agregado.

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O objetivo desse trabalho é demonstrar como isto se deu, mostrar os

problemas gerados e, ao final, propor linhas de soluções calcadas em um novo

paradigma que leve em conta as modernas tecnologias de informação e as

atuais estruturas de varejo, bem mais concentradas do que as dos anos 1970,

quando da instituição da substituição tributária para frente no Brasil (ST)

Para isto, parte dos fundamentos e das características essenciais dos

impostos sobre o valor agregado (IVA) consubstanciadas em pesquisas

realizadas em todo o mundo pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário

Internacional. Pretende-se confrontar e avaliar as características da ST com os

fundamentos do IVA. Posteriormente, avalia o surgimento deste instituto no

Direito europeu e no Brasil, na tentativa de apontar seus pressupostos básicos.

Na sequência tenta reconstituir sua evolução no Brasil confrontando sua

configuração com os seus próprios pressupostos básicos e com as

características do IVA.

Ao final, conclui-se que, especialmente a partir de 2008, o espraiamento

do uso da ST transformou o ICMS em uma espécie de anti-IVA, que há fortes

evidências de que os recentes ganhos de arrecadação decorrentes desta

exploração advêm não da captura do imposto sonegado no varejo e sim da

sobretaxação dos consumidores finais e que a tecnologia da informação dos

dias de hoje bem como as estruturas de varejo, mais concentradas, condenam

a ST ao anacronismo. As condições tecnológicas dos dias de hoje permitem a

ação do Fisco junto aos milhares de contribuintes varejistas e a reconstrução

do ICMS sobre as bases clássicas do IVA.

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SUMÁRIO

Apresentação.......................................................................................................5

Capítulo 1 - Características e aspectos históricos da formação dos impostos

sobre o valor agregado........................................................................................6 Capítulo 2 - Características e evolução geral da substituição tributária no

Brasil..................................................................................................................13 Capítulo 3 – O problema do ressarcimento.......................................................31

Capítulo 4 – Os efeitos colaterais da substituição tributária para frente (ST)...41

Capítulo 5 – Possíveis soluções........................................................................72

Considerações Finais........................................................................................84

Referências Bibliográficas.................................................................................90

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A P R E S E N T A Ç Ã O

O título da monografia sugere tema de fôlego, muito fôlego. O que se

busca compreender, em especial, são os principais problemas decorrentes das

práticas de substituição tributária no ICMS em negócios privados e na

Administração Tributária, pelo menos os mais divulgados pela mídia e pelo

debate nacional. A pretensão deste trabalho é compreendê-los de forma

generalizada a partir de uma “visão de helicóptero”, como se diz, evitando-se,

contudo, incorrer em superficialidades nada esclarecedoras.

Na análise dos problemas decorrerão apontamentos para possíveis

soluções, tendo como substrato a nova instrumentalização do Fisco, formada

por bases detalhadas de dados, que hoje se dispõe pelo Sistema Público de

Escrituração Digital, o SPED. Sem a intenção de abarcar a complexidade do

tema, tem-se como objetivo apontar alternativas ao uso indiscriminado da

substituição tributária como meio de alavancar receitas. Acredita-se que as

alternativas devam calcar-se na clássica atuação dos agentes do Fisco, aliada,

porém, aos modernos instrumentos e sob a regência de uma nova ordem de

gestão e organização da Administração Tributária.

O tema, como já foi dito, é de fôlego e este trabalho, modesto. Espera-

se, entretanto, poder contribuir para o aprofundamento do debate e para a

permanente busca da excelência do Fisco.

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CAPÍTULO 1 Características e aspectos históricos da formação dos impostos sobre o valor agregado

O Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e

sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação, ICMS, foi introduzido pela Constituição Federal de 1988 em seu

artigo 155, II, e outorgado aos Estados-membros da federação brasileira e ao

Distrito Federal como sucessor do antigo Imposto relativo à circulação de

mercadorias, ICM, que havia sido instituído em 1965 nos moldes de um

imposto sobre o valor agregado.

Os impostos sobre o valor agregado tributam o valor que cada agente

econômico, normalmente empresas, agrega à produção e à circulação de bens

e serviços ao longo das cadeias produtivas. São impostos repercussivos,

multifásicos e não cumulativos, através dos quais as empresas têm a

possibilidade de repercutir o ônus tributário de suas vendas ou saídas de

mercadorias e serviços às empresas seguintes, suas clientes, que, por sua vez,

procedem da mesma forma em relação a seus clientes e assim

sucessivamente. Ao longo dessa cadeia, as empresas recolhem ao governo a

diferença entre o imposto incidente sobre a saída de mercadorias e serviços

(débitos) e o imposto pago na entrada (créditos). Em termos líquidos recolhe-se

o equivalente à tributação da diferença entre o valor das vendas brutas, em sua

maior parte, e o valor das aquisições de insumos e mercadorias. Essa

diferença representa, grosso modo, o valor que cada firma agrega aos produtos

por ela produzidos e comercializados.

No final da cadeia, o último adquirente, não tendo para quem mais

repercutir o imposto, suporta todo o ônus do tributo. Por essa sistemática de

débitos e créditos procura-se onerar, destarte, somente o consumo, anulando-

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se os efeitos da tributação sobre as transações intermediárias, sobre a

eficiência da produção e sobre a formação dos preços relativos (1).

As características da repercussão, da multifase, da não-cumulatividade

do imposto e do método de crédito do imposto pago na transação anterior

evitam a cobrança de impostos em cascata (cumulatividade). Essa espécie de

tributação articula-se em nexos indissociáveis cujo rompimento compromete

outra vantagem: sua neutralidade sobre os negócios privados. Ou seja, busca-

se a arrecadação tributária, mas neutralizando seus efeitos sobre os

mecanismos de mercado que, supostamente, primam pela maximização da

eficiência e da eficácia, seja na alocação dos escassos recursos disponíveis no

sistema econômico, seja na formação dos preços relativos, o que inclui preços

intermediários e finais, ou, ainda, na localização geográfica dos

empreendimentos.

Não se pretende fazer apologias a excelência do mercado como ente

supremo da maximização da eficiência e, muito menos, ao Governo, ente por

excelência da regulação e/ou direcionamento da atividade econômica, mas, tão

somente, destacar o aspecto filosófico que, originariamente, orientou a

arquitetura dos impostos sobre o valor agregado desde os seus primórdios na

França da primeira metade do século XX (2). Tais impostos deveriam manter-se

neutros em relação aos fluxos das transações correntes da economia e da

formação de capital e, para atingir tal fim, recaiam, em última instância, sobre o

consumo. Em outras palavras, onerar o consumo implicaria o livre fluir dos

bens e serviços pela economia de acordo com as leis que lhes são próprias.

Ideia, aliás, presente nos postulados clássicos de Adam Smith e de David

Ricardo (3).

1 Since (the tax) is levied, ultimately, on consumption and not on intermediate transactions between firms- while tax is charged on such purchases it is, in effect, fully refunded – a VAT does not distort the prices that producers face in buying and selling from one another. Accordingly, the tax has the desirable feature of not violating production efficiency…Taxes on intermediate transactions, in contrast, if not offset will drive a wedge between the buying and selling prices of producers. International Monetary Fund (2001) – p. 15 e 16. Observem que a substituição tributária rompe todos estes mecanismos. 2 International Monetary Fund (2001) – p. 1 a 8. 3 Ver A Riqueza das Nações de Adam Smith e Princípios de Economia Política e de Tributação de David Ricardo.

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A antiga tributação cumulativa sobre os fluxos de comércio funcionava

como obstáculo aos princípios defendidos por Smith e Ricardo, assim como as

exações unifásicas no meio das cadeias produtivas, a exemplo dos antigos

impostos únicos, não menos cumulativos. Os impostos únicos, imposto único

sobre combustíveis ou imposto único sobre minerais, eram cobrados no Brasil

no sistema que antecedeu o ICMS. Sua incidência era sobre o consumo, tanto

o consumo intermediário como o final. Uma transportadora, por exemplo,

pagava o imposto sobre o consumo de óleo diesel e não podia aproveitar o

respectivo crédito, pois os impostos unifásicos cobrados no consumo

intermediário eram cumulativos. Os impostos cumulativos pela falta de

neutralidade afetavam a atividade econômica em vários sentidos: encareciam a

produção, distorciam a formação dos preços relativos, promoviam a

verticalização dos negócios privados, funcionando como freios ao crescimento

econômico, além de instigar a evasão fiscal.

Nos anos de 1920, o industrial alemão Von Siemens propôs a criação de

um imposto sobre as vendas de indústrias de forma não cumulativa (4). Mas

somente a partir dos anos 1950, a ideia da tributação não cumulativa começou

a inserir-se nos sistemas tributários de vários países. Em 1965, um novo marco

na história da tributação não cumulativa do valor agregado: o Brasil inova ao

introduzir a tributação em dois níveis, o IPI, no nível do governo central, e o

antigo ICM, no nível subnacional (Estados e Distrito Federal). Inovou, também,

na amplitude das bases de incidência, incluindo desde operações mercantis da

indústria ao comércio de varejo, algo, até então, inédito em todo o mundo.

A partir dos anos 1970, os Impostos sobre o Valor Agregado – IVA -

conquistaram sistemas tributários dos mais diversos países do mundo

capitalista. Da Europa ao continente africano, do Canadá aos demais países

latino-americanos, da Oceania à Ásia. Curiosamente, os EUA ficaram fora

dessa “regra” (5). A ampla divulgação da tributação do valor agregado tinha

razão de ser. Tratava-se, segundo Richard Bird (2009), de uma verdadeira

4 International Monetary Fund, 2001 – p. 04. 5 International Monetary Fund, 2001, p. 4 a 8

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máquina arrecadatória (6). Tributar o valor agregado implicava promover a

arrecadação a partir da sua formação multifásica e não cumulativa ao longo

das cadeias produtivas, propiciando consideráveis ganhos de receitas devido à

grande amplitude da sua incidência.

Pesquisas desenvolvidas pelo Banco Mundial (7) e pelo Fundo Monetário

Internacional (8), ao mesmo tempo em que identificaram e compilaram as principais características dos IVA em todo mundo, demonstraram a diversidade das suas formas de cobrança e das várias especificidades de cada IVA local.

Dentre as características comuns à maioria dos IVA apontadas por esses

estudos, destacam-se a amplitude das bases de incidência (da indústria ao

comércio de varejo), o uso do método do crédito como mecanismo para

operacionalizar a não-cumulatividade, a incidência multifásica e, o que chama a

atenção para os propósitos deste trabalho, tratamentos diferenciados para

pequenos contribuintes ou pequenas empresas e produtores rurais em grande

número em todos os países pesquisados (9). Além dessas características,

outras foram relacionadas como típicas do IVA: a cobrança na origem ou no

destino, a desoneração de bens de capital, a multiplicidade de alíquotas, a

opção por créditos físicos ou créditos financeiros, os regimes de diferimento,

entre outras, o que denota grande diversidade de escolhas na adoção de

impostos sobre o valor agregado.

Os compêndios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional

demonstraram ainda que o tratamento diferenciado para pequenos

produtores/empresas é adotado em todos os países devido a dificuldades do

poder público em alcançar grande número de pequenos contribuintes

capilarizados. O traço comum desse tratamento são os regimes simplificados

de recolhimentos pela aplicação de uma alíquota mais baixa sobre a receita

bruta de vendas - uma exceção ao método do crédito. Outro procedimento

comum são os esquemas de diferimento, também conhecidos como ring

systems, quando uma indústria ou outro grande agente da cadeia produtiva se

6 Money Machine, no original em inglês. 7 The World Bank, Value Added Taxation in Developing Countries – A Word Bank Sumposium (1999). 8 International Monetary Fund - The Modern Vat (2001). 9 Estas pesquisas envolveram quase todos os países onde há impostos sobre o valor agregado.

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responsabiliza pelos impostos dos pequenos produtores/fornecedores. Além

desse procedimento, observam-se também transferências de créditos de

produtores rurais para seus adquirentes comerciais ou industriais. Soluções do

tipo substituição tributária para frente, foram consideradas exceções adotadas

em poucos países, além do Brasil, Argentina, Malawi, países bálticos, algumas

repúblicas da antiga União Soviética e Belarus. Mesmo assim, alguns desses

países já aboliram a substituição tributária.

Considera-se importante destacar que a tributação cumulativa e/ou

unifásica nas transações intermediárias será mais problemática, quanto mais

complexa e diversificada for a estrutura produtiva de uma economia. A

complexidade do sistema econômico determina relações interempresariais

mais matriciais e menos lineares. Nesse sentido, complexas formações de elos

multisetorias tornam extremamente inviáveis os impostos cumulativos

repercussivos ou cumulativos unifásicos. Nessas condições, a tributação

cumulativa e/ou unifásica acaba por onerar a produção a ponto de estimular as

empresas a reverem suas estruturas organizacionais e suas operações para

escaparem do tributo. Isto é muito comum entre coligadas de um mesmo grupo

empresarial em que algumas empresas têm a “função” de recepcionar vendas

subfaturadas. Outro problema é que a tributação cumulativa torna incerto o

ônus tributário sobre bens e serviços localizados na ponta do consumo, que

fica na dependência do número de fases que antecedem a etapa final da

cadeia produtiva, o que, dentre outros inconvenientes, desorganiza a formação

dos preços finais (10).

Diante desses problemas, a tributação não cumulativa revelou-se a mais

adequada por tornar neutra (ou quase neutra) sua influência nas transações

intermediárias. Os impostos cumulativos foram abolidos na maioria dos

sistemas tributários mundo afora. E a tributação unifásica cumulativa deixou de

ser aplicada em transações intermediárias para ser aplicada em transações

10 Em alguns países da Europa e na América do Norte, impostos unifásicos do tipo Excise Tax e Retail Sales Tax nunca são cobrados em fases intermediárias do comércio, mas nas vendas de varejo, ou seja, na etapa final da cadeia produtiva (The World Bank, 1999, p. 45-48).

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finais, normalmente na última etapa das cadeias produtivas, no consumo de

varejo.

As características intrínsecas e indissociáveis que se desenvolveram em

torno dos IVA ao longo das décadas contemplam a necessária neutralidade

que esta espécie de tributo deve ter, especialmente em países de complexas

estruturas industriais (11). Além das características já apontadas (repercussão,

multi-etapa e não cumulatividade), tornou-se consenso em todo mundo a

utilização do método do crédito como meio de operacionalizar a repercussão,

bem como a incidência dos IVA sobre preços de mercado, este último dado é

relevante para este trabalho. Conclusão

O ICMS é um imposto cuja concepção original atendia aos princípios

clássicos da tributação do valor agregado desenvolvida na segunda metade do

século XX. Sua origem é o antigo ICM, que foi instituído nos moldes de um IVA

em substituição aos impostos cumulativos presentes em nosso sistema

tributário, mormente o Imposto sobre Vendas e Consignações. A experiência

tem demonstrado que impostos cumulativos oneram a produção, instigando

reestruturações de negócios e evasão fiscal. Da mesma forma, impostos

unifásicos cobrados no meio das cadeias produtivas tornam-se cumulativos e,

por isso, normalmente são cobrados na etapa final, a exemplo dos impostos

sobre o consumo como o Retail Sales Tax (EUA) e o Excise Tax (Grã

Bretanha).

À medida que as estruturas produtivas da economia tornam-se

complexas, mais problemática é a cobrança de impostos cumulativos e

unifásicos no meio das cadeias produtivas. Em seu lugar, os impostos não

cumulativos do tipo IVA são a melhor opção porque neutralizam os efeitos da

tributação nos elos intermediários das cadeias produtivas. Vale esclarecer que

11 Essas outras características referem-se à adoção do princípio de destino nas transações de comércio exterior, à variedade de alíquotas conforme a natureza das operações e dos bens transacionados e, uma das mais propaladas, à desoneração do investimento pelo aproveitamento integral do imposto referente às aquisições de bens de capital como crédito fiscal pelos adquirentes. Esta última e a adoção do princípio de destino são as características-chave para fazer valer outra característica fundamental dos IVA: a limitação do seu alcance impositivo sobre a parcela do Produto equivalente somente ao consumo.

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a neutralidade da tributação reforça a eficiência do sistema econômico, do qual

depende o poder público para arrecadar receitas. E são justamente as

características intrínsecas e indissociáveis dos IVA, tais como a repercussão

do ônus tributário, a não-cumulatividade, a tributação multifásica, a utilização

do método do crédito, a amplitude da tributação e a formação das bases de

incidência sobre preços de mercado, quando combinadas em um único

sistema, que se auto reforçam em prol da neutralidade da tributação do valor

agregado.

Nesse contexto, insere-se a substituição tributária, utilizada como

instrumento promotor de arrecadação pelo combate à sonegação futura,

afetando toda a ordem estabelecida e desencadeando reações pró-evasão

entre os agentes privados. Ou seja, o mal acaba voltando-se justamente contra

quem quis a todo custo evitá-lo e o que se pretende combater, a evasão, passa

a ser um crescente e preocupante problema. Compreender como esse fato

acontece é o objetivo maior deste trabalho. Antes, porém, as características da

substituição tributária serão examinadas.

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CAPÍTULO 2

Características e evolução geral da substituição tributária no Brasil

A substituição tributária é um regime pelo qual a lei atribui a outrem a

responsabilidade pelo pagamento do imposto devido pelo contribuinte que

praticou o fato gerador. A obrigação tributária é deslocada para terceira pessoa

que não o contribuinte original. Este regime foi concebido para facilitar a ação

do Fisco na promoção da arrecadação tributária (12). Segundo Paulsen (2010,

p. 83), os primeiros registros da normatização desse instituto se deram na

Alemanha no início do século XX com o advento do Código Tributário do Reich

(Reichsabgabenordnung), sobre o qual Albert Hensel publicou em 1924 a obra,

Direito Tributário (Steuerrecht).

Paulsen esclarece que Hensel não abordou, nessa obra, a substituição

tributária de modo específico, “deixou claro, ao analisar a figura do devedor

tributário, que não raramente outra pessoa que não o devedor tributário era

considerado pela lei como obrigado ao pagamento, tendo exemplificado com as

hipóteses de retenção sobre rendimentos do trabalho e do capital.” (2010, p.

84). No Direito alemão, a transferência da obrigação originária para um terceiro

já configurava uma espécie de substituição tributária, também utilizada em

outros países europeus.

O tratamento desse instituto no Direito Tributário da Suíça (anos 1930),

da Itália (anos 1930) e da Espanha (anos 1940) também é descrito por

Paulsen, bem como o tratamento mais recente pela Lei Geral Tributária

Portuguesa de 1998. No Direito desses países, é recorrente o caráter dual

dessa espécie de obrigação tributária com a presença de dois sujeitos

passivos: um terceiro a quem se atribui a responsabilidade pela retenção e

recolhimento do tributo, hoje denominado substituto e o outro, devedor

12 Conferir a conceituação de Panzarini (2008): A substituição tributária é o mecanismo pelo qual o ICMS incidente nas sucessivas saídas promovidas pelos atacadistas ou varejistas é retido na fonte por industrial ou importador (substitutos) no momento da venda da mercadoria para os comerciantes (substituídos).

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originário, o substituído. Em todos esses casos, a transferência da obrigação

tributária para um polo concentrador da arrecadação é sempre entendida como

medida de eficácia e garantia do crédito tributário. O objetivo é evitar a evasão

dos devedores originários, normalmente muito pulverizados.

A passagem abaixo, transcrita de Paulsen (2010), ilustra bem o espírito

e o intuito da substituição tributária:

“No direito Espanhol, considera-se que ‘la sustitución es um tipo

concreto de colaboración.’(13) Dá-se ‘por razones de técnica o eficácia

recaudatoria’(14) e tem como objetivo ‘simplificar la gestión y la recaudación tributária mediante la reducción del número de relaciones jurídicas por la

Hacienda’ (15)...” (p.104,5)

A ideia de eficácia e simplificação da gestão tributária pela concentração

da fiscalização e controle da arrecadação em poucos contribuintes no lugar de

ampliar para outros que com eles se relacionam aparece em todas as

concepções analisadas pelo estudioso no Direito dos países europeus citados.

Na conclusão de seu trabalho, Paulsen destaca que “a utilidade do instituto da

substituição tributária como mecanismo de facilitação, racionalização e garantia

da arrecadação faz com que esteja presente nos diversos ordenamentos

jurídicos.” (grifos nossos)

O aspecto relevante do estudo é demonstrar que as relações analisadas

referem-se a situações em que o terceiro a quem se atribui a responsabilidade

pela retenção e recolhimento do tributo, o substituto, mantém direta e estreita

relação com o fato gerador. O exemplo recorrente no texto de Paulsen são as

retenções de impostos em que empregadores são obrigados a reter e recolher

o imposto no lugar dos empregados.

13 CALVO ORTEGA, Rafael. Curso de Derecho financiero. I. Derecho Tributário. 11ª ed. Thomson/Civitas, 2007, p. 157. 14 GONZALEZ, Eusébio; GONZALEZ, Teresa. Derecho Tributário I. Plaza Universitária, Salamanca, 2004, p. 247. 15 GONZALEZ, Eusébio; GONZALEZ, Teresa. Op. cit., 2004, p. 247.

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As manifestações de substituição tributária analisadas por Paulsen

demonstram duas características marcantes que são os elementos centrais

dessa espécie de responsabilidade: a utilidade como mecanismo de facilitação,

racionalização e garantia de arrecadação, a que neste trabalho denomina-se

pressuposto da utilidade, e o vínculo direto que há entre o responsável e o fato

gerador (ou fato imponível), a que neste trabalho denomina-se pressuposto do

vínculo direto. O uso desse instituto em impostos sobre valor agregado só é

funcional, como será demonstrado, quando os dois princípios estiverem

presentes.

A substituição tributária no Brasil

No Brasil, a introdução desse instituto no Direito se deu pelo Código Tributário Nacional de 1966 que, em seu artigo 121, distingue o contribuinte,

sujeito passivo que “tenha relação pessoal e direta com a situação que

constitua o respectivo fato gerador” (16), do responsável, sujeito que, “sem

revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição

expressa de lei” (17). O mesmo Código prevê no artigo 128 a possibilidade da lei em “atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a

responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do

cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. (grifos nossos) (18)

Nosso Código Tributário Nacional é enfático: o responsável deve manter

vínculo direto com o fato gerador e somente a lei pode atribuir tal

responsabilidade (19). Esse vínculo se faz em respeito à capacidade econômica

do substituto como garantia da presunção de liquidez e certeza que cerca o

crédito tributário (Derzi, 2010, p. 737). Não se pretende alongar-se sobre o

aspecto jurídico da questão, mas tão somente chamar a atenção para a

problemática do não respeito a este princípio nos casos de substituição

16 Brasil, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 121. 17 Idem. 18 Brasil, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 128. 19 Assim se posiciona Aliomar Baleeiro (2010): “A lei, e só ela, de modo expresso, pode substituir o contribuinte por outra pessoa, desde que vinculada ao fato gerador da obrigação tributária.”

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tributária para frente em que o responsável (substituto) não tem vínculo com os

fatos geradores futuros sobre os quais a responsabilidade do imposto lhe é

atribuída.

Rosa (2011) comenta que para “facilitar o controle da arrecadação e

fiscalização, os Estados, logo no primeiro ano de vigência do ICM, na década

de 70, já começaram a pensar na substituição tributária como forma de facilitar

a operacionalização do imposto.” Naquela época, os Estados passaram a

cobrar o imposto “na fonte, onde o fabricante, ao vender para o comerciante, já

deveria reter o ICM que incidiria na venda futura, portanto, antes da ocorrência

do fato gerador.” (p. 108).

A primeira manifestação concreta de substituição tributária apontada por

Rosa se deu pelo Protocolo ICM nº 02/72 entre os Estados das regiões Norte e

Nordeste reunidos em Brasília, época em que ainda não existia o Conselho

Nacional de Política Fazendária, o CONFAZ. O protocolo estabelecia a

retenção do ICM na fonte para produtos como farinha de trigo, cerveja,

refrigerantes e cana-de-açúcar. (PricewaterhouseeCoopers, 2010, p. 11)

Segundo a cláusula primeira desse Protocolo, os Estados deveriam

tomar providências para que os seus contribuintes efetuassem a retenção do

ICM nas saídas internas ou interestaduais dos produtos referidos. Essa

retenção seria calculada de acordo com determinadas margens a serem

aplicadas sobre o preço de venda do estabelecimento (ou preço de saída). A

cobrança antecipada dos impostos sobre fatos geradores futuros só se tornaria

possível mediante valoração das bases de cálculo por estimativas,

diversamente das que seriam estabelecidas a preço de mercado. Rosa (2011)

comenta ainda que no início dos anos 70 esse instituto foi largamente utilizado

pelos Estados por meio de regimes especiais aplicados a grandes fabricantes

de cigarros, cervejas, refrigerantes e a “indústrias de cosméticos que utilizavam

grande número de revendedores autônomos em vendas porta-a-porta

(marketing direto).” (p. 155).

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Na época, havia no Brasil dois ou três fabricantes de cervejas e duas ou

três marcas da bebida, cuja produção era altamente concentrada. Além disso,

o produto era extremamente homogêneo, tanto do ponto de vista das suas

características físicas como no de preços, sendo vendido em milhares, senão

milhões, de bares e restaurantes distribuídos por diversos centros urbanos

(grande capilaridade). As mesmas características estavam presentes na

fabricação e distribuição de cigarros e de outras mercadorias que passaram

para o regime de retenção antecipada.

Esses produtos, além de fisicamente homogêneos, tinham preços de

varejo bem conhecidos. Muitos eram tabelados pela antiga Superintendência

Nacional de Abastecimento, a SUNAB, e outros pelo próprio fabricante, cujos

distribuidores entregavam a mercadoria juntamente com um pequeno cartaz

contendo a descrição do produto e seu preço de varejo, que deveria ser fixado

no estabelecimento comercial do varejista.

Quanto aos cosméticos, a capilaridade talvez fosse ainda maior. Havia

pouquíssimos fabricantes e importadores, e as vendedoras tinham clientes

distribuídos em milhões de residências e salões de beleza. Apesar dessa

realidade, os preços dos produtos também eram bastante conhecidos, pois as

representantes se faziam acompanhar de listas de preços dos produtos que

vendiam de porta em porta.

Em todos esses casos, a cobrança do imposto na fase final do varejo era

extremamente inviável e custosa em razão das limitações tecnológicas e das

estruturas de mercado da época. Em suma, os primeiros produtos a entrarem

na substituição tributária, eram produtos homogêneos de alta concentração

industrial (ou de importação) e de grande capilaridade varejista. Seus preços

de varejo eram igualmente homogêneos e conhecidos e, em muitos casos,

tabelados.

Essas características estavam em conformidade com o pressuposto

clássico da transferência de responsabilidade da obrigação tributária, o

pressuposto da utilidade (facilitação, racionalização e garantia da arrecadação)

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(20), embora não atendessem ao pressuposto do vínculo direto. O responsável

substituto não participava diretamente da venda do distribuidor para varejista

nem deste para o consumidor final. Da mesma forma, no caso das

representantes de cosméticos, os fabricantes ou distribuidores nacionais não

participavam diretamente da venda dos produtos.

Nesse caso, a desvinculação do responsável com o fato gerador que só

aconteceria no futuro era algo inédito. A situação impunha a necessidade de se

conhecer, no presente, o valor da base de cálculo no futuro. O problema foi

contornado pelas estimativas de margens de valor agregado a serem aplicadas

sobre os preços de saída do fabricante ou do importador. Como o preço de

varejo era homogêneo e conhecido, as margens eram mais aderentes à

realidade dos preços de mercado. Nessas condições, o imposto incidente nas

operações de varejo podia ser capturado antes do consumo, no fabricante ou

importador com razoável grau de aderência da base de cálculo à realidade do

mercado. A ausência do pressuposto do vínculo direto não representava,

portanto, um problema sério, bastava a plenitude do pressuposto da utilidade.

Naquela época, a espécie de substituição tributária referida representava

grande produtividade arrecadatória e maior eficácia do Fisco, cuja presença

(fiscalização) em milhões de varejistas era praticamente impossível. A

fiscalização era feita sobre alguns grandes fabricantes ou importadores por

amostragem de registros devido às limitações da tecnologia de informação,

então disponível (pressuposto da utilidade). Entretanto, essa espécie de

tributação sepultava dois dos quesitos fundamentais da tributação do valor

agregado: o uso do método do crédito e a tributação multifásica. O primeiro

quesito perdia o próprio sentido de ser, porque a partir da retenção não haveria

mais imposto a ser creditado, já que este fora todo recolhido nas fases

anteriores. Quanto ao segundo aspecto, ao concentrar a arrecadação em

determinadas empresas tornava-a com características de unifásica no meio

das cadeias produtivas, algo totalmente fora da lógica dos IVA.

20 Mizabel Derzi (2010, p. 737) enumera pressupostos semelhantes: praticidade, comodidade na arrecadação, garantia do crédito e proteção contra a evasão.

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Mesmo com essa descaracterização, as primeiras formas de

substituição tributária sobre fatos geradores futuros não provocavam sérias

cumulatividades no então ICM, já que não havia consideráveis distorções das

margens estimadas em relação aos preços de mercado. Em outras palavras, a

não-cumulatividade continuava presente uma vez que o imposto antecipado

representava a soma das parcelas que seriam recolhidas de forma não

cumulativa em cada fase (futura) da cadeia produtiva, cuja incidência se dava

sobre bases de cálculo de razoável aderência aos preços de mercado.

A reação dos comerciantes, contudo, não foi favorável ao regime. A

ausência do método do crédito e a retenção dos impostos futuros pelo

fabricante implicavam o encarecimento da mercadoria para o

distribuidor/atacadista que teria de mobilizar maior parcela do seu capital de

giro para quitar a fatura. Muitos ingressaram na justiça questionando a sua

legalidade (Rosa, 2011, p. 155). Para contemporizar as críticas, a Lei

Complementar 44/83, em seu parágrafo 3º do artigo 3º, acrescentou ao artigo

6º do Decreto-Lei nº 406/68 “que fazia as vezes de lei complementar do velho

ICM, a possibilidade da substituição tributária para frente.” (Rosa, 2011, p.

155):

§3º - A lei estadual poderá atribuir a condição de responsável:

a) ao industrial, comerciante ou outra categoria de contribuinte, quanto ao imposto devido na

operação ou operações anteriores promovidas com a mercadoria ou seus insumos;

b) ao produtor, industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante

varejista (grifo nosso);

c) ao produtor ou industrial, quanto ao imposto devido pelo comerciante atacadista e pelo

comerciante varejista (grifo nosso);

§4º - Caso o responsável e o contribuinte substituído estejam estabelecidos em Estados diversos,

a substituição dependerá de convênio entre os Estados interessados.

O item “a” referia-se à substituição tributária nas operações

antecedentes, como se verá ainda neste capítulo. Os itens “b” e “c” referiam-se

à substituição tributária das operações futuras, que a partir de então passou a

ter amparo em Lei Complementar. Criava-se status legal para a ficção jurídica

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dos fatos geradores futuros ou presumidos, embora não descritos naquele

momento com esse nome.

Para o caso de indústrias e atacadistas que viessem a vender

mercadorias para outros Estados (fatos geradores a ocorrer em outros

Estados), o parágrafo 4º estabelecia a necessidade (“dependerá”) de convênio

para substituição tributária em operações e prestações interestaduais. A

medida era necessária para que um Estado repassasse ao outro o produto da

arrecadação do imposto retido por substituição. Além disso, na ausência de

convênios, mercadorias adquiridas com substituição tributária em um Estado e

negociadas em outro teriam de ser vendidas sem o imposto retido, o que daria

ao remetente do Estado de origem o direito à restituição (não se falava em

ressarcimento na época).

Vale lembrar que a lei tributária que introduz essa espécie de retenção

tem eficácia somente dentro do próprio Estado, não produzindo efeitos em

outros, justificando, assim, a necessidade de convênios. Por esse motivo, os

Estados, ao incluírem um produto na substituição tributária, normalmente o

faziam mediante convênios com outros Estados, o que evitava acúmulo de

pedidos de restituição (ressarcimento). Rosa (2011, p. 156), em seu trabalho,

esclarece que os questionamentos jurídicos e as ações dos contribuintes

contra os Estados continuavam, com decisões que ora pendiam a favor dos

contribuintes, ora a favor dos Estados.

O próximo passo foi a Constituição Federal de 1988, que no artigo 155,

parágrafo 2º, XII, b, estabeleceu que caberia à lei complementar dispor sobre

substituição tributária. A Emenda Constitucional nº 3/93, embora considerada

por alguns autores de duvidosa constitucionalidade (21), previu no próprio texto

constitucional (parágrafo 7º do artigo 150) que:

Art. 150.

§7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável

pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada

21 Conferir CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. 13ª ed. Malheiros Editores, 2007, p. 312-315.

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a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido

(grifos nossos).

A partir dessa emenda, o instituto da substituição tributária sobre fatos

geradores futuros estaria constitucionalmente garantido. A figura do fato

gerador presumido, ficção jurídica que até então era subentendida nas

referências ao imposto devido por futuros sujeitos passivos, aparecia “com

todas as letras” em um texto constitucional, qualificando com maior propriedade

o que seriam “fatos gerados futuros”.

Outra novidade na lei era a possibilidade da “imediata e preferencial

restituição da quantia paga” caso o fato gerador presumido não se realizasse.

O que seria correto. Porém, tempos depois, o dispositivo seria o motivo

alegado para o não ressarcimento do imposto pago nos casos em que a

mercadoria fosse comercializada no varejo por preço final inferior ao previsto

nas margens de retenção.

O dispositivo constitucional previsto no artigo 155, parágrafo 2º, XII, b,

entretanto, só viria a ser atendido com a Lei Complementar 87/96, a chamada

Lei Kandir, que dispôs sobre substituição tributária do ICMS, destacando a

aplicação deste instituto em três dimensões temporais:

a) substituição tributária nas operações ou prestações antecedentes;

b) substituição tributária nas operações ou prestações concomitantes;

c) substituição tributária nas operações ou prestações subsequentes,

também denominada substituição tributária para frente ou

progressiva, como já esclarecida neste trabalho.

Verbis:

Art. 6º - Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer

título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que o contribuinte assumirá a condição de

substituto tributário.

§ 1º - A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou

mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes, inclusive ao valor

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decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem

bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto (grifos

nossos).

Com este dispositivo, a Lei Complementar 87/96 – a Lei Kandir -

consolidou o instituto da substituição tributária no Brasil, promovendo, de uma

vez por todas, em operações subsequentes, a desvinculação entre o

responsável e o fato gerador da obrigação tributária, contrariando o que fora

disposto no artigo 128 do CTN (22). Além disso, dispôs, em seu artigo 9º, sobre

a necessidade de acordo (convênio ou protocolo) entre os Estados para a

aplicação da substituição tributária para frente nas operações interestaduais, o

que, como já destacado, é necessário para se garantir a justa distribuição de

receitas entre as unidades federadas e, ao mesmo tempo, evitar-se o acúmulo

de pedidos de ressarcimento.

A partir da Lei Kandir e até o ano de 2007, o sistema funcionou em

relativa harmonia entre os Estados. Havia certa variação das mercadorias

sujeitas ao regime de Estado para Estado, isto é, cada Estado continha sua

cesta de mercadorias sujeitas ao regime. Todavia, os Estados firmavam

convênios que abrangiam a maior parte delas, o que conferia ao sistema

alguma harmonização. Enquadravam-se no regime mercadorias relativamente

homogêneas, tanto em suas características físicas como em preços finais, cuja

produção fosse altamente concentrada e vendas de varejo amplamente

pulverizadas. As mercadorias que mais se enquadravam nesses pressupostos,

na época, eram automóveis, pneus, motocicletas, cigarros, refrigerantes,

cervejas, chope e, depois da Constituição Federal de 1988, combustíveis (23),

22 Conferir o posicionamento de Mizabel Derzi (2010, p. 739): O interesse (na capacidade econômica do responsável e os meios de garantir-lhe o ressarcimento do imposto pago) é crescente nas hipóteses de substituição tributária progressiva ou “para frente”, cuja peculiaridade reside em que o acontecimento do fato descrito na norma secundária antecede temporalmente o acontecimento do fato descrito na norma primária. A inversão aproxima a criação legislativa da inconstitucionalidade, pois cria obrigação para o responsável antes sequer nascida a do contribuinte e ofende a capacidade econômica, que deve ser sempre atual – nunca antes de se concretizar. As leis ordinárias contêm uma série desses exemplos exorbitantes.

23 Antes da Constituição Federal de 1988, o antigo ICM não tributava “combustíveis”, que eram tributados pelo antigo Imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de combustíveis e lubrificantes líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza de competência da União (Amed & Negreiros, 2000, p. 285).

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que, dentre outras, tornaram-se as mercadorias “tradicionais” da substituição

tributária.

A Lei Kandir amenizou os conflitos sobre a validade jurídica da

substituição tributária. Entretanto, a partir de então, aprofundaram-se os

conflitos em torno das diferenças do imposto pago nos casos em que a base de

cálculo utilizada para a retenção superava a base de cálculo realizada na ponta

final, a preços de mercado. Esses conflitos, ainda não superados, encontram-

se sob judice, como se verá no próximo capítulo.

A partir do ano de 2008, constata-se uma profusão descoordenada de

leis e decretos estaduais autônomos para a inclusão de um número crescente

de produtos na substituição tributária para frente e poucos acordos entre os

Estados. Essas práticas degradaram cada vez mais o ICMS como imposto

sobre valor agregado, provocando inseguranças jurídicas pela constituição de

sujeitos passivos sem vínculos com o fato gerador, descaracterizando a base

de cálculo do ICMS e transformando o instituto da substituição tributária na

maior panaceia tributária que já se verificou neste país.

A esta altura da discussão seria pertinente examinar as modalidades de

substituição tributária elencadas na Lei Kandir.

As modalidades de substituição tributária

A Lei Kandir, no art. 6º parágrafo 1º, arrolou três modalidades de

responsabilidade, o que implica três modalidades de substituição tributária:

A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou

mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes.. (grifos

nossos)

Em razão de a substituição tributária subsequente, ou para frente, ter

sido tratada na seção anterior, dá-se, nesse momento, destaque à substituição

tributária antecedente ou regressiva ou, ainda, para trás, cuja responsabilidade

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é atribuída a um terceiro em relação às operações ou prestações

antecedentes. Neste caso, o terceiro é o receptor de mercadorias remetidas ou

de serviços prestados por pequenos produtores de baixo grau de formalização,

ou por pessoas físicas não inscritas como contribuintes do imposto

(ambulantes, catadores, etc), ou, ainda, por grande número de pequenas

empresas, mesmo que formalizadas. O receptor normalmente é uma empresa

ou organização formalizada de maior porte, podendo ser uma cooperativa, um

armazém, uma fábrica ou um processador de sucatas (24). A responsabilidade

pelo pagamento do imposto dessas operações ou prestações fica atribuída ao

receptor da mercadoria ou do serviço prestado. Ou seja, desloca-se a

responsabilidade do contribuinte (substituído) para o responsável (substituto).

Trata-se do chamado imposto diferido ou do instituto do diferimento.

No Brasil é comum essa espécie de substituição tributária no setor

sucro-alcooleiro em que uma usina de açúcar e álcool é a responsável pelo

ICMS das remessas de cana por produtores rurais. Além das remessas da

cana em caule do produtor para a usina, o ICMS das remessas do álcool anidro

da usina para a refinaria, onde será misturado à gasolina, também é diferido

para a receptora (a refinaria). Nesse caso, há duplo diferimento na cadeia, do

produtor para a usina (remessas de cana) e desta para a refinaria (remessas

de álcool anidro).

No Estado de São Paulo há outros casos de aplicação do diferimento,

como, por exemplo, nas saídas de produtos agropecuários como algodão em

pluma, café cru, aves, gado, hortifrutigranjeiros, laranja e leite do produtor para

a indústria. O ICMS dessas operações fica diferido para o momento da saída

dos produtos resultantes da sua industrialização ou abate (artigos, 329 a 389

do Regulamento do ICMS/SP).

A substituição tributária antecedente ou regressiva é própria de

estruturas de mercado imperfeitas denominadas como monopsônios ou

24 No Relatório do Banco Mundial (1999), p. 156-167, relatam-se casos semelhantes de responsabilidade atribuída a terceiros nos chamados ring systems adotados em alguns países africanos, quando uma indústria ou um exportador são os responsáveis pelos impostos de seus pequenos fornecedores rurais.

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oligopsônios, em que há um único ou poucos compradores que centralizam a

aquisição da produção de vários fornecedores. A ação do Fisco, neste caso,

torna-se mais eficiente e eficaz junto ao adquirente centralizador, o responsável

pelo recolhimento dos tributos devidos pelos seus fornecedores.

No que se refere aos impostos do tipo IVA, há dois procedimentos

básicos para operacionalizar o diferimento. No primeiro, os adquirentes apenas

recebem a mercadoria ou o serviço sem o tributo e, por isso, não efetuam o

crédito. Nesse caso, a receita do imposto é integralmente capturada na ocasião

em que o responsável vende a sua própria produção. Como não houve crédito

na entrada, o débito da operação seguinte engloba tanto o imposto sobre o

valor por ele agregado quanto o da operação antecedente, o que seria devido

pelo remetente do substituto. Rosa (2011, p.111) adverte que o diferimento não

se caracteriza como benefício fiscal. A operação ou prestação antecedente é

tributada, apenas adia-se o momento do lançamento e do recolhimento do

imposto transferindo-se sua responsabilidade para outrem (o adquirente).

No segundo caso, o adquirente, ao receber mercadoria ou serviço com

diferimento, paga ao governo o imposto dessa operação antecedente no ato do

recebimento e aproveita o respectivo crédito para compensação contra os

débitos decorrentes de suas vendas (ou saídas) subsequentes.

Em ambas as situações, o responsável recolhe tanto o imposto da

operação ou prestação antecedente como o da sua própria operação ou

prestação. Não há cumulatividade. O efeito cascata está ausente porque o

imposto pago sob qualquer um desses regimes de diferimento não inclui, em

sua própria base, o imposto da operação anterior. Vale dizer, o centralizador

desembolsa e repercute o mesmo imposto que pagaria e repercutiria caso não

houvesse o diferimento sob um sistema normal de débitos e créditos. A

incidência do imposto continua sendo sobre o valor agregado, apenas desloca-

se a parcela devida pelo contribuinte (antecedente) para o substituto, que

continua mantendo vínculos diretos com o fato gerador.

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Outros aspectos relevantes da modalidade de substituição tributária

referida são: primeiro, a incidência ocorre sobre os reais preços de mercado;

segundo, está presente a repercussão do ônus tributário; terceiro, o método do

crédito não é desconsiderado, e quarto, o imposto continua plurifásico, embora

com certa concentração em alguns pontos da cadeia.

O que se pretende elucidar é que o diferimento não macula as

características intrínsecas do IVA a ponto de tornar inviável a sua utilização.

Em razão de o substituto manter relação direta com o fato gerador, uma vez

que participa na ponta da recepção da mercadoria, é estabelecido um vínculo

que faz com que a base de cálculo possa ser constituída a preços de mercado,

não afetando a formação dos preços no restante da cadeia. Ou seja, tanto os

princípios da utilidade como o do vínculo direto estão presentes, bem como as

características intrínsecas e indissociáveis do IVA. Nota-se que a presença do

pressuposto do vínculo direto reforça uma das características do IVA: a

formação da base de cálculo a preços de mercado. Um vínculo dessa natureza

faz dispensar o uso de pautas, margens e assemelhados.

Pelos motivos arrolados, confirma-se o diferimento como espécie

adequada de substituição tributária, comprovado pelo seu largo uso em todo o

mundo, conforme demonstram as pesquisas do Banco Mundial e do FMI.

Nas operações ou prestações concomitantes, duas hipóteses de

incidência e dois fatos geradores do mesmo imposto ocorrem ao mesmo

tempo. O exemplo clássico são as saídas de mercadorias que acarretam

concomitantemente as prestações de serviços de transporte (Rosa, 2011, p.

143). No Estado de São Paulo havia substituição tributária nessas transações

até julho de 2008, quando esta foi abolida. O serviço de transporte em São

Paulo tinha como responsável (substituto) o tomador do serviço. O

transportador era o substituído.

A aplicação da substituição nesse caso devia-se à existência de muitos

transportadores autônomos ou de transportadoras de outros Estados não

inscritas em São Paulo e que lá iniciavam a prestação do serviço. Nota-se que

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se considera como fato gerador o serviço de transporte iniciado no estado.

Porém, a aplicação da substituição tornou-se indistinta tanto para as empresas

transportadoras inscritas em São Paulo como para as não inscritas e também

aos autônomos. A grande mudança se deu em agosto de 2008 quando,

segundo Rosa (2011, p. 144), o governo estadual isentou “os serviços de

transporte de cargas com início e fim dentro do Estado.” Ainda de acordo com

o autor, em “1º de setembro voltou a tributação normal com o fim da isenção,

mas não voltou a substituição tributária” para as transportadoras paulistas. No

entanto, a substituição continua sendo aplicada para os serviços de transporte

de cargas prestados por transportadoras de outros Estados e por autônomos.

No caso descrito, o substituto – o tomador do serviço - está diretamente

vinculado na ponta receptora do fato gerador, o que garante a aplicação do

tributo sobre bases de cálculo reais, isto é, realizada a preços de mercado.

Estão presentes também o pressuposto da utilidade e todos os demais

quesitos da neutralidade do IVA (repercussão, não-cumulatividade, método do

crédito e IVA plurifásico), não sendo, portanto, problemática a substituição

tributária nas operações e prestações concomitantes, pelo menos do ponto de

vista dos pressupostos que fundamentam este trabalho.

Conclusão

As primeiras manifestações de substituição tributária que surgiram no

direito positivo europeu consideravam dois pressupostos básicos para a

aplicação deste instituto: a utilidade como mecanismo de facilitação,

racionalização e garantia da arrecadação (pressuposto da utilidade), e a

vinculação do responsável com o fato gerador (pressuposto do vínculo direto).

No Brasil, a substituição tributária surgiu com o CTN em 1966 que, em

seus artigos 121 e 128, previu a transferência de responsabilidade distinguindo

o contribuinte, sujeito passivo com relação pessoal e direta com o fato gerador,

do responsável, sujeito que teria sua responsabilidade atribuída por lei desde

que vinculado ao fato gerador. Três modalidades de substituição tributária

surgiram.

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A primeira, a antecedente, regressiva ou para trás, quando o

responsável (substituto) responde pelos tributos das operações ou prestações

anteriores dos seus remetentes, normalmente pessoas físicas ou jurídicas em

grande número. Exemplo recorrente dessa substituição tributária são os

mercados de gêneros agrícolas em que vários produtores fornecem sua

produção a um grande laticínio ou a uma grande cooperativa. É uma situação

típica de mercados mono ou oligopsônicos. Nessa modalidade, os dois

pressupostos básicos da utilidade e do vínculo direto estão presentes, além

disso, coaduna-se com as características intrínsecas e indissociáveis dos

impostos sobre o valor agregado. Em razão de sua natureza, sua evolução foi

pacífica, sem registros de grandes conflitos fisco/contribuintes. A ampla

utilização da substituição tributária antecedente em todo o mundo atesta a sua

conveniência.

A segunda, a concomitante, quando dois fatos geradores ocorrem

simultaneamente e a lei atribui a um dos sujeitos passivos a responsabilidade

pelos tributos de ambos. O exemplo típico é a prestação de serviços de

transporte de cargas em que o contratante, normalmente uma indústria ou um

atacadista, assume a responsabilidade pelos tributos sobre a saída da carga

transportada (fato gerador 1) e sobre o serviço de transporte (fato gerador 2).

Da mesma forma que a anterior, esta modalidade também se coaduna tanto

com os pressupostos básicos da utilidade e do vínculo direto, quanto com as

características intrínsecas e indissociáveis do IVA. Por este motivo também

não tem sido motivo de significativos conflitos entre Fisco e contribuintes.

A terceira modalidade, a substituição tributária subsequente, progressiva

ou para frente - doravante ST, quando a responsabilidade é atribuída a um

sujeito passivo em relação às operações ou prestações que ocorrerão no futuro

por outros sujeitos passivos com os quais ele não mantém vínculos, nem com

os respectivos fatos geradores (futuros). A responsabilidade atribuída ao

fabricante de cervejas pelos tributos devidos nas operações subsequentes dos

distribuidores aos varejistas e destes aos consumidores é um exemplo desta

modalidade. Nesse caso, dentre os pressupostos básicos da atribuição de

responsabilidade a terceiros, o da utilidade não é afetado, porém o do vínculo

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direto é plenamente desrespeitado. Além disso, a substituição tributária

subsequente macula as características intrínsecas e indissociáveis do IVA, tais

como, a cobrança multifásica, o método do crédito e a formação da base de

cálculo sobre preços de mercado. Destarte, anula-se uma das principais

vantagens do IVA, a sua neutralidade, o que tem provocado, como se verá,

sérios distúrbios nas cadeias produtivas.

A substituição tributária para frente, portanto, evoluiu de forma

conflituosa no Brasil. Contribuintes substitutos e substituídos sempre se viram

prejudicados, contestando na justiça a validade jurídica do instituto. Além disso,

o baixíssimo uso desta modalidade em todo o mundo atesta a sua

inviabilidade.

Todavia, a ST foi largamente utilizada pelos Estados da federação

brasileira sobre produtos que atendessem certas características e que,

posteriormente, se transformariam em quesitos básicos para a inclusão do

produto na substituição tributária. Assim, esses produtos deveriam apresentar

alta relevância para a arrecadação e que, ao mesmo tempo, tivessem sua

produção altamente concentrada, apresentassem relativa homogeneidade

física e de preços de varejo e tivessem suas vendas finais dispersadas por

grande quantidade de estabelecimentos varejistas. Deste modo, racionalizava-

se a fiscalização em poucos grandes contribuintes e garantia-se a arrecadação,

evitando-se a evasão do imposto pela alta capilaridade do varejo.

No início, a desvinculação do substituto em relação aos fatos geradores

futuros não representava grave distorção em termos de aderência das bases

de cálculo utilizadas na retenção do imposto por substituição tributária em

relação aos preços efetivamente praticados no mercado. Os preços de varejo

eram bem conhecidos e muitos, tabelados, o que possibilitava razoável

aderência daquela base de cálculo aos preços de mercado. Por isto, o

problema do ressarcimento não era grave. Porém, os comerciantes

contestavam na justiça a validade jurídica do regime, uma vez que onerava as

faturas das aquisições de mercadorias comprometendo maior parcela do seu

capital de giro.

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Desde os primeiros anos da década dos 70, mercadorias como

automóveis, pneus, motocicletas, cigarros, refrigerantes, cervejas, chope e

combustíveis (esta última, após a CF 1988) tornaram-se as mais utilizadas no

regime de substituição tributária para frente. Até 2007 estes produtos

“reinaram” na substituição tributária. Entre 2008 e 2009, houve uma verdadeira

“explosão” de novos produtos na ST em alguns Estados trazendo uma série de

consequências não desejadas para o sistema de tributação valor agregado no

Brasil. Em capítulo adiante, retornaremos a esse ponto.

A partir da Lei Kandir, verdadeiro marco legal, os conflitos mais agudos

entre Fisco e contribuinte deixou a esfera da validade jurídica do próprio

instituto e passou para outro campo, o das diferenças das bases de cálculo

estimadas em relação às bases de cálculo reais valoradas a preço de mercado.

Àquela época, os preços de varejo já não eram, de antemão, bem conhecidos

e, muito menos, tabelados. As discussões e ações judiciais em torno desse

conflito envolviam o chamado ressarcimento, objeto do próximo capítulo.

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CAPÍTULO 3

O problema do ressarcimento

Discute-se, neste breve capítulo, o problema do ressarcimento nas

hipóteses em que o substituído, o varejista, vende a mercadoria por preços e

margens de valor agregado inferiores aos estipulados por portarias. Algumas

críticas são enumeradas: específicas ao não ressarcimento e outras de ordem

geral.

Na substituição tributária para frente, o lançamento do imposto só se

torna possível mediante estimativas da base de cálculo, dada a evidente

desvinculação que há entre o sujeito passivo por substituição e os fatos

geradores futuros. A Lei Complementar 87/96 normatiza a base de cálculo em

seu artigo 8º parcialmente abaixo transcrito.

Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:

II - em relação às operações ou prestações subsequentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:

a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;

b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço;

c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes.

§ 2º Tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, é o referido preço por ele estabelecido.

§ 3º Existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço.

§ 4º A margem a que se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.

§ 5º O imposto a ser pago por substituição tributária, na hipótese do inciso II do caput, corresponderá à diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto.

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§ 6o Em substituição ao disposto no inciso II do caput, a base de cálculo em relação às operações ou prestações subsequentes poderá ser o preço a consumidor final usualmente praticado no mercado considerado, relativamente ao serviço, à mercadoria ou sua similar, em condições de livre concorrência, adotando-se para sua apuração as regras estabelecidas no § 4o deste artigo. (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

Da leitura dos dispositivos da Lei Complementar, depreende-se que a

base de cálculo parte do valor da operação de saída (vendas) dos substitutos,

obtida pelo real valor de mercado (art. 8º, II, “a”), acrescido do plus do valor

agregado futuro. Exemplificando: à base valorada a preços de mercado

acrescentam-se, primeiramente, as despesas de transporte e seguros e outras

que hão de se agregar para compor o preço final (art. 8º, II, “b”).

Posteriormente, agrega-se a esta base a margem de valor agregado (“inclusive

lucro”) das operações ou prestações subsequentes (art. 8º, II, “c”) que, em

razão de os fatos geradores ainda não ocorrerem, deve ser estimada.

Nos parágrafos seguintes da Lei, normatiza-se o cálculo de estimativa

da margem do valor agregado e se estabelece a possibilidade de substituí-la

por preços finais, estimados ou conhecidos. Ou seja, há dois critérios para a

estimativa do valor agregado das operações ou prestações futuras em relação

a valores de saída dos substitutos: pela aplicação de percentual de valor

agregado (margem) sobre os valores de saída e pela diferença entre preços

finais, estimados ou conhecidos, e preços praticados pelo substituto. O primeiro

é percentual que se aplica sobre determinado valor básico, e o segundo é com

base na diferença de preços aplicada sobre quantidades transacionadas.

O critério da margem de valor agregado (percentual sobre a base) é o

mais utilizado nos dias de hoje, dada à ausência de homogeneidade dos

produtos finais, tanto em termos físicos quanto em termos de preços, por isso,

utilizam-se médias. O segundo critério, mais raro nos dias de hoje, foi utilizado

no passado, na época em que os produtos sujeitos a ST eram mais

homogêneos e os preços, tabelados.

A margem do valor agregado deve ser obtida “com base em preços

usualmente praticados”, o que requer pesquisas, levantamentos e outros

elementos “fornecidos pelas entidades representativas dos respectivos

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setores.” A margem de valor agregado é calculada pela relação entre os preços

usualmente praticados no varejo e os preços usualmente praticados pelos

remetentes, os substitutos. Elabora-se a média ponderada de preços finais e

intermediários para chegar-se a uma margem média do setor, cuja fixação

deve obedecer “critérios fixados em lei”.

No parágrafo 5º da Lei, fica estabelecido como o imposto devido por

substituição tributária deve ser calculado: pela diferença entre o produto da

aplicação da alíquota interna de cada Estado, (normalmente 18% ou 17%)

sobre a base de cálculo da ST, e o imposto incidente na operação própria do

contribuinte. Este último é o imposto normal da operação ou prestação de

saída, calculado a preço de mercado, que entra no regime normal de apuração

entre débitos e créditos do substituto. A outra parcela, resultado da diferença, é

o imposto devido por substituição tributária, calculado por margens estimadas.

Pela leitura dos parágrafos 2º, 3º e 6º da Lei, percebe-se uma constante

preocupação do legislador em aproximar-se dos preços de mercado sempre

que possível. Faculta-se ao legislador estadual a possibilidade da adoção de

preços finais fixados, sugeridos ou usualmente praticados no lugar da margem

calculada por preços médios ponderados. O preço final ao consumidor “único

ou máximo”, mencionados no parágrafo 2º, são fixados por órgão público, ou

seja, são preços tabelados que, na prática, não existem mais. Deve-se

considerar que qualquer preço final que entre no lugar da margem, seja ele

sugerido ou usualmente praticado, não deixa de ser preço pasteurizado

instituído por decreto ou por portaria.

Os preços e as margens são fixos, mas o mercado é dinâmico. As

secretarias da fazenda se esforçam com pesquisas, planilhas, reuniões com

entidades representativas dos setores e publicam periodicamente portarias e

decretos na tentativa de adequá-los aos preços de mercado. É uma corrida

perdida, já que o mercado é muito mais dinâmico e diverso. Há comerciantes

que operam com margens abaixo das publicadas e outros com margens acima.

A tributação torna-se, portanto, desigual. Após a efetiva realização do fato

gerador, os comerciantes que operaram com margens inferiores às publicadas

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são prejudicados, por isso reclamam pelo ressarcimento do valor pago a maior.

Por outro lado, os que operaram com margens superiores às publicadas não

pagam a diferença.

Tanto o ressarcimento do pagamento a maior bem como o recolhimento

complementar do imposto pago à menor foram abolidos pelas legislações

estaduais e por sentenças do Supremo Tribunal Federal. A Emenda

Constitucional nº 03/93 incluiu o parágrafo 7º ao artigo 150 da Constituição

Federal assegurando ao substituído a “imediata e preferencial restituição da

quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Da mesma forma,

a Lei Complementar 87/96 em seu artigo 10 estabeleceu estar “assegurado ao

contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por

força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que

não se realizar.”

Fatos geradores presumidos não realizados decorrem de vendas não

realizadas por motivos de perecimento, furto, deterioração ou qualquer outro

fator que tenha impossibilitado a venda da mercadoria. Outra hipótese é o fato

gerador realizado posteriormente em operação ou prestação não tributada,

como, por exemplo, exportação, venda para Zona Franca de Manaus ou venda

para outro Estado com o qual não há protocolo ou convênio. Nesses casos, o

fato gerador se realiza sem o imposto que havia sido retido por substituição,

cabendo ao comerciante o ressarcimento da quantia paga a mais. O que é

evidente e justo.

Outra categoria de fatos geradores presumidos não realizados são as

saídas interestaduais de mercadorias que sofreram retenção por ST no Estado

de origem para as quais não há acordos com no Estado de destino. A

presunção é que, para estas mercadorias, os fatos geradores futuros

ocorreriam dentro do próprio Estado que instituíra o regime. Como os fatos

gerados presumidos que serviram de base para a incidência da ST no Estado

de origem não terão ocorrido dentro deste Estado, cabe ao remetente

substituído, que havia adquirido mercadorias com retenção, o direito ao

ressarcimento.

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Em relação às vendas finais, realizadas por margens ou preços

inferiores aos fixados em portarias ou decretos, houve muita controversa.

Alguns Estados faziam o ressarcimento e outros não. Houve Estados que

ingressavam, no Supremo Tribunal Federal, Ações Diretas de

Inconstitucionalidade pelo não ressarcimento dos valores pagos a maior. Em

2002, a hipótese de ressarcimento foi julgada inconstitucional (ADI 1851/AL,

RE 354.035-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 19/12/2002).

Na sentença de 2002, os Ministros do Supremo alegaram que o texto

constitucional não explicita a hipótese de ressarcimento devido a diferenças

entre margens ou preços estimados e margens ou preços efetivos, mas, tão

somente, a não realização do fato gerador presumido. Da mesma forma, não

caberia o pagamento complementar do imposto nos casos em que margens ou

preços estimados fossem inferiores às margens efetivas. Essa sentença foi o

marco inicial da institucionalização de margens e preços pasteurizados.

Se a decisão do STF fosse de outra natureza, favorável ao

ressarcimento do imposto pago a maior e pela cobrança da diferença do

imposto pago a menor, criar-se-ia uma situação bizarra, vivida atualmente,

porém por outros motivos (como se verá). Trata-se da negação do próprio

instituto da ST. Considerando-se que grande parte dos varejistas solicitaria

ressarcimento, este fato demandaria fiscalização em milhares de contribuintes.

A outra parte dos contribuintes que teria de pagar a diferença demandaria,

igualmente, fiscalização em milhares deles.

Ressarcimentos e pagamentos de diferença negam a própria natureza

da ST, reincidindo no problema que justamente deveria ser evitado: a

fiscalização de milhares de contribuintes. Posteriormente, São Paulo e

Pernambuco moveram ADINs contra suas próprias leis estaduais que previam

o ressarcimento. O julgamento das ADINs foi suspenso em 2007 com empate

de 05 votos contra 05 a favor, faltando apenas o voto do ministro Carlos Britto

(PriceWaterhouseCoopers, 2010, p. 20). Até hoje não houve decisão judicial.

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O governo paulista, no entanto, antes que o STF se decidisse, publicou

a lei estadual 13.291 de dezembro de 2008 permitindo todas as hipóteses de

ressarcimento. Porém, em relação às vendas finais realizadas por valores

inferiores à base de cálculo utilizada na substituição tributária, a lei paulista

autorizou somente o ressarcimento nos casos em que esta base de cálculo

tenha sido o preço final a consumidor, único ou máximo, autorizado ou fixado

por autoridade competente (Rosa, 2011, p. 199-200). Como informado

anteriormente, esses preços não são mais praticados no Brasil (preços

tabelados) ficando, portanto, inoperante o dispositivo.

A pasteurização de margens e preços para a composição da base de

cálculo da substituição tributária e a definitividade do pagamento provocam,

portanto, sérios desequilíbrios no mercado, o que tem suscitado muitas críticas

e reações pró-evasão fiscal. Esta questão será examinada no próximo capítulo.

Para finalizar, destacam-se algumas críticas e relatos representativos sobre a

substituição tributária.

Roque Antônio Carraza (25) dirige críticas certeiras à sistemática de

substituição tributária para frente, ressaltando que estimativas de base de

cálculo fere o princípio da tipicidade da tributação, bem como viola o princípio

da não confiscabilidade, burla o princípio da não-cumulatividade e retira os

quesitos da segurança e certeza, juridicamente inerentes a qualquer exigência

tributária. Segundo o autor, estimativas descaracterizam a base de cálculo e,

em adesão às ideias de Alcides Jorge Costa, considera que “descaracterizada

a base de cálculo, descaracterizado está o tributo.”

Carraza é enfático ao argumentar pela inconstitucionalidade da

substituição tributária para frente, destacando o efeito confiscatório do não

ressarcimento do imposto pago a maior para os comerciantes que vendem por

preço abaixo do que serviu de base de cálculo (26). Destaca também a

25 CARRAZA, op. cit. p. 328. 26 Adiante, este efeito será muito lembrado ao se discutir os verdadeiros motivos do grande incremento de arrecadação proporcionado pela ST.

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cumulatividade que esse regime introduz na cadeia na medida em que é

negado ao contribuinte o direito ao crédito do imposto pago a maior.

Na literatura internacional sobre o assunto, há poucas referências sobre

substituição tributária para frente, uma vez que impostos baseados em pautas

fiscais e assemelhados já foram banidos dos sistemas tributários em quase

todo o mundo. Dentre os principais autores, destacam-se Alan Schenk & Oliver

Oldman (2007), que consideram os chamados “método da margem bruta”

como exceção ao método do crédito. Descrevem o uso da substituição

tributária em países em que o fabricante (manufacturer) ou o distribuidor

(distributor) são os substitutos responsáveis pela retenção do imposto devido

nas vendas porta a porta. Os autores ressaltam, ainda, que os substitutos

responsáveis sabem de antemão os preços de varejo, ou seja, admite-se esta

espécie de antecipação quando o preço de varejo é conhecido e invariável:

fixado pelo próprio fornecedor (27).

O trabalho do Fundo Monetário Internacional (2001, p. 20) faz críticas ao

uso do chamado método da margem bruta (28) no lançamento de impostos do

tipo IVA nos países bálticos, na Rússia, em algumas antigas repúblicas

soviéticas e Belarus. As convenções e os métodos utilizados para o cálculo da

margem bruta são apontados como ultrapassados, típicos das economias

planejadas do passado, aludindo-se às antigas repúblicas socialistas do Leste

europeu e à extinta União Soviética. A tributação deveria assentar-se sobre os

preços de mercado (actually realized), ao invés de se utilizarem preços fictícios

(notional prices).

27 No original em ingles. The alternative employed in some countries is to require the manufacturer or distributor who sells to these door-to-door sellers to report as the taxable amount of the sales the retail price of the items sold. The manufacturer and distributor know these prices because they generally set the recommended retail prices (grifos nossos). In Alan Schenk & Oliver Oldman. Value Added Tax – A comparative Approach no item H. Sales to Door-To-Door Seller and Similar Independent Contractors. Cambridge University Press 2007, p. 259. 28 Segue a descrição do método da margem bruta neste trabalho do FMI (no original em inglês): In addition, a notable variant of the subtraction method is the “gross margin” method used by some in the BRO region (Baltic States, Russia and the other republics of the former Soviet Union) at the retail and wholesale stages, and by Belarus (until January 2000) for all transactions. This method taxes firms on the difference between their revenues and costs, but with both these items calculated in ways that reflect the conventions and methods of past planned economies rather than market-oriented notions of value added: sales might be valued at notional accounting prices, for example, rather than those actually realized.” (grifos nossos).

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Em relação ao IVA adotado nos demais países do mundo, localiza-se, na literatura internacional referida sobre o assunto, o uso do instituto da ST

somente na Argentina e em Malawi (29).

Conclusão

A desvinculação do responsável substituto em relação aos fatos

geradores futuros impõe a necessidade de se estimar a base de cálculo da

retenção do imposto por substituição tributária. Segundo a Lei Kandir, essa

estimativa pode ser feita por dois critérios. O primeiro critério é o da margem de

valor agregado estimada, um percentual a ser aplicado sobre o valor das

saídas do substituto. O percentual é calculado pela relação entre os preços

médios estimados do produto no varejo em relação aos preços médios

praticados nas vendas do segmento. As médias são obtidas por pesquisas e

informações fornecidas por entidades representativas dos respectivos setores.

O segundo critério é a diferença do preço final estimado ou conhecido em

relação aos preços de saída dos substitutos. É um valor absoluto e unitário

(não percentual) que se multiplica pelas quantidades saídas a cada operação

do estabelecimento do substituto.

O primeiro critério é o mais utilizado pelos Estados, uma vez que os

preços finais dos produtos, em sua maioria, não são fixos nem tabelados e

muito menos conhecidos. Assim, de acordo com o critério da margem bruta, a

base de cálculo ST é obtida pela soma do produto resultante da aplicação do

percentual da margem de valor agregado sobre a base de cálculo “normal” da

operação ou prestação (valor de saída do substituto) mais fretes, juros, seguros

e outras despesas cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores

mais a própria base de cálculo da operação ou prestação do substituto.

Sobre a base de cálculo ST, aplica-se a alíquota do imposto, resultando

no imposto total devido pelo restante da cadeia. O imposto devido por ST é a

diferença entre o imposto “cheio” assim calculado e o imposto devido na

29 The World Bank (1999), Bird e Gendron (2009).

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operação ou prestação própria, calculado sobre a base normal de saída a

preços de mercado. O substituto recolhe os impostos calculados em duas

guias: uma relativa ao imposto da operação própria e outra do imposto

calculado por substituição tributária, relativa ao imposto estimado das

operações ou prestações futuras. O imposto recolhido por ST é repercutido

para o adquirente nas faturas de venda do remetente, que também o repercute

para o adquirente seguinte e assim sucessivamente até o adquirente final.

O problema surge quando o último elo da cadeia produtiva, normalmente

o varejista, vende a mercadoria por margem ou preço diferente da estimada

para o cálculo do imposto devido por ST. Os que vendem por valores inferiores,

reclamam o ressarcimento. Os que vendem por valores superiores, nada

reclamam, porém o Fisco poderia cobrar a diferença, no entanto, não o faz.

O Supremo Tribunal Federal sentenciou que não cabe ressarcir nem

pagar diferenças devido à divergência de valores entre os efetivamente

realizados a preços de mercado e os utilizados para o cálculo do imposto

recolhido por ST. Instituiu-se, desse modo, a pasteurização das bases de

cálculo. Do ponto de vista constitucional a decisão é correta, segundo o STF,

porém do ponto de vista dos efeitos da tributação sobre as cadeias produtivas

os resultados não foram os melhores. No entanto, se a decisão do STF tivesse

sido a favor do ressarcimento e do pagamento das diferenças do imposto

cobrado a menor, reincidiria a situação que a própria ST procura evitar: a

fiscalização em grande número de contribuintes, ou seja, os próprios varejistas

que entrariam com milhares de pedidos de ressarcimento junto às secretarias

de fazenda e outros milhares cujo pagamento da diferença à menor teriam de

ser igualmente fiscalizados.

O Estado de São Paulo, afinado à decisão do STF, entrou com ADIN

contra sua própria lei que previa o ressarcimento e o pagamento da diferença.

Embora a decisão ainda não esteja proferida, o Estado publicou nova lei cujos

efeitos práticos impedem tanto o ressarcimento quanto o pagamento da

diferença.

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As principais críticas conferidas ao regime ST foram de Roque Antônio

Carraza, Alan Schenk & Oliver Oldman e do FMI. Carraza argumenta que

estimativas de base de cálculo sobre fatos geradores, que ainda não

ocorreram, e o não ressarcimento do imposto pago a maior ferem vários

princípios constitucionais. Alan Schenk & Oliver Oldman defendem que os

métodos baseados em margens brutas (estimadas), mecanismos de exceção,

devem ser aplicados somente sobre fabricantes ou distribuidores que vendem

seus produtos pelo sistema porta a porta. A Pesquisa do FMI identifica o uso

de esquemas semelhantes a ST (aplicação de margens estimadas) em poucos

países, avaliando o método como ultrapassado e típico de economias

planejadas do passado. Em relação ao restante do mundo, a literatura

internacional sobre o assunto aponta o uso da ST em poucos países: Argentina

e Malawi. A seguir, alguns efeitos da substituição tributária no Brasil serão

objeto de análise.

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CAPÍTULO 4

Os efeitos colaterais da substituição tributária para frente (ST)

Diante de um tema tão profundo e complexo, é possível apontar apenas

alguns efeitos indesejados que o instituto da substituição tributária para frente

está provocando nas cadeias produtivas. Trata-se de apontamentos baseados

em algumas pesquisas de campo e na própria vivência deste autor na lida

diária com o problema. O objetivo é levantar pontos e problemas que são de

grande relevância e, portanto, merecedores de maior aprofundamento.

Em primeiro lugar, um destaque deve ser dado para o efeito phármacon

apontado por Rafael Pandolfo (30). Trata-se de uma analogia a um antigo

ensinamento de Platão, em Fedro, que esclarece que uma mesma substância

que cura pode matar, dependendo de como é administrada e da sua dosagem.

No presente caso, o “remédio” da substituição tributária concebido para sanar o

sistema tributário da sonegação e facilitar a fiscalização pode destruir o próprio

sistema, o que se estende à “Constituição como garantia do contribuinte e

como pedra angular do nosso ordenamento jurídico.” (p. 134-135).

Pandolfo adverte, ainda, que o médico, ao prescrever um medicamento,

avalia as condições e características individuais de cada paciente, “sendo

impensável a aplicação em série e na mesma quantidade de um medicamento

a todos...” (p. 135). O efeito phármacon da substituição tributária se manifesta,

segundo o autor, na pasteurização das margens e preços utilizados como base

de cálculo e na pretensa “definitividade” do valor pago, não se admitindo o

ressarcimento nas hipóteses de margens supervalorizadas em relação ao

preço de mercado nem a cobrança da diferença a maior nos casos em que

margens e preços estimados sejam inferiores às efetivamente praticadas no

varejo. Essa pasteurização e essa pretensa “definitividade” do valor pago

30 PANDOLFO, Rafael. Substituição Tributária, Limites Constitucionais e Phármacon, in FERREIRA NETO, Arthur M; NICHELE, Rafael (coordenadores). Curso Avançado de Substituição Tributária. São Paulo: *IOB, 1ª ed. 2010, p. 125-139.

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equivalem a aplicação de uns mesmo medicamentos em série e na mesma

quantidade a todos, independentemente da sua capacidade contributiva.

Para melhor entendermos o efeito phármacon na substituição tributária

no Brasil, podemos dividir a sua instituição em duas grandes etapas: a primeira

se estende dos anos 1970 até 2007, quando o remédio era ministrado em

doses mais baixas, havendo certa tolerância ao medicamento pelo organismo

do paciente e, a segunda, a partir de 2008, ano em que passou a ser

ministrado em doses cavalares, desencadeando efeitos colaterais indesejados

no corpo do paciente. Vejamos como isto se deu. A explosão de novos produtos na ST

O Quadro 1 a seguir, extraído do trabalho desenvolvido pela

PricewaterhouseeCoopers/CNI (2010, p. 44) ilustra a quantidade de produtos

na ST por Estado de 2004 a 2009.

Por esse quadro, observa-se que até 2007 a quantidade de produtos

incluídos na ST por Estado era relativamente estável não passando de 100

produtos na maioria deles. Em muitos, girava em torno de 60 a 70 produtos e,

em outros, em torno de 90 a 95 produtos. Em Santa Catarina, não passava de

44. As exceções ficavam por conta de Rondônia (com mais de 180), Rio

Grande do Norte (em torno de 145), Goiás (com 114) e Piauí (de 103 a 111).

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Quadro 1 Quantidade de produtos no regime de substituição tributária

- por Estado –

Estado 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Minas Gerais 68 74 81 88 98 337 São Paulo 66 66 66 67 105 281 Rio Grande do Sul 66 66 66 66 75 266 Rio de Janeiro 94 94 94 97 104 238 Rondônia 182 183 181 184 189 189 Alagoas 71 69 74 148 150 169 Amazonas 67 69 69 70 73 146 Rio Grande do Norte 139 140 143 144 146 146 Goiás 114 114 114 114 115 117 Piauí 103 104 110 111 116 116 Mato Grosso 70 72 72 78 98 105 Acre 91 92 95 95 95 95 Pará 90 90 90 90 92 92 Bahia 82 84 86 87 90 90 Ceará 75 79 86 84 88 88 Mato Grosso do Sul 73 73 74 80 85 85 Tocantins 81 83 79 79 84 84 Paraná 67 67 67 56 68 83 Espírito Santo 74 76 79 79 81 81 Paraíba 72 74 77 75 77 78 Amapá 68 71 72 72 77 77 Santa Catarina 44 44 41 43 75 77 Pernambuco 71 72 73 73 76 77 Sergipe 73 75 80 76 80 77 Roraima 63 70 70 73 76 76 Maranhão 70 73 71 74 74 74 Distrito Federal 68 69 69 72 76 72 Fonte: PricewaterhouseeCoopers/CNI, 2010, p. 44

Outra exceção notável é o Estado de Alagoas que, antecipando-se ao

grande movimento de inclusões que aconteceria a partir de 2008, passou de 74

produtos incluídos na ST em 2006 para 148 produtos em 2007.

O Quadro 2 a seguir, extraído do mesmo trabalho da

PricewaterhouseeCoopers/CNI, ilustra o fluxo de inclusões/exclusões de novos

produtos na ST por Estado. Exceto em Alagoas, como comentado, foi a partir

de 2008 que se deu inicio ao movimento de grandes inclusões de novos

produtos na ST, notadamente nos Estados de São Paulo, Santa Catarina e

Mato Grosso, seguidos por Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de

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Janeiro e demais Estados. Esse movimento acentuou-se consideravelmente

em 2009, principalmente em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio

de janeiro e Amazonas, seguidos por Alagoas, Paraná e Mato Grosso.

Quadro 2

Quantidade de produtos incluídos/excluídos no regime de substituição tributária - por Estado –

Estado 2005 2006 2007 2008 2009 Minas Gerais 6 7 7 10 239 São Paulo 0 0 1 38 176 Rio Grande do Sul 0 0 0 9 191 Rio de Janeiro 0 0 3 7 134 Rondônia 1 -2 3 5 0 Alagoas -2 5 74 2 19 Amazonas 2 0 1 3 73 Rio Grande do Norte 1 3 1 2 0 Goiás 0 0 0 1 2 Piauí 1 6 1 5 0 Mato Grosso 2 0 6 20 7 Acre 1 3 0 0 0 Pará 0 0 0 2 0 Bahia 2 2 1 3 0 Ceará 4 7 -2 4 0 Mato Grosso do Sul 0 1 6 5 0 Tocantins 2 -4 0 5 0 Paraná 0 0 -11 12 15 Espírito Santo 2 3 0 2 0 Paraíba 2 3 -2 2 1 Amapá 3 1 0 5 0 Santa Catarina 0 -3 2 32 2 Pernambuco 1 1 0 3 1 Sergipe 2 5 -4 4 -3 Roraima 7 0 3 3 0 Maranhão 3 -2 3 0 0 Distrito Federal 1 0 3 4 -4 Fonte: PricewaterhouseeCoopers/CNI, 2010, p. 45.

A Figura 1 a seguir ilustra os dados extraídos do Quadro 1 para os

principais Estados, onde observamos claramente a grande mudança de

patamar das novas inclusões, especialmente a partir de 2009.

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Figura 1 Quantidade de produtos incluídos na ST

- por Estados selecionados -

M i nas Gerai s São Paulo

400

350

300

250

337

300

250 200

281

200

150

100

50

68 74 81 88

150 100

50

66 66 66 67

105

0

2004 2005 2006 2007 2008 2009

0

2004 2005 2006 2007 2008 2009

Ri o Gra nde do Sul Ri o de Janei ro

300

250

266 250

200

238

200

150

100

50

66 66 66 66 75

150

100

50

94 94 94 97 104

0

2004 2005 2006 2007 2008 2009 0

2004 2005 2006 2007 2008 2009

Al a goa s Amazonas

180

160

140

120

100

80

60

40

20

0

71 69 74

148 150

169 160 140 120 100 80

60

40

20

0

67 69 69 70

146

73

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Fonte: PricewaterhouseeCoopers/CNI, 2010, p. 45 e elaboração própria.

Da observação dos dados dos Quadros 1 e 2, concluímos que a

“revolução” da substituição tributária que ocorreu no Brasil a partir de 2008 e

que incluiu centenas de novos produtos nesse regime se manifestou

principalmente nos Estados mais industrializados das regiões Sudeste e Sul,

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seguidos por Alagoas, Amazonas e Mato Grosso. Nos demais Estados, não

houve movimento tão expressivo de novas inclusões, situando-se em torno de

2 a 5 novos produtos por Estado. Ou seja, a maior parte desta “revolução” se

deu nos Estados mais industrializados do centro-sul do país.

Aos produtos que se encontravam na ST antes dessa “revolução”,

denominaremos velha ST. Esses produtos atendiam aos quesitos básicos de

inclusão no regime (vide texto a seguir). A partir de 2008, grande parte dos

novos produtos incluídos no regime não atendia a esses quesitos. A esse

conjunto de novos produtos denominaremos nova ST. Passemos ao exame de

cada uma delas.

A velha substituição tributária

Os produtos que compunham a velha ST, conforme discutido no

Capítulo 2, apesar de configurarem-se como uma espécie de anti-IVA,

limitavam-se a produtos que atendiam um conjunto de quesitos básicos cujos

efeitos minimizavam suas distorções nas cadeias produtivas. Como dito

naquele capítulo, esses quesitos eram:

a) a concentração da produção em poucas indústrias;

b) a homogeneidade do produto;

c) a homogeneidade do preço de varejo (corolário do anterior);

d) a relevância do produto para arrecadação e

e) a grande capilaridade da distribuição do produto no varejo.

Havia consenso nacional acerca dos produtos que se adequavam a

essas características, sobre os quais todos os Estados (e o Distrito Federal),

em sua unanimidade, cobravam o imposto por ST por meio de leis e convênios.

Esses produtos pertenciam aos seguintes grupos: cigarros, automóveis,

combustíveis e lubrificantes, motos, tintas e vernizes, pneus e câmaras de ar

(Rosa, 2011, p. 185-186).

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Havia também outros grupos de produtos para os quais não havia

unanimidade em relação à cobrança da ST, mas que a maioria dos Estados e o

DF cobravam. Eram eles: cimento, sorvete, refrigerantes, cerveja, chope e

água mineral (Rosa, 2011, p. 185-186), que também atendiam aos quesitos

básicos de inclusão na ST.

Os dois grupos compunham o conjunto dos produtos da velha ST, os

chamados “produtos tradicionais”. Como atendiam àqueles quesitos básicos

para inclusão na ST, os objetivos eram atingidos: facilitava-se e racionalizava-

se a fiscalização e o controle da arrecadação sobre poucos grandes fabricantes

no lugar de milhares de estabelecimentos varejistas, garantindo-se, destarte, a

captura da receita que, do contrário, perder-se-ia na sonegação do varejo.

Como havia convênios, havia também relativa harmonização entre os

Estados e o DF em torno das regras e, especialmente, em torno das margens

de valor agregado em todo território nacional, o que conferia certa estabilidade

aos chamados custos de conformidade, que são os custos necessários para o

contribuinte manter a burocracia de gestão dos seus impostos. Ao mesmo

tempo, esta harmonização possibilitava o trânsito interestadual das

mercadorias sujeitas a ST sem os atuais transtornos dos pedidos de

ressarcimento e/ou do pagamento antecipado nas fronteiras entre os Estados,

doravante a serem comentados.

Cabe lembrar que esse modelo foi concebido no início dos anos 1970

em que era maior a homogeneidade tanto dos produtos sujeitos a ST quanto

dos seus preços de varejo, que eram bem conhecidos quando não, tabelados.

Além disso, o mercado de varejo era mais capilarizado e os sistemas de

informação baseavam-se em processamentos de documentos-fonte papel,

gerando registros em outros papeis impressos, como listagens e livros

encadernados.

Nesse modelo, as condições então vigentes, dificultavam a ação do

Fisco em atingir milhares de pequenos varejistas. Essa restrição era

contornada pela aplicação da ST sobre aqueles produtos tradicionais, apesar

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da resistência dos contribuintes que nunca deixou de se manifestar, mesmo

que os produtos atendessem aos quesitos básicos de sua inclusão na ST. Essa

velha ST vigorou do início dos anos 70 até o ano de 2007. As tentativas de

pacificar os inevitáveis conflitos Fisco/contribuintes se davam pela edição de

novas normas constitucionais e infraconstitucionais e também por decisões

judiciais.

A “revolução” da ST que se deu a partir de 2008 alterou todo esse

quadro, aprofundando esses conflitos e provocando grandes distorções no

sistema de tributação do valor agregado, assunto a ser discutido no próximo

item.

A nova substituição tributária

A lista de inclusões de novos produtos na ST a partir de 2008 é

extremamente extensa, não cabendo nos limites deste trabalho, sendo possível

apenas mencionar alguns grupos de novos produtos incluídos.

No Estado de São Paulo, por exemplo, em 2008, medicamentos,

produtos de perfumaria e higiene pessoal, bebidas alcoólicas além daquelas

que já estavam na ST (cerveja e chope), autopeças, produtos fonográficos,

pilhas e baterias, lâmpadas elétricas, papel, produtos de limpeza, ração animal,

produtos alimentícios e materiais de construção, cada qual com suas

intermináveis listas de subitens, foram incluídos (Rosa, 2011, p. 185-187).

Em 2009, o governo do Estado de São Paulo incluiu bicicletas,

ferramentas, instrumentos musicais, produtos de colchoaria, produtos de

papelaria, máquinas e aparelhos mecânicos, elétricos, eletromecânicos e

automáticos, bem como materiais elétricos, artefatos de uso doméstico,

brinquedos, além de produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos.

Para cada grupo de produtos há listas de especificações por código NCM

(Nomenclatura Comum do MERCOSUL) (Rosa, 2011, p. 185-187).

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O detalhamento das inclusões é minucioso, alguns beiram a bizarrice,

como, por exemplo, em produtos alimentícios, o item “chocolates” constantes

no art. 313-W, § 1º, 1, “a” a “d” do RICMS/SP que contém as seguintes

especificações:

a) chocolate branco, em embalagens de conteúdo inferior ou igual a 1 quilo; b) chocolates contendo cacau, em embalagens de conteúdo inferior ou igual a 1

quilo; c) chocolate em barras, tabletes ou blocos ou no estado líquido em pasta, em

pó, grânulos ou formas semelhantes, em recipientes ou embalagens imediatas de conteúdo igual ou inferior a 2 quilos;

d) chocolates e outras preparações alimentícias contendo cacau, em embalagens de conteúdo igual ou inferior a 1 quilo, excluídos os achocolatados em pó.

Nos demais Estados, o estudo da PricewaterhouseeCoopers/CNI aponta

para uma enorme profusão de atos normativos, principalmente decretos,

contendo grande diversidade e especificação de produtos que passaram a ser

incluídos na ST.

Basta a leitura de uma amostra desses decretos para perceber que a

imensidade de detalhes e especificações dos novos produtos incluídos na ST

esbarra em um dos principais pressupostos da inclusão de um determinado

produto na ST: a homogeneidade. Onde não há homogeneidade, não há

preços conhecidos no varejo, ensejando o uso crescente de médias e pautas

para a valoração das bases de cálculo.

O distanciamento desses novos produtos dos quesitos básicos da ST

denota o uso inadequado dela como “medicamento” e o conseqüente

surgimento do efeito phármacon que se manifesta sob outros efeitos colaterais

indesejados que a seguir passaremos a discutir. Efeitos phármacon da substituição tributária - introdução

A explosão de novos produtos contendo extensas listas de

especificações, cada qual com diferentes margens de valor agregado e que se

alteram no decorrer dos meses, está transformando o instituto da ST no Brasil

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em um imenso sistema cada vez mais distante dos seus próprios pressupostos

básicos. A consequência imediata é tornar o instituto da ST um mal contra si

próprio, dificultando a fiscalização e o controle da arrecadação, que deixaram

de ser exercidos sobre poucos grandes contribuintes e passaram a ser

exercidos sobre uma imensa rede de novos contribuintes substitutos.

Além disso, a profusão de normas e a diversidade de produtos atingidos

pela nova ST impõem aos contribuintes maiores custos de conformidade

devido ao aumento das obrigações acessórias e a necessidade de complexos

sistemas de gestão e controle de estoques. A situação torna-se mais crítica

para indústrias e atacadistas com mix de vendas/compras distribuídos por

vários Estados com diferentes legislações e margens de valor agregado. Há

casos de empresas que mantém andares inteiros com funcionários

especializados em substituição tributária, tamanha a complexidade da

legislação e dos sistemas de controle envolvidos.

Os produtos da nova substituição tributária são tão diversos que, apesar

de muitos deles terem produção concentrada e redes de distribuição dispersa,

não apresentam homogeneidade nas suas características físicas e tampouco

no seu preço final, o que impõe dificuldades adicionais à fiscalização. Toma-se

o exemplo de instrumentos musicais. A linha de teclados da Yamaha ou da

Casio apresenta os mais díspares instrumentos em termos de modelos e

preços. O mesmo se diz sobre eletroeletrônicos cujos preços variam muito de

magazine para magazine.

Apesar disso, a verdade é que a nova ST tem proporcionado grandes

ganhos de arrecadação do ICMS para os principais Estados que a adotaram

(PricewaterhouseeCoopers/CNI, 2010, p. 41-43), mas trouxe também uma

série de efeitos colaterais indesejados para os contribuintes, para as

administrações tributárias estaduais e para a qualidade da tributação. A

discussão sobre os ganhos de arrecadação será feita posteriormente, por ora

passemos a uma breve descrição de alguns desses efeitos colaterais.

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Efeitos colaterais da nova substituição tributária

A nova ST introduziu forte desarmonia no sistema do ICMS em nível

nacional, na medida em que a maioria desses produtos não é amparada por

convênio ou protocolo. As novas inclusões aumentaram a complexidade na

administração de milhares de itens com diferentes legislações e margens de

valor agregado, considerando-se que cada Estado tem a sua legislação

própria.

Os contribuintes industriais e comerciais tiveram seus custos de

conformidade onerados, o que redundou na maior complexidade das auditorias

fiscais. A fiscalização sobre as empresas substitutas e os atacadistas

substituídos tornou-se bem mais complexa e trabalhosa, apesar do uso de

notas fiscais eletrônicas. Não raro, examinam-se milhões de registros.

Os pedidos de ressarcimento contemplados pela hipótese de não

realização do fato gerador presumido nas saídas interestaduais, que se

referem às saídas de mercadorias para outras Unidades da Federação para as

quais não há acordo (convênios ou protocolos), tornaram-se um problema de

proporções inusitadas.

O exemplo a seguir ilustra o que se pretende demonstrar: atacadista

paulista de material de construção adquire mercadorias de fabricante ou

distribuidor paranaense. Posteriormente, o atacadista paulista vende parte

dessas mercadorias dentro do próprio Estado de São Paulo, parte para o Mato

Grosso do Sul e parte para Goiás. Não havendo acordo com o Paraná, por

exemplo, mas havendo cobrança de substituição neste Estado, o remetente

paranaense, se distribuidor, fatura suas mercadorias para o atacadista de São

Paulo sem a retenção do imposto, uma vez que a retenção paga na aquisição

da mercadoria alcança somente as saídas dentro do Estado do Paraná. Neste

caso, após faturar as mercadorias para São Paulo (sem a retenção do

imposto), solicita ao governo paranaense o ressarcimento do imposto retido a

favor do Paraná. Ao adentrar no Estado de São Paulo, o adquirente paulista

procederá a nova retenção na entrada da mercadoria no seu estabelecimento

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de acordo com as margens de valor agregado estipuladas pela legislação

paulista (as margens são específicas para cada item da nota fiscal).

Posteriormente, ao vender parte daquele lote dentro do Estado de São Paulo,

não poderá solicitar ressarcimento do imposto retido, uma vez que a retenção

feita na entrada do Estado alcança os fatos geradores futuros a ocorrer dentro

de São Paulo. Porém, para os lotes vendidos aos adquirentes localizados em

outros Estados, deverá observar se há ou não acordo com o respectivo Estado.

Não havendo acordo, depois de vendida a mercadoria sem a retenção a favor

do Estado de destino, deverá solicitar ressarcimento ao governo paulista do

imposto que havia sido retido na entrada do seu estabelecimento (em São

Paulo), pois o fato gerador presumido da operação subseqüente não se

realizou dentro de Estado de São Paulo. O adquirente do outro Estado deverá,

por sua vez, efetuar nova retenção na entrada, se a legislação do seu Estado

prever a substituição tributária para a mercadoria. No caso do atacadista

paulista, havendo acordo com o Estado de destino, ele também poderá solicitar

o ressarcimento em São Paulo, uma vez que a retenção anterior fora feita de

acordo com as margens de valor agregado estipuladas neste Estado, e efetuar

nova retenção de acordo com a margem de valor agregado estipulada com o

Estado de destino.

Essa descrição é uma amostra da complexidade que a nova substituição

tributária impôs aos contribuintes e à fiscalização. Realidade muito distante da

pretensa racionalidade e da economia de recursos que o instituto deveria

proporcionar no sentido de facilitar a fiscalização.

Outro efeito colateral é a insegurança que as novas inclusões trazem

para o mercado. A cada nova inclusão, todo o estoque de mercadorias que já

havia sido adquirido pelos comerciantes antes da inclusão é submetido à

cobrança antecipada do imposto por ST. O procedimento tem tirado o sono de

muitos comerciantes que de repente se viram obrigados a comprometer parte

considerável do seu capital de giro para recolher o imposto ST sobre estoques.

A medida tem por objetivo equalizar a carga tributária dos estoques em

relação às mesmas mercadorias que serão adquiridas com ST. A

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consequência é que, em relação aos estoques, vários comerciantes passaram,

inesperadamente, à condição de substitutos, o que, pelo menos no período da

inclusão, contradiz a ideia de centralizar a fiscalização em poucos grandes

contribuintes.

Outra consequência é que todo produto incluído na ST, se adquirido de

outro Estado ou DF com o qual o Estado do adquirente não tiver celebrado

acordo (convênio ou protocolo), como comentado anteriormente, fica sujeito a

ST na entrada. Nesse caso denomina-se pagamento antecipado a nova

modalidade de ST em que o adquirente também passa a ser substituto. Como

a gama de mercadorias na nova ST cresceu a um ritmo alucinante e o mesmo

não ocorreu com a celebração de acordos, a quantidade de substitutos

decorrentes de operações interestaduais de entrada cresceu igualmente.

Qualquer comerciante, grande ou pequeno, pode se transformar em substituto

em relação às saídas futuras das mercadorias que adquire de outro Estado.

Neste caso, a quantidade de contribuintes substitutos pode chegar a um

patamar inviável de ser atingido pelo Fisco contrariando o pressuposto que

serviu para a criação do próprio instituto. Mais uma vez, compromete-se a

ideia de centralizar a fiscalização em poucos grandes contribuintes.

Todos esses casos relatados demonstram que quantidade de

contribuintes substitutos vem crescendo a ponto de restabelecer-se a condição

que o próprio instituto da ST procura evitar: a difusão da fiscalização e o

controle da arrecadação sobre uma quantidade de contribuintes de vasta

capilaridade.

Por todos esses efeitos colaterais, caiu-se por terra o pressuposto

básico da utilidade (facilidade, racionalidade e garantia da arrecadação) (31),

ampliou-se o fenômeno da desvinculação do responsável com o fato imponível e ampliou-se a descaracterização da base de cálculo com a definitividade do

imposto pago, defeitos severamente combatidos por Carraza e outros juristas.

31 Vide Capítulo 2.

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Outro efeito colateral é a transformação do ICMS em um IVA às

avessas, desfazendo-se de suas características intrínsecas e indissociáveis

com a consequente perda de neutralidade. Como demonstrado, os IVA são

impostos amplos, multifásicos, não cumulativos e neutros. A nova ST mantém

a característica da amplitude, na medida em que abrange grande gama de

produtos, mas se transforma em um imposto com características de unifásico,

no meio das cadeias produtivas, com fortes elementos cumulativos e a sua

neutralidade comprometida. Algo bem semelhante aos antigos impostos únicos

cobrados no meio das cadeias produtivas abolidos pela Constituição Federal

de 1998.

A primeira consequência dessa transformação é o impacto sobre o

capital de giro dos substitutos e dos substituídos, uma evidente perda de

neutralidade. Alguns estudos podem servir de exemplos concretos. O estudo

da PricewaterhouseeCoopers (2010, p. 20-25) é cristalino ao demonstrar o

efeito nos substitutos. Em suas conclusões (p. 5), o estudo esclarece:

A adoção do regime resulta em redução do capital de giro das empresas que atuam como substitutos tributários do ICMS, na medida em que estas pagam o

tributo antes de receberem o valor relativo à venda efetuada.

Além disso, o descasamento entre os prazos médios de pagamento do tributo e

da realização financeira dos recebíveis resulta em maior custo financeiro para as

empresas submetidas ao regime.

O custo de capital de giro decorrente da nova ST foi estimado pela

PricewaterhouseeCoopers/CNI em aumento de até 48,7% e a perda financeira

decorrente do custo de oportunidade de remuneração dos excedentes de caixa

no mercado financeiro em até 16,6%.

Outro estudo foi apresentado por Guilherme Leal Gondo ao Instituto de

Economia da Universidade Estadual de Campinas em dezembro de 2009 (32).

32 GONDO, Guilherme Leal. Substituição tributária do ICMS em São Paulo: conceitos e ideias acerca dos impactos sobre as empresas substitutas do setor automotivo. Monografia. Campinas, 2009.

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Nesse estudo, o autor mapeou os efeitos da nova ST sobre o setor de

autopeças em São Paulo, cujas conclusões serão discutidas a seguir.

Uma das conclusões relevantes desse estudo é sobre o impacto da nova

ST na formação de preços na cadeia produtiva, que sofreram considerável

aumento. Os principais aumentos de preço no ano de 2009 se deram em lonas

de freio (9,1%), filtro de óleo (8,2%), amortecedores (7,7%) e filtro de ar (5,5%),

o que dificultou as condições de venda para os distribuidores e varejistas que,

na condição de substituídos, também se viram obrigados a mobilizar mais

capital de giro.

A necessidade de maior mobilização de capital de giro decorre não

apenas do aumento de preços, mas também da cobrança adicional o ICMS-ST

sobre o total da fatura. As empresas do setor, indústrias e distribuidores,

aumentaram o endividamento por linhas de crédito de giro rápido.

No caso da indústria, o descompasso entre o pagamento do novo ICMS-

ST no nono dia útil do mês subsequente ao da venda e os prazos de

recebimento provocou efeitos diversos no período de faturamento das

empresas, que preferiram antecipá-lo para os dias iniciais do mês.

O estudo de Gondo detectou também os impactos financeiros

indesejados decorrentes da demora do Fisco em efetuar o ressarcimento do

imposto retido nas operações interestaduais (fato gerador presumido não

realizado, como acima mencionado), o que, consequentemente, retém mais

capital de giro.

Os efeitos sobre o capital de giro das empresas, segundo o autor,

geraram outras consequências sobre as comissões dos agentes da

distribuição. Antes na nova ST, os representantes comerciais recebiam

comissões antecipadas sobre pedidos a serem faturados. Depois da nova ST,

as indústrias deixaram de contratar representantes autônomos e passaram a

adotar distribuidor próprio, sem ter de pagar comissões antecipadas.

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Pequenas e médias empresas do setor, principalmente distribuidores,

passaram a adotar um novo mark up em seus preços denominado “índice de

segurança”. O impacto, neste caso, foi maior nas empresas do Simples

Nacional.

Quanto aos efeitos sobre os estoques na inclusão de um novo produto

na ST, as empresas distribuidoras e varejistas do setor de autopeças

solicitaram pagamento em seis parcelas e deram preferência às aquisições de

outros Estados que, de acordo com Gondo, eram Estados não signatários. Em

seu estudo, o autor não chegou a detectar os efeitos do pagamento antecipado

para essas situações, já previstas no RICMS/SP. A hipótese é que as

empresas pesquisadas talvez ainda não estivessem se adequado para cumprir

a obrigação, o que, no início da implantação do regime, não era incomum, dada

à complexidade da legislação. A outra hipótese é que, simplesmente, as

empresas deixaram de cumpri-la de forma deliberada, ou seja, passaram a

sonegar o imposto.

Um ponto importante do estudo de Gondo é a detecção de um efeito

inusitado que a nova ST trouxe para os negócios. Trata-se da abertura de filiais

em Estados, até então, não signatários (no caso de empresas de autopeças),

especialmente Goiás e Espírito Santo. Relata o autor:

...o setor de autopeças (em São Paulo) tem experimentado uma nova

situação indesejada e que vem causando dissabores para aquelas empresas

que sempre acreditaram que a ST viria para extirpar as desigualdades e

pacificar as relações comerciais entre os empresários do setor. Passados mais

de dois meses da sua implantação, o mercado tem se deparado com uma

situação inusitada e ligada à concorrência em relação às empresas que se

valem de ‘paraísos fiscais’, como Goiás e Espírito Santo, adquirindo e

transferindo para suas unidades no estado de São Paulo sem o recolhimento

de guia, traduzindo esta prática em ‘descontos’ de até 15%. Assim, é como se

a mercadoria ficasse em São Paulo, sendo vendida sem o recolhimento da

guia, pois tal mercadoria acaba não saindo do Estado, ou seja, não ‘viaja’,

deflagrando em completo desajuste no setor com a conivência de algumas

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indústrias. Isto quer dizer que as empresas se valem da possibilidade de serem

tributadas apenas no momento seguinte de venda interna à cadeia, ao invés de

no momento de entrada da mercadoria no estado. Isto porque estas empresas

criam filiais nestes chamados ‘paraísos fiscais’ – que não pagam ICMS-ST – e

se valem da não assinatura de protocolos para que a aquisição da filial pela

matriz aconteça sem a cobrança do tributo. (p. 73-74)

Gondo comenta ainda o “fenômeno” da mudança de sedes de empresas

atacadistas de São Paulo para Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais e Distrito

Federal, “levando os comerciantes paulistas a buscarem, entre outras coisas,

autopeças fora do território estadual, onde não há este sistema de tributação.”

(p. 75). Há alguns pontos, nas considerações do autor, que merecem uma

atenção maior.

Não se aplica ST sobre transferências de mercadorias entre matriz e

filial, segundo o disposto na cláusula quinta do Convênio ICMS 81/93 ainda em

vigor. Assim, era possível às indústrias sediadas em São Paulo transferirem

mercadorias para suas filiais distribuidoras ou atacadistas sediadas em outros

Estados não signatários e, posteriormente, reinseri-las no mercado paulista

sem a retenção por ST. A regra do pagamento antecipado veio para

impossibilitar essa hipótese de evasão. De acordo com essa regra, mesmo que

a mercadoria saia de São Paulo sem ST, ao voltar à sua origem, o adquirente

passa a ser o substituto e deve proceder ao pagamento antecipado a favor de

São Paulo na entrada da mercadoria em seu estabelecimento paulista (33).

A única maneira do adquirente paulista se evadir do pagamento

antecipado, e oferecer graciosos descontos aos seus clientes, seria deixar de

pagá-lo, ou seja, sonegá-lo. O atacadista sediado em outro Estado pode

vender para milhares de varejistas situados em São Paulo, os “novos

substitutos”, e estes, simplesmente, sonegarem o imposto a ser pago por

antecipação. Como sonegadores existem em grande número, torna-se difícil

33 É como se houvesse uma espécie de barreira alfandegária dentro do próprio país, algo totalmente inédito na história tributária brasileira (nota do autor).

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para a fiscalização atingir todos. Trata-se do efeito phármacon atuando a favor

da sonegação: o remédio que deveria curar reacende a doença.

Além dessas possibilidades de evasão comentadas, surgem também

novas possibilidades de elisão. Por exemplo, indústria com produtos incluídos

na ST pode vendê-los por preço inferior ao preço de mercado para atacadista

do mesmo grupo. Não é o caso de transferências ou vendas de mercadorias de

matriz para filial, operações não sujeitas à retenção, mas de vendas para

empresa coligada sobre a qual o remetente não detém o controle do capital.

Assim, essa indústria pode aplicar as margens de valor agregado publicadas

em portarias sobre uma base de cálculo propositadamente reduzida,

redundando em menos imposto a pagar por ST. O atacadista revende a

mercadoria como substituído a preços de mercado, contudo, acrescido do

ICMS-ST inferior ao que seria efetivamente devido. O substituto, ao vender por

preço inferior, poderá registrar prejuízos contábeis em suas operações,

comprometendo a solvência financeira do empreendimento. Esse “problema”

pode perfeitamente ser contornado pela celebração de contratos de mútuos

entre as empresas do grupo, restabelecendo-se a solvência financeira das

empresas que aplicam preços reduzidos sobre suas vendas (34).

Outros efeitos indesejados também se fazem sentir em outros

segmentos empresariais. As empresas optantes pelo regime do Simples

Nacional, por exemplo, chocam-se com o regime de substituição tributária pelo

fato de serem regimes incompatíveis. O regime do Simples Nacional foi

inspirado no modelo europeu, relatado no início deste trabalho, como

mecanismo de eficácia para garantir a arrecadação de segmentos

imensamente capilarizados das cadeias produtivas como as pequenas

empresas. Na Europa, não se cogitou da utilização de mecanismos do tipo ST

para garantir a arrecadação desses segmentos de difícil penetração do Fisco;

em seu lugar, optou-se por regimes simplificados (International Monetary Fund,

2001, p.113-123).

34 A concentração de excedentes de caixa em uma empresa-mãe ou em uma holding é prática comum nos conglomerados empresariais. Este expediente trás várias vantagens do ponto de vista da eficiência da gestão financeira. Por outro lado, enseja, também, verdadeiras “engenharias tributárias” com vistas à “planejamentos tributários” elisivos (nota do autor).

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No Brasil, adotaram-se os dois regimes, o que é, pelas características

intrínsecas de cada, naturalmente incompatível. As empresas do Simples

Nacional em relação às mercadorias que fabricam ou comercializam e que são

sujeitas ao regime de substituição tributária, perdem os benefícios do Simples.

O benefício só atinge o faturamento das mercadorias não sujeitas ao regime

ST, o que impõe às empresas dessa natureza custos adicionais de

conformidade. Isto ocorre porque se a empresa do SN for substituta (fábrica), a

alíquota do ICMS prevista no SN seria inaplicável a ST (as alíquotas do SN são

inferiores). Se for substituída, o regime, ao invés de favorecer, prejudica a

empresa. Ao comprar mercadorias com ST, o imposto pago na entrada não

poderia ser repassado na saída. Assim, a empresa do SN teria um ônus

tributário semelhante ao do consumidor final. Esses inconvenientes induziram a

alteração da legislação do SN, excluindo-se do benefício, produtos sujeitos a

ST.

Sob esse aspecto, a ST equipara as empresas optantes do Simples

Nacional às empresas não optantes desse regime. O efeito phármacon

reaparece: milhares de empresas do Simples Nacional passam à condição de

substitutas. O que fora concebido para evitar a fiscalização em vários

contribuintes, volta-se contra o próprio objetivo. Mais uma vez, amplia-se o

número de contribuintes capilarizados a serem fiscalizados, fenômeno que o

próprio instituto da ST propõe evitar.

Outro ponto que merece maior pesquisa diz respeito ao encarecimento

da mercadoria nacional em decorrência da nova ST, o que favorece o produto

importado. Há quem defenda que a nova substituição tributária – da forma

como vem sendo instituída nos últimos anos – favorece o produto importado da

China. As pasteurizadas margens ST quando aplicadas sobre bases de cálculo

aviltadas como as dos produtos chineses, tornam-nos mais competitivos no

mercado nacional. Distribuidores e atacadistas instalados no Brasil podem dar

preferência ao produto importado, principalmente ao produto chinês, com

reflexos negativos na arrecadação do ICMS. A este fenômeno, denominaremos

efeito China. Mais uma vez o efeito phármacon se manifesta: a ST, por essa

via, ao invés de alavancar receitas, opera no sentido inverso.

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A nova ST e os ganhos de arrecadação

Nesta altura, é preciso melhor avaliar a ideia de que os ganhos de

arrecadação proporcionados pela nova substituição tributária decorrem da

captura do imposto sonegado na ponta do varejo. A hipótese deste trabalho é

que a maior porção dos ganhos não foi proporcionada pelo “combate à

sonegação”, mas por puro e simples aumento da carga tributária sobre os

contribuintes. Vejamos.

A base de cálculo da nova ST é estimada em função de margens médias

de valor agregado ou por preços médios quando conhecidos e aceitos pelas

autoridades fazendárias. Há empresas de varejo que praticam margens e

preços superiores à média utilizada na estimativa da base de cálculo. Outras,

porém, praticam preços e margens inferiores.

As primeiras, as que praticam margens e preços superiores, recebem as

mercadorias contendo na nota fiscal o imposto ST menor do que seria o devido

na cadeia a partir da retenção, uma vez que margens e preços utilizados na

valoração da base de cálculo da ST são menores do que os efetivamente

praticados. Nesse caso, ao vender a mercadoria para seus clientes, as lojas

varejistas repassam, junto com o valor da transação, imposto menor do que o

devido se não houvesse ST. Esses adquirentes pagam, portanto, menos

imposto do que seria o devido, sendo favorecidos pela ST.

As segundas, as que praticam margens e preços inferiores, recebem as

mercadorias com o imposto retido maior do que o devido caso não houvesse

ST, repassando-o na transação de venda para os seus clientes, que acabam

pagando mais imposto, sendo penalizados pela ST.

Cabe lembrar que o repasse de impostos indiretos no preço das

mercadorias, depende da elasticidade-preço da demanda da mercadoria no

varejo. Quanto mais inelástica for a demanda da mercadoria em relação ao seu

preço, maior é o repasse e, quanto maior for essa elasticidade, menor o

repasse. De toda forma, se a empresa varejista não consegue repassar todo o

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imposto retido por ST nos casos de mercadorias de alta elasticidade-preço da

demanda, acaba por arcar, ela, a empresa, o ônus da parcela do tributo não

repassado, comprometendo, pelo menos em parte, o seu próprio de capital de

giro.

Desta forma, quem pratica margens inferiores às utilizadas para a base

de cálculo da ST acaba por pagar mais imposto do que o devido se não

houvesse ST, seja o próprio estabelecimento varejista ao assumir, em alguns

casos, parte do ônus, seja o consumidor final, ao assumir o restante ou todo o

ônus da ST.

Vale observar que grandes lojas de varejo normalmente trabalham com

giro rápido de estoques e contam com empresas financeiras para financiar o

seu crediário, potencializando esse giro e tornando a demanda mais inelástica

em relação ao preço da mercadoria.

Atualmente, as estruturas de mercado do varejo brasileiro assemelham-

se às estruturas de varejo dos chamados países desenvolvidos. São bastante

concentradas, ao contrário dos anos 1970, quando a ST para frente foi

concebida. Naquela ocasião, o varejo brasileiro era bem mais capilarizado e os

produtos sujeitos a ST eram consumidos em lojas específicas (concessionárias

de veículos, postos de gasolina, bares e restaurantes para citar alguns).

Ao atual varejo concentrado representado pelas grandes redes de

supermercados, magazines e até mesmo grandes atacadistas que vendem no

varejo, denominaremos grande varejo. Aos demais estabelecimentos varejistas

dos dias de hoje, mais capilarizados, denominaremos pequeno varejo.

Os estabelecimentos pertencentes ao grande varejo respondem pelo

grosso das vendas de todo setor varejista. Ao contrário dos anos 70,

atualmente são eles, na condição de substituídos, os principais repassadores

do imposto retido por ST aos consumidores finais. Sabe-se que no grande

varejo a sonegação não é primária, isto é, o volume de operações diárias é tão

grande a ponto de inviabilizar vendas sem emissão de documento fiscal, o que

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comprometeria o controle pelo próprio estabelecimento. Esta prática é mais

comum no pequeno varejo.

Sabe-se também que os estabelecimentos do grande varejo praticam

margens de lucro mais reduzidas em relação ao restante do mercado, uma vez

que a maior parte dos seus ganhos provém do giro das mercadorias. No jargão

popular diz-se que esses estabelecimentos ganham no giro, não na margem.

Neste contexto, os estabelecimentos do pequeno varejo perdem

competitividade. Para competirem com os grandes, não conseguem aumentar

seus preços a ponto de compensar o menor giro dos seus estoques. Por isto,

vivem no pior dos mundos, com margens reduzidas e menor giro.

Uma terceira categoria de estabelecimentos varejistas são aqueles que

vendem artigos de luxo e de marcas caras e famosas para clientes da alta

classe média e da alta sociedade. A essa categoria denominaremos varejo de

luxo que, por sua vez, praticam margens mais altas e menor giro de estoques

em relação ao restante do mercado. Ganham na margem (preços altos) e não

no giro.

As margens de valor agregado utilizadas na valoração das bases de

cálculo da retenção do imposto devido por ST é a mesma para essas três

categorias de varejo. Ela é pasteurizada.

Os estabelecimentos do grande varejo normalmente vendem suas

mercadorias por preços e margens inferiores aos utilizados na valoração das

bases de cálculo da ST, repassando para seus clientes, portanto, imposto

maior do que o devido se não houvesse ST. Isto é, os clientes do grande varejo

são sobretaxados, uma vez que o imposto ST presente na transação fora

calculado sobre margens e preços superiores aos efetivamente praticados. O

mesmo acontece com os clientes do pequeno varejo. Como o Supremo

Tribunal Federal ainda não julgou a constitucionalidade do ressarcimento

nessas hipóteses, o ônus da sobretaxação fica para os agentes finais dos

segmentos varejistas, os consumidores.

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Quanto ao varejo de luxo, ocorre o inverso. Suas margens e preços são maiores do que as utilizadas na ST, portanto, seus clientes, mais ricos, arcam

com menor carga tributária (35).

Para uma mesma marca de cerveja, por exemplo, o imposto que o

cliente paga ao adquiri-la no supermercado é igual ao imposto pago por outro

cliente em um hotel de alta classe média localizado em bairros nobres.

Retomando, como a maior parte das vendas de varejo se realiza no

grande varejo, e dado que o grosso dessas vendas é feita com a emissão de

documento fiscal, ao praticarem margens e preços inferiores às utilizadas nas

margens ST, a maior parte dos ganhos de arrecadação ST provém das

operações desses estabelecimentos que, como visto, são sobretaxados pela

ST, tanto seus clientes como o próprio estabelecimento na parcela do ônus não

repassada. Os ganhos de arrecadação proporcionada pela captura do imposto

sonegado no pequeno varejo são, portanto, marginais, pois marginais são suas

vendas em relação às do grande varejo.

Em outras palavras, os grandes ganhos de arrecadação proporcionados

pela nova ST não advêm, em sua maior parte, do pretenso “combate à evasão”

do imposto sonegado no varejo, mas da sobretaxação decorrente da ausência

de ressarcimento sobre milhares de lojas e de milhões de consumidores de

classe média e das classes “C” e “D” que hoje realizam a maior parte de suas

compras no grande varejo.

Assim, a nova ST assume configurações de imposto confiscatório,

sobretaxando lojas e consumidores de classe média para baixo e, ao mesmo

tempo, favorecendo os consumidores das classes mais abastadas. Trata-se do

efeito Robin Hood às avessas, descrito por Antônio Sérgio Valente na série de

artigos de sua autoria publicada no Blog do AFR (36).

35 Veja o efeito Robin Hood às Avessas adiante comentado. 36 VALENTE, Antônio Sérgio. Robin Hood às Avessas. Disponível em http://blogdoafr.com/2011/10/04/primeiro-ebook-e-lancado-pelo-blog-do-afr/

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Cale lembrar que uma boa parte dos consumidores clientes do grande

varejo paga este “sobre imposto” sem o perceber nas várias parcelas do cartão

de crédito e do crediário proporcionados pela recente melhoria das condições

do crédito ao consumidor.

Outro ponto de relevância, é que este fenômeno se tornou factível após

a adoção da nova ST, porque, de tão abrangente, atinge principalmente as

mais variadas lojas de comércio do grande varejo como redes de farmácias,

redes de supermercados, lojas de departamentos e redes de magazines. Algo

muito diferente da velha ST que atingia lojas mais específicas

(concessionárias, etc). Vale dizer, o uso do mesmo instrumento nos dias atuais

concebido para uma realidade de 40 anos atrás, representa enorme

anacronismo.

Por último, consideramos que os atuais ganhos de arrecadação

proporcionados pela nova ST podem representar uma considerável bolha

arrecadatória. Vejamos.

Parte desta bolha se explica pelo recente ciclo de inclusão de novos

produtos na ST (nova ST). Como visto, a cada nova inclusão, apura-se e paga-

se o imposto por ST sobre os estoques do produto nos estabelecimentos

comerciais, o que já se esgotou. Há pouca margem de novos produtos que, ao

serem incluídos na ST, sejam relevantes para a arrecadação. Portanto, dessa

fonte, nada mais sai.

Outra parte pode ser explicada, como visto, pelo pagamento antecipado

na entrada de mercadorias sujeitas a ST em um Estado e não sujeita no

Estado de origem, entre os quais não haja acordo. Este plus de arrecadação

ocorre a partir de cada nova inclusão unilateral. Um novo plus nesta frente

depende fundamentalmente dos rearranjos das operações e da (re)localização

geográfica dos estabelecimentos de distribuição por um lado e, por outro, das

possibilidades de inclusão unilateral de novos produtos na ST. A primeira

condição atua não no sentido de incrementar a arrecadação, mas nas

possibilidades de evasão e elisão. Quanto à segunda, parece pouco provável

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que a mesma aconteça nas atuais circunstâncias dado que, como dito, há

poucos produtos que possam ser incluídos atualmente. Portanto, não se pode

esperar grandes efeitos arrecadatórios por esta via.

A parte mais relevante dessa bolha talvez possa ser explicada pela

sobretaxação que a nova ST impõe sobre as vendas do grande varejo. Esta

parte pode estar ameaçada. Um considerável recuo nesta parte não pode ser

descartado, devido a intensificação da atuação dos mecanismos do efeito

phármacon, como visto.

Uma quarta parte, talvez a menos relevante, se explica pela captura do

imposto sonegado pelos estabelecimentos do pequeno varejo, o que não

repercute em expressivos aumentos de arrecadação.

Conclusão

Neste capítulo procurou-se descrever e avaliar alguns efeitos

indesejados da denominada nova substituição tributária (nova ST) sobre as

empresas, a fiscalização e a arrecadação do próprio ICMS.

Primeiramente, um destaque foi dado ao chamado efeito phármacon,

segundo o qual um remédio, quando mal administrado, pode piorar a doença,

ao invés de curar. Esta figura de linguagem seria utilizada, dali em diante, a

cada demonstração de efeito colateral indesejado que a nova ST acarreta.

Antes, porém, demonstramos em quadros e figura, dados extraídos do

estudo da PricewaterhouseeCoopers/CNI as quantidades de novos produtos

incluídos na ST por Estado, onde ficaram patentes dois surtos de inclusões. O

primeiro, mais moderado, ocorreu em 2008. O segundo, bastante expressivo,

em 2009, tendo à frente principalmente os Estados mais industrializados do

centro-sul do país. Outros Estados com inclusões mais expressivas fora desse

eixo foram Alagoas, Amazonas e Mato Grosso. Nos demais, as novas

inclusões não foram significativas.

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A partir destes dados, separamos o uso da substituição tributária em

dois períodos. O primeiro, a que denominados velha ST, contemplou o uso

desse instrumento desde a sua criação no início dos anos 70 até 2007,

vésperas do primeiro surto das novas inclusões.

Os produtos sujeitos à velha ST eram os produtos “tradicionais” cujas

características atendiam aos quesitos básicos de inclusão desenvolvidos ao

longo das três décadas e meia de uso do regime: relevância para a

arrecadação, produção concentrada, homogeneidade do produto e do seu

preço de varejo e vendas de varejo pulverizadas. Este sistema funcionou em

relativa harmonia entre os Estados da federação brasileira até 2007, haja vista

a quase unanimidade que havia entre eles quanto aos produtos incluídos na ST

e a celebração de convênios para quase todos esses produtos. Porém, não

sem conflitos Fisco/contribuintes. A origem desses conflitos residia no fato de

que a substituição tributária para frente, velha ou nova, transforma impostos do

tipo IVA em tributos unifásicos com bases de cálculo descaracterizadas,

impondo maiores custos de capital de giro para os contribuintes. Atos

constitucionais e Leis Complementares apaziguavam estes conflitos.

Por outro lado, os custos de conformidade eram estáveis, devido à

relativa harmonização em torno de margens estimadas e demais regras que

havia entre os Estados.

A velha ST contava situações mais adequadas em termos de preço final

dos produtos, que eram bem conhecidos e, muitos deles, tabelados. Desta

forma, os conflitos em torno da caracterização da base de cálculo não eram tão

agudos, em comparação com o que estaria por vir na nova ST.

A nova ST surgiu em 2008 ganhando enorme impulso em 2009, com a

inclusão de enorme gama de novos produtos na ST, sendo que, em grande

parte, não atendiam aos quesitos básicos de inclusão. Tratava-se de produtos

não homogêneos, de variados preços de varejo e muitos deles não relevantes

para a arrecadação. Além disto, não houve harmonização entre os Estados. A

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maior parte dessas novas inclusões se deu de maneira autônoma com poucos

acordos entre os Estados.

Assim, legislações diversificadas, grande variedade de margens de valor

agregado estimadas, o crescimento dos pedidos de ressarcimento nas

operações interestaduais, o surgimento da ST sobre estoques a cada nova

inclusão, o surgimento do pagamento antecipado na entrada da mercadoria no

Estado, tudo isto, impôs aos contribuintes maiores custos de conformidade e,

para a fiscalização, maiores complexidades e dificuldades operacionais, algo

muito distante do princípio da utilidade como mecanismo de facilitação da

fiscalização, racionalização e garantia da arrecadação que deveria orientar o

uso da substituição tributária.

Ao mesmo tempo, a transformação do imposto multifásico em unifásico

trouxe aumentos do custo de capital de giro tanto das empresas substitutas

como das substituídas. Pesquisas e estudo acadêmico demonstraram a reação

das empresas para enfrentarem este impacto: aumento do endividamento por

linhas de crédito de giro rápido, antecipação do faturamento, troca de

representantes por distribuidores exclusivos, além de rearranjos

organizacionais com redistribuição de estabelecimentos por Estados

contemplando práticas elisivas quando não, sonegatórias, configurando-se,

tudo isso, uma clara manifestação do efeito phármacon.

Outro efeito indesejado da nova ST foi o surgimento de contribuintes

substitutos em grande número e de vários portes, grandes, pequenos e

médios. Isto ocorreu em virtude da ampliação inusitada de produtos sujeitos á

ST, abrangendo outros além daqueles que já haviam sido consagrados e

também da não celebração de acordos entre os Estados. Ao invés de restrita

aos produtos tradicionais fabricados por indústrias oligopolizadas, a nova ST

atingiu produtos fabricados por indústrias de qualquer porte, grandes ou

pequenas, ampliando, assim, o número de contribuintes substitutos. Quanto às

aquisições interestaduais, de repente, qualquer comerciante de qualquer porte,

atacadista ou varejista, se transforma em substituto pelo pagamento

antecipado em suas aquisições interestaduais não amparadas por acordos.

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Uma terceira frente de ampliação do número de substitutos foram os

comerciantes (também de qualquer porte) que detinham estoques de produtos

incluídos na nova ST e que, inesperadamente, se transformaram em

substitutos. Embora esse efeito seja localizado no tempo, não deixou de

contribuir para aumentar o leque de novos substitutos.

Assim, a fiscalização se viu às voltas com algo até então inusitado: a

pulverização de contribuintes substitutos, comprometendo a ideia de

racionalizar e facilitar a fiscalização em poucos grandes contribuintes. Mais

uma manifestação do efeito phármacon.

Em relação ao regime do Simples Nacional (SN) a nova ST tornou-se

totalmente incompatível. Na contabilização das operações das empresas do

SN, as mercadorias sujeitas a ST ficaram de fora do regime simplificado. Como

quase todos os produtos estão na nova ST, praticamente o regime do SN é

letra morta para a maioria das empresas optantes, pelo menos no que diz

respeito às suas operações e prestações sujeitas ao ICMS. Aumentaram-se

custos de conformidade para essas empresas e reapareceu o efeito

phármacon pela pulverização de contribuintes do SN que se tornaram

substitutos.

Possibilidades de evasão e elisão foram relatadas. Por exemplo, a de

distribuidores e atacadistas vinculados que se instalam em Estados limítrofes,

recebem mercadorias não amparadas por acordos sem a retenção e,

posteriormente, revendem as mesmas mercadorias (sem retenção e com

graciosos descontos) para varejistas do Estado de origem. O pagamento

antecipado pode deixar de ser feito pelos varejistas adquirentes. Como existem

em grande número, dificulta-se o alcance da fiscalização nestes contribuintes.

Justamente o contrário do que o instituto da ST procura combater. Mais uma

manifestação do efeito phármacon.

Uma possiblidade de elisão é o caso de indústrias substitutas que ao

venderem mercadorias para atacadistas coligados, para os quais não detém o

controle do capital, o fazem por preço inferior ao preço de mercado, reduzindo-

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se a base de cálculo da ST, e destarte, pagando-se menos imposto. O

atacadista vende a mercadoria pelo seu preço de mercado. A redução do lucro

bruto da substituta é compensada pelo equivalente aumento do lucro bruto do

atacadista. Em se tratando de empresas do mesmo grupo, um contrato de

mútuo intermediado por empresas holding restabelece a liquidez da substituta.

Essas reações demonstram mais possibilidades de manifestação do efeito

phármacon.

Em relação à arrecadação três observações foram apontadas.

Primeiro, o espraiamento da nova ST para enorme gama de mercadorias

vendidas no varejo pode provocar indesejadas transferências das aquisições

de atacadistas e distribuidores de produtos nacionais para produtos

importados, principalmente para os mais baratos provenientes da China. Como

a base de cálculo para a maioria das mercadorias sujeitas ao regime ST é

valorada por margens de valor agregado pasteurizadas, a mesma margem que

se aplica sobre produto nacional também é aplicada sobre produto mais barato

importado da China, gerando menos imposto a pagar (efeito China). Cabe

destacar que este mesmo efeito está presente para todos os tributos. Porém, a

nova ST funciona como indutor adicional (e importante) desse fenômeno,

podendo acarretar perdas de arrecadação e contribuir para o processo de

desindustrialização. Puro efeito phármacon.

Segundo, é duvidosa a ideia de que a nova ST proporcionou grandes

ganhos de arrecadação pela captura do imposto sonegado na ponta do varejo.

Que houve consideráveis ganhos de arrecadação, não resta dúvidas. Os

dados, por si só, o demonstram. Porém, há fortes evidências de que estes

ganhos não provêm do pretenso “combate à sonegação”, mas da sobretaxação

dos segmentos formalizados do varejo.

Isto decorre do fato de que as empresas que operam no grande varejo

concentrado, que são os grandes magazines, lojas de departamentos e redes

de supermercados respondem pela maior parte das vendas de produtos

sujeitos à nova ST. Como estes estabelecimentos comerciais ganham no giro e

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não na margem, praticam margens e preços inferiores às médias utilizadas na

valoração das bases de cálculo da ST. Desta forma, recebem mercadorias com

imposto retido MAIOR do que o seria caso não existisse a ST. Como não há

ressarcimento para essas hipóteses, repassam, pelo menos, parte desse

imposto nas transações que efetuam com seus clientes, os consumidores

finais. A parte não repassada devido às condições da elasticidade-preço da

demanda é suportada pelo seu próprio capital de giro. De toda forma, o ônus

final do imposto ST anteriormente retido é suportado pelos contribuintes e

consumidores finais. A parte suportada pelo consumidor final, em muitos casos,

é diluída em suaves prestações que as atuais condições favoráveis do crediário

proporcionam. Além disto, o crescimento das vendas neste segmento para as

classes “D” e “C” e para a classe média foi espetacular nos últimos anos.

Assim, sobretaxação das vendas em contínuo crescimento no grande

varejo devido à turbinação do consumo que se verificou nos últimos anos,

proporcionou robustos ganhos de arrecadação nos segmentos formalizados do

setor. Ou seja, a captura do imposto sonegado pelos estabelecimentos do

pequeno varejo, mais propensos à evasão, proporcionou contribuição marginal

(muito pequena) para o incremento da arrecadação.

Quanto aos estabelecimentos do varejo de luxo, a hipótese defendida é

que os mesmos praticam margens e preços superiores aos utilizados para a

valoração da base de cálculo da ST pagando, portanto, menos impostos do

que o seria se não houvesse a retenção antecipada.

Por tudo isto, a nova ST, além de ter proporcionado polpudos ganhos de

arrecadação a partir da sobretaxação dos segmentos formalizados do grande

varejo, promoveu uma enorme injustiça tributária, configurando-se o chamado

efeito Robin Hood às avessas descrito por Antônio Sérgio Valente em sua série

de artigos homônima (ver nota de rodapé nº 36).

Por fim, foi salientado que o crescimento da arrecadação proporcionado

pela nova ST configura-se como uma bolha arrecadatória de difícil sustentação.

Até agora, tem sido sustentada, dentro outros fatores, por novos produtos que

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passaram para o regime, ensejando recolhimentos sobre estoques e

pagamentos antecipados. Foi considerado que as condições que levaram

vários produtos à nova ST já se esgotaram, restando poucos produtos capazes

de proporcionar relevante arrecadação. Portanto, por esta via a bolha não se

sustenta.

Por outro lado, os ganhos de arrecadação proporcionados pela

sobretaxação dos segmentos formalizados do varejo podem ter vida curta.

Além do efeito China já apontado, a reação das empresas para fugirem da ST

e oferecer ao comércio produtos com atraentes descontos passa pela

reconfiguração geográfica de distribuidores e atacadistas e de outros arranjos

operacionais que visam “planejamentos tributários”. Estes expedientes podem

redundar em fomento das práticas elisivas e sonegatórias, atuando a favor do

estouro da bolha, ou, como referido, reforçando o efeito phármacon.

Os problemas aqui relatados não esgotam o assunto. Como já foi dito,

são apontamentos. Por outro lado, vislumbram-se possíveis soluções a seguir,

discutidas.

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CAPÍTULO 5

Possíveis Soluções

O objetivo desse capítulo é discutir possíveis soluções para os

problemas da nova substituição tributária (nova ST) anteriormente apontados.

As propostas aqui discutidas não esgotam o assunto, como dito. Dentre

as várias propostas apresentadas destacam-se três grupos:

a) as soluções que visam restituir a antiga configuração do sistema da

substituição tributária para frente;

b) as soluções que visam ampliar o atual sistema da nova ST e

c) uma nova linha de soluções que leva em conta a obsolescência da

substituição tributária e o uso intensivo da tecnologia da informação.

Soluções que visam restituir a antiga configuração do sistema da

substituição tributária para frente

Esta categoria de soluções pode ser representada pela proposta contida

no estudo da PricewaterhouseeCoopers/CNI (p. 177-179), que consiste na

adoção das medidas a seguir comentadas.

Segundo a PricewaterhouseeCoopers/CNI, o objetivo é “tornar a

substituição tributária mais neutra, coerente e adequada às premissas que

ensejaram a criação dessa sistemática de apuração...” (p. 176). Para alcançar

esse objetivo a primeira medida seria autorizar o ressarcimento do imposto

pago a maior nas hipóteses em que a base de cálculo utilizada na retenção for

superior às margens e preços efetivamente realizados. O ressarcimento seria

efetuado em espécie (crédito em conta corrente) ou em créditos fiscais.

A medida retira o efeito da sobretaxação das transações do grande

varejo e restitui a justiça fiscal. Embora o estudo não mencione a irmã siamesa

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dessa medida – o pagamento da diferença quando a base de cálculo da ST for

inferior ao preço de venda real da mercadoria, o pagamento complementar –

ela seria necessária para a completa restituição da justiça fiscal. Caso

contrário, não se eliminaria por completo o efeito Robin Hood às avessas.

Do ponto de vista operacional, a medida repõe à fiscalização a imensa

quantidade de auditorias fiscais junto aos milhares de varejistas que pleiteariam

o ressarcimento. Do mesmo modo, o pagamento complementar demandaria o

mesmo esforço de fiscalização em centenas ou milhares de contribuintes. Algo

totalmente contrário ao que o próprio instituto da ST procura evitar.

A segunda medida é de ordem financeira e tem por objetivo amenizar o

custo de capital de giro dos contribuintes substitutos. Consiste em ampliar “o

prazo de recolhimento do ICMS por substituição tributária para período superior

ao prazo médio de recebimento das vendas...” (p. 176).

A medida é salutar e parece atingir os objetivos pretendidos. Na prática,

não é possível a perfeita sincronização entre prazos de recebimento de vendas

e pagamento de impostos. Ao mesmo tempo, quanto mais pasteurizados forem

os prazos de recolhimento, maiores serão os desvios em relação a prazos

efetivos e maiores as reclamações por prazos mais adequados a cada negócio.

A fixação de prazos de recolhimento de acordo com os prazos médios

praticados por setor de atividade econômica identificados pela Codificação

Nacional de Atividade Econômica (CNAE) poderia amenizar as consequências

da proposta. A medida se coaduna com a proposta seguinte que prevê a

inclusão apenas dos produtos que atendam aos quesitos básicos da

substituição tributária.

A terceira proposta é a exclusão do regime dos “produtos que não se

coadunem com os requisitos teóricos da sua inclusão” (p. 177), isto é, ficaria na

ST somente os produtos de grande relevância para a arrecadação, de

concentrada produção, que fossem homogêneos, de comercialização

pulverizada e cujos preços finais fossem conhecidos e homogêneos. O estudo

procura demonstrar que o aumento indiscriminado de produtos sujeitos a ST

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nos últimos anos, incluiu produtos que não atendem a esses pressupostos,

causando inúmeros transtornos tanto para o Fisco quanto para os

contribuintes.

A proposta é coerente com o objetivo de restabelecer a velha

substituição tributária e torná-la mais neutra. Na prática, porém, a retirada de

produtos da ST esbarraria em um problema de ordem financeira e operacional:

o que fazer com os estoques de mercadorias adquiridas com ST? A partir do

momento em que um produto fosse retirado da ST - ao contrário da cobrança

do ICMS-ST sobre estoques quando da sua inclusão - as fazendas estaduais

teriam de ressarcir aos adquirentes do imposto pago por antecipação. O

desencaixe que os tesouros estaduais teriam de efetuar para atender a

proposta não seria desprezível. Uma possível solução seria a apropriação do

imposto pago por antecipação incluído nos estoques em créditos fiscais para

aproveitamento parcelado. Esse ressarcimento em créditos demandaria, pelo

menos por algum tempo, grandes esforços de fiscalização e teria impactos

negativos nas arrecadações estaduais que poderiam, a princípio, ser

recuperados nas vendas posteriores, pelo sistema de débito e créditos.

A proposta necessita de maiores estudos e reflexões que não cabem no

espaço desse trabalho. Como comentado, o objetivo é apontar possíveis

soluções para o aprofundamento do debate.

Outra medida proposta pelo estudo da PricewaterhouseeCoopers/CNI é

a observação de critérios objetivos para inclusão de produtos na ST e alteração

das margens de valor agregado. Considera que tanto os critérios de inclusão

de novos produtos na ST quanto à definição das margens de valor agregado

são obscuros, não aparecendo de forma clara nos textos das normas

tributárias. Propõe maior objetividade e transparência, “reduzindo os custos

inerentes ao cumprimento das ... obrigações principal e acessória” (p. 177).

Considera-se que a transparência e a objetividade são quesitos

fundamentais em uma democracia e, por isto, pressupõe-se que a inclusão de

novos produtos na ST deveria ser antecedida por pesquisas, reuniões e

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discussões entre representantes fazendários e representantes empresariais, o

que seria igualmente válido para a definição de margens de valor agregado.

No contexto da proposta, que prevê a retirada de produtos da ST e/ou a

inclusão de novos produtos que atendam aos requisitos, pressupõe-se que as

administrações fazendárias adotariam os mesmos critérios e procedimentos de

transparência e objetividade tanto na inclusão como na exclusão. Toda norma

publicada sobre a matéria deveria conter em seu texto os critérios técnicos e as

justificativas.

Quanto à redução dos custos de conformidade mencionada na proposta,

a publicação dos critérios objetivos e das justificativas de inclusão/exclusão não

é medida suficiente para redução desses custos. Reduzir custos de

conformidade implica, dentre outras medidas, a eliminação da publicação

desordenada de normas. O enorme mosaico de normas estaduais atinentes à

substituição tributária que hoje existe representa grande empecilho à redução

dos custos de conformidade. No contexto da proposta, a permanência de

poucos produtos na ST possibilitaria reduzir esse mosaico e articular as

normas em um sistema orgânico em níveis estadual e nacional (convênios).

Isto sim contribuiria para a redução dos custos de conformidade.

Por último, o estudo da PricewaterhouseeCoopers/CNI propõe a

“uniformização regional das margens de valor agregado por natureza do

produto” (p. 177). O estudo identificou grande variedade de margens de valor

agregado baixadas por decreto ou por portarias para um mesmo produto em

Estados de uma mesma região. Em um país de dimensões continentais e de

grandes desigualdades regionais que nem o Brasil é natural a ocorrência de

diversidades de margens, capacidades econômicas e de arrecadação. O

problema identificado pelo estudo é o uso de diferentes margens de valor

agregado para Estados de uma mesma região, o que provoca distorções

imediatas, como por exemplo, aumento de preços e escassez do produto,

como mediatas, como por exemplo, a transferência de uma indústria de um

Estado para outro vizinho em virtude do último oferecer margens de valor

agregado mais vantajosas.

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A proposta é adequada para o contexto que procura manterem-se na ST

poucos produtos. Margens de valor agregado regionalizadas, nesse contexto,

poderiam evitar uma espécie de guerra fiscal calcada em margens mais

vantajosas. Seriam necessários acordos (convênios ou protocolos) entre

Estados de uma mesma região. A medida contribuiria para a redução dos

pedidos de ressarcimento nas remessas de mercadorias de um Estado para

outro com diferentes margens de valor agregado, pelo menos entre Estados de

uma mesma região. Contribuiria também para a redução dos custos de

conformidade pela redução da quantidade de normas.

A regionalização da substituição tributária poderia amenizar os conflitos

entre Estados de uma mesma região somente nesse item: ST. Porém, poderia

suscitar outros problemas de ordem federativa. O ocorrido no comércio

eletrônico é um exemplo. O Protocolo CONFAZ 21 foi firmado entre Estados de

uma região para sobretaxar, na entrada, mercadorias provenientes dos centros

de distribuição de regiões mais industrializadas. O mesmo poderia ocorrer com

margens de valor agregado regionalizadas, onde o pagamento antecipado

poderia servir como instrumento de alavancagem da arrecadação na entrada

dos Estados de uma região. Toda discussão que envolva ICMS em nível

regional ou nacional - no contexto atual de franca beligerância fiscal entre os

Estados da federação brasileira - não pode ser tratada regionalmente.

Soluções que visam ampliar o atual sistema da nova ST

Há propostas informais de universalização da substituição tributária para

frente tanto no nível estadual quanto no nível federal.

No nível estadual, cada Estado cobraria a ST a seu próprio modo,

instituindo-a praticamente a todo o universo de mercadorias transacionadas em

seu território. A medida exacerbaria todos os conflitos já existentes, podendo

estimular medidas retaliativas no âmbito da guerra fiscal e, destarte, afetar

negativamente o comércio inter-regional e a integração nacional. O

crescimento da quantidade de contribuintes substitutos contrariaria os

pressupostos do próprio instituto da ST, estimulando as possibilidades de

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evasão e elisão e trazendo grandes dificuldades para a fiscalização, como

discutido neste trabalho.

Em nível nacional, há propostas que advogam pela aplicação da

universalização da ST para todos os produtos, o que demandaria amplos

convênios. A pretensa harmonização da proposta, na verdade, teria como

consequência sérias dificuldades de ordem prática e operacional, podendo

agravar a evasão e a elisão fiscal, como já comentado. Incongruências de

margens entre regiões/estados, desvios de margens e preços em torno de

médias, aumento generalizado do custo de capital de giro, encarecimento da

produção, crescimento do número de contribuintes substitutos, inviabilização

do Simples Nacional, enfim, mais uma vez, todos os problemas anteriormente

comentados, seriam exacerbados em todo o território nacional.

Em suma, ambas as medidas potencializariam todos os problemas

apontados nesse trabalho. Os tempos são outros. Hoje, o valor agregado é

cada vez mais difuso. Grande diversidade de ocorrências do mundo moderno

concorre para a sua formação. Os modernos sistemas de informação

associados ao uso intensivo de talento humano e inteligência quando aplicados

a novos processos redundam em produtos cada vez mais diferenciados e

customizados. Tudo isso redunda em grande diversidade de preços. Ou seja,

homogeneidade e pasteurização, tão afeitas a ST, são paradigmas do

passado.

Nesse passo, discute-se a seguir as possibilidades de soluções que

levem em consideração o anacronismo e a obsolescência da ST bem como o

uso intensivo da tecnologia da informação visando eliminá-la do sistema de

tributação do valor agregado do ICMS.

A linha de soluções baseada na tecnologia da informação

A substituição tributária para frente está se tornando anacrônica, com

alto grau de obsolescência. A concepção básica por trás da sua criação tinha

por substrato as dificuldades operacionais do Fisco em penetrar suas ações na

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imensa capilaridade do varejo. A realidade do início dos anos 1970, época em

que começou a ser explorada pelos Estados brasileiros, moldou suas

características fundamentais. Como observado, naquela época, os então

poucos produtos de maior relevância para a arrecadação como, por exemplo,

automóveis, combustíveis, cervejas, chope, refrigerantes, cigarros e outros

eram mais homogêneos e seus preços finais eram mais conhecidos, quando

não, tabelados.

A maior parte do valor agregado no varejo antigo se realizava do então

“centro” das grandes cidades, o “centro comercial” como era chamado,

composto por várias lojas, boutiques, padarias, magazines, empórios e vendas.

Apesar da presença de lojas de departamento e de algumas redes de lojas, o

grau de concentração do varejo era bem menor do que o dos dias de hoje. No

interior, essa realidade era mais contundente. Naquelas localidades o varejo de

maior concentração localizava-se nos antigos armazéns que, não raro, também

praticavam comércio de atacado, porém, em menor grau de concentração do

que os grandes atacados modernos.

Pelo lado da produção, era relativamente pequena a quantidade de

grandes indústrias de oligopólio e/ou de monopólio. Para cada produto incluído

na ST na época, poucas grandes indústrias abasteciam a maior parte do

comércio daqueles produtos em todo território nacional.

A tecnologia da informação da época assentava-se em processamentos

centralizados de lotes de documentos em papel que eram preenchidos à mão

ou datilografados ou ainda digitados no decorrer dos fluxos transacionais. Os

dados assim captados eram processados a posteriori, gerando registros para

impressão também a posteriori em listagens, livros fiscais, livros contábeis e

outros relatórios impressos. A ação fiscal era voltada para verificações da

autenticidade desses registros por cruzamentos de dados e de outros

procedimentos de auditoria sempre a posteriori e por amostragem.

Esse modelo era extremamente custoso para o espraiamento da ação

fiscal sobre a grande base pulverizada de contribuintes do varejo. Como o

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processamento de dados era alimentado por documentos em papel emitidos no

decorrer das transações, omissões fraudulentas pela imensa gama de

estabelecimentos varejistas era de difícil detecção pela ação do Fisco. As

condições dos sistemas de informação não eram suficientes para captar

informações não declaradas por varejistas, apesar do uso das máquinas

registradoras.

Foi sob o manto dessas condições que surgiu a necessidade de

esquemas de substituição tributária para a antecipação do recolhimento do

imposto nas fases pré-varejo, principalmente junto aos poucos grandes

fabricantes que existiam na época.

A moldagem daqueles quesitos básicos de inclusão de produtos na ST

nada mais era do que o espelho das então estruturas empresariais da

produção e do consumo bem como da tecnologia da informação. De qualquer

forma, sujeitava-se a ST somente aqueles produtos “tradicionais” que atendiam

àqueles quesitos. Apesar disso, como visto, desde o início, a substituição

tributária era contestada pelos comerciantes.

Atualmente, as condições são outras. Hoje, as dificuldades operacionais

de penetrabilidade do Fisco na imensa malha das operações de varejo são

bem menores, o que abala um dos principais alicerces de pressupostos da

própria existência da substituição tributária para frente.

A começar pelos próprios produtos tradicionais. Vários deles apresentam

grau de homogeneidade bem inferior. Por exemplo, hoje em dia há várias

marcas e sabores de cervejas, chope, refrigerantes e sorvetes, cada qual com

variados graus de diferenciação em suas características físicas e de

apresentação, tornando seus preços bastante desiguais no varejo. O mesmo

ocorre para os demais produtos atualmente incluídos na ST. De maneira geral,

atualmente fatores diversos concorrem para a formação do valor agregado

tornando-o desigual para produtos semelhantes. Por exemplo, concorrem para

a formação e diferenciação do valor agregado, tanto na produção quanto na

circulação, os mais variados serviços de projeto e de design, características de

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pontos de venda, qualidade do atendimento, apresentação do produto, etc. Inteligência e talento, valores intangíveis, influenciam a diversidade de valores

e preços (37).

Atualmente, a maior parte do valor agregado que se realiza no varejo

acontece em estruturas de grande concentração como as redes de

supermercados, que vendem de gêneros alimentícios e bebidas a vestuário,

cama, mesa e banho, móveis, utensílios domésticos, pneus e uma infinidade

de outros gêneros, e shoppings centers, que aglutinam em um só local e sob

uma única administração de logística, vários pequenos e grandes

estabelecimentos comerciais. Essas estruturas concentradas de varejo também

se segmentam por faixas de renda. Há desde grandes lojas e redes de varejo e

de atacado populares de altíssimo giro e menor valor agregado por item

comercializado até grandes lojas de supermercados localizados em bairros

nobres de menor giro, porém de maior valor agregado por item comercializado.

Além do comércio de varejo que se realiza nessas estruturas físicas,

cresce o comércio eletrônico pela internet, o que tem sido motivo de cobranças

adicionais de ICMS pelos Estados de destino (já comentado). Centros de

distribuição de grandes redes varejistas ou importadores de bens de consumo

distribuem vendas por canais alternativos às tradicionais lojas de varejo.

Entregam a mercadoria na residência do adquirente pela contratação de

empresas especializadas em transporte e entrega. Esta modalidade vem

crescendo muito nos últimos anos. O ICMS incide sobre essas operações pela

alíquota final (trata-se de aquisições finais), independentemente do Estado de

destino. Além dos registros dessas transações serem naturalmente eletrônicos,

concentram-se em poucos centros de distribuição e importadores.

Atualmente, os sistemas de informação se baseiam em processamentos

em tempo real e na disponibilização dos registros em redes compartilhadas, o

que permite a modelagem da ação fiscal em outros parâmetros, com acessos

37 Para uma discussão sobre os modernos processos de agregação de valor ver Ladislau Dowbor (2009). Da Propriedade Intelectual à Economia do Conhecimento disponível em http://www.pucsp.br/icim/ingles/downloads/papers/TL_069.pdf

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on line em tempo quase real. A nota fiscal eletrônica permite maior

acessibilidade aos sistemas de informação da rede varejista que hoje

apresenta escala de operações e maior de grau de concentração do que no

passado. As novas tecnologias de informação permitem acesso do Fisco a um

universo muito maior de operações, inclusive junto à imensa gama de

operações de varejo, o que deverá ser facilitado pelo s@t fiscal, uma espécie

de nota fiscal eletrônica do varejo a ser implantada nos próximos anos.

A fiscalização dessas operações pelo uso intensivo da tecnologia da

informação hoje disponível pode dispensar, naturalmente, o instituto da

substituição tributária em sua íntegra, modelado para atender as condições da

tecnologia da informação de outra época.

A proposta de soluções nessa linha poderia tomar alguns elementos da

proposta apresentada pela PricewaterhouseeCoopers/CNI. A retirada

começaria pelos produtos de menor relevância para a arrecadação e para os

que permanecessem, estender-se-ia o prazo de recolhimento. Daí para frente,

a cada período, um conjunto de produtos seriam retirados da ST. A retirada

gradual de acordo com a relevância do produto para a arrecadação minimizaria

os impactos das apropriações de créditos sobre os estoques remanescentes.

Ao mesmo tempo, seriam construídos novos procedimentos de

fiscalização de varejo baseados no uso intensivo do cruzamento de dados

eletrônicos, utilizando-se das bases proporcionadas pela nota fiscal eletrônica,

SPED e de outras bases, como por exemplo, vendas por cartão de

crédito/débito. Após a implantação do s@t fiscal, cujas bases seriam

incorporadas aos cruzamentos, o sistema ganharia maior eficiência.

A construção dessas soluções pelos Estados entraria na agenda dos

demais temas do federalismo fiscal hoje em discussão no nível nacional,

principalmente os que dizem respeito à reforma tributária. O projeto poderia ser

coordenado pela Comissão Técnica Permanente (COTEPE) no âmbito do

CONFAZ, o que permitiria a sua necessária harmonização.

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No prazo de alguns anos, poder-se-ia atingir um sistema mais

harmonizado quiçá sem nenhum produto na substituição tributária, garantindo-

se as vantagens do pleno funcionamento do IVA de acordo com as suas

características intrínsecas e indissociáveis. Conclusão

Neste capítulo foram apresentadas algumas linhas de soluções para

eliminar os graves problemas que hoje contribuintes e Fisco enfrentam com a

nova ST. O objetivo não é esgotar a discussão sobre o rol de soluções que se

apresentam, mas apontar linhas de atuação e suas principais consequências

em cada uma delas.

Foram apresentadas três linhas de soluções hoje presentes no debate.

A primeira sintetiza todas as soluções orientadas para o

restabelecimento da velha ST, entendida como a sistemática ideal que

minimizaria as distorções introduzidas no sistema de tributação do valor

agregado. Essa linha de soluções está expressa nas propostas contidas no

estudo da PricewaterhouseeCoopers/CNI e propõe basicamente a volta do

ressarcimento, a ampliação do prazo de recolhimento do imposto retido por ST,

a exclusão do regime dos produtos que não se coadunam com os quesitos

básicos da ST, o estabelecimento de critérios objetivos e transparentes para a

inclusão de novos produtos e para o estabelecimento das margens de valor

agregado e a uniformização regional das bases de valor agregado por natureza

do produto.

Algumas medidas da proposta poderiam trazer problemas e conflitos

adicionais. O ressarcimento deveria ser acompanhado do pagamento da

diferença. Além disto, à medida que os produtos fossem sendo retirados da ST,

créditos sobre estoques remanescentes deveriam ser ressarcidos. As medidas

restabeleceriam o que a própria ST procura combater: a grande capilaridade de

contribuintes a fiscalizar. A uniformização regional das bases de valor agregado

poderia instrumentalizar medidas beligerantes no âmbito da guerra fiscal.

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O outro conjunto de soluções sugere a universalização da ST, para

todos os produtos. Dentro desse conjunto, há soluções que visam essa

ampliação unilateral por cada Estado e outras orientadas para uma

universalização coordenada a nível nacional onde os Estados da federação

brasileira, o que demandaria amplos convênios ST para todas as mercadorias

transacionadas entre seus territórios.

Como apontado, as soluções que universalizam a ST, distorcem as

funções do IVA e potencializam todos os problemas e conflitos hoje existentes.

A medida representaria grande retrocesso aos impostos sobre valor agregado

pré-varejistas, há muito tempo banido dos sistemas tributários em todo o

mundo.

Por fim, foram apresentadas soluções que levam em conta o

anacronismo da ST, arquitetada para a realidade econômica e tecnológica dos

anos 1970, e o uso das modernas tecnologias de informação na fiscalização

das operações de varejo. Um dos pressupostos básicos para a construção do

modelo antigo eram as dificuldades de ordem operacional que a fiscalização

enfrentava para alcançar a escala de operações dos estabelecimentos de

varejo, dada a tecnologia de informação da época. Hoje, as condições dessa

tecnologia permitem superar a maior parte daquelas dificuldades.

Nessa linha, as propostas seguiriam a orientação pela gradual

eliminação dos produtos da ST, graduada de acordo com a relevância do

produto para a arrecadação e, ao mesmo tempo, pela construção de modos de

fiscalização calcados no uso das bases de dados proporcionadas pela nota

fiscal eletrônica, SPED e, futuramente, pelo s@t fiscal. Essa linha se efetivaria

dentro de um plano nacional de reforma do sistema de tributação do valor

agregado coordenado pelo CONFAZ no nível da coordenação e pela COTEPE

no nível da implantação. Desta forma, poder-se-ia restabelecer no horizonte de

alguns anos a vigência plena das características intrínsecas e indissociáveis do

IVA com todas as suas vantagens decorrentes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este breve estudo procurou demonstrar que a substituição tributária

aplicada ao ICMS por vários Estados da federação brasileira está

transformando o sistema de tributação do valor agregado no Brasil no seu

próprio avesso.

A concepção original deste regime foi normatizada no Direito europeu no

século XIX e considerava que a sua aplicação deveria atender aos aqui

denominados pressupostos da utilidade, entendido como o mecanismo de

facilitação, racionalização e garantia da arrecadação, e da vinculação direta,

que pressupõe a vinculação direta do responsável com o fato gerador. O

pressuposto da utilidade se aplica a situações em que um único sujeito

passivo, o substituto, aglutina o cumprimento das obrigações tributárias

decorrentes de fatos geradores promovidos por grande número de

contribuintes, os substituídos, que com ele transaciona. Desta forma, torna-se

mais racional para o Estado cobrar os impostos daquele único sujeito passivo

no lugar de vários outros. O pressuposto da vinculação direta estabelece que o

substituto deva guardar vínculos diretos com os fatos geradores para os quais

ele se responsabiliza pelo pagamento do imposto. Esse pressuposto assenta-

se na lógica da capacidade contributiva do substituto como agente

economicamente capaz de responder pelos impostos de outrem e na sua

possibilidade de valorar um dos elementos essenciais da obrigação tributária: a

base de cálculo.

O instituto da substituição tributária quando aplicado aos impostos sobre

o valor agregado (IVA) deve guardar sintonia com as suas características

intrínsecas e indissociáveis, sob pena de descaracterizar-se da base de cálculo

e, portanto, a própria obrigação tributária, e de afetar uma das principais

vantagens dessa espécie de tributação: a neutralidade do IVA nas transações

intermediárias. A neutralidade dos IVA é fator crítico para o desenvolvimento e

eficiência das economias industriais de maior complexidade.

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As características intrínsecas e indissociáveis do IVA - a repercussão do

ônus tributário, a não-cumulatividade do imposto, a tributação multifásica, a

utilização do método do crédito, a amplitude da tributação e a valoração das

bases de cálculo a preços de mercado – se articulam e se auto reforçam em

prol da neutralidade do IVA. A experiência tem demonstrado que, quando

rompidas, instauram-se custosos conflitos Fisco/contribuintes e até mesmo

entre os próprios sujeitos ativos. Ao mesmo tempo, o rompimento dessa

articulação instiga movimentos sistematizados de evasão e elisão fiscal.

A experiência também tem demonstrado que a aplicação da substituição

tributária na tributação do valor agregado para as transações que se realizam

em mercados imperfeitos organizados sob a forma de monopsônios ou

oligopsônios em que um ou poucos compradores dominam a recepção de

produtos remetidos por vários sujeitos passivos, preserva os pressupostos da

utilidade e do vínculo direto. Ao mesmo tempo, não macula as características

intrínsecas e indissociáveis do IVA, preservando-se a sua neutralidade. Por

isto, a substituição tributária quando aplicada às operações antecedentes não

tem sido objeto de grandes conflitos. É o que atesta a ampla utilização dessa

modalidade em todo o mundo.

Por outro lado, o uso do instituto da substituição tributária nas

transações subseqüentes realizadas em estruturas de mercado mono ou

oligopólicas, onde um ou poucos produtores ou vendedores respondem por

toda a oferta do mercado, preserva o princípio da utilidade, mas rompe com o

do vínculo direto e com várias das características intrínsecas e indissociáveis

do IVA. A tributação continua ampla e repercussiva, levando ao consumo o

imposto retido por substituição tributária, mas prescinde do método do crédito,

torna-se unifásica a partir do momento da retenção e as bases de cálculo

passam a ser valoradas não por preços de mercado, mas por preços de tabela,

pautas, margens de valor agregado estimadas e assemelhados. A não-

cumulatividade é afetada pelo não aproveitamento do crédito do imposto pago

a maior nas situações em que a base de cálculo estimada seja maior do que a

efetivamente realizada. O aumento do custo de capital de giro das empresas

que compõem a cadeia produtiva, aumentos de preços e injustiças fiscais com

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a sobretaxação de uns em detrimento de outros são alguns dos efeitos

colaterais provocados por esse rompimento. O baixo uso dessa sistemática em

todo o mundo atesta sua inadequação.

No Brasil, a substituição tributária nas transações subseqüentes aplicada

ao então ICM teve início nos anos 1970. No decorrer daqueles anos, os

Estados aplicavam essa espécie de cobrança sobre produtos que, atendendo

ao pressuposto da utilidade, fossem relevantes para a arrecadação, tivessem

sua produção altamente concentrada e seu consumo de varejo altamente

capilarizado, fossem fisicamente homogêneas e apresentassem preços finais

conhecidos ou tabelados. Dessa forma, os problemas de valoração da base de

cálculo decorrentes da ausência de vínculos direto do contribuinte substituto

com os fatos geradores futuros eram contornados pelo uso de preços

tabelados pela então Superintendência Nacional de Abastecimento, a SUNAB,

ou até mesmo pelo próprio fabricante. Os poucos produtos sujeitos ao regime o

eram em todo o território nacional, amparadas por leis e convênios que se

firmavam entre os Estados. Havia harmonia federativa na aplicação da

substituição tributária para frente.

Porém, o mesmo não ocorria nas relações Fisco/contribuintes. Esses

últimos contestavam na justiça a validade jurídica do regime, uma vez que,

desrespeitadas aquelas características intrínsecas e indissociáveis do IVA, se

viam prejudicados pelo encarecimento dos produtos que adquiriam, pela maior

retenção do seu capital de giro devido à transformação do imposto em

unifásico, abolindo da apuração o método do crédito.

A validade jurídica do instituto da substituição tributária nas operações

subseqüentes foi pacificada com a Lei Kandir, em 1996, editada em

cumprimento ao texto constitucional. Porém, o sistema de preços conhecidos e

tabelados já havia sido corrompido pelo surto inflacionário dos anos 1980 e

início dos anos 1990. O sistema de preços de mercado instaurado a partir da

segunda metade dos anos 1990 fez surgir outra sorte de conflitos em torno do

ressarcimento do imposto pago a maior nas situações em que a base de

cálculo das operações subseqüentes fosse maior do que as efetivamente

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realizadas. Os contribuintes passaram a pleitear na justiça o direito ao

ressarcimento. Desde o início dos anos 2000, o assunto encontra-se sub

judice. A partir de então, impostos pagos a maior não são ressarcidos e

também, por outro lado, os contribuintes que pagaram a menor, não são

obrigados a complementar a diferença após a realização do fato gerador das

operações subsequentes. O ressarcimento foi admitido na lei somente para as

hipóteses em que o fato gerador subsequente, ou presumido, não se

realizasse. Na prática, o resultado foi pela “definitividade” do imposto pago por

substituição tributária.

Este regime concebido nos anos 1970 e aplicado em poucos produtos

em conformidade com o pressuposto da utilidade, mesmo que sob vários

conflitos Fisco/contribuintes, permaneceu até 2007. A ele, foi denominada,

neste trabalho, a expressão velha substituição tributária ou velha ST.

A partir de 2008, principalmente os Estados mais industrializados do

centro-sul do país e alguns outros passaram a aplicar a substituição tributária

para frente para quase todos os produtos comercializados no varejo, muitos

deles fora do pressuposto da utilidade. Este espraiamento representou uma

verdadeira “revolução”, aqui denominada como nova ST. A característica

marcante desse processo reside na sua forma predominantemente unilateral,

onde a maior parte da cobrança é interna, dentro de cada Estado e à sua

própria maneira. A velocidade com que produtos foram incluídos na nova ST

não foi acompanhada por acordos firmados por convênios ou protocolos entre

os Estados.

Esta “revolução da ST” promoveu um verdadeiro boom na arrecadação

dos Estados que a promoveram. Porém, rompeu com o único pressuposto que

ainda a mantinha sob alguma justificativa: o pressuposto da utilidade. Com ela,

vários contribuintes, grandes ou pequenos tornaram-se substitutos

comprometendo-se o mecanismo de facilitação, racionalização e garantia da

arrecadação. Suas consequências foram além. A profusão de normas em boa

parte direcionadas para a valoração da base de cálculo das infinitas

especificações de produtos sujeitos ao regime provocou crescimento dos

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custos de conformidade e, em contrapartida, dificuldades para a fiscalização, a

exemplo do ICMS antecipado sobre estoques quando da inclusão de um novo

produto na ST, fazendo surgir milhares de novos contribuintes sujeitos à ação

fiscal.

A ausência de acordos entre os estados trouxe dificuldades adicionais

para contribuintes e secretarias de fazenda, a exemplo do acúmulo de pedidos

de ressarcimento pelos distribuidores que remetem produtos para estados com

os quais não há acordo (situação em que o fato gerador presumido não foi

realizado). Outra consequência da ausência generalizada de acordos foi a

instauração do pagamento antecipado dos produtos na entrada do estado, uma

espécie de alfândega dentro de uma federação. Algo inusitado.

As reações no mercado foram as mais adversas. Aumento de preços

intermediários e aumento do custo de capital de giro têm provocado efeitos

colaterais indesejados, tendentes à evasão e à elisão fiscais. Remessas de

indústrias para atacadistas coligados, abertura de centros de distribuição em

Estados vizinhos com vistas à redução ou evasão do imposto, são alguns dos

problemas captados por estudos e pesquisas.

A ideia de que os robustos ganhos de arrecadação da nova ST provêm

da captura do imposto sonegado no varejo precisa ser revista. Há fortes

evidências de que esses ganhos provêm da sobretaxação dos milhões de

consumidores que efetuam compras nos grandes centros de varejo e de que as

receitas capturadas pelo imposto sonegado são marginais.

Todos esses problemas é a manifestação das consequências do

rompimento da nova ST com os pressupostos da utilidade e do vínculo direto e

também do seu rompimento com as características intrínsecas e indissociáveis

do IVA.

As soluções que apontam para a restituição à velha ST são anacrônicas,

como anacrônico e obsoleto está se tornando o próprio instituto da substituição

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tributária para frente. Outras soluções que apontam para a generalização do

instituto tendem a potencializar todos os problemas.

A velha ST foi concebida na época em que havia poucos produtos que

atendiam ao pressuposto da utilidade. As estruturas de varejo não tinham a

mesma concentração das estruturas de hoje. A tecnologia da informação então

disponível dificultava a ação do fisco na capilarizada rede de estabelecimentos

varejistas. Atualmente as condições são outras. A maior parte das vendas de

varejo se realiza em estruturas de grande concentração. A tecnologia da

informação dos dias de hoje permite o acesso do Fisco à gigantesca

quantidade de registros das transações intermediárias e de varejo. Há soluções

tecnológicas capazes de colocar inteligibilidade e controle sobre a montanha

detalhada de dados que diariamente flui dos sistemas de produção e

distribuição para os mais variados pontos de

consumidores.

varejo e destes para os

Esta nova realidade possibilita a preservação e até mesmo o

revigoramento dos princípios da utilidade e do vínculo direto não pelo uso da

sistemática da substituição para frente que se tornou obsoleta, mas pela

construção de novos paradigmas de fiscalização calcados na tecnologia da

informação, em concepções modernas, bem a frente daquelas construídas nos

anos 1970. Trata-se, em última instância, de restabelecer a articulação das

características intrínsecas e indissociáveis clássicas do IVA.

Nos anos 1960, o Brasil inovou como o primeiro país do mundo a adotar

o IVA na amplitude do velho ICM. Com a “revolução” da substituição tributária

dos anos 2000, inovou novamente, como o primeiro país do mundo a construir

o anti-IVA. Estamos inovando mais uma vez com a construção de um amplo

Sistema Público de Escrituração Digital, o que nos possibilitará reconstruir um

novo IVA.

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