A Revolução de Outubro

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A Revolução de Outubro – Leon Trotski I – A INTELLIGENTSIA 1 PEQUENO-BURGUESA NA REVOLUÇÃO – pág. 23, 24 e 25 A guerra outorgou ao Exercito um papel decisivo nos acontecimentos da revolução; e o antigo Exército eram os camponeses. Se a revolução tivesse se desenvolvido em condições mais normais, se tivesse começado em tempo de paz, como o que prevalecia em 1912, o proletariado teria assumido o posto dirigente desde o primeiro momento e teria arrastado gradualmente os camponeses para o redemoinho revolucionário. A guerra, porém, impôs outra dinâmica aos acontecimentos. O Exército uniu os camponeses, não política, mas militarmente. Antes que as reivindicações e as ideias revolucionárias os unificassem, eles já estavam organizados em regimentos, divisões, corpos de exércitos e exércitos. Os grupos da democracia pequeno-burguesa espalhados nesse exército, que do ponto de vista militar e intelectual cumpriam um papel de destaque, encontravam-se em sua maioria tomados pelo espírito da pequena-burguesia revolucionária. O profundo descontentamento social das massas agravou-se e começou a transbordar graças, principalmente, ao desastre militar do czarismo. Assim que teve início a revolução, a vanguarda do proletariado fez reviver a tradição de 1905 e incitou as massas a se organizar em organismos representativos, os conselhos de delegados. O Exército teve de enviar representantes às instituições revolucionárias antes que sua consciência política se elevasse minimamente à altura dos acontecimentos revolucionários que estavam em curso. Quem os soldados poderiam enviar como delegados? Naturalmente, 1 Intelligentsia: a classe dos intelectuais na Rússia czarista no século XIX, especialmente sua vanguarda política; nome dado à vanguarda intelectual ou artística de qualquer país.

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A Revolução de Outubro – Leon Trotski

I – A INTELLIGENTSIA1 PEQUENO-BURGUESA NA REVOLUÇÃO – pág. 23, 24 e 25

A guerra outorgou ao Exercito um papel decisivo nos acontecimentos da revolução; e o antigo Exército eram os camponeses. Se a revolução tivesse se desenvolvido em condições mais normais, se tivesse começado em tempo de paz, como o que prevalecia em 1912, o proletariado teria assumido o posto dirigente desde o primeiro momento e teria arrastado gradualmente os camponeses para o redemoinho revolucionário. A guerra, porém, impôs outra dinâmica aos acontecimentos. O Exército uniu os camponeses, não política, mas militarmente. Antes que as reivindicações e as ideias revolucionárias os unificassem, eles já estavam organizados em regimentos, divisões, corpos de exércitos e exércitos. Os grupos da democracia pequeno-burguesa espalhados nesse exército, que do ponto de vista militar e intelectual cumpriam um papel de destaque, encontravam-se em sua maioria tomados pelo espírito da pequena-burguesia revolucionária. O profundo descontentamento social das massas agravou-se e começou a transbordar graças, principalmente, ao desastre militar do czarismo. Assim que teve início a revolução, a vanguarda do proletariado fez reviver a tradição de 1905 e incitou as massas a se organizar em organismos representativos, os conselhos de delegados.

O Exército teve de enviar representantes às instituições revolucionárias antes que sua consciência política se elevasse minimamente à altura dos acontecimentos revolucionários que estavam em curso. Quem os soldados poderiam enviar como delegados? Naturalmente, apenas os intelectuais e os semi-intelectuais que se encontravam entre eles, os que possuíssem ao menos um mínimo de conhecimentos políticos e fossem capazes de expressá-los.

Desse modo, a intelligentsia pequeno-burguesa foi elevada, subitamente e por vontade do Exército em seu despertar, às alturas. Médicos, engenheiros, advogados, jornalistas e profissionais liberais que antes da guerra levavam uma vida absolutamente ordinária e não teriam pretendido nenhum papel proeminente, tornaram-se de golpe representantes de corpos de exército e de exércitos inteiros e sentiam-se os “condutores” da revolução. A imprecisão de suas ideias políticas correspondia exatamente ao estado amorfo da consciência revolucionária das massas. Esses grupos – do alto de sua arrogância – diziam-nos sectários, nós, que havíamos formulado as reivindicações sociais dos trabalhadores e dos camponeses com total clareza e resolução.

1 Intelligentsia: a classe dos intelectuais na Rússia czarista no século XIX, especialmente sua vanguarda política; nome dado à vanguarda intelectual ou artística de qualquer país.

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Ao mesmo tempo, a democracia pequeno-burguesa, debaixo de seu orgulho de “revolucionária”, escondia uma profundíssima desconfiança em relação a si mesma e em relação às massas que a elevaram inesperadamente àquela alta posição. Mesmo se dizendo socialistas e considerando-se como tais, na realidade conservavam um respeito mal dissimulado pela potência política da burguesia liberal (democratas advogados dos direitos individuais), seus conhecimentos (concentrados na academia/escolas), seus métodos. Daí a aspiração dos dirigentes da pequena-burguesia a concretizar a todo custo a colaboração, a aliança e a coalizão com a burguesia liberal. O programa do Partido Socialista Revolucionário (que chegou a ser a principal expressão política da Rússia), cheio de fórmulas de um vago humanitarismo e de lugares-comuns sentimentalistas e elucubrações morais, com as quais ele substitui os métodos da luta de classe, era a carapuça intelectual mais adequada a essa camada de dirigentes “ad hoc” do movimento. Seus esforços para suprir sua impotência intelectual e política por meio da ciência e da política burguesas encontraram uma justificação teórica na doutrina menchevique.(...)

A hegemonia da intelligentsia pequeno-burguesa, no fundo, nada mais era que a tradução material do fato de os camponeses – empurrados pelo mecanismo da guerra a participar de forma organizada da vida política – superarem numericamente a classe operária e ocuparem provisoriamente seu posto. Além disso, o fato de que os dirigentes da pequena-burguesia tenham sido elevados a tão alta posição pelo caráter de massas do Exército fazia com que o próprio proletariado, com a exceção de sua minoria dirigente, não pudesse lhes negar uma certa consideração política e buscasse manter com eles uma ligação política. (...)

Foi por essa razão que, durante o primeiro período da revolução, o proletariado esteve, também ele, suscetível à influência da política dos socialistas revolucionários e dos mencheviques. A isso se somava o fato de que revolução havia despertado o conjunto das massas proletárias atrasadas, até então adormecidas, e fazia assim do amorfo radicalismo intelectual uma espécie de escola preparatória. (...)

Se o edifício dos sovietes ganhou com tanta rapidez uma altura tão considerável, foi, em grande medida, graças ao papel dirigente dos intelectuais, com seus conhecimentos técnicos e suas relações com a burguesia.

Mas para nós era claro que essa imponente construção repousava sobre conflitos internos mais profundos e que seu desmoronamento era totalmente inevitável no curso da etapa seguinte da revolução.