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ano III – n o 13 – julho/agosto de 2017 A REVOLTA DE 1924 E O PARLAMENTO PAULISTA BIOGRAFIA DE JÚLIO PRESTES E AINDA: DOCUMENTOS DO SENADO PAULISTA SOBRE A REVOLTA

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ano III – no 13 – julho/agosto de 2017

A RevoltA de 1924 e o pARlAmento

pAulistA

BiogRAfiA de Júlio pRestes

e AindA: documentos do senAdo pAulistA soBRe A RevoltA

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Bombardeamentos aéreos atingindo bairros como Mooca e Brás, trincheiras abertas na Avenida Paulista, mais de 500 mortos e quase cinco mil feridos, boa parte deles civis. Esse cenário de guerra foi vivido por São Paulo durante os dias do movimento que ficou conhecido como Revolta de 1924, na qual militares exigiam a deposição do presidente da República, entre outras demandas. A seção Na Tribuna desta edição traz discursos no Congresso estadual paulista logo após o fim

da rebelião. Em destaque, o discurso do presidente da Câmara dos Deputados, Antônio Lobo, que havia sido preso pelos revoltosos. Na coluna Documento em Foco, transcrevemos alguns

dos documentos produzidos pelo Senado estadual a respeito da Revolta.

Júlio Prestes é o personagem desta edição da coluna Compromisso com a Memória. Presidente da República eleito, não chegando a assumir devido à Revolução de 1930, Júlio Prestes foi deputado estadual paulista entre 1909 e 1923. Combateu na Revolta de 1924 ao lado de Washington Luís e Ataliba Leonel contra os revoltosos.

Por fim, na seção Livros do Acervo Histórico, trazemos a resenha de Recanto do Sertão Paulista, obra que relata os conflitos da ocupação populacional da região do Paranapanema desde o século XIX. Assim como outros tantos, o livro está à disposição para consulta física no Acervo Histórico da Assembleia Legislativa.

Boa leitura!

Editorial

Assembleia Legislativa do Estado de São PauloPresidente: Cauê Macris

1o Secretário: Luiz Fernando T. Ferreira

2o Secretário: Estevam Galvão

Secretário Geral ParlamentarRodrigo Del Nero

Secretário Geral de AdministraçãoJoel José Pinto de Oliveira

Departamento de Documentação e InformaçãoDaniel Ranieri Costa

Divisão de Acervo HistóricoMônica Cristina Araujo Lima Horta

Coordenação editorialMaurícia Figueira

Projeto gráfico, diagramação e impressãoJair Pires de Borba Junior (Gráfica da Alesp)

TextosMônica Cristina Araujo Lima Horta; Dainis Karepovs;

Maurícia Figueira; Silmara de Oliveira Lauar;

Thalita Ruotolo Gouveia

ColaboradoresFrançoise Evelyne Aron; José Cavalli Júnior; Roseli Bittar;

Thaís Santos Pereira

Transcrição de documentoMaurícia Figueira

RevisãoAirton Paschoa

EstagiáriosLorena Jade; Luara Allegretti; Matheus Matos

Imagem da capaIncêndio dos armazéns Narareth Teixeira e Cia. na Mooca

in 1924, o Diário da Revolução: os 23 dias que abalaram

São Paulo

Telefones: (11) 3886-6308/6309

E-mail: [email protected]

Site: www.al.sp.gov.br/acervo-historico

Tiragem: 250 exemplares

Expediente

Acervo Histórico 3

Em Compromisso com a Memória abordamos a trajetória política de Júlio Prestes de Albuquerque, deputado paulista que exerceu cinco mandatos parlamentares: os quatro primeiros, de 1909 a 1923, no Congresso Legislativo de São Paulo, e o último, de 1924 a 1927, no Congresso Nacional, pelo Partido Republicano Paulista (PRP), a agremiação política mais influente da Primeira República. Em 1927 foi eleito presidente do Estado de São Paulo.

A TRAJETÓRIA POLÍTICAJúlio Prestes de Albuquerque nasceu dia 15 de

março de 1882, em Itapetininga, interior de São Paulo. Vive sua infância em meio a uma sociedade monocultora, escravocrata e monárquica, em clima de ruptura rumo ao modelo republicano, costurado pelas elites de então.

Na adolescência, começa a publicar poemas em jornais do Interior. Escreverá poesia até os últimos anos de sua vida. Júlio Prestes redige ainda memórias esparsas, esboços de ficção e textos de não ficção, sobretudo discursos políticos.

Aos 24 anos de idade casa-se com D. Alice Vieira, com quem virá a ter três filhos: Marialice, Fernando e Irene.

Júlio perde a mãe aos 19 anos de idade, mas tem o pai a seu lado até 1937, quando este veio a falecer (DEBES, 1982). Fernando Prestes de Albuquerque, seu progenitor, fazendeiro, advogado e republicano de primeira hora, governou São Paulo de 1898 a 1900 e foi vice-presidente, de 1908 a 1912, e de 1924 a 1927.

Após tornar-se bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo em 1906, monta escritório, dedicando-se com exclusividade à advocacia até 1909, quando passa também a exercer a atividade parlamentar.

Júlio Prestes cumpriu cinco mandatos parlamentares: os primeiros, de 1909 a 1923, no Congresso Legislativo de São Paulo, e o último, de 1924 a 1927, no Congresso Nacional, ambos pelo

Partido Republicano Paulista (PRP), considerado o principal partido da Primeira República.

Em sua atuação como parlamentar estadual, propõe ou emenda projetos de lei acerca da divisão física de propriedades rurais, seguridade social e aumento de vencimentos dos funcionários públicos e, especialmente, de 1912 a 1918, da Estrada de Ferro Sorocabana, na época administrada pela Brazil Railway Company. Denuncia o descumprimento de várias cláusulas contratuais por parte dessa companhia privada, até que consegue a rescisão contratual amigável entre as partes e a retomada da ferrovia pelo Estado de São Paulo. Propõe a criação dos tribunais rurais em resposta aos conflitos entre

Compromisso Com a mEmória

Júlio prestes

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fazendeiros e colonos, principalmente imigrantes italianos. É parte ativa na tribuna do plenário e em comissões permanentes da Casa, chegando a líder do governo na gestão de Washington Luís, o então presidente do Estado de São Paulo de 1924 a 1927 (DEBES, 1982).

Na Câmara dos Deputados de São Paulo, foi membro das Comissões de Comércio, Indústria e Obras Públicas (1910-1914), de Justiça, Constituição e de Poderes (1915- 1918) e de Fazenda e Contas (1919-1923).

Em 1924, Júlio Prestes é eleito deputado federal

pelo PRP, justamente o ano da Revolta de 1924, também conhecida como Revolta dos Tenentes. Esse movimento chega a tomar a capital paulista entre os dias 5 e 28 de julho, e Júlio toma parte contra ele, ao lado das forças governistas.

Com a morte do presidente de São Paulo Carlos Campos em 1927, seu pai, Fernando Prestes, então vice-presidente, recusou-se a assumir o cargo. Com isso, abriu-se a oportunidade de nova disputa eleitoral, para a qual a candidatura de Júlio Prestes foi indicada, por unanimidade, pelos delegados do PRP.

A trajetória política ascendente de Júlio Prestes culmina em sua indicação, candidatura e eleição à presidência da República em 1930. Apoiado por Washington Luís, seu nome é oficializado por uma convenção do PRP em setembro de 1929, junto com o de Vital Soares (presidente do Estado da Bahia), como seu vice-presidente (DEBES, 1982).

Ocorre que, se essa indicação garantia, por um lado, a continuidade da política econômico-financeira do governo, do outro, rompia o esquema de revezamento entre São Paulo e Minas no governo federal, conhecida como “política do café com leite”.

Dentro dos próprios republicanos surge seu opositor — o então presidente do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, com João Pessoa (presidente da Paraíba) como seu vice-presidente. Dessa dissidência, capitaneada pelo presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, surge a Aliança Liberal em junho de 1929, com o apoio de diversos partidos, entre eles o Partido Democrático de São Paulo e o Partido Republicano Mineiro.

Júlio Prestes renunciou ao cargo de presidente do Estado de São Paulo em 1929 para concorrer à presidência;

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porém, só deixaria o mandato, oficialmente, quando foi declarado presidente eleito do Brasil, em maio de 1930, sendo sucedido pelo vice-governador Heitor Teixeira Penteado.

A fraude ocorrida durante o pleito de 1o de março revoltou a oposição, causando protestos que se espalharam pelo País.

Antes de sua posse, Júlio Prestes, em 21 de maio, parte em viagem de navio aos Estados Unidos como presidente da República eleito. Lá, ele se encontra com o presidente n o r t e - a m e r i c a n o Herbert Hoover, com autoridades locais e com empresários. Esse episódio lhe rende a capa da revista Time de 23 de junho de 1930.

Na França, na Inglaterra, na Espanha e em Portugal é recebido pelos chefes de governo e/ou de Estado da época. Quando aporta no Brasil, já encontra os ânimos exaltados, pois João Pessoa acabara de ser assassinado.

O inconformismo dos partidários de Vargas com o resultado das eleições e dos demais opositores com as regras eleitorais vigentes provoca a intensa articulação entre políticos e militares que resulta na revolução de outubro de 30. Os governos dos Estados vão sendo tomados um a um pelos rebeldes até que, em 24 de outubro, Washington Luís é finalmente deposto na capital federal da época, o Rio de Janeiro (DEBES, 1982).

Logo após assumir a chefia do Governo Provisório da República, Getúlio Vargas, por meio da edição do Decreto no 19.398, de 11 de novembro, suspende a Constituição federal, dissolve o Congresso Nacional, as assembleias estaduais, as câmaras municipais, e transfere atribuições legislativas para o Poder Executivo.

Júlio Prestes, que acompanha os acontecimentos na capital paulista, abriga-se no consulado inglês, de onde parte para Paris, iniciando o período de

exílio político, que vai durar quase quatro anos. Com esses episódios, encerra-se o período

histórico conhecido como República Velha.As tensões entre paulistas e varguistas chegam

ao auge com a Revolução de 1932, que vai de julho a outubro, com a capitulação de São Paulo.

Júlio Prestes absteve-se da vida pública, retornando ao cenário político somente em 1945, com a fundação da União Democrática Nacional

(UDN). Falece em São Paulo em 9 de fevereiro de 1946.

Em 1951, é dado o nome de Júlio Prestes a um prédio da Estrada de Ferro Sorocabana, na região central de São Paulo, atualmente ocupado pela Secretaria estadual de Cultura e pela Sala São Paulo.

JÚLIO PRESTES EM PLENÁRIO NO LEGISLATIVO PAULISTA

Na qualidade de relator, Júlio Prestes defende a aprovação de projeto de lei de autoria da Comissão de Justiça, alterando dispositivo legal que conferia às câmaras a competência para decretar a prisão e impor multas aos infratores das posturas, leis e regulamentos municipais.

O SR. JÚLIO PRESTES – PRP – Sr. presidente, passo às mãos de V. Exa. um projeto de lei subscrito pelos membros da Comissão de Justiça, modificando algumas disposições da Lei no 1.038, de 19 de dezembro de 1906, e dando outras providências relativamente à infração de posturas municipais.Pela lei citada, tinham as câmaras municipais a faculdade de impor multas e decretar a prisão dos infratores das suas posturas, leis e regulamentos, podendo decretar a prisão até o prazo de cinco dias e impor multas até o máximo de 50$000. Pelo projeto, fica abolida a pena de prisão que era facultada às câmaras,

Na Câmara dos Deputados de São Paulo, foi membro das Comissões de Comércio,

Indústria e Obras Públicas (1910-1914), de Justiça, Constituição e de Poderes (1915- 1918) e de Fazenda e Contas (1919-1923)

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elevando-se a multa, pelas infrações cometidas, a 100$000.O projeto estabelece ainda outras providências sobre o processo executivo a seguir, determinando a competência dos juízes.(...)[85a Sessão Ordinária, 20 de dezembro de 1915]

A respeito dos acontecimentos sucedidos no decorrer de 1917, discursou Júlio Prestes:

O SR. JÚLIO PRESTES – PRP – Sr. presidente, céleres escoam-se na ampulheta do tempo os últimos instantes deste ano, e, de tão preocupados que estivemos, parece que nem nos foi dada a oportunidade de refletirmos ou de nos extasiarmos na majestosa marcha dos acontecimentos desenrolados no decorrer de 1917.“Estamos em guerra! Estamos em guerra!” Este foi o grito que o jovem e já consagrado estadista, que com tanta superioridade dirige nossos destinos, saudou o Congresso da Mocidade de São Paulo, despertando na memória da nossa população a parcela da responsabilidade que lhe cabe. E, fique desde logo assinalado, não foi um grito de terror que voasse por toda a parte, de boca em boca, levantando o espanto e contagiando o medo, senão um toque de alerta e um grito de reunir, para que cada paulista soubesse, na sua esfera de ação, cumprir o seu dever. Operou-se este ano, em nosso país, um movimento muito mais intenso, muito mais brilhante e muito mais digno de nota do que aquele outro, tão honroso e tão nobre, que há um século atrás tinha por fim operar a nossa emancipação política. Somente agora, sr. presidente, com o movimento de nacionalização que se observa por toda parte, com a mobilização de todas as nossas forças vivas, com a cooperação do Brasil ao lado dos aliados, em concerto com as grandes nações da Terra, para a defesa da justiça, do direito e da civilização, é que passamos a constituir verdadeiramente uma nacionalidade digna da estima e do respeito que nos devem as sociedades internacionais.

E, quando todas essas coisas estão em jogo, quando entra em jogo a nossa própria existência, a marcha dos acontecimentos não detém a marcha dos nossos trabalhos na gloriosa caminhada da civilização. Pelo contrário, demonstrando que não somos um povo messiânico, que na contemplação dos fatos ficasse a procurar um homem a quem entregar os seus destinos, marchamos à frente, e, de plena harmonia com os outros poderes do Estado, estimulado ao cumprimento de seus deveres, pode hoje o Congresso Legislativo de S. Paulo, ao encerrar o ano de 1917, dizer que foi este o mais fértil e fecundo de quantos até hoje decorreram. A reforma do serviço sanitário, a remodelação da instrução pública, a reforma judiciária e outros projetos já convertidos em lei ou ainda em andamento, atestam que o Congresso Legislativo, bem compreendendo a sua missão, trabalhou para o aparelhamento, para o aperfeiçoamento e para o engrandecimento do Estado de São Paulo, fazendo-se digno do povo que representa.(...)[91a Sessão Ordinária, 29 de dezembro de 1917]

Em dezembro de 1919, Júlio Prestes fez um pronunciamento favorável à incorporação da Estrada de Ferro Sorocabana ao patrimônio do Estado:

O SR. JÚLIO PRESTES – PRP – Sr. presidente, eram tantas, tão insistentes e tão graves as queixas e as reclamações que se acumulavam contra os serviços da Sorocabana que, na qualidade de representante da zona por ela percorrida, eu me julguei no dever de denunciá-las desta tribuna, lembrando e propondo a rescisão do contrato de arrendamento, como único meio, como único remédio capaz de minorar os males que afligiam essa grande região paulista. Não precisarei recordar o que foi essa campanha.Iniciei-a dirigindo um apelo ao honrado sr. Secretário da Agricultura, que, como representante do 4o distrito, por longo anos, abrilhantara esta mesma tribuna, pedindo a S. Exa., que pusesse em ação toda a energia e todas as luzes do seu formoso talento, para que,

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durante a sua gestão na pasta da Agricultura, resolvesse este problema e deixasse, pelo menos, em ordem, prestando os serviços a que fora destinada essa estrada que era nossa, que representava o esforço e a iniciativa de paulistas, e que estava nas mãos dos arrendatários, servindo de um instrumento de aviltamento para o nosso país.(...)Passando, durante a presente legislatura, a fazer parte da Comissão da Fazenda, coube-me a honra de relatar o parecer e o projeto que V. Exa. acaba de pôr em discussão. (...)O SR. JOÃO MARTINS – PRP – A felicidade do Estado foi a falência da Brazil Railway, da qual fazia parte a Sorocabana.O SR. JÚLIO PRESTES – PRP – Perfeitamente. Foi uma das causas que concorreram para que eles aceitassem a rescisão. (...)Pelas demonstrações que acabei de fazer, verifica-se ainda que os serviços e a renda da Sorocabana, em poucos meses, sob a administração competente e honesta do dr. José de Góes Artigas, correspondem exatamente à nossa previsão.Assim, pois, acentuando a confiança dos paulistas no governo do Estado, que, pela sua ação enérgica e eficaz, soube, cumprindo desassombradamente o seu dever, corresponder ao nosso apelo e à nossa expectativa, eu venho, sr. presidente, dizer que a vitória alcançada nesta campanha pertence ao Estado de São Paulo, que os triunfos registrados no seu evoluir foram os triunfos naturais da justiça que a causa encerrava. (...) E, por isto, estou certo de que, sob a

administração do Estado, essa estrada será o que deveria de há muito ter sido – uma verdadeira empresa de transportes, um modelo de administração, coroando a iniciativa e os ingentes esforços dos paulistas![70a Sessão Ordinária, 4 de dezembro de 1919]

Em razão da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, Júlio Prestes apresentou proposição

em solidariedade ao presidente da República, Epitácio Pessoa.

O SR. JÚLIO PRESTES – PRP – Sr. presidente, ao iniciarmos hoje os trabalhos desta legislatura, ainda sob forte impressão que há poucos dias vibrou em nossa alma de patriotas e de republicanos, desejamos que os nossos anais acolham e registrem a

manifestação de apoio e de solidariedade com que os paulistas assistiram o sr. presidente da República na repulsa à sedição que se levantou contra o poder constituído, visando, com a subversão da ordem, o aniquilamento do regime.Outro não poderia ter sido o enérgico e patriótico procedimento do preclaro estadista a quem a nação entregou a guarda da sua Constituição, assim como, em tão grave emergência de nossa vida de povo livre, outra não poderia ter sido a atitude de todos os patriotas que têm o coração votado, num culto sincero, à grandeza do Brasil e da República.Depois de um século da nossa emancipação política, depois de 33 anos de regime republicano, em pleno gozo das garantias que as instituições implantadas pelos nossos maiores nos asseguram, assistimos ao desfilar da demagogia retardatária, cujos chefes, divorciados do ideal coletivo que anima os grandes interesses nacionais, preparavam, pondo em prática os mais ignóbeis processos

O inconformismo dos partidários de Vargas com o resultado das eleições e dos

demais opositores com as regras eleitorais vigentes provoca a intensa articulação entre

políticos e militares que resulta na revolução de outubro de 30

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políticos, o retrocesso e a queda da República federativa, sob cuja ramada florescem as nossas liberdades e se mostram sazonados os frutos ótimos do nosso trabalho, do nosso progresso e da nossa civilização.(...)A capital da República, que repousava tranquila sob a guarda dos soldados que a Nação armara para a sua defesa e para a defesa de suas instituições, despertava ensanguentada por obra daqueles que, servindo-se de farda — para a vergonha da farda — e da força — para a desonra da força — repelidos pela vontade livre da nação, tentavam ainda criminosamente a escalada do poder.Felizmente, o sr. presidente da República, o sr. dr. Epitácio Pessoa, com o patriotismo e com a coragem cívica que o destacaram na suprema magistratura da Nação, contando com as forças fiéis do Exército e da Marinha, que, mais uma vez, puseram à prova a sua lealdade, a sua abnegação, o seu patriotismo, a sua disciplina e a sua bravura, defendeu a legalidade, manteve ilesa a sua autoridade de chefe de Estado, restaurou a ordem e assegurou a continuidade da República. (...)Está mais uma vez triunfante a vontade consciente e definida da Nação.Os paulistas, tendo à frente de seus gloriosos destinos o patriotismo e a energia inquebrantável do seu presidente, o Exmo. sr. dr. Washington Luís, levantaram-se, com um só corpo, movidos por uma só vontade, e acorreram, vibrantes de entusiasmo, com a mais decidida solidariedade, em defesa da legalidade e da República.

Representante lídima e intérprete fiel dos sentimentos dos paulistas, a Câmara dos Deputados, aprovando a moção que vou ter a honra de enviar à Mesa, de apoio e de solidariedade ao sr. presidente da República, terá refletido, mais uma vez, o pensamento do seu povo, prestigiando a ação do presidente de S. Paulo e engrandecendo o Brasil e a República.Vai à Mesa, é lida e posta em discussão a seguinte

“MoçãoA Câmara dos Deputados do Estado de S. Paulo, intérprete fiel do povo que legitimamente representa, afirma sua plena solidariedade com o governo da República e, confiada na sua orientação de segurança e firmeza para a manutenção da República federativa, aplaude a atitude patriótica e digna do Exmo. sr. dr. Epitácio Pessoa, na repulsa

e na condenação dos elementos sediciosos que procuraram criminosamente, na perturbação da ordem, o aniquilamento das instituições garantidas pela Constituição de 24 de fevereiro. Sala das sessões, 17 de julho de 1922 – Júlio Prestes”(...) Ninguém mais pedindo a palavra, é encerrada a discussão da moção, que é posta a votos e unanimamente aprovada. [2a Sessão Ordinária, 17 de julho de 1922]

Fontes BibliográficasDEBES, Célio. Júlio Prestes e a Primeira República.

São Paulo: Imprensa Oficial; Arquivo do Estado, 1982.

ARQUIVO do Estado. Catálogo Júlio Prestes, O Último Presidente da República Velha. São Paulo: Apesp, 2016.

O Congresso Legislativo, bem compreendendo a

sua missão, trabalhou para o aparelhamento, para o aperfeiçoamento e para o

engrandecimento do Estado de São Paulo, fazendo-se digno do

povo que representa

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Na edição do ano passado, de junho/julho de 2016, edição de no 7, transcrevemos discursos parlamentares de 1935 concernentes à Revolução Constitucionalista de 1932.

Entre 5 e 28 de julho de 1924, por 23 dias, São Paulo esteve ocupada por uma rebelião militar que causou o maior conflito bélico já visto na cidade. Este levante ficou conhecido como Revolta Paulista de 1924, mas também foi chamado de Revolução Esquecida, Revolução do Isidoro e de Segundo 5 de Julho. A última denominação faz referência à Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, ocorrida em 5 de julho de 1922, pois ambos os movimentos são considerados revoltas tenentistas, protagonizados por militares descontentes com os rumos políticos do País.

Em 1924, a revolta foi comandada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes e contou com a participação de vários tenentes, dentre os quais Joaquim do Nascimento Fernandes Távora, Juarez Távora, Miguel Costa, Eduardo Gomes, Índio do Brasil e João Cabanas. Entre as reivindicações dos militares constavam maior independência do Legislativo e do Judiciário, limitações para o Poder Executivo, o fim do voto de cabresto, a

adoção do voto secreto e a instauração do ensino público obrigatório.

O levante tenentista, transcorrido em cena política complexa, foi motivado pelo agravamento de problemas sociais, pela crise econômica, pelo autoritarismo dos governos no período da República Velha e pela concentração do poder político. Outra causa de descontentamento entre os militares era a indisposição entre o presidente Artur Bernardes (1922-1926) e o Exército após o “episódio das cartas falsas”. No mês de outubro de 1921, foram publicadas na imprensa carioca cartas atribuídas a Artur Bernardes em que este fazia comentários desrespeitosos sobre os militares. Bernardes negou a autoria das cartas, mas o episódio acirrou os ânimos e abriu caminho para as revoltas tenentistas de 1922 e 1924.

Na madrugada do dia 5 de julho de 1924, mesmo dia em que, havia dois anos, acontecera a chamada Revolta dos 18 do Forte, iniciou-se a sublevação desta camada média dos militares que, com contingente reduzido, planejavam a tomada rápida da cidade de São Paulo com o

Na tribuNa

1924: a revolta dos tenentes em são paulo

Tropas responsáveis por conter os revoltosos

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apoio da Força Pública paulista. Após esta etapa, pretendiam marchar para o Rio de Janeiro, então capital federal, e depor Artur Bernardes.

Os revoltosos tomaram quartéis, estações de trem e edifícios públicos. Quatro dias depois, era instalado um governo provisório, que se manteria até 28 de julho. Os primeiros focos do ataque foram o quartel do 4o Batalhão da Força Pública da Luz e o Palácio dos Campos Elísios, sede do Executivo estadual e residência oficial do governador. Apesar de ter havido resistência e confronto, o presidente do Estado de São Paulo, Carlos de Campos, foi obrigado a fugir e o governo estadual estabeleceu-se provisoriamente no bairro da Penha, em Guaiaúna, região leste de São Paulo, sob a guarda do Exército.

Os tenentes precisaram enfrentar, além de tropas das forças armadas legalistas vindas de diversos estados da federação, as polícias estaduais de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, que enviaram contingentes. Nos combates ocorridos nas ruas da capital, foram abertas cerca de trezentas trincheiras em diversos bairros (Avenida Paulista, no Brás, no Belenzinho, na Vila Mariana, em Perdizes, no Ipiranga) e utilizadas granadas, tiros de morteiro e fuzilaria. O presidente do Estado, Carlos de Campos, seguindo ordens do presidente da República, autorizou o

lançamento de uma carga de canhões em direção ao centro da cidade.

Apesar da ofensiva legalista, guarnições de diversas cidades próximas aderiram ao movimento, com tomadas de prefeituras. Alguns setores do operariado organizado e camadas da população também decidiram apoiar os revolucionários, além de comerciários e industriais, receosos com a diminuição do poderio industrial paulista. O governo federal respondeu bombardeando a cidade com aviões de combate, especialmente os bairros da Mooca, Ipiranga, Belenzinho, Brás e Centro, regiões tradicionalmente operárias, que sofreram bombardeio por vários dias, tendo casas e fábricas reduzidas a escombros e um número alto de mortos e feridos.

Foram destruídos, pelos bombardeios e granadas, o Liceu Coração de Jesus, que serviu de refúgio para a população desabrigada, a Igreja Nossa Senhora da Glória, no Lavapés, ocupada pelos rebeldes, além das instalações das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, do Armazém Matarazzo e da tipografia Oficina Duprat. O saldo dos 23 dias de revolta foi de 503 mortos e 4.846 feridos, na maioria civis. O número de desabrigados passou de 20 mil.

Sem poderio militar equivalente ao das tropas legalistas do governo federal, três semanas após iniciada, 3,5 mil rebeldes ficaram acuados e se

As imagens deste artigo foram retiradas do livro 1924, o Diário da Revolução: os 23 dias que abalaram São Paulo, de Duarte Pacheco Pereira. 2010. Imprensa Oficial e Fundação Energia e Saneamento.

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retiraram para Bauru, no interior do Estado, na madrugada de 28 de julho. O próximo passo, planejado por Isidoro Dias Lopes e Juarez Távora, foi um ataque à cidade de Três Lagoas, no atual Mato Grosso do Sul, onde o exército legalista se concentrava. Os insurgentes foram derrotados, sendo que um terço das tropas morreu ou foi capturada. Parte dos sobreviventes da rebelião tenentista, vencidos, se juntaram aos oficiais gaúchos da Coluna Prestes (1925-1927), em Foz do Iguaçu, no Paraná.

Em contraste com o movimento constitu-cionalista de 1932, este conflito de grandes proporções, ocorrido em 1924 (não à toa chamado de Revolução Esquecida), nunca ganhou grande destaque entre as datas comemorativas ou homenagens no calendário oficial do Estado. A pouca importância conferida ao movimento está relacionada ao fato de não haver sido protagonizado pela elite política paulista.

O lado vitorioso, responsável pela narrativa oficial, caracterizou o movimento tenentista – e suas ambições para os rumos da Nação – como ditatoriais, desordeiros, criminosos e militaristas. É esta a percepção que os parlamentares de São Paulo tiveram da rebelião. Logo após o restabelecimento da ordem e reaberta a sessão legislativa da Câmara (com atraso, pois o

presidente Antônio Álvares Lobo e seu filho Pelágio Lobo foram detidos pelos rebeldes quando retornavam de Campinas), os deputados manifestaram seu repúdio e descontentamento em relação ao levante tenentista.

O SR. PRESIDENTE – ANTÔNIO LOBO – PRP – (...) Devo declarar à Câmara a razão por que somente hoje me acho à testa da Mesa desta corporação. Vim para S. Paulo no dia 5 de julho último e, ao desembarcar na estação, fui preso e conduzido ao Quartel da Luz, saindo daquele quartel às 19h30 do mesmo dia. No dia subsequente, 6 de julho, dia em que deveria dar-se a primeira sessão preparatória, tive informações oficiais do que ocorria na cidade. Procurando comunicar-me com o diretor da Secretaria da Câmara dos Deputados, o honrado coronel Brazílio Ramos, soube por ele do desdobramento das forças que vinham do Brás para a cidade e da quase impossibilidade, portanto, de se atravessar aquelas zonas, sem perigo de vida.À vista da explicação que me era feita e dos fatos que eram trazidos ao meu conhecimento, de fonte oficial, autorizei o honrado diretor da Secretaria a não abrir o edifício da Câmara, a fim de não expor a vida não apenas dos empregados, como

Da esquerda para direita: (1) tanque de guerra das tropas legalistas; (2) carro de assalto dos revoltosos; (3) soldado rebelde manejando uma metralhadora pesada no bairro do Cambuci

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dos nobres colegas da Câmara dos Deputados.Posteriormente, vencida a revolta e proclamado o domínio da lei, por necessidade de interesse público, demorei a aqui vir, o que, aliás, também foi determinado, tendo em vista as conveniências do Estado.Hoje, nesta sessão preparatória, julguei dever comunicar e esclarecer esses fatos aos nobres colegas que se acham presentes, para conhecimento deles e conhecimento do próprio Estado que temos a honra de representar. (...) Faremos nossas sessões preparatórias, de acordo com o regimento, esclarecendo ainda que a demora por parte da Mesa foi motivada pelo desejo de dar tempo ao governo de reunir os elementos com que deve expor ao Estado os acontecimentos que se desenrolaram do dia 5 ao dia 27 de julho próximo passado.[1a Sessão Preparatória, 4 de agosto de 1924]

O presidente do Estado, Carlos de Campos, esteve presente no Congresso Legislativo de São Paulo em 12 de agosto para ler Mensagem na qual detalhava os principais acontecimentos: a ocupação da cidade em 5 de julho, os bombardeios, a transferência do Executivo estadual para Guaiaúna, os reforços recebidos pelos legalistas e a perseguição dos rebeldes pelo interior do Estado de São Paulo. A narrativa do governador enfatiza a solidariedade e prontidão de todas as unidades federadas para com São Paulo e o presidente da República, reforçando a suposta baixeza e desrespeito dos insurgentes. Entretanto, não menciona os bombardeios aéreos que a capital paulista sofreu.

O SR. PRESIDENTE – ANTÔNIO LOBO – PRP – Declaro aberta a 3a Sessão Ordinária da 12a Legislatura do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo.O sr. presidente do Estado procede à leitura da seguinte “Mensagem1

1 Parte dessa mensagem do presidente do Estado está transcrita na seção Documento em Foco.

(...) Eis por que, de ânimo sombrio e coração enlutado, mas em têmpera firme, preciso imperiosamente falar-vos de traição, crime, desgraça e castigo. Por demais notória é a ignominiosa aventura armada que o contubérnio de inqualificáveis ambições e cobiças traiçoeiramente lançou sobre São Paulo, adrede escolhido para teatro de lúgubres façanhas, visto ser, ao mesmo tempo, grande centro de força social e política e metrópole de vultosas riquezas — abrigo e escala, portanto, para o duplo objetivo dos assaltantes...(...) E o crime se perpetrou, pelo canhão e pela metralha, contra cidades pacíficas, laboriosas, cultas e inermes, ceifando vidas, destruindo propriedades, desorganizando o trabalho, espalhando o terror e a anarquia, visando derrubar instituições fundamentais em vigor, a lei, o direito, a justiça, a ordem, o princípio da autoridade, a honra e o crédito do Estado e da Nação.(...) Iniciou-se a triste aventura de corrupção, violência, lágrimas e vilipêndio, com a tomada do Quartel da Luz, em alta hora da noite, por força militar vinda do quartel de Santana, em conveniência com a Cavalaria de Polícia, previamente revoltada por alguns dos oficiais e insubmissos rebeldes do Exército. Ato contínuo – roubadas armas e munições – por constrangimento, embustes ou promessas, foram, muitos dos infantes da Força Pública, agregados aos inssuretos e remetidos para o ataque aos Campos Elísios (habitado pelo presidente do Estado e sua família), da Secretaria de Justiça e Polícia Central e da residência do comandante das forças estaduais, então surpreendido e aprisionado.(...) Ainda bem que o mal não é irreparrável, dentro das nossas decididas energias e incalculáveis possibilidades.Que a Justiça inexorável pronuncie o

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seu veredito de expurgo social e político; e os paulistas saberão reintegrar-se no curso normal da sua operosidade e da sua grandeza.O governo tem absoluta segurança de haver cumprido o seu dever de resistência ao traiçoeiro atentado, até sua jugulação; bem como de o poder cumprir em todos os reclamos e injunções da legalidade restabelecida.”O SR. DINO BUENO – PRP – A Mensagem refere-se, como o Congresso acaba de ouvir, aos fatos dolorosos que, durante 23 dias, pesaram sobre a nossa capital, sobre o estado e sua população. (...) A resistência dos Campos Elísios foi o

primeiro passo, e decisivo, da vitória final. Foi nas primeiras horas do dia 5 do mês findo, e o sr. presidente do Estado viu-se, no remanso do seu lar, no seio da sua família, onde repousava dos cuidados do governo e dos trabalhos do dia, cercados pelos assaltantes, com metralhadoras nos portões da frente e fundos do edifício, salteadores que pretendiam apoderar-se do governo da República. Mas o sr. presidente não perdeu a calma e a serenidade do seu espírito. Conhecia o seu dever, e sabia cumpri-lo. Tomou todas as providências necessárias. Reuniu a sua Casa Civil e a sua Casa Militar e, rodeado de alguns amigos, e amparado pela pequena guarda do palácio, enfrentou, com coragem, o assalto, preparou a resistência, resistiu e afastou os assaltantes.(...) E foi então que S. Exa. resolveu transportar-se para Guaiaúna, onde se achava o comando das forças legais, e, ao lado dessas forças, e com elas, colaborar na salvação do Estado e da República.Em Guaiaúna, senhores, foi admirável o trabalho do sr. presidente do Estado, extraordinária sua coragem e a sua confiança, grande a sua energia, sempre sustentada na compreensão exata do seu dever e suas responsabilidades. Todos admiravam a coragem com que S. Exa. afrontava os riscos e conjurava as dificuldades, sempre cheio de confiança na justiça de sua causa e no resultado pleno de sua ação, conjugada com a ação das forças armadas. Foi no desdobramento desta ação que o sr. presidente do Estado teve a oportunidade de proferir a célebre frase, que já é histórica, e na história pátria ficará na forma lapidar em que foi formulada: “São Paulo prefere ver arrasada a sua capital antes que destruída a legalidade no Brasil”.(...) Proveniente da revolta, dela ou por ela, nos vieram as manifestações de todos os estados da União, e do Distrito Federal. Todos eles, já pelos seus governos, já pelos seus representantes no Congresso federal, já pelas suas populações, trouxeram-nos a sua inteira solidariedade, condenando o levante militar que nos assaltou, levantando batalhões patrióticos,

Liceu Coração de Jesus, atingido pela primeira granada revoltosa

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Trincheira dos revoltosos na Rua Conselheiro Crispiniano

e alguns deles chegaram mesmo a vir ao campo da luta, a combater o movimento, em defesa de São Paulo e da pátria. [Sessão Solene de instalação, 12 de agosto de 1924]

Além disso, o governador de São Paulo solicitou ao Congresso estadual medidas legislativas a fim de apressar a recuperação da cidade e exaltar os vitoriosos. Durante toda a metade final do ano de 1924, o Congresso esteve pautado pela rebelião, ora subsidiando medidas de iniciativa legislativa, ora apreciando mensagens do governador estadual, com a versão oficial dos acontecimentos.

As medidas mais importantes tomadas pelo Congresso Legislativo paulista, entretanto, consistiram na liberação de créditos para a reconstrução da infraestrutura danificada e o auxílio das sociedades filantrópicas que prestavam serviços às vítimas da rebelião, como o Projeto de lei no 7, de 1924, transcrito na coluna Documento em Foco deste Informativo.

A seguir, mais trechos em que parlamentares se manifestam sobre os episódios ocorridos entre 5 e 28 de julho de 1924.

O SR. PRESIDENTE – ANTÔNIO LOBO – PRP – (...) Os atos de barbárie, de rapina, de

depredação e de saque, praticados pela horda cruel, a mando de brasileiros desclassificados, tiveram, felizmente, e com presteza, a repulsa e a condenação de toda a nossa pátria, pelos órgãos mais representativos da opinião nacional.(...) Esperamos, entretanto, que a ação severa da Justiça se faça sentir, sem desfalecimentos, na punição dos ousados criminosos, a estas horas extraviados e perseguidos nos confins de São Paulo pela tropa e por civis, cujo patriotismo e benemerência nunca serão assaz exaltados. [1a Sessão Ordinária, 13 de agosto de 1924]

O SR. HILÁRIO FREIRE – PRP – (...) Não é, pois, necessário aqui recordarmos as sensações de pasmo, de indignação e de horror, que sobrepairaram a São Paulo, quando, por esse hediondo golpe de surpresa e de covardia, viu as entranhas de sua capital cortadas pela metralha da rebeldia, e dos seus escombros surdir a cabeça gotejante da insurreição, ensanguentada pelas próprias vilezas e pelos próprios crimes, nesse atentado incomparável, que é o mais revoltante e monstruoso da nossa história.E tanto maior e mais severa deve ser nossa condenação quanto é certo ser esta a segunda vez que, dentro do triênio de nossa legislatura, esta Câmara encontra pela frente o sicarismo militarista e se sente com rubor nas faces diante de brasileiros degenerados, que desonram a farda e a espada por eles recebidas nas fileiras do Exército nacional.Felizmente, porém, sr. presidente, ainda nesta crise não faltaram ao Brasil seus gênios tutelares, nem as evocações dos grandes estadistas. (...) O País encontra estatura e heroísmo no presidente Artur Bernardes e no presidente Carlos de Campos, postos na suprema magistratura da Nação e de São Paulo, ambos com o mesmo caráter de diamante, indestrutível por entre os desmoronamentos dos frágeis compatriotas, e com a mesma resistência imperturbável de dois titãs da unidade nacional e da legalidade civil.[4a Sessão Ordinária, 20 de agosto de 1924]

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doCumENto Em foCo

documentação do senado estadual acerca da revolta de 1924

Neste ano, a coluna Documento em Foco transcreve documentos elaborados pelo Senado de São Paulo2.1Na presente edição, destacamos alguns dos registros do Congresso Legislativo do Estado de São Paulo a respeito da Revolta de 1924, abordada na coluna Na Tribuna. Ao contrário da Revolução de 1932, em que os revoltosos foram considerados heróis pela historiografia paulista, os de 1924 foram tratados como “grupo de aventureiros”, “falsos brasileiros e falsos paulistas”, portando “mentirosas reivindicações”, como podemos ver nos documentos transcritos.

Iniciamos com a indicação do Senado de São Paulo enviada ao presidente do Estado e ao presidente da República. De autoria do senador Fontes Júnior, a indicação acusa a prisão do senador Rodolpho Miranda e do presidente da Câmara dos Deputados, Antônio Lobo, pelos revoltosos.

Em seguida, trazemos a resposta do presidente da Câmara, Antônio Lobo, à indicação do Senado.

Dentre a documentação gerada pelo Congresso Legislativo do Estado de São Paulo acerca da Revolta de 1924, figura o Projeto de lei no 7, de 1924, em que se autoriza o Executivo a auxiliar financeiramente as vítimas da Revolta.

Por fim, reproduzimos trechos da longa mensagem do então governador – à época chamado de presidente de estado – ao Congresso Legislativo dias depois de finda a Revolta, na qual se faz um histórico dos acontecimentos durante os 23 dias de rebelião.

A íntegra da mensagem pode ser consultada no link: http://www.al.sp.gov.br/repositorioAH/Acervo/Alesp/Republica/S_260/1208_1924.pdf

2 Entre 1891 e 1930 o Poder Legislativo estadual era bicameral, composto por Câmara dos Deputados e Senado. Documento 1 – Indicação no 3, de 1924

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(20/24)

Documento 2S. Paulo, 29 de agosto de 1924Exmo. Sr. Senador Cândido Motta, digno 1o

Secretário do SenadoPeço a V. Exa. queira ter a bondade de transmitir

ao Senado os meus cordiais agradecimentos pelo voto que proferiu aprovando a patriótica indicação

do ilustre senador sr. Fontes Júnior a propósito da minha prisão a 5 de julho levada a efeito pelos revoltosos.

Iguais agradecimentos devo ao autor daquela indicação que me é particularmente sensível pelos nobres intuitos que a ditaram.

Com alto apreço e estima, subscrevo-me com os protestos de minha elevada consideração.

Antonio Alvares Lobo

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Documento 3 – Projeto no 7, de 1924A Comissão de Fazenda e Contas, conhecendo

da mensagem do sr. presidente do Estado, datada de 23 do mês passado, solicitando do Congresso a decretação de uma lei especial que aparelhe o Governo a secundar o movimento de filantropia em que se agitam vários e valiosos elementos sociais da nossa capital e do interior, visando concorrer para atenuação dos sofrimentos que

atingiram vítimas pobres da recente e negregada revolta, bem como a auxiliar as instituições que tão relevantes serviços prestaram naquele doloroso período de nossa vida, reconhecendo que é indeclinável dever do Estado associar-se a tão nobre, oportuno e benéfico movimento da opinião, e reconhecendo, por outro lado, a insuficiência de verba de socorros públicos para tão elevados fins, vem submeter à aprovação da

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Câmara dos srs. Deputados o seguinte projeto:O Congresso Legislativo do Estado de São

Paulo decreta:Art. 1o – Para atenuar os sofrimentos e danos

resultantes da recente revolta iniciada a 5 de julho próximo findo, fica o Governo autorizado:

a) a auxiliar peculiarmente as vítimas pobres e os

hospitais de caridade e instituições congêneres que humanitariamente deram acolhida e tratamento aos doentes e feridos;

b) a concorrer para a reconstrução de templos religiosos;

c) a abrir à Secretaria do Interior os créditos especiais que forem necessários para acorrer às

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despesas de que trata este artigo.Parágrafo único – As despesas a que se refere

a presente lei serão processadas de acordo com o art. 15, da Lei no 1.961, de 29 de dezembro de 1923.

Art. 2o – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 3o – Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das Sessões, 3 de setembro de 1924 – Azevedo Junior, presidente e relator, Hilario Freire, Marrey Júnior, Dias Bueno, Theophilo de Andrade.

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Documento 4 – Trecho da mensagem apresentada ao Congresso Legislativo, em 12 de agosto de 1924, pelo dr. Carlos de Campos, presidente do Estado de São Paulo

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Há pouco mais de um século um jornal da cidade de São Paulo noticiava uma emboscada no então distrito e hoje município de Platina, que naquela época pertencia à cidade de Campos Novos do Paranapanema, hoje Campos Novos Paulista. A matéria informava que na manhã do dia 10 de agosto de 1912 “cinco indivíduos disfarçados, com o rosto pintado de preto” atiraram contra o advogado Amador Nogueira Cobra, “senda a vítima atingida por dois projéteis no tórax e um no braço direito”. De acordo com o alvo do atentado, que identificou seus agressores, a razão da cilada explicava-se pelo “fato de estar movendo uma execução contra os herdeiros do coronel Sanches e dividindo terras, ocupadas pelos mesmos, sem os devidos títulos” (Em Campos Novos. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 20/8/1912, p. 7).

O jovem advogado, formado na turma de 1907 da Faculdade de Direito de São Paulo, havia chegado àquela região em 1909 e ali permaneceu mais algum tempo depois do atentado antes de retornar a São Paulo. De sua estadia na região do Paranapanema Nogueira Cobra reuniu um imenso e precioso material que subsidiou seu livro Em um Recanto do Sertão Paulista, publicado em primeira edição em 1923. Para ali havia se deslocado em missão profissional envolvendo disputa de terras e onde quase pagou com a vida por seu empenho pela causa, mas o seu interesse pela questão fez com que ele buscasse compreender como aquela região havia se transformado em uma terra quase sem lei.

“Estava para findar o século dezenove e na carta geográfica do Estado de S. Paulo, por sobre largo trato do território ali figurado — entre o rio Tietê, ao norte, Paraná, a oeste, e Paranapanema, ao sul, via-se ainda esta legenda: TERRENOS

DESCONHECIDOS” (p. 3). Ao iniciar desse modo Recanto do Sertão Paulista, em sua segunda edição, Nogueira Cobra chamava a atenção do leitor para a imensa aventura que foi o povoamento dessa região de São Paulo. Ela teve um forte impacto com um lavrador de nome José Theodoro de Souza, que saiu de Pouso Alegre, em Minas Gerais, em direção àquela região pouco depois da metade do século XIX. Ali chegando naquele período, aquele homem, embora não possuísse educação formal,

liVros do aCErVo

resenha do livro sobre a região do paranapanema

Capa da 1a edição de Em um recanto do sertão paulista, 1923

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era dotado de perspicácia para aproveitar-se das oportunidades dadas pela recém-aprovada Lei no 601, de 18/9/1850, a chamada Lei de Terras, que legalizava as apropriações de propriedades. Pela Lei de Terras, a todos aqueles que possuíssem terras devolutas até 1850 foi permitido declará-las por escrito nos livros de paróquias (já que, é sempre bom lembrar, naquele tempo o catolicismo era a religião oficial do Império do Brasil). Valendo-se do círculo de amizades que constituiu quando de sua chegada àquela região, José Theodoro de Souza declarou, em 31 de maio de 1856, perante o vigário de Botucatu, que realizara sua posse daquelas terras em 1847. A imensa área da qual

alegara posse tinha “cerca de 60 quilômetros de testa por cerca de 150 de fundo” (p. 24).

Logo a seguir José Theodoro de Souza não só trouxe a família como fez vir um grupo de amigos para iniciar a ocupação e o povoamento das terras das quais alegara posse, fixando-se mais em Rio Turvo, distrito de Botucatu. José Theodoro ali viveu até 1875, quando faleceu com mais de 70 anos de idade.

Com o passar do tempo novos lotes de terras do Paranapanema foram sendo distribuídos, como aqueles dados aos integrantes do 11o Batalhão de Voluntários da Pátria, formado por soldados de Minas Gerais em 1865. Além disso, nessa época repercutia cada vez com maior intensidade a fama do longínquo Paranapanema e para lá se dirigiam muitas famílias de povoadores, em especial as que procediam de Minas Gerais (p. 44).

Mas, à medida que o processo de ocupação das terras foi evoluindo, passou a se defrontar

com questões que o levaram ao quadro que Nogueira Cobra conheceu, passando, antes, por um dramático problema. Trata-se da questão dos indígenas. A este respeito a Divisão de Acervo Histórico da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo preserva entre seus documentos um mapa de 1886 da então Província de São Paulo confeccionado pelos editores A. L. Garraux e que compunha uma luxuosa “Carteira dos Viajantes na Província de S. Paulo”. Nesta carta geográfica, justamente sobre a região do Paranapanema possuída por José Theodoro de Souza, pode-se ler com grande destaque: “Sertão pouco conhecido e ocupado pelos indígenas”. As três tribos principais que habitavam o vale do Paranapanema eram os

Amador Nogueira Cobra

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coroados, os caiuás e os xavantes. Nos momentos iniciais da ocupação de José Theodoro, havia uma postura de mútua cautela, já que, dada a amplidão dos espaços, aparentemente havia respeito pelos limites territoriais. Ao menos é o que se pode perceber através do relato de Nogueira Cobra:

O indígena da floresta raramente sai para o campo a fim de acometer o inimigo: espera que entre e o vai seguindo até ao instante do ataque, quando se deixa ver a descoberto. Por isso mesmo os primeiros povoadores procuraram, geral-mente, assentar os núcleos que fundavam no interior, ou nos campos ou na orla destes com a mata, de modo a ficarem menos expostos às investidas daqueles vizinhos cujas manhas conheciam (p. 17-18).

Mas, à medida que o número de povoadores ávidos por terras fez com que eles invadissem as florestas e, portanto, tomassem as terras indígenas, a cautela desapareceu e os confrontos tomaram maior volume. Nogueira Cobra afirma que se organizou a partir de então a luta contra os índios através de expedições que levaram o nome de “dadas”: “A fase mais cruenta desta inaugurou-se depois que os sertanejos viram que se assim não procedessem melhor seria arranjar as malas e ir-se embora para Minas, abandonando lugares onde só os bárbaros poderiam viver” (p. 136). Nas “dadas” teve destaque a figura do coronel Francisco Sanches de Figueiredo (cujos herdeiros realizaram a emboscada de 1912 contra Nogueira Cobra!). O autor de Recanto do Sertão Paulista dedicou

várias páginas a narrar os massacres ocorridos e os métodos empregados nas “dadas”, às vezes valendo-se estas até do ingênuo apoio de frades capuchinhos. Nogueira Cobra caracteriza a mais comum forma pela qual se davam as “dadas”, as quais usualmente ocorriam após os índios realizarem algum festejo em seu aldeamento e que nos permitimos transcrever:

É alta madrugada. Dentro dos ranchos todos dormem. O chefe distribui seus homens em redor: manda preparar as armas, e espera até que haja luz. Ao raiar do dia grita: upa! upa! upa! algumas vezes. Os que estão dentro despertam, saem em grupos e à medida que se apresentam, vão caindo, feridos mortalmente a tiros.Em seguida, os sitiantes penetram nas habitações e encontrando-se com as índias, a umas aprisionam, a outras matam, bem como aos indiozinhos, aos

quais – conta-se – chegavam a levantar do chão ou da cama, atirá-los para o ar e espetá-los em ponta de faca; outras vezes tomá-los pelos pés e dar com as suas cabecinhas nos paus, partindo-as. Às índias grávidas rasgavam-lhes o ventre e depois de finda a carnificina, amontoavam os cadáveres sobre os quais lançavam fogo, bem como aos ranchos. A estes, variando de tática, de quando em vez, nem sempre punham fogo, deixavam-nos em pé e deitavam substâncias venenosas nos utensílios de cozinha e nos alimentos ali guardados, para que fosse vitimado no comer algum que porventura sobrevivesse.Feito isso, retiravam-se com os prisioneiros, geralmente só mulheres e um ou outro rapazinho que o chefe conduzia para a fazenda na situação

Os sitiantes penetram nas habitações e encontrando-se com as índias, a umas

aprisionam, a outras matam, bem como aos indiozinhos, aos quais – conta-se – chegavam

a levantar do chão ou da cama, atirá-los para o ar e espetá-los em ponta de faca; outras vezes tomá-los pelos pés e dar com as suas cabecinhas nos paus,

partindo-as

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de semiescravizados. Assim foi por longos anos (p. 142-143).

Dessa forma os índios praticamente acabaram extintos na região do Paranapanema.

A esta tragédia somou-se outra questão para a qual o autor chama a atenção e que deu ao Paranapanema o seu aspecto desolador: “O Paranapanema, com o nome de seus dominadores, tornou-se lugar tenebroso, onde a vida se ia num abrir e fechar de olhos” (p. 175-176).

Nogueira Cobra afirma que nos anos de 1880 “apareciam no Parana-panema indivíduos não mais da índole dos primeiros que chegavam, mas homens afeitos ao crime, autores de várias falcatruas, vadios que passavam a vida inteira pescando, caçando e mentindo” (p. 97). E com o apoio de tabeliães e pessoas influentes criaram uma indústria de falsificação de títulos de propriedade que buscavam forjar a máxima perfeição e esses instrumentos de aquisição de propriedade receberam o apelido de “grilos” e os seus autores eram chamados de “grileiros”:

O leitor, por certo, há de querer saber que semelhança existe entre o inseto, que nos incomoda tanto com o ruído estrídulo que sabemos, e uma escritura de compra e venda por instrumento particular falsificada.Explica-se por dois modos.Dizem os homens do sertão que o autor de uma dessas falcatruas desejando, certa vez, mostrar a seus amigos a escritura que trazia bem guardada no fundo da caixa, conduziu-os ao interior da casa. Abrindo o velho traste, dentro do qual se encontrava o documento, ao afastar de cima deste as roupas e outros objetos, nas mãos lhe salta e vem a ele, ligeirinho, de par com a escritura, o grilo que junto com a mesma se achava. É mui

frequente, nas caixas velhas e mesmo novas, penetrar o bicho e esconder-se ali.E do fato de estarem juntos – inseto e documento e bem ocultos – aparecendo um quando o outro igualmente se mostrou foi que se originou a denominação, à primeira vista sem fundamento. Afirmam outros, porém, que o apelido veio da

semelhança que existe entre os falsificadores, a sua obra e os tais animaizinhos, espertos, que escapam com incrível rapidez das mãos que os prenderam; tentando-se, de novo, apanhá-los, outra vez fogem, dando saltos e tantas mais quantas forem as tentativas, até que

desanimam o seu perseguidor. [...]Nós nos inclinamos, entretanto, a aceitar a primeira versão como sendo razoável e mais porque sertanejos sabidos também para aquela se inclinaram [...] (p. 104-106).

Logo em seguida, com a constituição da República, o domínio das terras devolutas passou da União aos estados e logo depois diversas leis estaduais de São Paulo regularam a questão, mas para Nogueira Cobra elas abriram campo aos “grileiros”: “Afastando-se o Estado, espontaneamente, o campo ficou, mais que nunca, francamente aberto aos portadores de títulos falsos. Agora que não tinham receio de ver o poder público pela frente, baralharam, e de modo assustador, as posses que a lei legitimara, de uma só vez” (p. 195). Isto fez com que, de certo modo, a violência ganhasse legitimidade no Paranapanema.

Tal situação perdurou por muitas décadas, chegando praticamente até nossos dias. A compreensão da situação fundiária no Paranapanema tem na leitura do livro de Nogueira Cobra até hoje uma leitura que muito nos auxilia na compreensão da história daquele recanto do sertão paulista.

O Paranapanema, com o nome de seus dominadores, tornou-se lugar tenebroso,

onde a vida se ia num abrir e fechar de olhos