A SUBSERVIÊNCIA AO COLONIZADOR PORTUGUÊS

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A SUBSERVIÊNCIA CABOCLA AO COLONIZADOR PORTUGUÊS (EX) POSTA NA LETRA DO HINO DE CAMETÁ/PARÁ/BRASIL Maria Lucilena Gonzaga Costa (UFPA) RESUMO: A letra do hino de Cametá/PA pode ser entendida como uma atitude de afirmação política ao exprimir a subserviência cabocla ao colonizador português na ânsia de identidade por parte de uma província recente. Com efeito, o momento da composição remete-se ao processo de conquista e colonização, houve o transplante de língua e cultura já maduras para um meio físico diferente, povoado por raças distintas, caracterizadas por modelos culturais completamente díspares, incompatíveis com as formas de expressão do colonizador. No caso de Cametá, o povo autóctone era primitivo, vivendo em culturas rudimentares. Havia, portanto, afastamento entre a cultura do conquistador e a do conquistado, que por isso sofreu um processo brutal de imposição. A sociedade colonial cametaense não foi, portanto, um prolongamento das culturas locais, mais ou menos destruídas, mas sim da transposição de leis, costumes e religiosidade das metrópoles. A letra do hino cametaense resulta desse processo de imposição, ao longo do qual sua expressão foi se tornando cada vez mais ajustada a uma realidade social e cultural que aos poucos definia a sua particularidade. A história de Cametá, retratada no hino, é em grande parte a de uma imposição que foi aos poucos gerando expressão cultural diferente. Esta imposição atuou também como instrumento colonizador, destinado a impor e manter a ordem política e social estabelecida pela Metrópole, através inclusive das classes dominantes locais. Com efeito, a letra do hino serviu para celebrar e inculcar os valores cristãos e a concepção metropolitana de vida social, consolidando não apenas a presença de Deus e do Luso, mas o monopólio da língua, da cultura e do poder. Com isso, desqualificou e proscreveu possíveis fermentos locais de divergência, como os idiomas, crenças e costumes dos povos indígenas, e depois os dos

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A SUBSERVIÊNCIA CABOCLA AO COLONIZADOR

PORTUGUÊS (EX) POSTA NA LETRA DO HINO DE

CAMETÁ/PARÁ/BRASIL

Maria Lucilena Gonzaga Costa (UFPA)

RESUMO: A letra do hino de Cametá/PA pode ser entendida como uma atitude de afirmação política ao exprimir a subserviência cabocla ao colonizador português na ânsia de identidade por parte de uma província recente. Com efeito, o momento da composição remete-se ao processo de conquista e colonização, houve o transplante de língua e cultura já maduras para um meio físico diferente, povoado por raças distintas, caracterizadas por modelos culturais completamente díspares, incompatíveis com as formas de expressão do colonizador. No caso de Cametá, o povo autóctone era primitivo, vivendo em culturas rudimentares. Havia, portanto, afastamento entre a cultura do conquistador e a do conquistado, que por isso sofreu um processo brutal de imposição. A sociedade colonial cametaense não foi, portanto, um prolongamento das culturas locais, mais ou menos destruídas, mas sim da transposição de leis, costumes e religiosidade das metrópoles. A letra do hino cametaense resulta desse processo de imposição, ao longo do qual sua expressão foi se tornando cada vez mais ajustada a uma realidade social e cultural que aos poucos definia a sua particularidade. A história de Cametá, retratada no hino, é em grande parte a de uma imposição que foi aos poucos gerando expressão cultural diferente. Esta imposição atuou também como instrumento colonizador, destinado a impor e manter a ordem política e social estabelecida pela Metrópole, através inclusive das classes dominantes locais. Com efeito, a letra do hino serviu para celebrar e inculcar os valores cristãos e a concepção metropolitana de vida social, consolidando não apenas a presença de Deus e do Luso, mas o monopólio da língua, da cultura e do poder. Com isso, desqualificou e proscreveu possíveis fermentos locais de divergência, como os idiomas, crenças e costumes dos povos indígenas, e depois os dos escravos africanos. Em suma, desqualificou a possibilidade de expressão e visão de mundo dos povos subjugados.

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Hino do município de CametáLetra por Pe. Manuel AlbuquerqueMelodia por Juvenal Alves de Alencar

IEntre as lindas mucamas do Norte,Deste imenso e querido Pará,Uma existe, mais bela, mais forte,Mais audaz, mais fiel: Cametá!

Contra as hostes da grei forasteira,Que estrondeia o cruel bacamarte,Ela sabe, em piroga ligeira,Manejar arco e flecha com arte.

Tenho enlevo de ser brasileiroDa Amazônia sem fim, do ParáE proclamo, também sobranceiroO meu berço feliz: Cametá

IINo combate feroz, lado a lado,Há prodígios de força e valor,Mas o luso em batalhas treinado,Se levanta, por fim, vencedor.

Pela força das armas vencida,Deus mostrou que a vencida venceu,E as belezas da fé convertida,Nova raça de bravos nasceu.

IIICametá – Portugal são agoraNoivo e noiva encantados de amor!O combate findou... ninguém chora...- Foi o amor que saiu vencedor!

Sobre os campos de sangue banhadosSurge a vida (e a cidade também),De onde surgem três grandes PreladosQue são a glória imortal de Belém!