A Situação Dos Trabalhadores Na Alemanha e No Brasil de 1871 a 1914
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A
situao
dos
trabalhadores
na
Alemanha e no Brasil de 1871 a 1914
M e r c e d e s GassenKothe
ntroduo
A partir de 1870, a imigrao europia tomou vulto no
Brasil
em
funo
de uma
possvel libertao
dos escravos a
curto prazo, e devido ao aumento consecutivo das reas de
plantao de caf na provncia de So Paulo. Ainda que pou
co
divulgados, j foram realizados diversos
estudos
sobre as
condies
de trabalho a que os imigrantes tiveram de se sujeitar
nas fazendas e nas colnias oficiais, bem como sobre as condi
es de residnciae de trabalho nas fabricas de So Paulo e Rio
de Janeiro. Dentre as principais obras podemos
destacar:
Warren Dean:
Rio Claro um
sistema
brasileiro da
grande lavoura 1820-1920.
Faz um
estudo
aprofundado so
bre um dos principais centros da
produo
de
caf,
mostran
do os salrios dos trabalhadores na fazenda Santa Gertrudes,
de 1886 at 1915, e os conflitos
decorrentes
do endividamen
to dos colonos, que muitas vezes fugiam para escapar servi
do pela dvida.
Thomas H.Holloway:
Emigrantes para o caf.
Exami
na a contribuio dos imigrantes para o aumento da produo
cafeeira e suas condies de mobilidade
social.
Apresenta os
salrios
dos colonos no
municpio
de So
Simo
e de
reas
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vizinhas.
Baseado em relatrios da Secretaria de Agricultura
de So
Paulo,
defende a
tese
de que as
famlias
tinham
condi
esdealcanarbons rendimentos anuais nas
plantaes.
No
apresenta, no entanto, o montante das despesas com que elas
tinhamde arcar.
Sheldon Leslie Maran: Anarquistas, imigrantes e o
movimento operrio
brasileiro. Destaca, no
captulo
VI , o
salrioe a jornada dos trabalhadores da indstria txtilno Rio
de Janeiro, e o montante das despesas com que tinha de arcar.
Chega
concluso de que o salrio no era suficiente para o
sustento do trabalhador e de toda a sua famlia.
Paula
Beiguelman: A formao do povo no complexo
cafeeiro. Trata da
situao
dos diferentes segmentos de traba
lhadores nas fazendas, como os imigrantes, os libertos e os
nativos.
Enfatiza
a
diferena
da capacidade produtiva dos
diferentes grupos. No apresenta dados sobre os ganhos e
despesas dos trabalhadores. Discorre sobre o trabalhador ur
bano,
ascondiesde moradia, osprincipaisramos industriais
existentes em SoPauloe sua
localizao.
Braslio
Sallum
Jnior:
Capitalismo e cafeicultura
Oeste
paulista 1888-1930.
Mostra
os pagamentos recebidos
pelos
trabalhadores na formao do
cafezal
e os valores que
eram
pagos por p de
caf
plantado, ovalor pago por dia de
trabalho, bem como o montante das despesas do fazendeiro
c o m os trabalhadores.
Verena Stolke: Cafeicultura
homens,
mulheres e
capital
1850-/980). Aborda aevoluo dasrelaessociais e
o modo de
vida
dos trabalhadores. Apresentagrficos com os
salrios pagos aos trabalhadores da cafeicultura em diversas
reas
do interior paulista.
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Ostrabalhadoresna Alemanha
E m primeiro lugar, preciso avaliar a s i t u a o dos tra
balhadores do campo e o p e r r i o s na Alemanha, para tentar
entender
os motivos que levaram milhares e m i g ra o a par
t ir de 1871, quando ocorreu a u n i f ic a o a l e m e se i n i c i o u
u m acelerado processo de i n d u s t r i a l i z a o ,
enquanto
que no
B r a s i l , com o surgimento da Lei do Ventre L i v r e , no mesmo
ano, prognosticava-se o fim do sistema escravocrata. J em
1871, o governo brasileiro passou a financiar cada vez mais a
entrada de imigrantes europeus, a p s tentativas frustradas de
i m i g r a o chinesa. A l m de se continuar o fomento imigra
o a l e m , iniciou-senesse p e r o d o a i m i g r a oem larga esca
lade italianos.
O B r a s i l
ocupou, depois dos Estados
Unidos,
o segundo
lugar
na p r e f e r n c i a dos imigrantes,
tendo
a maioria se l o c a l i
zado no Estado de So Paulo, onde se estabeleceram como
trabalhadores nas fazendas de c af ou se dedicaram a ativida
des a u t n o m a s , como ferreiro, marceneiro, carpinteiro e p i n
tor nas
vilas
e cidades. O segundo lugar de p r e f e r n c i a no
B r a s i l foi o Rio Grande do Sul, onde se estabeleceram em
pequenas
propriedades, implantando o sistema de policultura,
mas se dedicaram
t a m b m
a atividades
a u t n o m a s ,
algumas
das quais se transformaram em i n d s t r i a s debase
familiar.
A
medida que a Alemanha ia a v a n a n d o no processo de
i n d u s t r i a l i z a o
e se fortalecia o movimento
sindical,
foram
sendo introduzidas melhorias nas c o n d i e s do trabalho fabril.
Houve
a r e g u l a m e n t a o do trabalho de menores nas f br ic as ,
proibiu-separa eles a jornada noturna e reduziram-se as horas
de atividade. Para os o p e r r i o s em geral, diminuiu-se aos
poucos, no final do s c u l o X I X , a extensa jornada de traba
lho:
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jornada dos operrios da indstria foi gradualmente
reduzida,com mais sucesso nos ramos industriais me
lhor
organizados, de modo que, em 1890, a jornada de
12 horas, em tomo da qual se lutava h
trs dcadas,
j
era considerada excepcionalmente longa. A jornada de
11 horas estava bastantedifundida, existindo emparte
ade dez horas.
Menos
horas de trabalho com mais produtividade no
significou,
no entanto, logo melhoria salarial para os trabalha
dores: aumentou em grande escala o trabalho das mulheres e
dos jovens. Wehler, analisando o nvel dos salrios dos traba
lhadores, registra:
Comparando-se o crescimento real, de 1890 a 1914, na
Gr-Bretanha, Frana, Sucia
e Estados
Unidos,
onde
ele aumentou emmdia 4%, com o do Reich alemo,
onde houve um aumento anual de
%,
os
salrios
reais
alemespermaneceram
bastante
atrs.
Mediante
esses
dados, pode-se avaliar a situao dos
trabalhadores alemes, bem como as causas que fizeram com
que as mulheres e jovens se pusessem procura de trabalho,
ainda que pelo mesmo seivio recebessem salrio menor que
os homens. A
mo-de-obra
feminina e
juvenil
tomou-se a so
luo familiar
para que os trabalhadores pudessem manter um
nvel de vida mnimo. Nem por isso as famlias deixavam de
cumprir aobrigao de enviar os
filhos
escola. Isso tambm
ocorreu com os trabalhadores do campo, fazendo com que a
Alemanha,
nas ltimas dcadas do sculo XIX,apresentasse
um elevado quoeficiente de escolaridade. Aps 1870, chega
vam praticamente a 100% os que sabiam ler e escrever, ainda
que as
crianas
da zona rural, no
raras
vezes, s tivessem
conhecimentos precrios.
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Isso representava urna quota elevada, mesmo em
nvel
europeu. Essa
preocupao
com a
escolarizao
dos
filhos
foi
trazida
pelos emigrantes
alemes
para o
Brasil,
onde, embora
bastante
isolados, encontraram um quadro
social
praticamente
antittico,
em que, nas cidades, as
pessoas
mais pobres, e
muitas vezes at mesmo da classe mdia, no sabiam ler, en
quanto no campo a situao era ainda maisprecria. Segundo
dados do recenseamento de 1900, 74,5% da populao brasi
leira era analfabeta; pelo recenseamento de 1920, o analfabe
tismo aumentou para 75,5%.
N a Alemanha, ocorreutambm um considervel aumen
to da populao, que, em 1890, era constituda por 49,2 mi
lhes de
pessoas
e, em 1913,
apesar
das emigraes, j che
gava
a um total de 67 milhes.
5
Esse aumento ocorreu princi
palmente entreapopulaodo campo, assim como houve um
aumento geral da expectativa de
anos
de
vida.
Como
as pos
sibilidades
de atividade na
rea agrcola
eram limitadas, e al
gumas
temporrias,
o emprego de
pessoastambm
foi reduzi
do com o uso cada vez mais intenso de
mquinas agrcolas.
Como
no havia
condies
de empregar toda a
populao
campesina,
restava como alternativa
bsica
para
esse
exceden
te a
migrao
para a cidade e a
emigrao.
J em 1910, a grande maioria
v i v i a
nas cidades. A mi
grao
campo cidade na Alemanha deve ser analisada como
decorrente da
atrao
que as cidades ofereciam com maiores
possibilidades
e alternativas de emprego. Um fator
bsico
de
migrao
e de
emigrao
do campo eram as dificuldades de
sobrevivncia
na
rea rural,causadas tanto
pela falta de
terras
a
serem trabalhadas, quanto pelo excesso de
mo-de-obra
no
campo, problema ainda agravado devido constante
imigra
o
de trabalhadores do Leste europeu, s ms colheitas, aos
baixossalriose aos reduzidospreosdos produtos agrcolas.
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partir de 1892/93, por presso dos industriais, ocor
reu uma
reduo
das
taxas
alfandegrias
para os produtos
agrcolas, mas foi mantido um sistema de prote o alfandeg
ria em favor da indstria. Essas medidas, adotadas para redu
zir as conseqncias da crise econmica de 1891/93, acaba
ram originando a criao da L i g a dos Ruralistas, que, em
1893, exigiu
maior controle
alfandegrio
e
restrio
liberda
de dos trabalhadores do campo, pois osproprietrios sentiam-
se prejudicados pela baixa dos preos de
seus
produtos e a
constantemigrao de camponeses.
6
Estes n o queriam sujei
tar-se incerta condio de trabalhadores sazonais, principal
mente na
Prssia
ocidental, devido absoluta falta de pers
pectivas, conforme observou Max Weber, em sua Conferncia
Acadmica Inaugural em Freiburg, no ano de 1895:
Resta-lhes como perspectiva uma
existncia
puramente
proletria,
mas sem a possibilidade de conseguirem
autonomia financeira, que enchede orgulho o operari
ado industrial concentrado nas cidades.
7
Esses indivduos, que migravam do campo para a cida
de, aumentavam o exrcito industrial de reserva, que
fazia,
por sua vez, baixar os preos dos salrios ou servia para
mant-los baixos. A existncia de um
constante
exrcito de
reserva tinha e tem por funo dividir os
interesses
da classe
trabalhadora, o que ocorria comtanto mais fora
quanto
me
lhor os monopolistas conseguiam importar trabalhadores es
trangeiros de
pases
atrasados, com um movimento
operrio
apenas fracamente desenvolvido e baixonvel de exigncias.
8
Essa
mo-de-obra
pouco qualificada provinha, em sua
maioria,
dos
pases
do Leste europeu, dirigindo-se para os
pases mais desenvolvidos,entreeles a Alemanha. Ela no era
sistematicamente importada, ao contrrio do que ocorreu no
B r a s i l , onde a oligarquia,representada pelo governo e pelos
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proprietrios deterras, com uma indstria ainda pouco repre
sentativa, necessitava de trabalhadores para as atividades
agr
colas, tendo voltado os seus interesses para pases europeus e
mais
tarde
para
asiticos,
a fim de importar
mo-de-obra,
in
clusiverecebendo ajuda do governo no financiamento dos custos
do transporte e alojamento at que acertassem emprego.
Para os
pases
desenvolvidos da Europa, tal
imigrao
ia
ocorrendo naturalmente, com o objetivo
bsico
de procurar
melhores
condies
de
vida.
Seus governos, atendendo aos
interesses da burguesia, acabavam no colocando maiores
barreiras para o trabalhador estrangeiro, pois
este
atuava
como mola
de
presso entre
o trabalhador nativo e o empre
srio, fazendo com que as reivindicaes dos trabalhadores
quanto a melhorias salariais no fossem atendidas: o salrio de
um trabalhador alemo era, emmdia, de 600 a 700 marcos.
9
Esse valor era considerado insuficiente para o sustento de
uma famlia constituda por quatro pessoas. Isto ocorria no
final do sculo X L X ,quando muitas pessoas no campo recebi
am
apenas entre 300 e 400 marcos, enquanto outras recebiam
at
900 marcos. Entre elas constavam trabalhadores
agrcolas
e trabalhadores da
rea
florestal, que afirmavam em um me
morando impresso:
Os salrios
no so em moeda, uma
parte
deles em
forma
de produtos naturais A qualidade e a quantidade
destes dependem da boa vontade dos proprietrios de
terras.
10
Nessas condies, muitos trabalhadores, insatisfeitos,
tentavam avida em outro lugar, iam fazer aAmrica : acaba
ram, de fato, construindo aAmrica. A Alemanha perdia mo-
de-obra qualificada e recebia
mo-de-obra
menos qualificada.
O
modelo capitalista selvagem vigente era como no
Brasilainda hoje de aumento da taxa de lucro mediante a re-
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duo dos custos, obtida principalmente por meio de salrios
baixos,
ao
invs
de ser centrada no aumento da produtividade e
noreforodo mercado interno mediante salriosmais elevados.
Para os trabalhadores alemes, a opo de se dirigir ao
Brasil no pode ser considerada como a alternativa mais inte
ligente de procurarem melhorar a sua situao financeira.
Pode-se entender, no entanto, que tenham sido atrados por
miragens e pela passagem financiada pelos cafeicultores ou
pelo
governo paulista e federal. Para os camponeses alemes,
principalmente os do leste do rio Elba, que se
dirigiram
para o
S ul do Brasil e conseguiram adquirirterras, estabelecendo-se
como
colonos, a escolha pode ser considerada uma alternativa
menos ruim, pois ficaram livres do jugo dos grandes proprie
trios:
os fazendeiros da regio do pampa, abaixo do Jacu, en
contravam-sebastantelonge dasreasdecolonizao.
Os trabalhadores no Brasil
Apesar
do surgimento da Lei de Locao de Servios,
de 1879, que regia o trabalho agrcola, e da libertao dos
escravos, em 1888, praticamente no se alterou a
situao
dos
trabalhadores na cafeicultura em So Paulo, o que pode ser
atribudo s crises do caf e ao desrespeito dos cafeicultores
para com os trabalhadores livres. Tal atitude continuou a ser
adotada por algunsproprietrios
durante
as primeiras dcadas
do sculo
X X .
Em um estudo feito em 1925, numa fazenda de
So Jos do Rio Pardo, no Estado de So Paulo, Willems
constata:
(...) aos colonos era proibidosarem da fazenda sem
autorizao,eram multados em 50$000 se comprassem
gnerosnuma venda que no a da fazenda; havia cen-
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sura postal, alguns trabalhadores alemestiveram de pa
gar multas de 10$000 porque tinham caiado o intenor de
suas casas
e introduzidochamins sem pedirem autoriza
o. Os trabalhadores recebiam 5$000 por dia de traba
lho,embora o combinado tivesse sido 8$000.
Tais
queixas n o eram novas, e nem as atitudes tomadas
pelos cafeicultores para com os trabalhadores, pois elas j
ocorriam
na dcada de 1850 no sistema de parceria, isto ,
logo
aps
o sistema ter sido introduzido. Outro motivo de
descontentamento dos trabalhadores em So Paulo foi que o
salrio nem sempre era pago em moeda, tendo eles muitas
vezes de aceitar, ao invs do dinheiro, produtos vendidos na
fazenda. Sua situao tomou-se mais difcil a partir do incio
do sculo X X ,quando muitos fazendeiros, em virtude da crise
do caf, sob a alegao de estarem preocupados com a con
servao do solo, j no permitiam mais as culturas de gne
ros
alimentcios
entre
as
plantaes
de
caf, prtica
comum no
sculo X I X .
1 2
Com isso, no restava outra alternativa aos trabalhado
res seno se sujeitarem s condies impostas, adquirindo
todos osgnerosnaprpria fazenda, ouento procurar traba
lho em outras, que no adotassem talpoltica, bastante gene
ralizada.
A maioria dos imigrantes no tinha conseguido juntar
capital
suficiente para poder voltar Europa ou adquirir um
lote nas colnias oficiais, em que poderiam produzir o prprio
sustento.
Wiegand,
diretor do Norddeutsche
L l o y d ,
empreendeu
uma
viagem ao
Brasil
em 1894, para
verificar
as
condies
de
desenvolvimento dos imigrantes alemes. Em seu relatrio,
ele descreveu asituaoencontrada em So Paulo:
Os trabalhadores alemes encontraro trabalho vanta
joso na plantao de caf no Brasil Central, mas a
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emigrao alempara lprobe-sedo ponto de vista de
que o trabalhador que chega ao
pas
dificilmente
en
contra
oportunidades para conseguir adquirir uma pro
priedade e, com isso, os meios de sua subsistncia eco
nmica:
ele
acabar
se tornando, para o resto da
vida,
umassalariado dos grandes proprietrios.
Essa
avaliao
foi levada em conta pelo governo ale
m o , por
ocasio
da
eliminao
do Decreto van der Heydt,
em
1896, para os
trs
Estados sulinos: ele continuou valendo
para os demais Estados brasileiros. O decreto havia sido
insti
tudo
em 1859 pelo governo prussiano: proibia a
emigrao
de
alemes
para o
Brasil,
devido s constantes queixas de
maus-tratos nas fazendas de caf. Visava ainda atender, em
paite, solicitao de grandes proprietrios a leste do rio E l -
ba, que se queixavam quanto falta de mo-de-obra. O rela
trio de Wiegand pode, inclusive, ser considerado um dos
principais
subsdios para aconcretizao
desse
decreto.
Como
diretor de uma das mais importantes companhias
de
navegao,
Wiegand poderia ter ocultado os aspectos ne
gativos e apresentado um quadro de progresso dos imigran
tes, pois a sua empresa teria tido grandes lucros com o trans
porte de passageiros, caso os alemes tivessemtambm
podi
do ir livremente para So Paulo ou outras
regies
que no as
do Sul. A o
invs
disso, apresentou com clareza a real
situao
e a falta de perspectivas dos imigrantes nas fazendas de caf
em So Paulo, situao que tambm no melhorou no decor
rer dos anos, pois entravam regularmente novos imigrantes,
nunca
se tomando, portanto, crtica a eventual carncia de
mo-de-obra.
At meados de 1870, a entrada de imigrantes em So
Paulo foi relativamente reduzida. Isso fez com que muitos
cafeicultores e polticos, que em dcadas anteriores eram
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contra a entrada de orientais, se colocassem ento a favor de
sua entrada, afirmando que eles seriam capazes de se sujeitar
aos baixos salrios pagos na lavoura, bem como s condies
de
vida
impostas aos trabalhadores rurais, semelhantes s dos
escravos, podendo ser utilizados at a efetiva libertao des
tes.
1 4
Reconheciam, portanto, ainda que n o expressamente,
que a permanncia da escravido era um impecilho ao livre
ingresso de imigrantes europeus. De fato, travava-se a uma
luta
em tomo de dois modos de
produo.
O que no se tem
destacado suficientemente na historiografia brasileira a im
portncia dapresenados imigrantes eseus
descendentes
para
o processo de emancipao dos escravos, j que representa
vam um modo alternativo concreto de produo.
A situao dos imigrantes estabelecidos nas fazendas de
caf com dados menos otimistas do que os que eram apre
sentados
por
agentes
de
imigrao
na Europa aos emigrantes
em potencial aparece no seguinte relatrio:
E mgeral, o colono recebe uma pequena casa em tomo
de 4 m de largura e 6 de profundidade, que no possui
assoalho nem forro, bem como um terreno de 100 a
120 m e um chiqueiro.
Como
os
agentes
eram remunerados pelo
nmero
de
imigrantes que conseguiam angariar, eles costumavam fazer
grandes promessas, afirmando que, uma vez
estando
em So
Paulo, podiam estabelecer-se por conta prpria se assim o
desejassem, nunca informando que seria necessrio possuir
algumcapital para tal passo, ou que, se emigrassem por conta
do governo brasileiro, somente tinham a alternativa de se em
pregar nas fazendas de
caf.
No ltimos anosdo sculo XIX,as terras que o gover
no vendia aos imigrantes em So Paulo, nos chamados ncle
os coloniais, ficavam no sul do Estado, na regio do Iguap:
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terraspobres, inadequadas para a agricultura, levando osimigran
tes a
abandon-las
em poucos meses. Para aqueles que desejavam
estabelecer-se por contaprprianas cidades e dedicar-se a algu
ma
atividade, como sapateiro, pintor, ferreiro ou carpinteiro,
avisava-se,
atravs
da imprensa na Alemanha e das sociedades de
emigrao,que serianecessriopossuir um capital de pelo menos
2.000 marcos para enfrentar os custos nos primeiros anos.
U m alerta sobre as dificuldades a enfrentar foi fornecido
por
um imigrante em So Paulo:
Casoaqui se receba 10mil-ris 13 marcos por dia
, no fim do ms no sobra nada, pois tudo muito
caro.
O
litro
de leite custa 600 a 700
ris
= 78-91
centavos de marco; o
quilo
de carne de gado, 1,60
marcos; o
quilo
de
caf,
2 marcos; o
quilo
de manteiga,
8,40 marcos; roupas e
calados
custam o dobro do que
na
Alemanha
Isso pode dar uma viso de como era difcil, para uma
famlia constituda por quatro acincopessoas, sobreviver com
o salrio de um trabalhador especializado. Mesmo que traba
lhasse at 25 dias por
ms,
teria
ento
um
salrio
de 250
mil-ris,
o que
eqivalia
a 325 marcos: mais dametadedestevalor, uma
quantia em tomo de 189 marcos, j era paga s pelo aluguel.
Enquanto isso, o salrio de trabalhadores com profisso
semelhante na Alemanha
(Berlim)
segundo um estudo de
Kuczynski
1 7
apresentava os seguintes dados: o salrio se
manal
de um pedreiro permaneceu
estvel
entre 1907 e 1910,
sendo de 40,50 marcos; passou, em 1913, para 44,28 marcos.
Enquanto isso, um carpinteiro recebia, de 1907 a 1910, 6,75
marcos por dia de trabalho, e, em 1913, passou a 7,38 mar
cos.
Para o aluguel e po , no ano de 1897, eram gastos 40%
do salrio. Ainda que houvesse reclamaes quanto ao au
mento constante do
preo
do po o que encarecia muito a
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v i d a
do trabalhador , a
s i t u a o
na
Alemanha
era melhor, j
que no
B r a s i l ,
para quem no tinha casa
p r p r i a ,
mais da me
tadedo sa l r io era gasto s com o aluguel.
Outra
n o t c i a ,
mostrando as desvantagens de se
estabe
lecer
no B r a s i lpara quem trabalhasse por conta p r p r i a , regis
trava:
E necessr ioque j se seja um hbil marceneiro para
receber, em So
Paulo,
7 a 8
m il-ris
por dia
(1 mil-ris
=2,10 marcos). Mas existem trabalhadores portugue
ses e italianos que
esto
satisfeitos com um
salr io
de
4,5 a 5 mil-ris . A
primeira
vista,comparando-se tais
salr ios com os usuais na
Alemanha,
podem parecer
muito
elevados, e provavelmente so motivo de atra
o ,
causando a sada de muitos emigrantes. O custo
do salrio s pode ser, p o r m ,julgado em relao ao
pr eo . Aba ixo
de 80,00
mil-ris
no se encontra mo
radia.
1 8
No f i c a bem
claro,
nessas a n l i s e s ,que tratam da situa
o dos trabalhadores no B r a s i l , se se tratavam de o p e r r i o s
de f br ic as ou de trabalhadores a u t n o m o s . No se pode
afirmar de modo to u n v o c o que todos os italianos e portu
gueses
estavam satisfeitos com o que recebiam, pois muitos
acabaram reemigrando para outros lugares, na e s p e r a n a de
melhorarem de v i d a . Por outro lado, foram os italianos,
jun
tamente
com os
e s p a n h i s ,
que mais se destacaram nas
diver
sas greves feitas para exig i r melhores sa l r io s .
O fato de poderem sobreviver com tal sa l r io tornou-se
p o s s v e l porque muitos desses l t i m o s imigrantes
vieram
ao
B r a s i l
por um determinado
p e r o d o
sem as
suas
f am l ias ,
que
permaneciam no p a s de origem. Se, assim, era-lhes, e n t o ,
p o s s v e l sobreviverem sozinhos com tais quantias, o mesmo
n o acontecia com os a l e m e s e japoneses, que geralmente
H - l - S - T - - R - l - A
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A SITUAO DOS T R A B A L H A D O R E S
71
imigravara
com a
famlia.
O tipo de
residncia
no foi especi
ficado,
embora se possa
concluir
que se tratava de uma casa
simples,
onde residia um operrio, localizada em bairro ope
rrio,sem nenhum conforto.
E m virtude do desnvel entre preos e salrios, a m o-
de-obra feminina einfantilpassou a ser cada vez maispresente
nas
fbricas
de So Paulo e Rio de Janeiro. Segundo
Simo,
a
remunerao
da
mo-de-obra
era estipulada dentro da conjun
tura do mercado de trabalho, segundo os
clculos
dos empre
gadores de cada setor
econmico,
no sendo, em todo
esse
perodo,
estabelecido um
salrio mnimo
por
fora
de l e i .
1 9
E m
1891,
surgiu uma lei que regulava o
servio
de menores nas
fbricas,
mas que nunca foi seguida. Somente em 1932 que
lentamente
comeou
a ser implantada de fato uma
legislao
referente ao trabalho de mulheres e de menores .
20
Alm
do elevado custo de
vida
nas cidades, existiam
ainda problemas de ordem poltica, com que se defrontavam
os operrios, atingindo principalmente os estrangeiros, em
virtude
das greves que ocorriam nas
fbricas.
A
condio
de
les foi avaliada assim:
A situao poltica noestatrativa. Apolcia pode
rosae dedica-se com especial fervor perseguio do
trabalhador estrangeiro. Este
est
sempre em desvanta
gem, pois oproprietrios precisadenunci-locomo in
satisfeitoe agitador para conseguir que a polcia o livre
daspessoas
indesejveis.
21
A situao
dos trabalhadores estrangeiros que participa
vam
de greves tornou-se especialmente
difcil aps
1907, com
a instituio
do Decreto n 1641: estrangeiros podiam ser
deportados, bastando uma
denncia
de que teriam participado
na liderana
de uma greve. U m estudo de MartinsRodrigues
afirma que a
exigncia
de aumentos salariais
constitua-se
na
T E X T O S D E
-
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M E R C E D E S
G. K O T H E
r e i v i n d i c a o b s i c a
dos
o p e r r i o s ,
principalmente para os de
baixa
f o r m a o
profissional,
sendo
raras
as
e x i g n c i a s
de me
lhores
c o n d i e s
de emprego.
22
M e l h o r i a
nas
c o n d i e s
de
trabalho desejaria, sobretudo, aquele que se identificava de
modo
definit ivo com o seu emprego, e no aquele que, devido
alta rotatividade, s procuraria arrancar o m x i m o que pu
desseenquanto lhe fosse p o s s v e l .
A t a P r i m e i r a Guerra M u n d i al , a
maioria
dos o p e r r i o s
d a i n d s t r i a
brasileira era
c o n s t i t u d a
por estrangeiros. U m
levantamento realizado em 1911 aponta que, em 31 f br ic as
t x t e i s
de SoPaulo, foram encontrados, num total de 10.204
o p e r r i o s , somente 1.843 brasileiros. Segundo outro levanta
mento, realizado em 1920, existiam na i n d s t r i a paulista,entre
p r o p r i e t r i o s
e
o p e r r i o s ,
136.135 brasileiros e 93.130 estran
geiros.
23
Para a i n v e r s o do quadro na d c a d a de 1920,
con
t r i b u r a m
tanto
a guerra quanto a
m i g r a o
interna,
p r i n c i p a l
mente do Nordeste.
A jornada de trabalho erabastantelonga, principalmente
a dos trabalhadores t x t e i s : at 1919, os trabalhadores das
f b r i c a s mais importantes costumavam trabalhar de nove ho
ras e meia a doze horas
d i r i a s ,
durante seis e atsetedias da
semana. No in c io do s c u lo X X ,a jornada nesse setor perfa
zia catorze horas d i r i a s .
2 4
Determinadossetoreshaviam
con
seguido reduzir a carga h o r r i a de trabalho, destacando-se a
c o n s t r u o
c i v i l , com uma jornada de oito horas; as
f br ic as
de c h a p u s , com nove horas, e as oficinas m e c n i c a s , com
nove a onze horas d i r i a s .
2 5
Para
os trabalhadores a l e m e s que decidiram emigrar
para o
B r a s i l ,
especialmente para as fazendas de
c a f ,
a mu
d a n a
no ocorreu, como para os trabalhadores do Leste eu
ropeu
que trocaram um p a s menos desenvolvido por um
mais
desenvolvido ou para encontrar melhores c o n d i e s
H l S T R l A
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A SITUAODOS
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73
de trabalho. Representava
antes
uma regresso,
tanto
nas
condies
sociais quanto nas atividades que
iriam
desenvolver
no Brasil. Portanto, s podem ser consideradas como motivo
de emigrao para o Estado de So Paulo: a carncia de in
formaes sobre as reais condies encontrveis no campo, a
insegurana nas regies de fronteira e uma absoluta falta de
perspectivas em melhorar de vida na Alemanha. O pequeno
agricultor alemo, que no conseguia sustentar a famlia com
sua pequena propriedade e no desejava que
seus
filhos
se
tomassem proletrios na indstria alem, vendia
suas terras
e
tentava avida em outro continente.
Os emigrandos esperavam poder adquirir terras e se
tomarem colonos: isso foi
quaseimpossvel
no Estado de So
Paulo,
onde s tiveram, depois, alguma chance na indstria
urbana. Para os que se dirigiram ao Rio Grande do Sul e
Santa Catarina, o processo foi diferente: prevaleceu nas pri
meirasdcadasa possibilidade de se tomaremproprietrios de
terra, uma das principaisaspiraes de milhares de emigrantes
alemes. Mais tarde, colaboraram de modo decisivo no pro
cesso de industrializao do pas.
Mercedes Gassen Kothe
Nota: Trabalho
apresentado
originalmente no Colquio do
Grupo
Migraciones, do Conselho Europeu de
Investigaes
Sociais
sobre a Amrica Latina, realizado emViena, em outu
bro de 1991.
T E X T O S D E
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M E R C E D E S G.
K O T H E
Notas e referncias
bibliogrficas
1. Fritz
K l e i n . Deutschland
1897/1898-1917,
B e r l i m ,
1986,
p.
68. Ver tambm: Hans
U l r i c h
Wehler. Das Deutsche
Kaisereich 1871-1918.
Gttingen, 1988, p. 49.
2. Wehler.
op. cit.
p. 53.
3.
Idem.
p. 125.
4. C a r l G. Cornelius. Die Deutschen im brasilianischen
Wirtschaftsleben. Schriften
des Deutschen
Ausland-
Instituts,
Stuttgart, 1929.
5. Wehler,
op. cit.
6. Joachim Streisand. Deutsche Geschichte von den
Anfan-
gen bis zum
Gegenwart. Colnia, 1983, p. 226.
7. Max Weber. Gesammelte
Politische
Schriften. Munique,
1921, p. 13.
8. Lothar Elsner. Zur Stellung der Arbeiterbewegung und
uslnderbeschftigung im Wilhelminischen Kaisereich
und in BRD. In:
Fremderarbeiterpolitik des Imperia-
lismus.Wilhem PieckUniversitt, Rostock, 1978, p. 7.
9. K l e i n , op. cit. p. 69.
10. M L H A Schwerin, Kabhiet III. Ata 1082.
11. E m i l i o Willems. A aculturao dos alemes no Brasil.
Coleo
Brasiliana n- 250. So Paulo, 1980. p. 48. Ver
t a m b m :Jornal La Bataglia,
So Paulo, 1906.
12.
L u c y
M a f f e i Hutter. A imigrao italiana em So Paulo
de 1902 a 1914,
So Paulo, 1986.
13. B A r c h P ,
A A Nr. 29663, de 24.03.1895, p. 108.
14. E m i l i a V i o t t i da Costa.
Da
senzala
colnia.
So Paulo,
1982.
15.
G S T A
Merseburg. RE P 120 C X III, 20 , n
2
8, vol. 11.
Relatrio
do Minister fr Handel und Gewerbe , de
30/06/1898, pp. 187-188.
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16. B A r c h P , A A ,Nr. 30320, p. 40 . Carta publicada no jornal
Grofi Frankfurter Angelegenheiten,
04/06/1913. O
autor
remenda que melhor para os
desejosos
de emigrar a
permanecerem na Alemanha.
17.
Jrgen Kuczynski. Darstellung der Lage der Arbeiter in
Deutschland von 1900 bis 1917/18. Berlim,
1967.
18 Staatsarchiv Hamburg, Auswanderungsamt I, 373-7-1; C
113. 25/03/1913.
2 0. Simo, op. cit.
2 1. Staatsarchiv Hamburg,op. cit.
22. Lencio
Martins Rodrigues. Classe
operria
e sindicalis
mo no B r a s il .
Sindicalismo e sociedade,
So Paulo,
1968.
2 3 . Rodrigues,
op. cit.
24.
Leslie
Sheldon Maran.
Anarquistas, imigrantes e o movi
mentooperrio brasileiro.
1890-1920, So Paulo, 1979.
Veja tambm, Simo,
op. cit.
25.
Simo,
op. cit.