A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

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Universidade Estadual de Feira de Santana Programa de Pós-Graduação em História Mestrado Rafael Oliveira Fontes A SEIVA DE UMA JUVENTUDE: Intelectualidade, juventude e militância política (Salvador, Bahia, 1932-43) Feira de Santana 2011

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Universidade Estadual de Feira de Santana Programa de Pós-Graduação em História

Mestrado

Rafael Oliveira Fontes

A SEIVA DE UMA JUVENTUDE:

Intelectualidade, juventude e militância política

(Salvador, Bahia, 1932-43)

Feira de Santana

2011

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Universidade Estadual de Feira de Santana Programa de Pós-Graduação em História

Mestrado

Rafael Oliveira Fontes

A SEIVA DE UMA JUVENTUDE:

Intelectualidade, juventude e militância política

(Salvador, Bahia, 1932-43)

Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana enquanto requisito para obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto

Feira de Santana

2011

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Feira de Santana, 29 de agosto de 2011,

Banca examinadora:

______________________________________; Prof. Dr. Muniz Gonçalves Ferreira (UFBA)

______________________________________; Profª. Drª. Ione Celeste de Jesus Sousa (UEFS)

______________________________________; Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto (UEFS), Orientador,

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A Trajectória do Afastamento

Pedro Ayres Magalhães

O Universo, diz-se,começou Há muitos milhares de milhões de anos, com uma explosão.Chamaram-lhe o “ Big Bang”.Desde então, os astros sólidos, as poeiras, todas as

partículas cósmicas se expandem e afastam cada vez mais umas das outras a uma velocidade estonteante.A força da explosão, continua a afastar-nos.Também nós na Terra, nascemos,

crescemos e somos levados pela vida a afastar-nos uns dos outros, dos nossos pais e irmãos , amigos, camaradas, colegas, mulher e filhos….Temos de resistir e resistimos à tendência para

nos vermos afastados de quem alguma vez conhecemos, através da procura mútua e do ritual.Temos de cultivar os laços do amor.Condicionar a nossa trajectória.

Condicionar a trajectória do afastamento.

Fui projectado numa explosão nuclear Sou um estilhaço que se está a afastar Vejo as pessoas a ficar longe de mim

E faço um esforço para me aproximar

No espaço a velocidade é maior E as estrelas vão também se afastando

A diferença é que entre nós é possível mudar... a Trajectória

O afastamento continua a acelerar E tudo e todos vão ficando para trás

É muita a força para poder comunicar E temos sempre que ser dois a tentar

No espaço a velocidade é maior E as estrelas vão também se afastando

A diferença é que entre nós é possível mudar... a Trajectória

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VI

À meus avôs Jóis, Zilda e Nenem.

À minha mãe e meus irmãos,

À Aristeu Nogueira e Rogério Fátima.

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VII

Resumo:

Esta dissertação discute o tornar-se comunista de um grupo de jovens intelectuais

baianos da década de 1930 e o processo de organização, por parte destes, da revista

SEIVA (Salvador, 1938-42). Para o estudo do tornar-se comunista desses jovens,

observo como estes construíram suas sociabilidades na cidade de Salvador e

ingressaram no Campo Intelectual Baiano. Desta maneira, os espaços sociais, as

relações com o cotidiano da cidade, da escola, dos múltiplos lugares de sociabilidade

que estes jovens podem ter vivido, foi, nesta pesquisa, um tema de relativa importância.

Assim como também, as questões políticas institucionais que formavam o Campo

Intelectual, seus Habitus e suas representações. Analisa-se ainda nesta dissertação como

as experiências das disputas ideológicas com o Fascismo e o Integralismo, assim como

a organização de uma revista voltada para a discussão desses temas em plenos anos de

guerra, forma decisivos para a consolidação destes jovens enquanto comunistas. Estes,

nos anos posteriores a esta pesquisa, assumiriam no PCB e em outras organizações de

esquerda, papeis importantes enquanto ideólogos. Desta maneira, entendemos que foi

no vivenciar das experiências analisadas nesta pesquisa que o ideário marxista se

consolidou nestes, então, jovens, formando quadros importantes para o PCB e a

esquerda brasileira.

Palavras-Chave: Revista SEIVA, Juventude; Campo Intelectual (Salvador, Bahia – 1932-1943).

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VIII

Resume:

Cette thèse traite de devenir un groupe de jeunes intellectuels communistes à Bahia dans

les années 1930 et le processus d'organisation, pour leur part, la SEIVA magazine

(Salvador, 1938-1942). Pour faire l'étude de ces jeunes gens un communiste, j'observe

comment ils ont construit leur sociabilité dans la ville de Salvador de Bahia a rejoint le

champ intellectuel. Ainsi, les espaces sociaux, les relations avec la vie de la cité, l'école,

plusieurs sites de sociabilité que ces jeunes peuvent avoir vécu, était, dans cette

recherche, une question d'importance relative. En outre, les institutions politiques qui

ont formé le champ intellectuel, leur habitus et de leurs représentations. Il a également

été analysés dans ce document que les expériences des différends idéologiques avec le

fascisme et l'intégralisme, ainsi que l'organisation d'un magazine consacré à discuter de

ces questions en année pleine guerre, si décisive pour la consolidation de ces jeunes

comme des communistes. Ceux-ci, quelques années plus tard à cette recherche, ils

prendraient sur le PCB et d'autres organisations de gauche, les rôles importants que les

idéologues. Ainsi nous comprenons que l'expérience des expériences analysées dans

cette étude que l'idéologie marxiste a été consolidée dans ces derniers, si jeune, formant

d'importantes peintures au PCB et la gauche brésilienne.

Mots-clés: Magazine de SEIVA, la jeunesse; champ intellectuel (Salvador de Bahia - 1932-1943).

Le SEIVA jus d'un des jeunes: Les intellectuels, le s jeunes et le militantisme politique (Salvador de Bahia, 19 32-1943)

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IX

Agradecimentos:

É hora de agradecer e quero agradecer todos que foram importantes nessa minha

trajetória, para além do mestrado, mas pensando toda a minha formação acadêmica.

Primeiro agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB, ao

Programa de Pós-Graduação em História - PGH e a Universidade Estadual de Feira de

Santana - UEFS por ter proporcionado as condições ideais para a realização da pesquisa.

Contudo, à UEFS agradeço também pela oportunidade de nestes quase sete anos, ter

conhecido pessoas que ficaram marcadas em minha vida. Algumas delas são os

companheiros de sonhos e desejos com os quais tentamos construir – e de alguma

formas, construímos –, um lugar onde a pesquisa e a produção acadêmica tem outro

sentido que não as pontuações curriculares que foi o Laboratório de História e Memória

da Esquerda e das Lutas Sociais – LABELU. Agradeço especialmente a Larissa Penelu

(amiga, modelo e mestre, primeira pessoa que vi na UEFS em 2004), Chenia Mariclélia

(irmã e responsável pelas melhores lembranças desses anos), a Hundira Cunha, Manuela

Muniz, Cristiane Soares, Andrei Valente (companheiro de muitos outros sonhos),

Rogério Fátima (amigo, mestre e gatilho de tudo isso – obrigado), Eurelino Coelho

(mais que orientador, amigo), Igor Gomes, Rafaela Matos e Aruã Lima, amigos para

além dos muros da universidade. Saudades de nossos encontros na Sala de Reuniões do

DCHF, saudades de todos.

Outros também compartilharam ou motivaram esses sonhos: Onildo Reis (amigo e

grande incentivador), Elizete Silva (Clio de todos nós), Beto Heráclito (casamento de

genialidade, impulsividade e fragilidade, nunca esquecerei de nossos papos e de sua

leitura cuidadosa de meu projeto enquanto cozinhava – obrigado), Valter Guimarães

(cretino inimigo, obrigado pelas idéias, pelas motivações e fontes, além da amizade),

Ione Celeste (amiga, sempre disponível para uma conversa, uma sugestão, você, como

Beto e Valter, reconhecerá suas influencias nessa dissertação – espero não decepcioná-

los), Acácia Batista e Emilia Maria (amigas sempre disponíveis para ouvir-me nas

minhas loucas incertezas não só acadêmicas mas, quase sempre, pessoais) a todos vocês

minha eterna gratidão.

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X

Agradeço a minha família por entender a ausência, por me dá sempre incentivo a

continuar. Agradeço a meus avôs, nunca me esquecerei da alegria de vocês com a minha

aprovação no vestibular, do brilho em seus olhares. Vocês estavam muito mais felizes

que eu que sentia muito mais insegurança que alegria. À minha mãe, meu modelo. Eu

sei do quanto tudo isso significa para você, de quanto batalhou para ter seus filhos no

ensino superior assim como para cursar o seu. Obrigado por cada exemplo. Agradeço a

meus irmãos (Neto e Carina) pelo apoio.

Agradeço a Núbia Pacifico, amiga desde sempre. Talvez a única pessoa que conhece os

caminhos do labirinto que sou. Agradeço a Lucas, Debora, Roberta, Thiago, Brena,

Maroca, Gil, Lais e Laudicéia com os quais compartilhei bem mais que casas. Assim

como agradeço aos meus amigos que fizeram desses anos em Feira mais felizes Chenia,

Maroca, Milena, Charlene e Luciane Almeida (amores que transcenderam a UEFS);

Daniel (apoio e motivação continua), Cassiano, Cleber, Joubert, Cacau, Ricardo,

Khristyan, Estafanio Neto, Almir, Nilcélio (tão importantes nestes últimos anos) e

Serginho (apoio decisivo nesta fase final). Muito obrigado a todos.

Por fim agradeço aos colegas do PGH com os quais compartilhei as angústias de

pesquisar e de escrever: Luciane Almeida, Manuela Muniz, Rafaela Matos, Silvia

Codes, Aline Santos, Mayra Paniago e David Rehem. E aos professores que muito

contribuíram para este texto e para minha formação: Charles D’Almeida, Iraneidson

Costa, Coelho e Jacques Depelchin.

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Sumário:

INTRODUÇÃO: (ou O itinerário do tornar-se) 12

1. Primeiros passos: a descoberta do tema. 12 2. O problema e o método: uma miscelânea. 15 3. O Texto: uma apresentação 18

CAPÍTULO I: Um passeio de bonde pela Cidade da Bahia: Pelas ruas e esquinas o intelectual baiano se faz. 20

1. Os territórios dos milagres, o território do tornar-se. 23 2. “Intelectuais? Que diabo significa isso?” 32 3. Intelectuais à baiana: A “grandeza do nosso valor” e o “valor de

nossa grandeza”; a “magnitude do nosso passado” e as “incertezas de nosso futuro”. 45

CAPÍTULO II: Estudantes e Comunistas na Cidade da Bahia: Uma República de Bacharéis e a “Migração Vermelha” para a Bahia! 51

1. Um baiano “não-tronado”, um tenente forasteiro e uma elite inconformada. 54

2. Militares e comunistas, uma tentativa de golpe... e a Bahia? 64 3. A mocidade baiana: suas instituições, seus ideais e sua atuação. 75

CAPÍTULO III: Entre tipos e graxas: A Seiva e a guerra contra o Fascismo e o Integralismo. 87

1. Uma mensagem à inteligência da América:Nasce a Seiva. 88 2. A Seiva uma trincheira anti-integralista: 98

CONSIDERAÇÕES FINAIS: E o estudante se faz intelectual e o jornalista se fez comunista. 110

1. Os Intelectuais e seu Campo na Bahia: as regras e as práticas: 110 2. O intelectual baiano e o uso do conceito de campo. 112 3. As sociabilidades do Tornar-se. 114 4. Tornar-se, Posicionar-se e Identificar-se 115

LISTAGEM DE FONTES: 118 REFERÊNCIAS: 121

ANEXOS: 124 1. Fotos e Mapas 124 2. Revista Seiva - Catálogo 148

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INTRODUÇÃO (ou O itinerário do tornar-se)

1. Primeiros passos: a descoberta do tema.

Como alguém se torna o que é, ou o que foi? Há pergunta mais digna para um

historiador? Mas, como uma pesquisa se torna o que ela é? O insight criador não faz a

pesquisa. Ele apenas faz o pesquisador (ou projeto de pesquisador) se atentar para algo ainda

não observado/atentado por ele. E mesmo o insight é historicisável; mas não se faz uma

pesquisa só com ele. Como surge um problema, uma metodologia, uma teoria... enfim, uma

pesquisa? Tratarei nesta introdução, de como se deu o processo do tornar-se dessa pesquisa.

De como do insight ao texto final, a escrita seguiu caminhos próprios, desvios, deu-se em

pedras e em terras férteis. Em suma, tratarei de como o projeto e a dissertação “evoluíram”

possibilitando ao leitor, uma maior compreensão do fazer-se deste trabalho.

Assim, primeiro trataremos de como se deu o insight dessa pesquisa. De como foi que o

tema dos intelectuais, especialmente os comunistas, surgiu em minha vida. Trataremos de

como a consolidação desse tema de pesquisa foi um processo coletivo que envolveu um grupo

de estudantes e professores interessados em consolidar na Universidade Estadual de Feira de

Santana, um grupo de pesquisa, hoje o LABELU (Laboratório de História e Memória da

Esquerda e das Lutas Sociais).

Em decorrência desse trabalho coletivo, tive contato – fruto na maioria das vezes de

sugestões de leituras (aparentemente inocentes) feitas por colegas – com a obra de Michael

Löwy, Pierre Bourdieu, Benito Bisso Schmidt e Ana Paula Palamartchuk. Tudo em

decorrência de uma questão, meio que devedora, sobre a vida e a militância de Aristeu

Nogueira (voltarei a essa discussão mais à frente). Mas, tratarei do processo de afinamento

desse instrumentário teórico-metodológico e sua adequação a esta investigação, em seguida.

Para, por fim, apresentar sucintamente os capítulos.

Como disse acima, esta pesquisa deve muito ao ambiente do LABELU. Quando tive o

insight de estudar Aristeu Nogueira, este coletivo ainda não existia. Lembro-me perfeitamente

de quando essa idéia surgiu: estávamos eu e Aristeu na frente de sua casa no final de ano de

2003 (já havia passado no vestibular para História e esperava o inicio das aulas), fui contar-

lhe que tinha passado no vestibular. Seus olhos, ainda olhando para baixo, como de costume

quando ficava se concentrando em quem falava – o que às vezes parecia que, na verdade não

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nos escutava e que estava apenas sendo cortês –, lembro-me quando seus olhos levantaram,

fitaram-me e ele disse: “vamos fazer minha biografia”. Duas sensações tomaram conta de

mim: vontade e medo. Na época, não me interessava pela história de velhos comunistas.

Interessava-me eram: as das redingas da Chegança da Tapera-Buril e como as histórias da

expulsão dos mouros da Península Ibérica ainda se mantinha viva nas cabeças daqueles

negros e mulatos pouco alfabetizados do campo de Irará. A vontade e o medo me perturbaram

por muito tempo, mas eu era apenas um calouro – era cedo demais para me preocupar com

essas coisas.

Com tempo, com a disciplina de Métodos e Técnicas da Pesquisa Histórica, surge a

necessidade de decidir entre o medo e a vontade. A vontade falou mais alto. Coincidia com

essa tomada de decisão, o retorno de um professor que parecia se interessar pelos assuntos da

política – pelo menos eram as notícias que corriam naquele inicio de 2005, especialmente nas

palavras de Rogério Fátima. Já havia topado com ele numa reunião sobre a, já em curso,

reforma curricular de história. Resolvi procurá-lo. Já nesta nossa primeira conversa tive mais

um susto. Esse tal professor – o Prof. Eurelino Coelho (orientador desse trabalho e da

Iniciação Cientifica) –, depois de ter ouvido o que eu pensava fazer – uma biografia de

Aristeu – me perguntou se eu tinha noção de que para estudar a vida de Aristeu, eu teria que

estudar o Partido Comunista Brasileiro e a História Política do Brasil na época. Fiquei pasmo,

confesso! Mais um susto! Nunca passara em minha cabeça que o meu medo inicial era bem

menor do que de fato deveria ser. Eu não tinha a menor noção do trabalho que teria a partir de

então.

Fui para casa, pensei, pensei e voltei a ele. O que eu queria saber era como Aristeu,

filho de coronel da Guarda Nacional, herdeiro de um dos maiores empórios econômicos e

políticos de Irará, se tornou comunista e dedicou sua vida a essa causa, independentemente

das conseqüências, financeiras, familiares e, até mesmo, físicas. Ao ouvir isso, Coelho me

perguntou: “Você se interessa mesmo sobre isso?”. Após minha afirmativa me indicou

Michael Löwy, Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários (1979) e me pediu que

da próxima vez que viesse conversar com ele que trouxesse minhas idéias por escrito. Essa

passou a ser nossa regra de orientação até hoje, mesmo que às vezes eu fortuitamente o

procure só com as idéias na cabeça – onde talvez seja o seu lugar.

Nesta época outros alunos do curso de história procuravam esse professor e o professor

Rogério Fátima para os orientarem suas pesquisas, conseguirem bolsas, organizarem grupos

de leitura e estudo. Desse coletivo, nasceu o LABELU (Laboratório de História e Memória

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das Esquerdas e das Lutas Sociais). Foram reuniões e mais reuniões, meses e meses para

concluirmos um projeto que abarcasse todas as nossas intenções de pesquisa e outras que

pudessem surgir. Este projeto ficou pronto e foi institucionalizado enquanto um coletivo de

pesquisadores junto ao Departamento de Ciências Humanas e Filosofia em outubro de 2005.

Os acontecimentos que sucedem a este foram muitos e constantes.

A primeira coisa que mexeu com a dinâmica do grupo e nos fez tomar decisões rápidas

foi o falecimento de Aristeu, em março de 2006; e a doação, por parte de sua família, de seu

arquivo da sua biblioteca pessoal ao LABELU. Daquele momento em diante, o LABELU que

era um espaço onde íamos discutir nossas pesquisas, nossos textos e fazer discussões que nos

ajudassem em nossas pesquisas – o que não demandava nada mais que a reserva da sala de

reuniões por uma noite na semana e a reprodução de textos –, passou a necessitar de espaço

físico e infra-estrutura para armazenar e, na medida do possível, disponibilizar a pesquisa ao

acervo recebido. Daí por diante, o LABELU que não se pretendia – nem ainda pretende – ser

um centro de documentação, tem recebido acervos de políticos e grupos políticos importantes

para a história das organizações de esquerda de Feira de Santana e região.

Com a chegada da documentação de Aristeu no LABELU e a sua institucionalização,

aparece-me um desvio nesse itinerário. A documentação do Acervo Pessoal de Aristeu

Nogueira é composta por documentos por ele recolhidos ou produzidos depois de sua

libertação durante a Ditadura Militar em 1978. Dentro dessa documentação existe uma grande

coleção de jornais do PCB, então a desculpa de organizar esta coleção e o acervo de Aristeu,

me pareceu ser uma excelente oportunidade de ter contato com a documentação e de me

manter na universidade dedicando-me exclusivamente ao labor acadêmico, enquanto bolsista.

Assim fiz, e desenvolvi – concomitantemente com as leituras acerca do PCB, sobre os anos

1930 na Bahia e sobre outros comunistas – um estudo sobre a débâcle do PCB através das

páginas de seu órgão Voz da Unidade1.

Antes de me dedicar à débâcle do PCB, escrevi um texto, tímido, mas muito esforçado

sobre minhas intenções de pesquisa sobre Aristeu e, já incluindo Fernando Sant’Anna (outro

iraraense, também filho de coronel que se tornara comunista em Salvador dos anos 1930).

1 FONTES, Rafael. 2006. Uma Moscouzinha na Bahia. In: III Encontro Estadual de História, 2006, Caetité. Livro de Resumos. Caetité : Associação Nacional de História - Secção Bahia; Universidade do Estado da Bahia.; FONTES, Rafael. 2007. Das escolas às ruas, há comunistas na Bahia! Um estudo sobre a atuação do PCB nas instituições de ensino na Cidade de Salvador nos anos 30 e sua importância na formação política de uma geração de comunistas baianos. In: I Encontro Regional em História Social e Cultural, 2007, Recife/Pernambuco. Cadernos de Resumos. Recife : UFRPE.

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Neste texto, meu primeiro (Trajetórias (In)Comuns...)2 apresentado no I Seminário do

LABELU, já apareciam minha primeiras leituras de Löwy (indicado por Coelho) e de

Bourdieu. Nela também está a base de meu projeto de pesquisa apresentado no mestrado e,

conseqüentemente, dessa dissertação.

2. O problema e o método: uma miscelânea.

A questão sugerida por Michael Löwy em “Para uma Sociologia dos Intelectuais

Revolucionários” (1979) pareceu para esta pesquisa como um farol.

Mas como um indivíduo se torna algo? No nosso caso, como um (ou mais) indivíduo(s)

se torna(m) comunista(s)? Esta é a questão que Löwy faz sobre Lukács. Como um filho de

banqueiro, adere a um partido revolucionário? O interessante no trabalho de Löwy é que ao

questionar-se sobre Lukács, ele questiona-se sobre toda uma camada social, os intelectuais.

Define Löwy os intelectuais como “uma categoria social definida pelo seu papel ideológico:

são produtores diretos da esfera ideológica, os criadores dos produtos ideológico-culturais” 3.

Dessa forma, sendo os intelectuais definidos pelo seu papel ideológico, eles são produtores e

produtos, criadores e criaturas dos bens simbólicos (na linguagem löwyniana: produtos

ideológicos-culturais). Aqui temos uma aproximação importante para esta pesquisa. Löwy ao

reconhecer a relação dos intelectuais com a produção ideológica de bens culturais (por mais

que não use este termo, nos parece evidente que os produtos ideológicos-culturais, são bens

simbólicos, culturais – como queira chamá-los) se aproxima de outro sociólogo, Pierre

Bourdieu; Para este, o meio cultural tratado por Löwy deve ser apreendido enquanto campo,

ou seja, enquanto “lócus onde se trava uma luta concorrencial entre atores em torno de

interesses específicos que caracterizam a área em questão”4.

A junção da questão de Löwy sobre o tornar-se com o conceito de campo de Bourdieu

aplicado aos intelectuais, faz dela mais forte. Não se pode entender o processo do tornar-se

deslocado do contexto sócio-cultural no qual o indivíduo está(va) imerso, de forma que o

tornar-se, só pode ser estudado pela relação do indivíduo em (trans)formação com sua

sociedade. Só se pode tornar-se algo em uma sociedade onde essa possibilidade existe. Como

2 FONTES, Rafael. 2006. Trajetórias (in)comuns: um estudo sobre a formação política de Aristeu Nogueira e Fernando Sant’Anna IN I Seminário do LABELU. Feira de Santana, UEFS. 3 LÖWY, Michael. 1979. Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários: a evolução política de Lukács, 1909-1929. São Paulo: LECH, p. 1. 4 ORTIZ, Renato. Apresentação In BOURDIEU, Pierre. 1983. Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo, Ática. p. 19.

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pensar comunistas numa sociedade onde a opção não existia ainda? É isso que Bourdieu nos

traz com a questão comum. Ou seja, um leque de possibilidades reais de escolha,

possibilidades reais do tornar-se. E é isso que faz Löwy, mesmo sem nominar de campo o

meio cultural no qual o jovem Lukács se encontrava. Uma vez que me pareceu conveniente

chamar o meio cultural onde nossos indivíduos se encontram de campo, facilitou a

compreensão deles enquanto intelectuais em formação e em ação, e melhor definirmos o que

seria o intelectual.

A definição do que vem a ser intelectual não é fácil, nem tão imediata o quanto possa

parecer a primeira vista. Muitos estudiosos se debruçaram em torno de definirem o que viriam

a ser (uma classe, uma categoria, um tipo..?) e como se definiria o intelectual enquanto

indivíduo. Sendo uma classe, nasce-se intelectual? Uma categoria, como se tornar um? Um

tipo, como delimitá-lo entre tantos outros tipos sociais? Encontrar respostas a estas questões

não foi, e ainda não é, uma tarefa fácil. Dedicarei parte do Capítulo I a essa Discussão.

Aqui chegamos a um importante impasse historiográfico, uma vez que os processos do

tornar-se se tornam possíveis de ser apreendidos pela História a partir dos estudos de

trajetórias. Esse conceito apresentou-se já no primeiro texto de Bourdieu que tive em mãos5.

Porém só passou a ser mais sólido com a leitura dos trabalhos de Benito Bisso Schmidt. Em O

Patriarca e o Tribuno: caminhos, encruzilhadas, viagens e pontes de dois líderes socialistas –

Francisco Xavier da Costa (187?-1934) e Carlos Cavaco (1878-1961), Schmidt faz uma

análise das trajetórias de dois socialistas. Mas ao fazê-lo, faz também uma excelente

teorização dos conceitos de trajetória e de biografia. Dessa forma ele escreveu que:

Convém deixar claro, inicialmente, a que tipo de biografia estou me referindo. Afinal, sob esse rotulo, encontram-se trabalhos de diferentes teores, escritos com referências e preocupações variadas e por profissionais de diversas áreas. Certamente, não falo das biografias tradicionais – narrativas factuais e lineares de vida dos “grandes homens” desde o nascimento até a morte –, cujo objetivo principal é o de apresentar o biografado como modelo de conduta a ser seguido: um “discurso de virtudes” nas palavras de Michel de Certeau. Nem das biografias sensacionalistas – do estilo “Os segredos de...”, “A vida íntima de...” –, destinadas a saciar os apetites voyeuristas dos leitores. Refiro-me, sim, às biografias, partindo das experiências de um indivíduo, abordam questões mais gerais relacionadas à época na qual o mesmo viveu.6

5 BOURDIEU, Pierre. A Ilusão biográfica. In AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Moraes (Coords). 2006. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV.

6 SCHMIDT, Benito Sisso. 2004. Em Busca da Terra da Promissão: a história de dois Líderes socialistas. Porto Alegre, Palmarinca. Pp. 20-21.

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O gênero biográfico esteve na História por algum tempo como algo de menor valor e

importância. Como algo que não cabia ao historiador da História Nova utilizar esse gênero tão

característico da “velha” História. Contudo, muitos desses historiadores vinculados à guinada

historiográfica da História Nova, fizeram uso de biografias; a exemplo de Jacques LeGoff

(1989, 1996) e Georges Duby (1987).

LeGoff trata de como num trabalho biográfico é inevitável estarem presentes, de alguma

forma, elementos da vida do biografado, pensando mais estritamente nos eventos históricos

dessa vida (morte de pais, ingresso em faculdades, casamentos...). Escreveu ele sua biografia

de São Luiz, rei de França.

Rei e santo, São Luiz entra em uma categoria da Idade Média, aquela dos santos reis. Ele se conformou ao modelo desta categoria ou manifestou diferenças devido à época ou ao que se pode reconhecer como sua individualidade? A biografia parte assim, na tradição do espírito dos Annalés, de uma questão, se formula como um caso de história-problema.7

Coisa muito parecida foi escrito por Duby em A História Continua:

... eu poderia ser acusado de trair o “espírito dos Annales”. Eu era, com efeito, o primeiro dentre os epígonos de Marc Bloch e Lucien Febvre a aceitar a escrever a biografia de um “grande homem”. Mas nas realidade não me desviava nem um milímetro de meu percurso. A única modificação – das mais importantes, reconheço – dizia respeito à forma. Eu estava voltando sem rodeios à narrativa. Contava uma história, seguindo o fio de um destino pessoal. Mas continuava atendo-me à história-problema, à história questão. Minha pergunta cotinuava sendo a mesma: que é a sociedade feudal? 8

Apesar da utilização da expressão: destino – que conota uma história pré-escrita, ou

seja, a-histórica, Duby (assim como LeGoff) está correto. O problema das biografias

tradicionais, típicas do positivismo do século XIX ou dos textos jornalísticos de nosso tempo,

está na concepção de que se deve reconstituir as vidas, observar os eventos das vidas como o

objeto do estudo. Sem com isso problematizar como cada evento desses ocorreu, suas marcas

e conseqüências na vida do biografado. Deve-se observar:

O sentido dos movimentos que conduzem [um pessoa e sua trajetória] de uma posição a outra (...) evidentemente se define na relação objetiva entre o sentido e o valor, no momento considerado, dessas

7 LEGOFF, apud SCHMIDT, Op. Cit., 22 8 DUBY, Georges. 1993. A História Continua. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor/Editora UFRJ. Pp. 137-138.

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posições num espaço orientado. O que equivale a dizer que não podemos compreender uma trajetória sem que tenhamos previamente constituído os estados sucessivos do campo no qual ele se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.9

Dessa forma, se ao fazer uma biografia de um cavaleio, Duby tenta responder questões

sobre o medievo, ao fazê-la de jovens estudantes que aderiram ao comunismo na Bahia de

1930, podemos tentar responder os motivos que levaram vários outros jovens em todo o

mundo a se tornarem comunistas.

3. O texto: uma apresentação.

Apesar do presente não se tratar de uma biografia (no seu sentido mais estrito),

incorporou em sua metodologia procedimentos típicos de estudos de trajetórias. Desta

maneira, o leitor encontrará nas páginas seguintes a tentativa de entender o processo de

tornar-se comunista de alguns jovens. Mas, que ao fazê-lo, questiona-se, também sobre como

o comunismo foi durante o século XX (e talvez ainda seja hoje), umas das possibilidades reais

de atuação social e de expressão intelectual.

No primeiro capítulo (“Um passeio de bonde pela cidade da Bahia”: pelas ruas e

esquinas o intelectual se faz) analiso como se configurava o “território do tornar-se” (uma

alusão ao território dos milagres de Jorge Amado, 1979), para isso usamos como guia os

bondes que existiam na cidade. Observaremos assim como os intelectuais baianos interagiam

com a cidade e com seu cotidiano. Em seguida, analisando o conceito de intelectuais e

observaremos o perfil deste enquanto brasileiro e baiano.

No segundo capítulo (Estudantes e Comunistas na Cidade da Bahia: Uma República de

Bacharéis e a “Migração Vermelha” para a Bahia!), observaremos como era ser jovem e

estudante em Salvador de 1930, as suas relações com os movimentos políticos, a inserção nos

movimentos sociais, especialmente o estudantil. Para em seguida analisarmos aproximação

desses movimentos com o PCB e o ideário marxista. É nesta parte do texto que tratamos do

movimento de vinda à Bahia, de importantes comunistas brasileiros que participaram dos

movimentos tenente-comunista de 1935. O importante é observar como a chegada desses

9 BOURDIEU, Pierre. A Ilusão biográfica. In AMADO, Janaina; FERREIRA, Marieta de Moraes (Coords). 2006. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV. P.190.

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19

militantes influenciou a dinâmica dos jovens estudantes que se aproximavam do PCB e que,

nesse processo, se tornavam comunistas.

No terceiro e último capítulo (Entre Tipos e Graxas: a Seiva e a Guerra contra o

Fascismo e o Integralismo) retornamos ao tema dos intelectuais discutindo como se

posicionaram os comunistas frente à guerra mundial e de como essa guerra era vista como

algo ideológico, onde três forças se mostravam em concorrência direta: o comunismo, o

liberalismo e o fascismo. Assim analisa-se como, no processo de disputa ideológica, tem-se

uma construção identitária desses jovens. Ou seja, é nesse processo que se consolidam

enquanto comunistas.

Page 20: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

CAPÍTULO I:

Um passeio de bonde pela Cidade da Bahia Pelas ruas e esquinas o intelectual baiano se faz.

No amplo território do Pelourinho, homens e mulheres ensinam e estudam. Universidade vasta e vária, se estende e ramifica no Tabuão, nas Portas do Carmo e em Santo Antonio Além-do-Carmo, na Baixa dos Sapateiros, nos mercados, no Marciel, na Lapinha, no Largo da Sé, no Tororó, na Barroquinha, nas Sete Portas e no Rio Vermelho. Em todas as partes onde homens e mulheres trabalham metais e as madeiras, utilizam ervas e raízes, misturam ritmos, passos e sangue; na mistura criam uma cor e um som, imagem nova, original.

Jorge Amado. Tenda dos Milagres. (São Paulo, Record, 1978, 13).

Este mesmo território chamado por Amado de “território dos milagres” é também o

território do tornar-se. Nele não só viveu Pedro Archanjo, personagem central do livro Tenda

dos Milagres de Jorge Amado. Ele teria sido um grande pensador baiano que passara toda a

sua vida à margem dos “lugares” do saber na Bahia e, depois de sua morte, é aclamado como

o grande intelectual baiano, depois que um estudioso estadunidense vai à Bahia apresentar

seus estudos sobre a vida e obra desse grande poeta. A obra de Amado é, sem duvida, um

retrato satírico do campo intelectual baiano, suas praticas e suas dimensões (institucionais e

sociais). Parece-me evidente que a obra se remete às disputas entre o ser intelectual e o ser

“intelectual baiano” vividas por Amado e seus companheiros no final da década de 1920,

quando estes organizaram a Academia dos Rebeldes, uma iniciativa contra-hegemônica de

intelectuais marginalizados pela Academia de Letras da Bahia e pelo Instituto Geográfico e

Histórico da Bahia.19. Nele – que pode ser resumido como todo o núcleo antigo da cidade de

Salvador –, encontravam-se pessoas de diversas origens e práticas sociais: comerciantes,

professores, mendigos, prostitutas, médicos, estudantes, ricos, pobres... Todos circulavam

pelo centro da cidade. Neste núcleo localizavam-se as faculdades e os principais colégios da

cidade. Localizava-se também o Tabarís e a Confeitaria Triunfo, o Palácio do Governo (Rio

Branco) e os prostíbulos do Tabuão, da Misericórdia e de qualquer beco ou rua onde à noite

houvesse a discrição necessária ao serviço. Num só prédio desse território poder-se-ia

19 . Sugiro a leitura para os interessados: AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 21ª Ed., Rio de Janeiro, Record, 1978. E SOARES, Ângelo Barroso Costa. Academia dos Rebeldes: Modernismo à moda Baiana. Feira de Santana, UEFS, 2005 (Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural).

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21

encontrar um grupo muito diversificado de moradores – no térreo, uma loja; no primeiro

andar, a casa do proprietário, no segundo uma república de estudantes ou quem sabe quartos

de aluguer para moças e rapazes ou para um “turco” ou uma mãe-de-santo qualquer20. Este

território era o lugar do encontrar. O lugar de encontro de classes e habitus muito diferentes,

mas muito próximos geograficamente.

Portanto, neste capítulo trato de como os estudantes secundaristas e universitários

tiveram nesse território experiências construtoras dos seus “Eus”, de suas identidades e de

suas práticas. Dessa forma, para mim o território onde estes indivíduos são formados deixa de

ser o “pano de fundo”, o cenário, e passa a protagonista juntamente com os indivíduos no

processo do tornar-se.

Num primeiro momento discuto como era este território, sua formação e sua variada

composição social, analisando, especialmente a relação dos intelectuais (nosso objeto de

estudo) com este território e com a população que lá habitava ou freqüentava. Observo a

interação e as representações feitas por estes intelectuais sobre a cultura afro-baiana e sobre o

afro-descendente, tratando assim, das representações dos intelectuais sobre o ser baiano e o

ser intelectual baiano (ou afro-baiano, se preferir).

O importante nestas análises é observar como o cotidiano da cidade, o encontro nos

lugares e com pessoas comuns e ordinárias21 foram importantes para a formação dos sujeitos

dessa pesquisa. Entendo que o indivíduo é formado por uma constante justaposição de

habitus, constituídos em suas mais diferentes experiências

(...) o real é descontínuo, formado de elementos justapostos sem razão, todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque sugerem de modo incessantemente imprevisto, fora de propósito, aleatório.22

Dessa forma ,recorro à análise das experiências desses sujeitos na cidade de Salvador

para entender como estes se tornaram comunistas, para entender quais sociabilidades

participam nesse tornar-se. Na minha perspectiva, as trajetórias não podem ser comparadas a 20 . Há um estudo muito interessante sobre a organização espacial do centro de Salvador feito por Neivalda Oliveira. Nesta a autora centra seu estudo na Rua Chile, coração social e econômico da cidade antiga de Salvador utilizando dados do IPTU. Ver: OLIVEIRA, Neivalda Freitas de. 2008. Rua Chile: Caminho de sociabilidades, lugar de desejo, expressão de conflitos: 1900-1940. (Tese de Doutoramento). São Paulo, PUC-SP. 21 . Conceito apropriado de Michel de Certeau. Para ele a história precisa observar os sujeitos e eventos ordinários, comuns, corriqueiros. Ver: CERTEAU, Michel. 2008. Invenção do Cotidiano: A arte do lazer. 14ª Ed., Petrópolis, Vozes. 22 . Allain Robbe-Grillet apud Bourdieu, Pierre. A Ilusão Biográfica. In. Janaina Amado e Maristela Moraes Ferreira (Org). 2002. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, ed.FGV,

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22

estradas, caminhos previamente traçados ou construídos, elas são um enveredar-se na mata,

perder-se, desorientar-se, achar-se e se perder novamente.23

Aqui há uma aproximação de Bourdieu com Certeau. Para Bourdieu,

O sentido dos movimentos que conduzem [um pessoa e sua trajetória] de uma posição a outra (...) evidentemente se define na relação objetiva entre o sentido e o valor, no momento considerado, dessas posições num espaço orientado. O que equivale a dizer que não podemos compreender uma trajetória sem que tenhamos previamente constituído os estados sucessivos do campo no qual ele se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.24

Em outras palavras, para compreender a trajetória de um indivíduo ou de um grupo, é

preciso conhecer as condições objetivas para o caminhar. É preciso conhecer o local onde

este(s) indivíduo(s) se perde(m) e se acha(m). Assim como as condições que o(s) leva a

perder-se e achar-se. Esse entendimento da composição do campo, de suas regras de conduta,

de suas trajetórias esperadas, aceitas e não aceitas por um padrão formulado pelo e no campo,

não nos leva a perder a subjetividade dos indivíduos, como pode parecer num primeiro olhar.

Entender como um campo, no nosso caso o intelectual, não exclui o papel das escolhas

individuais. Ingressar num partido clandestino que luta pela derrubada do sistema e a

implantação de outro, voltado para aqueles que até então estiveram excluídos do sistema

atual, é uma escolha. Mas para mim, é essa escolha que pode e deve ser estudada. Nós só

escolhemos dentro de uma série de possibilidades reais, anteriormente e socialmente

construídas. O processo de posicionar-se é um processo de colocar-se frente a algo real (pelo

menos para o que se posiciona), de escolher frente às possibilidades. O perder-se ou o achar-

se numa mata, pressupõe a existência dessa mata por onde se pode enveredar, perder-se e

achar-se. Dessa forma, para entender a trajetória, o tornar-se, devemos estudar, mapear a

mata, identificando os locais onde se perdiam e se achavam, se encontravam e se

distanciavam...

Sendo assim, para entendermos como se deu o processo do tornar-se, comunista no

nosso caso, precisamos analisar as redes sociais, as teias de relações, as ligações, os sentidos

(por mais que às vezes pareçam não-sentidos) que compõem o lugar (o lócus) desse processo.

23 . Há um texto que escrevi há algum tempo onde tento fazer uma primeira leitura sobre o que seria o conceito de trajetória. Apesar de inocente e incipiente, nele estão os elementos iniciais dessa pesquisa. FONTES, Rafael. 2006. Trajetórias (in)comuns: um estudo sobre a formação política de Aristeu Nogueira e Fernando Sant’Anna IN I Seminário do LABELU. Feira de Santana, UEFS. 24 . BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In. Janaina Amado e Maristela Moraes Ferreira (Org). 2002. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro, ed.FGV, 190 (grifos meus).

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23

No caso aqui estudado, faz necessária a analise da relação do campo intelectual com a

dinâmica social da cidade de Salvador.

Algo importante de ser dito é que estes indivíduos fizeram parte da sociedade comum

do campo em que estão imersos. Não se tratam de indivíduos de maior expressão no campo

intelectual baiano, tratavam-se de jovens estudantes, ingressantes no campo. Mesmo que no

futuro viessem a ser expoentes na política, especialmente no interior de grupos e partidos

oriundos do PCB ou neste partido mesmo. Aqui não nos interessa esse momento de suas

trajetórias, nos interessa justamente o momento anterior, momento de formação das bases

para as suas atuações políticas posteriores. O importante é pensar como se dava a relação

desses jovens com essa “sociedade ordinária” e ao mesmo tempo específica. Ordinária por

tratar-se de uma sociedade de indivíduos comuns. E especifica, por, mesmo reconhecendo seu

caráter comum, identificá-los em uma sociedade peculiar, única e num tempo também único.

Digo isso, para evitar generalizações sobre o processo do tornar-se comunista. Este

estudo trata desse fenômeno, por mais mundial que o tenha sido e por mais abrangente que foi

(ou é), mas de forma peculiar. Entendo que o processo aqui estudado é único e que as

conclusões a que chego são relativas a um grupo especifico de jovens estudantes e a sua

iniciativa de montarem uma revista anti-integralista, a Seiva. Ou seja, esse tornar-se

comunista de jovens estudantes secundaristas e universitários só pode ser entendido num

espaço social único – a cidade de Salvador, mas especificamente os meios intelectualizados

de sua sociedade. Os jovens em formação, objeto dessa análise, devem ser entendidos num

tempo também peculiar: dos reflexos da Revolução Russa de 1917, da ascensão do Nazismo,

do crescimento de Integralismo, de um processo de modernização das instituições e dos

instrumentos políticos no pós-1930...

Dito isso, passemos agora a um passeio pela cidade de Salvador da década de 1930-

40, por suas ruas, ladeiras, largos, bares, boates, escolas, bondes, cinemas...

1. Os territórios dos milagres, o território do tornar-se.

A cidade de Salvador, capital da Bahia, era na primeira metade do século XX, o que

alguns autores chamam de “Rainha Destronada”25. Ou seja, uma cidade que tinha uma

25 . Termo cunhado por Rinaldo Leite ao tratar do sentimento de perda de poder e prestigio por parte das elites baianas frente à República. Para maiores informações: LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada. Discursos das Elites Sobre as Grandezas e os Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese de doutoramento) São Paulo, PUC-SP.

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24

sociedade – especialmente os setores mais ricos – que vivia, segundo esses autores, da

lembrança de um tempo áureo que há muito já passara.

Esta cidade, muito diferente da atual Salvador, estendia-se do Barbalho, mais

propriamente da ladeira de Água de Meninos à Barra, passando pelo Santo Antônio Além do

Carmo, Carmo, Pelourinho, Sete Portas, Rua Chile, Nazareth, Aflitos, Campo Grande e

Vitória. Além de toda a Cidade Baixa (Comércio, Bonfim, Ribeira...) marginalizada. A

ligação entre essas “duas cidades” era feita pelas suas ladeiras (Água de Meninos, Tabuão,

Misericórdia e da Montanha), pelos elevadores (Lacerda e do Tabuão) e planos inclinados (do

Pilar e do Gonçalves).

Os bondes cortavam quase todo esse território. Ou melhor, passavam desse território,

chegando à Amaralina, ao Cabula, à Penha e à Ribeira. De bonde se percorria quase toda a

cidade, podia-se ir a qualquer parte do perímetro urbano de Salvador. Estes, muito bem

articulados com os elevadores e os planos inclinados, deveriam permitir que a circulação pela

cidade fosse ágil e, relativamente rápida – o que não necessariamente ocorria, devido à

pequena e pouco adequada frota, com longos intervalos entre um e outro, fazendo-os

superlotados e malcuidados.

Mas os bondes eram muito mais que meios rápidos de transporte de gente, eram mais

um espaço de sociabilidade, espaço de encontros, espaço do tornar-se. Do encontro dos

rapazes com as normalistas do Barbalho, das senhoras que já há muito freqüentavam as ruas

indo e vindo de compras ou mesmo de compromissos profissionais. Encontravam-se todos

nos bondes: os padres, as prostitutas, os pretos, os brancos, os viajantes, os estudantes, as

normalistas, as senhoras, jovens, crianças, gente honesta e nem tanto, políticos e militantes

das correntes políticas possíveis de existir, conservadores, revolucionários, pessoas de

variados humores, odores, seres, falares, vestires, gente de toda gente.

Alguns dos rapazes da Seiva, aqui estudados chegaram a Salvador de trem. Fora as

rotas marítimas que ligavam às cidades costeiras, como Ilhéus, o trem era a alternativa mais

rápida de ser chegar à Bahia26. Além desta, ainda ia-se muito em tropas e nas marinetes

(denominação à baiana para uma espécie de ônibus). De Irará, terra natal de Aristeu Nogueira

e Fernando Sant’Anna, por exemplo, ia-se a Salvador de trem. Pegava-se a condução na

Barra, próximo ao então distrito de Irará, Água Fria, depois de longa viagem a cavalo ou de

carro (provavelmente, a maioria dos viajantes iam de carro-de-boi, carroças e outros tipos de

transporte), onde se pegava o trem seguindo pela Viação Férrea Leste-Oeste, passando por 26 Nome comumente usado pelo povo do sertão para denominar Salvador, a cidade da Baia de Todos os Santos. é, também, um indicio importante para estudos sobre a identidade baiana versos a sertão.

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Alagoinhas e de lá chegando à Bahia. Só mais tarde, a marinete chegou a Irará agilizando (ou

melhor, proporcionando outra possibilidade, haja vista a qualidade das estradas da época) a

viagem por Mata de São João.

Na capital, descia-se dos trens na Estação da Calçada (Cidade Baixa). Da Calçada, o

viajante pegava um bonde que o levava à cidade alta pela linha Mauá, unindo a Cidade Baixa

à Alta pela Praça Castro Alves. Outro lugar que antes de ser o local de encontro dos trios

elétricos no carnaval, já era desde os anos 1900 a porta da Cidade Alta.

Nesta praça, a cidade se encontrava. Nela, encontravam-se várias linhas de bondes: a

Mauá, a Pinto, a Souza, a Cesar, a que seguia pela Rua Chile, a da Avenida Sete, a que seguia

pela Barroquinha e a que vinha da Carlos Gomes, levando e trazendo gente de toda a parte.

Nesta praça ficava, há anos o Teatro São João (recém demolido na época aqui estudada),

fazendo esquina com a Rua Chile. Do outro lado da rua ficava a redação do Jornal A Tarde e

o acesso a feirinha da entrada das Barroquinhas. Mais abaixo, entrando na Rua Chile, o

Tabáris, casa noturna freqüentada pela sociedade mais abastada da cidade. Dos muitos

endereços do Jornal O Imparcial, todos localizanvam-se ou na Rua Chile, ou na Ladeira de

São Bento (nas imediações da Castro Alves). O mesmo pode ser dito da Revista Seiva e do

Jornal O Momento. Os cinemas, ficavam vários pelas imediações dessa praça, a exemplo do

Cinema Bahia, situado na Rua Chile, nº 127.

A Rua Chile, era o lugar do passar e do passear. Passavam pelas manhãs,

trabalhadores indo a seus serviços e empregadas indo à feira para abastecer as casas de suas

patroas. Estes topavam com bêbados e estudantes (e, estudantes bêbados) que seguiam a suas

casas e repúblicas cansados da noite que passaram, para os mais afortunados, na cama de uma

senhorita que lhe serviu (gratuitamente ou não), ou, para os não tão sortudos, num balcão de

bar qualquer, cantarolando, chorando, ou enchendo a cara, pura e simplesmente. Passavam

moças recatadas (ou nem tanto) indo aos colégios ou trabalhos. Estas esbarravam-se com os

rapazotes e moços das escolas e, em especial os jovens estudantes da Faculdade de Medicina,

os quais deveriam arrancar delas suspiros desejosos e casadoiros, e deles, assovios e

galanteios. Passavam senhoras acompanhadas de amigas ou criadas indo às compra na Casa

Clark, Casa Atlas, na Pérola, na Princeza ou na Alfaiateria Thesoura28, todas localizadas nos

andares térreos de onde funcionavam, nos andares superiores os escritórios de jornais como o

27 FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. 2000. "Fazendo Fita": cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador, EDUFBA, P. 90. 28 Preferi manter a ortografia original dos anos 1930 ao citar nomes próprios e ao transcrever trechos dos documentos.

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26

Diário de Notícia e O Imparcial, além de consultórios médicos e de outros serviços29. Ou

mesmo, a uma sessão de cinema no meio da tarde, ou tomar um café com amigas no Ponto

Chique (na Misericórdia), ou somente, olhar a rua e o seu movimento. Nas portas das lojas (e

sendo escorraçados delas) e nas ruas escutavam-se ainda cantorias e chamados de quituteiras,

vassoureiros e outros vendedores ambulantes30.

As classes médias e altas da sociedade soteropolitana há pouco tomara as ruas –

refiro-me a esta, pois a classe baixa e trabalhadora há muito já fizera desse, seu lugar. Com a

iluminação pública, o dia se prolongara, possibilitando assim que rapazes e moças ficassem

até cada vez mais tarde nas ruas, preferencialmente até às 23 horas pois este era o último

horários dos bondes (voltamos a eles). Todas as linhas saíam do centro para os bairros mais

distantes nesse horário, possibilitando que cada vez mais a noite fosse transformada num

horário de sociabilidade.

A Cidade do Salvador, nas primeiras décadas da República, apresentava muitos problemas que dificultavam o divertimento para a maioria dos soteropolitanos dentro da nova realidade posta. Se antes estes se divertiam sem a necessidade da luz elétrica e de meios de transporte mais eficientes, os novos equipamentos de lazer e mesmo alguns antigos, como o teatro, passaram a exigir um melhor funcionamento desses serviços públicos. A cidade ainda não era bem servida de luz elétrica, o serviço de transporte era irregular e algumas comemorações eram inacessíveis à empobrecida população da capital baiana. Quanto à energia elétrica, devemos considerar que a existência de um melhor serviço de iluminação pública era decorrente do habito de sair à noite para divertir-se, que os baianos vinham cultivando com mais freqüência, o que requeria maior conforto e segurança. A deficiência de alguns serviços era jocosamente explorada, inclusive nas propagandas de algumas lojas, como a Casa Edson, que informava aos seus clientes que já podiam sair à noite, pois acabava de receber lanternas elétricas e pilhas.31

Se em 1918, quando a propaganda da Casa Edson saiu no Diário de Noticias, a

população baiana sofria com o mal-estado dos serviços públicos, o mesmo continuava em

1934 (ano do Quebra-Bondes32) apesar dos empenhos modernizantes de J. J. Seabra. Contudo,

29 OLIVEIRA op cit. 30 . Alberto Heráclito Ferreira Filho publicou a algum tempo um celebre texto que trata de como a “sociedade” baiana tratava no inicio de século XX de limpar as ruas de Salvador de estigma de território dominado pela cultura negra. Dessa maneira, Desafricanizar às ruas é leitura obrigatória a qualquer estudioso da História da Bahia. FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito 1998-1999 “Desafricanizar as ruas: elites letradas, mulheres pobres e cultura popular em Salvador (1890-1937)” in Afro-Ásia (Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais, FFCH-UFBA) Nº 21-22. Pp. 239-256. 31 FONSECA, op cit,38. 32 . O Quebra-Bondes, como ficou conhecido, foi um movimento espontâneo da população soteropolitana contra as condições do transporte urbano, especialmente os bonde. Os quais foram quebrados e tiveram seus trilhos arrancados.

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esta população não deixou de ocupar a noite da Soteropólis progressivamente. Com as

reformas urbanísticas da década de 1920, o acesso a noite e aos espaços de lazer foram,

aparentemente, mais democratizados.

Fernando Sant’Anna, morava numa pensão na Rua d’Ajuda e lembrou desse tempo e

da dinâmica da cidade em sua entrevista a Antonio Risério:

Em inicio da década de 1930, a cidade não tinha nem 200 mil habitantes. Reduzia-se, praticamente, ao espaço que vai do Campo Grande à Rua Chile. Havia já a Barra, Barra Avenida, mas o movimento não era ali. Quando vim morar em Salvador, não existiam casas na Pituba. A Rua Chile era toda composta de Lojas. Era um lugar chique, onde as pessoas iam passear e se divertir. As ruas laterais da Igreja da Ajuda, aquelas redondezas, eram áreas de residências de pessoas importantes. Ali era o centro real da cidade. E era, também, o centro principal da vida estudantil, da vida intelectual. Ali ficava a Escola de Medicina, que era a nossa principal e mais freqüentada instituição de nível superior. E existiam os cafés, onde os intelectuais se encontravam, se reuniam para conversar, discutir, bater papo, Jorge Amado e Édison Carneiro, por exemplo, apareciam sempre por ali. Havia uma certa tradição intelectual dos cafés da antiga Sé. Mas ai começaram a derrubar, a destruir tudo, inclusive a igreja, a própria Sé da Bahia...33

Os cafés e sua importância para os intelectuais baianos também foram tratados por

Jorge Amado em País do Carnaval34. Os cafés ocupam neste texto de Amado o lugar onde os

projetos surgem, onde as idéias circulam, onde o convencimento do outro é feito. Este era

mais um lugar do tornar-se. Eram nas mesas dos cafés que os ideais eram transformados,

amadurecidos e afinados. Foram nesses cafés que os intelectuais de Amado formaram seu

jornal.

Aqui, a importância desses espaços é imensa. São nestes espaços – quase

exclusivamente masculinos –, que as redes construtoras das identidades são formadas. No

texto de Amado, Paulo Ringer35 chega ao Brasil completamente “europeisado”, mas é no

meio intelectual que ele encontrou uma nova sociabilidade e cria uma nova identidade com o

seu país. É neste “meio” que ele recria uma leitura do que venha a ser o Brasil, sua “missão”

e, especialmente, o papel dos intelectuais nesse “novo país”.

Parece-me que Amado, chega através de sua literatura a explicitar questões de sua

época – e não poderia ser diferente. É inegável, e isso pode ser comprovado pela vasta

33 SANT’ANNA, apud RISÉRIO, Antônio. 2002. Adorável Comunista: História política, charme e confidências de Fernando Sant’Anna. Rio de Janeiro, Versal Editores, P. 54. 34 AMADO, Jorge. O Pais do Carnaval. 31ª Ed (1ª Ed. em 1930). Rio de Janeiro, Record. 35 . Personagem de Amado é baiano da região cacaueira que fora enviado por seu pai para a Europa para se tornar um bacharel (Advogado) e que é obrigado pela morte do mesmo a voltar ao Brasil.

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bibliografia, que foi nos anos 1930 que os intelectuais brasileiros – e porque não dizer que as

classes médias e altas – estavam preocupados com o “futuro” de sua nação e dos

(des)caminhos que esta poderia seguir. Também me parece claro que os personagens de O

País do Carnaval são baseados nos jovens que formaram, junto com Amado, a Academia dos

Rebeldes no final dos anos 1920. Estes intelectuais e a organização da Academia dos

Rebeldes foi uma instituição voltada para intelectuais que não seriam, em sua maioria, aceitos

no setor dominante do campo intelectual baiano, como a Academia de Letras da Bahia ou o

Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Sendo assim, acho que este foi, talvez, uma

primeira tentativa contra-hegemônica no campo intelectual baiano. Além de um primeiro

passo para a construção de uma identidade intelectual baiana para além da Heroína Hercúlea

de Seios Tetânicos e da Athenas Brasileira36. Uma identidade baiana atenta para a cultura

afro-brasileira. Talvez seja um primeiro passo para a identidade Nagô consolidada nos anos

70 pela Bahiatursa. Para mim, os intelectuais estudados aqui, são herdeiros destes rebeldes e

de sua academia.

Mas, voltando à década de 1930, esta foi um momento ímpar para a circulação

cultural da cidade. A popularização do cinema, iniciado desde os primeiros anos do século, e

do rádio levou os rapazes por nós estudados a publicarem na revista Seiva, uma coluna sobre

cinema e rádio. Os cinemas desde os mais populares – localizados nas ruas laterais e nos

bairros periféricos ou mesmo nos circos – aos mais chiques da Praça Castro Alves ou do

Campo Grande, passavam a apresentar filmes com Carmem Miranda, desenhos da Disney

com Zé Carioca37, além, claro, dos filmes de Hollywood. Nas críticas da Seiva ao cinema e ao

rádio, parece-nos evidente que eles entendiam esses meios de comunicação como

instrumentos políticos e constituidores da cultura. Assim como percebem a visão que esse

cinema americano tinha do Brasil. Vejamos o que escreveram em 1941 sobre Carmem

Miranda e seu filme “Uma Noite no Rio”:

Carmem Miranda num Rio de Janeiro Falsificado Carmem Miranda e o Bando da Lua são os mais autorisados representantes da musica popular brasileira nos Estados Unidos. Até aqui vêm se portando a contento e Carmem vem sendo de comentários lisongeadores... Contudo “Uma Noite no Rio” está sendo castigado pela critica popular como um fracasso artístico e também musical, da estrela sambista. Este filme é mais um da serie de produções sobre os paizes sul-americanos onde Hollywood exagera deliberadamente nossos costumes, falsificando, para não desapontar os habitués de

36 . Referências dos intelectuais baianos para a Bahia, heróica na independência do Brasil. 37 FONSECA, op cit.

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New-York e Chicago, que exigem temperamentos ardentes, fardas multicôres e palmeras.38

Nos rádio, ouvia-se a Rádio Nacional, popularizado por Getulio Vargas. Nesta ouvia-

se sambas, a “mais nova música nacional”, finalmente reconhecida. Ouvia-se João de Barro

(Carlos Alberto Ferreira Braga), também conhecido como Braguinha, sem dúvida o maior

expoente das marchinhas carnavalescas produzidas no Rio de Janeiro e “exportada” para todo

o resto do país pelo rádio. Suas marchinhas, até hoje lembradas, falavam de um Brasil festivo,

de um país em eterno carnaval.

O Rio amanheceu cantando Toda a cidade amanheceu em flor E os namorados vêm prá rua em bando porque a Primavera é a estação do amor! Rio, lindo sonho de fadas Noites sempre estreladas e praias azuis Rio, dos meus sonhos dourados Berço dos namorados, cidade da luz! Rio, das manhãs prateadas Das morenas queimadas, ao brilho do sol Rio, és cidade-desejo Tens a ardência de um beijo em cada arrebol39

Dentre suas músicas incluem-se a famosa “Yes, nós temos bananas” (1938), “Uma

andorinha não faz verão” (1931), “Balancê” (1937), “Touradas de Madri” (1938) e “Cantores

do rádio” (de 1936 que recebeu versão feminina pelas vozes de Aurora e Carmen Miranda)

entre tantas que fazem parte do acervo musical-afetivo dos brasileiros do século XX.

Todo esse clima “carnavalesco” era reforçado pelo Teatro de Revista. Na Bahia, sua

principal casa era o Tabaris. Esta casa, localizada a Rua Chile, era a mais elegante entre todas

as outras casas noturnas, da forçosamente elegante Cidade da Bahia. Lá, entre doses e jogos

eram acertados negócios, debatidos temas sobre a política, eram articulados empregos, cargos

e posições. Era o lugar ideal para um jovem que aspirava uma carreira promissora freqüentar

e firmar contatos. E foi lá que os intelectuais fizeram seu principal ponto de encontro. Neste

lugar, Fernando Sant’Anna e outro dos rapazes desta pesquisa firmaram amizade. Ele lembra

desta época:

O Tabaris funcionava todos os dias, de segunda a domingo. Quando estudante ginasial, eu ia menos. Recebia a mesada, pagava a pensão, comprava livros e gastava o resto todo no Tabaris. (...) Muitas vezes,

38 BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA:III:10, 44. (Seiva, Ano III, Nº 10, Junho de 1941, P. 44 – Autor não identificado). 39 . Carlos Alberto Ferreira Braga, 1934

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depois que o Tabaris fechava suas portas, de madrugada, nós seguíamos para Itapoã. Ficávamos amigos daquelas moças, das dançarinas, e íamos todos para Itapuã, de carro de praça, tomar banho de mar. A cidade só existia, então, até Amaralina. Para chegar a Itapuã, o carro ia sobre a areia da praia. Não havia espécie alguma de estrada. Os motoristas, também nossos amigos, nos levavam e ficavam lá conosco, se divertindo, tomando banho de mar. Era um passeio demorado. Só voltávamos quando o dia amanhecia”.40

Dessa maneira, pelo lúdico, os laços de afetividade e de identidade eram reforçados.

Muitos pensaram que numa organização política estes são pouco importantes ou, até mesmo,

desnecessários. Mas, numa organização pequena, como era o PCB na Bahia da época, estes

laços faziam com que o grupo se estreitasse e fortalecesse. Amigos e camaradas se

confundiam. O político e o afetivo se associavam.

Pelo rádio, ouvia-se também, na madrugada o sinal da Rádio Moscou. Esta tinha um

programa em língua portuguesa, locutado pela brasileira Laura Brandão. João Falcão escreveu

como fazia para ouvir esta rádio:

A madrugada era o horário mais propício não apenas para a leitura, mas sobretudo para ouvir a Rádio de Moscou, que transmitia diariamente um programa para os povos de língua portuguesa. (...) Para os comunistas, a Rádio de Moscou era a voz da verdade, a informação correta e indiscutível, que constrastava com as notícias veiculadas pelas agências telegráficas a serviço do imperialismo. Ao encerrar o programa, após o hino da Internacional Comunista, ela pronunciava as palavras mágicas e consagradoras do espírito revolucionário da época (inscritas no trecho final do Manifesto Comunista, de 1848, de autoria de Karl Max): “Proletariado de todos os países, uni-vos!” 41.

A importância da Rádio de Moscou e de leituras marxistas no tornar-se comunistas

dos sujeitos dessa pesquisa não pode ser minimizada. Estes eram basicamente os meios de

divulgação marxista possíveis em um Estado de forte opressão anti-comunista. O rádio era o

maior instrumento de comunicação do país e era através dele que a população soteropolitana,

em especial – os menos letrados e que não tinha acesso à imprensa (escrita) –, ficava sabendo

dos acontecimentos políticos e culturais do país e do mundo. O governo Vargas soube fazer

muito bom uso desse instrumento.

Por outro lado, a imprensa (escrita) ainda mantivera seu papel de grande imprensa.

Na Bahia esta se fortalecera desde o início da República. Era o lugar onde a política era feita.

40 . Fernando Sant’Anna apud RISÉRIO, op Cit, 59-61 41 . FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que Eu conheci. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. Pp. 44-45 (grifos meus)

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31

Laís Ferreira estudou o campo jornalístico baiano em sua dissertação de mestrado, vejamos o

que ela escreveu:

A grande imprensa na Bahia, segundo SANTOS (1985), estava representado pelos jornais: Diário da Bahia, Diário de Noticias, A Tarde e O Imparcial, pois foram aqueles que se adaptaram ao modelo de empresa jornalística da fase industrial, impulsionada e dinamizada pelo avanço da urbanização de Salvador, levando os jornais a realizarem a cobertura do cotidiano da cidade, e grande volume de informações divulgadas pelas agencias de notícia internacional que a época realizavam cobertura da Primeira Guerra Mundial (1914-1918)42.

Essa “grande imprensa” era basicamente pertencente às importantes famílias da

Bahia, as quais eram também as detentoras do poder e do prestigio político. Dessa forma, era

comum que o jornal tal, que fazia oposição a algum político, fosse retaliado ou mesmo

empastelado quando o político ao qual fazia oposição estivera no poder. O Imparcial, por

exemplo, um dos principais jornais da Bahia e de incontornável importância na formação

intelectual dos jovens jornalistas dos anos 1930, sofreu, segundo Ferreira, três

empastelamentos no período de 1933-34.

Dessa forma, era nos jornais que as disputas ideológicas eram travadas. Essas

disputas que chegavam à população onde o “confronto era inevitável (...) passando muitas

vezes do terreno das idéias para o desforço pessoal, nas faculdades ou nas praças públicas”43.

Nesse fragmento o enfoque claro é das disputas entre o integralismo e o comunismo. O

próprio Imparcial, que contratava jovens que tivessem ligações com o comunismo, passou por

uma importante guinada chegando a ser entendido como um jornal integralista entre 1935-37,

e voltando ao campo anti-integralista em decorrência da II Guerra Mundial.44

A imprensa baiana portou-se de forma variada frente ao integralismo. Por vezes um

jornal ou outro fazia propagandas da Alemanha e Itália, por vezes denunciavam que os

integralistas brasileiros queriam impor ao país um regime nos moldes do nazi-fascismo. Dessa

maneira, devemos nos perguntar, qual a relação dos intelectuais com essa cidade, com sua

dinâmica?

Para chegar perto de uma resposta a essa questão, temos que visitar a produção

historiográfica produzida sobre os intelectuais baianos. Mas antes, precisamos definir o que

vem a ser o intelectual.

42 . FERREIRA, Laís Mônica Reis. 2006. O integralismo na Bahia: gênero, educação e assistência social em O Imparcial. (Dissertação de Mestrado). Salvador, UFBA. P.37 43 FALCÃO, op cit, P. 29 44 FERREIRA, op cit.

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2. “Intelectuais? Que diabo significa isso?”

Pergunta essa incontornável para os estudiosos da História dos intelectuais. A mesma

se fez Ana Paula Palamartchuk45 em sua dissertação de mestrado ao questionar-se sobre o ser

intelectual e comunista. Questão próxima a que é feita nessa dissertação, contudo,

Palamartchuk, foca sua análise na identidade, no ser de escritores brasileiros que aderiram ao

comunismo. Diferentemente, neste trabalho questiona-se como, no processo de organizar uma

revista anti-fascista um grupo de estudantes se torna comunista. Mas, o trabalho de

Palamartchuk tem sido de grande valia para observarmos como, ou melhor, o que era ser

intelectual e, para completar, comunista.

O primeiro passo para responder à questão do que é ser intelectual, é dado pela

autora a partir das memórias de Graciliano Ramos quando preso-político no Rio de Janeiro

em decorrência de seu envolvimento com comunistas durante o governo Vargas (1930-45).

Nestas memórias Ramos começa a questionar-se sobre quem são os intelectuais. Escreveu ele:

Intelectuais? Que diabo significava isso? Interei-me a custo. Designavam-se desse jeito os indivíduos alheios a qualquer oficio manual: Herculano, estudante de músculos débeis e rosto enxofrado, o velho Eusébio, alguns pequenos funcionários de uma estrada de ferro. Mas essa. Iam forçar-me a conviver, tempo indeterminado com pessoas que justapunham. E aqueles intelectuais burgueses, funcionários, médicos, advogados, engenheiros, tinham razão para indagar-se. Ausência de estabilidade, posição neutra, rejeitados pelos extremos, de alguma forma achando-se vítima de perfídias e traições. Não se haviam ingerido em mazorca. Um artigo de jornal, uma conferência, uma assinatura em manifesto e desabavam. Também me distanciava dos operários; se tentasse negar isto, cairia na parlapatice demagógica. Achava-me fora das classes, um grupo vacilante e sem caráter.46

O lugar do intelectual, essa é a questão de Ramos. Ele tinha clareza que não era

operário e que a sua relação de classe também não o deixava entre os burgueses. Qual seria

então o seu lugar? Ou será que são mesmo os intelectuais alheios às classes?

Karl Mannheim47 definiu os intelectuais como relativamente livre-flutuantes (relativ

freischwebende Intelligenz) ou, como “grupo intelectual relativamente descomprometido”48.

45 PALAMARTCHUK, Ana Paula. 1997. Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o comunismo, 1920-1945. Dissertação (Mestrado em História), Campinas, UNICAMP. 46 RAMOS apud PALAMARTCHUK, Op Cite. P. 3. 47 MANNHEIM, Karl. 1976. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro, J Zahar. 48 Idem. P. 106.

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33

Para ele, os intelectuais não formam uma classe, uma vez que não há coesão em seus

interesses. “Um funcionário do governo, um agitador político ou escritor insatisfeito do tipo

radical, um sacerdote e um engenheiro possuem poucos interesses palpáveis em comum”49,

ficam “subordinados” aos interesses das classes sociais, como o proletariado estudado por ele

no texto citado. Dessa forma, poder-se-ia compreender os intelectuais como uma categoria

que não chega a ser uma classe social distinta, com interesses próprios... A intelligentsia seria

assim,

...um agregado que está entre as classes, mas não acima delas. Individualmente os membros do grupo dos intelectuais podem ter, como é o caso freqüentemente, uma orientação particular de classe e, em conflitos reais, podem aliar-se a um ou outro partido político. Além disso, suas escolhas podem ser coerentes e caracterizadas de uma clara posição de classe. Mas, além e acima dessas afiliações, ele é motivado pelo fato de que seu treinamento o equipou para enfrentar os problemas da hora a partir de diversas perspectivas e não apenas de uma, como acontece com a maioria dos participantes de controvérsias de sua época. (...) Seu equipamento adquirido torna-o potencialmente mais instável que os outros. Pode mudar seu ponto de vista com uma facilidade e está menos rigidamente comprometido com um dos lados da disputa, pois é capaz de experimentar concomitantemente várias abordagens conflitantes de uma mesma coisa. (...) O fato de estar exposto a várias facetas do mesmo problema e seu acesso mais fácil a outras e diferentes avaliações da situação fazem com que se sinta à vontade em uma área mais extensa de uma sociedade polarizada, mas também o torna um aliado menos digno de confiança que a pessoa cujas escolhas se assentam em uma menor seleção das muitas facetas sob as quais a realidade se apresenta. Em termos de experiência política, os intelectuais inclinam-se menos a votar na “chapa do partido” e a argumentar, como sempre fizeram, ou como seus antepassados costumavam fazer50.

Mannheim está certo ao localizar os intelectuais como um grupo social difícil de

identificar enquanto classe. Essa dificuldade está em cada classe social ter seus intelectuais,

fazendo com que a localização de uma grande categoria, chamada intelectuais, só possa ser

percebida através da análise de sua diversidade. É, portanto, difícil localizar os intelectuais

nas classes, enquanto categoria – o que levou Mannheim a acreditar que a filiação ideológica

de intelectuais à visões de mundo de classe seria um fenômeno individual –, pois em cada

classe forma seus intelectuais. Eles são formados enquanto setor criador para pensar a

permanência dessa classe enquanto tal, (re)criá-la constantemente. Portanto a tipificação feita

por Mannheim, não explica, de forma alguma, como contingentes de intelectuais

49 Idem, P. 104. 50 Idem, P. 105. (Grifos meus).

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(especialmente em formação) aderem à Visão de Mundo (Weltanschauung) de uma classe

diferente a de sua origem. Ao escrever que “individualmente os membros do grupo dos

intelectuais podem ter (...) uma orientação particular de classe e (...) podem aliar-se a um ou

outro partido político”, ele não percebe a existência de fenômenos sociais que atraem os

intelectuais a posições de classes. Claro que nem todos os intelectuais – agora sim, de forma

individual, mas mesmo assim estudável – sofrem essa atração de forma explícita. Uma

categoria tão diversa e fragmentada pelas classes, não pode ser analisada senão localizando as

diferentes formas de sê-la, as experiências de cada um frente a um fenômeno social

historicamente localizado, como o que tivemos na passagem do século XIX ao XX, e

especialmente no XX, quando o proletariado passou a atrair para sua frente de batalha

intelectuais das mais diversas origens e formas de atuação.

Michael Löwy, atento a esse fenômeno comparou o intelectual definido por

Mannheim aos balões juninos. Vejam:

A flutuação dos intelectuais, como aquela dos balões de ar quente na noite de São João, é um estado provisório: eles terminam, geralmente, cedendo à lei da gravidade, sendo atraídos por uma das grandes classes sociais em luta (burguesia, proletariado, campesinato) ou então pela classe que lhes é mais próxima: a pequena burguesia”51

Mannheim está certo ao definir os intelectuais como uma categoria social entre as

classes, contudo, uma vez atraídos por uma das classes sociais, estes aderem a sua visão de

mundo, mesmo que mantenham os habitus de suas classes de origem ou da classe média que

lhe é mais próxima e agregam a estes novos hábitos, costumes, formas de pensar e fazer de tal

maneira que o habitus desse indivíduo, não o seja mais o mesmo, apesar de, aparentemente,

mantê-lo.

O habitus não deve ser pensado como algo que se mude, uma veste ou um hábito

religioso, mas como algo tão constituidor do indivíduo que se modifica, assim como o sujeito,

deixando às vezes de aparentar ser o mesmo e às vezes não o é, mas conserva no âmago

lembranças, cicatrizes, riscos do que foi.

Chegamos aqui num cruzamento muito interessante. Ao analisar os processos de

distanciamento do capitalismo e sua radical negação, Michael Löwy, o localiza no seio da

Intelligentsia. Esta definição, como tentei explicar antes, parece-me próxima a de Campo

51 LÖWY, Michael. 1979. Para uma Sociologia dos Intelectuais Revolucionários: a evolução política de Lukács, 1909-1929. São Paulo, LECH. P. 2. (grifos no original).

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Intelectual, utilizada por Pierre Bourdieu. Contudo as aproximações vão além da semelhança

de Intelligentsia e Campo Intelectual. Ela ocorre na definição de intelectual também.

Primeiro, deve-se definir o que vem a ser os intelectuais. Há intelectuais dos mais

diferentes tipos, há aqueles que vivem da produção de bens simbólicos (acadêmicos,

escritores, jornalistas, publicitários, professores...), estes são os intelectuais inseridos no que

Bourdieu chamou de Campo Intelectual. Eles são os que mais facilmente podemos identificar

enquanto intelectuais. Em especial devido ao seu distanciamento de outra forma de trabalho

(o braçal), ou seja, pelo seu afastamento da produção de mercadorias, de bens de consumo

não-simbólicos. São estes os intelectuais analisados por Löwy e dos quais trataremos neste

texto.

Estes intelectuais formam uma categoria social a qual se define pelo seu papel na

construção de bens simbólicos. Eles compõem um Campo, com regras, competições regidas

de forma que só seus membros possam participar e concorrerem ao prêmio. Bourdieu

identifica este Campo como parte de um Campo maior, o do Poder. Ou seja, ao produzir bens

simbólicos estes intelectuais acabam por construírem instrumentos de dominação (simbólica)

que são apropriadas nas lutas sociais. O mesmo faz Löwy ao identificar a “afinidade” entre

estes intelectuais e a pequena-burguesia. Essa aproximação é devido ao seu distanciamento da

classe trabalhadora e da dicotomia entre trabalho intelectual e manual. De forma que os

intelectuais

constituem o setor “criador” de uma massa de ‘trabalhadores intelectuais’ (por oposição aos “trabalhadores manuais”) que inclui as profissões liberais, os empregados, os técnicos etc. São também o setor desta massa mais distantes da produção econômica 52

Para Bourdieu, assim como para Löwy, há um movimento de distanciamento do

intelectual de sua classe de origem (quando estes vêem de outra que não a pequena-burguesia)

uma vez que este sofre uma atração (Löwy a chamará de “Afinidade Eletiva”) pela pequena-

burguesia. Para os dois, o intelectual, mesmo sofrendo um movimento de proletarização fruto

da inserção do trabalho intelectual na lógica capitalista (substituição do valor qualitativo pelo

quantitativo), está afastado da produção de mercadorias, estando o produto de seu trabalho

regido por concepções de valores diferentes dos de mercadorias: o produto do trabalho

intelectual é medido pelo seu valor qualitativo (belo/feio, bom/ruim, inteligente ou não)

52 Idem, P. 1.

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enquanto as mercadorias são medidas pelo seu valor de troca. O importante nesta percepção

do lugar do intelectual frente à produção é que, tanto para Bourdieu quanto para Löwy, o

intelectual tem uma localização na luta de classes, seja sendo DOMINANTE-dominado ou

dominante-DOMINADO, nas expressões de Bourdieu, ou radicalizando-se e vinculando-se à

luta de classe.

Em termos mais precisos, é através da relação que a categoria de agentes vinculados a cada uma dessas posições mantêm com o mercado e através dos diferentes tipos de gratificação econômica e simbólica correspondente às diferentes formas dessa relação que se define o grau em que se enfatiza objetivamente a pertinência ou a exclusão e, paralelamente, a forma da experiência que cada categoria de agente pode ter a respeito da relação objetiva entra a fração dos artistas e as frações dominantes (e secundariamente, as classes dominadas). Enquanto que os artistas e os escritores “burgueses” (DOMINANTES-dominados) encontram no reconhecimento que o público “burguês” lhe concede e que muitas vezes lhes assegura condições de existência quase burguesas, as razões para assumirem o papel de porta-vozes de sua classe, à qual a sua obra dirigi-se diretamente, os defensores da “arte-social” (dominates-DOMINADOS) encontram em sua condição econômica e em sua exclusão social os fundamentos de uma solidariedade com as classes dominadas que erige como princípio primeiro a hostilidade com relação às frações dominantes das classes dominantes e com relação a seus representantes no Campo Intelectual.53

Esse distanciamento faz com que, mesmo este intelectual tendo sua origem de classe

entre os trabalhadores, uma vez inserido no Campo se afaste de sua classe paulatinamente

chegando ao ponto de não mais se reconhecer como parte dela, nem ela como seu membro.

Há alguns motivos para este distanciamento, melhor estudados por Bourdieu em Campo do

Poder, Campo Intelectual e Habitus de Classe54.

Contudo, as duas percepções sobre intelectuais tratam daquele imerso ao Campo

(Bourdieu) ou à Intelligentsia (Löwy). Elas não tratam de intelectuais que mantém outra

relação com as classes, ou daqueles que não estão no Campo Intelectual, que não estão em

busca do “prêmio” – pelo menos não o mesmo prêmio do Campo – e que produzem bens

morais para as suas classes, como os intelectuais estudados por Gramsci. Para ele:

Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo

53 . BOURDIEU, Pierre. 1987. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva. P. 193. 54 . Idem.

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tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função55.

Nesta análise, deve-se entender que o intelectual e suas escolhas sofrem de uma

“autonomia relativa”. Ou seja, suas escolhas, por mais pessoais e autônomas que possam

parecer não o são. Elas são demarcadas pela sociedade na qual esta escolha é feita, pelas

sociabilidades construídas e construtoras do seu transformar, do transitar de um ponto a outro,

do tornar-se. Ao mesmo tempo em que não se pode entender essa demarcação como algo

rígido e alienante. O indivíduo, mesmo não sendo senhor absoluto de suas escolhas, as fazem

baseados nos esquemas mentais e ideológicos que o formam e que são construções sociais

(religião/religiosidade, influência pater/materna, educação, acesso a cultura...) – que também

não o isenta da responsabilidade.

O principio unificador e gerador de todas as práticas e, em particular, destas orientações comumente descritas como “escolha” da “vocação”, e muitas vezes considerada efeito de “tomada de consciência”, não é outra coisa senão o habitus, sistema de dispositivos inconscientes que constitui o produto de interiorização das estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico dos determinismo objetivos e de uma determinação, do futuro objetivo e das esperanças subjetivas, tende a produzir práticas e, por esta via, carreiras objetivamente ajustadas às estruturas objetivas.56

Ou seja, o indivíduo é composto por uma miscelânea de reguladores sociais de forma

que suas escolhas estão sujeitas às “mediações ético-culturais” de sua sociedade. Se isso pode

ser percebido a nível individual, também pode o ser enquanto categoria. De forma que a

pseudo-autonomia que a intelligentsia tenha sobre a origem de classes de seus membros, não

o é em decorrência exclusiva de sua vontade, mas de séries de esquemas, práticas objetivas ou

não que o compõem. O importante é não pensarmos que ao “aderir” ao habitus o indivíduo se

desveste do anterior para se vestir do outro. Isso será a negação da história. Prefiro pensar o

habitus como camadas sobrepostas de esquemas ético-culturais que o cobrem de tal maneira

ao passo de, num dado momento, ser impossível distingui-la do indivíduo.

Ao aderir habitus, o indivíduo adere também, inevitavelmente, visões de mundo,

identidades. Aproximando-o das esferas, setores do campo em disputa. Alguns setores desse

55 . GRAMSCI, Antonio. 1988. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. P. 3. 56 BOURDIEU, op cit, P. 202.

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campo tornam-se mais atraentes, magnéticos a esse indivíduo. A isso chamou Löwy de

Afinidade Eletiva:

A esfera ideológica desfruta de uma autonomia relativa que deve ser levada em consideração em toda a análise concreta: é bem evidente que o desenvolvimento do pensamento obedece a um conjunto de exigências internas de sistematização, de coerência, de racionalidade etc. Nada seria mais estéril do que procurar as ‘bases econômicas’ de todo o conteúdo de uma obra literária, filosófica ou política, ignorando as regras especificas de continuidade da história das ideologias, as peculiaridades de uma esfera ideológica determinada (arte, moral etc.), ou exigência de lógica interna da obra (ou mesmo os traços pessoais de um autor como individualidade psicológica determinada). Esse conceito de autonomia relativa (no sentido etimológico grego, auto-nomos: ‘regras próprias’) nos permite superar a eterna polemica entre a história idealística do pensamento, na qual os sistemas ideológicos estão completamente separados das ‘contingências’ histórico-social e flutuam livremente no céu puro do absoluto, e o economicismo vulgar, pseudomarxista, que reduz todo o universo do pensamento a um reflexo imediato da ‘infra-estrutura’.57

Essa concepção, que pode soar para alguns como alienação do indivíduo pelo coletivo,

na verdade é um entendimento do quão coletivo e parte de uma totalidade cada indivíduo o é.

De forma que mesmo as práticas mais corriqueiras e inconscientes são parte de um habitus

demarcado e circunscrito por esquemas ético-culturais da sociedade da qual faz parte. O que,

em absoluto, não significa a redução de todas as escolhas pseudo-individuais aos mecanismos

econômicos e sociais. É colocá-los junto com os esquemas mentais e psicológicos, que

também são formados e formadores de uma sociedade. Isso vem a contribuir com o retorno do

interesse dos historiadores desde a década de 1980 pelos indivíduos, pela micro-história e nos

fins do século passado e início deste pelo ressurgimento dos estudos biográficos. Mas, o mais

interessante, é que em todos estes estudos o indivíduo não é – nem poderia – ser descolado de

sua sociedade, e esta, de uma noção de totalidade – por mais que às vezes isso venha a ser

negado pelos autores.

Desta maneira, o conceito de “Afinidade Eletiva”, apropriado da Química, trata da

relação de atração entre duas categorias. No caso dos estudos realizados por Löwy, analisa-se

a atração que sofrem os intelectuais pela pequena-burguesia e destes pelo sentimento

nostálgico e romântico em relação à sociedade capitalista. Em suas palavras:

Designamos por “afinidade eletiva” um tipo muito particular de relação dialética que se estabelece entre duas configurações sociais ou

57 LÖWY, Op Cit, P. XIII.

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culturais, não redutível à determinação causal direta ou a “influencia” no sentido tradicional. Trata-se, a partir de uma certa analogia estrutural, de um movimento de convergência, de atração recíproca, de confluência ativa, de combinação capaz de chegar até a fusão.58

Quando uma categoria se sente atraída por outra (intelectuais e pequena-burguesia, por

exemplo) temos um movimento que parte de ambas as categorias. Tanto os intelectuais se

sentem seduzidos pela pequena-burguesia por que esta lhe aparenta enquanto a mais próxima

de sua formação ético-cultural, como a pequena-burguesia seduz os intelectuais devido ao fato

destes a fortalecerem como ideólogos da sociedade capitalista. Dessa forma, a fusão das duas

categorias, que tem uma relação com a produção de capital marcada pelo seu papel de

formador de bens culturais e ideológicos, fortalece ambas.

Weber utilizou este conceito quando estudava a relação entre a burguesia e a Reforma

Religiosa. Neste estudo ele aponta o quanto a “afinidade eletiva” entre uma classe, suas

organizações sócio-políticas e a necessidade de reformulação de uma série de estruturas ético-

culturais foi necessária para o nascimento e o fortalecimento de uma nova ideologia, uma

nova identidade de classe59.

Michael Löwy volta a utilizar este conceito pensando a relação entre o messianismo

judaico e as utopias sociais. No Campo de análise de como ocorre a atração entre posições

político-sociais este conceito se mostrou eficaz:

Por exemplo, poderia ser bastante esclarecedor apelar ao conceito de Wahlverwandtschaft (Afinidade Eletiva) para estudar o tipo de relação que se estabeleceu na Idade Média entre a ética cavalheiresca e a doutrina da igreja; a partir do século XVI, entre Cabala e alquimia; no século XIX, entre conservadorismo tradicionalista e estética romântica, entre idealismo alemão e judaísmo ou entre darwinismo e malthunianismo; na virada do século, entre moral kantiana e epistemologia positivista das ciências sociais; e, no século XX entre psicanálise e marxismo, surrealismo e anarquia etc.60

Na análise a partir da “Afinidade Eletiva”, Löwy identifica quatro movimentos (níveis

ou graus, como ele se refere). O primeiro trata da “afinidade pura e simples” quando há uma

correspondência, uma homologia estrutural (termo de Goldmann). No segundo movimento,

há uma atração recíproca, uma interação sociocultural entre as duas categorias, as quais ainda

58 Idem, P. 13 59 .WEBER, Max. 1983. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo, Pioneira. 60 Idem, 16

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se mantêm distintas. O terceiro movimento, facilmente confundível como o segundo, trata da

combinação. Quando ocorre uma simbiose cultural onde as duas permanecem distintas, mas

mantém vínculos orgânicos de associação, o que seria a fusão parcial. O quarto movimento é

quando esta fusão chega ao ponto de formar uma nova categoria, algo que não se pode mais

desassociar uma da outra. Ao ponto em que ao tratar de uma remete-se imediatamente a outra,

o caso dos intelectuais e a pequena-burguesia. Neste caso, parece inerente a uma categoria e a

outra a sua relação que, por mais que surjam intelectuais nos seios de todas as classes sociais,

parece ser uma só.

Deve-se ressaltar as diferenças entre correlação, influência e afinidade eletiva. Pois

tanto em correlação e influência o caráter dialético de transformação mútua não é

estabelecido. Enquanto a afinidade eletiva tem como característica básica a sua relação de

constante transformação nas duas categorias envolvidas.

Outro erro que precipitadamente se pode cometer em relação a este conceito é o de

arrancar das categorias estudadas a sua história. Deixar de ver que estas transformações

ocorrem, e só poderiam ocorrer, em um momento específico, numa experiência concreta de

encontro, aproximação, sedução e, às vezes, distanciamento entre as categorias. E isso só se

dá no terreno do concreto.

Naturalmente, a afinidade eletiva não se dá no vazio ou na placidez da espiritualidade pura: ela é favorecida (ou desfavorecida) por condições históricas e sociais. Se a analogia, o parentesco enquanto tal procede unicamente do conteúdo espiritual das estruturas significativas em questão, seu relacionamento e sua interação ativa depende de circunstancias sócio-econômicas, políticas e culturais precisas. Nesse sentido, uma análise em termos de afinidade eletiva é perfeitamente compatível com o reconhecimento do papel determinante das condições econômicas e sociais.61

E é justamente a realidade concreta que nos ajuda a pensar o processo de uma outra

afinidade que ocorre no Campo Intelectual do século XX, a afinidade entre os intelectuais

românticos e o anticapitalismo.

A Revolução de 1789 teve um impacto crucial no Campo Intelectual. A formação de

uma concepção de rompimento com a ordem estabelecida e de radicalização do processo de

61 Idem, 18

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transformação da sociedade levou os ideólogos a supervalorizar o seu caráter moral de

liberdade, igualdade e fraternidade entre as classes62.

Contudo, uma vez que a burguesia chegou ao poder (político) de vez, esta passou a não

mais cumprir as concepções que defendera, ou melhor, que a levaram ao poder. Isso teria

criado um sentimento de frustração e orfandade na intelligentsia. De forma que o jacobinismo

de esquerda seria uma combinação específica de democracia plebéia e de moralismo

romântico. E tende a entrar em conflito com a ideologia e a prática liberal individualista da

grande burguesia.

Com o surgimento do marxismo e posteriormente a consolidação de uma revolução

proletária na Rússia de 1917, ele passa a ser visto pelos intelectuais (os mais afetados no nível

ideológico pelo sentimento de frustração) como o último resquício da moralidade e a única

alternativa.

Para os intelectuais, o humanismo marxista torna-se, assim, o herdeiro das aquisições mais acabadas dos pensamentos burgueses e o movimento operário deve tornar-se o executor prático desta idéia defendida até o presente apenas em teoria 63

Este movimento se intensifica justamente quando o capitalismo burguês mostra a sua

cara mais aterrorizante até então, a Primeira Grande Guerra iniciada em 1914. Dessa forma a

esta Guerra causou uma grande movimentação de politização e de questionamento da

sociedade burguesa. O que gerou movimentos de radicalização à esquerda em diversos

lugares – principalmente na Europa Oriental, onde Lukács (estudado por Löwy) morava e

fazia parte de grupos de intelectuais judeus.

Estes movimentos geraram, segundo Löwy, três tendências: (1) a negação das

contradições entre a realidade do capitalismo e sua ideologia humanista; (2) crítica à Guerra

em seus princípios liberal-democratico e (3) “descoberta do proletariado como o único

portador dos princípios democráticos humanistas em face da barbárie burguesa generalizada”.

Em relação a esta última tendência, que é o objeto de estudo de Löwy, ele identifica

algumas causas para esta aproximação. O caráter científico do marxismo, a sua proposta de

análise da sociedade capitalista seria a primeira causa de atração de intelectuais ao

comunismo. Ou seja:

62 Não entrarei aqui no caráter de revolução de classes desses movimentos, o importante é frisar o impacto ideológico/imagético deste sobre o Campo Intelectual do século XIX e do inicio do XX. Sobre o caráter de classes da Revolução Francesa, ver Hobsbawm, op. Cit. 63 Ibidem, 7

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42

A última teoria que explica e desvenda a verdadeira causa da retificação, da dominação sufocante de quantitativo, da despersonalização da vida, da degradação dos valores, da guerra, que não é outra senão o capitalismo”64.

O marxismo apresenta/propõe a estes intelectuais uma nova ética cultural, uma nova

moralidade (talvez, uma nova economia moral) a qual é mais próxima da pensada por estes

intelectuais. Afora que esta moralidade marxista tem um objetivo: a abolição radical da

hegemonia do valor de troca sobre a vida social. Ele é análogo assim a um “Messias”.

Apresentando a esses intelectuais uma classe que tem a força social real (que lhe falta) para

fazer as transformações, o proletariado.

Para muitos intelectuais radicalizados, a descoberta do proletariado como sujeito da História, como coveiro do capitalismo, na se faz senão graças marxismo, pela mediação do marxismo enquanto sistema teórico. A adesão política dos intelectuais ao proletariado ou a fixação de sua revolta a um estágio puramente ético-cultural depende, em certa medida, da existência de uma tradição marxista no seu país e da possibilidade de ter ou não acesso à literatura marxista.65

Mais uma vez Löwy chama sua teoria ao Campo do empírico, ao Campo das

experiências reais do fazer-se. Contudo, gostaria de propor uma leitura mais cuidadosa dessa

última frase (“A adesão política dos intelectuais ao proletariado (...) da existência de uma

tradição marxista no seu país e da possibilidade de ter ou não acesso à literatura marxista”).

Há, outra forma de ser seduzido pelo marxismo, e esse é um movimento contrário ao que diz

esta frase, é o movimento de negação.

É possível se tornar comunista, ou melhor, se fazer seduzível pelo comunismo uma vez

que se tem um sentimento de repulsa, de negação com outras correntes de pensamento em

disputa. O Campo das idéias, o dos intelectuais é um “local” onde as lutas de classe também

têm suas batalhas. A exemplo das disputadas pelos jovens aqui estudados que viveram na

Bahia (talvez no Brasil) há disputa no Campo do simbólico entre o integralismo, o liberalismo

e o comunismo. De forma que pôde haver (e de fato há indícios que nos levam a crer que de

fato houve) um movimento de negação, de não-reconhecimento por parte de jovens

intelectuais (ou fazendo-se intelectuais) de primeiro o liberalismo (em conseqüência do

64 . Idem, p. 8. 65 . Ibidem, p. 8-9

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capitalismo) e em seguida do integralismo por sua veia ultranacionalista e pró-fascista poderia

ter levado alguns desses intelectuais a se aproximarem do marxismo e aderirem ao

comunismo.

Löwy, nestas suas análises do tornar-se comunista, utiliza outro conceito: o de

Romantismo. O conceito de romântico já muito usado quando se trata de um estilo literário

muito típico dos séculos XVI e XVIII onde o ar bucólico e o sentimento de nostalgia, de

desilusão com a sociedade contemporânea e supervalorização dos modos e hábitos de um

passado imaculado, puro, ainda não desvirginado pela moralidade capitalista. Contudo, o

romantismo tratado por Löwy não é esse. O romantismo tratado por ele é um romantismo que

surge no século XIX e início do XX e que está intrinsecamente ligado a uma nostalgia que, ao

mesmo tempo em que sonha com o retorno do passado, pensa, também, no desenvolvimento

para o futuro. É um romantismo que, ao criticar o capitalismo e propor a sua superação, o faz

com um sentimento de ter nesse futuro a recuperação de uma moralidade – no sentido

antropológico da palavra – abandonada e corrompida. Em outras palavras, é uma nostalgia

que ao pensar no passado (real ou idealizado) o faz projetando no futuro sem perder neste

futuro o desenvolvimento técnico-científico do presente.

Dessa forma, Löwy distingue romantismo em três modelos/vertentes. O primeiro seria,

ampliando o conceito para além da literatura, o sentimento de negação da sociedade do

presente e o sentimento nostálgico em relação a um passado pré-capitalista, medieval. O

segundo, muito próximo do primeiro, seria a superação da ambigüidade de referência à Idade

Média, suas contradições e camadas. Todas as duas sem propor uma radical ruptura com o

capitalismo. E a terceira, também muito ampla, anticapitalista por essência, mas que não se

remete necessariamente ao medievo como referência.

Quando essa nostalgia é o eixo central que escultura o conjunto da Weltanschauung, encontramo-nos frente a um pensamento romântico strito senso como, por exemplo, na Alemanha, no inicio do século XIX. Quando se trata de um elemento dentre outros, em um conjunto político-cultural mais complexo, poder-se-ia falar de uma dimensão romântica (como, por exemplo, em Lukács em 1922/23).66

Algo importante ao pensarmos romantismo é o seu “hermafroditismo ideológico”

(expressão de Löwy). Ou seja, o seu caráter ambíguo e contraditório: ao mesmo tempo em

que se deseja o progresso, a modernidade, o deseja com os valores idealizados ou reais do

66 LÖWY, op. Cite. 14

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passado. Para ele, há quatro subtipos de romantismo anticapitalista: (1) o passadista ou

retrógado; (2) o conservador; (3) o desencantado e, por fim e o que lhe é mais caro – e nos é

de maior valia – (4) o revolucionário ou utópico.

Este último descarta o retorno ao passado e a reconciliação com o presente e aponta

para o futuro a suas esperanças. Este que seria o romantismo de alguns dos marxistas, pode

ser diferenciado dos demais por essa crença no futuro. Assim definiu Löwy:

O Romantismo Revolucionário se distingue também das outras correntes românticas pelo tipo de sociedade pré-capitalista que lhe serve de referência: não se trata do sistema feudal e de suas instituições. A idade de ouro pré-capitalista varia segundo o autor, mas ela não é aquela que invocam os românticos passadistas ou conservadores: é um “estado natural”, mas ou menos típico em Rousseau ou em Fourier, o antigo judaísmo em Moses Hess, a Grécia Antiga em Hölderlin, no jovem Lukács e em muitos outros, o “comunismo inca” no marxista peruano José Carlos Mariátegui, as comunidades rurais tradicionais nos populistas russos e Gustav Landauer etc.67

A revolução, que dessa vez deverá ter a classe trabalhadora, o proletariado como a

classe vitoriosa, deverá retomar/resgatar (reencarnar, quem sabe) do passado os valores

naturais do homem, abandonados e corrompidos pela propriedade privada – em primeira

análise – e pelo capitalismo, pela substituição dos valores humanos pelos econômicos;

qualitativos por quantitativos. Ao mesmo tempo, que esta revolução não será algo retrógado,

muito pelo contrário. Será o avanço da sociedade rumo a um futuro mais humano,

socialmente justo e igualitário. Esse retorno (ideológico) num futuro (real) dá a alguns a falsa

impressão de que o marxismo pensa em uma história cíclica – o que lhe negaria a

compreensão histórica de progresso. Para estes românticos revolucionários esse avanço

histórico a um progresso que traz consigo uma moralidade perdida, só é possível pela ruptura

radical e irreconciliável com o capitalismo e a sociedade burguesa industrial. Ou seja, um

futuro construído através de uma revolução.

Dessa forma o romantismo revolucionário (marxista) se baseia na recusa do

progressismo linear, ingênuo, apologético, não histórico, que considera a sociedade burguesa

universalmente superior às formas sociais anteriores. Compreende o caráter contraditório do

progresso, indiscutivelmente trazido pelo capitalismo. E reconhece que a civilização

67 Ibidem, 16

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industrial/capitalista representa, em certos aspectos, um recuo (do ponto de vista humano) em

relação às comunidades do passado.

Raymond Williams em uma resenha, datada de 1980, de “Para uma sociologia dos

intelectuais revolucionários” escreveu:

Na luta marxista que é hoje tão profundamente empenhada, e da qual tanto dependemos, o complexo e contraditório de Lukács é um caso central. O estudo detalhado, inteligente e essencialmente aberto de Löwy é inestimável, entre outras razões, pelo fato de que pode ser lido contra algumas de suas formulações imediatas. Além disso, com o ressurgimento generalizado de um anticapitalismo difuso, e de todas as variantes que se situam próximo a ele, a necessidade de um engajamento socialista aberto e respeitoso com essas formas contemporâneas vivas torna seu tema geral especialmente relevante68.

Assim como Williams localiza nos anos 1980 um momento crucial para uma análise

do anticapitalismo, a década de 1930, foi um de seus momentos de especial desenvolvimento.

No Brasil, sem dúvidas, foram os anos 1930, anos de profundas transformações. Voltemos a

eles então...

3. Intelectuais à baiana: A “grandeza do nosso valor” e o “valor de nossa grandeza”; a “magnitude do nosso passado” e as “incertezas de nosso futuro”.

Foi na década de 1930 que os “intelectuais” brasileiros descobriram o Brasil e foram

em busca da identidade nacional. Carlos Guilherme Mota localiza em Ideologia e Cultura

Brasileira (1933-1974)69 essa década como a periodização inicial para esses estudos sobre a

identidade nacional, com a formação das universidades nesta década. Sobre essa periodização,

explicou Mota:

O redescobrimento do Brasil pode ser registrado na própria sucessão das produções historiográficas posteriores à Revolução de 1930. A Revolução, se não foi suficientemente longe para romper com as formas de organização social, as menos abalou as linhas interpretativas da realidade brasileira – já arranhadas pela

68 WILLIAMS, Raymond. O que é anticapitalismo? Michael Löwy: Georg Lukács do romantismo ao bolchevismo. IN JINKINGS, Ivana e PESCKANSKI, João Alexandre (orgs). 2007. As utopias de Michael Löwy: reflexões sobre um marxista insubordinado. São Paulo, Boitempo, 56

69 MOTA, Carlos Guilherme S. Serôa da. 2008. A idéia de Revolução no Brasil e outras idéias. Rio de Janeiro, Globo

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intelectualidade que emergia em 1922, com a Semana de Arte Moderna, de um lado, e com a fundação do Partido Comunistas, de outro. Assim como no plano da política, na seara historiográfica novos estilos surgiram, contrapondo as explicações autorizadas de Varnhagem, Euclides da Cunha, Capistrano de Abreu e Oliveira Vianna concepções até então praticamente inéditas, e que soariam como revolucionárias para o momento. A historiografia da elite oligárquica na valorização dos feitos dos heróis da raça branca, e representada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (fundado em 1838), vai ser contestada de maneira radical por um conjunto de autores que representarão os pontos de partida para o estabelecimento de novos parâmetros no conhecimento do Brasil e de seu passado. Esse momento é marcado pelo surgimento de obras de Caio Prado Junior (1933), Gilberto Freyre (1933), Sergio Buarque de Hollanda (1936) e Roberto Simonsen (1937).70

A produção historiográfica baiana por muito tempo ainda seria marcada pelo “estilo”

historiográfico dos institutos (no caso baiano o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia).

Contudo intelectuais baianos passavam já nos anos 1930 a produzir influenciados por essa

“redescoberta” do país, a exemplo de Édison Carneiro, e basicamente os demais intelectuais

da Academia dos Rebeldes, que já propunham neste período uma outra história longe da

“historiografia da elite oligárquica na valorização dos feitos dos heróis da raça branca”71.

Porém, esta produção historiográfica demoraria muito para ser entendida e aceita em seu

campo.

Na Bahia da década de 1930, a produção historiográfica ainda dominante era muito

próxima dessa historiografia das elites – no caso baiano, não sei se oligárquica, mas com

certeza – na valorização dos “feitos dos heróis da raça branca”. Esta produção foi muito bem

estudada pelo historiador Paulo Santos Silva. Neste texto (fruto de seu trabalho de

doutoramento), Silva analisa o campo historiográfico e intelectual baiano e seus

envolvimentos com os movimentos políticos, especialmente em oposição ao Governo Vargas

(1930-45).72

Neste trabalho, Silva dedica uma parte para a “Comunidade Intelectual Baiana”.

Nesta, ele trata de como se formavam os intelectuais baianos, localiza as instituições que os

formavam e as que estes atuariam, além de identificá-los. Dessa forma, Paulo Santos Silva,

70 Idem, 28 – grifos no original 71 Idem. 72 SILVA, Paulo Santos 2000. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1949). 1. ed. Salvador: Edufba.

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recompõe o campo intelectual baiano ressaltando as “leis e regras (formas) de acesso”, o

“Capital simbólico” utilizado e o “prêmio” (apesar dele não utilizar esse vocabulário).

Sobre o ingresso no campo intelectual baiano escreveu Silva:

Com o ingresso no curso superior, abriam-se, ou ampliavam-se, as portas de acesso. A primeira destas portas era a que dava acesso ao jornalismo. Em seguida, vinha as nomeações e a carreira político-partidária. Antes mesmo de completar o processo de formação educacional já se tinha garantido um lugar relativamente satisfatório no seio das classes dirigentes locais.73

Dessa forma observamos como Paulo Santos Silva localiza no jornalismo uma, senão

a principal, porta de acesso ao campo intelectual baiano. Sua análise sobre essa forma de

ingresso vai além, ele aponta como se dava a “chegada à porta do jornalismo”. Ele descreve

como os laços e favores pessoais eram importantes nesse processo.

A iniciação ao jornalismo baseava-se em critério pessoais tais como amizade, simpatia, recomendações ou filiação política – critérios que estavam na base de todo o edifício da sociedade baiana de então.74

A importância do jornalismo para o campo intelectual baiano era que este o definia.

Era o jornalismo que dava proeminência a este ou aquele intelectual num ou noutro partido

político e eram esses laços de “amizade, simpatia, recomendações ou filiação política” que

garantiam que estes intelectuais se sustentassem, uma vez que, como informa Silva, o trabalho

enquanto jornalista a poucos permitia o sustento. Ter um artigo seu publicado em um jornal

era então o atestado definitivo de intelectual. Ser colunista seria, então, a consagração. Mas o

sustento para este intelectual seria o magistério, a advocacia, a medicina ou mesmo a

engenharia (os cursos universitários disponíveis na Bahia da época). Silva destaca o quanto

ser professor, principalmente universitário – mas secundarista também – era uma importante

estratégia de agregação de prestígio.

Contudo, continuando na caracterização feita por Paulo Santos Silva sobre os

intelectuais baianos, chegamos num dos pontos principais, a oratória, tratada como a

característica dos intelectuais, notorizada por Rui Barbosa. A oratória é a marca dessa

intelectualidade. Vejamos, por exemplo, o que outro historiador, Rinaldo Leite (2005),

73 Idem, p. 81 – grifos meus 74 Idem, p. 85

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identificou sobre a oratória dos baianos. Primeiro, a partir do exemplo de Wanderley de

Pinho, importante historiador baiano dos anos 1930, que escreveu sobre a verve baiana:

O orgulho de nossa prosápia bahiense, a vaidade dessa estirpe de heróis, de oradores, de estadistas, de homens de sciencia, de poetas, que dominaram da Bahia todo o paiz no passado e hoje sahem dellas para triumphar onde quer que acampem e exercitem as armas com que os sabe aperceber a Bahia; a memória dos feitos de que fomos theatro ou protagonistas; esse santo orgulho [...]. Outro orgulho não é, sem outro sentimento, o estimulo que nos revigora a nós do Instituto e que nos leva a todos a meditar, em solemnidades como esta, na grandeza do nosso valor e no valor de nossa grandeza, na magnitude do nosso passado e nas incertezas de nosso futuro. Esse orgulho é a alma da Bahia [...].75

Sabemos das circunstâncias que foram escritas essas palavras, no momento de

disputa política e ideológica dos “baianos” (ler-se, de sua classe dominante) frente ao

sentimento de desvalorização e desprestígio de seus patrícios no contexto do regime iniciado

em 1930, isto já foi bem trabalhado tanto por Leite76 quanto por Silva77. O que nos interessa,

especialmente neste trecho do historiador dos salões e das damas da Bahia é a sua

caracterização. A quase naturalização do intelectual baiano como sendo, usando suas

palavras, de uma “estirpe de heróis, de oradores, de estadistas, de homens de sciencia, de

poetas, que dominaram da Bahia todo o paiz no passado e hoje sahem dellas para triumphar

onde quer que acampem e exercitem as armas”78.

Mas, será mesmo, esse o perfil do intelectual baiano? Será mesmo que a heróica

Bahia, foi a “alma mater da civilização brasileira”79? Ou será, que foi (o que é inegável)

apenas um sentimento vaidoso de protagonismo desses intelectuais baianos? Rinaldo Leite, ao

tratar das representações desses intelectuais sobre a Bahia, foca-se na última questão. É

inegável que o sentimento de orfandade e descaso estava presente nos intelectuais baianos

durante o pós-1930. Assim como também é inegável que estes intelectuais eram envaidecidos

por habitarem sua Athenas Brasileira, e de serem os “legítimos herdeiros” de intelectuais e

estadistas de um passado, sentido como não tão distante. Contudo, o que podemos entender,

75 PINHO, Wanderley de. apud LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada. Discursos das Elites Sobre as Grandezas e os Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese de doutoramento) São Paulo, PUC-SP. , 96 – grifos meus 76 Idem 77 SILVA. Op. Cit. 78 LEITE, Op. Cit. 79. Idem, 97

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escarafunchar, dessas representações estudadas por Leite? Será que por debaixo delas há este

perfil do intelectual baiano? Vejamos.

Primeiro, é evidente, tanto em Leite como em Silva que há um sentimento de perda,

mas perda do que? Do prestígio dos baianos junto ao governo central, incluindo entre eles,

seus intelectuais. Mas, quem eram esses intelectuais baianos que gozavam de prestígio no pré-

1930? Dilton Araújo80 analisou a formação do movimento republicano em Salvador e seus

envolvimentos com o nascimento de uma classe média. Nesta, ele aponta como o movimento

republicano baiano foi frutífero entre os intelectuais e os membros de uma classe média

nascedoura, os profissionais liberais, e como os intelectuais estavam, o que não é de se

estranhar, entrelaçados à classe média.

Durante o século XIX e, sobretudo, na sua segunda metade, verifica-se um certo desenvolvimento de outras atividades, várias delas de natureza urbana, como industria, transportes, bancos e seguradoras, dando dimensão a algumas ocupações novas e fortalecendo outras no cenário econômico e social da Província. Pensamos que essas atividades, somadas a um certo crescimento do número de profissionais liberais, como médicos, advogados, farmacêuticos, além de professores, religiosos, militares e ocupações vinculadas ao poder judiciário e ao funcionalismo publico, estabeleceram aquilo que Mario Augusto Santos indicou como “um esboço de classe média”, que estaria aparecendo em Salvador e cidades do Recôncavo.81

Das categorias elencadas por Araújo (industriais, empresários dos transportes, bancos

e seguradoras, profissionais liberais: médicos, advogados, farmacêuticos, além de professores,

religiosos, militares e de ocupações vinculadas ao poder judiciário e ao funcionalismo

público), muitas se tornaram a classe dominante política e economicamente da Bahia. Na

verdade, a classe dominante anterior à república, os grandes proprietários e a pequena nobreza

baiana, já há muito tempo passava por um processo agudo de empobrecimento, fruto da queda

de produção e rentabilidade da economia açucareiro-exportadora iniciada desde as décadas de

1840-50, como bem aponta Antonio Sérgio Alfredo Guimarães82, e que teve em 1888 com a

abolição da escravatura seu derradeiro golpe – chega à República desprestigiada e

80 ARAÚJO, Dilton. 1992. Republicanismo e Classe Média em Salvador 1870-1889 (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA. 81 Idem, 142-3 82 GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. 1982. A Formação e a Crise de Hegemonia Burguesa na Bahia - 1930 a 1964. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA.

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descapitalizada, cabendo à classe média e emergente urbana de Salvador, assumir o status de

dominante no novo regime.

Neste processo, são os intelectuais baianos, diga-se de passagem, os poucos

intelectuais baianos que conseguiram proeminência fora da província/estado, que passam a

assumir funções e cargos. Nesse contexto a figura de Rui Barbosa, tornou-se a imagem e o

orgulho do intelectual baiano. Como escreveu Paulo Santos Silva:

Havia ainda outros meios de manifestação da vida intelectual tão relevante quanto a imprensa e a sala de aula: as conferências, os discursos e os recitais. Não é por acaso que a Bahia adquiriu renome pelos seus oradores. (...) até mesmo artigos de jornais pareciam escritos para serem lidos em voz alta. Esta cultura da oratória teve representantes de peso na vida política e cultural baiana. Rui Barbosa, J. J. Seabra, Otávio Mangabeira, João Mangabeira, Carlos Chiacchio, Padre Cabral são alguns dos seus representantes mais proeminentes. (...) É interessante notar que os oradores mais expressivos do contexto deixaram pouca coisa impressa em formato de livro. (...) Mesmo intelectuais mais voltados para reflexões demoradas sobre questões sócio-políticas investiam na oratória. É o caso de Nestor Duarte, jovem deputado da geração de 1930 que causava sensação nas galerias da Assembléia Legislativa Estadual pela sua performance de orador.83

Sobre a oratória ou a retórica de Rui Barbosa enquanto imagem do intelectual

baiano, Jorge Amado escreve em O País do Carnaval uma fala onde Paulo Riger participa de

uma conversa com José Augusto da Silva Reis (diplomata baiano e vaidoso com sua

baianidade):

- Mas eu acho que a natureza faz um enorme mal ao Brasil. O homem daqui parece preguiçoso, indolente... Isso deve ser a natureza... Tão majestosa, faz mal, Vence, esmaga. [Disse Rigger] - É. Pode ser... Mas nós temos grandes homens, doutor. Rui Barbosa... Paulo Rigger já lera Rui Barbosa. Não lhe agradara... Horrívelmente retórico... Não compreendia como se adorava aquêle homem... E, demais, não tinha idéia... Era de um patriotismo lorpa... E estafante. Não, ele não ia com o tal Rui Barbosa. O diplomata, José Augusto da Silva Reis, escandalizou-se. Rui é genial... genial... genialíssimo... Em França mesmo adoravam-no. - Em França? Pode ser... - E Direito? O Rui sabia o Direito como pouca gente. E a figura que fizera em Haia? Não é preciso talento para se saber Direito. Basta memória... 84

83 SILVA, Op. Cit, Pp. 88-9 – grifos meus 84 AMADO, Op Cit. P. 24 – grifos meus.

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Este texto de Jorge Amado é fundamental para caracterizarmos os intelectuais baianos. Por

hora, terminaremos com um trecho que parece contrapor-se a figura do intelectual construída por eles

mesmos e por boa parte de seus estudiosos. Escreveu Amado:

Porque na Bahia, boa cidade de Todos os Santos e em particular do Senhor do Bonfim, todo mundo é intelectual. O bacharel é por fôrça escritor, o médico que escreve um trabalho sôbre a sífilis passa a ser chamado de poeta e os juízes dão valiosas opiniões literárias, das quais ninguém tem coragem de discordar.85

Contudo, a oratória dos intelectuais baianos não se restringia aos espaços oficiais, às

salas de aula, aos salões do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, nem da Academia de

Letras e da Assembléia. Ela fazia parte do cotidiano do ser intelectual baiano. Podemos dizer

até que a Bahia da década de 1930 foi uma república de bacharéis. Isso em grande medida

pelas disputas entre autonomistas e juracisistas.

85 Ibidem, 31

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CAPÍTULO II:

Estudantes e Comunistas na Cidade da Bahia Uma República de Bacharéis e a “Migração Vermelha” para a Bahia!

Juracy! Onde estás que não respondes? Em que escuro recanto tu te escondes,

Quando zombam de ti? Há duas noites te mandei meu brado,

Que embalde desde então corre alarmado... Onde estás, Juracy?

Qual Zigomar, tu me encaraste um dia

Nas celas vis da infinda galeria, Provisório galé!...

Por tóxico – me deste uma água escassa! E imenso bolachão – foi argamassa...

Que ligaste ao café...

O costado robusto de assassino Sob a vergasta larga o pêlo fino

Feito chaga afinal. Meu dorso se ensangüenta, a dor poreja

Quando eu deitado por acaso esteja No grabato infernal.

Meus colegas têm sorte, são ditosos...

Dorme o CPOR em voluptuosos Leitos no Aclamação

Ou em redes de couro de elefante

Embalam-se os rapazes, bons instantes,

Num enorme salão. Por tenda têm os tetos do Palácio... Não comem bóia nem pirão sebáceo

Com gosto de aguarrás.

O fumo de cigarro o céu inflama... E organizam à noite sobre a cama

Pagodes colossais.

A Legião é sempre a gloriosa!... A unidade maldita e caprichosa,

Sabuja e cortesã. Vagabundos – não tem pudor na cara,

Pusilânime – à noite se prepara Para a fuga amanhã!...

Sempre a láurea lhe cabe no pagode...

Ora uma pinga, ora um xinxim de bode Faz-lhe a pança feliz.

Seu protetor – estúpido tunante Da grande meretriz.

Basta, senhor tenente! De teu bucho Jorre através das tripas um repuxo

Da Judas e sandeus!... Há duas noites... eu soluço um grito...

Escuta-o conclamando do infinito

À morte os crimes teus!84

84Poema de Carlos Marighella, Vozes da mocidade acadêmica (recordações do 22 de agosto) escrito na Peniten-ciária Estadual quando preso depois de uma passeata em apoio ao Movimento Constitucionalista de São Paulo. Ver: RISÉRIO, Antonio. 2002. Adorável Comunista: história política, charme e confidências de Fernando Sant’Anna. Rio de Janeiro, Versal.

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22 de agosto de 1932: estudantes tomam as ruas de Salvador numa manifestação

em apoio ao Movimento Constitucionalista iniciado em São Paulo. Este movimento, que tinha

como objetivo a derrubada do Governo Provisório de Getúlio Vargas, implantado em 1930,

durou de junho a outubro de 1932 e chegou ao embate bélico com as frentes pró-Vargas. Na

Bahia não tivemos confrontos, entretanto, temos notícias de que o Movimento Paulista fora

bem recebido entre os estudantes. Em 22 de agosto, além de uma passeata, os estudantes

ocuparam a Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, que foi cercada por tropas militares,

enviadas pelo então interventor, Juracy Magalhães.

Não era bem uma passeata, conforme o depoimento pessoal que meprestou o eminente escritor Édison Carneiro, mas, antes, umaconcentração no Terreiro, praça central de Salvador, onde seaglomeraram, surpreendentemente, mais de dois mil estudantes.85

Segundo Poerner, a amplitude da concentração assustou tanto o interventor,

Juracy Magalhães – “tradicional algoz da juventude baiana”86 – que este mandou ao Terreiro

de Jesus suas tropas.

A brutalidade da repressão obrigou os manifestantes a se refugiaremna Faculdade de Medicina, localizada na própria Praça do Terreiro. AFaculdade foi, então, cercada ainda pala manhã, e, afinal, invadida natarde do mesmo dia. Muitos estudantes furaram o cerco, fugindo pelostelhados das casas vizinhas, mas 512 foram presos e trancafiados naPenitenciaria do Estado...87

Dentre estes estudantes estavam Carlos Marighela e José Pedreira Calvacanti – o

Tio Zeca de João Falcão – vinculados ao PCB. Este movimento parece ter sido um marco nas

memórias e nas experiências dos estudantes baianos das décadas de 1930 e 1940.

Encontramos relatos desses acontecimentos nos textos memorialísticos e biográficos de vários

militantes estudantis do período posterior aos acontecimentos. Em O Partido Comunista que

eu Conheci, João Falcão localiza neste movimento o seu segundo contato com a política. O

primeiro teria sido em 1930, quando o seu Tio Zeca o levara a um comício na Praça do

Mercado, em Feira de Santana, em comemoração à “Revolução de 1930” 88. Se em 1930, José

85POERNER, Artur Jose. 1995. O Poder Jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. SãoPaulo, Centro de Memória da Juventude. P. 110.86 Idem.87 Idem.88 FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que Eu Conheci (20 anos de clandestinidade). Rio de Janeiro,Civilização Brasileira. P. 26.

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Cavalcanti estava a comemorar, a chegada de Getúlio Vargas à Presidência da República, em

1932 ele estava entre os 512 estudantes que fizeram da Faculdade de Medicina seu refúgio, ou

sua fortaleza.

Esta não era a primeira vez que as imediações do Terreiro de Jesus foram palco do

confronto de estudantes com tropas do estado ou pró-governistas. Outro episódio muito

interessante envolvendo os estudantes baianos ocorreu em 1889, na ocasião da chegada, no

mesmo vapor, vindo do Rio de Janeiro; do Conde D’Eu e do republicano Silva Jardim. Essa

“coincidência” gerou confrontos entre os estudantes do Terreiro (Faculdade de Medicina),

republicanos e um grande contingente de negros e mulatos, há pouco libertos, que faziam

parte da “Guarda Negra”. Portanto, fieis defensores da continuidade da monarquia e da

garantia do reinado da Princesa Izabel, sua “redentora”89. Desta maneira, enquanto o governo

e os manifestantes pró-monarquistas subiam ao Palácio Rio Branco pela Ladeira da

Misericórdia e Rua Direta (atual Rua Chile), os estudantes e a comitiva de Silva Jardim

subiam pela Ladeira do Tabuão, tendo como destino o Terreiro de Jesus onde fariam um

comício às portas da Faculdade. Uma vez que a comitiva do Conde D’Eu tinha chegado ao

Palácio, a multidão de negros da Guarda então, seguiu ao encontro dos republicanos. O

encontro se deu ainda no meio da Tabuão.

O que se seguiu foi um quebra-quebra geral, Silva Jardim e sua comitiva acabaram

tendo que se refugiar no telhado de um prostíbulo, símbolo da imoralidade e da sujeira, por

ele tão condenado90.

Este episódio marcou a história do movimento estudantil baiano, assim como marcou

a sua relação com a sociedade baiana e as classes populares. Vale lembrar que em ocasião da

proclamação da República, em 1889, um grupo vinculado à Guarda Negra e liderados por

Macaco Beleza (líder do grupo que foi ao encontro da comitiva de Silva Jardim meses antes),

rebelou-se em Salvador; destruindo e depredando repúblicas estudantis, por seus moradores

terem apoiado o novo regime.

Questionamos sobre como era a relação dos estudantes com a sociedade baiana. Na

primeira parte desse capítulo, trataremos sobre a configuração das instituições educacionais

de Salvador. Para em seguida analisarmos como se organizavam os estudantes, focando em

especial o Diretório Acadêmico Rui Barbosa, da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da

Bahia. Daremos maior atenção a esta instituição uma vez que foi dela que saíram Aristeu

89 ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. 1999. Algazarras nas Ruas: comemorações da independência naBahia, 1889-1923. Campinas, Ed. da UNICAMP.90 Idem.

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Nogueira, Armênio Guedes, João Falcão, Jacob Gorender, entre outros militantes do PCB e

articulistas da Seiva. Ao tratarmos desse diretório acadêmico, observaremos as táticas

utilizadas por estes jovens e suas formas de fazer política. Damos atenção para o lugar do

lúdico nesta forma, observando com cuidado a experiência do Jazz Acadêmico, entre outras.

Ainda observaremos a situação política vivida pela Bahia durante as disputas entre os

juracisistas e os autonomistas e o processo de migração vivenciada por líderes comunistas que

participaram do levante de 1935 para a Bahia, bem como as consequências desta migração

para o movimento estudantil baiano.

A década de 1930 foi um dos períodos mais conturbados da História brasileira.

Iniciada por uma ruptura com o regime oligárquico anterior e terminado com uma ditadura e o

ingresso do país num cenário de guerra mundial, esta década é um marco para a história

nacional. Para a Bahia, ela não foi diferente. Se a chegada de Getúlio Vargas à presidência da

República foi encarada por muitos como um processo positivo, isso não ocorreu para a “elite”

política baiana de então. Carcomida e viciada pelas relações de dependência estabelecidas

com o governo central desde a crise da cana-de-açúcar, no final do século XIX; a elite política

baiana não recebera bem a não posse do candidato eleito, Júlio Prestes, e de seu vice (o então

governador da Bahia) Vital Soares. Muito menos tolerara a posse de um interventor não

baiano, Juracy Magalhães, na governadoria do Estado. Se essa elite se opunha ao governo

Vargas e à interventoria de Juracy Magalhães no inicio da década, apoiará, anos mais tarde, o

Estado Novo e se aliará a Magalhães, tendo-o como uma nova liderança no estado.

Mas como se portaram os comunistas frente a esses movimentos? Quais os reflexos

na Bahia dos acontecimentos de novembro de 1935, quando tenentes e comunistas se

levantaram contra o Regime em Natal, Recife e Rio de Janeiro?

1. Um baiano “não-tronado”, um tenente forasteiro e uma elite inconformada.

As eleições presidenciais de 1929 foram encaradas pelo grupo dominante da política

baiana, como uma alternativa para recuperar o prestígio e o poder que tiveram outrora. Esse

discurso e esse sentimento já foram estudados anteriormente por Rinaldo Leite91 e Paulo

91 Ver LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada. Discursos das Elites Sobre as Grandezas e osInfortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese de doutoramento) São Paulo, PUC-SP.

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Santos Silva92. Contudo o texto de Silva localiza os atores de uma disputa ideológica-política

na Bahia da década de 1930, enquanto Leite, centra sua análise num período anterior.

A “elite” baiana era constituída, em sua maioria, por antigos proprietários de terras,

muitas vezes oriundos das estruturas coloniais. Estes proprietários, fixaram-se na capital da

Bahia, na cidade Salvador, e lá formaram uma “sociedade do aparentar ser”. Em sua maioria

não conseguindo mais lucros de suas propriedades, devido às séries de crises da produção

açucareira e fumageira – uma exceção neste contexto ainda era a produção cacaueira –

sobreviviam e mantinham seu status graças às suas relações com a política central. A exemplo

de Miguel Calmon93 que fora Ministro da Agronomia94.

Antonio Sergio Alfredo Guimarães localiza na crise do escravismo e na insuficiência

da industrialização na Bahia as causas para um crise econômica na burguesia baiana.

Escreveu ele:

Embora não se disponham de dados a respeito, é provável que depoisda Abolição tenha-se arrefecido ainda mais o ritmo das atividadesprodutivas baianas e que elas não tenham sido compensadas por ummaior dinamismo das importações, pois a Bahia chegará a terceiradécada do século XX com uma praça comercial exclusivamenteexportadora.A Abolição da Escravatura, tanto pelos efeitos positivos que tevesobre o fortalecimento das burguesias mercantis e agrárias de outrasregiões do país, como as de Pernambuco e as do Rio e de São Paulo,como pela descapitalização que representou para a praça comercial daBahia, significou realmente o início de uma nova inserção baiana naformação social brasileira. O fim do modo de produção escravistamarca uma nova articulação da economia nacional com o sistemainternacional e fornece as condições essenciais para odesenvolvimento no país de um capitalismo propriamente industrial.95

92 Ver SILVA, Paulo Santos 2000. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discursohistórico na Bahia (1930-1949). 1. ed. Salvador: Edufba93 Deve-se ressaltar aqui para evitar equívocos que houveram, pelo menos quatros políticos com o mesmo nome,Miguel Calmon du Pin e Almeida, visconde e marques de Abrantes, primeiro Presidente da Província da Bahia,em 1822-1823, Ministro da Fazenda 1827-28, 1828-29, 1837-39, 1841-43 e Ministro das Relações Exteriores1829-30 e 1862-64; Miguel Calmon du Pin e Almeida, presidente das Provícias do Ceará (1885-86) e RioGrande do Sul (1886); Miguel Calmon du Pin e Almeida (aqui tratado), engenheiro que fora Ministro eSecretário de Estado de Negocios da Industria, Viação e Obras Publicas (1906-1909) e Ministro da Agricultura,Industria e Comércio (1922-1926) e Miguel Calmon du Pin e Almeida Sobrinho, também engenheiro foipresidente do Banco Economico da Bahia, Reitor da Universidade Federal da Bahia, Deputado Federal eMinistro da Fazenda do Brasil (1962-63).94 Ver GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. 1982. A Formação e a Crise de Hegemonia Burguesa na Bahia -1930 a 1964. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA.95 Idem, P. 20.

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A Bahia da Primeira República não é, portanto, “mais a Bahia cosmopolita, mas a

Bahia provinciana. Uma Bahia que luta por manter-se como um Estado federado autônomo,

com suas leis, seus impostos, sua elite, sua agricultura”96. De certa maneira o projeto de

“reconstituir-se um Norte próspero sobre a base da agricultura e pecuária paralelamente com

um maior desenvolvimento industrial do Sul...”97 e do fortalecimento da Bahia na política

nacional, dependia, na visão da elite baiana, da eleição do candidato a vice-presidente: Vital

Soares, na chapa do paulista Julio Prestes.

A escolha de Prestes e Soares para suceder Washington Luís na Presidência da

República, gerou séria crise na política até então vigente, conhecida como “Café com Leite”,

e desestabilizou o regime republicano. Apesar de terem sido eleitos, Prestes e Soares não

tomariam posse. O governador do estado do Rio Grande do Sul, Getulio Vargas, apoiado por

diversos setores e forças políticas, iniciou um movimento que o fez, mesmo derrotado nas

eleições, tomar a presidência da República em outubro de 1930.

Os anos que antecederam o Estado Novo foram de efervescência edisputa política. Essa situação tinha a ver com a diversidade das forçasque se haviam aglutinado em torno da Aliança Liberal, a coligaçãopartidária oposicionista que em 1929 lançou a candidatura de GetúlioVargas à Presidência da República. Enquanto alguns dos que aderiramà Aliança Nacional faziam oposição sistemática ao regime, outros aliingressaram apenas por discordarem do encaminhamento dado peloentão presidente Washington Luís à sucessão presidencial.Conhecidos como “oligarcas dissidentes”, alguns aliancistas eram ex-presidentes da República, como Artur Bernardes, Epitácio Pessoa eVenceslau Brás, governadores ou ex-governadores de estados, comoAntônio Carlos Ribeiro de Andrade, Olegário Maciel, João Pessoa e opróprio Getulio Vargas. Também participavam da Aliança Liberal osrebeldes “tenentes”, um grupo de jovens oficiais do Exército que, apartir da década de 1920, tentava, através das armas, derrubar oregime em vigor desde 1889. Defendendo a educação públicaobrigatória, a reforma agrária, a adoção do voto secreto, os tenentesdefiniram como antioligárquicos e propunham um novo lugar para oExército na sociedade brasileira. Embora o líder maior do tenentismo,Luís Carlos Prestes, não tivesse aderido à Aliança, ali estavamlideranças tenentistas expressivas como Juarez Távora, Miguel Costa,João Alberto, Siqueira Campos e Cordeiro de Farias.98

96 Idem, P. 2197 MARIANI, Clemente, apud GUIMARÃES, p. 21.98 PANDOLFI, Dulce Chaves. AS anos 1930: as incertezas do regime. In FERREIRA, Jorge e DELGADO,Lucilia de Almeida Neves (orgs). 2003. O Brasil Repúblicano: O tempo do nacional-estatismo – do inicio dadécada de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Livro 2. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. P.16.

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Na Bahia, a Revolução de 1930, como ficou conhecido o golpe impetrado por

Getulio Vargas, não foi muito bem recebida. Especialmente pelos grupos dominantes e

empolgados com a vitória eleitoral de Prestes e Soares. Paulo Santos Silva classifica o

sentimento da elite baiana como um “mal-estar” frente à nova ordem política. Com a eleição e

a posse de Prestes e Soares na Presidência, e Pedro Lago substituindo Soares na governadoria

do estado, os grupos dominantes da política estadual, liderados por Otávio Mangabeira e pelo

ex-governador Francisco Marques de Góes Calmon (frações do poder local há pouco

aproximadas), viveriam um peculiar momento de acomodação.

Com essas composições (Prestes e Soares na Presidência e Vice-Presidência, respectivamente, e Lago na Governadoria), as liderançasdo estado recuperavam uma posição de destaque para a Bahia,situação já experimentada no Governo de Prudente de Moraes (1894-1897), ocasião em que também um baiano, Manuel Vitorino, ocupou avice-presidência da República. A transição governamental de 1930conduzia a Bahia a uma posição de relevo no cenário políticonacional, caso a chapa situacionista vencesse. A “Revolução de 1930”desfez esta perspectiva de acomodação e bem-estar. Não havia porqueas elites políticas estaduais aderirem a um movimento que desalijavaseus membros mais representativos do aparelho de Estado.99

O novo regime não tinha interesse de colocar um interventor que mantivesse os

velhos habitus do campo político baiano. Pretendia o presidente Vargas, para os estados do

Norte, colocar novos políticos que impusessem uma nova dinâmica política para um “novo”

Estado. Esta preocupação ficou clara na carta enviada por Juarez Távora a Getulio Vargas por

motivo da sucessão da Interventoria da Bahia em 1931. Transcrevê-la-ei por completo pela

sua riqueza em informações sobre os planos do novo regime para os estados do Norte.

Exmo. Sr. Presidente Getúlio Vargas

Recente renuncia do Interventor da Bahia, Sr. Dr. Artur Neiva, impõeao governo Provisório da República – dadas as circunstâncias que adeterminaram – uma solução pronta e radical.Conforme já tive oportunidade de lhe expor, quando, em fevereiropróximo passado, se procedeu, na Bahia à escolha do Interventor orarenunciante, o Governo desse grande Estado, mais do que de qualqueroutro do Brasil, deve ser confiado a um homem inflexivelmenteenérgico e absolutamente isento de qualquer eiva de partidarismo.

99 SILVA, Op. Cit. P. 25.

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O aspecto das duas soluções dadas anteriormente mostra que não éfácil encontrar-se um civil – mesmo afastado das lutas partidáriasbaianas – em condições de equilibrar-se no poder, sem transigência àforça armada ou aos partidos incompatíveis com o bom andamento daadministração pública.Melhor será, portanto, optar, de vez, por uma solução militar. E édentro desse critério que lhe peço vênia para manifestar-me , com afranqueza com que sempre me tenho conduzido no desempenho dasatribuições que me foram por V. Excia. Confiadas.Escuso-me de lhe sugerir a que nomes de alas patentes militares paraInterventoria baiana, porque são poucos os militares graduados quesinceramente servem à Revolução e retirá-los agora dos altoscomandos que exercem, seria um grande prejuízo para a Segurança daDitadura; por outro lado, excluindo esses, os demais militares velhosnão saberiam isentar-se das seduções políticas facciosas e, conformejá tive oportunidade de dizer-lhe, a revolução deve ter mais medo dosmilitares políticos do que dos politiqueiros civis.Sou forçado, assim, a voltar-me para a mocidade de minha classe.Dentre a oficialidade moça e desinteressada que fez comigo arevolução no Norte – três rapazes se destacaram de modo sensível,pela sua bravura, inteligência e ponderação – os primeiros-tenentesJuracy Magalhães, Jurandir Mamede e Landri Sales. Destes, oprimeiro não aceitará a Interventoria baiana, porque tendo pleiteado ocritério de se nomearem Interventores militares para os Estados doNorte, se sente, justamente, por isso, inibido de aceitar sua indicaçãopara semelhante encargo.O terceiro é, como V.Excia. sabe, Interventor do Piauí, onde todosreputamos indispensável as presença.Limito-me, assim, a sugerir-me o nome do primeiro tenente doExército Jurandir de Bizarria Mamede, para o cargo de Interventor daBahia.Esse oficial, apesar de moço, tem dado altas provas de capacidade,não só dentro de sua classe como ainda em postes de administraçãocivil que vem exercendo ultimamente em Pernambuco.É, ademais, filho da Bahia a frente e cujo governo, estou certo, saberáhonrar cabalmente a confiança que V.Excia. nele depositar.Com atenciosos cumprimentos, assina-se de V.Excia. patrício at.

Juarez TávoraRio, 17/08/31100

Dentre os indicados por Távora, Vargas escolheu Juracy Magalhães. Mas antes de

tratarmos da escolha de Magalhães e de sua posse na Bahia, vejamos outros aspectos

importantes nesta carta. O primeiro deles, é a necessidade de “uma solução pronta e radical”.

100 TÁVORA, Juarez Apud ABREU, Alzira Alves de (org). 1982. Juracy Magalhães: Minhas MemóriasProvisórias. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. Pp. 217-8. Grifos Meus.

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É evidente que ele se refere à situação política da Bahia. O regime de 1930, em menos de um

ano já havia indicado três interventores e nenhum se manteve por mais de seis meses. Mas,

qual seria a peculiaridade da Bahia frente ao novo Regime? Já vimos como o golpe de 1930

atrapalhou os planos de uma fração da elite política baiana. Contudo a fração que apoiou o

golpe, o grupo em torno de J. J. Seabra – que tinha como certo que voltaria ao poder na Bahia

– parece não ter sido de confiança e/ou interesse do regime que apoiou. O próprio Juracy

Magalhães comentou sobre as perspectivas dos seabristas: “J. J. Seabra pensou que, com a

vitória da revolução, seria novamente elevado ao poder. Como Getúlio o preteriu...”101.

Infelizmente Magalhães não justificou o motivo de Seabra e seu grupo ter sido preterido por

Vargas. Mas certamente, não é difícil de entender que não era interesse do novo Regime

manter a “roda-gigante” política da Bahia, em outras palavras as sucessões alternadas de

seabristas, mangabeiristas e calmonistas. O que fica evidente na construção do perfil de

interventor, composto por Távora, que serviria ao interesses do regime.

“O Governo desse grande Estado, mais do que de qualquer outro do Brasil, deve ser

confiado a um homem inflexivelmente enérgico e absolutamente isento de qualquer eiva de

partidarismo”, justamente no intuito de quebrar a roda-gigante anteriormente imposta ou

iniciar outra. Mas a descrição do perfil vai mais além. Primeiro Távora trata de que um civil,

como tinha sido anteriormente, não teria isenção partidária paras as disputas políticas locais.

Assim defendendo a necessidade de um interventor militar, como já o fizera no Piauí e em

outros estados. Ele lista três nomes de sua confiança – Juracy Magalhães é um deles (mas não

acredita que ele aceite o convite) – para por fim indicar o primeiro-tenente Jurandir Mamede.

Este baiano ainda estava no início de sua carreira militar e política e no futuro seria um dos

defensores da necessidade de um golpe militar no Brasil, em ocasião do governo de João

Goulart, e assumira como Juracy Magalhães, postos da Ditadura Militar. Contudo o escolhido

por Vargas foi Juracy Magalhães.

Após muita relutância, Magalhães aceitara o cargo e veio à Bahia. Um ato do novo

governo que mexeria profundamente nos brios da “elite” baiana. A não indicação, por Vargas,

de um interventor baiano para a Bahia, foi encarada como desrespeito e Juracy, apelidado de

“Tenente Forasteiro”. Como aconteceu em quase todas as Unidades Federativas, os

governadores eleitos foram substituídos por interventores indicados pelo Presidente Getulio

Vargas. Na Bahia esse processo fui um tanto conturbado. O primeiro a assumir a função foi

Leopoldo Afrânio Bastos do Amarão, seguido por Artur Neiva, e este por Raimundo

101 MAGALHÃES apud ABREU op Cit. P. 74.

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Rodrigues Barbosa. Estes ficaram poucos meses, um período de arrumação e acomodação do

novo governo. Em setembro de 1931, menos de um ano depois do golpe de 1930, o cearense

Juracy Magalhães assumiu de forma mais definitiva a governadoria da Bahia enquanto

interventor federal. A sua chegada à Bahia aumentou o desconforto que sentia o grupo

dominante. Os brios baianos foram maculados pela indicação de um forasteiro para assumir a

sua governadoria.

Juracy Magalhães, filho de um caixeiro viajante, é um exemplo ideal “dos filhos dos

setores médios que encontravam na carreira militar um meio de ascensão social, estratégia

amplamente empreitada nas décadas iniciais do século XX” 102, assumia a governadoria da

Bahia com apenas 25 anos. A sua falta de formação acadêmica, associada a ele não ser

baiano, gerava um inconformismo entre os grupos dirigentes. Melhor explicou Silva:

Com a sua indicação para o governa da Bahia, a tradicionalhegemonia dos bacharéis na direção da política do estado cedia emfavor de uma liderança não formada nos padrões dos grupos dirigenteslocais. Pela primeira vez, um indivíduo de fora da Faculdade deMedicina, da Escola Politécnica ou da Faculdade de Direito de Recifeou da Bahia era conduzido ao mais elevado posto da política baiana.Fato que atingiria os brios da elite local, coisa dos seus méritos econvencida de sua importância e imprescindibilidade103.

O que parecia difícil aconteceu. Com a posse de Magalhães na governadoria, os mais

diversos grupos políticos se uniram na oposição. Grupos que anos antes estavam disputando

postos ferrenhamente, agora se uniam contra um regime que “desrespeitava” a elite local.

Dessa união surgiu mais à frente um grupo que se denominou “Autonomista”.

J. J. Seabra pensou que, com a vitória da revolução, seria novamenteelevado ao poder. Como Getúlio o preteriu, juntou-se a AntônioMuniz e, com seus adeptos, deu início ao Movimento autonomista daBahia, lançado no artigo “Brios Baianos”, no qual Muniz Sodrédefendia a tese de que o estado não podia ser governado por umtenente forasteiro.104

O Movimento Autonomista foi então, a união de inimigos históricos na oposição ao

tenente forasteiro. Aruã Lima afirmou que a “reação autonomista se deu de várias maneiras,

102 SILVA op cit, 29.103 Idem, 29.104 MAGALHÃES op cit. P. 74.

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mas foi vigorosa, principalmente, através da imprensa” 105. O que fica evidente nos trabalhos

de Paulo Santos Silva e Aruã Lima é que o “movimento autonomista” pelo menos em sua

primeira fase foi uma mobilização de intelectuais chorosos pelos postos ora perdidos.

Contudo, apesar da pouca experiência, Juracy Magalhães mostrou-se um político

sagaz. Não podendo contar nem confiar nos políticos baianos, ou pelo menos, na sua fração

dominante, buscou apoio e base política no interior do estado; sempre esquecido pela “elite”

baiana, nas classes médias e trabalhadoras da cidade da Bahia, Salvador.

Algo que marcou sua política foi à construção de alianças com estes políticos do

interior, fortes e respeitados em sua região, mas sem expressividade em âmbito estadual.

Assim, Juracy, enquanto interventor federal na governança da Bahia percorreu quase todo o

interior, feito nunca realizado antes por um mandatário do estado. Ele mesmo falou dessas

alianças no interior:

O chefe da revolução no Rio Grande do Norte, José Augusto Bezerrade Medeiros, quando passou pela Bahia, observou: “Juracy afastou oscapitães e ficou com os soldados”. De fato, quando as velhaslideranças baianas formaram contra o meu governo a coligaçãoautonomista, tratei de criar as bases na política do interior. Em poucotempo, visitei todo o sertão, procurando o médico do lugar, oadvogado, enfim, a pessoa que liderava a política municipal, para emtorno dela arregimentar uma maioria. Em Itabuna, dei apoio a GilenoAmado, que chefiava a facção contraria a João Mangabeira,conseguindo obter com este líder local uma estrondosa vitória; emIlhéus, onde igualmente mandava João Mangabeira, entreguei a ArturLavigne, que se elegeu deputado federal após obter legenda porindicação minha. Além disso, pude contar com a inestimávelcolaboração de excelentes políticos como Clemente Mariâni,secretário do Partido Social Democrático da Bahia, e FranciscoRocha, que, após aderir à revolução, passou a comandar Barreiras, naárea do São Francisco.106

Por causa dessas alianças ele foi acusado de ter fortalecido o coronelismo no interior.

O que ele retruca veementemente dizendo que eram “chefes locais e não coronéis107”.

Desta maneira transcorreu-se a primeira fase do governo de Juracy Magalhães na

Bahia. Por um lado, contando com todo o desprezo e, até mesmo, com a hostilidade da fração

até então dominante na política local. De outro lado, criando novas alianças e novos políticos.

105 LIMA, Aruã Siva de. 2010. DEMOCRACIA CONTRA O POVO: Juraci Magalhães, Otávio Mangabeira e aUDN na Bahia (1927 – 1946). Dissertação de Mestrado em História. Feira de Santana. UEFS. p. 25.106 MAGALHÃES Apud ABREU op cit. P. 80.107 Idem p. 81.

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Essa nova base política arregimentada (para usar a expressão dele) no interior conferiu à

década de 1930 um caráter transformador do quadro político do estado até então. As eleições

de 1933 para a Constituinte Federal são provas disso. A fração oposicionista tinha os nomes

mais brilhantes e conhecidos, por outro lado, os candidatos apoiados por Magalhães eram

jovens e de classes diversificadas.108

A chapa oposicionista foi esmagadoramente vencida pelo partido dointerventor. Enquanto o Partido Social Democrático conseguiu eleger20 constituintes. A oposição elegeu apenas dois: o novato Aloísio deCarvalho Filho e o veterano José Joaquim Seabra. A bancadasituacionista baiana eleita para a Assembléia Constituinte tornou-semotivo de orgulho para o interventor não só pela quantidade queconseguiu eleger, mas por um dado adicional: era composta por umnumero expressivo de “intelectuais”, atributo que o interventor faziaquestão de sublinhar. O orgulho que Juracy Magalhães manifestavaela qualidade de seus correligionários tinha como alvo estabelecer umcontraponto com a oposição. Era nas fileiras oposicionistas que seencontravam o maior numero de representantes da inteligência local.Daí a ressalva de que, entre os seus, o interventor também gozava doapoio da inteligência baiana.109

Novamente a relação da Bahia com sua intelligentsia chama a atenção. Juracy, como

já vimos foi o primeiro a ocupar a governadoria da Bahia sem ser egresso da Faculdade de

Medicina da Bahia ou a Faculdade de Direito de Recife. A relação da elite baiana com a

intelectualidade parece-nos como se a formação acadêmica fosse um atestado de qualificação,

uma justificativa para ocupar tais cargos. Trata-se, sem dúvida, da “sociedade dos bacharéis”,

como a qualificou Iraneidson Costa110.

Se a posse de Juracy Magalhães sacudiu um pouco esta “sociedade”, esse

movimento, porém, não foi muito profundo. Durante toda a década de 1930, 1940 e quiçá as

subseqüentes, os bacharéis ocuparam papel de protagonistas nos palcos políticos baianos. Foi

com a chegada de um Tenente Forasteiro que o campo político baiano se reorganizou. Vamos

pensar nos casos de alguns dos jovens aqui estudados, especialmente Aristeu Nogueira e

Fernando Sant’Anna.

108 Recomendo aos conferir no texto de Paulo Santos Silva as tabelas e os perfis políticos dos candidatos.109 SILVA op cit p. 38.110 COSTA, Iraneidson Santos. 1997. A Bahia já deu régua e compasso: o saber médico-legal e a questão racialna Bahia, 1890-1940. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA.

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Em um artigo apresentado em 2006 no I Seminário do LABELU111, apresentei as

bases dessa pesquisa. Na época, estudava apenas Aristeu Nogueira e Fernando Sant’Anna. No

referido artigo, utilizando as fontes que me eram disponíveis, tratei das disputas políticas entre

os Nogueira, família de proprietários de grandes áreas de terras em Irará112· ,que tinha seu

chefe político na figura do Cel. Elpydio Nogueira, pai de Aristeu; os Campos Martins –

família da vila de Bentos Simões, representado pelo Cel. Mário Campos Martins, muitas

vezes aliados dos Nogueira – os Medeiros – oriundos do então distrito de Água Fria – os

Valverdes – aparentemente menos expressivos na política do município, mas visceralmente

envolvidos nos interesses da Vila de Pedrão, seu lugar de origem113 – e os Sant’Anna –

liderados politicamente pelo irmão de Fernando Sant’Anna, Elysio Sant’Anna, que chegara ao

poder através da “Revolução de 1930”.

Vejamos o que relatou Fernando Sant’Anna a Antonio Risério sobre a “Revolução de

1930” e seus reflexos em Irará:

A notícia da Revolução de 30 chegou a Irará pelos jornais. Não merecordo se naquele tempo, já havia rádio na cidade. Minha família eraconsiderada rica e não me lembro de haver rádio em minha casa, eraporque não havia rádio na cidade... A Revolução foi muito bem-recebida por parte daqueles que faziam política contra a situação local.No que se refere a minha família, todos apoiaram a Revolução. Meuirmão Elísio já estava participando da vida pública e combatiaintensamente o sistema anterior, aquele parasitismo. As pessoas eramdonas das coisas públicas. O serviço público era uma propriedadeprivada. Era contra isso que as pessoas lutavam. Então, pelo que melembro, meu pai, meu irmão, meus tios, todos estavam a favor doprocesso revolucionário.114

Dessa maneira a Bahia passou por uma reorganização de seu campo político nos

primeiros anos da década de 1930. Juracy Magalhães aos poucos conseguiu apoio e

legitimidade política, inclusive entre seus adversários, chegando a ser eleito governador em

1934.

111 FONTES, Rafael. 2006. Trajetórias (in)comuns: um estudo sobre a formação política de Aristeu Nogueira eFernando Sant’Anna IN I Seminário do LABELU. Feira de Santana, UEFS.112 Vale ressaltar que a Irará dos anos 1930 abrangia os hoje municípios de Água Fria, Santanópolis, Ouriçangase Pedrão.113 José Valverde foi prefeito de Irará em 1962, momentos dos desmembramentos dos municípios de Água Fria,Santanópolis, Ouriçangas e Pedrão e foi no mesmo ano, o primeiro prefeito de Pedrão, tendo sido eleito maisduas vezes.114 . SANT’Anna apud RISÉRIO, Antonio. 2002. Adorável Comunista: História Política, Charme e Confidênciasde Fernand Sant’Anna. Rio de Janeiro, Versal. p. 33

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2. Militares e comunistas, uma tentativa de golpe... e a Bahia?

O PCB antes de 1935 era um partido de limitada expressão na sociedade, primeiro

devido a seu caráter clandestino – o que gerava um clima de suspeita em torno dele –

segundo, por causa de seu caráter internacional, que reforçava as especulações sobre si. O

Bloco Operário Camponês (BOC) representava nos anos 1930 o entendimento do PCB sobre

o futuro da organização revolucionária no Brasil. Parece ter sido também, uma alternativa

comunista de organização das “massas” da cidade e do campo. O entendimento da época era a

eminência de um movimento revolucionário no seio dos trabalhadores urbanos, especialmente

os das indústrias que anos antes organizaram greves e movimentos que coincidiram ou

culminaram no próprio partido, e nos pequenos lavradores, explorados pela crescente

capitalização do campo. Em junho de 1930 o PCB lançaria um manifesto, chamando o

proletariado e os trabalhadores do campo para se organizarem e fazerem a revolução no

Brasil. Vejamos trechos deste manifesto:

Aos trabalhadores das cidades e dos campos, a todos os explorados doBrazil Camaradas!Nossa situação tornar-se casa vez mais insuportável. A Criseaugmenta. Cada dia são fechadas mais fabricas. Os fazendeirosdiminuem os salarios dos colonos e os expulsão da terra.milhares emilhares de desempregados e suas familias são abandonados á mortepela fome. A miseria alastra-se. Os impostos crescem. O cambio domilréis cai, tornando a vida ainda mais cara.Augmenta a oppressão patronal e politica contra os trabalhadores. Aburguezia prepara seus bandas fascistas contra as massas.Os burguezes, os fazendeiros, o governo pretendem “resolver” a criseà custa dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, elles continuam a vendero paiz aos capitalistas estrangeiros. O sr. Julio Prestes, foi a NovaYork preparar a venda completa do Brazil aos imperialistas yankees.Para manter-se no governos e continuar a boa vida de regabofes, osfazendeiros e burguezes vendem-se a si mesmo, vendem o sangue e osuor de milhões de trabalhadores do Brazil, negociam com a miseria eo soffrimento do povo.Camaradas!A hora é chegada de lutar, pois o quanto mais nós curvamos as costas,mais e mais somos maltratados e explorados!Para os trabalhadores das cidades e dos campos, para todos osexplorados que mourejam nas industrias, nos transportes e na lavoura,a unica sahida, a unica salvação verdadeira está na luta revolucionáriapor suas reivindicações e para abater o regimen actual!

(...)

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65

Camaradas! Operarios e pequenos lavradores!O Partido Communista do Brazil – vanguarda consciente doproletariado – appella para vós, para a luta por vossas reivindicações,contra o regimen actual.Pelo pão e pelo trabalho para os desempregados, e pólo augmento dossalarios. Pela liberdade de organização operaria e camponeza. Pelaexpulsão da Brazil de todos os bandidos estrangeiros. Pela tomada daterra e sua divisão entre os operários agrícolas, colonos e pequenoslavradores. Pela organização de uma verdadeira democracia das largasmassas, com a instauração do governos dos operarios e camponezesdo Brazil. (...)Lutemos pela abertura immediata e pela liberdade dos syndicatosrevolucionários!115

A leitura do PCB acerca da realidade brasileira antes do golpe de 1930 era de que as

massas urbanas e camponesas seriam os setores da sociedade mais propensos a uma revolução

e caberia ao PCB, assumir o seu papel de vanguarda revolucionária. Contudo, não foram as

massas que fizeram a revolução, foram os liberais. Descontentes com os resultados eleitorais e

com os caminhos da política oligárquica, um grupo formados por políticos derrotados no

pleito eleitoral de 1929 organizou um amplo movimento e através de um golpe de Estado

levaram o ex-governador do Rio Grande do Sul, candidato derrotado no pleito, à presidência

da República. Este golpe, chamado por muitos de Revolução, deu início a um amplo

movimento de modernização das instituições políticas do país, abrindo-o cada vez mais ao

capital estrangeiro e dando os primeiros passos para a industrialização.

Frente a estes acontecimentos, o PCB produziu uma leitura onde apontava seis

pontos importantes de análise sobre a situação do Brasil. Estes seriam: “As forças Políticas

Brasileiras” – onde apontava a existência de quatro setores políticos organizados no país (a

Aliança Liberal, a Concentração Conservadora, a Coluna Prestes e o PCB) – a Aliança Liberal

enquanto um braço do imperialismo americano (“Seria a Aliança Liberal um instrumento dos

imperialistas americanos?”); “A atitude das organizações sindicais diante dos acontecimentos

políticos”; “A Coluna Prestes”; “A atitude do Partido Comunista” e “A crise econômica e as

perspectivas revolucionárias”116.

Para o PCB, os partidos republicanos (Liberais e Conservadores) não eram partidos

de massa – e de fato não o eram – não tinham o apoio de amplas camadas da população.

115 A Classe Operaria – Orgão Central do Partido Communista do Brazil (Secção Brazileira da InternacionalCommunista). Anno VI, Num. 93. Rio, 19 de junho de 1930, p 1.116 ORAN, Les Derniers Événementes du Brésil et lês Perspectives dês Nouvelles Luttes. L’InternacionalSyndical Rouge, janeiro, 1931 IN CARONE, Edgard. 1982. O PCB – 1922 a 1943 Vol. 1 – Coleção Corpo eAlma do Brasil –, São Paulo, DIFEL. Pp. 111-119.

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Cabendo a ele e à Coluna Prestes serem os setores mais próximos às massas. Contudo, “como

explicar (...) o fato de a Aliança Liberal ter conseguido mobilizar as massas em seu favor?”117. O PCB identificava três fatores que explicariam este fenômeno:

1) A ausência de um partido comunista forte, de massas, capaz deagitar, organizar e mobilizá-las para a luta de conquista de suasreivindicações mais imediatas, ao mesmo tempo de elevargradualmente o conteúdo de lutas dos movimentos de massa;118

A autocrítica do PCB parece ser bastante realista. De fato, o PCB era um partido que

tinha a sua influência nos poucos sindicatos organizados e nos setores médios e

intelectualizados. Contudo, tinha expressão na imprensa e até mesmo num imaginário, apesar

de ter em 1930 apenas oito anos de fundado.

Continuando o balanço do PCB à Internacional Sindical:

2) O apoio tácito da Coluna Prestes que, durante a campanhaeleitoral para a sucessão presidencial, permitiu à Aliança Liberal aexploração demagógica das tradições revolucionárias da Coluna;3) O apoio dos partidos democráticos dos diferentes Estados e dasoposições dos Estados governados por elementos da ConcentraçãoConservadora, e o apoio do Partido Libertador do Rio Grande do Sul,o qual, em diversas ocasiões combateu, com armas na mão, o governodo Estado e gozava de simpatia das massas.119

A atenção dada pelo PCB à Coluna Prestes ressalta a visão de que esta era uma das

organizações120 políticas capazes de acumular em torno de si capital político suficiente para

um movimento revolucionário. Contudo, não parece claro que o PCB identificasse os setores

militares – entende-se como o movimento tenentista (origem da Coluna) – como um

movimento capaz de ser cooptado ou guiado pelos comunistas. Foi neste momento que

ocorreu uma das aproximações mais importantes para a história do PCB. O encontro de Luiz

Carlos Prestes, líder invicto de um movimento armado que percorreu o interior do país, com o

marxismo. A Coluna Pestes, um desdobramento dos movimentos tenentistas iniciados em

1922, mobilizou parte do país. Pode-se dizer que a partir de então a figura de Luiz Carlos

Prestes e da revolução comunista no Brasil seriam interligadas até a sua morte em 1990.

117 Idem , p. 112.118 Idem119 Idem120 Entende-se organização para além de grupo, partido ou instituição, mas como umas das forças políticas

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Luiz Carlos Prestes, desde muito jovem, revelou indignação com asinjustiças sociais e a miséria de nosso povo, mostrando-se preocupadocom a busca de soluções efetivas para a situação deplorável em que seencontrava a população brasileira, principalmente os trabalhadores docampo, com os quais tivera contato durante a Marcha da Coluna, queficaria conhecida como a Coluna Prestes. Muito antes de tornar-secomunista, Prestes já era um revolucionário. Sua adesão aos ideaiscomunistas e ao movimento comunista apenas veio com provar econfirmar sua vocação revolucionária, seu compromisso definitivocom a luta pela emancipação econômica, social e política do povobrasileiro. Enquanto revolucionário, Prestes foi um patriota, umhomem que, dedicou toda sua vida à luta por um Brasil melhor, porum Brasil onde não mais se fizessem presentes a fome, a miséria, oanalfabetismo, as doenças, a terrível mortalidade infantil e as demaischagas que sabidamente continuam ainda hoje a infelicitar nosso país.Como se dizia antigamente, e no bom sentido da palavra, Prestes foium idealista.121

O ingresso de Prestes no PCB foi o encontro de dois movimentos importantes, o

tenentismo e o comunismo. Uma união que foi mais que uma tática, mas um encontro que os

marcou profundamente.

O Movimento Tenentista, iniciado em 1922 com o Levante de Julho, foi um dos

primeiros passos para um setor importante da classe média brasileira mostrar-se interessado

em tomar a frente dos espaços políticos. Prestes, despontava ainda nos anos 1920 como um

dos grandes líderes desse movimento. Em 1930, com a aproximação dos tenentes com a

Aliança Liberal – e Getúlio Vargas, conseqüentemente – Prestes, viu-se ao reboque de uma

revolução que não atendia aos princípios expressos por ele em maio do mesmo ano, em seu

famoso manifesto.

Ao proletariado sofredor das nossas cidades, aos trabalhadoresoprimidos das fazendas e das estâncias, à massa miserável do nossosertão e muito especialmente aos revolucionários sinceros, aos queestão dispostos à luta e ao sacrifício em prol da profundatransformação por que necessitamos passar, são dirigidas estas linhas.(...)A última campanha política acaba de encerrar-se. Mais uma farsaeleitoral, metódica e cuidadosamente preparada pelos politiqueiros, foilevada a efeito com o concurso ingênuo de muitos e de grande númerode sonhadores ainda não convencidos da inutilidade de tais esforços.

121 PRESTES, Anita Leocádia. 2008. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora: os caminhos da lutaantifascista no Brasil (1934/35). São Paulo, Brasiliense. Pp. 10.

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Mais uma vez os verdadeiros interesses populares foram sacrificados evilmente mistificado todo povo, por uma campanha aparentementedemocrática, mas que no fundo não era mais que a luta entre osinteresses contrários de duas correntes oligárquicas, apoiadas eestimuladas pelos dois grandes imperialismos que nos escravizam, eaos quais os politiqueiros brasileiros entregam, de pés e mãos atados,toda a Nação.Fazendo tais afirmações, não posso, no entanto, deixar de reconhecerentre os elementos da Aliança Liberal grande número derevolucionários sinceros, com os quais creio poder continuar a contarna luta franca e decidida que ora proponho a todos os opressores.

Neste trecho percebe-se a aproximação de Prestes à política dos liberais, ou pelo

menos mostra uma união tática e temporária, frente a interesses em comum: o fim das

oligarquias até então no poder.

Seguimos no manifesto:

(...) A tudo assistimos calados, sacrificando o prestígio moral darevolução, sempre crentes no milagre que seria a eventualidade deuma luta armada entre as duas correntes em choque e que, desta lutaentre os dois interesses, pudesse talvez surgir a terceira corrente,aquela que viesse satisfazer realmente as grandes necessidades de umpovo empobrecido, sacrificado e oprimido por meia dúzia desenhores, que, proprietários da terra e dos meios de produção, sejulgam a elite capaz de dirigir um povo de analfabetos e desfibrados,na opinião deles, e dos seus sociólogos de encomenda.(...)A revolução brasileira não pode ser feita com um programa anódinoda Aliança Liberal. Uma simples mudança de homens, um votosecreto, promessas de liberdade eleitoral, de honestidadeadministrativa, de respeito à Constituição e moeda estável e outraspanacéias, nada resolvem, nem podem de maneira alguma interessar àgrande maioria da nossa população, sem o apoio de qualquerrevolução que se faça terá o caráter de uma simples luta entre asoligarquias dominantes.Não nos enganemos. Somos governados por uma minoria que,proprietária das terras, das fazendas e latifúndios e senhora dos meiosde produção e apoiada nos imperialismos estrangeiros que nosexploram e nos dividem, só será dominada pela verdadeira insurreiçãogeneralizada, pelo levantamento consciente da mais vastas massas dasnossas populações dos sertões e das cidades.

Agora ele diferencia claramente que os seus interesses e os interesses da Aliança

Liberal ,divergem de fundo. Apontando que o programa, por ela defendido, não fará a

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revolução que ele esperava. Nada mudará na vida do povo pobre que ele encontrou pelas

andanças da Coluna.

Continuando o documento, expressando suas expectativas de uma revolução que de

fato mudaria a situação do povo brasileiro

Contra as duas vigas-mestras que sustentam economicamente os atuaisoligarcas, precisam, pois, ser dirigidos os nossos golpes – a grandepropriedade territorial e o imperialismo anglo-americano. Essas asduas causas fundamentais da opressão política em que vivemos e dascrises econômicas sucessivas em que nos debatemos.O Brasil vive sufocado pelo latifúndio, pelo regime feudal dapropriedade agrária, onde se já não há propriamente o braço escravo, oque persiste é um regime de semi-escravidão e semi-servidão.O governo dos coronéis, chefes políticos, donos da terra, só pode ser oque aí temos: opressão política e exploração impositiva.Toda a ação governamental, política e administrativa, gira em tornodos interesses de tais senhores que não medem recursos na defesa deseus privilégios. De tal regime decorrem quase todos os nossos males.Querer remediá-los pelo voto secreto ou pelo ensino obrigatório éingenuidade de quem não quer ver a realidade nacional.(...)A verdadeira luta pela independência nacional deve, portanto, realizar-se contra os grandes senhores da Inglaterra e contra o imperialismo esó poderá ser levada a efeito pela verdadeira insurreição nacional detodos os trabalhadores.As possibilidades atuais de tal revolução são as melhores possíveis.A crise econômica que atravessamos, apesar dos anunciados saldosorçamentários e da proclamada estabilidade monetária, éincontestável. Os impostos aumentam, elevam-se os preços dos artigosde primeira necessidade e baixam os salários. A única soluçãoencontrada pelos governos, dentro das contradições dos regime semque se debatem, são os empréstimos externos com uma maiorexploração da nossa massa trabalhadora e conseqüentementeagravação da opressão política. A situação internacional é, por outraparte, de grandes dificuldades para os capitalismos que nos dominam,a braços com os mais sérios problemas internos, como o dadesocupação de grandes massas trabalhadoras e as insurreiçõesnacionalistas de suas colônias.Além disso, o Brasil, pelas suas naturais riquezas, pelas possibilidadesde rápido crescimento industrial autônomo, está em condiçõesvantajosíssimas para vencer, com relativa rapidez, nesta luta pela suaverdadeira e real emancipação.Para sustentar as reivindicações da revolução que propomos – únicaque julgamos útil aos interesses nacionais – o governo a surgirprecisará ser realizado pelas verdadeiras massas trabalhadoras dascidades e dos sertões. Um governo capaz de garantir todas as mais

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necessárias e indispensáveis reivindicações sociais: limitação dashoras de trabalho, proteção aos trabalhos das mulheres e crianças,seguros contra acidentes, o desemprego, a velhice, a invalidez e adoença, direito de greve, de reunião e de organização.Só um governo de todos os trabalhadores, baseado nos conselhos detrabalhadores da cidade e do campo, soldados e marinheiros, poderácumprir tal programa.A vitória da revolução, em tal momento, mais depende da segurançacom que orientarmos a luta, do que das resistências que nos possamser opostas pelos dominadores atuais, em franca desorganização einepitamente dirigidos.Proclamemos, portanto, a revolução agrária e antiimperialistarealizada e sustentada pelas grandes massas da nossa população.Lutemos pela completa libertação dos trabalhadores agrícolas de todasas formas de exploração feudais e coloniais, pela confiscação,nacionalização e divisão das terras, pela entrega da terra gratuitamenteaos que trabalham. Pela libertação do Brasil do jugo do imperialismo,pela confiscação e nacionalização das empresas nacionais [sic] delatifúndios, concessões, vias de comunicações, serviços públicos,minas, bancos e anulação das dívidas externas.Pela instituição de um governo realmente surgido dos trabalhadoresdas cidades e das fazendas, em completo entendimento com osmovimentos revolucionários antiimperialistas dos países latino-americanos e capaz de esmagar os privilégios dos atuais dominadorese sustentar as reivindicações revolucionárias.Assim, venceremos.

Luiz Carlos PrestesBuenos Aires, maio de 1930.

Em linhas gerais, o programa apresentado por Prestes se resume em uma ampla luta

anti-imperialista e pelo desenvolvimento de um governo voltado para os trabalhadores e

camponeses, que acabasse com as oligarquias e conseqüentemente, com o coronelismo.

Posições muito próximas dos comunistas. O que denota que, mesmo não estando ainda

vinculado ao PCB, Prestes já se encaminhava para o posicionamento comunista sobre

realidade Brasileira.

Os anos que seguiram à “Revolução de 30” foram de relativa calmaria para o PCB.

Um período de re-elaboração de suas diretrizes, ao tempo que o regime de 1930 se

consolidava. Fora do país, Prestes já em Moscou, consolidava-se enquanto comunista e

despontava como possível líder do PCB. Contudo a sua filiação a esse só se dará,

forçadamente, anos mais tarde.

O primeiro grande posicionamento do PCB frente ao novo regime foi em decorrência

da Revolução Paulista. Frente às batalhas que sucederam entre as tropas paulistas e

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federalistas, não houve um posicionamento por nenhuma das frentes por parte do PCB. Este,

criticou o caráter burguês das duas frentes e incitou as “massas” a fazerem sua própria

revolução. Contudo o próprio PCB julgava-se deficiente frente a esse caminho, voltando-se

para a formação de novos quadros. Como aponta o documento de dezembro de 1932:

O Brasil continua sendo o teatro de sangrentas lutas armadas. Asublevação do Fonte de Copacabana em 1922. O golpe de Estado de1924 em São Paulo; a Coluna Prestes; o golpe de Estado de 1930 quedeu à Aliança Liberal; o golpe de São Paulo de julho do corrente ano,são os pontos culminantes dessas lutas. Porém esta ultima superou emintensidade a todas as anteriores (...)(...) O Partido Comunista do Brasil discute e analisa agora a razão desuas debilidades e trata de remediar sua difícil situação. Nos últimostempos criou-se uma quantidade de células nas empresas de industriasdecisivas e fazem-se tentativas para penetrar no campo. O Partidocomeça a prestar mais atenção à elevação de seu nível ideológico e àformação de seus quadros.(...) O PCB tem à sua frente grandes perspectivas, e a luta ideológicaque começa a levar em seu seio o ajudará a afrontar as mesmas comocorrespondente.122

O PCB esperava então um momento propício da classe trabalhadora para uma

revolução que a levaria ao poder. Este momento chegou, segundo a interpretação pecebista,

em 1935, com a união entre os interesses do PCB e das classes médias, representadas pelos

tenentes.

1935 foi para o PCB e para a política brasileira um ano muito movimentado. Com a

formação da Aliança Nacional Libertadora – ANL, em março, o PCB iniciava sua luta contra

o fascismo e sua política de união de classes. Se o discurso e a prática (mais prática que

discurso) do partido, até então vinha sendo o de rechaçar intelectuais e militantes que não

fossem da classe trabalhadora, haja vista o exemplo de Astrojildo Pereira – líder do PCB por

anos, um de seus fundadores, que nos fins da década de 1920 até os fins dos anos 1930 esteve

afastado do setor decisivo do Partido, devido à sua origem pequeno burguesa. A decisão pela

abertura política fora feita em outubro de 1934, durante a III Conferência dos Partidos

Comunistas da América do Sul e Caribe. A partir de então os partidos comunistas da região

passaram a priorizar as lutas de libertação nacional, agregando a si, setores progressistas que

pudessem construir um caminho favorável para a revolução socialista.

122 CARONE, Edgar. 1988. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro, Bretrand Brasil. Pp.: 142-143.

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A luta de libertação nacional contra o imperialismo colocou emprimeiro plano a necessidade aguda de organizar a revolução nacionalconduzindo sistematicamente as mais amplas massas nacionais à lutacontra o imperialismo e seus agentes locais, formando assim a maisampla frente antiimperialista.123

Uma ampla frente, essa é a expressão ideal para definir o que foi a ANL. Nela,

encontravam-se tanto o PCB – seu principal idealizador – como setores militares progressistas

e descontentes com o governo de Vargas, em sua maioria tenentes; além de intelectuais,

estudantes e empresários contrários ao crescimento de organizações de base fascista como a

AIB – Ação Integralista do Brasil –, fundada em 1932. Dessa forma, gravitavam em torno do

PCB importantes setores da vida social. Enquanto partido clandestino, o PCB usava da

legalidade da ANL para suas demandas públicas.

Toda essa política parece mesmo ter sido gestada na III Conferência dos Partidos

Comunistas da América do Sul e Caribe. Anita Prestes apresentou em um artigo trechos do

relatório taquigráfico dessa conferência. A partir desses trechos ela localiza a participação de

Antonio Maciel Bonfim, também conhecido por Miranda ou Queiroz, no entendimento que o

Brasil vivia um momento propício para uma revolução nacional e anti-imperialista:

Ao consultar as Atas taquigráficas da III Conferência dos PartidosComunistas da América do Sul e Caribe, chamam atenção os informesfeitos pelo então secretário-geral do PCB, Antônio Maciel Bonfim(Miranda), codinome Queiroz, adotado durante os encontros emMoscou. O triunfalismo e o caráter fantasioso das informaçõestransmitidas por esse personagem são reveladores de que, tendoempolgado havia pouco a direção máxima do PCB, tratava-se, naverdade, de um parlapatão, bom falante, vaidoso e aventureiro, que,num momento de grave crise do partido, conseguira ser promovido aoseu cargo Maximo, sem um exame criterioso da trajetória dessemilitante recém-ingresso nas fileiras comunistas.A segurança com que Queiroz desfiou, na Conferência, dadosminuciosos e informações detalhadas sobre a situação brasileira –falando correntemente em francês, idioma que Manuilski e outrosdirigentes da IC compreendiam – impressionou profundamente taisdirigentes, tendo isso contribuído, certamente, o desconhecimentoentão existente da América Latina e, em especial, do Brasil. Queirozafirmava, por exemplo, que havia uma “profunda crise revolucionáriano Brasil”, exagerando o diapasão das lutas camponesas “pelo paístodo”, assim como das lutas do proletariado. Referia-se a uma crise

123 The Comunist International (20/05/1935) apud PRESTES, Anita Leocádia. A Conferência dos Partidos daAmérica do Sul e do Caribe e os Levantes de Novembro de 1935 no Brasil. In Crítica Marxista. Nº 22.Campinas, Editora Revan, maio de 2006. P. 134. Grifos no original.

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“terrível” no país e dizia que s cangaceiros “conclamavam à luta,unificam todos os miseráveis, que lutam por pão, pela vida”.124

A caracterização que Anita Prestes faz de Miranda é espantosa. Parece-se que de fato

houve graves erros de interpretação da realidade brasileira por parte da direção do PCB e,

especialmente de seu secretário-geral. Essa incompreensão da realidade brasileira custou caro

ao PCB e à sua política de aproximações de classes contra o imperialismo.

O entendimento por parte da direção do PCB de que o cangaço era uma potencial

frente revolucionária e que Lampião e o cangaço seriam “guerrilheiros, que de boca em boca

se tornam defensores da liberdade, defensores da vida do campesinato” explica a iniciativa de

Jackson Cavalcante, Augusto Villas-Boas, Fernando Sant’Anna, David Gandelmann e

Antonio Borba terem, em 1935, tentando firmar contato com Lampião e atraí-lo para as

fileiras dos PCB.125

Mas, voltando ao PCB e a Miranda, devido a esta leitura do Partido, a Internacional

Comunista, passaria a investir no Brasil enquanto um potencial palco de uma revolução anti-

imperialista e, futuramente, socialista. A partir de então a história é bem conhecida. Militantes

internacionais, recursos e tramas que culminaram nos Levantes de Novembro de 1935, seu

fracasso e numa organizada caçada aos comunistas em todo o país empreendida pelo governo

Vargas e seu chefe de polícia, Filinto Müller.

Pouco tomou parte o PCB na Bahia dos movimentos de 1935. Além de militantes

baianos que participaram dos levantes, no próprio território da Bahia nada houve. Porém, nos

meses seguintes aos levantes e com o início da caçada aos comunistas a Bahia, especialmente

os comunistas, passaram a vivenciar novas experiências.

Como a Bahia não tinha um histórico de perseguição aos comunistas e o governador

Juracy Magalhães não demonstrava preocupação com eles no estado, a Bahia tornou-se um

local relativamente seguro para as lideranças do PCB e da ANL.

A Bahia foi um estado de participação pequena nos acontecimentos denovembro de 1935, quando se deu o levante militar revolucionário emNatal, Recife e Rio de Janeiro. Levante aliancista, mas dirigido peloscomunistas. Em salvador, a repressão também foi pequena e, como oambiente na capital da Bahia era menos opressivo do que outraspartes, lá vieram ter comunistas de vários estados, sobretudo do

124 PRESTES, Op cit, Pp. 134-5.125 Pelo que sabemos, esse contato não foi feito nessa ocasião devido a estes terem sidos presos em Alagoinhas(RISÉRIO, Antonio. 2002. Adorável Comunista: História Política, Charme e Confidências de FernandSant’Anna. Rio de Janeiro, Versal), mas também, desconheço que este um dia tenha sido feito.

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Nordeste. Este afluxo de militantes politizados iria converter Salvadorem um centro de esquerdismo com influencia nacional nos anosposteriores. E daí se fala até em Grupo Baiano e coisas do gênero.126

Dessa forma, vieram a Salvador: Alberto Passos Guimarães (Rodrigo), Lauro Araujo

(Duas Massas), dirigentes regionais de Alagoas; Coripheu de Azevedo Marques, do diretório

regional de São Paulo e do bureau político nacional; Lauro Reginaldo da Rocha (Bangu),

Honório de Freitas Guimarães (Martins) e Eduardo Pereira Xavier (Abóbora), do Rio de

Janeiro; João Rodrigues Sobral e Moisés Vinhas (Xangô), de Pernambuco. Além de Giocondo

Dias, baiano que atuou no levante tenente-comunista de Natal (1935), que voltou a Salvador e

foi, em certa medida, o responsável pela articulação deste auspício que foi Salvador de 1936-

1942.

Estes importantes líderes foram aos poucos se instalando e seguindo suas vidas na

clandestinidade. Pouco se sabia deles na época. Contudo, a influência de sua presença no

partido e, especialmente, nos jovens membros deste foi fundamental. Com esta, formou-se na

cidade, especialmente entre os jovens recém ingressos no PCB, um clima que proporcionou

experiência formadora e organizacional.

3. A mocidade baiana: suas instituições, seus ideais e sua atuação.

A estrutura educacional na Bahia era na década de 1930 – e permaneceu sendo

por muito tempo – centralizada em Salvador. No interior existiam professores públicos que

ministravam suas aulas em casa ou em salas alugadas – com raras exceções, como em Caetité.

A organização de grupos escolares (escolas reunidas) com uma padronização predial só fora

ocorrer na década de 1930, por iniciativa de Juracy Magalhães e de sua política de aliança

com os líderes locais. Contudo, ainda depois dos anos 1930 a educação ginasial e superior era

uma exclusividade da capital. De forma que qualquer baiano que tivesse interesse em

continuar seus estudos para além do primário teria que se deslocar para a Bahia.

Lá, o jovem teria ainda a sua disposição poucas instituições, sendo elas nos anos

1930: Ginásio Carneiro Ribeiro, Ginásio Ypiranga, Liceu Salesiano, Colégio Nossa Senhora

de Lourdes, Ginásio São Salvador, Instituto Bahiano de Ensino, Ginásio São José, Colégio

Antonio Vieira, Ginásio Nossa Senhora da Vitória, Instituto Sophia Costa Pinto, Colégio

126 GORENDER, Jacob. Entrevista dada a Alipio Freire e Paulo de Tarso Vasconcelos. Teria e Debate, nº11. 3ºtrimestre de 1990.

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Nossa Senhora das Mercês e o mais prestigiado de todos e único público, Ginásio da Bahia

(atual Colégio Central da Bahia). Deborah Kelman de Lima, faz uma classificação em sua

dissertação de mestrado e localiza a formação de classes dessas instituições. Vejamos como é

a divisão que Lima faz127:

Educandários particulares de Salvador128

Cursados pelas camadas médias Cursados pela eliteGinásio Carneiro Ribeiro,

Ginásio Ypiranga,Liceu Salesiano,

Colégio Nossa Senhora deLourdes,Ginásio São Salvador,

Instituto Bahiano de Ensino,Ginásio São José

Colégio Antonio Vieira,Ginásio Nossa Senhora da

Vitória,Instituto Sophia Costa Pinto,Colégio Nossa Senhora das

Mercês

Afora estes, o Ginásio da Bahia seria a principal instituição de ensino secundário

do estado. Por este ser público e ter provas de admissão afamadas por sua severidade,

acreditava-se que lá se encontravam os melhores estudantes da Bahia. A sua composição

social era, segundos os relatos, variada. Lá, encontravam-se na mesma sala de aula desde

filhos de governadores e banqueiros, como de Clementi Marianne, a filhos de operários e

comerciantes, a exemplo de Carlos Marighella e Jacob Gorender. O que tornava possível essa

diversificação de origens sociais era o processo de entrada, um vestibular. O que muito

orgulhava os seus estudantes:

(O Ginásio) era aberto a todas as classes, então era um ginásio quedava um exemplo de como deveria ser a sociedade, Né? Porque eleera amplo, ele não fazia restrições a ninguém. A restrição era feita nabase do conhecimento, da preparação. Se o sujeito fosse pra lá sempreparação não passava, tanto fosse das classes dominantes, comotambém das classes dominadas. Não havia nenhuma vantagem para Aou B passar no admissão ou passar nas provas, do primeiro ano, ou dosegundo se não tivesse preparo129

127 LIMA, Deborah Kelman de. 2003. “Banquete Espiritual da Instituição”: O Ginásio da Bahia, Salvador: 1895-1942. Dissertação de mestrado. Salvador, UFBA.128 Baseado no “quadro 29: instituições de origem (com dados)” In LIMA, op cite, p 103.129 Fernando Sant’Anna entrevista cedida a Déborah Kelman de Lima em 05 de junho de 2002 In LIMA,Déborah Kelman de. 2003. “O Banquete Espiritual da Instituição”: O Ginásio da Bahia, Salvador: 1895-1942.Dissertação de Mestrado em História. Salvador, UFBA. P 107.

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O aparente clima de interação de classes vivenciado no Ginásio da Bahia

proporcionava a estes estudantes contatos com as mais diversas realidades da cidade de

Salvador e do estado.

Dentre os jovens aqui estudados, freqüentaram os bancos do Ginásio da Bahia,

Fernando Sant’Anna, João Falcão, Mário Alves, Armênio Guedes e Jacob Gorender. As

exceções são: Aristeu Nogueira que estudava no Ginásio Ypiranga; e Diógenes Arruda

Câmara que viera de Pernambuco e nesta época já estava na Faculdade.

A participação comunista entre os estudantes baianos era até meados da década de

1930, pouco expressiva, o que mudou drasticamente com a chegada a Bahia de importantes

líderes do PCB em 1936-1937. A Bahia que até então tinha pouca expressão no PCB, passa a

ser o centro político do partido – vale ressaltar, que era um partido desorganizado, disperso e

muito fragilizado devido à perseguição impetrada pela polícia política de Filinto Müller.

Este relocamento político teve conseqüências no movimento estudantil, assim como

as estratégias de ação do PCB mudaram. Com a ANL, o foco da atuação do partido amplia-se

abrindo cada vez mais espaço para a atuação política de intelectuais. Se a política do PCB era

até então o sectarismo e a frente juntos aos movimentos operários, com a ANL este passa a

priorizar a ação numa ampla frente onde os estudantes e os intelectuais tiveram um papel

forte.

Foi o que ocorreu na Bahia, com esta política e com a estadia desses comunistas em

Salvador, a organização estudantil mudou drasticamente. Se antes se imitavam as

mobilizações pontuais, neste momento passam a priorizar a formação de quadros para o

partido. Criaram-se então células nas instituições, grupos organizados de estudantes

vinculados ao PCB.

João Falcão lembrou essas mudanças e as localiza justamente na passagem de 1938

para 1939, momento em que a revista Seiva é lançada.

Convivendo com jovens e velhos intelectuais sufocados pela falta eambiente para a criação literária, comecei a pensar numa revista. Nãoseria nada fácil um empreendimento desse porte, a começar pelalicença para funcionamento do registro no DIP até sua sustentaçãofinanceira. Fui amadurecendo, conversando cm os amigos ecompanheiros e, finalmente, levei a idéia a Arruda Câmara. Elefranziu a testa e comprimido-a com o polegar e indicador da mão

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esquerda – como era o seu habito – respondeu que era uma grandeiniciativa e que iria submetê-la à direção do Partido.130

Fica mais uma vez claro neste trecho o papel de Arruda Câmara de intermédio entre

os estudantes e os novos militantes e a direção do Partido. Talvez devido à sua idade e ao

tempo no Partido, ou mesmo por suas habilidades pessoais, Arruda Câmara exerceu um papel

preponderante na formação do que seria mais tarde, em circunstâncias da reorganização do

PCB, chamado de grupo baiano.

Contudo, outras coisas chamam a atenção. A primeira delas é um indício do papel do

intelectual frente à conjuntura de uma ditadura tão ferrenha. E juntamente com ela, a

importância de uma revista, um órgão, mesmo que não oficial, de comunicação, formação e

aglutinação dos intelectuais. Ana Paula Palamartchuk, já tratou desse assunto ao analisar as

editoras vinculadas ao PCB nas décadas de 1920-30. Em sua dissertação Palamartchuk

escreve sobre como os intelectuais viam o seu papel frente à sociedade; ela analisa a revista

Clarté, mas as conclusões que chega podem ser generalizadas para a visão dos intelectuais

brasileiros, dos anos 20 e 30 do século XX:

Mais que um povo miserável, explorado e oprimido, estas definiçõestambém o qualificam como ignorantes até de si mesmo. Desta forma,justifica-se a necessidade de organização dos “intelectuais”, são elesque, imbuídos da ciência, podem elaborar as propostas, asreivindicações e até um projeto de sociedade para o pobre povo brutoe ignorante. (...) Esta lógica pressupõe o papel do intelectual comoeducador/civilizador do povo e/ou do trabalhador se forma através dedois movimentos diferentes, mas não contraditórios. O primeiro delestem a ver com o status que a União Soviética ganha na revista [Clarté]e, ao mesmo tempo, que visão os clartistas elaboram sobre ela. E osegundo relaciona-se as características que grande parte dosintelectuais do Brasil assumiram para si.131

Não diferente, os intelectuais da Seiva pensavam ser necessária a criação de um

espaço/instrumento de organização dos intelectuais frente ao crescente fascismo.

Os primeiros passos para o que será a Seiva, são dados na Faculdade de Ciências

Jurídicas e Sociais da Bahia. Nesta estudavam Aristeu Nogueira, Armênio Guedes, João

Falcão e Jacob Gorender, entre outros militantes comunistas. Foi, a partir dessa célula que o

130 FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que eu Conheci (20 anos de clandestinidade). Rio de Janeiro,Civlização Brasileira. Pp. 47-48.131 PALAMARTCHUK, Ana Paula. 1997. Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o comunismo,1920-1945. Dissertação (Mestrado em História), Campinas, UNICAMP. Pp. 25-6.

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grupo de intelectuais que ficou conhecido nos anos 1940 por grupo Baiano, surgiu. A história

que estou contando passa especialmente por esta célula. João Falcão nos conta como se deu

seu ingresso nesta:

Março, 5, 1938. Às oito da noite eu estava defronte ao Palácio daAssembléia Legislativa, no Campo Grande, em Salvador, onde haviamarcado encontro com Arruda Câmara. Chegando em seguida, semparar, ele me segurou fortemente pelo braço e formos andandodepressa em direção à rua Banco dos Ingleses, que ficava do outrolado da praça. Paramos num casarão antigo. Ao pé da escada, quedava acesso ao pavimento superior, havia uma porta por ondeentramos, sem bater, para o subsolo. Na sala encontrava-se um jovemestudante de direito, já meu conhecido. Magro, alto, alourado, olhosazuis, ele aparentava 20 ano. Seu nome era Armênio Guedes. Falandoformalmente, Arruda disse-lhe que eu havia aceito o convite paraingressar nas fileiras do Partido e que seria ligado ao trabalho naFaculdade de Direito. Deu instruções para ele apresentar-se aoscompanheiros e, logo que fosse possível, realizar a primeira reuniãoda célula. Combinou que me seriam emprestados alguns livros básicospara enfronhar-me nos fundamentos teóricos do Partido Comunista ede teoria marxista. Dito isso, Arruda apertou minha mão e saiurapidamente132.

Desta primeira reunião de Falcão nos subsolos da casa dos Guedes, viriam muitas

outras. Este local seria, o que Falcão chamou de uma “Cidadela do PCB”133. Lá moravam

Dona Sinhá e seus onze filhos – todos comunistas, segundo Falcão. Viúva, Dona Sinhá, veio

da Chapada Diamantina, Mucugê, mais precisamente, para Salvador, a fim de garantir a

educação adequada a seus filhos – todos obtiveram título superior. Esta casa era, escreveu

Falcão, “a única casa da Bahia onde se podia professar a ideologia comunista naqueles dias

negros de ditadura e fascismo” 134 e era o local ideal para as reuniões da célula da Faculdade

de Direito.

A trajetória da família Guedes, mereceria um estudo à parte dessa dissertação.

Devido a perseguição à sua intensa participação política, os Guedes sofreram grandes baixas.

João Falcão entrevistou dona Sinhá, que lhe contou um pouco da trajetória de perdas de sua

família:

132 FALCÃO, Op. Cit. P. 39133 IDEM p. 54.134 IDEM, p. 55.

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[A] primeira, Júlia, que cumpriu missão em Moscou e lá, acometidade grave enfermidade, veio a falecer e foi enterrada, em 1958; depoisseu genro, marido de Júlia, o jornalista Rui Facó, vitima de sabotagemquando viajava de avião do Chile para o Brasil em missão do Partido,em 1963; depois Iracema, vítima de terrível desastre automobilísticono Rio de Janeiro, quando morreu ao lado de Aldeir Paraguassú, suaprima e esposa de Arruda Câmara. Em seguida falou-me sobre omartírio de Célio Guedes, torturado e morto a 11 de agosto de 1969 no2º Distrito Naval do Rio de Janeiro. Seu corpo foi por ela resgatado daDelegacia de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro após 19 diasna geladeira do necrotério, e enterrado no dia 30 de agosto de 1969 noCemitério São João Batista, estando ela acompanhada por sua filhaDagmar, seu filho mais velho Enéas e seu genro Mauricio Naiberg.Finalmente, Dagmar, que morreu vitima de câncer.135

Contudo, ela finalizou a entrevista dizendo que a sua maior felicidade foi ter criado

seus filhos como eles são. “sofreram, viveram, morreram alguns. Com tudo isso não me

arrependo. Valeu, João.”

Sétimo filho dessa família, Armênio Guedes desempenhou papel importante para a

consolidação do PCB na Bahia. Armênio e Aristeu desempenhavam um papel interno de

organização do Partido. Diferente de Fernando Sant’Anna, que era uma figura pública do

Partido, especialmente entre os estudantes, Aristeu, Armênio, João e Diógenes trabalhavam

como intelectuais organizadores do partido na Bahia. Diógenes era a ponte principal desse

grupo com os militantes clandestinos na Bahia e com a direção do Partido. Mas os demais

atuavam nos bastidores da formação, junto ao movimento estudantil e intelectual de um grupo

comunista forte e organizado na Bahia.

A célula de Direito surgira no porão da casa dos Guedes, mas sua atuação foi muito

além daquela casa, de sua rua, do Campo Grande e até mesmo da cidade da Bahia. Sua

organização começou pela formação intelectual e ideológica de seus membros. A leitura de

uma bibliografia básica, incluindo Marx e Stalin, era quase que obrigatória. João Falcão

lembrou que ao sair de sua primeira reunião com militantes do PCB, levara consigo livros.

Estes foram: o Manifesto Comunista, de Marx, Fundamentos do Leninismo, Materialismo

Histórico e Materialismo Dialético, de Stalin e ABC do Comunismo, de Bukharin.136

Os encontros da célula ocorreriam quase sempre na casa dos Guedes. Na Faculdade a

atuação ou mesmo aproximação deles teria que ser discreta. A orientação era que eles se

infiltrassem no Centro Acadêmico Rui Barbosa e na Associação Universitária da Bahia –

135 Ibidem, p. 55.136 FALCÂO, op cit, p. 39.

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AUB, como elementos de massa. Ou seja, eles não deveriam ser líderes formais do

movimento estudantil, aqueles que seriam presidentes do centro ou mesmo da AUB, caberia a

eles articularem as bases do movimento sem chamarem atenção para si.

Aqui, parece-me fundamental e necessário, diferenciarmos melhor dois perfis de

militantes e duas formas de atuação desses no movimento estudantil e, quiçá, em outros, por

parte do PCB. O primeiro perfil é daquele militante, digamos que, público. Aquele que faz

falas nas assembléias, comícios e manifestações, que é a figura pública da organização, aquele

que tem a sua imagem vinculada ao grupo de que faz parte. Outra seria daqueles que não

aparecem em palanques, mas atuam internamente na organização, organizam o grupo,

discutem a tática política, que fazem o convencimento dos outros de forma mais

individualizada, um a um. Os dois têm papel fundamental e complementar numa organização,

especialmente, clandestina. Perece-me ainda que estes dois perfis de militantes, de intelectuais

podem ser encontrados entre os jovens aqui estudados.

O primeiro deles pode ser encontrado no perfil de Fernando Sant’Anna. Uma figura

carismática, boa pinta, um jovem que arrancava suspiros das moças com seus largos passos de

danças nos clubes e salões da cidade. Um camarada de todos, que passava noites em festas e

que amanhecia cercado de colegas e de belas moças na distante e bela praia de Itapuã, como

lembrou em entrevista a Antonio Risério:

O ingresso de Fernando Sant’Anna no PCB, assim como de boa parte dos comunistas

baianos que teriam projeção nas décadas de 1940 e 50, foi através do Movimento Estudantil e,

especialmente no caso dele, da boemia. Eram nas faculdades e nas escolas que as células

comunistas eram instaladas. No tocante ao Movimento Estudantil, Fernando foi um líder

exemplar. Nele encontravam-se as qualidades fundamentais: dono de uma oratória

tipicamente baiana e cativante, de elegância e sedução, o que era sempre comprovado nos

bailes em que participava.

Contudo, a atuação desses indivíduos “públicos” do Partido, não necessariamente

fazia parte dos espaços de decisão do mesmo. Fernando mesmo lembra que fora informado

pelo Partido de sua candidatura para Deputado Federal em 1958. Ele fala que embora fosse do

Diretório Estadual do Partido, ele não freqüentava as reuniões, e que nesta onde se decidiu por

sua candidatura, ele sequer fora convidado. O que demonstra que a hipótese dos perfis está

correta. Ou seja, existiam dois tipos de intelectuais do Partido, Fernando seria, então, um dos

militantes públicos que tinham o papel de cativas “as massas” ao Partido. Enquanto, outros se

dedicavam às tarefas político-programática do mesmo. Sobre, propriamente, a militância de

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Fernando, Aristeu Nogueira falou a Antônio Risério que, nunca o vira como um militante mas

como um companheiro. Afirmou Aristeu:

Fernando nunca foi um profissional do Partido. (...) Atuação políticamesmo, juntamente com o Fernando, eu quase não tive. Fui muitopouca, quase nenhuma. Não tínhamos uma atividade política ligada aotrabalho prático, ligada diretamente à militância. Eu o procurava maispor outra coisa. Procurava porque ele era comunista e era contribuintedo Partido. Então, de vez em quando, eu ia até ele. Mas, quasesempre, para pegar algum dinheiro para o Partido.137

Não me parece que estes “papéis” eram nítidos aos indivíduos durante o processo,

muito menos que fora anteriormente arquitetada. Parece-me que pelas afinidades e

compromissos individuais, pelos caminhos que cada um construiu para o comunismo, que

esse processo se deu.

Então, como seriam os outros intelectuais do partido, aqueles dedicados ao trabalho

interno, político e programático do mesmo? A atuação de Aristeu Nogueira, Armênio Guedes,

Diógenes Arruda Câmara, Mário Alves e João Falcão no PCB, era muito mais interna. Isso

não quer dizer que estes não fizessem discursos e/ou assumissem cargos e funções nas

organizações que participavam. João Falcão, nos fala dessa dinâmica ao lembrar-se das

recomendações que lhe foram dadas quando ingressou nos espaços mais clandestinos do

Partido:

Foi-me explicado que o nosso trabalho era realizado e duas frentes: alegal e a ilegal. Era preciso saber combiná-lo bem para não cometererros, que poderíamos ser fatais. Não contundi-las. O trabalho legalera o trabalho junto às massas, nas organizações existentes. O trabalhoilegal era o trabalho clandestino, da atividade partidária e dofuncionamento do Partido. Ainda como tarefa eu devia ler os livrosque me foram emprestados e depois passá-los aos novoscompanheiros. (...) Da reunião sai sem saber qual a função dos doiscolegas (Armênio Guedes e Aristeu Nogueira) no Partido. É que otrabalho ilegal e conspirativo tinha por principio básico ninguém saberalém do que era necessário às suas próprias tarefas. Foi-merecomendado, também, não me aproximar deles na Faculdade, a nãoser em função do trabalho. Os problemas do Partido só seriamdiscutidos nas reuniões do Partido.138

137 NOGUEIRA, Aristeu apud, RISÉRIO, Op Cit, P. 269.138 FALCÃO, Op Cit. P. 41.

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Foi desse grupo mais dedicado às tarefas internas do Partido que a Seiva surgiu.

Participava desse grupo, além de Diógenes Arruda Câmara, os três estudantes de Direito que

formavam a Célula da Faculdade, Aristeu Nogueira, Armênio Guedes e João Falcão. A este

grupo seria incluído, já quando Aristeu e Armênio estavam por se formar, Jacob Gorender,

vindo do movimento estudantil do Ginásio da Bahia e ingressante em Direito.

Um dos atos mais significativos desenvolvidos pelos comunistas baianos dessa

geração ocorreu no Primeiro de maio de 1939. O Dia do Trabalho era um grande

acontecimento no Estado Novo. Grandes passeatas e desfiles eram comuns nesse dia.

Trabalhadores e estudantes saíam às ruas e carregavam flâmulas com imagens dos

governantes e políticos da época. Faixas com palavras de ordens, com elogios ao Presidente

Vargas e a sua política populista para os trabalhadores era comuns.

Em salvador, como em todo Brasil, o 1º de Maio foi uma festaorganizada pelo governo ditatorial e pelos pelegos sindicais. Retratosde Vargas, carregados pelos trabalhadores, desfilando aos milharespelas ruas, e jogos de futebol à tarde, com os portões abertos a todo opovo, eram os principais atos das comemorações. Nada dereivindicações contra a guerra e pela paz, um sentimento comum atoda humanidade, mais preocupada com o novo conflito mundial queparecia inevitável e iminente.139

Num evento desses o PCB não poderia deixar de atuar com o intuito de conscientizar

os trabalhadores para as suas condições de trabalho, vida e, sobretudo, dos riscos que corria a

humanidade com o conflito iminente. Assim, para motivarem a necessidade de os acordarem

para a realidade e fazer-los perceber que o PCB e a revolução eram os únicos caminhos para a

construção de um governo, verdadeiramente dos trabalhadores, os jovens comunistas das

células de Direito, Medicina e de Engenharia e os envolvidos na revista Seiva, organizaram

sua participação nos festejos, não para festejá-los. Mas como fazer tal empreitada estando na

clandestinidade absoluta?

O PCB preparou bandeiras vermelhas de 60 por 80 cm com frases curtas e incisivas,

a exemplo: “Viva o 1º de Maio”, “Abaixo o Estado Novo”, “Abaixo o Fascismo”, “Abaixo a

Guerra”, “Liberdade para Prestes”140. Estas bandeirinhas vermelhas com as mensagens em

preto seriam penduradas através de um dispositivo que as prendesse, na fiação elétrica.

139 Idem, p. 60.140 Ibidem

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Organizaram-se em três grupos. Um liderado por João Falcão, outro por Milton

Caires de Brito e outro por Aristeu Nogueira. Foram dadas armas para que estes pudessem

fugir de qualquer ação fortuita de policiais do DOPS ou quaisquer outras surpresas. A ação

teria que ser rápida e silenciosa. Ela teria que ser na madrugada da terça 30 de abril para a

quarta de 1º de maio de 1939. De forma que ninguém as visse antes do amanhecer e do

desfile, além de fazer com que o trabalho que o corpo de bombeiros teria para retirá-las fosse

árduo e demorado.

A ação estudantil vinculada ao PCB se fortalecia cada vez mais com a urgência das

mobilizações contra a iminente guerra e o fascismo/integralismo. E foi com esse espírito que a

Jazz Acadêmico foi reorganizada pela AUB. Tratava-se de uma banda musical composta por

estudantes com o intuito de diverti-los. Contudo, “o Partido via nessa atividade uma nova

forma de trabalho e de atração da juventude estudantil para a sua entidade representativa”141.

Em sua primeira formação a Jazz contou com a participação de estudantes

vinculados e próximos aos PCB, porém com discrição para não chamarem muita atenção.

Fizeram parte dessa primeira formação:

José Guerra, sextanista de Medicina, excelente baixo e cantor lírico,pianista; Raimundo Martins Agra, estudante da Escola de Comércio,segundo pianista, tocava atabaque,; Raimundo Wanderley,vestibulando, o baterista; Antonio Jorge de Almeida, estudante deMedicina, tocava violino e era crooner; Rudy Zollinger, estudante deEletro-mecânica, contra-baixo; Eliseu Costa, vestibulando, violino;Washington e Álvaro Lima, estudantes do comércio, saxofone; ÁlvaroCorrea, secundarista, piston; Ocridalino (Lon), no trombone de vara eOsvaldo Conrado, estudante de Medicina, pandeiro. Depois figuravamna Jazz, Nilton Vieira Lima e José Guilherme de Macedo Filho, nabateria, Adalberto, no saxofone, Zeca, no piston e João Guerra, nopandeiro.142

Nas noites de bailes, os estudantes baianos passavam a ter a Jazz para lhes animar.

Fernando Sant’Anna teve um papel importante nesse momento. É aqui que ele se desponta no

movimento estudantil, por sua oratória, e nos salões por seus passos “engraçados”. Seu papel

era ensinar aos demais os passos das músicas que estavam sendo executadas. Muitas delas

novas. A essa relação de Fernando com a dança e a oratória, Risério chamou de, “dupla

militância”. Uma militância artístico-cultural, onde ele exercia o papel de agitador cultural, e

141 Ibidem p. 61142 Ibidem p. 62

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a militância interna no Partido, essa, como já disse mais voltada aos espaços públicos e pouco

dedicada aos afazeres internos, político-programáticos.

O papel da Jazz ia além da atração de estudantes para a AUB. Talvez, nem o Partido

tivesse noção do papel que este iria desempenhar mais à frente. Atrás dos smokings, dos

rapazes bem afeiçoados, da música e dos largos passos de Fernando Sant’Anna e de Lourival

Baptista no salão, escondia-se um dos instrumentos mais úteis utilizados pelo PCB para

contatar militante no Nordeste. Em 1940 a Jazz saiu da Bahia em excursão para o Rio de

Janeiro e depois por vários estados do Nordeste (Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte

e Paraíba). Aproveitava-se estas viagens para a realização de reuniões com estudantes e

militantes locais, pegar e distribuir panfletos, correspondências, jornais etc. O método foi bem

simples e engenhoso. O maior problema era como fazê-los sem levantar suspeitas. Ainda mais

em pleno Estado Novo e num clima de tensão causada por constantes suspeitas de

conspirações etc. fizeram tal empreitada...

Organizando uma caravana lítero-musical. Com a Jazz Acadêmica, éclaro. “com antecedência de mais de um mês, escrevemos aosprefeitos e interventores [do Estado Novo] comunicando nosso desejode visitar aquela cidade e pedindo apoio para esse salutar intercambioestudantil e cultural”, relembra Falcão. O apoio veio. E a excursãocomeçou. Um sucesso. A Jazz Acadêmica empolgava. Em cadacidade, os estudantes baianos eram recebidos pelas autoridades locais,tinham carros oficiais a sua disposição, etc. No Recife, encontraramabertas as portas do Palácio. O que os representantes da ditadura doEstado Novo não sabiam era que, na parte do dia, antes dasapresentações noturnas da Jazz Acadêmica, João Falcão entrava emcontato com os comunistas do lugar, que andavam isolados, com adesarticulação nacional do Partido. Ou seja: ao patrocinar a excursãoestudantil baiana, o Estado Novo estava patrocinando,involuntariamente, um esforço de reorganização do PCB...143

Acredito que a Jazz Acadêmico teve papel muito importante na reorganização do

PCB. Seu papel vai além da rearticulação e reaproximação dos militantes do Partido pelo

Nordeste, mas, também, no sentido de formar nestes jovens a percepção da importância da

cultura, da arte, do lúdico na formação intelectual e política. A Jazz foi uma das muitas

iniciativas de intelectuais do PCB em “conscientizarem” o povo pela arte e pela cultura.

Nesta mesma época, em Irará, Aristeu Nogueira organizava o Centro de Diversão e

Cultura – CDC, com o intuito de promover iniciativas culturais para a população de seu

143 RISÉRIO, op cit. P. 128.

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município. Recém formado em Direito, Aristeu voltou a sua terra natal em 1939 para

trabalhar como agente de recenseamento. São dessa época os seus diários, ou melhor, suas

cadernetas de anotações e pesquisa. Três chegaram até hoje, mas tudo indica que eram muitas

outras – que não sobreviveram às prisões, vistorias e outras iniciativas violentas da polícia das

ditaduras Vargas (1937-45) e Militar (1964-85, especialmente até 1978). Neles, encontramos

um jovem preocupado com a história de seu povo. São, na sua maioria, transcrições de

entrevistas com pessoas da roça que contam o que sabem sobre a origem de suas localidades,

sobre o motivo do nome da mesma, sobre as famílias mais antigas, sobre a posse da terra e as

lutas por sua manutenção144. Mas encontramos também, planos de estudos sobre os

movimentos de Independência da Bahia (1823) e sobre lutas de escravos (1711)145.

É dessa época a peça de tetro de Ubaldino de Almeida, “Irará em Revista”. Nesta,

Ubaldino, boticário prático e entusiasta cultural, faz a cidade e sua população apresentar-se a

um Agente de Estatística. Numa típica encenação do teatro de revista, onde as ruas, praças e

monumentos são dotados de vida. Este agente, interpretado pelo professor Arthur Oliveira,

segue conhecendo a cidade com um olhar de curiosidade até que ele conhece o “Filho da

Cidade”, interpretado por Vilobaldo Silva. Ser místico, que segue apresentando a cidade ao

viajante ao mesmo tempo em que a vai descobrindo.

Aristeu Nogueira foi contra-regra dessa peça, e parece-me que foi em algum nível,

um dos inspiradores para a construção dos dois personagens principais dela – o Agente de

Estatística e o Filho da Cidade. Ubaldino de Almeida – pai de Odete de Almeida, militante

comunista nos anos 1930 e primeira esposa de Aristeu Nogueira (nesta época estavam

casados) – pelo que dizem os registros, não fora militante do PCB, mas conviveu de perto

com muitos deles, a exemplo de sua filha, seu genro e de seu parceiro nesta peça, o maestro

Almiro Oliveira.

Roberto Martins dos Santos, um dos poucos a estudar o CDC e Aristeu Nogueira146,

defende em sua monografia que a atuação político-artística de Aristeu Nogueira está

vinculada ao surgimento dentro do PCB de uma percepção de que a via cultural poderia ser o

caminho para a conscientização do povo, das massas. Santos, identifica nesses movimentos

culturais organizados pelos comunistas baianos o germe inicial do que serão os Centros

144 BR-UEFS-LABELU-ARN-DIÁRIO-1.145 BR-UEFS-LABELU-ARN-DiÁRIO-3. Pode-se encontra nas publicações da revista Seiva (BR-UEFS-LABELU-ARN-RF-SEIVA-I2-Jan39 e BR-UEFS-LABELU-ARN-RF-SEIVA-I4-Mai39, UEFS, Feira deSantana) e dos Jornais O Momento (BPEB – Setor de Periódicos, Salvador, Bahia) e A Flâmula (AcervoPrivado, Feira de Santana, Bahia) os resultados dessas pesquisas.146 SANTOS, M. R. M. dos. 2007. Aristeu Nogueira: a militância política e cultural de um comunista.(monografia). Salvador, FACOM-UFBA

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Populares de Cultura – CPC, organizados pela a União Nacional de Estudantes – UNE, no

intervalo democrático (1945-64). Seguindo o pensamento de Santos, a Jazz Acadêmico, o

CDC, a Academia dos Rebeldes, a Associação Brasileira de Escritores etc., seriam os

primeiros passos para um envolvimento e uma política voltada para a cultura por parte do

PCB.

Fica evidente que os anos 1930 o PCB dá uma guinada de reaproximação com os

intelectuais, muito rechaçados do Partido nos anos 20, quando da política de proletarização.

Esta mudança seria, em certa medida, devido à tese de União Nacional a que o Partido adere

nos finais de 1930 e início de 1940. Neste novo lugar para os intelectuais no PCB, eles seriam

os seus principais agentes no processo de atração e de união de classes para a construção de

um governo nacional-democrático e que poderia se encaminhar para o socialismo. A revista

Seiva seria então, uma primeira iniciativa dessa atuação de intelectuais vinculados ao PCB.

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CAPÍTULO III

Entre tipos e graxas: A Seiva e a guerra contra o Fascismo e o Integralismo.

Vozes do Mundo Eu olho a vida com tristeza Eu ouça o côro de vozes angustiadas Vindas de todos os recantos da Terra. Da Europa, escuto através dos mares, O estrondo de canhões assassinos. Sinto O cheiro da pólvora que arde nos campos de batalha. Vejo Uma coorte infinita de homens que em passos cadenciados Vão marchando em caminho da morte coletiva, Sob os aplausos da multidão enlouquecida. Vejo Os navios como ataúdes enormes E parece o oceano imenso tumulo Recebendo os corpos atléticos dos seus filhos, Os marinheiros intrépidos, Depois... eu vejo a terra coberta de sangue, E os homens cobertos de luto. Ouço O grito das creanças sob o estampido de bombas mortais, O choro das mães, das esposas, das viúvas, A voz dos loucos, dos famintos, dos inválidos, E o surdo gemido de todos os moribundos. Eu olho a vida com tristeza. Eu ouço o côro de vozes angustiadas Vindas de todos os recantos da Terra. Na Asia, Tambem o ar tem cheiro de pólvora E a terra tem cheiro de sangue. Os hmens não estão em casa,

As mulheres estão chorando, E as creanças morrem no meio da rua Sob o estampido de bombas mortaes. A Africa, terra martir, Tem os seus filhos escravisados Á tiranía das Potencias. Eles vão morrer nos campos da Europa Em defêsa dos opressores de sua patria. America, terra jovem, Tambem aqui eu sinto a escravidão humana. Vejo Os milhões de seres desgraçados, Multidões famintas e doentes, Homens que nascem e morrem sem ter sentido a Vida. Ouço O côro de vozes angustiadas Dos que trabalham e não têm pão, Dos miseráveis sem této e sem lar, Dos criminosos carpindo uma culpa que não é sua, Das mulheres levadas á prostituição, Dos que vivem dentro das prisões Porque acreditam num ideal de redenção humana. De todos os recantos do mundo, Eu ouço o côro de vozes angustiadas. Os homens estão cegos E não vêm a Vida. Seguem oprimidos, matando, destruindo O que as próprias mãos crearam. Até quando lutarão assim os homens?

Manoel Caetano Filho1

1CAETANO FILHO, Manoel. Vozes do Mundo. In SEIVA, Ano II, Nº 8 (dezembro de 1940) BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA:II:8

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1. Uma mensagem à inteligência da América: Nasce a Seiva.

Em um clima de aproximação do Partido com os intelectuais e tendo a iminência de

uma guerra de alcance mundial, onde estava em jogo muito mais que territórios e interesses

econômicos, disputavam-se uma ordem para o mundo; foi nesse ambiente que a revista Seiva

foi criada. A idéia surgira de João Falcão, então estudante de Direito e recém ingresso no

Partido, João, pensava numa revista em que intelectuais do, ou próximos ao PCB, pudessem

expressar suas opiniões e, de certa forma, agruparem-se. Seria um lugar de expressão para os

intelectuais, num clima tão sufocado pela censura e pelas desconfianças típicas dos períodos

de guerra e de embates políticos, como era o caso entre os liberais, os comunistas e os

integralistas.

Com essa idéia, João procurou Arruda Câmara, o qual ficou de levá-la para a direção

do Partido.

Não passou uma semana e veio a definição do Partido: - Sim, vamos fazê-la, e logo. Foi convocada uma reunião para discutir o assunto no dia seguinte, na casa do Guedes. Lá estavam Armênio, Arruda, um novo companheiro chamado Rui Facó, jornalista e bacharelando em Direito, e eu. A discussão foi longa e obedeceu a uma ordem do dia proposta por Arruda e aprovada com algumas sugestões dos demais. Os itens eram objetivos e tinham caráter imediatista. Minha impressão foi a de que a idéia ia ao encontro de um desejo do Partido. Era um assunto pensado, já devia estar amadurecido, pois as deliberações tomadas foram definitivas e para pronta execução. Confesso que me surpreendeu a importância política que os companheiros atribuíram à revista. Segundo eles, a revista devia expressar o pensamento d movimento democrático e antifascista na Bahia e no Brasil. Devia exercer um papel aglutinador da intelectualidade brasileira e, se possível, procurar atingir os intelectuais da América. Será a primeira publicação antifascista de caráter nacional dirigida pelo Partido. Através dela, seria divulgada a sua linha política.148

148 FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que Eu Conheci (20 anos de clandestinidade). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. P.48.

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E foi o que de fato a Seiva se tornou: uma aglutinadora de intelectuais antifascistas

(comunistas ou não) e, ao mesmo tempo, porta-voz da linha política do PCB. Linha esta que

via nos intelectuais o meio de disputar espaços e de vencer os integralistas, ao passo em que

via a necessidade de politizar o debate sobre tais assuntos com o proletariado,

conscientizando-o de seu papel na disputa de forças da época.

Os passos para a formação da revista começaram a ser tomados. O primeiro deles, e

talvez o mais difícil, seria o seu registro no DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda.

Para que isso ocorresse, obviamente, a revista não poderia ser registrada em nome de um

partido clandestino. Seria então preciso dar-lhe uma feição legal. Escolheu-se que ela seria

uma revista literária e que em sua direção não haveria nenhum nome conhecido do Partido,

nem de nenhum militante dos movimentos democráticos e anti-integralistas.

Coube a João convidar colegas que não faziam parte do Partido e que não fossem

conhecidamente anti-integralistas para formarem a direção da revista. Ele nos conta:

Reuni logo que pude um grupo de colegas e de literários jovens para apresentar a idéia, que foi aprovada com entusiasmo por Emo Duarte – que já era escritor e colaborador de alguns jornais da região cacaueira –, por Virgildal Sena e Eduardo Guimarães, vestibulandos de Direito, que aceitaram o compromisso de editá-la e de dividir comigo o trabalho e dos encargos para a sua manutenção.149

Tomaram as medidas necessárias para a viabilização da revista – que teria sua

redação instalada na casa de João Falcão –, escolheu-se o nome. Arruda sugeriu o nome

Seiva, devido a ter existido no início do século de uma revista com esse nome. “Seiva

significa energia e vitalidade, é a sustância nutritiva que as raízes absorvem do seio da terra

para a sua sobrevivência” 150. Falcão lembra que para tornar viável a revista, esta foi blindada

sobre qualquer suspeita que a vinculasse com o Partido Comunista. Assim, os próprios

diretores: Emo Duarte, Virgildal Sena e Eduardo Guimarães, nada podiam saber sobre a

participação do PCB na revista.

Os diretores seguiam sem saber que havia algo muito confidencial e secreto atrás de tudo aquilo. Isso poderia parecer uma deslealdade,

149 Idem, 49. 150 Ibdem.

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concordo. Mas as circunstâncias exigiam que fosse assim e a grandiosidade da causa me absorvia desse pecado.151

Foi graças a essa blindagem que a Seiva pode chegar às bancas e ser registrada no

DIP e sem grandes problemas, passar pela censura. A maioria das matérias chegavam pelas

mãos de Arruda Câmara e Armênio Guedes. Elas eram de autoria de intelectuais de várias

partes do país, em sua maioria do Nordeste – a princípio. Os autores mais conhecidos ou mais

publicamente ligados ao PCB ou às causas democráticas ou anti-integralista tinham suas

matérias publicadas com pseudônimos.

Assim, as matérias assinadas por Carlos de Melo e Ives Peçanha são de autoria de

Armênio Guedes; por Clovis Camarão e Carlos Coutinho, são de Clóvis Caldeira; por João

Nitão, Nicolau Paraguassu e Moaci Ferreira, são de Diógenes Arruda Câmara; por Antonio B.

Dias e João Maia, são de João Falcão; Marcos Pimenta são de Carlos Lacerda; Américo

Albuquerque são de Eduardo Maffei; Luiz Bastos são de Leôncio Basbaum.152

Afora estes intelectuais vinculados ao PCB, outros apenas imbuídos de sentimentos

democráticos e/ou antifascistas mandavam textos à Seiva. A revista então passou a contar

com correspondentes no Rio de Janeiro (Jaime Amado), em Pernambuco (Paulo Cavalcanti),

Rio Grande do Norte (Djalma Maranhão), Pará (Mário Couto), em Minas (Otávio Dias Leite),

São Paulo, Espírito Santo, Ceará, Paraíba, Alagoas e Sergipe153. Formou-se então uma teia de

contatos com intelectuais democratas e antifascistas, anti-integralistas que passavam dos

limites do país. Isso ajudava muito, de certa maneira, a distribuir e ampliar o alcance da

revista.

Desde o princípio a Seiva foi ambiciosa. Já na capa de sua primeira edição – o que se

manteria por toda a publicação – ela trazia estampado o slogan: “SEIVA: mensagem aos

intelectuais da America”. Este slogan marca a intenção de seus editores e, de certa medida,

sem que todos soubessem, do Partido Comunista do Brasil, de que esta revista fosse a porta

voz e o fator aglutinador dos intelectuais brasileiros e latino-americanos.

Na análise de seu primeiro número, outras informações nos surgem. A primeira delas

é em relação à periodicidade desejada. Na capa vem estampado: “REVISTA MENSAL”, o

que na prática se mostrou inviável. Outra informação está relacionada à manutenção da

Revista. Em suas páginas encontramos propagandas que vão desde “Myrta S.A. – Produtos

151 Ibidem. 152 Ver em anexo o catálogo da revista Seiva e a listagem completa de autores e seus pseudônimos. 153 . FALCÃO, João. 2008. A História da Revista Seiva (primeira revista do Partido Comunista do Brasil – PCB). Salvador, Ponto & Virgula Publicações. P. 9.

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elagantes”, ou da “The Caloric Company – productos de petrólio” e “Motocicleta Mündapp”

até a propaganda de uma série de revistas, às quais muito provavelmente não contribuíam

economicamente com a revista. A exemplo: “Cultura” – revista de São Paulo, “Diretrizes”,

“Universidade” – boletim cultural, “Esfera” – revista de artes, letras e ciências. Porém, a

parceria e os vínculos com outras revistas fortaleciam a Seiva, divulgavam-na, e

proporcionava contatos e novos autores etc.

Orlando Gomes, “jovem professor de Direito (...), pensador de esquerda, que tinha

sido preso no golpe de estado de novembro de 1937, quando foi instalada a ditadura do

Estado Novo” 154, abriu a primeira edição da Seiva com uma matéria intitulada:

“Fundamentos da Autoridade”. Neste texto, o jovem professor escreve que: ”A idéia de

autoridade emana da necessidade de ordem que os homens sentem para realiza seu destino,

como animal gregário. Não deve, pois, ir alem deste justo limite155.” Neste texto, o professor

defende que a autoridade que não possui adesão popular – que para ele era o caso dos regimes

fascistas da Alemanha e Itália –, não seria autoridade e sim, dominação. Ele continua seu

argumento escrevendo:

O seu fundamento é artificial, porque se apóia na força das armas e no servilismo das consciências. Mas, por isto mesmo, é precária por natureza e essência. A dominação pode ser manter por algum tempo, porque os campos de concentração e o óleo de rícino são ainda um argumento. Mas, não é esta a verdadeira e legitima autoridade. Esta só se justifica quando cercada do prestigio moral, que só a preservação das liberdades publicas lhe empresta.156

João Falcão publicou um ensaio literário, intitulado: “Eu vi no Campo”, onde ele

trata das condições de trabalho dos camponeses. Ele mesmo admitiria que o texto “era um

pouco bisonho” e que o mesmo teria sido vetado por Câmara Arruda, mas que ele (Falcão) o

publicou mesmo assim para se afirmar enquanto diretor da Revista.157

154 Idem 13 155 BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.1.3 (GOMES, Orlando. Fundamentos da Autoridade. Revista SEIVA, Ano I, nº1 (Bahia-Brasil, Dezembro de 1938), página 3). 156 Idem. Resolvemos manter a ortografia utilizada na fonte. Portanto, o que nos parece hoje como erros de pontuação, acentuação e ortografia de algumas palavras, eram, no período que estas foram escritas, a forma corrente. 157 FALCÃO, João. 1988. O Partido Comunista que eu conheci (20 anos de Clandestinidade). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. P. 51.

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Ainda nesse primeiro número, Leoncio Basbaum, como o pseudônimo de Luiz

Bastos, publicou o texto “A Filosofia e a História”158, no qual analisa o crescente interesse da

juventude pela filosofia e por sua história. Neste, o autor defende o materialismo como

método mais eficaz para uma história da filosofia. Defendendo a necessidade de sua

reutilização, uma vez que ele defende que fora esquecido. Chega a escrever que:

para os estudiosos que daqui a cem anos examinar a Filosofia dos dois primeiros quartéis do século XX, não será um misterioa razão pela qual o materialismo foi completamente expurgado da Filosofia oficial do tempo, para ser substituído por um triste e desolador

misticismo159.

Ainda participaram dessa edição Afrânio Coutinho, Alfio Ponzi, Alves Ribeiro,

Américo Albuquerque (Eduardo Maffei), Antonio Osmar Gomes, Azevedo Marques, Barreto

de Araujo, Carlos Garcia, Emo Duarte, Humberto Bastos, Marcos Pimenta (Carlos Lacerda),

Orlando Gomes, Paulo Cavalcante, Paulo Palatnick, Rodrigues de Miranda, Sodré Vianna,

Sosigenes Costa e Walter da Silveira160.

A Seiva foi bem recebida pelo público, especialmente pela intelectualidade baiana.

Falcão lembra que o chefe da censura, Dr. Enéas Torreão Costa, tinha aprovado pessoalmente

os textos da revista. E a revista mereceu uma matéria no Jornal A Tarde, um dos mais

importantes da Bahia, na época e ainda hoje.

Seiva é o seu nome. Sem se propor a defender um círculo restrito de convicções, acolhe nas suas colunas as esperanças de moços voltados para a causa publica, todos imbuídos de uma grande vontade de servirem à coletividades, discutindo temas e teses de doutrina política sem eiva partidária. Vale como um esforço e a afirmação de ainda não se degradou a mocidade estudiosa, que se sente bastante forte para pensar e discutir cheia de fé no futuro da nacionalidade. É um elo do pensamento nacional, cujos esforços serão fecundos para que

possamos aprender e compreender a lição que vivemos161.

158 BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.1.18 (BASTOS, Luiz (BASBAUM, Leôncio). A Filosofia e a História. Revista SEIVA, Ano I, Nº1 (Bahia-Brasil, dezembro de 1938), página 18). 159 Idem. 160 BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.1.1 - CAPA 161 A TARDE apud FALCÃO, João. 1988, op. Cit. 53-4.

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Esse é o ingresso oficial destes jovens intelectuais no campo intelectual baiano.

Agora deixam de ser meros estudantes que organizam comícios, palestras e etc., torna-se

noviços de um campo com regras de conduta (invisíveis), mas muito fortes.

Mas a Seiva e seus jovens intelectuais pretendiam muito mais. A Bahia era muito

pouco! Para derrubar o fascismo, os moços, precisariam articular para além da Bahia. E esse

era seu desejo. A Seiva era, na visão de seus idealizadores, uma mensagem sua aos

intelectuais da América. E nesse primeiro número, a Seiva trazia sua “Mensagem à

Inteligência da América”.

Com esse espírito os jovens personagens dessa história levaram às bancas de revista

sua arma contra o fascismo: A seiva! Esta foi, a porta voz de suas posições e foi a escola de

militância e organização política de muitos deles. Se no início deste trabalho, analisamos o

campo intelectual baiano, isto foi para que pudéssemos entender como, dentro desse campo e

segundo suas regras, um grupo “contra-hegemônico” se formou. É isso que foi a Seiva, uma

tentativa, dentro de uma ordem preestabelecida, com regras normas etc. que se dispôs a

questionar os sentidos, os caminhos (ou melhor, descaminhos) que a humanidade – em suas

palavras – estava por seguir.

Mas o que seria então o comunismo senão o desejo de mudar a ordem

preestabelecida? Pensando assim, os jovens seguiram fazendo seu papel.

2. A Seiva uma trincheira anti-integralista:

A Seiva nasceu então num clima de extrema tensão ideológica. Se de um lado os

comunistas tentavam divulgar suas idéias e, na medida do possível atrair novos militantes

para as suas fileiras, assim também agia o Integralismo e o Nazi-Fascismo. Com a emergência

de um segundo conflito armado de proporções mundiais e com várias inovações bélicas –

tornando o novo confronto uma promessa de derramamento de sangue nunca visto, como de

fato o foi – os intelectuais da Seiva, assim como de outras organizações tomaram as armas.

Muitos o fizeram literalmente, especialmente na França quando fora invadida pelas tropas de

Hitler e Espanha quando fora instalado o regime de Franco. No Brasil e nos países afastados

diretamente dos conflitos couberam outras armas. No caso dos intelectuais a arma foi a que,

talvez, mais lhe convém: o discurso162.

162 . Jacob Goreder, que fora voluntário na Força Expedicionária Brasileira – FEB, e lutou na Itália durante a II Guerra foi uma exceção dentre os intelectuais da revista Seiva. A maioria de seus camaradas ficaram no Brasil dedicando-se ao trabalho e militância intelectual.

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E foi sobre esta égide que a Seiva foi às ruas. O seu objetivo era agrupar os

intelectuais progressistas e anti-integralistas/antifascistas e tentarem a todo o custo alertar a

intelectualidade da América sobre o perigo sedutor do nacionalismo fascista.

Em “Mensagem a Inteligência da América”163, publicada em seu primeiro número, a

Seiva deixa claro essa intenção:

Quando do outro lado do Atlantico o ódio e a discórdia cavam barreiras profundas entre póvos, SEIVA surge com o propósito de unir a inteligência de toda a America em um largo abraço de amizade e compreensão. A mesma disposição de defender a dignidade do pensamento e a civilização contra a onda avassaladora do barbarismo solidarisa todos os intelectuais honestos do universo, especialmente os da America, reduto invencível de paz, mas que se levantará como um só homen contra o que ouse desrespeitar o sólo de qualquer das suas livres nações. Para essa tarefa de tornar cada vez mais real a cordialidade entre os povos e resguardar o pensamento humano dos atentados que contra êle se vão preparando, numa proporção assustadora, urge a união de todo os homens da America, para onde se volve a cobiça dos imperialismos expansionistas, união que deve ser começada pelos seus intelectuais, defensores natos da cultura e do progresso da humanidade. SEIVA tem, portanto, as suas colunas abertas a todos os escritores da America que simpatisem com essa orientação e queiram contribuir com a sua inteligência e a sua bôa vontade para a aproximação de todas as nações americanos, pelo trabalho sincero e desinteressado de seus homens de pensamento. É animada desse espirito que SEIVA dirige a sua mensagem de simpatia, de admiração e de fraternidade a todos os escritores da America, até onde possa chegar, mensagem que é um reflexo da simpatia, da admiração e da fraternidade com que olha e deseja sempre olhar os póvos a que êles pertence.164

Com o sentimento de solidariedade e união dos intelectuais americanos numa luta

que é, sobretudo, do campo das idéias, a Seiva surgiu. Afora isso, fica nítido, o caráter

humanístico dessa empreitada da Seiva.

Quando anteriormente nessa dissertação dissemos da relação do ideário marxista

com os ideais da Revolução Francesa de 1789, estávamos tratando no campo teórico

justamente de como, aquelas idéias, inquietavam os comunistas, ao mesmo tempo de como

eles percebiam que a Revolução traíra os ideais que a motivaram. Porém, como o advento do

fascismo, os próprios ganhos da Revolução de 1789, aqueles que ainda eram vivos e que

ainda não se perderam numa retórica de acomodação, estavam correndo riscos. Ou seja, a

163 BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.1.18. 164 Idem.

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própria percepção de universalidade do humano. É esse o âmago da “Mensagem à inteligência

da América”. Quando os autores escreviam sobre o perigo do ódio que cavava barreiras entre

os povos da Europa chegar ao solo americano, solo de nações livres, eles o fazem tendo em

vista a clara correlação dos ideais integralistas com os fascistas. Viam, portanto, os povos

americanos à margem de uma avassaladora onde de ódio.

Essa percepção manteve-se durante pelo menos a primeira temporada da Seiva, de

1938 a 1943. O caráter perigoso do Integralismo sempre foi exposto assim como a sua

correlação com o fascismo. O que é defendido por Eduardo Maffei, como pseudônimo de

Americo Albuquerque, no texto “O ‘Reichinho’ de Santa Catarina”165.

Neste texto ( ‘Reichinho’), o autor trata de como os alemães que migraram para o

Sul do país defendiam e orgulhavam-se de sua superioridade racial frente à população local e

de outros migrantes. O autor relata neste texto uma conversa que teve com um jovem

brasileiro, filho de alemães, de Blumenau acerca de seu sentimento pátrio. Maffei escreveu

que o jovem brasileiro defendia o seu direito em cultivar a nacionalidade de seus pais, mas

quando questionado se os, tchecos, por exemplo, também possuíam esse direito, recebera a

resposta que “os povos da Europa Central seriam os vassalos dos alemães”. Ele reconhece

neste jovem brasileiro, um alemão. Mais ainda, ele percebe o quanto os acontecimentos, as

mudanças ideológicas passadas na Europa, chegavam com força no Brasil; especialmente em

comunidades que tinham um forte laço identitário com os países envolvidos.

Na verdade, o local físico de onde estes indivíduos se encontravam pouco quer dizer

em relação a sua identidade. Mesmo nascido no Brasil e, talvez, nunca tendo ido à Alemanha,

esses jovens são alemães. Entendendo que “nacionalidade é língua, cultura, meios e religião

própria” (como escreveu o autor), a cultura desses jovens brasileiros filhos de alemães, era a

alemã, o que os tornavam: alemães. Toda essa discussão serviu para defender a necessidade

de uma construção ampla de nacionalismo brasileiro. Como escreveu:

Essa é uma face, a face imediata do problema. Entretanto temos o problema no seu aspecto nacional. Até hoje ficamos no “porquemeufanismo”. Não havemos raciocinado com a nossa historia e não havemos dado conciencia nacional ao brasileiro. A imprensa meteu na cabeça de muita gente que aquela meia dúzia de mulatos pacholas que nos representaram no campeonato mundial de futeból fez muita propaganda nossa. Agora fala-se em Carmen Miranda. E a grande fração alfabetizada de nossa população está absolutamente certa de que são esses os nossos melhores representantes!... situação

165 BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.5.12-13

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de calamidade e vergonha! Villas Lobos que foi a Paris para “mostrar o que fez e não para aprender”, que arrancou na Feira Internacional de New-York aplausos dignos de um Listz, não é lembrado. Nós ainda dormimos sobre a banguelice intelectual.

Apesar do olhar elitista desse trecho – o que contradiz outras publicações da Seiva,

especialmente sobre a valorização da cultura afrobrasileira – o autor propõe outra construção

identitária do Brasil. Ele percebe o quanto o país valorizava o que não era seu; ou quando o

fazia, sempre era pela folclorização. Porém seu discurso de valorização do brasileiro seguiu

por um caminho mais ameno. Ele afirma em seu texto, citando Monteiro Lobato, que:

É preciso frizar: o Brasil está no interior, nas serras, onde moureja o homem abaçanado pelo sól; nos sertões, onde o sertanejo vestido de couro vaqueja; mas cochilas, onde se domam poldros; por esses campos rechinantes de carros de boi, nas ermos que sulcam tropas aligeiradas pelo tilintar do cicerro.166

E o encerra ironicamente, dizendo que este ainda é o Brasil que espera que ainda

avistem o seu “monte Paschoal”. Ou seja, neste texto encontramos duas preocupações. A

primeira delas é referente ao nacionalismo de cunho nazista, identificado por ele nos grupos

de descendentes de alemães do sul e que pode ser generalizado para um grupo maior de

migrantes (japoneses, por exemplo). Ao mesmo tempo em que ele se preocupa com os

caminhos perigosos desse nacionalismo, ele sugere que falta algum tipo de nacionalismo aos

brasileiros. Identificando uma seleção de ídolos nacionais que ele não acha justo. Uma vez

que priorizava os ídolos do esporte aos da arte.

Nesta mesma edição a Seiva publicava uma carta de Clovis Amorim endereçada “aos

rapazes de Seiva”. Na carta, Amorim analisava sua trajetória no campo intelectual baiano e se

questionava de como os intelectuais não conseguiam projeção na mídia da época. Primeiro,

nesta carta ele faz uma caracterização do que seria o “ser” intelectual.

... eu surgia na Bahia e me candidatava a “gênio”, disposto a conquistar um nome e uma fama. Passei a ser um sujeitinho complicado, cheio de exquisitices e besteiras, sonhando glorias e querendo consagração. 167

166 Monteiro Lobato apud Albuquerque, Americo (Eduardo Maffei) in BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA.I.5.12-13 167 AMORIM, Clovis, Carta aos rapazes de Seiva In SEIVA, Ano I, nº. 5 (Setembro de 1938) – BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA:I:5 (grifos meus).

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Neste trecho o autor comprova o que reafirmo anteriormente; ele desnuda o Premium

do ser intelectual na Bahia, ou seja, ser consagrado enquanto homem de letras, ter um nome

que por si só já carrega uma imagem, uma identidade. Características muito parecidas com as

estudadas por Bourdieu168, porém ele vai além; caracteriza os habitus do ser intelectual.

Aprendi, de logo, a fumar charutos, beber cervejas e a descompôr as santissimas religiosas do mundo, combatendo Deus, dogmas, santos, princípios, o diabo, no propósito de ter alguns vícios e uma filosofa. Não se podia compreender um literato sem defeitos morais e sem uma direção intelectual. Possuindo muita vaidade e já alguma sífilis, eu me ia tornando importante, notável, vendo as minhas primeiras desgraças literarias acomodadas em letras de fôrma, a enriquecer as colaborações do “Cenaculo”, popelucho que se publicava na Ginasio da Bahia e se via impiedosamente perseguido pelos artigos em inglês do escritor Tosta Filho.169

Nesta caracterização, uma frase, talvez, resuma todas as outras: “Não se podia

compreender um literato sem defeitos morais e sem uma direção intelectual”. E sem dúvida, o

era. Num ambiente intelectual onde a boemia era quase um pré-requisito para o ingresso e

para o êxito, “desvios” de moral eram algo esperado de um rapaz postulante à fama de

intelectual.

Contudo, o mais importante, por ora, nesta carta é o ressentimento que o autor deixa

transparecer em relação ao campo intelectual. Não sabemos o que o levou a escrever esta

carta, mas sem dúvida ela é a voz de um jovem literato que não conseguira a projeção

esperada ou merecida. Fato que muito o incomodava. Vejamos o que ele escreveu mais:

À moda da epoca, eu alinhavava poemas de “delicioso sabor modernista”, valendo-se de muita extravagância e muito disparate para o ser imaginoso e original. (por aquele tempo, a poesia era tudo; hoje, é só democracia. Comecei poeta; vocês são mais felizes: começam sociólogos e políticos). Cada poeminha publicado era mais um encanto na minha vida. Sentia-me bem. O futuro seduzia o “gênio” e eu animava uma consoladora certeza de vitoria. Cá ao meu modo de vêr, eu ia ganhando nome, prestigio, provocando sucesso, sempre atormentado por um delírio de publicidade que é a doença dos estreantes bisonhos e ingênuos. O “favor do triunfo”, chupado pelo criado Vitorino do Eça, adoçava tambem a minha boca. E todo meloso, e todo adocicado, babando-me de satisfação e de entusiasmo,

168 BOURDIEU, Pierre, Campo Intelectual, Campo do Poder e Habitus de Classes in BOURDIEU, Pierre. 1987. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva. 169 AMORIM op Cite.

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seguia eu os meus rumos, convencido de que já era um bípede merecedor de admiração e de inveja. Quanto valor! Que magnífico talento, um Talento com T grande, não tinha a menos duvida!

Nesta descrição sobre o quanto ele se orgulhava de seus predicados literários, outra

frase chama a atenção. Ele diferencia-se dos escritores da Seiva. Para ele, os rapazes da Seiva

são sociólogos e políticos, enquanto ele começara literato. Esta distinção, que às vezes pode

passar despercebida é, sem duvida a denúncia de um novo tipo de intelectual que surgia no

Brasil.

Se até a década de 1930 as revistas de intelectuais eram apenas revistas literárias,

onde jovens intelectuais, preocupados na modernização do estilo literário, publicavam seus

versos e resenhas, a Seiva trazia mais. Nela encontramos críticas literárias e resenhas, mas

encontramos também, comentários políticos e econômicos, notícias sobre a guerra,

posicionamentos políticos e sociais. Podemos vê-la, portanto, como uma nova categoria de

revista literária. Uma categoria de revista sociológica.

Ana Paula Palamartchuk ao estudar o intelectual comunista, analisou esses tipos de

revista no Brasil. Ela apontou algumas iniciativas nas décadas de 1920 e 1930, especialmente

a revista Clarté: revista de Sciências Sociais. Orgam do Grupo Clarté, publicada no Rio de

Janeiro e em São Paulo em 1921. Esta revista estava vinculada a um movimento internacional

de intelectuais, pela paz, e tinha sua inspiração no Group Clarté. Ou seja, assim como muda o

“estilo” das revistas, tornando-as mais engajadas socialmente, estas mudanças também são

relativas ao perfil do intelectual que estava em mutação. Dessa forma, a Internacional do

Pensamento, trazia para o campo intelectual a organização política. Acabava com qualquer

aparente flutuação de classes que a categoria dos intelectuais pudesse gozar, para chamá-los

ao chão, à realidade, à luta.

Com esse intuito, surgiu a Clarté na França em 1916. Esta estava intimamente

vinculada à proposta de Romain Rolland de criação de uma: Internacional do Pensamento. Ou

seja, um amplo movimento de intelectuais internacionalistas, contra a guerra. Guerra essa que,

segundo Palamartchuk, “representava uma Europa – baluarte da civilização – enlouquecida,

enferma de desejo de destruição”170.

Uma realidade muito parecida com a vivida pelos jovens da revista Seiva. Eles

propunham a união dos intelectuais americanos contra as brutalidades da guerra, este

movimento seria uma forma de organização dos intelectuais por um objetivo maior: por fim

170 PALAMARTCHUK, Ana Paula. 1997. Ser intelectual comunista: escritores brasileiros e o comunismo, 1920-1945. Dissertação (Mestrado em História), Campinas, UNICAMP.

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na possibilidade, na emergência de outro confronto bélico. E parece-nos que, de fato, a Clarté

foi de alguma forma, uma inspiração para os moços da Seiva.

Rolland, por exemplo, teve dois de seus textos traduzidos e publicados pela Seiva.

Um deles sobre a situação dos judeus na Alemanha e o outro intitulado “Palavras à

mocidade171”. Neste texto Rolland clama à juventude a questionar seu papel nesta guerra. Ele

escreveu:

Sejam ativos! – é a minha primeira palavra á juventude. O inimigo que eu combate é: “Para que?” – Eu sei que estas palavras minam a energia juvenil. Ha duas especies deste “Para que?”: a primeira advem do orgulho; a segunda da fraquesa. Ambas são uma expressão de impotência. A mais nociva das duas, porém, é a primeira, porque transforma o defeito num objeto refinado. É o defeito daquela casta intelectual que não deseja entrar em combate com os homens e as suas leis, estas leis que são um atentado aos seus privilégios, que limitam os seus direitos e rebaixam a sua categoria humana. A falsa “aristocracia do espirito” nunca conheceu a palavra do grande Goethe: “o homem alcança a certeza de sua própria existencia quando reconhece a existencia de outros como seus iguaes e como submetidos ás mesmas leis”. Os aristocratas do espirito se isolam no que chamam de “liberdade”, que, na realidade, é uma gaiola que pende entre o céo e a terra e na qual realizam façanhas vaidosas com o seu “intelecto puro”, que é esteril e infrutífero...

Neste trecho fica clara a sua critica à concepção do intelectual como aquele

deslocado das lutas de classes, afastado da vida social para além de seus círculos literários e

boêmios. Ele continua sua carta à juventude, tratando do segundo “Para que?”, aquele, que ele

chamou de oriundo da fraqueza e ao qual ele considera menos perigoso.

O segundo “Para que?” é o da simplicidade. Sua situação basica é um complexo de inferioridade. Os jovens que sofrem dele, cansados da vida antes de terem começado a viver, com os seus olhos inquietos observaram os campos de batalha dos tempos de hoje e as enormes massas humanas neles absorvidas. Amedrontam-se antes a própria fraquesa e avaliam mal as próprias forças. Cheios de resignação, perguntam: “Que poderemos alcançar? que poderemos fazer?” Certamente, muito pouco, si cada um de nós, isolados, faz seu caminho separadamente. Mas, o fato grandemente significativo que a hora atual da Historia do mundo nos apresenta, é que não ha mais homens realmente isolados, afora aqueles que o querem ser e os quaes

171 ROLLAND, Romaim. Palavra à Mocidade In Seiva, Ano II, nº 8 (BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA:II:8)

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se enganam a se próprios, porque, conquanto não o saibam, são arrastados pela torrente...

Não há homens isolados, máxima cada vez mais atual. E, de fato, como seria pensar

numa sociedade onde cada vez mais tudo se tornava rápido e de abrangência mundial? A

sensação de agilidade que os homens e as mulheres do início do século XX sentiam nos dá

indícios de como eles encaravam a modernidade, através do cinema e dos meios de

comunicação. Sobre o isolamento dos intelectuais em seus nichos, suas torres de marfim, ele

utiliza o exemplo da geração que viveu a I Guerra Mundial e as crises por ela encadeadas.

Geração esta que fora a dele.

Na minha juventude conheci um tempo trôpego e indiferente. Foi quando a atividade isolada, individual e mesquinha tinha algum valor. Era uma vida espiritual de migalhas. Combatíamos arvorando a bandeira do individualismo heroico, que era o nosso animador nas longas peregrinações através dos desertos espirituaes daqueles anos. Mas, quando estalou a tempestade, não tivemos abrigo nem proteção. A arvore que encontramos e sob a qual procuramos abrigo era semelhante aos pinheiros que, apesar de altos e bem desenvolvidos, não estão, porém, suficientemente enraizados no solo. Precisamos por isso semear uma nova especie de individualismo, daquele que se enraíza no coração da grande comunidade humana. O referido individualismo está sendo efetivado, não nos sonhos dos idealistas do passado, como os Beethovens e os Friedrich Schillers, mas nos atos, no serviço social, na comunidade dos homens.

A crítica ao individualismo é, sobretudo uma crítica aos posicionamentos dos

intelectuais. Sem dúvida toda a construção de um status do ser intelectual e de sua liberdade

frente às classes, uma vez que ele estava longe dos espaços reais onde estes conflitos estavam

sendo travados ou mesmo, estando próximo, pensavam estar distantes dele. Com guerras de

proporções como as que fizeram da Europa seu palco, na primeira metade do século passado,

os intelectuais firmam-se no centro dos conflitos. Se antes eles apenas acompanhavam os

acontecimentos das trincheiras pelos jornais e pelos relatos de guerra, com o século XX as

guerras invadiram cidades e passaram a acontecer à vista de todos, modificando muito mais

intensamente o cotidiano de toda uma população. E nesta, estavam os intelectuais que viram

suas universidades e cidades sendo ocupadas e destruídas – ou profanadas (segundo seus

pontos de vista). Esta realidade se agonizaria mais ainda com a guerra que estava por vim.

Com a chegada do Partido Nazista ao governo Alemão e de Mussolini e Franco,

respectivamente na Itália e Espanha, ficava claro aos intelectuais que a guerra tomava

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definitivamente outro front de batalha, o front das idéias. E que neste novo espaço de

combate, eles, os intelectuais, deveriam ser seus principais soldados e usar as armas que lhes

cabem. É sobre isso que Rolland escreve na Seiva. Para ele os intelectuais têm um

compromisso com a ordem que esta por ser construída:

Se admitimos nas nossas fileiras a duvida, não é mais na forma de negação da negação que enfrentaremos a vontade. Nem da mentira, que era tão característica das gerações burguêsas. A duvida está agora servindo ao intelecto, como um instrumento dinâmico d pesquisa. Ela serve para ladear as dificuldades e obstáculos que encontramos no caminho da verdade. Estamos armados de um relativismo positivo, de uma dialetica que é tanto frexivel como heróica. A nossa dialetica combate, vence e contróe. Sejamos fortes no meio da tempestade. Acarretemos todas os impecilhos ao inimigo, até que a sua fúria se agrave e tenhamos de cair na luta. Saudemos a oportunidade de tomar parte num dos momentos decisivos da Historia Mundial. Tenhamos todos a consciencia do momento. Não esqueçamos a nossa grande missão e nos lembremos de que as nossas forças são incontáveis. Porque, cada um de nós é um militar que caminha na luta contra a demencia, a injustiça e a impiedade que escravisam e exploram a humanidade!

Entender cada intelectual como um militante numa luta contra a demência, a injustiça

e a impiedade é, reafirmar o papel desses intelectuais. Mais ainda, é reafirmar a visão

iluminista de intelectual como aquele que ilumina os caminhos a serem seguidos. Visão que

paulatinamente foi substituída pela percepção dele como o observador da sociedade,

reservado a seu gabinete e, apenas, aponta os caminhos. Reafirmo com a emergência de uma

grande ameaça à sociedade e ao seu status-quo, os intelectuais, ou pelo menos uma fração

deles, viram-se obrigados a assumir posição. Se fazê-la na condição de classes era algo difícil

para eles, uma vez que sua condição de acomodação nas camadas médias os impediam de

sentirem as tensões e lutas de forma mais direta e incisiva, o mesmo não pode ser dito das

tensões ideárias, das disputas que vinham sendo travadas dentro do Campo Intelectual, uma

disputa que representava visões de mundo diferentes e, mais, antagônicas e irreconciliáveis.

Com o surgimento do fascismo e sua proliferação pela orbe, os comunistas e os liberais que

antes disputavam espaços e adeptos, vêem-se ameaçados por outra visão de mundo que se

colocava diretamente oposta às duas. E, dessa vez como um poder destrutivo infinitamente

maior.

Rolland foi um dos primeiros a denunciar na Seiva as brutalidades que os nazistas

estavam cometendo com os judeus. Em seu artigo “Á Alemanha e os Judeus” de janeiro de

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1939, o autor francês qualifica os atos do governo alemão como desumanos. Neste texto,

Rolland tenta chamar a atenção para os crimes que os nazistas estavam cometendo contra o

povo judeu. Ao mesmo tempo ele chamava os judeus a serem fortes e confiantes na justiça.

Ele conclama a população judia a confiar na justiça social, vejamos:

Vós (...) meus amigos israelitas, não fiqueis abatidos, não vos entregueis ao desespero! Não vos entregue á duvida, que é ainda pior do que o desespero! Não duvideis da grandeza do vosso povo. Não duvideis da justiça final que vossos livros sagrados e vossos profetas proclamaram e divisaram noites negras do passado – do mesmo modo que os grandes israelitas dos tempos atuais continuam prevendo, como profetas, a justiça social. Vosso logar na historia do progresso da humanidade é enorme. Estais pagando por êle com sofrimentos que não têm precedentes. Vossos sofrimentos e infelicidades serão vossa grandeza. Suportai-os, como fizeram vossos pais, e confiantes no futuro. Vosso povo testemunhou, no decorrer de gerações, o desmoronamento e a quéda de imperios. Tambem verá o desmoronamento das forças perseguidoras da atualidade.172

Para além do caráter importante de demonstrar quão grande foi e ainda é a

contribuição judia para a história da humanidade, a referência em destaque (“do mesmo modo

que os grandes israelitas dos tempos atuais continuam prevendo, como profetas, a justiça

social”) pode nos levar a entender que seja uma referência a Marx. Assim sendo, podemos

entender que, ao mesmo tempo em que denuncia como era desumana a forma com que os

alemães tratavam os judeus, denuncia o caráter perverso desse governo e aponta para o

socialismo, como a solução desses problemas. Desta maneira o socialismo aparece como

sendo a solução, o caminho para uma paz mundial.

Rolland continua seu artigo/carta focando sua atenção para os intelectuais. Ele

aponta como a violência que era disposta aos judeus afetava diretamente os intelectuais,

muitos deles judeus.

O maior inimigo da Alemanha não podia ofender-la tanto, causar-lhe tanto prejuízo, quanto esses maníacos do racismo, que a humilharam aos olhos do mundo inteiro. A expulsão dos judeus da Alemanha está sugando o melhor sangue da inteligência germânica. A covardia, a bestialidade e baixeza das perseguições aos israelitas inscreveu um

172 ROLLAND, Romain. Á Alemanha e os Judeus. Seiva, Ano I, Número 2, página 24-25. Janeiro de 1939. (BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA I:2 (JAN 1939) 24/25). Grifos meus.

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sinal de Caim na testa da Alemanha, que somente gerações sucessivas serão capazes de apagar.173

As investidas da Seiva neste campo vão muito além desta reportagem. Textos de

diversos autores tratam das reportagens acerca da situação dos judeus e de outras minorias na

Alemanha e no Japão. Contudo, o caráter de denúncia é associado à necessidade dos

intelectuais irem à luta ideológica, destruindo os argumentos e impedindo o crescimento do

ideário nazista. Fica claro, portanto, que para os jovens intelectuais da Seiva, o papel dos

intelectuais vai muito além das análises de gabinetes e vai aos movimentos reais da sociedade.

Mesmo que essa noção tenha em muito, resquícios de uma noção iluminista do papel dos

intelectuais, ela é um passo para a aproximação deles com a população.

Portanto, os jovens da Seiva fazem esta aproximação através da cultura e das artes,

uma vez que a Seiva foi, também, uma revista literária. O que pode ser visto em textos iguais

a: “Como vão os intelectuais pelo mundo”174, de autor não identificado. Neste, faz-se uma

apresentação de como andava a situação dos intelectuais pelo mundo, em decorrência dos

conflitos da segunda Guerra Mundial. Escreveram:

Procurando-se vêr a posição dos intelectuais em face do conflito atual, em todo o mundo, verificamos que ela é a peior possível. Em todos os países procassa-se um tolhimento completo da liberdade de pensamento! Nos fascistas ha muito que ela não existe. Nos “democratas” diretamente envolvidos pela guerra, atualmente, este esmagamento chega ás raias do absurdo. Nos demais países, o fenômeno obedece ao sentido dos bandos beligerantes, por isso que ha uma dependencia forçada entre todos êles. Na França e na Inglaterra, falando somente dos países “democratas”, a repressão aos intelectuais tem sido extraordinaria. Centenas deles encontram-se jogados nos campos de concentração ou nas prisões, quando não foragidos. Escritores que horam a cultura contemporânea consomem-se em cubículos, com o pensamento enjaulado! E porque tudo isso? Será que a cultura é hostil á guerra? Será que só ha lugar para um? Será que esses intelectuais se tornam inconvenientes, dizendo coisas prejudiciais aos interessados na guerra? Que será?

As questões por ele levantadas são meramente retóricas. É obvio que num conflito

como os que estavam sendo travado, o controle da formação de consenso era fundamental

173 Ibidem. 174 Texto sem autor identificado. Seiva, ano II, nº 8 (dezembro de 1940). BR-UEFS-LABELU-RF-SEIVA:II:8,57.

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para evitar que a opinião pública de seus próprios países volte-se contra si. Assim sendo, nada

mais perigoso que a liberdade de expressão, a liberdade dos intelectuais.

E essa era a situação nos países diretamente envolvidos nos conflitos, também o era

para os que estavam às margens desse processo. Ou seja, como a guerra era travada de forma

mais ampla que simplesmente pelos conflitos bélicos, elas ocorriam com muita força junto às

disputas ideológicas; os países que mesmo não tendo conflitos bélicos em seus territórios,

sofriam com outra guerra, a guerra do apoio e da ideologia.

Aqui, parece-me mais uma vez evidente que os jovens intelectuais da Seiva tinham

consciência de seu papel nesta guerra. Na verdade, ao identificarem-se enquanto intelectuais e

comunistas, percebiam que seu papel enquanto intelectuais e enquanto comunista era de

agruparem-se e partirem a luta contra o fascismo, que para eles significava claramente a morte

de qualquer ideal.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS:

E o estudante se faz intelectual e o jornalista se faz comunista.

A História, assim como a vida é feita de transformações. E é sobre a

transformação que tratou esta dissertação. A transformação, o transitar, o passar de um

lugar (posição) a outro (a); o deixar de ser mais um jovem estudante do interior que

acabara de chegar à cidade da Bahia, capital do Estado, para passar a ser um intelectual

vinculado a um partido político clandestino atuando enquanto jornalista. E como esse

transitar tem haver com o contexto social que este “transeunte” passa?

Ninguém transita só, todo o transitar é uma ação coletiva. Dessa forma, esta

dissertação analisa como um grupo de estudantes (diferentes e muito parecidos) passou

pelo processo de transição rumo ao comunismo, num contexto de disputa ideológica

vivenciado em Salvador (Bahia, décadas de 1930-1940) e da II Guerra Mundial.

Nestas considerações finais não pretendo dá respostas finais, definitivas às

questões feitas durante esta pesquisa – nem as poderia dar. Quero, apenas, apontar de

forma mais sistemática as conclusões provisórias que o término desta pesquisa traz.

Dessa maneira, qualquer resposta aqui apresentada é mera visão parcial do que foi o

fenômeno do tornar-se comunista em Salvador, uma vez que numa análise desta far-se-

ia necessária uma investigação bem maior a que aqui está apresentada.

A fim de fazer esta apresentação de “Conclusões Provisórias” mais sistemática

e clara, e a dividirei de acordo às principais questões aqui apresentadas. A primeira

delas, relacionada ao ser intelectual e ao campo intelectual baiano. Em seguida,

apontarei os indícios de como as sociabilidades do ser jovem e estudante em Salvador

de 1930 a 1940, podem ter sido decisivas para a formação intelectual e política dos

jovens estudados nesta dissertação. Para então, retomar a questão acerca da relação do

posicionar-se (ou seja, identificar-se) com as disputas ideológicas durante a II Guerra

Mundial.

1. Os Intelectuais e seu Campo na Bahia: as regras e as práticas:

Os estudos sobre os intelectuais têm crescido nos últimos anos. Dando-me a

impressão de que os intelectuais finalmente voltaram-se para entender qual o seu papel

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111

no mundo real (aquele fora das fantasias acadêmicas e das torres de marfim). Porém, o

que são os intelectuais? Pergunta feita no I Capítulo dessa dissertação.

Parece-me evidente que não há – nem creio que um dia haja – consenso sobre a

definição do que venha a ser o intelectual. Contudo, também parece evidente que o

caminho para a sua melhor definição está na sua localização no mundo das relações

concretas, o mundo do trabalho, por exemplo. Se resolvermos utilizar este parâmetro,

ou seja, se pensarmos os intelectuais pelo seu papel na produção de bens, ficará claro

que há uma distinção precisa entre a produção de bens materiais e imateriais, cabendo

aos intelectuais a segunda delas.

Também é obvio que não só os intelectuais produzem bens simbólicos. Um

pedreiro, uma secretária ou um agricultor também o produzem, uma vez que constroem

ou reproduzem valores que são simbólicos: lealdade, respeito, afetividades,

religiosidades, relações de gênero etc. Porém, estes raramente são considerados

intelectuais, justamente por estarem mais próximos da produção de bens materiais, fruto

do trabalho braçal.

Esta distinção é devida ao termo intelectual está incorporada num imaginário

do que seja contrario ao trabalho – sempre pensado como braçal e demarcado por

formas rígidas de tempo. Pensa-se sempre no intelectual enquanto o professor ou o

sábio, recluso ao seu gabinete lendo e escrevendo coisas que aparentemente não tem

utilidades práticas e, o mais importante, alheio às cobranças de tempo (o que

evidentemente deixou de existir para aqueles que se submetem às regras da academia) e

à necessidade de comercialização do fruto do seu trabalho.

Estas duas concepções simplificam uma relação que está longe de ser tão bem

demarcada e estanque. Se por um lado é correto dizer que o intelectual está afastado da

produção de bens materiais, também é verdade dizer que há muito tempo este está

inserido no mundo do trabalho – e não no papel daqueles que exploram o trabalho.

Com a expansão das relações capitalistas e a paulatina substituição dos valores

morais e qualitativos pelos financeiros e quantitativos, os intelectuais passaram a

perceberem-se enquanto trabalhadores. Contudo, mesmo tendo esta percepção, estes

viam-se diferenciados dos demais trabalhadores pelo seu papel frente ao mundo do

trabalho, cabendo aos intelectuais a construção simbólica de valores – ou seja, a

valorização dos bens reais e simbólicos, em outras palavras, o dar sentido às coisas –

enquanto aos demais, cabendo o labor real.

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112

É evidente que esta definição é meramente na separação das funções sociais,

uma vez que é obvio que os trabalhadores braças, digamos assim, também constroem

sentidos, atribuem valores e criam o simbólico cotidianamente, seja na reprodução de

valores morais que regem os mecanismos de trabalho ou, seja pela (re)criação de novos

valores e novas praticas sociais. Porém, é a formalidade desta criação de valores que

diferencia o intelectual profissional destes outros.

Pensando justamente pela formalização do trabalho intelectual é que podemos

identificar os rapazes que organizaram a revista Seiva enquanto intelectuais. Uma vez

que é evidente, que estes se percebiam enquanto agentes que criavam/atribuíam valores

e formavam opinião – caso contrário, porque criariam uma revista voltada para os

intelectuais? Da mesma forma, percebo que estes intelectuais sabiam de seu papel frente

uma realidade tão demarcada pela necessidade do posicionar-se. Fruto da polarização de

três ideologias antagônicas: o liberalismo (capitalista); o comunismo e o fascismo.

Cabendo assim, tanto aos intelectuais, quanto aos trabalhadores, promoverem as

transformações sociais que garantiriam um mundo livre da ameaça das desumanidades

de uma guerra que estava sendo travada para além das trincheiras, no cotidiano e no

ideário.

2. O intelectual baiano e o uso do conceito de campo.

Pensando no ser intelectual baiano, optei por utilizar o conceito de campo

intelectual de Pierre Bourdieu175. O fiz tendo claro a necessidade de observamos as

regras do ser intelectual na Bahia. E creio ter sido esta uma posição acertada. Contudo, a

definição do campo intelectual baiano mostrou-se uma tarefa muito mais complicada

pela carência de estudos sobre o tema, poucos trabalhos além do de Paulo Santos

Silva176 traziam, mesmo sem utilizar o conceituário, informações um tanto mais acabada

sobre o que seria o intelectual baiano, a abrangência de seu campo, as regras de ingresso

e êxito... partes fundamentais de um estudo sobre um campo.

Evidentemente que o problema, de utilizar o conceito e a metodologia de

campo para pensar os intelectuais baianos, era um problema meu, nenhum outro

estudioso era responsável pelas minhas questões. Contudo a carência de estudos locais

175 . BOURDIEU, Pierre. 1987. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva. 176 . SILVA, Paulo Santos 2000. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na Bahia (1930-1949). Salvador: Edufba.

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sobre o tema me impediu de apresentar nesta dissertação uma análise mais apurada

deste campo.

Porém parecia-me claro que havia um campo intelectual formado. Estudos,

mesmo não tratando diretamente do tema, apresentavam indícios deste177. Então

partimos para estes indícios. Era claro que o campo intelectual baiano era formado por

seus espaços formais (Academia de Letras; Instituto Geográfico e Histórico; as

faculdades, especialmente Medicina e Direito; o Ginásio da Bahia e as outras escolas

secundaristas em menor importância) e informais (círculos literários e sarais

domésticos; jornais; bares e cafés etc). As regras de ingresso também pareciam nítidas

como o apadrinhamento. Um jovem ingressante no campo deveria ser apresentado,

inserido por alguém que já fizesse parte deste, principalmente alguém que possuísse

algum capital simbólico (prestigio, por exemplo) dentro deste.

O jornalismo, parte do tema desta pesquisa, era uma forma de ingresso, assim

como também o era de êxito. Ter textos publicados num magazine ou num jornal era a

consagração do ingresso no campo, tornar-se jornalista de banca fixa num periódico,

especialmente o “A Tarde” e o “Imparcial”, era a consagração. Sendo o magistério e o

funcionalismo público instrumentos de manutenção das condições de sobrevivência,

uma vez que a atividade jornalista e literária não promovia estas condições financeiras.

O discurso e a oratória seriam claramente as marcas desse campo. Um bom

membro do campo intelectual baiano teria que saber impor sua voz e fazer discursos de

improviso num salão onde fora convidado com esse intuito ou, num bonde. A referência

constante a Rui Barbosa e especialmente a sua oratória e à figura que fazia enquanto

grande jurista era um modelo para os intelectuais da época. Esta oratória transpunha-se

à barreira da escrita/oralidade. Os textos escritos eram feitos de forma que pudessem ser

“declamados”, lidos em voz alta. Era esperado que alguém que tivesse gostado de um

texto, o lesse em voz alta para os familiares, amigos ou mesmo um desconhecido que

passasse por perto. Este estilo de escrita é perceptível em vários trechos de jornais da

época.

177 .Os trabalhos de COSTA, Iraneidson Santos. 1997. A Bahia já deu régua e compasso: o saber médico-legal e a questão racial na Bahia, 1890-1940. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA; FERREIRA, Laís Mônica Reis. 2006. O integralismo na Bahia: gênero, educação e assistência social em O Imparcial. (Dissertação de Mestrado). Salvador, UFBA; GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. 1982. A Formação e a Crise de Hegemonia Burguesa na Bahia - 1930 a 1964. (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA; LEITE, Rinaldo C. N. 2005. A Rainha Destronada. Discursos das Elites Sobre as Grandezas e os Infortúnios da Bahia nas Primeiras Décadas Republicanas. (Tese de doutoramento) São Paulo, PUC-SP; LIMA, Deborah Kelman de. 2003. “Banquete Espiritual da Instituição”: O Ginásio da Bahia, Salvador: 1895-1942. Dissertação de mestrado. Salvador, UFBA confirmam isto.

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A saudade e a referência a baianos de outrora seria também outra marca do

intelectual da Bahia. A supervalorização da importância e qualidade dos intelectuais do

passado era uma forma de agregarem capital simbólico a si, ao campo. Criavam, pois,

quase que um panteão de ídolos: Antonio Vieira, Castro Alves, Rui Barbosa... Eram

apenas os mais referenciados na época. Mas, creio que de tempo em tempos outros

intelectuais/ídolos eram mais “cultuados” que outros. O que fica claro em Tenda dos

Milagres178, quando Pedro Archanjo, intelectual baiano desconhecido que se torna

conhecido, depois de morto e “ressuscitado” (simbolicamente), por um estudioso

estadunidense que vem à Bahia graças a sua obra, completamente desconhecida pelos

intelectuais de cá.

Contudo uma limitação mostrou-se cruel nesta investigação. Infelizmente,

graças à carência de maiores estudos sobre o campo intelectual baiano e a exigüidade do

tempo desta pesquisa, impediu-me, por hora, de recompor o campo intelectual baiano

em sua totalidade fazendo análises mais ricas e detalhadas de sua composição social, de

sua rede de contatos, dos laços de apadrinhamento etc. Restringi-me apenas a trazer os

indícios acima citados, referendando-me nos trabalhos dos historiados baianos da

geração de 1980/90 que trataram dos intelectuais do inicio do século179 e às obras de

Jorge Amado180.

3. As sociabilidades do Tornar-se:

As obras de Amado também foram as portas de acesso utilizados por mim para

chegar ao cotidiano de Salvador e às praticas corriqueiras dos jovens intelectuais

baianos. Através de sua descrição do espaço e de suas críticas humoradas à sociedade

baiana, associando-as às memórias de João Falcão e Fernando Sant’Anna e a entrevistas

de Jacob Gorender, Armênio Guedes, Aristeu Nogueira e Diógenes Arruda Câmara,

178. AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 21ª Ed., Rio de Janeiro, Record, 1978. 179.ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. 1999. Algazarras nas Ruas: comemorações da independência na Bahia, 1889-1923. Campinas, Ed. da UNICAMP; ARAÚJO, Dilton. 1992. Republicanismo e Classe Média em Salvador 1870-1889 (Dissertação de Mestrado) Salvador, UFBA; COSTA, Op Cite.; FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito 1998-1999 “Desafricanizar as ruas: elites letradas, mulheres pobres e cultura popular em Salvador (1890-1937)” in Afro-Ásia (Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais, FFCH-UFBA) Nº 21-22; FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. 2000. "Fazendo Fita": cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador, EDUFBA; LEITE, Op Cite. 180

. AMADO, Jorge. O Pais do Carnaval. 31ª Ed (1ª Ed. em 1930). Rio de Janeiro, Record e AMADO, Jorge. Tenda dos Milagres. 21ª Ed., Rio de Janeiro, Record, 1978.

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115

pude chegar um pouco ao cotidiano da cidade da Bahia e de sua juventude nos anos

1930.

Parece-me claro que o tornar-se intelectual e comunista era vivenciado num

bojo cultural especifico (no caso aqui estudado, da cidade de Salvador e das disputas

ideológicas entre integralismo e comunismo) e pelos habitus presentes nos espaços de

sociabilidades.

Desta maneira era no cotidiano do ser jovem e estudante na cidade de Salvador

da década de 1930 que estes intelectuais mantiveram contato com os agentes

formadores de sua identidade enquanto intelectuais e comunistas. Eram nos espaços

escolares onde o ser intelectual era apresentado aos estudantes. E era fora desta, nos

bares, nos cafés, no Tabaris, ou seja, na boemia, que este ser intelectual era reforçado.

Estes espaços eram, assim, espaços das sociabilidades do tornar-se. Lugares de

formação identitária. E foi pensando nisto de escrevi o I Capitulo desta dissertação.

Parece-me que esta foi uma metodologia acertada. Acredito que são nestes

espaços que as sociabilidades são formadas. Penso ser fora dos espaços formais que o

jogo de um campo em disputa, como entendo que era o campo intelectual baiano da

época, era travado.

4. Tornar-se, Posicionar-se e Identificar-se:

Eram nas disputas do campo intelectual, ou melhor, pelo campo que podem ser

observados os posicionarem-se destes agentes. Posso citar a Academia dos Rebeldes

como uma iniciativa importante de disputa pelo campo intelectual baiano. Infelizmente,

pela carência de estudos mais aprofundados sobre ele, não posso afirmar a existência de

outras forças de disputa do campo, mas, é muito improvável que não tenham existido. A

disputa pelo campo faz parte dele. É necessário ter concorrências para que possam ser

feitas as diferenciações internas dele. Contudo, parece-me que a experiência dos

rebeldes vai, além disso. Parece-me que eles estavam disputando as regras do campo, ou

seja, disputando a mudança das regras, a transformação do campo.

Esta experiência, ainda carente de maiores estudos181, é importante nesta

pesquisa, uma vez que os intelectuais aqui estudados eram de alguma maneira, ligados

181 . É de meu conhecimento apenas um estudo sobre a Academia dos Rebeldes: SOARES, Ângelo Barroso Costa. Academia dos Rebeldes: Modernismo à moda Baiana. Feira de Santana, UEFS, 2005 (Dissertação de Mestrado: Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural).

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aos rebeldes e às conseqüências de sua iniciativa. Os jovens que formara a revista Seiva

conviveram com os intelectuais da Academia dos Rebeldes e absorveram suas

temáticas. Por exemplo, a discussão sobre o ser intelectual afro-baiano – que foi pouco

explorada nesta dissertação, devido à pulgência da disputa entre Integralistas e

Comunistas. Mas o que me parece ser o que verdadeiramente aproxima os moços da

Academia dos Rebeldes dos intelectuais da Seiva é que, vejo evidências que me levam a

crer terem sido os rebeldes os primeiros a introduzir a discussão marxista no campo

intelectual baiano. Em outras palavras, foram os primeiros a tencionar o campo a partir

de um posicionamento que tem as lutas de classes como mote.

É tal introdução que faz com que os jovens em formação no campo intelectual

baiano possam ter tido a possibilidade de serem atraídos pelo comunismo. E foi isto que

quis tratar nesta dissertação. Mostrar como num campo em disputa onde o liberalismo

até pouco tempo hegemônico, o comunismo a pouco introduzido (mas que aparente não

recebia dos liberais a atenção e rivalidade, talvez devida) e o integralismo, entendido

como versão tupiniquim do fascismo, mostrava-se uma ameaça aos dois, a atração por

umas destas forças em disputa fazia-se forte e precisa.

Nesta disputa, os jovens que formaram a Seiva foram atraídos pelo

comunismo. Mas não o foram apenas motivados por suas vontades. Foram atraídos por

uma força que era formada pela abrangência do comunismo da época e pela

aproximação promovida pela PCB com as classes médias. E, empurrados pelas

sociabilidades presentes em sua formação.

Desta forma a Seiva foi a culminância de uma experiência bem sucedida de

formação intelectual e de disputa entre forças atrativas internas ao campo intelectual

baiano. Ao mesmo tempo em que a Seiva, uma vez constituída, foi um instrumento de

atração e de disputa com uma dessas forças em disputa, o integralismo.

Nos textos apresentados no III Capitulo dessa dissertação, percebemos como

um grupo de intelectuais partiu para a disputa de espaços num momento ímpar para tal.

Com a ascensão do Fascismo aos governos da Alemanha e Itália e o posterior início da

II Guerra Mundial, associadas à expansão do integralismo no país, a necessidade de

evitar que este se torne um instrumento de atração eficaz era de urgência. E é isto que

encontramos nos textos apresentados da Seiva nesta dissertação.

Desta forma, o tornar-se pode ser associado à tomada de posição. O qual, por

sua vez só dá pra ser entendido a partir da formação identitária daqueles que sofrem a

atração. Em outras palavras, o posicionar-se enquanto comunista, significa identificar-se

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117

com a visão de mundo comunista. Porém, esta formação identitária só pode ser

entendida através de um estudo sobre o lugar social daqueles que se identificam. E foi

isso, que tentei fazer nesta dissertação.

Entendo, portanto, que foi nesta disputa através da Seiva, que o ideário

comunista se consolidou nos jovens aqui estudados. Foi nas disputas com o

integralismo, retratado juntamente com o fascismo como uma ameaça à humanidade,

mais no sentido conceitual de sentimento humano do que no de aniquilamento da

espécie humana – o que se mostrou real no final da guerra com a ameaça atômica –, que

o sentido de comprometimento desses intelectuais com a humanidade, foi consolidado.

E para eles o instrumento mais eficaz para isto seria o comunismo. Visto por eles como

o último resquício de um sentimento pleno de humanidade.

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118

LISTAGEM DE FONTES:

Autobiográficas, memorialísticas, depoimentos e entrevistas:

i. Aristeu Nogueira: Relato autobiográfico (mimeo); LABELU/UEFS;

ii. Armênio Guedes: Entrevistas (Livro e Internet)

iii. Carlos Marighella: Entrevistas (Livros e Internet)

iv. Diógenes Arruda Câmara: Entrevista (Internet)

v. Fernando Sant’Anna: Entrevistas (Livros e Internet)

vi. Jacob Gorender: Entrevistas (Livros, Revistas e internet)

vii. João Falcão: O Partido Comunista que eu conheci: 20 anos de

clandestinidade (Livro);

Autobiografias, memórias, entrevistas e depoimentos (terceiros)

viii. Juracy Magalhães: Memórias (livro);

ix. Leôncio Basbaum: Memórias (livro);

Orais (a serem feitas)

Armênio Guedes; Fernando Sant’Anna; Jacob Gorender; João Falcão e Luiz

Henrique Dias Tavares.

Orais (realizados por terceiros)

x. Aristeu Nogueira: Realizada por Gustavo Falcon;

xi. Aristeu Nogueira: Realizada por Carlos Zacarias;

xii. Fernando Sant’Anna: Realizada por Antonio Risério;

xiii. Fernando Sant’Anna: Realizada por Carlos Zacarias:

xiv. João Falcão: Realizada por Carlos Zacarias;

xv. João Falcão: Realizada por Marcos Roberto Martins Santos;

b) Documentos escritos:

i. APEB (Arquivo Publico do Estado da Bahia) (Salvador/Bahia):

Correspondências oficiais do Estado, documentação relacionada a

armamentos para o DOPS.

ii. BPEB (Biblioteca Publica do Estado da Bahia) (Salvador/Bahia):

§ Periódicos:

a. Diário da Bahia (Jornal): 1934 (janeiro) a 1942 (dezembro).

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119

b. Diário de Noticiais (Jornal): 1934 (janeiro) a 1944 (faltam

alguns números).

c. Nova Era (Jornal): 1934 (janeiro) a 1935 (dezembro).

d. O Estado da Bahia (Jornal): 1933 (janeiro) a 1948 (dezembro).

e. O Imparcial (Jornal): 1933 (Janeiro) a 1940 (dezembro) e de

1941 a 1948 (faltando alguns exemplares).

f. O Momento (Jornal) 1945 (janeiro) a 1948 (dezembro).

g. Seiva (Revista): 1942, Outubro, Ano II, Nº. 42 (único exemplar

disponível neste acervo).

iii. CEB-C (Colégio Estadual da Bahia – Central, Antigo Ginásio da Bahia)

(Salvador/Bahia): planos de aula, documentação dos professores, material

didático, fotografias e atas do grêmio.

iv. FCJ/UFBa (Faculdade de Ciências Jurídicas/UFBa) (Salvador/Bahia): Atas

do Centro Acadêmico Rui Barbosa. (informação dada pelo próprio centro

que tem as atas antigas, mas ainda não tive acesso)

v. EPT/UFBa (Escola Politécnica/UFBa) (Salvado/Bahia): Atas do Centro

Acadêmico (a conferir);

vi. FMSP/UFBa (Faculdade de Medicina e Saúde Publica/UFBa)

(Salvador/Bahia): Atas do Centro Acadêmico e Medicina e de Odontologia.

vii. AEL/UNICAMP (arquivo Edgard Leuenroth/IFCH/UNICAMP)

(Campinas/SP): Documentos referentes a 3ª IC; Fundo Astrojildo Pereira;

Fundo Luiz Carlos Prestes; Coleção Movimento Estudantil;

viii. CEDEM/UNESP (Centro de Documentação e Memória/UNESP) (São

Paulo/SP): Fundo PCB.

ix. BN (Biblioteca Nacional) (Rio de Janeiro/RJ): publicações e periódicos;

x. CEPDOC/FGV (Centro de Pesquisa e Documentação/FGV):

Correspondências, documentos políticos e publicações;

xi. LABELU/UEFS (Laboratório de História e Memória da Esquerda e das

Lutas Sociais):

§ A Classe Operária (1934 a 1940) – Digitalizados.

xii. AMORJ - UFRJ: Dossiê sobre atuação comunista.

xiii. Acervos Pessoais:

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120

a) Seiva: 1940 a 1942 (coleção completa) – Professor Muniz

Ferreira.

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121

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São Paulo, Boitempo.

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124

ANEXOS

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Fotos

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Foto 1. Jovens estudantes baianos no Porto da Barra. Entre eles

Fernando Sant’Anna (último à direita).

Foto 2. Evento organizado pela UEB.

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127

FOTO 3: Manifestação do 1ª DE MAIO DE 1943. Carregando a imagem de

Vargas, Wilson Falcão e Jacob Gorender.

FOTO 4: Fachada do então Ginásio da Bahia (Atual Colégio Estadual da

Bahia – Central)

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FOTO 5: Rua Chile, centro comercial e cultural de salvador até a década

de 1960.

FOTO 6: Estudantes baianos num bar. ao centro, Fernando Sant’Anna.

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MAPA 1: Planta da Cidade de Salvador.

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MAPA 2: Planta das linhas de bonde de Salvador.

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Capas da Seiva

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REVISTA SEIVA

Catalogo de Documentos

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Código Autor(a) Título Seçăo Ano-Nş(data) censura

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18 ARAÚJO, Barreto de Estudos Históricos [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

24 BASTOS, Humberto [O nome consta na capa, mas năo encontramos o texto] [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

26 BASTOS, Luis A filosofia e a história [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

37 CAVALCANTE, Paulo Subúrbio [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

42 COSTA, Sosigenes Catinga de Canavial (poema) [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

46 COUTINHO, Alfranio A Inteligencia contra corrente [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

53 DUARTE, Emo Os pampas e o paraíso verde [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

58 FALCĂO, Joăo da Costa Eu os vi no campo [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

65 GARCIA, Carlos José Sampaio e o sentido de sua poesia [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

69 GOMES, Antonio Osmar Coragem de pensar [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

74 GOMES, Orlando Fundamento da autoridade [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

88 MARQUES, Alves Um homem ŕ procura de um chiqueiro [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

94 MIRANDA, Rodrigues de O anônimo Bonifacio dos Anjos [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

119 PALATNECK, Paulo O fenômeno PUSCHKIN [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo

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150

identificado

123 PIMENTA, Marcos O mato é maior [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

126 PONZI, Alfio Um Purista Ultra-Sensivel [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

129 RIBEIRO, Alves Pinheiro Viegas [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

138 SILVEIRA, Walter da [O nome consta na capa, mas năo encontramos o texto] [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

145 VIANNA, Sodré Água [Năo se aplica] I – 1 (dez/1938) Năo identificado

20 AUTO, José Music-hall [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

22 BALEEIRO, Aliomar Campos Sales, um político [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

23 BASTOS, Luiz História e Filosofia [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

34 CAMARA, Rui G. Um livro Chileno [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

54 DUARTE, Nestor Disciplina por subordinaçăo e disciplina por coordenaçăo [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

55 FACÓ, Rui Um negro estúpido [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

57 FALCĂO, Joăo da Costa Cadę o poeta negro do Brasil? [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

62 FRANCA, Antonio A História Nacional [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

68 GOLD, Michael Um homem com um violăo [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

71 GOMES, Antonio Osmar Orientaçăo Humanista da Cultura [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

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151

73 GOMES, Eugenio Dança dos Gentios (poema) [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

80 L. P. “!No Pasarán!” [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

85 MACHADO FILHO, Brasilio

Macumba [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

102 NEGRĂO, Odilon Oéste Paraense [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

103 NITĂO, Joăo A verdadeira filosofia da vida [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

104 NOGUEIRA, Aristeu A insurreiçăo de 1711 a Baía [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

124 PIMENTA, Marcos Quatro pessoas em volta de uma mesa [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

130 ROLLAND, Romain A Alemanha e os judeus [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

132 SAMPAIO, José A rua das vitimas (poema) [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

136 SCHAUN, Nelson A atitude de Hugo [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

142 VALADARES, José Jonathas Abbott [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

144 VIANNA FILHO, Luiz Euclides da Cunha [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

147 VIANNA, Sodré Poema do natal do meu lula (poema) [Năo se aplica] I – 2 (jan/1939) Năo identificado

12 ALBUQUERQUE, Americo Pequena reflexăo sobre o grande poeta [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

13 ALENCAR, Humberto de Advertęncias [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

16 ALVES, Gerardo de Souza Uma criança perdida na tempestade (poema) [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo

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152

identificado

21 BALEEIRO, Aliomar A política externa [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

25 BASTOS, Humberto Outro romancista de S. Paulo [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

27 BASTOS, Luiz História Sincera da França [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

33 CALAZANS, Joăo Cadę o poeta? (poema) [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

36 CARREIRAL, R. O negro Sabino (poema) [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

38 CAVALCANTE, Valdemar Dois homens de antigamente [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

40 CAVALHEIRO, Edgar Nota sobre poço dos paus [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

41 COSTA, Dias da Antonio Guerra foi a Europa [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

44 COUTINHO, Afranio A reaçăo anti-burguesa [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

51 DIĘGES JUNIOR, Manuel Lampiăo e o problema do cangaço [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

56 FACÓ, Rui Um pintor no “Salon” [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

59 FERRAZ, Aydano do Couto

Cantarei minha poesia mudamente [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

60 FERREIRA, Ascenso Nocturno (poema) [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

63 FREITAS JUNIOR, Otavio Dostoiewsky e a Arte [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

72 GOMES, Antonio Osmar Presença do homem [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

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153

77 GUIMARĂES, Reginaldo O democrata Eça de Queiroz [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

81 LIMA, Dernival [O nome consta na capa, mas năo encontramos o texto] [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

83 LIMA, Medeiros Suaves evocaçőes dentro da noite [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

97 MONTENEGRO, Tullo Hostilio

Raimundo Morais, sua obra e os processos publicitários [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

118 PAIM JUNIOR A alimentaçăo e a classe operária [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

125 PONZI, Alfanio Vai ser regulamentada a verdade [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

137 SILVEIRA, Joel Wilson năo se afobe [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

139 TAVARES, Julio Quem fez o Brasil? [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

140 TAVARES, Odorico Redescobrimento de Euclides da Cunha [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

146 VIANNA, Sodré O Negrinho d’Água [Năo se aplica] I – 3 (ilegível) Năo identificado

2 [autor năo identificado] A “piedade branca” do Sr. Câmara Cascudo [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

3 [autor năo identificado] Documentos: escrituras de venda de escravos/Negros escravos marcados a ferro em brasa

[Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

5 [autor năo identificado] Racismo ridículo [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

6 [autor năo identificado] Reprovados os candidatos que năo eram brancos [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

8 [autor năo identificado] Tengo-tengo (um episódio das lutas negras) [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

9 ALBUQUERQUE, Americo Como compreendo a religiăo negra [Năo se aplica] I – 4 Năo

Page 150: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

154

(13/mai/1939)* identificado

15 ALVES, Castro Navio Negreiro: tragédia no mar (poema) [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

29 BASTOS, Luiz Para onde vai a afrologia? [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

30 BOPP, Raul Negro (poema) [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

31 BRITTO, Raymundo Minha noite no candomblé (poema) [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

43 COSTA, Sosigenes Dudú Calunga [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

45 COUTINHO, Afranio O negro, elemento diferenciador [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

52 DUARTE, Emo A miragem da aboliçăo [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

61 FERREIRA, Ascenso Xangô (poema) [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

67 GÓES, Fernando Variaçőes sobre o negro [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

70 GOMES, Antonio Osmar Influęncia do negro na sociedade brasileira [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

76 GUIMARĂES, Reginaldo A divinisaçăo da música negro-brasileira [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

84 MACHADO FILHO, B. Conversa com negro [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

105 NOGUEIRA, Aristeu Escravos e trabalhadores livres no nordeste bahiano [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

128 RAMOS, Arthur O negro no Brasil [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

134 SAMPAIO, Nelson A criminalidade negra no Brasil [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

Page 151: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

155

143 VIANNA FILHO, Luiz Bantos e Sudaneses no mercado de escravos na Bahia [Năo se aplica] I – 4 (13/mai/1939)*

Năo identificado

4 [autor năo identificado] Oitenta e um por cento de anaphabetos (transcriçăo de “Tesis”, órgăo do Syndicato de Trabalhadores do Ensino da Republica Mexicana)

[Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

7 [autor năo identificado] Seiva estudando economia e socialmente os principais municípios do estado: Feira, uma cidade que cresce

[Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

11 ALBUQUERQUE, Americo O “Reichinho” de Santa Catarina [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

17 AMORIM, Clovis Carta aos rapazes da “Seiva” [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

19 ARGENTIERE, Romulo A questăo dos americanos [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

28 BASTOS, Luiz O verdadeiro conceito do materialismo [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

32 BURLÁ, Eliezer Um contista na intimidade: Dias da Costa [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

39 CAVALHEIRO, Edgar Castro Alves – o maior poeta do Brasil [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

47 DECUGIS, Henri O que custa uma guerra! [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

48 DELEVSKY, J. A desigualdade Social [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

50 DIAS, Antonio B. Ŕ procura da felicidade [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

64 FRÓES DA MOTTA, O Panorama universal [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

66 GÓES, Fernando A poesia chegou, meu irmăo [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

78 IVO, Ledo Literatura amazonica [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

82 LIMA, Medeiros A vida heróica de Mme. Curie [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

86 MARITAIN, Jacques De Jacques Maritain [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

89 MELLO NETTO, Archimedes

Os estudantes brasileiros e o turismo cultural (secçăo problemas dos estudantes)

[Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

91 MELO, Afranio Noticias velhas e novas sôbre o Săo Francisco [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

92 MELO, Alberto B. de Província [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

93 MÉLO, Verissimo de Cuidado com o solo europeu [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

95 MIRANDA, Rodrigues de Vôvô Morumgaba [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

101 MONTENEGRO, Tulo Hostilio

Olivio Montenegro e o romance brasileiro [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

Page 152: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

156

120 PALATNIK, Paulo O poema de măe preta (poema) [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

122 PIMENTA, Marcos Aconteceu na ladeira [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

131 ROMERO, Abelardo Sonetos [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

133 SAMPAIO, José Os negros cantam poemas (poema) [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

141 TEIXEIRA, Celso Seu Euclides [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

148 VIEGAS NETO, O feijăo e o sonho [Năo se aplica] I – 5 (set/1939) SIM

106 [autor năo identificado] A crise política da Prata NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

107 [autor năo identificado] A guerra e a economia nacional NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

108 [autor năo identificado] A juventude no movimento mundial pela paz NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

109 [autor năo identificado] Esboço da história do petróleo do Lobato NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

110 [autor năo identificado] Esporte no subúrbio NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

111 [autor năo identificado] Mulheres e crianças nas minas japonesas NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

112 [autor năo identificado] Nossa capa NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

113 [autor năo identificado] O custo da guerra NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

114 [autor năo identificado] O livro ocidental na China NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

115 [autor năo identificado] Pensamento e realidade NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

116 [autor năo identificado] Um ano de vida NOTAS DA REDAÇÂO

II – 7 (set/1940) SIM

10 ALBUQUERQUE, Americo Conversa com Euclides da Cunha [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

14 ALMEIDA, Valdemar O humanismo de Euclides da Cunha [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

Page 153: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

157

35 CAMARĂO, Clovis O panteísmo dos negros do Recife [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

49 DELGADO, Luiz Livros novos (resenhas): “A vida de Nijinsky” – Romola NIJINSK

[Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

75 GUARNIERI, Rossine Camargo

O Preto Serafim caiu do andaime (poema) [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

79 KLABER, Kurt Como se trabalha numa fabrica japonesa [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

87 MARQUES JUNIOR, Antonio

Técnica de informaçăo [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

90 MELLO, Carlos de Da liberalismo ao Planismo [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

96 MONTENEGRO, Joăo Reflexőes sobre Sosigenes da Cunha [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

98 MONTENEGRO, Tulo Hostilio

Livros novos (resenhas): “A Esperança” – André MALRAUX [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

99 MONTENEGRO, Tulo Hostilio

Livros novos (resenhas): “Caçadores de micróbios” – Paul de KRUIF

[Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

100 MONTENEGRO, Tulo Hostilio

Livros novos (resenhas): “O Patriota” – Pearl S. BUCK [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

117 OTELO, Miguel Siembra (poema) [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

121 PALATNIK, Paulo O verdadeiro conceito de literatura [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

127 PORTO, Gay Marques “Yes, nós temos petróleo”... [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

135 SAMPAIO, Nilson de Souza

A liçăo do petróleo [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

149 VLADIMIR, V. Os Estados Gerais [Năo se aplica] II – 7 (set/1940) SIM

173 [autor năo identificado] 12 milhőes de toneladas métricas de minérios NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

176 [autor năo identificado] A economia, ŕs sombras da grande Companhia Brasileira “Alliança do Lar Limitada”

[Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

169 [autor năo identificado] A guerra e os industriais no Brasil NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

166 [autor năo identificado] As inversőes inglesas no mundo NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

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158

168 [autor năo identificado] As oscilaçőes do salário rural em 1939 NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

175 [autor năo identificado] As reivindicaçőes da lavoura cacaueira REPORTAGEM II – 8 (dez/1940) SIM

164 [autor năo identificado] Como văo os intelectuais pelo mundo NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

163 [autor năo identificado] Mensagem ŕ inteligęncia da América NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

171 [autor năo identificado] Mil e quinhentos periódicos suspensos na Alemanha desde 1933

NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

167 [autor năo identificado] Nossa desorganizaçăo econômica NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

172 [autor năo identificado] O ferro da Europa NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

170 [autor năo identificado] O monopólio na indústria farmacęutica NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

174 [autor năo identificado] O ouro europeu nos Estados Unidos NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

165 [autor năo identificado] Receita do Município de Ilheus NOTAS DA REDAÇĂO

II – 8 (dez/1940) SIM

152 CAETANO FILHO, Manuel Vozes do Mundo (poema) [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

159 COSTA, Sosigenes Lá foi a viola (poema) [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

162 COUTINHO, Carlos “Baianas” [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

150 DIAS, Antonio B. A uniăo entre as americas [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

161 GOUVĘA, Orlando A Inglaterra julgada por um inglęs [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

156 HARDING, F. Swann Para quem é a cięncia? [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

160 HUGHES, Langston Quando o escritor negro deixa de ser exótico, năo vende seus livros

[Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

157 NERUDA, Pablo Um trecho de Pablo Neruda [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

155 PARAGUASSÚ, Nicolau Também devemos falar frente a frente [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

154 PEÇANHA, Ives Interpretaçăo do conflito Democracia X Fascismo [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

Page 155: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

159

151 ROLLAND, Romain Palavras ŕ mocidade [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

158 SAMPAIO, Nelson de Souza

A contradiçăo de Carrel [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

153 VIEIRA, Luiz A “imparcialidade” das filosofias [Năo se aplica] II – 8 (dez/1940) SIM

248 [autor năo identificado] A conferęncia de Moscou dará novos rumos ŕ guerra mundial

NOTAS DA REDAÇÂO

III - 10 (out/1941)

SIM

238 [autor năo identificado] A. C. Mirante III - 10 (out/1941)

SIM

240 [autor năo identificado] Ainda o cinema brasileiro Cinema e Rádio III - 10 (out/1941)

SIM

235 [autor năo identificado] As liçőes que nos dá o caso da Bolivia Nota do męs III - 10 (out/1941)

SIM

241 [autor năo identificado] Calcanhar de Aquiles Cinema e Rádio III - 10 (out/1941)

SIM

239 [autor năo identificado] Hollywood e a guerra Cinema e Rádio III - 10 (out/1941)

SIM

249 [autor năo identificado] Infiltraçăo nazista na América do Sul NOTAS DA REDAÇÂO

III - 10 (out/1941)

SIM

237 [autor năo identificado] Lima Barreto Escritores da América

III - 10 (out/1941)

SIM

244 [autor năo identificado] Negociaçőes Nipo-Americanas NOTAS DA REDAÇĂO

III - 10 (out/1941)

SIM

242 [autor năo identificado] Noticias diversas Cinema e Rádio III - 10 (out/1941)

SIM

236 [autor năo identificado] O imposto de renda na Bahia Problemas da Bahia

III - 10 (out/1941)

SIM

243 [autor năo identificado] O Japăo deseja pescar num rio revolto NOTAS DA REDAÇĂO

III - 10 (out/1941)

SIM

247 [autor năo identificado] O pensamento vivo de Mandariaga sobre a paz NOTAS DA REDAÇÂO

III - 10 (out/1941)

SIM

246 [autor năo identificado] Pontos de vista de Bernard Shaw NOTAS DA III - 10 SIM

Page 156: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

160

REDAÇÂO (out/1941)

245 [autor năo identificado] Salvemos a cultura NOTAS DA REDAÇÂO

III - 10 (out/1941)

SIM

233 ANDRADE, Ariston Em crise o aero-club REPORTAGEM III - 10 (out/1941)

SIM

219 BASTOS, Luiz Observaçőes sobre o problema judaico Política, Economia e Cięncia

III - 10 (out/1941)

SIM

234 CALDEIRA, Clovis O reconcavo bahiano e suas possibilidades REPORTAGEM III - 10 (out/1941)

SIM

232 CAMPOS, Aldenor O ensino primário do sertăo REPORTAGEM III - 10 (out/1941)

SIM

221 CAVALCANTE, Waldemar Usina e Banguę: elementos da paisagem rural do Nordeste

Política, Economia e Cięncia

III - 10 (out/1941)

SIM

229 COUTINHO, Afranio A inteligencia e a crise História, Artes e Literatura

III - 10 (out/1941)

SIM

225 DIEGUES JUNIOR, Manuel

A principal causa das crises do Nordeste Política, Economia e Cięncia

III - 10 (out/1941)

SIM

222 LABERENNE, Paul Vida e Obra de Descartes Política, Economia e Cięncia

III - 10 (out/1941)

SIM

227 MEDEIROS, Aluísio Alegoria (poema) História, Arte e Literatura

III - 10 (out/1941)

SIM

228 MENDEZ, Julio Ortega y Garret - um pensador vulgar História, Arte e Literatura

III - 10 (out/1941)

SIM

224 MENDOZA, Adalberto Garcia

Novas diretrizes para a matemática Política, Economia e Cięncia

III - 10 (out/1941)

SIM

230 MORAIS, Santos O drama das geraçőes do século História, Artes e Literatura

III - 10 (out/1941)

SIM

223 NITĂO, Joăo Esquema sobre a organizaçăo da agricultura Política, Economia e Cięncia

III - 10 (out/1941)

SIM

220 PEREIRA, Augusto de Gusmăo

Questőes de política internacional Política, Economia e Cięncia

III - 10 (out/1941)

SIM

Page 157: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

161

231 PINTO, Luís Bibliografia historica da Paraíba História, Arte e Literatura

III - 10 (out/1941)

SIM

226 SOARES, Rodrigo A posiçăo humanista perante a literatura História, Arte e Literatura

III - 10 (out/1941)

SIM

277 [autor năo identificado] "cidadăo Kane" Cinema e Rádio III - 11 (dez/1941)

SIM

285 [autor năo identificado] A mulher e a guerra Notas da redaçăo III - 11 (dez/1941)

SIM

273 [autor năo identificado] A queda do trafico maritimo Motivos Nacionais III - 11 (dez/1941)

SIM

276 [autor năo identificado] A. C. Mirante III - 11 (dez/1941)

SIM

280 [autor năo identificado] Aluminio por baijo Cinema e Rádio III - 11 (dez/1941)

SIM

272 [autor năo identificado] Amparo ŕ borracha Motivos Nacionais III - 11 (dez/1941)

SIM

288 [autor năo identificado] Anti-semitismo nos Estados Unidos Notas da redaçăo III - 11 (dez/1941)

SIM

283 [autor năo identificado] Atrocidades que explicam a derrota dos japoneses na China

Notas da redaçăo III - 11 (dez/1941)

SIM

284 [autor năo identificado] Cem anos alemăes Notas da redaçăo III - 11 (dez/1941)

SIM

279 [autor năo identificado] Cenário Surrealista Cinema e Rádio III - 11 (dez/1941)

SIM

269 [autor năo identificado] Dos pampas ecôa um brado alerta Nota de Męs III - 11 (dez/1941)

SIM

274 [autor năo identificado] Escolas Rurais Ambulantes Motivos Nacionais III - 11 (dez/1941)

SIM

281 [autor năo identificado] O acebispo de Canterbury e a Guerra Notas da redaçăo III - 11 (dez/1941)

SIM

275 [autor năo identificado] O Brasil exporta tecnologia Motivos Nacionais III - 11 SIM

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162

(dez/1941)

270 [autor năo identificado] O comércio interno do cacau bahiano Problemas da Bahia

III - 11 (dez/1941)

SIM

278 [autor năo identificado] Orson Welles Cinema e Rádio III - 11 (dez/1941)

SIM

271 [autor năo identificado] Os estudantes acordam Motivos Nacionais III - 11 (dez/1941)

SIM

282 [autor năo identificado] Quanto custa a guerra Notas da redaçăo III - 11 (dez/1941)

SIM

287 [autor năo identificado] Que ocorre quano se casam pessoas de raça diferentes? Notas da redaçăo III - 11 (dez/1941)

SIM

286 [autor năo identificado] Retrado de Mme. Curie Notas da Redaçăo III - 11 (dez/1941)

SIM

254 [Por um observador militar]

Já falamos em anos de guerra... Mas, quando terminará? Política, Economia e Cięncia

III - 11 (dez/1941)

SIM

267 ANDRADE, Ariston A miséria come e dorme em casas de 20$ REPORTAGEM III - 11 (dez/1941)

SIM

260 BASTOS, Abguar Multidăo e Individuo História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SIM

256 BORGES, J. Carlos O Brasil e seu potencial hidraulico Política, Economia e Cięncia

III - 11 (dez/1941)

SIM

261 DIEGUES JUNIOR, M O Recife e os holandesęs História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SIM

265 DUARTE, Emo Afonso Schmidt e o romance da aboliçăo História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SIM

268 FACÓ, Rui Osvaldo Goeldi fala de arte REPORTAGEM III - 11 (dez/1941)

SIM

263 FELIPE, Julio Subjetivismo e Humanismo História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SIM

255 GOUVEIA, A. Da física de Descartes ŕ física de Newton Política, economia e Cięncia

III - 11 (dez/1941)

SIM

Page 159: A Seiva de Uma Juventude: intelectualidade, juventude e militância ...

163

264 KORDON, Bernardo Aspectos historicos e socais da raça negra no Brasil História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SIM

253 M. M. Os judeus e a luta contra o Anti-semitísmo Política, Economia e Cięncia

III - 11 (dez/1941)

SIM

252 MAIA, Joăo Questőes de política internacional Política, Economia e Cięncia

III - 11 (dez/1941)

SIM

262 MANN, Thomas (trad: COUTINHO, Afranio)

Um documento que honra a grandeza do espírito História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SIM

258 MARINELLO, Juan Paralelo entre Gorki e Unamuno História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SiM

266 MATOS, Edgard Vencer na vida (conto) História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SIM

257 PAIN JUNIOR Socialisaçăo da Medicina Política, Economia e Cięncia

III - 11 (dez/1941)

SIM

251 PARAGUASSÚ, Nicolau Ŕ margem de estudos sobre o solo e fosseis da Bahia Política, Economia e Cięncia

III - 11 (dez/1941)

SIM

259 PUIGRO'SS, Rodolfo O carater da Revoluçăo do Sul na luta pela emancipaçăo argentina

História, Artes e Literatura

III - 11 (dez/1941)

SIM

314 [Autor năo Identificado] A Condor já năo faz espionagem Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM

322 [Autor năo identificado] A Mulher na França Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

324 [Autor năo identificado] A Quinta Coluna Japonesa no Brasil Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

318 [Autor năo identificado] A Rádo Nacional e a Quinta Coluna Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM

321 [Autor năo identificado] A responsabilidade dos professores na hora presente Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

309 [Autor năo identificado] A Uniăo Nacional pela Defesa da Pátria Nota do Męs III - 12 (ju/1942) SIM

319 [Autor năo identificado] A voz da América Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM

320 [Autor năo identificado] Ainda Carmen Miranda Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM

323 [Autor năo Identificado] Anticultura Nazista Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

295 [Autor năo identificado] China: fortaleza da liberdade no oriente Política, Economia e Ciencia

III - 12 (ju/1942) SIM

333 [Autor năo identificado] Colégio de Espionagem Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

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331 [Autor năo identificado] Demos Asas ao Brasil Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

310 [Autor năo identificado] Ensino Proficional Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM

313 [Autor năo Identificado] Exportaçăo Bahiana de 1941 Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM

315 [Autor năo identificado] Graça a arte de Walty Disney Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM

306 [Autor năo identificado] Ilya Ehrenburg tira instantaneos da Guerra História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

326 [Autor năo identificado] Novos nomes para a História Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

328 [Autor năo Identificado] O Brasil combate a Quinta Coluna Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

317 [Autor năo identificado] O Dia Pan Americano no Ar Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM

329 [Autor năo identificado] O Esforço de Guerra na Austrália Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

298 [Autor năo identificado] O Fatos decisivo da Guerra Política, Economia e Cięncia

III - 12 (ju/1942) SIM

296 [Autor năo identificado] O Glaucínio revoluciona a industria da guerra Política, Economia e Cięncia

III - 12 (ju/1942) SIM

311 [Autor năo identificado] O Pan Americanismo olhado de frente Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM

325 [Autor năo identificado] Os Hungaros Livres no Exercito dos Revoltados Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

330 [Autor năo identificado] Os jangadeiros e o cinema Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

327 [Autor năo identificado] Pobreza Literária Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

332 [Autor năo identificado] Tatico Nazista Notas da Redaçăo III - 12 (ju/1942) SIM

316 [Autor năo Identificado] Tempestades d'Água Cinema e Rádio III - 12 (ju/1942) SIM

312 [Autor năo identificado] Um problema de transporte Motivos Nacionais III - 12 (ju/1942) SIM

305 COSTA, Dias da A hora negra dos profetas pardos História, Arte e Litaratura

III - 12 (ju/1942) SIM

294 CRIPPS, Stafford A Guerra na Rússia Política, Economia e Ciencia

III - 12 (ju/1942) SIM

293 FALCĂO, Costa Como a juventude deve lutar pela defesa da pátria Política, Economia e Ciencia

III - 12 (ju/1942) SIM

307 FERRAZ, Aydano do Couto

Momento pela Manhă (poema) História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

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300 J. L. Mr. John Gunther e a América Latina História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

303 PAIM, Gilberto O trabalhador dos cacauais História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

297 PARAGUASSÚ, Nicolau Ŕ margem de estudos sobre o solo e fosseis da Bahia Política, Economia e Cięncia

III - 12 (ju/1942) SIM

302 PERALVA, Oswaldo Heróis do Mundo Moderno História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

304 RODRIGUES, Humberto Cançăo da Aurora História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

308 SANTIAGO FILHO, Enoch Credo (poema) História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

299 WHITMAN, Walt Saudaçăo de Natal História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

301 ZINGG, Paulo Na hora decisiva do destia da humanidade História, Arte e Literatura

III - 12 (ju/1942) SIM

292 [autor năo identificado] Acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para a exploraçăo do vale do Amazonas e a defesa continental

Política, Economia e Cięncia

III - 12 (jul/1942) SIM

291 [autor năo identificado] O Vulcăo "Nova Ordem" Política, Economia e Cięncia

III - 12 (jul/1942) SIM

290 CALVETE, Santiago Sanchez

Alerta América Política, Economia e Cięncia

III - 12 (jul/1942) SIM

289 HOMES, Howard O desenvolvimento economico da América Latina pode pôr fim ŕs intrigas do Eixo

Política, Economia e Cięncia

III - 12 (jul/1942) SIM

204 [Autor năo identificado] "Shorts" Cinema e Rádio III - 9 (jul/1941) SIM

210 [Autor năo identificado] 1ş ou 15 de maio? NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

200 [Autor năo identificado] A irradiaçăo do Banco do Brasil no interior do estado Problemas da Bahia

III - 9 (jul/1941) SIM

213 [Autor năo identificado] Capitalismo e Banqueiros NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

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217 [Autor năo identificado] Concurso de reportagens NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

205 [Autor năo identificado] De rádio Cinema e Rádio III - 9 (jul/1941) SIM

198 [Autor năo identificado] Dois de Julho Nota do Męs III - 9 (jul/1941) SIM

208 [Autor năo identificado] Dorothy Thompson fala a verdade NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

203 [Autor năo identificado] Frank Capra, o moralista Cinema e Rádio III - 9 (jul/1941) SIM

199 [Autor năo Identificado] John Passos Escritores das Américas

III - 9 (jul/1941) SIM

218 [Autor năo identificado] Mensagem ŕ inteligencia da América NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

209 [Autor năo identificado] O artista no cinema: Douglas Fairbanks e a propaganda de guerra

NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

215 [Autor năo identificado] O caso Hess e a invasăo da Rússia NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

207 [Autor năo identificado] O imperialísmo e a Paz NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

216 [Autor năo identificado] Os estudantes uruguaios NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

214 [Autor năo Identificado] Os refugiados espanhois na França estăo ameaçados NOTAS DA REDAÇĂO

III - 9 (jul/1941) SIM

206 [Autor năo identificado] Retrato de Pierre Laval NOTAS DA REDAÇĂO

III - 9 (jul/1941) SIM

212 [Autor năo identificado] Surrealismo NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

202 [Autor năo identificado] Uma marca na História do Cinema Cinema e Rádio III - 9 (jul/1941) SIM

211 [Autor năo identificado] Uniăo da América Latina NOTAS DA REDAÇÂO

III - 9 (jul/1941) SIM

184 ALEXANDROVA, A. As bases navais dos Estados Unidos Política, Economia e Cięncia

III - 9 (jul/1941) SIM

187 BRAGA, Rubem Rumba Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

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191 CAETANO FILHO, Manoel Agonia de artista (poema) Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

180 CAMACHO P, Virgilio A Biologia e a interpretaçăo moderna de alguns fenomenos sociais

Politica, Economia e Cięncia

III - 9 (jul/1941) SIM

197 CAMPOS, Aldenor Novo rumo na teoria dos logarítimos REPORTAGEM III - 9 (jul/1941) SIM

201 CASAS, Aureliano Esquivel

Açăo Social da Escola Rural Educaçăo III - 9 (jul/1941) SIM

179 DIEGES JUNIOR, Manoel O Engenho como centro de civilizaçăo Politica, Economia e Cięncia

III - 9 (jul/1941) SIM

186 DRUMOND DE ANDRADE, Carlos

Congresso Internacional de Poesia (poema) Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

181 E. B. A Unidade Nacional da China foi golpeada Política, Economia e Cięncia

III - 9 (jul/1941) SIM

193 FIGUEIRA, Gastón Batuque (poema) Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

177 GOMES, Orlando A Revoluçăo da Independencia Política, Economia e Cięncia

III - 9 (jul/1941) SIM

192 LINS, Wilson Manipueira Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

189 MEDEIROS, Aluísio O grande sinal Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

188 MORAES, Ernesto Poeta afro-cubanos Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

194 MORAES, Santos Capítulo Nove Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

182 NITĂO, Joăo A Terra ainda é Dona Demais Política, Economia e Cięncia

III - 9 (jul/1941) SIM

185 PINTO, Luiz Entradas da civilizaçăo paraibana Política, Economia e Cięncia

III - 9 (jul/1941) SIM

190 PRIESTLEY, J. B. Escrevo em nome de um destroço ensanguentado Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

196 RODRIGO JUNIOR Música do Brasil Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

178 TOLEDANO, L Colaboraçăo Anglo-Américana Politica, Economia e Ciencia

III - 9 (jul/1941) SIM

195 VERGARA, Telma Tręs páginas inconsistentes Arte e Literatura III - 9 (jul/1941) SIM

183 WESSEN, Robert Esta guerra năo é nossa Política, Economia e Cięncia

III - 9 (jul/1941) SIM

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