A segunda vida do Alisuper - ClipQuick · 2012-04-26 · queijo da serra, voltava e às oito da ......

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A segunda vida do Alisuper José Nogueira, um homem do Douro, é o novo dono dos supermercados do Algarve

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A segunda vidado AlisuperJosé Nogueira, umhomem do Douro,é o novo dono dos

supermercadosdo Algarve

EXPANSÃO

O novo donodo AlisuperÉ um homem do Douro e, depois de décadas a cimentar um grupo que faz negócio nos fumados e nasfrutas, José Nogueira desce agora até ao Algarve para salvar a rede de mercearias da falência. Não

consegue estar parado e já tem outros negócios na mira. Texto Joana Madeira Pereira. Foto Egídio Santos

O Cruzam-se as curvas do Douro em diade sol, desacelera-se ao chegar a Arma-

mar, a capital portuguesa da maça, se-

gundo a placa que nos recebe à entrada, e

a encimar a vila lá está a maior emprega-dora do concelho, a Fumados do Douro,

que dá trabalho a mais de uma centenade pessoas daquela região. O complexo é

enorme e nota-se que há obras a decorrera toda a velocidade na produtora de car-nes frescas e transformados, que é apenasuma das várias empresas a que José No-

gueira preside. Só naquela região, apostanos fumados, na fruta e no turismo. Masé também dali que, desde há pouco, gere acadeia de distribuição Alisuper que, muito

provavelmente, terá pouco eco naquelas

paragens, já que a maioria das lojas fica amais de 600 quilómetros dali, no Algarve.

Aos 67 anos, José Nogueira vê-se a bra-

ços com novos desafios. Nada de novo paraum empresário habituado a criar e a recu-

perar empresas. Por acaso, José Nogueiraestá aqui, em Armamar. Mas bem podiaestar em Lamego, onde tem a sua empresade comercialização de frutas e hortícolas.Ou ali mais ao lado, na Quinta da Barroca,onde está a recuperar e a construir novas

casas para investir a sério neste projeto de

agroturismo. Até mesmo em Madrid, ondetem duas empresas de apoio à importa-ção de frutas e carnes para Portugal. E,

agora, claro, numa das lojas Alisuper, bemmais a sul - como aconteceu há semanas,quando esteve ao lado do ministro Álvaro

Santos Pereira e do secretário de Estado

adjunto da Economia, António Almeida

Henriques, na reabertura da primeira loja

Alisuper, em Vale do Lobo.

José Nogueira, empresáriodo Douro pagou 26 milhões de eurospara dar nova vida à rede Alisuper

Vender queijos num MercedesEstes périplos já fazem parte da vida de

um empresário que, aos 2 anos, saiu deErvedosa do Douro, uma pequena aldeia

de São João da Pesqueira, para o Brasil e

que, antes de regressar definitivamente a

Portugal, homem feito e pai de família,

passou pela guerra em Angola, trabalhou

no comércio em Moçambique e fundou

uma empresa de transporte na África do

Sul. Saiu daquele país depois de uma con-versa com um empregado, que o alertou

para a crescente instabilidade social e polírica que haveria de culminar, dali a me-ses, com o massacre do Soweto. Quandoa sangrenta repressão policial a uma ma

nifestação de estudantes negros ocorreu,em junho de 1976, já José Nogueira era

proprietário de uma mercearia e um café,

um pouco abaixo de Lisboa, em Pegões.Pouco depois, haveria de acrescentar umasalsicharia ao negócio.

"Como não gostava de estar muito

tempo parado atrás do balcão, fechava

o café por volta da uma da manhã, me-tia-me no carro, ia até Trancoso comprarqueijo da serra, voltava e às oito da manhã

já estava a abrir novamente o café. Depois,

nessa noite, ia para o Algarve vender os

queijos. Sempre gostei de fazer coisas, não

preciso de dormir muito", afiança José

Nogueira que, em jeito de piada, diz: "Era

o vendedor mais rico do Algarve, andava

num Mercedes carregado de queijos."Em 1988, começa a constituir aquele

que é hoje o valioso, mas discreto, grupoNogueira. Nesse ano, regressa ao Douronatal e vende os negócios de Pegões parafundar a Frutas Douro Sul, empresa quenasceu com o intuito de comercializar as

famosas maçãs de Armamar, com a ajudados primeiros fundos comunitários euro-

peus. No entanto, rapidamente encontrououtra vocação, porque "para comprar caro

e vender ainda mais caro e com poucamargem" não valia a pena. Passou, então aatuar no comércio de "produtos em falta" ,

frutas e legumes de que o mercado portu-guês carece: "Ainda há pouco mandei vircoentros de Marrocos e de Israel. Vou até

onde for preciso", garante.Apesar de sediada em Lamego, esta

empresa compra grande parte dos produtos em Espanha e era costumeiro paraJosé Nogueira ficar-se por Madrid en-tre as segundas-feiras e os sábados. Foi,

portanto, de longe que o empresário fez

crescer a Frutas Douro Sul até aos 8 mi-lhões de euros que atualmente fatura e

aos 68 trabalhadores que emprega. "Não

temos tido razões de queixa. O mercado

precisa destes produtos e, portanto, o vo-lume de vendas estabilizou nos últimosanos. Mesmo a própria banca tem ?

? financiado os nossos investimentos.Mas temos cada vez mais problemas em

relação às cobranças. Só a Frutas do DouroSul tem mais de 3 milhões de euros empa-tados nos clientes", aponta. "E aqui", diz,referindo-se à Fumados do Douro, "estão

outros 3,9 milhões pendurados. Assim é

muito complicado".

«RECUPERAÇÃO»

s supermercados do verão voltam a aquecerEram os supermercados a quemuitos só iam nas férias de

veraneio, quando aproveitavamo sol do Algarve. Os turistas

alimentavam o negócio da

rede Alisuper, mas nos mesesinvernosos o negócio caía a pique.A situação tornou-se insustentável

e, em agosto de 2009, a Alicoop,

cooperativa proprietária da

marca, entrou com um pedidode insolvência no Tribunal Judicial

de Silves. Para tentar salvaguardaro negócio das 80 lojas e maisde quatro centenas de postosde trabalho, 245 trabalhadorescontraíram um empréstimo de

1,3 milhões de euros junto do

BPN para fazer face às dívidas.

No entanto, mesmo com

a intervenção do Governo,a Caixa Geral de Depósitos (CGD),

o maior credor, recusou o planode recuperação financeira e o

grupo suspendeu os contratosde trabalho. Depois, seguiu-se umcalvário de negociações, de lojas

que reabriram para fechar poucosmeses depois. A falência pareciaser iminente, mas no final de

março último, foi anunciado que a

marca Alisuper e 60 das suas lojashaviam sido adquiridas pelo

grupo Nogueira, por 26 milhões

de euros (o correspondente a 20%do valor da dívida de 80 milhões

aos credores), apoiado pelo atualGoverno. 0 negócio foi fechado

depois de o empresário José

Nogueira ter conseguido obter um

empréstimo de 3 milhões de euros

junto do Montepio e outros 3,25milhões da CGD. José Nogueiraprevê recuperar entre 350 a 400postos de trabalho: "Estamos a dar

prioridade a antigos colaboradores.

Desde que sejam trabalhadores,são eles que merecem ficar no

Alisuper, depois de terem lutado

tanto por ele." Até à data de

fecho desta edição, tinham sido

reabertas seis lojas Alisuper.As primeiras, em Vale do Lobo

e Quinta do Lago, no concelho

de Loulé, foram inauguradasno passado dia 30 de março,com a presença do ministro da

Economia, Álvaro Santos Pereira.

Na primeira semana de abril, as

três lojas reabertas até entãohaviam faturado 67 mil euros."Até está a correr muito bem", diz

José Nogueira, que quer ver a redede distribuição rejuvenescida: o

nome Alisuper mantém-se, masmuda o logotipo. "Modernizámoso interior das lojas e colocámos umsistema informático comum. Até

ao começo do verão, queremos teras 60 lojas a funcionar", revela.

Contudo, alguns dos

estabelecimentos, sobretudoos que se sobrepõemgeografleamente, abrirão portas"como se fosse marcas brancas,sem o logotipo. Não temos a

certeza de que vão fazer umbom negócio, mas queremosver as possibilidades que têm.É um período de teste", explicao empresário. Nas prateleirasdos supermercados estarão,claro, muitos dos produtos das

insígnias Fumados do Douro eFrutas Douro Sul. A estratégiapassa, mais uma vez, por "dar um

passo de cada vez". A rede cobremaioritariamente o Algarve, masmeia dúzia de estabelecimentosestá dispersa por Cascais, Estoril,Abóbada e Miratejo. A expansãoainda não está programada, sebem que consta nos planos do

grupo Nogueira. "A ver vamos.Cada coisa a seu tempo. Agora,

quero consolidar o que existe",afirma José Nogueira. "Só assimé que vale a pena trabalhar."

Inauguração Contou com a presença do ministro da Economia

Especialista em "dar a volta"Olha-se em redor e percebe-se que, de

facto, a banca não tem fechado a torneiraao grupo Nogueira. Na empresa de fuma-dos, as obras que estão quase a terminarforam um investimento de 7 milhões de

euros na tentativa de dar ainda mais gás a

uma empresa que, agora, farura 16 milhõesde euros. Em 2011, ano em que a recessão

se fez sentir com fulgor, a empresa conse-

guiu um crescimento de 10%. No presente,a Fumados do Douro está a passar de umaárea de 2 mil metros quadrados para ummegacomplexo de 11 mil metros quadrados. Parece mentira que, em 2001 , esteve

para fechar.

Nessa altura, pertencia a um cunhadode José e estava em processo de insolvência

com dívidas no valor de 1 milhão de euros,além de 34 postos de trabalho em perigo."Não estava a contar com esta empresa,mas a gente gosta de ajudar quem está

do nosso lado", simplifica na explicação

aquele que, desde então, pode ostentar o

rótulo de "recuperador de empresas". Mo-dernizou o pavilhão existente com máqui-nas novas (como as estufas de fumeiros,a maquinaria de corte e embalamento)e adquiriu a atual frota de 16 camiões de

distribuição e três transportes de carga de

animais vivos que, todos os dias, se faz às

estradas portuguesas. Simultaneamente,apostou nos serviços do matadouro e es-

tendeu a rede de abrangência da marca,até aí confinada ao Norte, a todo o país."Aumentámos a linha de produtos. Temos

semanas de vender mais de 200 novilhos.Ainda agora, pela semana da Páscoa, ma-tou-se mais de 4 mil borregos. Além ?

? disso, diversificámos e aumentámos a

produção de outros produtos, nomeada-mente os transformados", elenca. Só em2011, saíram do matadouro 5,5 mil tonela-das de "frescos" (com prevalência dos suí-

nos, que representam 4,8 mil toneladas)e foram transformados 600 toneladas de

produtos fumados. Laboram na empresa108 colaboradores. Ao todo, são 155 as re-ferências do catálogo da Fumados.

"Só aposto no que é seguro"Quando pegou na empresa, a faturaçãochegava aos 5 milhões de euros (sem con-tar com as dívidas) e, no ano seguinte, su-biu para os 7 milhões. Em 2004, duplicouo volume de negócios e, desde então, temestabilizado, tendo crescido a 10% nos últi-mos anos. As previsões que se seguem são

auspiciosas: "Daqui por dois anos, contoestar a duplicar a faturação."

Espera que o seu desejo se concretize

quando a fábrica e o matadouro estiverema laborar na sua máxima força: "Passámos

a ter mais de tudo, o que nos permite colo-car mais produtos cá fora e expandir a pro-dução." A vontade, claro, passa sobretudo

por enviar a marca Fumados lá para fora."Estamos à espera que nos venham fazera vistoria ao novo matadouro, obrigatóriapara podermos começar a exportar paradeterminados países", confirma José. As

expectativas passam pelo Brasil, França,Suíça, até mesmo Rússia. Para breve, temagendada uma visita a Moçambique paraperceber como funciona este mercado:"Queremos estar em países onde estejamoutros portugueses, mais aptos a consu-mirem produtos tradicionais", assume. E

Angola? O empresário torce o nariz: "É

um mercado de alto risco. Só aposto na-quilo em que me sinto seguro. Já exporteichouriço para lá, mas só envio depois de

me pagarem", diz. Sabe das dificuldades

que o esperam: "Países a que damos todas

as facilidades, a nós dão-nos só dificulda-des", sentencia, referindo-se sobretudo aoBrasil. A "sua" Frutas Douro Sul já enviou

pêssegos e nectarinas para o outro lado do

Atlântico e a fruta acabou por ficar retidano aeroporto. "Além de que as taxas al-fandegárias são elevadíssimas", completa.

Para dominar a distribuiçãoOutras palavras mais amargas também as

dirige às grandes cadeias de distribuição,que estão "a levar à falência muitas em-presas do sector", com o esmagamentodos preços. Trabalha com algumas delas,

exceção feita ao Pingo Doce, mas preferenegociar com os médios e pequenos reta-lhistas e com o canal Horeca. Foi precisa-mente para dominar a parte mais difícil da

sua atividade, a distribuição, que decidiuolhar para sul e resgatar a cadeia Alisuperda falência (veja caixa "Os supermerca-dos do verão voltam a aquecer"). "É umamais-valia porque conseguimos colocar os

nossos produtos em mais 60 lojas e chegarfacilmente ao outro lado do pais", diz o

empresário. "Da mesma maneira que os

camiões partem daqui carregados com as

nossas marcas, quero que eles regressemcheios de produtos algarvios para estas

empresas."A trabalhar intensamente na recupe-

ração da insígnia de distribuição estão osdois filhos de José Nogueira: Ana e João

Domingos, com 43 e 39 anos, respetiva-mente, estão agora no Algarve, para conti-

nuar a solidificar o grupo que tem o nomeda família, seguindo o exemplo do pai que,ainda hoje, se levanta às duas da manhãnos dias em que tem de "carregar camiõesno mercado abastecedor de Madrid. Todas

as compras são feitas por mim. Divido-me

por todo o lado". Ainda tem tempo paradelinear a estratégia da Quinta da Barroca,em Armamar, uma quinta de agroturismoque comprou em 2009, também à beirada falência. Corria o risco de fechar, masdepois de um investimento de 2,5 milhõesde euros está pronta a atrair mais negócio:está a ser finalizada a construção de setesuítes de luxo e o novo salão de festas, comcapacidade para 300 pessoas, vem trazereventos a uma propriedade que duplicoua área de vinha-, mais tarde, poderá nasceruma marca de vinho.

O frenesim de José Nogueira, mesmoassim, não para. Aguarda que a Federa-

ção Internacional de Automobilismo faça avistoria ao projeto que concebeu para umterreno que comprou ali perto e no qualpretende construir uma pista de karting."É uma maneira de chamar mais turismoa esta região, ter mais pessoas na Quintada Barroca. Quero ter, mesmo ao lado, umheliporto: para quem quiser, podemossubcontratar os serviços de um helicóp-tero para sobrevoar a região do Douro. Se

for lucrativo, compramos o helicóptero",afirma, com um sorriso. "Aquilo que eu

gosto de fazer ou faço bem ou não faço.Sou vaidoso e gosto de dar nas vistas. Amaior satisfação que tenho é quando ou-tras empresas e governantes nos visitam e

vêem que o dinheiro é bem empregue. Nãose vê o Governo estar ao lado de qualquerempresa", afirma, orgulhoso. O