A Revolução Da Informação

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A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO – PETER DRUCKER Nos últimos 50 anos, a revolução da informação centrou-se nos dados — recolha, armazenamento, transmissão, análise e apresentação. Estava centrada no «T» da abreviatura «TI» (tecnologias de informação). A próxima revolução da informação centra-se-á no «I» e questiona o significado e o propósito da informação. Isto levará rapidamente à redefinição das tarefas a realizar com a ajuda da informação e à redefinição das organizações que as executam. A próxima revolução da informação vai abranger todas as organizações importantes da sociedade moderna. Mas começou e teve um impacto mais profundo no terreno dos negócios, forçando os executivos a redifinir o que é a empresa e o que deveria ser. A empresa passou a ter como principal função a «criação de valor e de riqueza» que, por sua vez, impulsionou o actual debate sobre a sua «propriedade» isto é, para quem é que cria valor e riqueza. Contudo, apesar da sua importância a próxima revolução da informação tem sido largamente ignorada pelo establishment da informação. Em parte, porque teve início no departamento que os gestores de tecnologia de informação tendem a ignorar e a desprezar: a contabilidade. TI produzem dados são informações: Em 1950, julgava-se que o novo milagre chamado computador destinar- se-ia principalmente aos cálculos científicos, tendo como mercados, por exemplo, a astronomia ou o sector militar. Um número reduzido de pessoas (entre as quais me incluo) argumentou que o computador teria aplicações importantes no campo dos negócios. Contrariando a opinião corrente (nomeadamente a da toda-poderosa IBM) o grupo de dissidentes defendia que os computadores seriam mais do que uma máquina de calcular veloz destinada a trabalhos de rotina como o processamento de salários ou dos gastos gerais. Mas todos os não conformistas (incluindo Russel Ackoff, John Diebold e J. W. Forrester) estavam de acordo num aspecto: o computador iria revolucionar o trabalho da gestão de topo. Não podíamos estar mais errados. Até agora, os impactes revolucionários têm ocorrido onde nenhum de nós previu: nas operações. Nenhum de nós podia ter imaginado que, numa fracção de tempo e mediante custos muitíssimos reduzidos, o software poderia, por exemplo, conceber projectos para grandes edifícios desde a canalização, sistema eléctrico, aquecimento, ar condicionado às especificações para os elevadores e sua colocação. Nem as suas potencialidades para os estudantes de Medicina. Até há pouco tempo eles raramente podiam assistir a operações antes do final do curso. Hoje, o software permiti-

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A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO – PETER DRUCKER

Nos últimos 50 anos, a revolução da informação centrou-se nos dados — recolha, armazenamento, transmissão, análise e apresentação. Estava centrada no «T» da abreviatura «TI» (tecnologias de informação). A próxima revolução da informação centra-se-á no «I» e questiona o significado e o propósito da informação. Isto levará rapidamente à redefinição das tarefas a realizar com a ajuda da informação e à redefinição das organizações que as executam.

A próxima revolução da informação vai abranger todas as organizações importantes da sociedade moderna. Mas começou e teve um impacto mais profundo no terreno dos negócios, forçando os executivos a redifinir o que é a empresa e o que deveria ser. A empresa passou a ter como principal função a «criação de valor e de riqueza» que, por sua vez, impulsionou o actual debate sobre a sua «propriedade» isto é, para quem é que cria valor e riqueza. Contudo, apesar da sua importância a próxima revolução da informação tem sido largamente ignorada pelo establishment da informação. Em parte, porque teve início no departamento que os gestores de tecnologia de informação tendem a ignorar e a desprezar: a contabilidade.

TI produzem dados são informações:

Em 1950, julgava-se que o novo milagre chamado computador destinar-se-ia principalmente aos cálculos científicos, tendo como mercados, por exemplo, a astronomia ou o sector militar.

Um número reduzido de pessoas (entre as quais me incluo) argumentou que o computador teria aplicações importantes no campo dos negócios. Contrariando a opinião corrente (nomeadamente a da toda-poderosa IBM) o grupo de dissidentes defendia que os computadores seriam mais do que uma máquina de calcular veloz destinada a trabalhos de rotina como o processamento de salários ou dos gastos gerais. Mas todos os não conformistas (incluindo Russel Ackoff, John Diebold e J. W. Forrester) estavam de acordo num aspecto: o computador iria revolucionar o trabalho da gestão de topo.

Não podíamos estar mais errados. Até agora, os impactes revolucionários têm ocorrido onde nenhum de nós previu: nas operações. Nenhum de nós podia ter imaginado que, numa fracção de tempo e mediante custos muitíssimos reduzidos, o software poderia, por exemplo, conceber projectos para grandes edifícios desde a canalização, sistema eléctrico, aquecimento, ar condicionado às especificações para os elevadores e sua colocação. Nem as suas potencialidades para os estudantes de Medicina. Até há pouco tempo eles raramente podiam assistir a operações antes do final do curso. Hoje, o software permiti-lhes realizar operações virtuais que até podem «matar» os seus pacientes se fizerem um erro cirúrgico.

Há 50 anos ninguém poderia ter imaginado o software que permite a um grande fabricante de equipamento como a Caterpilar organizar as suas operações globalmente atendendo em tempo real às necessidades dos clientes. O mesmo se passa nos bancos onde o software está a revolucionar as operações.

No entanto, o computador e as tecnologias de informação ainda não tiveram qualquer impacte em decisões como a construção, ou não, de um novo bloco de edifícios, de uma escola, de um hospital ou de uma prisão nem sobre a decisão das funções deveriam desempenhar. Não tiveram praticamente qualquer impacte na decisão do diagnóstico cirúrgico de um doente em estado grave. Não tiveram qualquer impacte na decisão de um fabricante de equipamento relativamente aos mercados-alvo e aos produtos escolhidos, ou ainda na decisão de um banco relativamente à aquisição de outro banco semelhante. Para as tarefas de gestão de topo, a tecnologia de informação foi, até hoje, mais uma fornecedora de dados do que de informações — em nenhuma circunstância deu origem a novas e diferentes questões ou estratégias.

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TI mudou as operações, não a estratégia:

Os gestores de TI tendem a culpar aqueles a quem chamam «executivos reaccionários» por este falhanço.

Nada mais errado. Os gestores de topo não usam as novas tecnologias porque estas não lhes dão as informações de que precisam. As informações disponíveis continuam a ser baseadas no teorema datado do início do século xix segundo o qual os custos mais baixos diferenciam as empresas e determinam a sua competitividade. Os dados dos sistemas de contabilidade tradicionais continuam fiéis a esse princípio.

Como sabemos, a contabilidade foi criada, há pelo menos 500 anos, com o objectivo de fornecer os dados de que a empresa necessitava para preservar o activo e distribuir lucros. O maior contributo para a disciplina foi a contabilidade analítica (cost accounting) nascida nos anos 20. O seu objectivo era actualizar o sistema relativamente à economia do século xix através do fornecimento de informações relativas aos custos e ao seu controlo (afinal, o mesmo se fez recentemente em relação à gestão da qualidade total).

Porém, na Segunda Guerra Mundial, começámos a perceber que a preservação do património e o controlo dos custos não são tarefas da gestão de topo. São tarefas operacionais. Uma grande desvantagem de custo pode, de facto, destruir um negócio. Mas o sucesso depende de algo diferente: a criação de riqueza e valor.

Isto exige a tomada de decisões que implicam riscos: na estratégia delineada, no abandono do que está obsoleto, na aposta na inovação, no equilíbrio entre o curto e o longo prazo, ou no balanceamento entre a rentabilidade imediata e a quota de mercado. Estas decisões são as verdadeiras tarefas dos gestores de topo.

Foi esta evidência que, após a Segunda Guerra Mundial, levou ao surgimento da gestão enquanto disciplina autónoma e distinta da economia financeira (hoje designada por microeconomia). O meu livro The Practice of Management, lançado em 1954, é tido como o responsável pelo nascimento da disciplina, por descrever as tarefas básicas da empresa como a «inovação» e a «satisfação do cliente», isto é, a criação de valor e de riqueza.

Porém, o sistema de contabilidade tradicional não fornece quaisquer dados para estas tarefas da gestão de topo. De facto, nenhuma destas tarefas é sequer compatível com os pressupostos do modelo tradicional de contabilidade. As novas tecnologias de informação baseadas nos computadores, não tinha outra alternativa senão respeitar o sistema de contabilidade vigente. Recolhiam sistematizavam, manipulavam, analisavam e, por fim, apresentavam os dados.

Daí o tremendo impacto que a tecnologia teve nas operações (para as quais a contabilidade analítica foi concebida) e o impacto quase inexistente da TI na gestão do próprio negócio.

TI focam o interior, não o exterior da empresa.

A frustração da gestão de topo com os dados que a TI forneceu até à data acionou a próxima revolução da informação.

Os técnicos e os executivos responsáveis pela informação nas empresas, rapidamente se aperceberam de que os seus clientes internos não precisavam de dados contabilísticos. Porém, não perceberam que não era necessárias mais informações, mais tecnologia, maior rapidez, mas, sim, novos conceitos.

Nos últimos anos, os gestores de topo começaram a questionar-se sobre os conceitos de informação necessários para as novas tarefas. Agora começaram a pedi-los aos seus fornecedores de informação habituais, ou seja, as pessoas do departamento de contabilidade.

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O primeiro dos novos conceitos de informação a ser usado foi o da contabilidade da cadeia de valor económico (economic-chain accounting). A contabilidade tradicional fornece informações sobre os movimentos financeiros que ocorrem no interior da empresa. Enquanto a economic- -chain accounting fornece custos através de toda a cadeia económica, desde o fornecedor até ao cliente final.

Trata-se de um conceito que nasceu nos Estados Unidos há 80 anos lançado por William C. Durant. Este, entre 1908 e 1929 (bem antes de Alfred Sloan), construiu a General Motors e merece ser chamado o inventor da indústria automóvel. No início dos anos 20 o seu modelo de contabilidade foi ligeiramente modificado pela Sears, e dez anos mais tarde, pela Marks & Spencer no Reino Unido. A Toyota, nos anos 50, copiou-o quase sem alterações. Passados 25 anos, o falecido Sam Walton repatriou-o para os Estados Unidos tornando-o a base do sucesso da Wal-Mart.

A economic-chain accounting não requer um computador. Provavelmente William Durant nem sequer tinha uma máquina de calcular. Porém, é evidente que um computador ajuda enormemente o processamento dos números. Logo, é nesta forma computadorizada que o conceito está a ser introduzido nas empresas industriais e, em particular, no sector do retalho e serviços.

Em 1980 surgiu o conceito de custeio baseado na actividade (activity-based costing). Ao contrário da tradicional cost accounting, não foi concebido para minimizar custos, mas, sim, para maximizar lucros. Concentra-se na criação de valor e não na eliminação do desperdício. Desde então surgiram diversos novos conceitos como, por exemplo, o EVA (economic value added) ou o balanced score card.

Cada um destes conceitos foi desenvolvido separadamente e por pessoas diferentes. Mas cada qual usa a informação de forma diferente e é baseado na nova definição de empresa como criadora de valor e riqueza. E um pequeno, mas crescente número de empresas está a juntar estes novos conceitos e instrumentos para formarem um sistema de informação para a gestão de topo. É evidente que utilizam computadores — apesar de habitualmente não ser necessário nada mais sofisticado do que um PC cuja velocidade não é a questão-chave. Este novo sistema, contudo, está a ser concebido sem grande colaboração dos responsáveis pelas TI e raramente é gerido por elas. Está a ser concebido e gerido por pessoas das finanças.

Podemos já imaginar a próxima e a mais importante tarefa no desenvolvimento de um sistema de informação eficaz para a gestão de topo: a recolha e organização de informações focadas no exterior da empresa. As que temos até agora estão focadas no interior. Porém, dentro da empresa existem apenas custos. Os resultados estão no lado de fora. O único centro de lucros é um cliente cujo cheque teve cobertura. Mas sobre o exterior (clientes, competidores, mercados, tecnologias) não temos informações. Poucos negócios prestam sequer atenção à demografia. E ainda menos se apercebem que as informações mais importantes para a estratégia são acerca do aumento ou redução dos montantes que os clientes gastam nos produtos ou serviços de cada indústria.

O grau de pobreza das informações exteriores que são fornecidas aos gestores de topo, mesmo as que estão facilmente disponíveis, foi patente no recente colapso das economias asiáticas. Este crash era previsível pelo menos um ano antes de acontecer. A única questão era o que é que o iria desencadear e onde é iria começar. Era visível, por exemplo, nas estatísticas sobre a dimensão e a composição das dívidas e balanças de pagamentos dos países asiáticos.

Porém, a maioria das grandes empresas tanto americanas como as japonesas foram apanhadas de surpresa. Isso sucedeu porque apesar dos consideráveis investimentos que tinham feito nesta região todas as informações que possuíam eram meramente internas.