A sociedade Portuguesa no pós 25 de Abril - algumas considerações

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Faculdade de História e Geografia Departamento de História Contemporânea Cadeira: História de Portugal Docente: Doutor Ramón Villares Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319

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Faculdade de História e Geografia

Departamento de História Contemporânea

Cadeira: História de Portugal

Docente: Doutor Ramón Villares

Discente: Ana Rita Faleiro, 12582319

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Índice

1) Agradecimentos -----------------------------------------------------------------------2

2) Prólogo---------------------------------------------------------------------------------3

3) As Forças Armadas no contexto político revolucionário e pós revolucionário 5

4) A descolonização e o movimento dos retornados:

A descolonização à luz do cenário internacional --------------------------- 11

O movimento dos retornados-------------------------------------------------- 14

5) A economia depois da revolução -------------------------------------------------- 17

6) O regime político:

O PREC-------------------------------------------------------------------------- 22

A Constituição de 1976 -------------------------------------------------------- 25

7) Consequências da Revolução: a restauração da Liberdade sentida pelo povo

Mudanças no ensino------------------------------------------------------------ 29

Reintegração dos cantores de intervenção ---------------------------------- 31

→ O “problema” Zeca Afonso----------------------------------------------- 31

→ A reintegração -------------------------------------------------------------- 34

O fim da censura em Portugal: consequências na sociedade de informação....36

8) Epílogo: Portugal hoje ------------------------------------------------------------- 41

9) Bibliografia -------------------------------------------------------------------------- 46

10) Anexos -------------------------------------------------------------------------------- 48

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Agradecimentos

Antes de iniciar este trabalho, gostaria de agradecer ao Doutor Ramón Villares,

docente da Universidade de Santiago de Compostela, a oportunidade que me deu de

trabalhar sobre um tema tão actual ainda da Sociedade Portuguesa.

O 25 de Abril e para mim um tema fascinante, pois veio libertar o país do jugo

autoritário sob o qual se encontrava há décadas, pelo que ter tido a oportunidade de

escolher este tema para trabalhar é algo que me dá grande prazer.

Por isso, por me permitir trabalhar sobre um tema português; por me ter

ajudado na elaboração do plano de trabalho e pelas indicações bibliográficas; por me

permitir debruçar sobre aquela que é a minha sociedade, apesar de me encontrar neste

momento a estudar num país estrangeiro; por me ter dado esta oportunidade; por tudo

isto, aqui deixo os meus mais sinceros agradecimentos ao Doutor Ramón Villares, do

Departamento de História Contemporânea da Universidade de Santiago de

Compostela.

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Prólogo

Todos os cidadãos portugueses ouviram falar no 25 de Abril, na Revolução dos

Cravos, aquela que restaura as liberdades individuais. A que começou com uma música

e a que deitava cravos pelas espingardas.

Todos nós ouvimos falar da noite agitada mas tão calma de 24 para 25 de Abril.

Zeca Afonso, Salgueiro Maia, reformas, liberdade, fim da censura... tudo isto

são conceitos que nos são introduzidos (ainda que por vezes deficientemente, uma vez

que por incrível que pareça, ainda há jovens adultos em Portugal, na casa dos 20 anos,

que não fazem ideia do que se trata a Revolução dos Cravos) quando ainda somos

crianças, são conceitos por vezes exaltados e por vezes rejeitados/criticados, consoante

pertençam ao lado dos revolucionários vencedores ou ao lado dos vencidos – os adeptos

do regime.

Todas as revoluções acarretam consigo consequências, umas vezes positivas,

outras vezes negativas.

Logicamente, uma revolução da envergadura da que aconteceu em Portugal em

1974 teve consequências muitas vezes inimagináveis, uma vez que derrubou um regime

fascista e ditatorial de mais de quarenta décadas, período de tempo durante o qual a voz

do povo foi silenciada, foi perseguida, foi censurada.

No entanto, uma revolução destas não eclode de um momento para o outro, ou

seja, se durante quarenta anos o povo não se revolta (pelo menos abertamente), o que

terá levado a que de repente surja esta mudança, que pode quase ser equiparada a uma

explosão social? Qual terá sido o seu motor e qual a razão de apenas ter operado neste

momento?

O objectivo deste trabalho é precisamente tentar perceber qual o motor da

revolução mas, mais importante que isso, quais as consequências que dela decorrem, e

tentar discernir se foram positivas ou se foram negativas.

No fundo, o principal objectivo deste trabalho é mostrar o que se passou em

Portugal a vários níveis depois deste acontecimento “vendido” como benéfico para nós.

Será que o foi?

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Ou será que, uma vez que a história é escrita pelos vencedores, há situações

decorrentes desta revolução que não foram tão benéficas mas que no calor do momento

foram esquecidas na hora de relatar os acontecimentos?

Será que poderemos de facto dizer que o 25 de Abril foi o melhor que aconteceu

à sociedade portuguesa?

Para tentar analisar essa situação, optei por dividir o trabalho em temas (já

apresentados no índice) e, quando se revelar necessário, apresentarei alguma informação

nos anexos.

Passemos então à análise do que foi a evolução da sociedade portuguesa não em

todos mas em alguns dos seus aspectos mais fundamentais, após o 25 de Abril de 1974:

economia, cultura... terminando com uma breve apreciação do que é Portugal hoje, o

“herdeiro” dos objectivos de Abril.

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As Forças Armadas no contexto político revolucionário e pós-

revolucionário

Um ponto de partida fundamental para se perceber a evolução de uma sociedade

é o conhecimento prévio dos factores que originaram uma mudança significativa. Na

história de Portugal contemporâneo, esse ponto de viragem é situado indubitavelmente

na revolução dos cravos, aquela que é conhecida como a reconquistadora das liberdades

individuais.

Esta revolução mostrava-se inevitável no panorama socio-político português de

finais do século XX, uma vez que se vivia há pelo menos 40 décadas debaixo de um

regime fascista ditatorial, o Estado Novo ou Regime Salazarista. Um regime de

repressão, de perseguição, de manipulação eleitoral, de clientelismo (lembremos

Schmitter, que nos fala do “pessoal de confiança” de que Salazar se rodeava), de

censura, de PVDE (que mais tarde se converte na terrível e conhecida PIDE). Um

regime de corporativismo, um regime de estagnação económica (tirando o período do

pós guerra, em que a economia portuguesa cresce 2,9%) e mesmo de grandes despesas

com as forças militares (facto bem apresentado por Schmitter, que nos diz e nos mostra

que foram os jovens oficiais das Forças Armadas, entre outros, que tiveram um papel

importante na emergência de movimentos autoritaristas ou fascistas na Europa no

período entre as duas grandes guerras; daí se depreende a necessidade de o Estado

depois gastar tanto com este grupo, pelo menos na minha opinião).

No entanto, não nos podemos esquecer de um factor fundamental. Se é verdade

que os jovens oficiais das forças armadas tiveram um papel com alguma importância na

instauração de tal regime fascista, também é verdade que foi este grupo – o famosíssimo

MFA, ou Movimento das Forças Armadas – o principal motor da revolução pacífica que

se desenrolou em Portugal no decorrer da noite de 24 para 25 de Abril1.

Não podemos dissociar o surgimento deste movimento do contexto político em

que aparece; assim, de que maneira se poderiam justificar os membros dissidentes das

forças armadas, considerando que enquanto membros de tal grupo uma das suas

1 Para este factor concorreu também o conhecimento por parte das instituições de que o seu prestígio estava dependente de se voltarem a identificar com a Nação, uma vez que se reconheciam como um dos grandes responsáveis da crise económica, social, política e moral que o país atravessava.

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principais funções era a defesa do Estado? Se lermos as razões que este movimento

apresenta para a sua formação, poderemos perceber bastante bem o porquê do

descontentamento em que se encontravam:

“Considerando que ao fim de 13 anos de luta em terras do Ultramar, o sistema

político vigente não conseguiu definir concreta e objectivamente uma política

ultramarina que conduza à Paz entre os Portugueses de todas as raças e credos;

Considerando o crescente clima de total afastamento dos Portugueses em

relação às responsabilidades políticas que lhes cabem como cidadãos em crescente

desenvolvimento de uma tutela de que resta constante apelo a deveres com paralela

delegação de direitos; considerando a necessidade de sanear as instituições,

eliminando do nosso sistema de vida todas as ilegitimidades que o abuso do poder tem

vindo a legalizar;

Considerando, finalmente, que o dever das Forças Armadas é a defesa do País

como tal se entendendo também a liberdade cívica dos seus cidadãos, o Movimento das

Forças Armadas, que acaba de cumprir com êxito a mais importante das missões

cívicas dos últimos anos da nossa história, proclama á Nação a sua intenção de levar a

cabo, até á sua completa realização, um programa de salvação do País e da restituição

ao Povo Português das liberdades cívicas de que tem sido privado.

Para o efeito entrega o Governo a uma Junta de Salvação Nacional a que exige o

compromisso com as linhas gerais do programa do Movimento das Forças Armadas,

que através dos órgãos informativos ser dado a conhecer á Nação, no mais curto prazo

consentido pela necessidade de adequação das nossas estruturas, promover eleições

gerais de uma Assembleia Nacional Constituinte, cujos poderes por sua

representatividade e liberdade na eleição permitam ao País escolher livremente a sua

forma de vida social e política.

Certos de que a Nação está connosco e que, atentos aos fins que nos presidem,

aceitará de bom grado o Governo Militar que terá de vigorar nesta fase de transição, o

Movimento das Forças Armadas apela para a calma e civismo de todos os portugueses

e espera do Pais adesão aos poderes instituídos em seu beneficio.

Saberemos deste modo honrar o passado no respeito pelos compromissos assumidos

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perante o País e por este perante terceiros. E ficamos na plena consciência de haver

cumprido o dever sagrado da restituição á Nação dos seus legítimos e Legais poderes.”

De facto, as forças armadas tiveram um papel fundamental na restituição da

liberdade ao povo português – ou assim era considerado no imaginário popular, que

tende a encontrar heróis quando mais deles precisa. Por essa mesma razão, desde muito

cedo se começou a falar numa aliança entre o povo, defendido pelas forças armadas, e o

MFA2. Segundo Boaventura de Sousa Santos, a função das forças armadas seria

aproximar-se do povo, dos seus meios e modos de vida para os tentar melhorar. Esta

“aliança” envolve o Estado no seu todo, e não apenas os movimentos sociais e as forças

armadas. A relação entre movimentos populares e o MFA deve ser vista à luz de um

contexto jurídico-político estatal que está em processo de modificação.

No entanto, em que se pauta esta aliança povo-MFA?

1. Ratificação popular do golpe militar – surge no dia 25 de Abril.

Factor político importante que alastra ao resto do país.

2. Resolução de problemas concretos das classes populares no meio

rural e urbano – no pós 25 de Abril, para lidar com a explosão social (MFA foi

invadido com queixas, pedidos, comissões, delegações, problemas em fábricas,

bairros, escolas, prisões, repartições do estado...)., este movimento assume

responsabilidade social. É de se destacar a acção do COPCON no domínio da

habitação/ocupação de casas (o que está intimamente relacionado com o

movimento dos retornados, como se terá a oportunidade de se ver mais adiante).

Movimento transforma-se em imaginário social de libertação, num centro de um

universo simbólico de luta contra a miséria e a justiça

3. Campanhas de dinamização cultural – objectivo do imaginário

social de libertação em que o MFA foi transformado. Esta dimensão foi a que

teve menos êxito. Pouca atenção à dimensão cultural das carências materiais e

impera o controlo partidário.

2 Cf. Anexo: “Aliança Povo-MFA”

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4. Tentativa de desenvolver uma nova forma política de Estado que

consiga articular e institucionalizar de modo coerente a relação povo – MFA.

Atinge o clímax a 8 de Julho de 1975, com o Documento-Guia da Aliança

Povo/MFA. No entanto, quando esta hipotética relação é institucionalizada, já

nenhuma das partes interessadas se encontrava presente, o que não deixa de ser

irónico.

O universo simbólico “aliança Povo/MFA” não é mais que o resultado da

explosão social que chama a presença militar para a vida quotidiana, virada para tarefas

e utilidades de paz, já não de guerra. Vai desde a “reparação da estrada ou a projecção

do filme até à criação de novas formas de organização social e política (...) concebidas

como alvíssaras de uma nova democracia directa”3.

Outra das características importantes que é necessário apontar à actuação das

Forças Armadas é o facto de estes capitães insurrectos terem de imediato entregue o

poder político às forças políticas que ganharam as eleições, tal como haviam prometido,

o que apenas vem abonar em seu favor, pois demonstra claramente de que foram o

motor do desencadear dos acontecimentos não por ambições pessoais de prestígio mas

sim por ser o que de facto todos desejavam e, mais importante que isso, por deterem a

plena consciência de que de facto isso era o mais aconselhável e necessário para o

futuro de Portugal4.

No entanto, tem-se falado neste ponto do trabalho sobre o Movimento das

Forças Armadas, sobre as razões que estiveram na base da sua formação, alguns dos

objectivos a que se propunha, mas no fundo ainda não se falou do que era de facto este

movimento.

Na sua base esteve uma conspiração que durou cerca de menos de um ano, e que

atravessou várias fases, entre as quais podemos destacar uma primeira fase em 1973, de

índole (curiosamente) corporativa, uma segunda fase em que se decide que é necessário

solucionar o problema da guerra em África e uma terceira fase ainda em que se decide

derrubar o regime de Caetano.

3 SANTOS, B. S., “O Estado e a Sociedade em Portugal (1974-88)” 4 Idem

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Este Movimento dos Capitães está indelevelmente ligado à publicação dos

Decretos-Lei n.º 353 de 13 de Julho de 1973 e 409 de 20 de Agosto de 1973, e os

oficiais das Forças Armadas, utilizando estrategicamente o contexto político em que se

vivia (cf. “razões do movimento”, apresentadas um pouco acima neste ponto), efectuam

uma autêntica politização da guerra colonial. No entanto, isto pertence à 2ª fase da

conspiração. Para se chegar à terceira fase, vai ser necessário o conhecimento por parte

dos capitães de que a guerra em África apenas se solucionaria quando o regime de

Caetano fosse derrubado (é fundamental não nos esquecermos de que o regime de

Caetano esteve dividido em duas fases, uma que passava por liberalizar o país mantendo

a guerra colonial e uma segunda, em que o objectivo era manter a guerra colonial –

teoricamente apenas por razões de segurança para o elemento branco residente em

África – prescindindo da liberalização...).

Nesta altura, passa-se deste Movimento dos Capitães para o Movimento das

Forças Armadas, que através da operação “Fim Regime” dá o pontapé de saída do golpe

de Estado.

É de referir que ao longo de toda a operação nenhuma das colunas militares

implicadas no golpe se deparou com a necessidade de disparar um único tiro5, o que

garante sem dúvida a rapidez da operação. Ainda que os estrategas desta operação não

contassem que o apoio popular ao seu golpe de Estado fosse tão evidente e tão grande, a

verdade é que o povo ajudou as Forças Armadas na consecução do seu objectivo;

lembremos o que nos diz Salgueiro Maia:

“Foi bastante importante o apoio dado pela população na realização destas

operações, pois para além de me indicarem todos os locais que dominavam o quartel

(da GNR, no Carmo) e as portas de saída deste, abriram portas, varandas, e acessos a

telhados para que a nossa posição fosse mais dominante e eficaz”.

Creio que está então visto o importante papel que este grupo militar, evoluído do

Movimento dos Capitães, teve no despoletar da revolução de 1974. No fundo, vieram

dar ao povo o que ele mais queria – liberdade; mas temos sempre que nos lembrar que o

5 O facto de do golpe de estado não terem resultado muitos mortos – na verdade, não chegou a uma dezena - deve-se aos 46 anos de paz interna que não criou ódios violentos.

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fizeram, em primeiro lugar, para derrubar um regime que insistia em manter uma guerra

colonial que face ao contexto europeu (falando já fora do âmbito humanitário) era já

completamente obsoleta.

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A Descolonização e o Movimento dos Retornados:

O movimento dos retornados

O fim da guerra colonial e consequente descolonização veio trazer a Portugal

toda uma série de problemas, quer no âmbito social quer nos âmbitos políticos,

económicos e internacionais. No entanto, a todos estes âmbitos é comum um factor: os

retornados, a população branca residente em África e que a partir de 1973 migrou para

Portugal Continental, quer de livre vontade (a partir da data indicada) quer porque a isso

se viu obrigada, mercê dos acontecimentos políticos de 1974.

Os primeiros retornados optaram pelo regresso à capital como opção preferente

a se colocarem debaixo da protecção dos partidos africanos, partidos estes saídos dos

movimentos de libertação armados. No total, esta primeira vaga de retornados cifrou-se

em cerca de meio milhão de pessoas, num período de tempo pouco superior a um ano.

Em Angola, o primeiro saldo negativo de população branca dá-se precisamente em

1973, o que vem comprovar esta decisão de sair do continente africano; no entanto, se

até ao 25 de Abril existia muito tráfego e muitos retornados mas não existiam

problemas de transportes visíveis, apenas um mês depois da revolução de 1974 as

autoridades angolanas exprimiam a sua preocupação por falta de transportes para levar

as pessoas para Portugal.

Tabela Geral de Retornados

∗Dados do Censo Geral da População de 19816

6 Tabela elaborada pela aluna

Origem Destino Número de retornados

África em geral Portugal 505.078∗

Lourenço Marques (Maputo) África do Sul 5000

Moçambique África do Sul 15.000

Moçambique Portugal 164.065∗

Angola Portugal 309.058∗

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O problema da falta de transportes equacionado por Angola fica assim visto,

pois na realidade foi esta a colónia não só com maiores problemas em adquirir a

independência mas também a que mais “retornados” originou. Este problema vê-se

resolvido através de ajudas nacionais e internacionais: nos primeiros tempos, Lisboa

encarrega seis ou sete Boeing’s 747 de realizar uma viagem diária Lisboa-Angola-

Lisboa, de modo a conseguir transportar o maior número possível de pessoas até às

vésperas da independência, prevista para 11 de Setembro. No entanto, esta “ponte

aérea” foi ajudada por muitos outros países, conscientes da importância do movimento

que se estava a operar em Portugal; estes países incluem a Suíça (companhia Swissair

começa a operar em Luanda a partir de Julho de 1975), a França, os EUA, a RFA, a

URSS, a RDA, o Reino Unido:

Tabela das ajudas internacionais na Ponte aérea África – Portugal após abertura

do aeroporto de Huambo

País N.º de Voos Efectuados N.º passageiros transportados

EUA 54 14.654

França 16 3123

RDA 16 2417

RFA 14 3214

RU∗ 21 3014

URSS 8 1182

∗Reino Unido

Ao contrário do que se poderia pensar, este afluxo de praticamente meio milhão

de pessoas a Portugal Continental não deu origem a nenhum novo fluxo de emigração,

podendo-se inclusivamente apresentar o período entre 1976 e 1981 como um período de

emigração baixa.

O que aconteceu, no entanto, foi um aumentar dos centros urbanos de pequena

dimensão, correspondentes na sua maioria a sedes de concelho, para além de um

aumento da taxa de população nos distritos de Lisboa e Setúbal (pois foram os que mais

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retornados receberam). Logicamente, isto vai levar a fenómenos de acentuação da

escassez de habitação e de emprego. No respeitante à escassez de habitação, o IARN7

tenta resolver o problema tentando alojar os retornados em hotéis, pensões e edifícios

públicos ou privados. Este mesmo instituto, a partir de meados de 1975, vai ocupar-se

do fretamento de aviões para o transporte gratuito de cidadãos residentes em países em

vias de independência/descolonização. Em Outubro desse mesmo ano, o IARN passa a

depender da recém-criada Secretaria de Estado dos Retornados, integrada no Ministério

dos Assuntos Sociais.

Mas mais uma vez, a ajuda prestada à reintegração dos retornados não é apenas

nacional mas sim também internacional: em Outubro de 1975, é concedido pelo Banco

Europeu de Investimentos um empréstimo de 180 milhões de dólares para a

reintegração dos desalojados; para além disso, assistimos à intervenção de instituições

como a OCDE ou a UNDRO (em português, Organização de Socorros em Caso de

Catástrofe das Nações Unidas), ao passo que ao já referido IARN são concedidos

donativos num valor superior a 9 milhões de contos. Também o Fonds de

Rétablissement empresta, após adesão de Portugal ao Conselho da Europa, cerca de 7

milhões de contos à Fazenda Nacional, que assim se transforma no organismo que mais

tenta resolver o problema dos desalojados.

No entanto, devemos recordar-nos que para resolver o problema da habitação,

não basta apenas receber empréstimos. Há toda uma série de medidas internas que

devem ser tomadas, como por exemplo a suspensão das acções e execuções de despejo,

bem como o estabelecimento de um programa habitacional para resolver a questão do

alojamento temporário dos retornados em pensões e hotéis (tal como já se viu que o

IARN tentava fazer). Para além disso, o Governo tenta reduzir os custos de habitação

para os desalojados do Ultramar através da instituição de um programa especial de

crédito financiado por organismos como a CGD (Caixa Geral de Depósitos), o CPP

(Crédito Predial Português) ou o MG (Montepio Geral). Ao todo, 906 empréstimos

foram concedidos a famílias com rendimentos anuais per capita inferiores a 120 contos.

De igual modo, foi colocado pelo Comissariado para os Desalojados (criado em

Outubro de 1976) um crédito superior a 7 milhões de contos para os retornados que se

7 Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais, criado pelo Decreto-Lei n.º 369/75.

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quisessem estabelecer por conta própria (desde que apresentassem projectos

empresariais8). Este mesmo Comissariado quer resolver as necessidades básicas dos

novos residentes em território nacional e absorver o desemprego, criando para isso um

sistema de financiamento de 15 milhões de contos que seriam utilizados na criação de

novos postos de trabalho e na organização de pequenas e médias empresas.

Segundo Rui Pires, o retorno dos portugueses de África distingue-se por quatro

aspectos fundamentais:

Ocorreu numa altura de crise económica nacional e internacional

Envolveu efectivos muito elevados principalmente em termos

proporcionais à população do país de destino

A maior parte dos retornados eram emigrantes de primeira

geração

Houve uma integração rápida e bem sucedida da maior parte dos

retornados a vários níveis: profissional, social, político...

A descolonização à vista do cenário internacional:

Desde muito cedo que Portugal foi um país colonizador, possuindo colónias em

praticamente todo o Mundo.

No entanto, devemos lembrar-nos que, após a II Guerra Mundial, se tenta pôr

em prática os princípios da Carta do Atlântico, documento segundo o qual cada nação

deveria possuir o direito de se auto dirigir, de escolher o regime político mais adequado,

ou seja, de ser o próprio responsável sobre si próprio.

Devemos ainda relembrar que em 1955 Portugal adere à ONU, organismo que

impõe como condição de pertença a não possessão de colónias (torna-se curioso notar a

mudança de terminologia que Portugal passa a usar, transformando as “colónias” em

“províncias ultramarinas”, de modo a não encontrar problemas face à sua pertença a este

organismo).

Para percebermos ainda melhor o âmbito internacional do processo de

descolonização português, temos que nos lembrar que, para todos os efeitos, o mundo se

8 No total, foram financiados 8350 projectos, num investimento global de 20 milhões de contos, criando assim em cerca de ano e meio aproximadamente 65.000 postos de trabalho.

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encontrava dividido em dois blocos políticos, sociais, económicos, ideológicos: o bloco

capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América, e o bloco comunista, liderado

pela URSS; para além de tudo isto, por muito neutral que um país fosse, havia a

obrigatoriedade de pender para um lado ou para outro, pois como se sabe uma das

características do período da Guerra Fria é precisamente a impossibilidade de

neutralidade, ou seja, ou se estava a favor de um dos blocos ou se estava contra.

Para culminar esta breve recapitulação de factos históricos, devemos relembrar

dois factos:

Portugal era beneficiário de fundos provenientes do Plano

Marshall, inserido na Doutrina Truman, de contenção ao comunismo, o que o

torna um país aliado (ou melhor dizendo, um país vinculado) aos EUA;

Uma das características do bloco comunista é a sua luta e defesa

de movimentos de libertação nacional, situação que nos anos 70 era real nas

colónias portuguesas em África.

Tendo relembrado estes pontos, o que há a dizer em concreto sobre esta matéria?

Em primeiro lugar, podemos afirmar que, se é verdade que a descolonização

portuguesa contou com a simpatia internacional, também não deixa de ser verdade que

não existiu nenhum movimento aberto e visível de plena solidariedade para com o nosso

país (excepção feita às ajudas no tocante ao transporte dos vários milhares de pessoas de

África para Portugal).

Para além disso, os dois blocos “dirigentes” do Mundo de então tomaram

posições diametralmente diferentes em relação à nossa descolonização. Da parte

americana, apenas há a apontar a indiferença do Presidente Nixon em relação ao que se

passava. Porém, do lado soviético, as coisas processaram-se de modo diferente. Na

realidade, Moscovo intervém activamente no processo de descolonização dos territórios

africanos, por modo a que este lhe fosse favorável. É dizer, Moscovo estabelece zonas

de influência em África (Somália, Etiópia, República do Congo-Brazzaville), acção que

fica muito facilitada pelo prévio apoio aos movimentos de libertação nacional.

É curioso ver que é precisamente esta situação que Portugal invoca para pedir

ajuda dos países ocidentais, liderados pelos seus “aliados” EUA, afirmando que assim

que saísse das suas pertenças ultramarinas, os soviéticos tomariam o seu lugar.

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Deste modo, um dos grandes problemas em 1975 é perceber até que ponto a

influência russa estaria de facto enraizada em África. No entanto, não haveria motivo

para alarme, uma vez que com o passar do tempo se chegou à conclusão de que os

interesses russos apenas estavam centrados em alguns sítios, em alguns “alvos de

oportunidade”.

Qual vai ser então a política de Portugal nos seus antigos territórios, face a esta

influência russa (ainda que em pequena escala)? Em primeiro lugar, tentar atenuar (não

eliminar) a influência russa; em segundo lugar, tentar ao máximo evitar conflitos

armados, promovendo soluções alternativas; manter uma margem de manobra face a

todos os interessados na região (para que não aparecesse nenhuma potência

hegemónica); apoiar integridade territorial dos novos Estados, o estabelecimento do

português como língua oficial dos PALOP’s e finalmente apoiar/promover uma política

de cooperação bi/multilateral com estes mesmos PALOP’s.

No entanto, podemos ainda ver o conflito de blocos em África de um modo mais

violento quando se dá a subida de Ronald Reagan à Presidência dos Estados Unidos;

este conflito é apreciável de um modo ainda mais substancial em Angola, que como se

sabe teve o processo de descolonização mais difícil e violento de todos.

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A economia depois da revolução:

Em termos económicos, como podemos caracterizar o período pós

revolucionário?

Não nos podemos esquecer que logo após o 25 de Abril, o objectivo principal da

economia portuguesa é o de vencer o atraso histórico que já levava em relação aos

outros países europeus.

Ainda em 1974, é fixado o salário mínimo (3300$), ao mesmo tempo que se

congelam os salários superiores a 7500$.

De igual modo, o Estado apropria-se e nacionaliza os três bancos emissores de

moeda, o que vai gerar uma grave crise social, que só acabará em Março do ano a seguir

(1975).

Ainda em 1974, assistimos a um crescimento do PIB muito menor que no ano

anterior: de facto, ao passo que em 1973 o PIB crescera 11,2 %, em 1974 apenas cresce

1,1%! No entanto, a isto não deve ser indiferente a conjuntura internacional, uma vez

que por toda a Europa, nestes anos, o crescimento do PIB terá um valor muito

aproximado do zero (0).

Mas o cenário negativo da economia portuguesa não acaba aqui. De facto, já em

1975, há uma diminuição de 4,3% do PIB, a taxa de desconto do Banco de Portugal

diminui, o défice do sector público quase duplica, há um aumento de 56% do

desemprego...

É também neste ano, a partir de 25 de Novembro, que assistimos a uma

desvalorização cada vez maior do escudo, que no entanto não é suficiente para

compensar a inflação cada vez maior. No entanto, é importante referir que com esta

primeira desvalorização do escudo é também lançado pelo Estado um “pacote anti-

inflacionista”, composto pela garantia de preços fixos na compra de bens essenciais. No

entanto, isto é igualmente acompanhado pelas subidas de taxas de juro e pelo aumento

dos depósitos líquidos dos emigrantes (não nos podemos esquecer que este grupo social

era um dos grandes “pilares” da economia, pois eram os responsáveis – tal como hoje

em dia o são – pelo enviar de remessas de dinheiro aos seus familiares).

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Portugal necessita de contrair um empréstimo externo para resolver o problema

cambial, resultante de toda a desvalorização e inflação de que Portugal estava a ser alvo.

Este vai ser conhecido por “Grande Empréstimo”, proposto pelo governo dos EUA em

1977, e deveria constar de 3 grandes fases, ao longo das quais deveriam entrar em

Portugal 850 milhões de dólares.

Em 1976, a situação da economia portuguesa continua bastante precária sendo

composta por um misto de colectivismo (sobretudo no referente à agricultura

alentejana) e empresas privadas, sendo que ambas partes apresentavam já antes do 25 de

Abril deficiências que também concorreram para o desenrolar da situação (lembremos

por exemplo a política de Salazar, de submeter o desenvolvimento da indústria ao

desenvolvimento da agricultura, ainda que esta fosse o “parente pobre” da economia

portuguesa; lembremos igualmente o corporativismo, que controlava todos os níveis de

actuação da sociedade portuguesa; lembremos ainda que durante muito tempo se

aplicara uma política de contenção de preços no produtor, o que levara a um

subdesenvolvimento da agricultura; ou seja, na verdade a economia portuguesa

encontrava-se perante um ciclo viciosas, sem que houvesse qualquer vislumbre de como

dele se poderia sair).

Uma das primeiras medidas tomadas para tentar melhorar a situação económica

é o lançamento por parte do 1º governo constitucional da fórmula da “Coexistência

concorrencial” entre sectores públicos e privados, embora isto seja praticamente

impossível por causa do conflito de interesses entre ambos (pois por um lado, existe o

objectivo de manter o sistema misto e por outro existe o objectivo de prosseguir na

privatização e estendê-la a todo o país.). Pese no entanto este factor, o certo é que se

chega a alguns resultados, como seja por exemplo a criação de instrumentos para

dinamizar a economia, ou a delimitação dos sectores públicos e privados.

Um dado importante para percebermos também a economia deste período

prende-se ao facto da aprovação do decreto-lei 864/76, segundo o qual, devido à

situação de “crise económica”, o patronato ganhava o direito de suspender os não só os

contratos colectivos do trabalho mas também os contratos individuais.

Para além disso, não nos podemos esquecer do que nos diz Boaventura dos

Santos, no seu livro “O estado e a sociedade”, acerca dos milhares de salários em atraso,

situação que ele qualifica como de clara violação da legislação laboral. Torna-se

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interessante verificar que esta instabilidade económica também se reflecte na

introdução, em 1976, dos contratos a prazo. Apesar de em teoria esta situação vir

aumentar o rendimento das pessoas, na verdade ela apenas introduziu mais insegurança

e desestabilização social, o que se reflecte sem dúvida no âmbito económico.

Em 1977, no entanto, visto o Grande Empréstimo não ter funcionado como

previsto, adivinha-se novamente um período de medidas de austeridade.

Em 1978, já em época do II Governo Constitucional, assina-se a carta de

intenções, tendo como partes o Executivo Português e o FMI (Fundo Monetário

Internacional), que exige ao primeiro que desvalorize de novo a moeda nacional. A

nível económico, isto vai ter consequências claramente negativas para a sociedade

portuguesa, uma vez que aparecem mais 50.000 desempregados e uma descida de 3%

do PIB. No entanto, consegue-se “cegar” a população, calando a crescente

conflitualidade social, através de manobras como o pedido de adesão à Comunidade

Económica Europeia. Daqui decorre, não obstante, a perda das eleições por parte do

Partido Socialista.

Em 1983, atinge-se um novo nível degradacional na economia portuguesa, o que

se pode ver por exemplo na nova desvalorização (desta feita de 12%) a que o Estado

Português se vê obrigado. É assim que nasce a nova carta de intenções, em 1978, com o

FMI, que desta vez impõe medidas muito mais duras (como por exemplo o programa de

corte das despesas públicas por modo a limitar o défice do estado). É assim que entram

no nosso país mais 750 milhões de euros, repartidos por algumas vezes. Não apenas

consequências negativas advêm disto: um desemprego de 11%, caídas cada vez mais

acentuadas do PIB; na verdade, este programa do FMI traz efeitos positivos, que

conduzirão em 1985 à estabilização da balança de transacções correntes.

Para além de tudo o já explicado, não nos podemos esquecer de algo

fundamental para percebermos a economia deste período: as consequências económicas

da descolonização.

Comercialmente, o factor mais importante que há a assinalar é a dura redução

das exportações dos territórios descolonizados para Portugal; na realidade, passa a

existir menos de 1% de exportações, ao passo que as importações (por parte das

colónias) oscilam entre os 5% e os 10%, o que situa Portugal numa posição em que “dá

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menos” do que recebe: ocupa um papel mais importante como exportador do que como

importador.

Para mais, Portugal investe muito nas suas ex-colónias, o que se pode comprovar

pelo investimento privado português efectuado em Angola (190 milhões de contos) e

Moçambique (150 milhões de contos).

Se bem que economicamente, neste período, há algumas melhorias, estas não

alastram aos factores sociais: instaura-se um pessimismo pós-revolucionário, pois as

pessoas apercebem-se que a revolução não melhorou as suas vidas do modo tal como

imaginavam (basta ver o caso do ensino, de que se falará um pouco mais à frente).

Esta constatação é também efectuada ao nível do corporativismo.

Na realidade, se consultarmos a página 424 do Dicionário de História de

Portugal, podemos ler que

“O sistema corporativo foi abolido no calor e na paixão ideológica de um contexto

revolucionário, e não como resultado de uma avaliação cuidadosa dos seus limites e das suas

realizações. Em 1974-5, Portugal repudiou a ideologia corporativista do regime de Salazar, as

suas instituições corporativas políticas e económicas e muita da cultura política corporativista-

organicista que era historicamente a cultura do país.”

Logicamente, isto terá tido várias implicações a nível económico; de facto, a

opinião dada por esta obra é de que pelo facto de rejeitar de forma generalizada o

corporativismo, o nosso País está a perder a oportunidade de participar nalguns novos

desenvolvimentos importantes a vários níveis: sociais, económicos, políticos e

académicos.

Não nos podemos esquecer que os objectivos económicos da organização

corporativa eram essencialmente dois: realização do máximo de produção e riqueza

socialmente útil; estabelecimento de uma vida colectiva que aumente o poder do Estado

e da justiça entre os cidadãos (corporações seriam instrumentos privilegiados para tal).

Logicamente, se este regime de agrupamento acaba de um dia para o outro, sem estar

planeado, se acaba num espírito de revolução, no ímpeto do momento, ficará no seu

lugar um vazio de poder que será o causador de conflitos económicos ou mesmo sociais.

Neste caso, o vazio de poder, se assim se lhe pode chamar, poderia ter sido substituído

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pelo neocorporativismo. Apesar de nesta altura o neocorporativismo estar a ser

redescoberto pela Europa, e aceite, Portugal não estava ainda pronto para o implantar.

Isto resulta numa disfunção: por um lado rejeita-se o corporativismo, mas por outro,

sub-repticiamente, continua-se a praticá-lo. Suspeitava-se de qualquer relação entre

capital e trabalho.

Brevemente é esta a situação e a evolução da economia portuguesa no período

pós-revolucionário.

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O Regime Político:

O PREC, ou o longo momento pós-revolucionário

Quando se estuda a sociedade Portuguesa do pós 25 de Abril, é inevitável e

obrigatório falar-se do PREC, longo momento pós revolucionário que se situa entre a

revolução e a aprovação da constituição de 1976.

É caracterizado por uma forte movimentação político-social ocorrida em

Portugal durante os anos de 1974/75, em que se assiste a um desmantelamento dos

principais grupos económicos, aliado a diversas nacionalizações - bancas, seguros,

transportes e comunicações, siderurgia, cimento, indústrias químicas, celuloses.

Pode dizer-se que o PREC estala com a própria Revolução de Abril, dado que

grupos como o MRPP ou o PCP começaram, desde o primeiro momento, as actividades

que seriam típicas do Processo Revolucionário (ocupações de casas, terras, fábricas,

entre outras coisas).

Logo em 1974, tendo António de Spínola chegado à chefia do Estado,

começaram-se sérias discussões entre este e os diversos partidos emergidos do 25 de

Abril, nomeadamente no tocante à questão colonial: o Presidente da República buscava

a construção duma espécie de Commonwealth portuguesa, enquanto os partidos,

nomeadamente o PS e o PCP se opunham decididamente a esta solução.

Vendo-se contrariado, Spínola convoca para o dia 28 de Setembro de 1974 uma

manifestação, a chamada maioria silenciosa, nome que o então Presidente atribuía à

larga maioria da população que, a seu ver, estaria com as suas ideias.

No dia da manifestação, a fim de evitar uma eventual manipulação de Spínola

deste apoio no sentido de açambarcar o poder autoritariamente, os Comunistas, e parte

dos Socialistas, levantaram barricadas nos principais acessos a Lisboa, impedindo o

acesso das camionetas de manifestantes "spinolistas". Desta maneira, Spínola vê o seu

objectivo frustrado e demite-se. Sucedeu-lhe Francisco da Costa Gomes, que nomeou

chefe de Governo o coronel Companheiro Vasco Gonçalves.

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Vasco Gonçalves encetou um período de reformas ténues, com vista a avançar

para o Socialismo. No entanto, a sua indecisão, a que se somava a presença de diversos

spinolistas entre os militares do MFA, impedia o rápido progresso da Revolução.

Em Fevereiro de 1975 surgem informações sobre a fundação de uma

organização de direita baseada em Espanha e ligada ao general Spínola, que teria como

objectivo levar a cabo uma revolução de direita em Portugal. Aparecem em jornais

referências a um golpe de estado planeado para Março. Em Março começa também a

circular um boato de uma suposta Matança da Páscoa, segundo o qual todos os oficiais

"conotados com a reacção" (ou seja, com Spínola) seriam eliminados por sectores

ligados ao PCP.

Talvez precipitados por este boato, militares spinolistas tomaram armas e

tentaram, a 11 de Março de 1975, fazer um golpe de Estado. Spínola assumiu o

comando do golpe, mas mais uma vez falhou, e esta "intentona reaccionária" (segundo a

terminologia da época) foi usada por Companheiro Vasco para radicalizar o Processo

Revolucionário, apoiando-se no COPCON de Otelo Saraiva de Carvalho, e aliando-se

tacitamente ao Partido Comunista Português.

No entanto, nesta caminhada em direcção à construção de uma sociedade

socialista, opôs-se um entrave de peso: a 25 de Abril de 1975, data das eleições para a

Assembleia Constituinte, a esmagadora maioria da população portuguesa vota no PS

(que se tinha tornado progressivamente menos radical nas suas posições, ou, como se

diria anos mais tarde, tinha "enfiado o Socialismo na gaveta") e no PPD, actual PSD. O

Partido Comunista Português vê-se assim reduzido a uma modesta representação

parlamentar, enquanto os diversos grupos marxistas surgidas com Abril (AOC, LCI,

PSR, PRT, etc.) têm apenas votações residuais.

O Processo Revolucionário é desautorizado pelo povo, o que leva a uma

escalada nas tomadas de posições de Vasco Gonçalves e do COPCON: a Revolução dos

Cravos fora uma revolução que visava implementar o Socialismo, afirmavam; o MFA,

investido de resto pela célebre Aliança Povo/MFA tinha total legitimidade para levar

avante o processo de socialização da economia.

As ocupações de casas, fábricas e latifúndios proliferam; no Norte, sobretudo

minifundiário e sob grande influência Católica, surgem grupos de contra-revolução,

como o MDLP, o ELP e o Grupo Maria da Fonte; a violência é profunda - sedes

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partidárias são vandalizadas, a embaixada de Espanha incendiada, os bancos são

nacionalizados, bem como as seguradoras, a companhia dos tabacos, a CUF, a Lisnave,

entre várias outras empresas de grande dimensão.

O país fica à beira da Guerra Civil, no Verão Quente de 1975; e esse calor atinge

temperaturas críticas quando, ante a sua incapacidade pôr cobro à calamitosa situação

em que o país se encontrava - e sendo notório que era, em boa medida, por ela

responsável, Vasco Gonçalves foi demitido do já VI Governo Provisório sendo

convocado para o seu lugar o Almirante Pinheiro de Azevedo. A demissão de Vasco

Gonçalves é indissociável do documento redigido pelo Grupo dos Nove, segundo o qual

os militares deviam deixar nas mãos dos partidos políticos democraticamente eleitos a

decisão do futuro político do país. A mudança de governo não consegue no entanto

acalmar a situação, antes pelo contrário. A 12 de Novembro, uma manifestação

convocada por um sindicato afectos ao PCP cerca os deputados no interior do

parlamento. A 20 o governo proclama estar em greve por falta de condições para

governar. A 24 ocorre em Rio Maior um levantamento de agricultores que cortam a

Estrada Nacional nº 1 para norte - desmobilizarão ainda no próprio dia.

Para pôr fim à situação de impasse entre sectores militares opostos (de um lado a

esquerda radical que procura apoio em Otelo, de outro os militares simpatizantes do

PCP e de Vasco Gonçalves, ainda de outro os militares alinhados com o "Grupo dos

Nove") seria necessário que algum dos grupos avançasse. Os moderados tomam a

iniciativa anunciando a remoção de Otelo da posição de comandante da Região Militar

de Lisboa, e dando a entender que o COPCON seria eventualmente dissolvido. A 25 de

Novembro de 1975 sectores da esquerda radical (essencialmente pára-quedistas e

polícia militar na R.M.L.), provocados pelas notícias, levam a cabo uma tentativa de

golpe de estado, que no entanto não tem nenhuma liderança clara. O Grupo dos Nove

reage pondo em prática um plano militar de resposta, liderado por António Ramalho

Eanes. O plano previa, numa situação limite, a instalação de um governo alternativo no

Porto e a hipótese de uma guerra civil (que poderia acabar por envolver interferência

estrangeira).

O Presidente da República, Costa Gomes, consegue chamar a Belém os

principais comandantes militares, incluindo Otelo, Rosa Coutinho (tido como próximo

do PCP), e os líderes do Grupo dos Nove (grupo que no entanto já excedia este

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número), e concentrar assim em si a autoridade, evitando que outros assumam o

comando de facções capazes de mergulhar o país numa guerra civil. O PCP acaba por se

abster de apoiar o golpe de esquerda e os militares revoltosos, sem liderança nem outros

apoios, rendem-se sem grandes conflitos.

Foi o fim das esperanças da construção de um Estado Socialista em Portugal e o

grande passo para a edificação da Democracia actual.

Assim, na verdade mais uma vez fica provado que se é verdade que a revolução

veio restaurar a liberdade do povo, também é verdade que veio lançar um estado de

anarquia política, por assim dizer, em Portugal.

O 25 de Abril tem como objectivo principal derrubar o regime fascista; no

entanto, se o consegue, não consegue no entanto dar ao país o que ele mais precisava:

equilíbrio político e estabilidade social.

Ironicamente, pode-se dizer que o país em regime ditatorial sofria menos

contradições internas e menos “estrangulamentos políticos” que o país que se queria

democrático depois da revolução. Isto traz obviamente consequências negativas para

Portugal: no estrangeiro, é rotulado como um “manicómio em autogestão”.

É o descrédito internacional.

A Constituição de 1976

A Constituição de 1976 foi aprovada a 2 de Abril, e consagra os direitos

fundamentais, definindo e programando transformações da organização económico-

social, bem como assegurando a coexistência entre órgãos representativos emanados do

sufrágio popular. Esta constituição estabelece igualmente um compromisso político

menos frágil entre os diversos partidos políticos de então.

Esta constituição consta de 299 artigos9, e na sua elaboração/defesa teve um

papel fundamental a Assembleia Constituinte.

Transcrevendo Miranda (in História de Portugal vol. 8, pg. 221):

9 Cf. Anexo, “Constituição de 1976”

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“Ao contrário do que por vezes se julga, não foi (ou não foi apenas) a viragem

ocorrida a partir de Novembro (ou, já, desde Setembro) de 1975, que trouxe consigo o

triunfo da concepção constitucional democrática. Ela deu-se, logo em Julho e Agosto de

1975, dentro da própria Assembleia Constituinte, ao adoptarem-se decisões cruciais:

prioridade na sistematização da Constituição, dos direitos fundamentais sobre a

organização económica, e dos direitos, liberdades e garantias sobre os direitos

económicos, sociais e culturais; votação na generalidade dos Princípios Fundamentais;

definição da República como Estado Democrático (art.º 2.º) e não como Estado

Democrático Revolucionário; referência do Estado Democrático ao pluralismo e não à

pluralidade, de expressão e organização política democráticas [...]; fixação do exercício

da soberania pelo Movimento das Forças Armadas nos termos da Constituição [...]; não

inclusão da defesa do regime democrático dos ataques da contra-revolução entre as

tarefas fundamentais do Estado [...]; reconhecimento da mesma dignidade social a todos

os cidadãos [...]; interpretação e integração de todos os preceitos sobre direitos,

liberdades e garantias de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem

[...]”

Como se pode ver, estes breves artigos dizem muito sobre os objectivos que

haveriam de ser alcançados por Portugal. Enfoca grandemente os direitos e deveres dos

cidadãos, definindo o que é uma família, ou estabelecendo o direito à greve e supressão

do lock-out, estabelece o carácter obrigatório de defesa à Pátria por parte dos cidadãos,

bem como a obrigatoriedade das Forças Armadas protegerem a República. Este ponto

não aparece sem antecedentes, uma vez que não nos podemos esquecer do importante

papel que este grupo teve na consecução da revolução de 1974. Resulta curioso ver que

neste artigo se estabelece a impossibilidade partidária das Forças Armadas, bem como a

impossibilidade de se revoltarem contra os órgãos de governo (como haviam feito

anteriormente).

No entanto, esta constituição não foi definitiva, tendo sofrido três remodelações.

A primeira revisão ocorreu entre 23 de Abril de 1981 e 12 de Agosto de 1982, e

as suas alterações fundamentais situam-se ao nível da componente ideológico-

programática original; talvez a alteração mais importante tenha sido a eliminação de

toda e qualquer linguagem que pudesse dar a entender que se tratava de u m texto

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provisório. Para além disso, extingue-se o Conselho da Revolução e cria-se o Conselho

Superior de Defesa Nacional.

A nível económico, esta revisão elimina a possibilidade de expropriações sem

indemnizações, para além de reduzir o conceito constitucional de Reforma Agrária e

define os contornos de uma economia mista com predominância do sector público. O

poder de aprovar o orçamento de estado, antes função do Governo, passa para a

Assembleia da República.

Outra alteração importante está na criação do Tribunal Constitucional e na

correcção dos mecanismos de fiscalização sobre a constitucionalidade das acções

tomadas.

Durante esta revisão, também se analisou o projecto de adesão de Portugal à

CEE no respeitante à compatibilidade entre a Constituição e o direito comunitário; no

final, concluiu-se a rejeição da introdução de qualquer cláusula que visasse a

autorização de transferências de direitos de soberania.

Em relação à segunda revisão constitucional, podemos dizer que é decorrente

das profundas alterações político-ideológicas próprias dos anos 8010. Das alterações

introduzidas por esta segunda revisão, creio que podemos destacar algumas:

Prosseguimento da redefinição da carga ideológica da Constituição;

Introdução de conceitos mais actuais como por exemplo modernização,

progresso económico, economia mista, bolsa de valores...

Aperfeiçoamento em direitos, liberdades e garantias;

Autorização de (re) privatizações de empresas e de terras expropriadas

pela Reforma Agrária;

Autorização da redução dos encargos estatais com o SNS11;

Diminuição do número de deputados à Assembleia da República;

Reformulação das matérias antes impossíveis de se alterar

constitucionalmente.

10 Ascensão e crise do neoliberalismo, declínio e colapso dos sistemas comunistas, crise de

adaptação do socialismo democrático são apenas algumas das características que vão justificar esta alteração constitucional, pois face às novas características da sociedade, a antiga Constituição tinha-se tornado desadequada e desadaptada ao quotidiano.

11 Serviço Nacional de Saúde

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Estas alterações levam a que a Constituição Portuguesa se liberte do fixismo a

que tinha estado sujeita e assim se aproximasse do paradigma dos Estados

Comunitários. Para além disso, veio provar que a tese segundo a qual as privatizações

fariam regressar o País ao temível passado foi constantemente desmentida pelos

próprios factos.

A Constituição de 1976 contou ainda com mais uma revisão, desta feita já na

década de 90 (1992). Esta revisão aprova cinco alterações:

- Norma que estabelece que Portugal pode convencionar o exercício em comum

dos poderes necessários à construção da União Europeia;

- A lei pode reconhecer a cidadãos estrangeiros capacidade activa/passiva nos

processos eleitorais das autarquias locais (o que a mim me parece sobremaneira

importante, sobretudo se tivermos em conta que as taxas de imigrantes em Portugal têm

vindo a aumentar);

- Cidadãos dos Estados Membros que residam em Portugal podem eleger e ser

eleitos deputados do Parlamento Europeu

- Banco de Portugal é o banco central nacional e colabora na definição e

execução das políticas monetárias e financeiras, tendo capacidade para emitir moeda

nos termos da lei;

- Reforço do papel da Assembleia da República no acompanhamento/apreciação

da participação de Portugal no processo de construção da UE, o que leva à

obrigatoriedade do Governo apresentar ao Parlamento a informação relativa a esse

processo.

Antes de terminar este ponto, é necessário referir que se estabelece que o

período mínimo entre cada revisão constitucional será um quinquénio, mas que não

haverá qualquer alteração na contagem do tempo caso alguma alteração imprevista se

imponha durante este tempo.

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Consequências da Revolução: a restauração da Liberdade

sentida pelo povo.

Mudanças no Ensino

Em termos de mudanças no ensino, o que se pode dizer?

Sem dúvida, várias mudanças existiram, e estas mudanças podem agrupar-se em

3 períodos fundamentais: o período revolucionário (1974-76), a década de 1976 a 1986

e finalmente o período pós 1986.

O que se irá tentar de seguida será dar alguns exemplos dos acontecimentos mais

marcantes em cada um destes períodos.

Assim, o que dizer sobre o período revolucionário? Em primeiro lugar, há a

ressaltar o facto de ser um período inserido num momento político muitos instável, em

que, se era conhecido que acabara definitivamente um período histórico com as suas

características muito próprias, ainda não se sabia como iria evoluir a situação, pelo que

esta instabilidade se estendia a todos os sectores da população – o que inclui,

naturalmente, a educação, ainda para mais se nos lembrarmos que é através da educação

que se formam os futuros líderes do país, as futuras mentes, os futuros dirigentes, os

futuros políticos. É pois através da educação que se prepara o futuro de cada país.

Assim, é fácil perceber que houvesse um desejo generalizado de mudar para

melhor, de “desideologizar” o sistema educativo – isto traduzir-se-á, como será fácil

concluir, numa enorme depuração de professores, manuais, programas teóricos... tudo

quanto fosse susceptível de ter algum grau de ligação com o regime salazarista era

purgado. É por esta razão que os curricula são alterados e retiram-se da tabela de

matérias os conteúdos mais ligados ao regime recém-deposto.

No entanto, não nos devemos esquecer do que nos diz o Doutor Marçal Grilo,

que nos refere que em certa medida a revolução de 1974 veio atrasar algumas medidas

de carácter modernizador, aprovadas em 1970 pelo Professor Veiga Simão12, pois

instaurou uma época de anarquia, o que eu também já referi.

12 Algumas destas medidas seriam a abertura e desideologização da educação, a alteração das

velhas práticas educativas, prolongamento da escolaridade obrigatória como forma de lutar contra o

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Característico deste período revolucionário é ainda a unificação (ou pelo menos

perseguição deste objectivo) dos 7º e 8º anos de escolaridade, o que estabeleceria uma

escolaridade mínima obrigatória de 8 anos; no entanto, isto tem algumas consequências

negativas, como seja por exemplo o facto de reestruturas escolas técnicas e retirando-

lhes o aspecto de formação para a vida prática que detinham anteriormente,

transformando-as muito mais em escolas teóricas.

É ainda dentro deste período revolucionário que devemos “encaixar” a criação

de um ano propedêutico – o actual 12º ano, que já se tornou de frequência obrigatória

no ano lectivo de 2002-2003.

Quanto ao período de 1976 a 1986, “inaugurado” pela entrada em vigor do I

Governo Constitucional, o que se pode dizer? Em primeiro lugar, que as medidas que

advoga são fundamentalmente de carácter político: legalidade democrática na gestão

dos estabelecimentos de ensino; correcção das injustiças e dos desvios que se

verificaram entre 1974 e 1976, estabilização do sistema educativo, restabelecimento da

confiança no governo em relação ao processo educativo. Todas estas medidas são

consagradas na Lei de Bases do Sistema Educativo no ano de 1986.

Mas esta década é também caracterizada por muitas mais medidas fundamentais

para a caracterização do sistema educativo português:

Massificação e democratização do sistema educativo português: com

a restauração da democracia, cada vez mais alunos procuram formar-se e aceder à

educação, conscientes de que apenas assim poderiam garantir um futuro mais

ambicioso. Tem a ver também com a extensão da escolaridade obrigatória.

Escolaridade obrigatória de 6 anos (consolidação): apesar de

teoricamente esta obrigatoriedade já ser de 1966, na verdade eram ainda largos os

estratos populacionais que ainda permaneciam analfabetos, tornando-se assim

obsoleto o facto de se querer introduzir escolaridade obrigatória de 8 anos se a de 6

ainda não tinha sido completamente posta em vigor.

analfabetismo (o que ainda hoje não se conseguiu, e a conflito actual entre professores e a Dra. Maria de Lurdes Rodrigues é prova disso), diversificação do ensino superior, aumento da oferta educativa e criação de melhores condições de aceso e sucesso educativo para todos os jovens em idade escolar. Estas reformas, apesar de se saberem benéficas para o país, foram fortemente contestadas, pois os sectores mais conservadores consideravam-nas extremamente perigosa para a estabilidade do regime.

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Modificações no ensino secundário e diversificação da formação

profissional, bem como do ensino superior público e particular/cooperativo; há

uma preocupação pela re-introdução de formação técnica. Isto vai originar a

inserção de componentes vocacionais nos 10º e 11º anos de escolaridade, tais como

os cursos de formação técnico-profissionais13. Isto chama ao ensino milhares de

jovens. Quanto ao ensino superior, foi ainda antes da revolução de 1974 que se

criam mais universidades, institutos politécnicos e escolas normais superiores; no

entanto, mais uma vez, 1974 supõe um retrocesso, na medida em que se contesta

sistematicamente tudo o que antes existia, muitas vezes sem questionar se era

benéfico para o país ou não. Em 1976, a situação altera-se e assiste-se a uma

estabilização (pelo menos teórica, na minha opinião) do sistema educativo, e há um

crescimento não programado de instituições universitárias14. É o que acontece até

1986, em que se passa de apenas 7 universidades e um instituto universitário

(Évora) em todo o país para 12 Universidades e um instituto Universitário (agora na

Madeira). Quanto ao ensino superior particular e cooperativo, devemos referir que a

partir da legislação de 1982, o ensino privado liberaliza-se: é a adopção do princípio

básico da liberdade de ensinar e aprender. Este tipo de ensino aumenta

substancialmente a partir da introdução do polémico numerus clausus, a partir do

ano lectivo de 1977-78. A partir de 1986-87, este crescimento torna-se uma

“tendência pesada” do ensino superior português, apesar de ter permitido um

aumento da taxa de escolarização dos 11% para mais de 20%, um recorde difícil de

igualar onde quer que seja.

Criação de pós-graduações; a primeira iniciativa deste género aparece

tão somente em 1978, sendo que no mesmo ano mas já em Outubro aparece pela

primeira a vez a designação “mestrado”. O facto de se terem criado estes graus

médios de formação entre a licenciatura e o doutoramento é visto pelas instituições

13 Hoje em dia, existe uma modalidade semelhante, chamada “9º+1”, que se destina a alunos fora

da idade de escolaridade obrigatória (16 anos) mas que não conseguiram acabar o 9º ano de escolaridade, até há pouco tempo o limite mínimo de estudos; esta modalidade dá aos alunos a possibilidade de frequentarem aulas práticas em vários domínios – arqueologia, electrotecnia, carpintaria... – que os preparam para uma vida activa e profissional, sendo benéfico porque muitas vezes entram no mercado de trabalho com sucesso muito antes dos estudantes que se licenciam.

14 Se são não programadas, como se pode falar numa estabilização do sistema? Parece-me um pouco contraditória, esta posição.

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como um passo fundamental na valorização do corpo docente e para o aumento das

investigações científicas.

Alterações no esquema formativo dos professores e de adultos; um

dos aspectos mais importantes no esquema de formação dos docentes tem a ver com

a criação de cursos específicos para formar professores, ou pelo menos com uma

introdução bastante abrangente das ciências da educação nos respectivos curricula.

Outra inovação importante refere-se à criação das ESE’s15, grandes responsáveis a

partir de 1978-79 pela formação de Educadores de Infância e professores do 1º e 2º

ciclo. Quanto à educação de adultos, após passar pela euforia no período

revolucionário, assiste-se a uma paralisia, da qual só se vai sair em 1979 com a

aprovação do Plano Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos.

Ensino Especial; após o 25 de Abril, o ME16 alarga o seu campo de

actuação neste domínio, que antes estava entregue fundamentalmente à Direcção-

Geral da Assistência. No final da década de 70, o ME promove a integração escolar

segundo várias modalidades: SADA17, UDE18, Equipas de Ensino Especial

Integradas...

Finalmente, o que se pode dizer do período pós 1986?

Como já referi, é neste ano que sai a lei de Bases do Sistema Educativo, lei que é

aprovada por maioria na Assembleia da República, e documento consensual entre as

principais forças políticas do Parlamento Português entre 1974 e 1991.

Esta lei consagra vários aspectos sobre a educação em Portugal e consolida a

grande parte das iniciativas desenvolvidas a partir de 1976, sendo o que de mais

importante há a destacar neste período.

São estas as principais mudanças sentidas no ensino após a revolução de 1974.

15 Escola Superior de Educação; é curioso notar que vem competir de forma directa com as

Universidades que também oferecem preparação de professores. Ainda que teoricamente não seja assim, a verdade é que o acesso a uma ESE e a formação que nela é dada é mais fácil que numa Universidade. Isto concorre para uma deficiente preparação docentes, que por sua vez vão deficientemente preparar os seus educandos, o que vai levar a um menor nível cultural e científico, o que vai concorrer para que haja menos possibilidades de acesso a uma Universidade e a maiores possibilidades de acesso e ESE’s... é no fundo um círculo vicioso do qual não se sabe como sair.

16 Ministério da Educação. 17 Serviços de Apoio às Dificuldades de Aprendizagem 18 Unidades de Orientação Educativa

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Reintegração dos cantores de intervenção

1. O “problema” Zeca Afonso19

A revolução de 1974, como já tem vindo a ser dito, alterou muito o panorama

social português, e outro dos pontos em que o fez foi precisamente a nível cultural, mais

especificamente no respeitante aos cantores de intervenção, dos quais penso que haja a

destacar Zeca Afonso (de seu nome completo José Manuel Cerqueira Afonso dos

Santos).

Para percebermos o porquê de ser considerado um cantor de intervenção, temos

que perceber um pouco a sua vida: relembremos então a forte vinculação que tinha a

África, quase o seu continente-mãe; relembremos o facto de até tarde nunca se ter

apercebido dos horrores da guerra colonial e da existência do apartheid; relembremos a

convivência forçada a que se viu obrigado com um tio claramente de extrema-direita,

apoiante forte de Franco e Hitler.

Desde que vai estudar para Coimbra que Zeca Afonso, como é tradicionalmente

conhecido, começa a cantar os problemas sociais que vê à sua volta (nascendo após uma

visita ao Porto o seu “Menino do Bairro Negro”), e a partir de 1967 converte-se num

símbolo da luta pela democracia, acusando a cantar o regime fascista em que se vivia e

que o perturbava tanto.

Várias são as suas músicas “de intervenção”, e conhecendo um pouco das suas

letras, percebemos porque motivo este cantor era tão “incómodo” para o regime. É

curioso no entanto fazer notar que muitas das suas músicas se servem de metáforas

(talvez para escapar ao “lápis azul”?...), que não obstante eram perfeitamente entendidas

e descodificadas.

Na minha opinião, existem duas músicas20 extremamente significativas não só

em termos de denúncia do regime fascista e repressor em que se vivia mas também na

19 19 Neste ponto do trabalho falarei apenas de Zeca Afonso, por me parecer ser o cantor mais

vinculado à luta contra o regime português; no entanto, nos anexos deste trabalho, colocarei algumas músicas de intervenção completas não apenas deste cantor mas também de outros autores e autoras como Ermelinda Duarte.

20 Cf. Anexos “Músicas de Intervenção”.

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exortação à revolta, ao lutar contra a corrente. A primeira destas músicas é “Os

Vampiros”, em que se repete incessantemente “eles comem tudo, eles comem tudo, eles

comem tudo e não deixam nada”. Esta música e esta letra são suficientemente

esclarecedoras da “violência pacífica” da mensagem transmitida e mostra-nos melhor

que quaisquer palavras o que de facto se vivia, mostra-nos de que maneira o regime era

sentido pelo povo (e não pelos teóricos, que tanto se esforçavam por legitimá-lo e fazer

crer que era benéfico).

Outra música que ilustra bastante bem a política portuguesa da altura é “Venham

mais cinco”: as estrofes “ (...) Se tem má pinta / Dá-lhe um apito / E põe-no a andar /

De espada à cinta / Já crê que é rei /Daquém e Dalém Mar // Não me obriguem / a vir

para a rua / gritar / que é já tempo / d’embalar a trouxa / e zarpar // (...)” mostra bem o

clima de engano em que se vivia, o clima de cegueira que se tentava inculcar às pessoas.

Nesta mesma música, é denunciado o contínuo labor dos dirigentes para tentar calar as

pessoas, para tentar amedrontá-las, para as tentar cegar e iludir o máximo de tempo

possível.

Creio que está bastante explícita a importância (e durante o regime, o papel

incómodo que tomou) deste cantor, que continuou a sua actividade relacionada com a

política durante muito mais tempo, tendo apoiado em 1976 a candidatura de Otelo

Saraiva de Carvalho à presidência da República, tal como fez mais tarde com Maria de

Lurdes Pintassilgo, em 1983.

2. A reintegração:

A partir do momento em que o 25 de Abril surge como o restaurador da

liberdade, não mais havia razão para que os cantores de intervenção se escondessem e

levassem a cabo a sua música às escondidas.

Desse modo, “rebentam” nas rádios e nas ruas todas as vozes que durante

décadas haviam sido proibidas, perseguidas e inclusivamente censuradas.

Durante algum tempo, inclusivamente, apenas se escutavam estas músicas, pois

o povo estava sedento de mudança e de liberdade. De facto, é neste contexto que

devemos interpretar as estrofes de Ermelinda Duarte, “Somos livres, somos livres, não

voltaremos atrás”.

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No caso de Zeca Afonso, por exemplo, podemos ver que a maior parte das suas

discografias têm uma completa aceitação por parte do povo, existindo inclusivamente

um disco que conta com a participação de Quim Barreiros, um dos cantores do estilo

“pimba” mais apreciados em Portugal.

Em todos os seus discos há um carácter de luta pela liberdade, tão grande que,

no caso específico de “As minhas tamanquinhas” (disco em conjunto com Quim

Barreiros” leva José Niza a considerar a sua obra como um grito de denúncia, “ (...)

sincero e exaltado, talvez exagerado se ouvido e lido ao fim de 20 anos, isto é, hoje.”

Este pedido de liberdade é tão grande, e encontra tamanha repercussão na

sociedade portuguesa que por duas vezes Zeca Afonso esteve por ser condecorado pela

Presidência da República com a Ordem da Liberdade. No entanto, não tendo aceitado a

condecoração pela primeira vez, oferecida por Otelo Saraiva de Carvalho enquanto

ainda era vivo, a sua esposa encarregou-se de que também não a recebesse

postumamente, aquando da oferta de Mário Soares, alegando estar a cumprir a vontade

do marido.

Outro exemplo do carácter de reintegração dos cantores de intervenção é

também simbolizado pelo facto de Zeca Afonso, após ter sido expulso do ensino oficial

em 68 (quando Caetano ascende a Presidente do Conselho), nele ter sido reintegrado

(ainda que apenas em 1983).

No entanto, nunca nos devemos esquecer que tudo tem duas faces, e se é

verdade que durante muito tempo as pessoas estiveram “enfeitiçadas” pelo género de

intervenção (pois como já foi referido, necessitavam exprimir a sua revolta pelos

tempos de ditadura e a sua alegria perante a liberdade recém conquistada), também é

verdade que houve facções da sociedade, nomeadamente pessoas mais jovens, que

começam a lutar pelo direito da existência de outro tipo de música que não apenas a da

intervenção.

Surge assim nos anos 80 o gérmen do Rock Português, cujo maior expoente será

Rui Veloso, que com o seu “Ar de Rock” terá despoletado o “boom” do rock português.

No entanto, isso não se insere no tema do trabalho, pelo que não me debruçarei mais

sobre este assunto.

Brevemente, é esta a história da reintegração dos cantores de intervenção, cujo

paradigma para mim é Zeca Afonso por todas as razões já demonstradas e explicadas.

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O fim da censura em Portugal – consequências na sociedade de

informação

Como facilmente se poderá calcular, a censura em Portugal teve ao longo de

todo o regime um papel extremamente forte e incisivo em vários âmbitos da vida

nacional (teatro, música, literatura, educação...). Isto é fácil de se perceber, pois os

dirigentes do Estado Novo davam-se conta de que o regime não era bem aceite, de que

havia contestações, temendo portanto deixar passar qualquer manifestação de desagrado

que se pudesse tornar perigosa para o estabelecimento do regime. No entanto, não

devemos pensar que isto é um fenómeno só do tempo do Estado Novo, uma vez que em

Portugal a censura detém já raízes históricas: só em relação à imprensa, por exemplo,

em 500 anos de história da imprensa, 400 foram dominados pela censura! A primeira

memória de censura que existe em Portugal remonta já a 1451, pelo que se pode ver que

este é um fenómeno que vai evoluindo ao longo do tempo, vai subsistindo, se vai

infiltrando na sociedade, apreendendo livros, condenando peças de teatro21, fiscalizando

músicas, influenciando as mentalidades portuguesas, cortando e censurando por

completo artigos ou estudos que maculassem a ideia puritana e completamente religiosa

que Salazar pretendia para o nosso país. Podemos ver por exemplo o caso de um

inquérito sobre namoro, casamento, relações pré-conjugais e controle de natalidade

destinado a ser publicado no Notícias da Amadora de 17 de Janeiro de 1968. A

propósito de alguns dados divulgados no Anuário Demográfico pedia-se a opinião de

alguns jovens sobre aquelas temáticas. Uma estudante universitária, de 18 anos

confessava-se «católica mas a favor do controle de natalidade». As estatísticas do

Anuário mostravam um decréscimo no número de partos: 221736 em 1964, 214824 em

1965 e 211452 em 1966. Um jovem, estudante e empregado de 16 anos confessava-se a

favor das relações sexuais pré-conjugais e do casamento pelo registo por considerar

«um erro o casamento pela igreja face à mudança de mentalidade entre os jovens». O

artigo é totalmente censurado, como não seria de estranhar.

21 Lembremos por exemplo, já em período da “Primavera Marcelista”, o que aconteceu com a

adaptação da peça de Almeida Garret, “O Arco de Sant’Ana”, em que os Serviços de Exame Prévio do Porto a censuram, dizendo: “Não pode dizer que foi proibida; pode no entanto dizer-se que já não vai à cena”.

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Em Portugal, a censura passou por várias fases, desde os Índices Portugueses,

passando pela Real Mesa Censória, pela censura Liberal (marcadamente política, tal

como virá a ser no Estado Novo; não nos podemos esquecer que nesta altura Portugal se

degladia entre liberais e absolutistas, sendo que cada um destes grupos, principalmente a

partir do estrangeiro, enquanto exilados, detém jornais propagandísticos próprios, que

encontram dificuldades em singrar); no entanto, oficialmente, a censura terá acabado

com a queda do regime salazarista.

É curioso fazer ressaltar o facto de que a Constituição de 1933 é a única

Constituição Portuguesa que, ainda que de maneira contraditória (cf. artigo 3º n.º 20 e 8º

n.º 422), defende e justifica o carácter censório do Estado, que deveria ser o que Salazar

definia como um “arbitro imparcial”, que tudo analisasse e julgasse: o artigo 3.º declara

que a função da censura será "impedir a perversão da opinião pública na sua função de

força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a

desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum,

e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da

sociedade”. Para além disso, a censura é oficialmente instaurada sobre panfletos,

folhetos e publicações periódicas sempre que nelas existam teor político ou social

(decreto 22/469).

Apesar de com a Primavera Marcelista existirem promessas de uma maior

abertura do regime, na verdade isso não aconteceu, e o melhor exemplo encontramo-lo

quando é exigido que na publicação de artigos que tivessem sido corrigidos não

houvesse qualquer marca de que tinham sido censurados/cortados.

Esta censura do Estado Novo é conhecida pelo “Lápis Azul”, pois todo quanto

era censurado ou cortado era devolvido aos seus autores com correcções feitas a lápis

azul.

No momento em que se dá o 25 de Abril, no entanto, e tal como em tantos outros

aspectos, a censura é abolida – pelo menos teoricamente.

O fim da censura vem alterar de maneira substancial o sistema de comunicação

social.

22 Ver anexo “Constituição de 1933”.

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Na verdade, este fim da censura vem lançar o país numa desordem informativa,

pois com a liberdade de expressão recentemente ganha, deixa de haver proibições sobre

o que se diz em termos de política. Partidários de campos diferentes enfrentam-se nos

meios de comunicação, lançando a confusão entre o povo. Na fase pós-revolucionária,

avultam as incompatibilidades entre as várias tendências ideológico-partidárias, que

afectam directamente os próprios meios de comunicação. Multiplicam-se os conflitos

entre administrações e direcções com as comissões de trabalhadores e os conselhos de

redacção, entretanto eleitos. Estes conflitos atingem, por vezes, proporções extremadas

e inconciliáveis, como sucede no "caso República", em Maio e Junho de 1975, que

adquire projecção internacional Os confrontos levam ao encerramento do vespertino que

se publicava há 62 anos. O que na realidade acontece é uma “lavagem cerebral”

político-ideológica feita à população, o que vai originar que a população rapidamente se

sinta como uma vítima destas “injecções ideológicas”. Na realidade, apesar de agora

existir liberdade para ver, ouvir, escrever e dizer o que a cada um aprouvesse, é

plausível equacionar (ou melhor dizendo, afirmar) se não terá sido esta mesma liberdade

a causadora do aumento obrigatório do sentido crítico face ao que os mass media

veiculavam, pois na verdade, apesar do “apartidarismo” teórico, na verdade o que se

veiculava eram mensagens codificadas, que apenas alguns conseguiam decifrar na sua

totalidade mas que bombardeavam ideologicamente qualquer cidadão que ligasse a

televisão ou a rádio: lembremos o que nos é dito no volume nono da História de

Portugal dirigida por José Mattoso: “Os órgãos de informação assemelhavam-se, na fase

inicial, a um puzzle de mensagens contraditórias, misturadas ao sabor da força das

células partidárias e dos grupos de pressão. A capacidade de análise e selecção era

diminuta. A informação era servida «em bruto», mal digerida, tal como saía dos

palácios governamentais, das sedes partidárias ou dos quartéis mais influenciados pelas

doutrinas políticas”23. Segundo Sartre, o mais grave disto tudo é que a imprensa

portuguesa não se procurava servir da sua recém-liberdade para explicar alguns

acontecimentos importantes da vida política nacional. Na verdade, ela apenas

“bombardeava” as pessoas com informação, mas não as procurava elucidar sobre o seu

significado. Como obviamente se pode perceber, isto apenas vem aumentar o já critico

23 Pg. 363.

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estado de confusão mental em que Portugal se encontrava no período pós-

revolucionário.

No entanto, nem tudo foi tão desorganizado como até aqui se tem dado a

perceber. Na realidade, desde que se estabelece como objectivo acabar com os

mecanismos repressivos da liberdade de expressão próprios do Estado Novo, há a

preocupação de legislar esta situação, para que não ficasse um vazio de poder no lugar

da antiga censura. É assim que nasce a Lei de Imprensa, a 26 de Fevereiro de 1975, cujo

projecto já havia sido delineado desde Agosto-Setembro de 197424.

No entanto, esta Lei de Imprensa vem sofrer contestações derivadas do

conhecido “Caso República”25, pois aparece como já ultrapassada (apesar de ter sido

promulgada apenas há três meses).

É importante fazer notar a posição de Otelo Saraiva em relação a este conflito

sobre a Lei: ele proclama-a como uma lei extremamente avançada em relação a outros

países, apesar de reconhecer que, face aos acontecimentos de Março desse ano, ela já se

apresentava na realidade como tendo sofrido um grande retrocesso.

Outro ponto fundamental a referir sobre o fim da censura em Portugal está

ligado aos acontecimentos do Verão Quente de 1975. Se de facto a censura havia sido

abolida, o que pensar do facto de inúmeros jornais terem sido queimados, ao estilo do

tempo da Inquisição e do Índex? Foi o caso dos jornais Diário de Lisboa, Diário

Popular, A Capital, Diário de Notícias, O Século, Jornal Novo...

Para além disso, estes periódicos enfrentavam-se mutuamente por causa de

questões políticas, exercendo um verdadeiro controlo censório uns aos outros, muitas

vezes pior do que o controlo existente em tempos de ditadura.

24 Não nos podemos no entanto esquecer que esta lei só foi aplicada ao nível da comunicação

escrita; o regime legal do audiovisual só aparece em 1979, e penso que seja isto que pode explicar a situação atrás já explicada neste ponto do trabalho, sobre a confusão mental e desorganização que reinavam nos mass media – televisão, rádio...

25 Conflito aberto entre a CCT (ou seja, a Comissão Coordenadora de Trabalhadores) e a Administração/chefia de Redacção deste periódico: a CCT acusa estas últimas de estarem a tentar tornar o periódico num meio aberto de apoio ao Partido Socialista, que quando sabe do que se passa e quando se dá conta que as instalações do “República” são fechadas (o conhecido cerco), se concentra à sua porta para apoiar a antiga direcção. O ministro da Comunicação Social, Correia Jesuíno, é chamado ao local e proclama que, à luz da Lei de Imprensa de 1975 – que cortara a censura – a direcção e a chefia do jornal poderiam fazê-lo sair da prensa como quisessem. Na minha opinião, o facto mais chamativo neste conflito prende-se aos gritos de protesto dos apoiantes socialistas – entre os quais podemos situar nem mais nem menos que Mário Soares – contra o MFA, Álvaro Cunhal... ou seja, contra quem mais lutou pela liberdade que agora lhes permitia ter o apoio de um periódico. Parece-me no mínimo paradoxal.

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A partir de 1977, muitos jornais periódicos ou semanais são extintos, e resulta

curioso verificar que são na sua maioria publicações da ex-Sociedade Nacional de

Tipografia, sendo que a partir dos anos 80 são substituídos por publicações de carácter

mais “popular”. É também nesta década que se implanta de maneira vitoriosa o

jornalismo económico, através da edição de suplementos económicos, ao mesmo tempo

que surgem títulos especializados na matéria, como o Semanário Económico (1987) e

Diário Económico (1989). Vários factores contribuem para esta situação, sendo um dos

mais significativos a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, em

1986.

Antes de concluir este ponto sobre o fim da censura em Portugal, torna-se quase

obrigatório referir o papel da Constituição de 1976 neste processo de esconjuro dos

fantasmas repressivos do Estado Novo.

A Constituição dedica quatro artigos à Comunicação Social, ao longo dos quais

se denota a preocupação em compatibilizar os princípios da democrática liberdade de

expressão e de pensamento com um sector público de comunicação social muito

alargado. Antes das sucessivas revisões, ponto já referido neste trabalho, o que a

Constituição defendia era o seguinte:

Os órgãos de comunicação social deviam ser independentes

perante o Governo e a Administração pública (princípio do apartidarismo);

Os órgãos de comunicação social deviam assegurar a

possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião

Deveriam ser criados conselhos de informação com poderes para

assegurar uma orientação geral dos órgãos de comunicação que respeitasse o

pluralismo ideológico.

Para além de lutar contra a censura herdada do Estado Novo, o mais importante

a ressaltar é que a Constituição de 1976 luta também contra o controle censório entre

jornais – sendo o caso mais flagrante, uma vez mais, os acontecimentos do “República”,

cuja transcrição em cartoons denota uma forma de censura operária.

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Epílogo: Portugal Hoje

O que podemos concluir de tudo o que foi dito?

Em primeiro lugar, parece-me lícito poder-se afirmar que a revolução de 1974

não foi tão benéfica como ainda se ensina grandemente nas escolas. Na realidade,

ensina-se que 1974 é o ano da restauração da liberdade individual, por assim dizer, mas

em relação ao período conturbado que se lhe sucedeu, muito pouco é dito, pelo menos

num ensino não superior; e se tivermos em conta que apenas uma parte dos jovens

segue estudos superiores em História, podemos concluir que há uma parte

importantíssima da nossa história que não é conhecida, que não é estudada, que não é

aprofundada. Deste trabalho, pode-se concluir que na realidade a revolução vem lançar

o país num estado de anarquia política e social que resulta num clima de pré-guerra civil

(O verão quente de 1975).

No entanto, é facto que restaura muitos direitos fundamentais ao homem –

liberdade de expressão, de pensamento, liberdade cultural, liberdade eleitoral (apesar do

clima de desordem política, a verdade é que as eleições passaram a ser livres, e já não

manipuladas (logo, passaram a ser úteis – lembremo-nos que antes, tal como nos diz

Schmitter, a experiência de eleições nacionais de mais de quarenta anos foi a repressão,

manipulação, exclusão, distorção e da fraude pura e simples, métodos pelos quais o

regime conseguiu ganhar todas as eleições para todos os cargos disputados sem

excepção).

Mas mais importante que escrever conclusões que a todos são evidentes e que ao

longo do trabalho foram ficando claras, será tentar analisar o que se passa em Portugal

hoje em dia, já em séc. XXI.

Se pensarmos na situação económica, podemos ver um Portugal com problemas

de défices públicos, com orçamentos de estado que todos os anos são excedidos, com

uma política de aumento de impostos, de congelamentos salariais, de aumento quase

mensal de produtos e alimentos básicos (como o próprio pão, base alimentar de muitas

famílias portuguesas), de combustíveis, de transportes públicos...

É um encarecimento da vida progressivo mas imparável, apesar das palavras do

actual primeiro-ministro, Dr. Sócrates (segundo quem, apoiando-se em estudos, a

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economia portuguesa terá crescido um ponto percentual em 2006, face ao mesmo

período no ano anterior), e apesar das palavras do Dr. Durão Barroso, o actual

Presidente da Comissão Europeia, segundo quem “os portugueses não têm motivos para

se sentirem deprimidos com o actual panorama sócio-político-económico português”.

Mas...

Será que não existem de facto motivos?

Em relação à economia, já dei uma breve contextualização dos problemas

actuais portugueses.

Mas e em termos políticos e governativos? Temos assistido, desde a queda do

Dr. António Guterres em Dezembro de 2001 do posto de Primeiro-Ministro26, a uma

autêntica “tempestade” política, com governos de esquerda, governos de direita,

governos de coalição...

Em 2002, é eleito para Primeiro-Ministro José Manuel Durão Barroso, que no

entanto, meses mais tarde renuncia ao seu cargo por ter sido eleito para Presidente da

Comissão Europeia, cargo que mantém até hoje. Neste ano, face à situação económica

portuguesa, a Comissão Europeia lança um processo contra o Estado Português,

alegando um défice excessivo. Eis o argumento para mais impostos, para mais

congelamentos salariais...

No entanto, não resulta suficiente, uma vez que em 2003, a nossa economia

apresenta um crescimento negativo de 1,1% Isto desencadeia fortes protestos por parte

dos portugueses, que se sentem enganados e decepcionados, pois mais uma vez não

parece haver ninguém capaz de tirar Portugal da má situação em que se encontra.

Após a demissão de Durão Barroso, o Governo é então entregue a Santana

Lopes, figura política sobejamente conhecida em Portugal pelo seu tipo de política27. Na

realidade, não se aguenta no poder muito tempo, obrigando o então Presidente da

26 Lembremos que nestas eleições para Câmaras Municipais (=ayuntamientos), o Partido

Socialista, ao qual pertencia Guterres, apenas consegue ganhar 127 Câmaras Municipais, face às 144 ganhas pelo Partido Social-democrata, centro-direita. No fundo, Portugal revestiu-se de laranja (cor do PSD) para protestar contra o marasmo político em que se encontrava. Precisamente para evitar este marasmo, apesar de não ser obrigado a tal, o Primeiro-Ministro Socialista demite-se, para assim restaurar a confiança já perdida entre governantes e povo.

27 Que se assemelha ao “panem et circem”...

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República Dr. Jorge Sampaio a usar o seu poder de dissolver o governo. É demitido a

10 de Dezembro de 2004.

Isto são apenas alguns exemplos do que tem sido a política portuguesa nos

últimos anos.

A nível social, assiste-se hoje em dia a uma grande polarização social, em que se

acentuam as diferenças económicas entre vários grupos sociais, facto que está

indubitável e vergonhosamente ligado à cor política das pessoas. Apenas como

exemplo, podemos referir que a maior parte dos cargos administrativos ou dirigentes de

empresas, companhias, et caetera, mudarem quando muda o governo. Há um

favoritismo claro, que se vai traduzir em melhores rendimentos para essas pessoas,

enquanto o resto da população vê os seus salários congelados, vê as suas reformas

diminuírem28, vê o nível de vida a baixar e os preços quotidianos a aumentarem. Isto

está sem dúvida nenhuma ligado ao fenómeno da emigração, que se prevê que aumente,

uma vez que as pessoas preferem trabalhar no estrangeiro tendo a certeza de que vão o

nível de vida é melhor29. Um dos grandes destinos é precisamente o país vizinho,

Espanha.

Mas e a nível cultural, aspecto que a revolução tanto veio modificar, o que

podemos assistir hoje em dia?

Creio que um dos aspectos mais flagrantes do nível cultural é o nível de ensino

da população. E o ensino português encontra-se atacado por todos os lados.

Obrigatoriedade até ao 12º, medida imposta há quatro anos, virá, na minha opinião,

acentuar o fenómeno já tão flagrante de facilitismo educacional, o que se traduzirá

indubitavelmente numa crescente incultura geral.

Outro dos pontos polémicos em relação ao ensino actual prende-se às acções

tomadas pela Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, acusada por sindicatos

e professores de possuir “um ódio pela classe que representa”; na verdade, Maria de

28 Uma das medidas políticas mais polémicas a nível económico que foi tomada há relativamente pouco tempo refere-se à percentagem de reforma a que cada pessoa terá direito. Apesar de terem descontado toda uma vida de trabalho, apenas terão direito a 80% – ou em certos casos ainda menos – da sua reforma.

29 Isto nem sempre é verdade; muitos portugueses emigram clandestinamente – como aliás, sempre aconteceu e sempre acontecerá – e trabalham em condições quase de autêntica escravatura. A comunicação social tem trazido à luz do dia vários casos desses, com testemunhos de portugueses na primeira pessoa, relatando os armazéns onde são mantidos prisioneiros, os míseros euros que ganham por dia e que mal dão para sobreviver...

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Lurdes Rodrigues apresentou apenas no mês passado uma proposta de alteração ao

estatuto do regime legal da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos

ensinos básico e secundário. Apenas para dar um exemplo, pode-se dizer que uma das

medidas que passarão a ser tomadas para avaliar o desempenho de um professor será a

avaliação que terá por parte dos encarregados de educação. Se pensarmos que a maior

parte das escolas não tem as condições necessárias ao regular desempenho do docente

(falta de material pedagógico, falta de condições físicas dos edifícios,...), será justo

culpabilizar apenas o professor pelo insucesso dos estudantes e levar assim os

encarregados de educação a avaliar negativamente o docente?

Outro ponto de conflito actual prende-se à obrigatoriedade de a função pública

trabalhar até aos 65 anos de idade. Isto reflectir-se-á em menos tempo para a família e

para os jovens, o que originará um crescimento precoce dos adolescentes, se não mesmo

num aumento da criminalidade, marginalização, violência nas ruas.

Esta falta de tempo também é acentuada sem dúvida pelo facto de, a partir do

ano lectivo que actualmente termina, os professores serem obrigados a passar um

elevado número de horas nos estabelecimentos de ensino, independentemente de terem

aulas ou não. No fundo, é a introdução de toda uma série de componentes lectivas novas

– como o “Estudo Acompanhado”, ou a “Área de Projecto”, dada cada vez por um

professor diferente, ou as horas que o professor é obrigado a dar à escola para a

realização de reuniões, por exemplo.

Ainda a nível social, podemos referir o descontentamento de jovens que se vêem

com uma licenciatura na mão mas que são lançados para o desemprego porque, mais

uma vez em relação ao ensino, não há vagas. Anualmente, milhares de professores

ficam desempregados porque, derivado da obrigatoriedade de trabalhar até aos 65 anos,

não abrem vagas – não podem abrir, pois Portugal não é um país assim tão grande. Mas

esta situação parece no mínimo contraditória, pois ao mesmo tempo que milhares de

professores ficam desempregados, há escolas que fecham (principalmente no interior do

país).

A nível profissional, apesar do recente apelo à comunidade internacional para

que invista em Portugal, a verdade é que há cada vez mais fábricas a fecharem, há cada

vez mais desemprego, mais pobreza, e consequentemente menos qualidade de vida.

Muitas vezes estas fábricas fecham por prejuízo económico, por não poderem pagar aos

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seus trabalhadores (mais uma vez, anos depois da obra de Boaventura Santos ter sido

publicada, a situação de salários em atraso é assustadoramente pungente na nossa

sociedade; como exemplo, podemos referir a Academia de Música de Évora, que há

dois anos viu a maior parte dos seus docentes abandonarem o estabelecimento, pois não

recebiam salário há 14 meses); outras vezes, por acidentes (ou incidentes?...) como

explosões, fogos... Seja qual for a razão, fecham e cada dia existem mais

desempregados nas ruas portuguesas.

De facto, o 25 de Abril veio restaurar liberdades individuais... mas lançou o país

numa desordem política, social, económica da qual ainda não recuperou.

Porém, ainda que seja esta a situação, creio que, para responder à questão por

mim colocada no prólogo deste trabalho, apesar de sem dúvida terem existido elementos

negativos decorrentes dos acontecimentos de 1974, o 25 de Abril terá siso algo benéfico

para Portugal, pois creio ser preferível a liberdade à censura, a democracia ao

autoritarismo, os erros políticos tomados ingenuamente por se acreditar nos políticos à

manipulação de resultados e eleições.

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Bibliografia

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História de Portugal, Vol. VII, Suplemento A/E”, Figueirinhas, 1999

“Corporativismo”, in ROSAS, F., e BRANDÃO DE BRITO, J. M.,

“Dicionário de História do Estado Novo – volume I, A-L”, Círculo de Leitores,

1996

“História de Portugal – Portugal, 20 anos de democracia”, dir. José Mattoso,

Círculo de Leitores, 1ª edição, 1994

“História de Portugal, vol. VIII”, dir. José Mattoso, Círculo de Leitores, 1ª

edição, 1993

SANTOS, Boaventura de S., “O Estado e a Sociedade em Portugal (1974-

88)”, 3ª edição, Biblioteca das Ciências do Homem, Edições Afrontamento,

Porto, 1998;

SCHMITTER, Philippe C., Portugal: Do autoritarismo à democracia, cap.

III, Instituto das Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1999

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http://jpn.icicom.up.pt/2004/04/18/portugal_censurado.html

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http://www.cm-odivelas.pt/Extras/MFA/cronologia.asp?canal=9

Http://www.cunhasimoes.net/cp/Textos/Historia/LivHistoria24.htm

Http://www.eusou.com/republica/crep.html

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http://www.infoforum.pt/web/legislacao/L46-86.htm

Http://www.minerva.uevora.pt/aventuras/vilavicosa/razoesdomovimento.htm

Http://www.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=poderpol04

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Constituição de 1976:

(...)

Artigo 13.º

(Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou

isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,

religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.

Artigo 14.º

(Portugueses no estrangeiro)

Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da protecção do

Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis

com a ausência do país.

Artigo 15.º

(Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus)

1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e

estão sujeitos aos deveres do cidadão português.

2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções

públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados

pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.

3. Aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são

reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a

estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da

República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças

Armadas e na carreira diplomática.

4. A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de

reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de

autarquias locais.

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5. A lei pode ainda atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados-membros

da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao

Parlamento Europeu.

(...)

TÍTULO II

Direitos, liberdades e garantias

CAPÍTULO I

Direitos, liberdades e garantias pessoais

Artigo 24.º

(Direito à vida)

1. A vida humana é inviolável.

2. Em caso algum haverá pena de morte.

(...)

Artigo 36.º

(Família, casamento e filiação)

1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena

igualdade.

2. A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou

divórcio, independentemente da forma de celebração.

3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à

manutenção e educação dos filhos.

4. Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de

qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações

discriminatórias relativas à filiação.

5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.

6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus

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deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

7. A adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas

céleres para a respectiva tramitação.

(...)

Artigo 55.º

(Liberdade sindical)

1. É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da

sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.

2. No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação,

designadamente:

a) A liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis;

b) A liberdade de inscrição, não podendo nenhum trabalhador ser obrigado a pagar

quotizações para sindicato em que não esteja inscrito;

c) A liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais;

d) O direito de exercício de actividade sindical na empresa;

e) O direito de tendência, nas formas que os respectivos estatutos determinarem.

3. As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão

democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem

sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação activa dos

trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical.

4. As associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões

religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias

adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.

5. As associações sindicais têm o direito de estabelecer relações ou filiar-se em organizações

sindicais internacionais.

6. Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem

como à protecção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento,

constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções.

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Artigo 56.º

(Direitos das associações sindicais e contratação colectiva)

1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos

trabalhadores que representem.

2. Constituem direitos das associações sindicais:

a) Participar na elaboração da legislação do trabalho;

b) Participar na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem

satisfazer os interesses dos trabalhadores;

c) Pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução;

d) Fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da lei;

e) Participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a acções de

formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho.

3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é

garantido nos termos da lei.

4. A lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções

colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas.

(...)

Artigo 67.º

(Família)

1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e

do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus

membros.

2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família:

a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares;

b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros

equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade;

c) Cooperar com os pais na educação dos filhos;

d) Garantir, no respeito da liberdade individual, o direito ao planeamento familiar,

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promovendo a informação e o acesso aos métodos e aos meios que o assegurem, e

organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma

maternidade e paternidade conscientes;

e) Regulamentar a procriação assistida, em termos que salvaguardem a dignidade da

pessoa humana;

f) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares;

g) Definir, ouvidas as associações representativas das famílias, e executar uma política

de família com carácter global e integrado.

Artigo 68.º

(Paternidade e maternidade)

1. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua

insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia

de realização profissional e de participação na vida cívica do país.

2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.

3. As mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, tendo as

mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da

retribuição ou de quaisquer regalias.

4. A lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período

adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar.

(...)

Artigo 74.º

(Ensino)

1. Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de

acesso e êxito escolar.

2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:

a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;

b) Criar um sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-

escolar;

c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo;

d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos

graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística;

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e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;

f) Inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do

ensino e das actividades económicas, sociais e culturais;

g) Promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores de deficiência ao ensino

e apoiar o ensino especial, quando necessário;

h) Proteger e valorizar a língua gestual portuguesa, enquanto expressão cultural

e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades;

i) Assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso

à cultura portuguesa;

j) Assegurar aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efectivação do

direito ao ensino.

(...)

Artigo 114.º

Partidos políticos e direito de oposição)

1. Os partidos políticos participam nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo, de

acordo com a sua representatividade eleitoral.

2. É reconhecido às minorias o direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da

lei.

3. Os partidos políticos representados na Assembleia da República e que não façam parte do

Governo gozam, designadamente, do direito de serem informados regular e directamente pelo

Governo sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público, de igual direito

gozando os partidos políticos representados nas assembleias legislativas regionais e em

quaisquer outras assembleias designadas por eleição directa relativamente aos correspondentes

executivos de que não façam parte.

Artigo 115.º

(Referendo)

1. Os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-

se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da

República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, em matérias das

respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei.

2. O referendo pode ainda resultar da iniciativa de cidadãos dirigida à Assembleia da

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República, que será apresentada e apreciada nos termos e nos prazos fixados por lei.

3. O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam

ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de

convenção internacional ou de acto legislativo.

4. São excluídas do âmbito do referendo:

a) As alterações à Constituição;

b) As questões e os actos de conteúdo orçamental, tributário ou financeiro;

c) As matérias previstas no artigo 161.º da Constituição, sem prejuízo do disposto no

número seguinte;

d) As matérias previstas no artigo 164.º da Constituição, com excepção do disposto na

alínea i).

5. O disposto no número anterior não prejudica a submissão a referendo das questões de

relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional, nos termos

da alínea i) do artigo 161.º da Constituição, excepto quando relativas à paz e à rectificação

de fronteiras.

6. Cada referendo recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas com

objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, num número máximo de

perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições de formulação

e efectivação de referendos.

7. São excluídas a convocação e a efectivação de referendos entre a data da convocação e a

da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões

autónomas e do poder local, bem como de Deputados ao Parlamento Europeu.

8. O Presidente da República submete a fiscalização preventiva obrigatória da

constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas

pela Assembleia da República ou pelo Governo.

9. São aplicáveis ao referendo, com as necessárias adaptações, as normas constantes dos n.o

1, 2, 3, 4 e 7 do artigo 113.º.

10. As propostas de referendo recusadas pelo Presidente da República ou objecto de

resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo

nova eleição da Assembleia da República, ou até à demissão do Governo.

11. O referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a

metade dos eleitores inscritos no recenseamento.

12. Nos referendos são chamados a participar cidadãos residentes no estrangeiro,

regularmente recenseados ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 121.º, quando recaiam

sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito.

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(...)

TÍTULO II

Presidente da República

CAPÍTULO I

Estatuto e eleição

Artigo 120.º

(Definição)

O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência

nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por

inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas.

Artigo 121.º

(Eleição)

1. O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos

portugueses eleitores recenseados no território nacional, bem como dos cidadãos portugueses

residentes no estrangeiro nos termos do número seguinte.

2. A lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro,

devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional.

3. O direito de voto no território nacional é exercido presencialmente.

Artigo 122.º

(Elegibilidade)

São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos.

Artigo 123.º

(Reelegibilidade)

1. Não é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquénio

imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo.

2. Se o Presidente da República renunciar ao cargo, não poderá candidatar-se nas eleições

imediatas nem nas que se realizem no quinquénio imediatamente subsequente à renúncia.

(...)

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Artigo 195.º

(Demissão do Governo)

1. Implicam a demissão do Governo:

a) O início de nova legislatura;

b) A aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo

Primeiro-Ministro;

c) A morte ou a impossibilidade física duradoura do Primeiro-Ministro;

d) A rejeição do programa do Governo;

e) A não aprovação de uma moção de confiança;

f) A aprovação de uma moção de censura por maioria absoluta dos Deputados em

efectividade de funções.

2. O Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para

assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado.

(...)

TÍTULO X

Defesa Nacional

Artigo 273.º

(Defesa nacional)

1. É obrigação do Estado assegurar a defesa nacional.

2. A defesa nacional tem por objectivos garantir, no respeito da ordem constitucional, das

instituições democráticas e das convenções internacionais, a independência nacional, a

integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou

ameaça externas.

Artigo 274.º

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(Conselho Superior de Defesa Nacional)

1. O Conselho Superior de Defesa Nacional é presidido pelo Presidente da República e tem a

composição que a lei determinar, a qual incluirá membros eleitos pela Assembleia da República.

2. O Conselho Superior de Defesa Nacional é o órgão específico de consulta para os assuntos

relativos à defesa nacional e à organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas,

podendo dispor da competência administrativa que lhe for atribuída por lei.

Artigo 275.º

(Forças Armadas)

1. Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República.

2. As Forças Armadas compõem-se exclusivamente de cidadãos portugueses e a sua

organização é única para todo o território nacional.

3. As Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da

Constituição e da lei.

4. As Forças Armadas estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os

seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para

qualquer intervenção política.

5. Incumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais do

Estado Português no âmbito militar e participar em missões humanitárias e de paz assumidas

pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte.

6. As Forças Armadas podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de

protecção civil, em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria

da qualidade de vida das populações, e em acções de cooperação técnico-militar no âmbito da

política nacional de cooperação.

7. As leis que regulam o estado de sítio e o estado de emergência fixam as condições do

emprego das Forças Armadas quando se verifiquem essas situações.

Artigo 276.º

(Defesa da Pátria, serviço militar e serviço cívico)

1. A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses.

2. O serviço militar é regulado por lei, que fixa as formas, a natureza voluntária ou obrigatória, a

duração e o conteúdo da respectiva prestação.

3. Os cidadãos sujeitos por lei à prestação do serviço militar e que forem considerados inaptos

para o serviço militar armado prestarão serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à

sua situação.

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4. Os objectores de consciência ao serviço militar a que legalmente estejam sujeitos prestarão

serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado.

5. O serviço cívico pode ser estabelecido em substituição ou complemento do serviço militar e

tornado obrigatório por lei para os cidadãos não sujeitos a deveres militares.

6. Nenhum cidadão poderá conservar nem obter emprego do Estado ou de outra entidade

pública se deixar de cumprir os seus deveres militares ou de serviço cívico quando obrigatório.

7. Nenhum cidadão pode ser prejudicado na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no

seu emprego permanente por virtude do cumprimento do serviço militar ou do serviço cívico

obrigatório.

Artigo 287.º

(Novo texto da Constituição)

1. As alterações da Constituição serão inseridas no lugar próprio, mediante as substituições, as

supressões e os aditamentos necessários.

2. A Constituição, no seu novo texto, será publicada conjuntamente com a lei de revisão.

Artigo 288.º

(Limites materiais da revisão)

As leis de revisão constitucional terão de respeitar:

a)A independência nacional e a unidade do Estado;

b)A forma republicana de governo;

c)A separação das Igrejas do Estado;

d)Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;

e)Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;

f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de

propriedade dos meios de produção;

g)A existência de planos económicos no âmbito de uma economia mista;

h)O sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos

órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de

representação proporcional;

i) O pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de

oposição democrática;

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j) A separação e a interdependência dos órgãos de soberania;

l) A fiscalização da constitucionalidade por acção ou por omissão de normas jurídicas;

m) A independência dos tribunais;

n) A autonomia das autarquias locais;

o) A autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Artigo 289.º

(Limites circunstanciais da revisão)

Não pode ser praticado nenhum acto de revisão constitucional na vigência de estado de sítio ou

de estado de emergência.

(...)

Artigo 299.º

(Data e entrada em vigor da Constituição)

1. A Constituição da República Portuguesa tem a data da sua aprovação pela Assembleia

Constituinte, 2 de Abril de 1976.

2. A Constituição da República Portuguesa entra em vigor no dia 25 de Abril de 1976.

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Músicas de Intervenção:

“Venham mais cinco”, Zeca Afonso

Venham mais cinco

Duma assentada

Que eu pago já

Do branco ou tinto

Se o velho estica

Eu fico por cá

Se tem má pinta

Dá-lhe um apito

E põe-no a andar

De espada à cinta

Já crê que é rei

Dàquém e Dàlém Mar

Não me obriguem

A vir para a rua

Gritar

Que é já tempo

D'embalar a trouxa

E zarpar

A gente ajuda

Havemos de ser mais

Eu bem sei

Mas há quem queira

Deitar abaixo

O que eu levantei

A bucha é dura

Mais dura é a razão

Que a sustém

Só nesta rusga

Não há lugar

Pr'ós filhos da mãe

Não me obriguem

A vir para a rua

Gritar

Que é já tempo

D'embalar a trouxa

E zarpar

Bem me diziam

Bem me avisavam

Como era a lei

Na minha terra

Quem trepa

No coqueiro

É o rei

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“Os Vampiros”, Zeca Afonso

No céu cinzento Sob o astro mudo

Batendo as asas Pela noite calada

Vêm em bandos Com pés veludo

Chupar o sangue Fresco da ma nada

Se alguém se engana Com seu ar sisudo

E lhes franqueia As portas à chegada

Eles comem tudo Eles comem tudo

Eles comem tudo E não deixam nada [Bis]

A toda a parte Chegam os vampiros

Poisam nos prédios Poisam nas calçadas

Trazem no ventre Despojos antigos

Mas nada os prende Às vidas acabadas

São os mordomos Do universo todo

Senhores à força Mandadores sem lei

Enchem as tulhas Bebem vinho novo

Dançam a ronda No pinhal do rei

Eles comem tudo Eles comem tudo

Eles comem tudo E não deixam nada

No chão do medo Tombam os vencidos

Ouvem-se os gritos Na noite abafada

Jazem nos fossos Vítimas dum credo

E não se esgota O sangue da manada

Se alguém se engana Com seu ar sisudo

E lhe franqueia As portas à chegada

Eles comem tudo Eles comem tudo

Eles comem tudo E não deixam nada

Eles comem tudo Eles comem tudo

Eles comem tudo E não deixam nada

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“Somos Livres”, Ermelinda Duarte

Ontem apenas

fomos a voz sufocada

dum povo a dizer não quero;

fomos os bobos-do-rei

mastigando desespero.

Ontem apenas

fomos o povo a chorar

na sarjeta dos que, à força,

ultrajaram e venderam

esta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,

assas de vento,

coração de mar.

Como ela, somos livres,

somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,

grito vermelho

num campo qualquer.

Como ela somos livres,

somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia

"quando for grande

não vou combater".

Como ela, somos livres,

somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,

Parte à conquista

do pão e da paz.

Somos livres, somos livres,

não voltaremos atrás.

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O lápis Azul:

Cronologia do Movimento das Forças Armadas e Golpe de Estado:

21 de Janeiro de 1973

Manifestações anticoloniais em Lisboa.

Maio de 1973

Protesto dos militares à tentativa de apoio das Forças Armadas ao Governo por parte do

Congresso dos Combatentes a realizar de 1 a 3 de Junho.

1 de Junho de 1973

Início do I Congresso dos Combatentes do Ultramar, no Porto, que mereceu a oposição do

"Movimento dos Capitães". Ao mesmo tempo, circula um manifesto de Oficiais do Exército

contra o Congresso e a legislação que pretende apoiar.

13 de Julho de 1973

Publicação do Decreto-Lei n.º 353/73, que possibilitava aos milicianos do Quadro Especial

de Oficiais ultrapassarem os capitães do quadro permanente nas suas promoções, mediante a

frequência de um curso intensivo na Academia Militar, equiparado aos cursos normais, o

que originou viva contestação dos capitães do quadro permanente.

O “lápis azul” podia tomar duas vertentes: a censura por

completo ou, como no caso apresentado, a “autorização

com cortes”, que no entanto nunca devia ser dada a

perceber quando o artigo fosse publicado.

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20 de Agosto de 1973

Publicação do Decreto-Lei n.º 409/73, que dá nova redacção ao 353/73 mas mantém a

situação dos capitães do quadro permanente.

21 de Agosto de 1973

Primeira reunião clandestina de capitães em Bissau.

28 de Agosto de 1973

Eleição da primeira comissão do "Movimento dos Capitães", constituída pelos Capitães

Almeida Coimbra, Matos Gomes, Duran Clemente e António Caetano.

9 de Setembro de 1973

Nasce o MFA na primeira reunião plenária (clandestina) dos capitães, no Monte Sobral em

Alcáçovas, com a presença de 95 Capitães, 39 Tenentes e 2 Alferes.

24 de Setembro de 1973

A Guiné-Bissau proclama unilateralmente a independência.

6 de Outubro de 1973

Reunião quadripartida do MFA (por razões de segurança), sendo um dos locais a casa do

Capitão Antero Ribeiro da Silva, no n.º 24, 2º Dto da rua Prof. Dr. Augusto Abreu Lopes,

em Odivelas.

12 de Outubro de 1973

O Ministro do Exército e da Defesa Nacional, Sá Viana Rebelo, suspende os Decretos-Lei

n.º 353/73 e 409/73, o que não evita a crescente contestação dos capitães.

23 de Outubro de 1973

Circular clandestina onde se faz o ponto da situação.

26 de Outubro de 1973

Reconhecimento da Guiné Bissau como estado soberano pela ONU.

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28 de Outubro de 1973

Eleição de deputados à Assembleia Nacional. A oposição desiste antes do acto eleitoral,

devido à inexistência de garantias mínimas de seriedade.

7 de Novembro de 1973

Demissão do Ministro Sá Viana Rebelo, na sequência da contestação do "Movimento dos

Capitães" aos referidos decretos.

24 de Novembro de 1973

Reunião plenária, na Parede, onde o Tenente-Coronel Banazol defende, pela primeira vez, a

tese de golpe militar, que transita para discussão em próxima reunião.

Dezembro de 1973

Denúncia pelo Major Carlos Fabião, numa aula de Instituto de Altos Estudos Militares, de

um golpe de estado de direita em preparação, que seria conduzido por Kaúlza de Arriaga.

1 de Dezembro de 1973 Reunião plenária em Óbidos, onde se votam três teses alternativas:

• golpe militar; • continuação da luta contra os Decretos 353/73 e 409/73 com perspectivas de passar a

golpe militar; • continuação da luta legalista contra os Decretos.

É aprovada a última tese, mas a primeira que fala de um golpe militar ganha apoios,

perspectivando-se o carácter revolucionário do "Movimento" e elege-se a primeira

Comissão Coordenadora do "Movimento dos Capitães" constituída por 19 oficiais e

escolhidos os Generais Costa Gomes e António de Spínola para servirem de ligação.

5 de Dezembro de 1973 Reunião da Comissão Coordenadora na Costa da Caparica, onde se rejeita a tese do Tenente-Coronel Banazol e onde se elege um executivo do "Movimento", constituído pelos Majores Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves e o Capitão Vasco Lourenço. É criado um

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grupo de trabalho para elaborar o Programa do MFA, coordenado pelo Major Melo Antunes e constituído pelos:

• Tenentes-Coronéis Lopes Pires, Franco Charais e Costa Brás, • Major Hugo dos Santos e Coronel Vasco Gonçalves (do Exército), • Capitão-Tenente Victor Crespo, • 1º Tenente Almada Contreiras (da Marinha), • Majores Morais e Silva e Seabra e o Capitão Pereira Pinto (da Força Aérea).

22 de Fevereiro de 1974

Publicação do livro "Portugal e o Futuro", do General António de Spínola, que abalou o

regime e, em particular, Marcelo Caetano.

5 de Março de 1974

Reunião de cerca de 200 oficiais dos três ramos das Forças Armadas, em Cascais, no atelier

do arquitecto Braula Reis. Pela primeira vez se fala na possibilidade do fim da guerra

colonial e no derrube a ditadura para o estabelecimento de um regime democrático. É

aprovado o documento «O "Movimento" as Forças Armadas e a Nação», apresentado pelo

Major Melo Antunes.

8 de Março de 1974

O Governo transfere os Capitães Vasco Lourenço e Carlos Clemente para os Açores, Antero

Ribeiro da Silva para a Madeira e David Martelo para Bragança, com o objectivo de

enfraquecer o "Movimento dos Capitães". O Capitão Clemente é levado à força para o

Aeroporto, mas o "Movimento" rapta os Capitães Vasco Lourenço e Ribeiro da Silva e

esconde-os.

9 de Março de 1974

Os Capitães Vasco Lourenço e Ribeiro da Silva apresentam-se voluntariamente no Quartel

General da Região Militar de Lisboa, na companhia do Capitão Pinto Soares, sendo os três

detidos e enviados para a Casa Reclusão da Trafaria.

11 de Março de 1974

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Marcelo Caetano, em carta a Américo Tomás, pede a demissão, por se sentir responsável

pela publicação do livro de Spínola, mas não é aceite.

14 de Março de 1974

Marcelo Caetano recebe Oficiais-Generais dos três ramos das Forças Armadas, numa

reunião que ficou conhecida como a "Brigada do Reumático", no intuito de tentar provar

que o regime tinha tudo sob controlo.

15 de Março de 1974

Demissão dos Generais Costa Gomes e António de Spínola por se terem recusado a

participar na "Brigada do Reumático

16 de Março de 1974

Tentativa de golpe militar contra o regime. Só o Regimento de Infantaria 5 das Caldas da

Rainha marcha sobre Lisboa. O golpe falhou. São presos cerca de 200 militares, alguns

deles decisivamente envolvidos na preparação da "Revolução dos Cravos".

24 de Março de 1974

Última reunião clandestina da Comissão Coordenadora do MFA, em casa do Capitão

Candeias Valente, na qual foi decidido o derrube do regime e o golpe militar entre 22 e 29

de Abril. O Major Otelo Saraiva de Carvalho fica responsável pelo "Plano Geral das

Operações".

21 de Abril de 1974

Aprovação da versão definitiva do Programa do MFA.

22 de Abril de 1974

Está pronto o "Plano Geral das Operações: Viragem Histórica" e as Unidades Militares

afectas ao MFA ficam à espera do início do golpe militar. Por decisão de Otelo é escolhido o

Regimento de Engenharia N.º 1 na Pontinha, para instalar o Posto de Comando das

operações.

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23 de Abril de 1974

Otelo Saraiva de Carvalho comunica que as operações militares se iniciariam às 03.00h do

dia 25 de Abril e entrega, a capitães mensageiros, sobrescritos fechados contendo as

instruções para as acções a desencadear na noite de 24 para 25, com a senha "Coragem" e

contra-senha "Pela Vitória" e um exemplar do jornal Época, como identificação, para as

Unidades participantes.

24 de Abril de 1974

O jornal República, em breve notícia, chama a atenção dos seus leitores para a emissão do

programa "Limite" dessa noite, na Rádio Renascença.

24 de Abril de 1974 às 21:00

Otelo Saraiva de Carvalho faz chegar ao General Spínola a "Proclamação ao País do

Movimento das Forças Armadas Portuguesas".

24 de Abril de 1974 às 22:00

Começam a reunir-se os elementos do MFA no Posto de Comando, instalado no Regimento

de Engenharia N.º 1, na Pontinha: os Tenentes-Coronéis Lopes Pires e Garcia dos Santos, os

Majores Otelo Saraiva de Carvalho, Sanches Osório e Hugo dos Santos, o Capitão-Tenente

Victor Crespo e o Capitão Luís Macedo.

24 de Abril de 1974 às 22:55

Os Emissores Associados de Lisboa transmitem a canção "E Depois do Adeus", de Paulo de

Carvalho, primeiro sinal do MFA, confirmando que tudo corria bem.

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Imagens da cooperação popular com as forças militares para derrube do

regime:

Aliança Povo/MFA