A Restrição Ao Sigilo Bancário Decorrente do Regime de ... · bem assim ao próprio direito, que...

96
Daniel Fernandes Semedo A Restrição Ao Sigilo Bancário Decorrente do Regime de Branqueamento de Capitais: Ponderação de Interesses ______________________________ Dissertação de Mestrado Em Ciências Jurídicas Empresariais Orientadora: Professora Doutora Margarida Lima Rego Lisboa, abril/2015

Transcript of A Restrição Ao Sigilo Bancário Decorrente do Regime de ... · bem assim ao próprio direito, que...

Daniel Fernandes Semedo

A Restrio Ao Sigilo Bancrio Decorrente do Regime de

Branqueamento de Capitais: Ponderao de Interesses

______________________________

Dissertao de Mestrado Em Cincias

Jurdicas Empresariais

Orientadora: Professora Doutora Margarida Lima Rego

Lisboa, abril/2015

Daniel Fernandes Semedo

A Restrio Ao Sigilo Bancrio Decorrente do Regime de

Branqueamento de Capitais: Ponderao de Interesses

Dissertao Em Cincias Jurdicas Empresariais

ORIENTADORA: Professora Doutora Margarida Lima Rego

Lisboa, abril/2015

minha adorada av centenria,

aos meus estimados pais e aos meus queridos irmos

I

Agradecimentos

A vida uma luta constante contra um manancial de desafios que enfrentamos desde a

nascena at morte. Da que para muitos pensadores viver implica resolver problemas.

Com a concluso desta dissertao acabo de contornar mais um desafio da minha vida. Esta

vitria no seria possvel sem a ajuda de Deus que me deu sade e fora de vontade durante

centenas de horas de trabalho solitrio e ps pessoas certas no meu caminho durante o curso

de mestrado. Assim, compreensvel que o meu primeiro agradecimento v para Ele.

minha orientadora, professora Doutora Margarida Lima Rego, devo um especial

agradecimento pelas crticas e sugestes que me dirigiu, o que me elucidou sobre inmeras

questes. Obrigado!

Igual agradecimento vai tambm para o ilustre professor Doutor Frederico de Lacerda Costa

Pinto pelo valioso contributo que me deu relativo parte criminal desta dissertao, atravs

de crticas e sugestes, sobretudo pela forma pedaggica e humilde como f-las.

Fica aqui, ainda, a minha gratido ao meu primo Clver Furtado pelos apoios financeiros que

me prestou desde a licenciatura. minha irm, Ivete Semedo, que me alojou vrios anos em

sua casa e me deu todo apoio psicolgico deixo aqui um obrigado com a dimenso do

universo. Este agradecimento extensivo ainda a todos os meus familiares.

Aos meus colegas da faculdade Catarina Miguel, Flvia Flix, David Saraiva, Domingos

Quitumbo e Man Teng Yong agradeo pelo companheirismo e cumplicidade que me

demonstraram durante seis anos. Igualmente, agradeo aos meus ex-colegas professores da

Escola Secundria Domingos Ramos pela aprendizagem que tive com eles durante catorze

anos que lecionamos juntos, em especial ao professor Bernardo Coelho.

Especialssimo agradecimento vai ainda para o meu amigussimo Jos Manuel Barros que foi a

primeira pessoa a quem revelei o meu desejo de estudar direito e que me deu um forte

incentivo neste sentido: obrigado!!!

II

Declarao de compromisso Anti Plgio

Declaramos, pela nossa honra, que o trabalho que apresentamos original e que

todas citaes foram corretamente identificadas. Temos conscincia de que a

utilizao de elementos alheios no identificados constitui falta de honestidade

intelectual e um grave erro disciplinar.

III

Abreviaturas

Art. Artigo

AA.VV. Autores Vrios

AR Assembleia da Repblica

CC Cdigo Civil

Cfr. Conferir

Cit. Citado

CP Cdigo Penal

CRP Constituio da Repblica Portuguesa

EUA Estados Unidos de Amrica

GAFI Grupo de Ao Financeira

GBG Cdigo Civil Alemo

Ob. Obra

P. Pgina

PP. Pginas

RB Revista da Banca

ROA Revista da Ordem dos Advogados

SS. Seguintes

Vol. Volume

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

IV

Resumo

As mutaes socioeconmica e tecnolgica ditam sempre novos desafios aos juristas,

bem assim ao prprio direito, que tero a rdua tarefa de buscar as solues para

atender ao agudizar dos desencontros de interesses sociais, cada vez mais gritantes

nos dias que correm.

O sigilo bancrio e o branqueamento de capitais so exemplos de reflexos dessas

transformaes e tm andado de mos dadas. Tm estado cada vez mais na moda e

tm causado preocupao transnacional. Tutelam interesses pertencentes a

dimenses diferentes, pelo que merecem ser sopesados luz das ferramentas que o

direito pe disposio dos juristas e da sociedade. Portanto, esta tarefa deve ser

orientada pela busca da justia constitucional e justia distributiva, por forma a que

se consiga um resultado dentro do quadro dos grandes princpios de um Estado de

Direito.

Foi este o desgnio que norteou o nosso estudo. Assim, debruamo-nos sobre os

institutos jurdicos, o sigilo bancrio e o branqueamento de capitais, encarando-os -

dentro do contexto atual - para os estudar com o fito de adotar uma posio que nos

parea ser mais sensata e em consonncia com a realidade social que, ora,

vivenciamos. Enfim, pretendemos demonstrar que o sigilo bancrio deve ter um

carcter plstico e deve ganhar novas configuraes de molde a acompanhar o evoluir

da realidade econmica e social, num mundo cada vez mais globalizado.

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

V

Abstract

Technologic and socio-economic mutations have always determined challenges not

only to lawyers, but to law itself. These phenomena have occurred specially when

trying to deal with the hard task of finding solutions for the current increasing

mismatch of social interests, for example, bank secrecy and money laundering. Usually

occurring simultaneously, they are typical examples of outcomes generated by

technological and socio-economic innovations that have become fashionable and

captured international attention. At the same time, bank secrecy and money

laundering support interests belonging to different dimensions, deserving to be

balanced in the light of the heterogeneous mechanisms provided by the law to its

practitioners and society as a hole.

In order to achieve an outcome in accordance with the Rule of Laws principles,

lawyers tools are consequently subordinated to constitutional and social justice.

Guided by this purpose, we performed the present study, aiming to analyse bank

secrecy and money laundering in the light of the current stablished juridical

procedures. We intended to develop a prudent point of view that is also in accordance

with social reality. In sum, we demonstrate that bank secrecy should adopt a flexible

character, embedding new settings and following the socio-economic path in a

globalized world with constant innovations.

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

7

Introduo

1.O sigilo bancrio e o branqueamento de capitais so dois fenmenos, com

relevncia jurdica que, nos ltimos tempos, tm mantido plena atualidade e tm

marcado presena em inmeras notcias, quer na imprensa nacional, quer na

internacional, porquanto os jornalistas no tm cessado de brindar-nos com casos

escandalosos, envolvendo destacadas personalidades.

Um olhar, mesmo que despretensioso, sobre esses dois fenmenos, o sigilo

bancrio e o branqueamento de capitais, permite vislumbrar que se trata de dois

institutos jurdicos assaz importantes pela elevada relevncia prtica que se

consubstanciam. Tanto , que tm desencadeado, ao longo dos tempos, interesse de

ilustres acadmicos e da prpria comunidade internacional.

Inmeras so as questes que gravitam em torno destas problemticas. O que

nos motivou, entretanto, para a escolha do objeto do nosso estudo a oportunidade

de refletir sobre os interesses envolvidos em ambos os fenmenos acima referidos,

por envolverem interesses de natureza diferente. Perante tal cenrio, s o mtodo de

ponderao de interesses poder ditar, de melhor forma, qual dos dois interesses

dever prevalecer e em que medida.

O sigilo bancrio tem sido refm de toda uma evoluo da realidade

socioeconmica, o que mantm a sua atualidade, enquanto objeto de reflexo crtica

por parte de conceituados acadmicos.

Assim, nos dias de hoje, o estudo deste tema requer uma abordagem que no

se circunscreva a um prisma estritamente privativista ou positivista. Torna-se

imperioso levar em devida considerao essa evoluo, bem como a evoluo das

tecnologias em matria de prestao de servios financeiros e a prpria globalizao

desses servios, enfim, uma perspetiva multidisciplinar1 a que, a nosso ver, melhor

se adequa a este estudo.

1 Neste sentido, BARBEITAS, Andr Terrgno, O Sigilo bancrio e a necessidade da ponderao de

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

8

Desafiado por essa nova realidade socioeconmica, o sigilo bancrio que j, de

per si, constitui um problema bastante melindroso, v-se confrontado com uma

intensificao de conflitos derivados de interesses contrastantes, isto , interesses de

ordem privada e os de ordem pblica, o que implica uma maior ponderao na busca

de solues conciliadoras e teis para as partes envolventes.

2. Ligada intimamente problemtica do sigilo bancrio est a fenomenologia

do branqueamento de capitais, enquanto expresso legal da restrio do sigilo

bancrio, que importa ser ajuizada de forma, tanto quanto possvel, aprimorada, j

que pe em causa os interesses privados, privilegiando os interesses pblicos, e

ponderar a sua justeza, luz da justia constitucional e social.

O branqueamento de capitais um tema que comporta um campo que

ultrapassa em muito o mbito do direito bancrio mas que nele tem reflexos

particularmente evidentes2. Pois, o seu combate implica a envolvncia no s do

banco, mas tambm das demais instituies financeiras, bem como a de outros ramos

de atividade econmica como o caso de casinos. uma matria que implica,

particularmente, questes econmicas e da que vem surgindo como parte de um

subsistema o do Direito Penal Financeiro cujo manuseio exige, hoje, um

conhecimento e uma prtica cada vez mais especializados3.

um tema que tem granjeado uma importncia mpar e tem chamado a

ateno da comunidade internacional, que no tem poupado esforo no sentido de

fazer face aos desafios dele decorrentes. Alis, a sua incriminao advm das

recomendaes de organizaes internacionais.

3. nosso entendimento que a compreenso dos limites impostos ao chamado

princpio geral do segredo requer o conhecimento da real dimenso da importncia

do instituto jurdico, segredo bancrio, na tutela dos interesses de ordem privada, que

como j se disse trata-se de um instituto jurdico dinmico, visito que foi sofrendo

restries ao longo dos tempos. mister, ainda, penetrar nos diversos meandros do

tema, atravs dos diversificados tratamentos acadmicos que tem merecido, por

interesses, Brasil, Malheiros Editores, 2003, p.11 2 Cfr. FERREIRA, Eduardo Paz, O Branqueamento de capitais, in AA. VV., Faculdade De Direito da

Universidade De Lisboa, Estudos De Direito Bancrio, Coimbra Editora, 1999, p. 303 3 Vide CORDEIRO, Antnio Menezes, Sigilo Bancrio: fica a saudade?, Temas De Direito Bancrio I, in

Cadernos o Direito, n8/2014, Almedina, p. 46

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

9

forma a que possamos levar avante um estudo subordinado a um fio condutor

coerente e pertinente.

3.1. Como j ficou sublinhado, constitui o nosso objeto de estudo, a

abordagem do tema o sigilo bancrio, enquanto alvo de restrio que decorre do

regime de branqueamento de capitais, pondo em evidncia o regime da ponderao

de interesse com o fito de adotar uma posio crtica.

4. Assim, este estudo comporta quatro pontos que julgamos serem essenciais

(alm da introduo): numa primeira etapa, debruamos sobre as questes

relacionadas com o sigilo bancrio, em que descortinamos as vrias modalidades de

regimes a ele consagradas, o que permite dar conta da relatividade dos tratamentos

deste problema nos diferentes ordenamentos jurdicos; a seguir partimos para uma

caracterizao genrica do sigilo bancrio, passando pela questo dos seus

fundamentos, bem como a da sua tutela jurdica.

A caracterizao de branqueamento de capitais e os mtodos nele utilizados,

para furtar ao controlo das autoridades no seu combate, bem como as suas

consequncias marcam o incio da segunda etapa do desenvolvimento do nosso

estudo. Nesta etapa ainda, incidimos sobre a problematizao concernente ao bem

jurdico protegido pela incriminao do branqueamento de capitais, o que nos

permite apurar os interesses tutelados e adotar uma posio a este respeito. De

seguida, procedemos desmontagem e anlise dos elementos que configuram esse

tipo incriminador.

Na quarta etapa do nosso estudo, debruamos sobre a necessidade de

ponderao de interesse e os critrios materiais e formais plasmados no artigo 18,

ns 2 e 3 da Constituio da Repblica Portuguesa. Segue-se a isto a nossa posio no

que tange prevalncia dos interesses envolvidos nos institutos o sigilo bancrio e o

branqueamento de capitais.

Para fechar a trajetria percorrida durante as nossas investigaes, como

naturalmente ocorre nos trabalhos acadmicos, apresentamos algumas concluses e

consideraes finais que achamos pertinentes. Entretanto, adiantamos desde j ser

nosso entendimento que um eficaz combate ao branqueamento de capitais no deve

ignorar o instituto do sigilo bancrio, j que este instituto pode constituir-se um

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

10

incentivo no sentido dos criminosos cometerem crimes subjacentes ao

branqueamento de capitais.

Deste modo, h que pr na balana os interesses pblicos e os interesses que

este instituto jurdico tutela, pois, um Estado moderno no poderia desenvolver as

suas funes se todos os seus membros pudessem resguardar todas as suas

informaes bancrias em segredo4.

4 CRANSTON, Ross, Principles Of Banking Law, Oxiford, Clarendon Press, 1997, p. 181

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

11

II

1. As Modalidades de Regimes Consagrados ao Sigilo Bancrio

Nesta etapa incipiente do desenvolvimento do nosso estudo, vamos deixar

algumas notas sobre as diferentes tendncias atuais concernentes ao enquadramento

legal do sigilo bancrio nos variados ordenamentos jurdicos 5 , o que permite

demonstrar que o conceito e a necessidade de aplicao do sigilo bancrio so

universalmente reconhecidos, mas a sua extenso, finalidades e regime legal variam

nos mltiplos pases6.

Assim, corrente depararmos com diversos autores que apontam para a

existncia de trs configuraes essenciais no que tange a esse enquadramento legal,

a saber: os modelos anglo-saxnicos, os modelos de sistema reforados de sigilo

profissional e os modelos intermdios de defesa do segredo bancrio.

O modelo anglo-saxnico no contempla uma regulao sobre o sigilo bancrio

na lei geral. Quando se verifica uma violao do sigilo bancrio, por divulgao

indevida de informaes que fazem parte do contedo da discrio bancria, dar-se-

azo to-somente responsabilidade civil do banqueiro perante o cliente. Assim, fica

afastada a possibilidade de ocorrncia da responsabilidade penal, pelo facto de tal

violao no se constituir um ilcito penal7. Pois, o sigilo bancrio funda-se apenas no

common law8.

Conclui-se, deste modo, que nos sistemas de raiz anglo-saxnico no se

reconhece uma aplicao formal dos conceitos de sigilo profissional do banqueiro ou

de sigilo bancrio9.

5 Segundo, denotam vrios autores.

6 CAMPBELL, Dennis, International Secrecy, Londres,. cit. SOUSA, Capelo de, O Segredo Bancrio, in

AA.VV., Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocncio Galvo Teles, II Vol., Coimbra, Almedina, 2002, p. 161 e ss 7 Ibidem p. 161 e ss

8 Assim, CRANSTON, Ross, ob. Cit. p. 183

9 Cfr. VEIGA, Vasco Soares da, Direito Bancrio, 2 Edio, Almedina, 1997, p. 225

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

12

Os bancos ingleses encontram-se interditados de divulgarem quaisquer

informaes advenientes das suas privilegiadas relaes com os seus clientes, o que

considerado pelos tribunais ingleses, desde h dcadas, como sendo o fruto de um

dever de segredo ou confidencialidade (confidentiality) que subjaz prpria relao

contratual bancria. Isto , esses tribunais reconhecem que nos contratos

estabelecidos entre os bancos e os seus clientes existe subentendido um dever de

confidencialidade que pende sobre aquelas instituies financeiras, pelo que a sua

quebra implica o ressarcimento dos danos recados na esfera dos seus clientes. No

obstante, esse dever no absoluto, pelo que contempla algumas restries

admitidas pela doutrina inglesa10. Assim, nesse ordenamento jurdico, deparamos com

restrio imposta legalmente, ou seja, atravs de lei, restries decorrentes da

necessidade de atender ao interesse pblico, restries com vista a atender interesses

bancrios e restries com base no consentimento dos prprios clientes11.

Nos Estados Unidos da Amrica, outro exemplo de pases que fazem parte do

modelo anglo-saxnico, de acordo com a doutrina dominante, o sigilo bancrio

fundamenta-se nas relaes contratuais bancrias entre o banco e os seus clientes,

donde decorre o impedimento do banco divulgar qualquer informao relativa conta

bancria, pois, o direito americano tambm reconhece o dever de confidentiality

bancrio. Entretanto, isto no prejudica a existncia de algumas restries ao sigilo

bancrio semelhana do que ocorre no direito britnico. A publicao de Bank

Secret Act, na dcada de 70, um exemplo de restrio ao sigilo bancrio nos EUA.

Tinha em vista pr cobro a vrias situaes de branqueamento de capitais12.

Contrariamente ao que acontece no modelo anglo-saxnico, deparamos com

pases cuja lei ainda concede ao sigilo bancrio uma forte proteo13. o chamado

modelo de sistemas reforados de sigilo bancrio. Contempla limites muito restritos e

sanciona penalmente a violao do sigilo bancrio14.

10

Vide SOUSA, Capelo de, ob. cit. P. 161 11

Assim, QC, Willian Blair, Chapter 2. England, in AA.VV., European Banking Law, The Banker-customer Relationship, Edited By Ross Cranston, p. 15, Ver, ainda, FOWLER, Wendy, Banker' Liability in England and Wales, Benkers' Liability: Rissks And Remedies, Edited by: Dennis Campbell and Rudolf Meroni, 1993, p. 163 12

Cfr. SOUSA, Capelo de, Ob. cit. p. 162, vide tambm, CRANSTON, Ross, ob. Cit. p. 182 13

Neste sentido, ATHAYDE, Augusto de, Curso de Direito Bancrio, 2 Edio, Coimbra Editora, 2009,p. 395 14

Cfr. SOUSA, Capelo de, Ob. cit. p. 162

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

13

usual apontar-se a Sua15 como sendo um dos exemplos caractersticos

desse modelo, onde o segredo bancrio resulta, em matria de direitos de

personalidades, dos art. 28 e 28A do cdigo civil Suo, que prevem um direito

geral de personalidade, abrangendo o direito vida privada e consequentemente o

direito ao segredo bancrio nas relaes extra-negociais16.

A incriminao da quebra da discrio bancria na Sua data de 1934, com

alterao em 1971, e consta do art. 47 al. B) da Lei Federal sobre os Bancos e Caixas

Econmicas. Impunha sanes penais aos funcionrios do banco que violassem o

dever de sigilo bancrio e era igualmente aplicvel a terceiros que influenciassem os

outros a infringir esse dever. Ainda, a corroborar esta incriminao, o art. 273 do

cdigo penal desse pas pune quem obtiver um segredo industrial ou negocial com o

fito de o tornar acessvel a interesses estrangeiros17.

Entretanto, constatvel, no regime bancrio suo, a existncia de algumas

informaes legtimas, quer em relao a particulares, quer por questes processuais,

da que se considera que a proteo destinada aos particulares e s instituies

bancrias raramente absoluta18.

Alm da Sua, so enquadrados dentro do modelo de sistemas reforados de

sigilo bancrio pases como Luxemburgo e Lbano.

O modelo de regimes intermdios de defesa do segredo bancrio encarado

como sendo maioritrio. implementado em pases como Frana, Alemanha,

Espanha, Itlia, entre outros e comeou por decorrer do segredo profissional e

conhece diversas restries derivadas de interesses alegadamente superiores, de

matriz fundamentalmente pblica19.

A Frana considerada o expoente mximo deste terceiro modelo20 e a

violao do sigilo bancrio gera no s responsabilidade civil, mas igualmente

15

Neste pas e em Luxemburgo o sigilo bancrio tem sido utilizado no sentido de garantir a entrada de capitais de no-residentes. Cfr. SANCHES, Jos Lus Saldanha, Estudos De Direito Contabilstico e Fiscal, A Situao Actual Do Sigilo Bancrio: A Singularidade Do Regime Portugus, Coimbra Editora, 2000,p. 86 16

Cfr. SANCHES, Estudos De Direito Contabilstico , p. 163 17

Cfr. SPIROU, Claire, Le Secret Professionnel du Banquier en Droit Hellnique, Comment se Distingue-t-il Du Secret Banquaire em Suisse?, in AA.VV., Permabilit des Ordres Jurdiques Osmose Zwischen Rechtsordnungen, The Responsiveness of Legal Systems to Foreign Influences, Schulthess Polygraphischer Verlag Zurich, 1992, p. 135, vide ainda, SOUSA, Capelo de, Ob. cit. p. 163 18

Ver VEIGA, Vasco Soares da, ob. cit. p. 227 19

Cfr. SOUSA, Capelo de, Ob. cit., p. 165 e Augusto de Athayde, Ob cit. p. 395 20

Neste sentido, VEIGA, Vasco Soares da, Ob. cit. p. 226

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

14

responsabilidade penal. No entanto, so notrias amplas derrogaes ao sigilo

bancrio nesse pas, quer no quadro dos processos penais; quer nos diversos tipos de

processos civis para penso alimentar, execuo, divrcio, liquidao judiciria, etc.

Ainda, h derrogaes visando a luta contra o branqueamento de capitais; face

administrao fiscal e aduaneira; bem como no mbito de cooperao internacional.

Assim, nota-se que em Frana o segredo profissional dissociado em dois aspetos que

importa realar: existe um dever de sigilo de um lado e de outro um dever de

cooperao com a justia21.

Defende-se que aceitvel sustentar que o segredo bancrio um princpio

essencial da lei francesa, no obstante a observncia dessas excees22.

Na Alemanha, a doutrina divide-se quanto questo de saber se o sigilo

bancrio constitucionalmente protegido. A maioria dos autores alemes defende

essa constitucionalizao a partir do direito do instituto jurdico de crdito ao respeito

estadual do segredo bancrio do direito fundamental ao livre exerccio da atividade

profissional, garantida pelo art. 12GG, e, sobretudo, do direito geral de

personalidade do cliente com base nos art.1, n1 e 2, n1, GG. Entretanto, a

doutrina minoritria refuta esta abordagem dizendo que o art. 12GG no teria

significado, dado que respeitaria a uma relao de Direito Pblico (Banco-Estado) e

no a uma relao de Direito Privado, isto , Banco-Cliente. Acrescentam, ainda, que

um direito fundamental relativo tutela da esfera do sigilo diz respeito to-somente

aos segredos pessoais elevados e que o direito ao desenvolvimento seria objeto de

amplas limitaes23.

Em todo o caso, existe um reconhecimento de que pode extrair-se do 203 e

204 do cdigo penal alemo (StGB) o dever de sigilo para os bancos sujeitos ao Direito

Pblico e a sua quebra origina responsabilidade civil, no sentido do 823, n2, BGB.

Tambm, o N211 das Clusulas Contratuais Gerais dos Bancos impe,

expressamente, o sigilo bancrio, mesmo aos bancos privados. Entretanto,

excecionalmente, os bancos podem transferir informaes relativas aos seus clientes,

21

Para maior desenvolvimento, SOUSA, Capelo de, Ob. cit. p. 165, cfr. tambm MOULY,Cristian and BLOCH, Pascale, Chapter 3. France, in AA.VV., European Banking Law, The Banker-customer Relationship, Second Edition, London, Edited By Ross Cranston, 199, p.42, ver ainda, SPIROU, Claire, Ob. cit, p. 134 22

Vide, VEIGA, Vasco Soares da, Ob. cit. p. 227 23

Assim, SOUSA, Capelo de, Ob. cit. p. 167

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

15

dando cumprimento a disposies legais ou mesmo mediante o consentimento dos

clientes24. Portanto, unnime a aceitao, por parte da doutrina e da jurisprudncia,

de que existe o dever do banco observar o resguardo do segredo na fase pr-

contratual, em nome do princpio da justia, e que quando existe celebrao de

contrato, este deve ficar estipulado implicitamente25.

A consagrao do sigilo bancrio em Portugal formal e integra-se

indubitavelmente no sistema de regimes intermdios de proteo do segredo

bancrio. , tambm, propensa s restries como pode comprovar-se atravs da

evoluo legislativa nesta matria 26 e pacificamente aceite pela doutrina

portuguesa, , que a obrigao de segredo bancrio s pode ser suspensa com base

legal27.

A nosso ver, poder concluir-se, com base nestas notas sintticas sobre as

modalidades de regimes de sigilo bancrio existentes, que visvel uma acentuada

relatividade no tratamento deste tema, isto , as solues jurdicas volta da sua

consagrao e as suas restries obedecem a fundamentos e orientaes polticas e

econmicas diferenciadas, bem como evoluo da realidade social, o que est em

consonncia com o ordenamento jurdico de cada pas, pois, como sabido, este um

reflexo de aspectos e valores socioculturais e histricos28.

No obstante, essas diferenciaes nas modalidades de sigilo bancrio, parece-

nos no haver dvidas de que existe um denominador comum entre elas que o de

todas elas admitirem alguma restrio em maior ou menor escala. Alm disso, cada

vez mais notrio a tendncia no sentido de existir uma maior abertura restrio em

nome de interesses supra-individuais e supra-nacional. A ttulo de exemplo, a prpria

Sua promete acabar com o sigilo bancrio em 201829.

Feita esta abordagem genrica volta das modalidades dos regimes

destinados proteo do sigilo bancrio, partimos agora para o ponto seguinte do 24

Ibidem p. 167 25

cfr. HORN, Norbert, Chapter 4. Germany, in AA.VV., European Banking Law, The Banker-customer Relationship, Second Edition, London, Edited By Ross Cranston, 199, p.73 26

V.g. CORDEIRO, Antnio Menezes, no artigo cit., afirma que o Direito da Crise comporta diversos diplomas que, de facto, vieram restringir o sigilo bancrio pg. 12 27

Vide ATHAYDE, Augusto de, ob. cit. p. 403 28

Neste sentido DELMAS-MARTY, Mireille, Les Crime Internationaux Peuvent-ils Contribuer Ao Dbat Entre Universsalisme Et Relativisme Des Valeurs?, in AA.VV., Crimes Internationaux et Jurisdictions Internationales, I Edition, Presses Universitaires de France, 2002, p. 59 29

Segundo informa o jornal Pblico de 9 de Outubro de 2014.

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

16

objeto do nosso estudo, em que vamos desnudar e procurar compreender os

contornos do instituto jurdico sigilo bancrio, por forma a que mais adiante

possamos tomar uma posio clara volta dos valores que o sustentam e confront-

los com os valores subjacentes necessidade de combate ao branqueamento de

capitais.

2. Da caracterizao do sigilo bancrio

Quando se quer conhecer e compreender algo, seja de que natureza for,

pensamos que nada melhor do que fazer o uso do mtodo de caracterizao, o que

nos facilita o descortinar da complexidade da realidade subjacente ao nosso objeto de

caracterizao, que neste caso incide sobre o instituto jurdico o sigilo bancrio.

Assim sendo, vamos proceder a essa caracterizao, percorrendo-a por etapas,

comeando pelo conceito de sigilo bancrio e passando pelo seu objeto e contedo,

para de seguida inteirarmo-nos dos sujeitos nele envolvidos, bem como da sua

natureza jurdica.

2.1. Conceito

O conceito de sigilo bancrio, segundo ALBERTO LUS30, concebido como uma

discrio que os bancos, os seus rgos e empregados devem observar sobre os dados

econmicos e pessoais relativos aos seus clientes, relevando apenas as informaes

obtidas com base nas relaes contratuais, enquanto objeto de exerccio profissional.

J RODRIGO SANTIAGO31 faz um investimento semntico um tanto ou quanto mais

elaborado para conceituar o sigilo bancrio. Segundo ele, segredo um facto ou

conjunto de factos que foram objecto de confidncia, por isso inacessveis ao comum

das pessoas e em cuja manuteno reservosa o confidente tem um interesse

objectivamente fundado. A isto acrescenta o mesmo autor que a lei no se basta com

30

Vide Direito Bancrio, Temas Crticas e Legislao Conexa, I Edio, Coimbra, Almedina, 1985, p. 88 31

Vide Sobre o Segredo Bancrio Uma perspectiva jurdico-criminal e processual penal, R.B., n42, abril/junho 1997, p. 37

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

17

a existncia de segredo, da que ela exige que deve tratar-se de um segredo que seja

considerado alheio.

Estas duas tentativas de definir o sigilo bancrio, apesar de serem diferentes

semanticamente, apontam para um especto comum que o facto de ambas falarem

de um dever bancrio. Dever esse que consiste em o banco abster-se de divulgar

informaes concernentes aos seus clientes. Da que haja quem fale de um dever

negativo, isto , num dever de non facere.

Assim, o sigilo bancrio implica a existncia de uma relao profissional entre o

banco e o seu cliente, nascendo dessa relao um devedor e um credor. Deste modo,

o sigilo bancrio pode ser caracterizado como sendo a proteo de um interesse

particular do direito privado que no deve pr em causa interesses ditos superiores,

isto , interesses preeminentes, tais como a segurana social, a justia, a defesa da

comunidade contra a criminalidade econmica, cambial ou fiscal32.

Enfim, o sigilo bancrio no deve constituir-se estorvo para o bom

funcionamento da mquina do Estado, nem contribuir para a injustia social. Nem

to-pouco deve ser permitido o seu uso como uma arma nas mos dos criminosos. Ele

deve ser moldado de forma a proteger os dados econmicos e pessoais dos cidados,

mas sem causar nenhuma danosidade socioeconmica.

A sua configurao e extenso devem estar em consonncia com os desafios

que os novos tempos colocam ordem internacional. Da que deva ser maturamente

ponderado, submetendo a sua extenso a avanos e a retrocessos, consoante as

mutaes sociais. Isto quer dizer que o legislador deve estar atento realidade

socioeconmica para apurar o impacto que o sigilo bancrio vai tendo e a partir da

decidir sobre as limitaes pertinentes que o sigilo bancrio deve obedecer.

2.1. Objeto do sigilo

Aps a caracterizao e as observaes/sugestes feitas no ponto anterior,

hora de incidirmos sobre o objeto do sigilo bancrio. E a questo que se coloca qual

o objeto da obrigao do sigilo.

32

Assim LUS, Alberto, ob. cit. p. 88

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

18

H quem responda a esta questo obedecendo quilo que se diz ser

prevalecente na tradio europeia. Faz parte do objeto do sigilo bancrio tudo quanto

o banco tomar conhecimento por ocasio das operaes bancrias sobre as prprias

operaes ou as situaes das contas33. Diz respeito, portanto, no s s operaes,

bem como aos extratos bancrios.

O Decreto-lei 2/78, no n2 do artigo 1, veio pormenorizar os factos sujeitos ao

sigilo. Este n2 aponta como fazendo parte do objeto do sigilo as contas de depsito e

os seus movimentos, bem como os nomes dos clientes. Incluem-se tambm, no

mesmo objeto, as operaes bancrias, cambiais e financeiras, bem assim os

licenciamentos de operaes concedidas e os elementos concernentes a processos em

curso na inspeo de crdito do Banco de Portugal34.

Existe, ainda, uma clusula geral constante do artigo 78, n1, do Decreto-lei

n298/92, que concebe o objeto do sigilo profissional bancrio como sendo factos ou

elementos que digam respeito vida da instituio (de crdito ou sociedade

financeira) ou s suas relaes com os seus clientes. O conhecimento relativo a tais

factos ou elementos por parte dos agentes dessa instituio deve (conforme j foi

acima advertido) advir exclusivamente do exerccio das suas funes ou da prestao

dos seus servios. O n2 daquele artigo contempla uma enumerao exemplificativa

dos mais significativos factos ou elementos sigilosos. Da que no exige quaisquer

outros requisitos para se considerar a natureza sigilosa de tais factos/elementos

sigilosos35.

Se s se relevam para o objeto de sigilo bancrio os elementos ou fatos

conhecidos no mbito da relao profissional entre o banco e o cliente, cremos poder

inferir que no fazem parte do objeto do sigilo bancrio as situaes em que os

clientes guardam dinheiro, joias preciosas ou documentos juridicamente relevantes

num cofre que tenham arrendado num banco. Pois, os clientes tm acesso a esses

cofres sem a presena dos agentes bancrios, o que exclui a possibilidade do banco

ter conhecimento do contedo que aqueles mantm guardado no cofre (alugado pelo

banco).

33

LUS, Alberto, O Segredo Bancrio em Portugal, ROA, n41, maio-agosto 1981, p. 464, vide tambm MATIAS, Armindo Saraiva, Direito Bancrio, Coimbra Editora, 1998, p. 87 34

LUS, Alberto, O Segredo Bancrio em... p. 87 35

Cfr. SOUSA, Capelo de, ob. cit. P.187 a 188

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

19

2.2. Contedo

Dando continuidade decomposio dos elementos que configuram o sigilo

bancrio, passemos para a tentativa de determinar o seu contedo.

Recorre-se ao artigo 78, n1, do Decreto-lei 298/92 para extrair o contedo do

sigilo bancrio, pois, nos termos desse artigo no podem revelar ou utilizar

informaes sobre factos ou elementos considerados como fazendo parte do objeto

do sigilo bancrio. Mas chama-se a ateno relativamente s palavras revelao e

utilizao. Pois, a revelao pode dar-se publicamente ou perante um terceiro, mas

sem se verificar a pretenso por parte do revelador em tirar alguma vantagem.

Entretanto, j a utilizao de informaes envolve um aproveitamento por parte de

quem a viola36.

Depreende-se disto que o contedo do sigilo bancrio comporta um conjunto

de informaes de que um nmero restrito de pessoas (agentes dos bancos e os

clientes) tem conhecimento. Pode dizer-se que o contedo de sigilo algo a que

qualquer terceiro no pode ter acesso de forma gratuita, isto , sem um fundamento

jurdico ou por vontade do prprio cliente, e no pode ser revelado por aqueles que

tm o dever de confidencialidade.

Assim, como assinala SANTIAGO RODRIGO37, relativamente ao contedo do sigilo

bancrio, pode falar-se num elemento fctico que diz respeito a informaes

confidenciais, de um lado, e de outro, um elemento normativo que impe a no

revelao ou utilizao dessas informaes, visto que o seu titular tem um interesse

objetivamente fundado.

Deste modo, o contedo do sigilo bancrio surge como um aglomerado desses

dois elementos (fctico e normativo).

Julgamos ser pertinente realar que, do exposto, resulta clara a fronteira, ou se

se quiser a diferena, entre o objeto do sigilo e seu contedo. O primeiro remete-nos

para um conjunto de fatos ou elementos, (v.g. nome do cliente, depsito bancrio,

operaes cambiais e financeiras, etc.) enquanto que o segundo diz respeito s

informaes confidenciais sobre tais factos ou elementos. Portanto, estas informaes

36

Assim, SOUSA, Capelo, Ob. Cit. p. 189 37

Vide ob. cit. p. 36

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

20

ditas confidenciais circunscrevem-se ao objeto do sigilo, pelo que quaisquer

informaes situadas fora deste no fazem parte do contedo do sigilo bancrio, por

se encontrarem fora da rbita do seu objeto.

2.3. Sujeitos

Um outro elemento, tambm no menos importante, do sigilo bancrio diz

respeito s entidades sobre as quais recaem os direitos de crdito e o dever de

discrio bancria. Ou seja, a existncia do sigilo bancrio implica a envolvncia de

sujeitos ativos e passivos que importa ser conhecidos, pois, Todas as obrigaes tm

os seus sujeitos38.

2.3.1. Sujeitos Ativos

Os clientes dos bancos so considerados como sendo os protagonistas da

relao contratual bancria e credores do direito ao crdito39. Por outras palavras, so

os titulares do direito a um comportamento sigiloso por parte dos bancos40.

Fala-se de uma relao externa entre os clientes, as instituies de crdito e as

autoridades de superviso da atividade bancria. Fala-se ainda de uma relao interna

que ocorre entre as instituies de crdito e as autoridades de superviso e os

membros dos rgos administrativos ou de fiscalizao, os seus empregados,

mandatrios, comitidos e outras pessoas prestadoras de servios (permanente ou

ocasionalmente), conforme o artigo 78, n1, do decreto-lei 298/92, e, ainda, as

pessoas que exercem ou tenha exercido funes no Banco de Portugal. de se

acrescentar que os clientes podem ser pessoas singulares ou coletivas. Fala-se,

tambm, na supresso das incapacidades referentes s pessoas singulares41.

38

Vide LUS, Alberto, O Segredo p. 96 39

Ibidem, p. 94 40

Trata-se, como j referimos acima, de um dever de non facere. 41

Cfr. SOUSA, Capelo de, Ob. cit. p. 181 e ss

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

21

2.3.2. Sujeitos Passivos

A instituio bancria, enquanto organizao moderna, apresenta uma

complexidade organizativa que fez desaparecer a figura do indivduo. J no o

profissional individual que atua na concesso de crdito bancrio, mas sim o ente

jurdico banco atravs dos seus rgos. Estes, por seu turno, deparam com o

imperativo de recorrer a pessoas fsicas (seus representantes) para dar corpo

vontade e vocao do ente jurdico banco. Disto resulta que a atuao dos rgos,

portanto seus colaboradores, recai na esfera jurdica do banco. necessrio ainda

recorrer a funcionrios, pois, no s atravs dos representantes dos rgos que o

banco atua. Tudo isto dita uma reflexo a cerca de sobre quem deve recair o dever de

sigilo bancrio: se apenas sobre banco ou individualmente sobre todos quantos forem

convocados a colaborar com o banco42.

Para ALBERTO LUS43, se a lei impuser o dever do sigilo bancrio to-somente ao

banco, este seria sempre responsvel pelas consequncias das violaes cometidas

pelos seus funcionrios, j que estes esto ao seu servio (art.165, 500 e 800 do

CC). De igual modo, se a lei se limitasse a prescrever o dever de sigilo apenas aos

titulares dos rgos, aos representantes e aos empregados, a esfera de obrigaes do

ente jurdico banco no seria atingida. Comenta, ainda, que a legislao que se seguiu

nacionalizao da banca portuguesa no se dignou a proceder a estas distines e

que o decreto-lei 2/78 surgiu como o monumento que consagrou os funcionrios e os

membros dos rgos como sendo o centro do problema do segredo bancrio.

Feita esta pequena incurso pelo questionamento e comentrio que este autor

desperta, vamos incidir sobre a sede legal do regime geral do segredo bancrio

consagrado pelo Decreto-lei 298/92, de 31 de dezembro para identificar os sujeitos

sobre os quais recaem o dever de pautar-se por um comportamento sigiloso.

Segundo o artigo 78, n1, desse decreto-lei, enquadram-se no mbito do

catlogo dos sujeitos passivos os membros dos rgos de administrao ou de

fiscalizao das instituies de crdito, os seus empregados, mandatrios, comitidos e

outras pessoas que lhes prestem servio, quer a tempo inteiro, quer ocasionalmente.

42

Vide, LUS, Alberto, Direito... p. 96 e ss 43

Ibidem

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

22

Mas a isto, CAPELO DE SOUSA44 acresce que s prprias instituies de crdito,

bem como ao Banco de Portugal imputada responsabilidade civil, enquanto pessoas

coletivas autnomas, com base nos artigos 156 e 500 do CC, pelos riscos

emergentes da violao do segredo bancrio.

Para este autor, com base no artigo 81, sujeitam-se a um comportamento

sigiloso todas as autoridades, organismos e pessoas (coletivas ou privadas) que

tomem parte nos intercmbios de informaes perante o Banco de Portugal. Esto,

igualmente, obrigados ao sigilo bancrio os terceiros que se intrometerem, tomarem

conhecimento, revelarem ou se aproveitarem de factos ou elementos reservados nas

relaes bancrias, isto , nas relaes entre as instituies de crdito e os seus

clientes45.

2.4. Natureza Jurdica do Sigilo

O instituto jurdico sigilo bancrio consubstancia um direito de natureza

subjetiva e incorpora uma certa complexidade. Isto , trata-se de um direito que

confere aos sujeitos ativos da relao contratual bancria o poder de exigir dos

sujeitos passivos dessa relao um comportamento negativo que se traduz na

absteno de revelar quaisquer dados econmicos ou pessoais a seu respeito.

Portanto, produz determinados efeitos jurdicos que inevitavelmente os sujeitos

passivos so obrigados a suportar. Diramos, mesmo, que - em princpio - um direito

subjetivo absoluto, visto que impe a todos um dever geral de respeito46.

A este propsito, h quem fale de direito subjetivo privado, na medida em que

se verifica um poder conferido ao titular do direito ao sigilo bancrio. Poder esse que

permite impor aos sujeitos passivos o dever de no aproveitamento ou divulgao de

44

vide ob. cit. p. 180 a 181 45

de salientar que h quem pretere a expresso sujeitos passivos, preferindo falar de destinatrios iniciais da obrigao de segredo e de destinatrios subsequentes da obrigao de segredo, com o mesmo objetivo. As prprias instituies de crdito, os intermedirios financeiros e as diversas categorias dos colaboradores destas (v.g. titulares de rgos de administrao ou de fiscalizao; empregados, mandatrios, comitidos, etc.) so casos de obrigados iniciais ao sigilo bancrio, enquanto que na categoria de obrigados subsequentes temos o Banco de Portugal, CMVM, Fundo de Garantia de Depsito, etc., com base em intercmbio de informaes obtidas em consequncia da suspenso da obrigao do segredo inicial. Cfr. ATHAYDE, Augusto, ob. Cit. Pp.397 e ss. 46

Sobre o direito subjetivo, vide PINTO, Carlos Alberto da Mota, MONTEIRO, Antnio Pinto e PINTO, Paulo Mota, Teoria Geral Do Direito Civil, 4Edio (reimpresso), Coimbra Editora, 2012, pp. 178 e ss; Vide tambm PRATA, Ana, Dicionrio Jurdico, Vol. I, 5 Edio, Coimbra, Almedina, 2008, p. 526, entre outros.

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

23

quaisquer factos ou elementos referentes relao contratual bancria estabelecida.

Considera-se, em jeito de concluso, que se trata de um direito subjetivo absoluto

face a todos os terceiros, mas tambm que um direito privado relativo, j que tem

subjacente o dever de prestao de boa f e de respeito pelas normas de segurana e

de confidencialidade relativamente s operaes bancrias (v.g. depsitos e

emprstimos)47.

Ainda, existe um direito subjetivo privado pertencente ao prprio banco face

aos demais particulares, o que possibilita a esta instituio a recusa de partilhar, com

qualquer terceiro, as informaes concernentes s prprias relaes bancrias,

obedecendo apenas aos limites impostos pelo direito pblico, bem assim ao dever de

informar entidade encarregada de superviso da atividade bancria48.

Por outro lado, tambm, existe um direito subjetivo pblico do cliente e do

banco ao sigilo bancrio relativamente ao Estado (ou outros entes pblicos), visto que

Este tem o dever de respeitar esse segredo nos seus atos de gesto pblica, s

deixando de o observar em situaes excecionais legalmente estabelecidas. Assim,

conclui-se que o instituto sigilo bancrio comporta uma natureza mista49.

Deste modo, podemos afirmar que o sigilo bancrio tem uma natureza erga

omnes, mas s em princpio, pois, confrontado frequentemente com interesses

pblicos que podem ditar a sua ineficcia, relegando-a para um plano secundrio.

Enfim, a sua natureza erga omnes apenas aparente, j que no pode vingar na sua

essncia em todas as circunstncias. Por outras palavras, somos de opinio que o

sigilo bancrio no pode ser defendido at s ltimas consequncias. No pode ter um

custo social muito elevado. S pode vingar, enquanto outros interesses no cantarem

um hino mais sublime e mais harmonioso e em consonncia com valores sociais

supra-individuais.

3. Fundamentos do Sigilo Bancrio: posies doutrinrias

Concluda a parte sobre a caracterizao do sigilo bancrio, indaguemos agora

sobre os seus fundamentos, pois, uma questo merecedora de uma especial

47

SOUSA, Capelo de, Ob. cit. pp. 178 a 179 48

Ibidem 49

Ibidem

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

24

ateno. Tanto que volta e meia deparamo-nos com autores que se debruam sobre

ela com o fito de contribuir para legitimar a existncia do sigilo. Contudo, de se

adiantar desde j que est longe ainda um consenso geral volta desses

fundamentos50.

O que certo, entretanto, que os postulados tericos acerca desta matria

circundam em torno de uma variedade de fundamentos ticos e tico-jurdicos, no

faltando quem aponte argumentos econmicos com vista a dar razo existncia do

sigilo bancrio.

Assim sendo, passemos a inventariar e a descrever os fundamentos que

comummente so discutidos pela doutrina portuguesa no mbito da

justificao/legitimao do sigilo bancrio.

3.1. Fundamento Contratual

No so poucos os autores que procuram o fundamento do sigilo bancrio

numa base contratual51. Aqueles que preferem este fundamento apoiam-se no

princpio de boa f negocial, procurando demonstrar a origem do dever de discrio

bancria como sendo fruto de um contrato estabelecido no mbito da relao

contratual bancria. partida, um dever acessrio, cominado pela boa f52.

ANTNIO MENEZES CORDEIRO53

partidrio deste fundamento. Diz que o segredo

tem uma base contratual, no s no contrato bancrio em si, mas tambm nos demais

variados negcios bancrios que surgirem a posteriori. Explica que pode emergir do

contrato como consequncia de uma estipulao pelos contraentes (Banco/cliente),

ou ocorrer por via de uso, como acontece no caso italiano, ou ainda atravs de

clusulas contratuais gerais, no caso alemo.

50

Nesse sentido, BARBEITAS, Andr Terrgno, ob. Cit. P.16 Uma das questes historicamente mais debatidas em matria de sigilo bancrio se relaciona com o seu fundamento. Os autores no hesitam em acentuar a impossibilidade de se alcanar uma concluso com foros de certeza da fundamentao do sigilo bancrio em face da intensa variabilidade temporal e espacial do instituto, imprimindo-lhe uma dose de relatividade, com a sua consequente dificuldade na determinao de sua causa jurdica. 51

Vide, LUS, Alberto, O Segredo Bancrio..., pp.458 e ss; SOUSA, Capelo, ob. Cit. pp. 176 e ss ; CORDEIRO, Antnio Menezes, ob. Cit. p. 19 e ss. 52

CORDEIRO, Antnio Cordeiro, ob. Cit. P. 19 53

Ibidem pp. 23 e ss

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

25

No seu entender, mesmo que o sigilo bancrio no seja objeto de uma

estipulao contratual surgiria sempre como uma concretizao do princpio de boa

f, o que no apenas uma especificidade da relao contratual bancria, pelo que

no difcil de ser entendido.

Em suma, para a teoria contratualista, o sigilo bancrio encontra o seu

fundamento na vontade das partes exposta no pacto firmado entre eles, havendo

alguns defensores a sustentar que existe implicitamente uma clusula geral de

segredo em todos os contratos, decorrente da relao de confiana que deve nortear

qualquer relao contratual, o que no nosso entender - no deixa de ser verdade, j

que a confiana constitui o pano de fundo da execuo contratual bancria54. Assim,

com a celebrao da abertura de conta, os contraentes ativos e passivos, explicita ou

implicitamente, assentam que o devido respeito ser destinado ao segredo

bancrio55.

Porm, esta teoria no est isenta de crticas, pelo que objeto de refutao

por parte de inmeros autores que tentam acentuar a sua insatisfao. Os seus

crticos argumentam a sua insuficincia, apontando que o sigilo bancrio deve vigorar,

tanto nas relaes pr-contratuais, como nas relaes ps-contratuais56, o que se nos

afigura perfeitamente legtimo e coerente, pelo que acolhemos esta crtica, sem

reservas.

De facto, a teoria contratualista no consegue oferecer uma explicao que

consiga abarcar todas as circunstncias em que expectvel a observncia do dever

de discrio bancria, deixando de fora as negociaes que no chegam a produzir

efeitos, enquanto contrato, por terem fracassado. Isto, por um lado. Por outro, no

abarca tambm a fase ps-contratual que tambm merecedora de tutela jurdica.

3.2. Fundamento Extra-contratual

Uma outra tentativa de formulao, em torno do fundamento do sigilo

bancrio, ganha corpo com a chamada teoria extra-contratual. Os seus adeptos veem

54

Assim, FERREIRA, Pedro de Azevedo, A Relao Negocial Bancria Conceito e estrutura, Lisboa, Quid Juris, 2005, p. 690 55

Vide, CORDEIRO, Antnio Menezes, ob. Cit. P. 16 56

Cfr. BARBEITAS, Andr Terrgno, ob. Cit. P.16, assim tambm, CRANSTON, Ross, ob. cit. p.184

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

26

a responsabilidade bancria como sendo a origem do sigilo bancrio. Acentua-se no

dever a que o banco est obrigado, no sentido de ressarcir aos clientes pelos danos

indevidamente causados atravs da revelao dos dados econmicos e informaes

bancrias. Entretanto, esta teoria confrontada com a crtica de que est a buscar o

fundamento nas consequncias da quebra do sigilo e no no instituto em si57.

3.3. Segredo profissional como fundamento do Instituto sigilo

bancrio

Outro fundamento atribudo ao sigilo bancrio retirado do segredo

profissional. Alis, o sigilo bancrio reconduzido categoria dos segredos

profissionais58.

H quem considere, at, que o segredo bancrio existe e que qualificado

como sendo segredo profissional59.

Portanto, o sigilo bancrio concebido, pelos defensores desta corrente, como

uma manifestao amplificada do segredo profissional plasmado em dispositivos

inseridos nos cdigos penais, visando tutelar a inviolabilidade do segredo originrio da

profisso ou do ofcio60.

Os crticos desta teoria acentuam que os preceitos penais so destinados aos

profissionais de um modo geral e que no consagram o dever de reserva

relativamente s instituies financeiras. Salientam, ainda, que tais preceitos tm um

carcter sansanatrio e que o interesse que visam tutelar tem uma natureza pblica,

ao passo que o instituto segredo bancrio incorpora, tambm, um interesse privado61.

3.4. Fundamento Legal

57

Ibidem 58

LUS, Alberto, ob. Cit. P.459 59

Assim, MALAFAIA, Joaquim, O Segredo Bancrio Como Limite Investigao Criminal, ROA, n59, Lisboa, janeiro, 1999, p. 415 60

BARBEITAS, Andr Terrgno, ob. Cit. p. 17 61

Ibidem, p.17

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

27

Os defensores desta teoria sustentam que o sigilo bancrio encontra o seu

fundamento no culminar de um processo que acabou por desembocar no direito

positivo. Processo esse que perpassou a prtica comercial, obtendo uma aceitao

social relativamente a sua obrigatoriedade. Contudo, esta teoria considerada

inadequada para explicar a causa jurdica do sigilo bancrio. O que faz no mximo

expor a sua forma de expresso nos ordenamentos jurdicos que o contemplam

expressamente62.

Na verdade, o facto de nem todos os sistemas jurdicos consagrarem

formalmente o instituto jurdico o sigilo bancrio63 demonstra que esta teoria no

de todo convincente, j que deixa por fazer uma explicao que seja mais profunda e

global, isto , que seria aplicvel a qualquer ordenamento jurdico. Enfim, no

consegue apurar a causa efetiva do sigilo bancrio: apenas diz que o sigilo existe

porque se encontra positivado, o que no responde a questo de fundo. apenas um

olhar superficial sobre esta questo.

3.5. Interesse Econmico

O interesse econmico tambm apontado como sendo um dos fundamentos

do sigilo bancrio. Visa promover a manuteno da confiana do pblico no sistema

financeiro e garantir a captao e segurana das poupanas coletivas64. do preceito

101 da CRP que retirado que o sigilo bancrio permite cumprir esse desgnio

constitucional65.

Pe-se em evidncia, assim, um interesse pblico que deve ser preservado

atravs do instituto sigilo bancrio, o que tem como resultado uma confiana

generalizada do pblico no sistema financeiro, constituindo deste modo um incentivo

para o aumento da poupana.

62

Ibidem, p. 16 63

Conforme ficou demonstrado no ponto 2 do II grupo, deste trabalho, que versa as modalidades de regimes jurdicos destinados ao sigilo bancrio. 64

Neste sentido, MALAFAIA, Joaquim, Ob. Cit., pp. 417 e ss.; vide tambm, SOUSA, Capelo de, ob. Cit. P. 178; LUS, Alberto, ob. Cit. p. 90, FERREIRA, Eduardo Paz, ob. Cit., p316, s para dar alguns exemplos. 65

Assim, SOUSA, Capelo, ob. Cit., p. 178

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

28

Pelo contrrio, um sistema financeiro banalizado e onde haja uma facilidade

gratuita de se aceder aos dados econmicos e pessoais dos clientes provocaria uma

desconfiana generalizada do pblico relativamente a esse sistema, causando danos

para o desenvolvimento da economia66.

Entretanto, esse fundamento dever ser refletido em confronto com outros

interesses socioeconmicos que so considerados primrios67.

3.6. Uso Mercantil

O fundamento do sigilo bancrio centrado no uso68 , tambm, uma hiptese

que levada em devida considerao, pelo que nele se encontra a razo da existncia

do sigilo bancrio. GIACOMO MOLE69 sustenta que o segredo bancrio originrio do uso

e que tradicional e universalmente observado pelo banco para manter reservada a

sua relao com o pblico.

partindo do princpio da boa f negocial e da confiana mtua que os seus

adeptos defendem o uso mercantil como a causa justificativa do sigilo. Considera-se

que a boa f e a confiana so uma regra geral e transversal a todas as relaes

negociais entre as partes. Portanto, o uso do sigilo teria um carcter normativo e por

conta disto apresenta aptido para alcanar a convico social da sua obrigatoriedade,

enquanto norma jurdica. Por outro lado, no contradiz a ordem pblica, nem to-

pouco a moral70.

Deste modo, o banco teria o dever jurdico de observar o devido respeito pelo

dever de resguardar os dados e informaes bancrias face ao terceiro, sem que

existisse previamente uma lei expressa para o efeito. Ao mesmo tempo, o banco

poderia ver-se desobrigado desse dever quando imposies legais agissem em defesa

66

Apontam-se razes histricas que levaram o Estado portugus a implementar um segredo bancrio mximo: trata-se da experincia vivenciada em 1975 em que contas bancrias de certas pessoas foram devassadas. Cfr. CORDEIRO, Antnio Menezes, ob. Cit, p. 31. 67

Neste sentido, FERREIRA, Antnio Pedro A., Direito Bancrio, Lisboa, Quid Juris, 2005, pp. 439 e 440 68

Esta tese gera um consenso maioritrio na doutrina italiana e goza de acolhimento por parte da jurisprudncia italiana. Cfr. COSTI, Renzo, L'Ordinamento Bancario, 2 Edizione, iL Mulino, 1994, p. 459 69

Cfr., La Banca NellOrdinamenteo Giuridico Italiano, 2Edio, Milano-Dott. A. Giuffr, 1987,pp. 210 e 211 70

BARBEITAS, Andr Terrgno, ob. Cit., pp. 17 e 18

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

29

de outros bens jurdicos, sem que isso represente qualquer responsabilidade

bancria71.

Afigura-se-nos que este fundamento o que mais e melhor se adequa ao

apuramento de uma causa justificativa da legitimao do sigilo bancrio, por atender,

quer aos sistemas jurdicos que conferem formalmente o instituto sigilo bancrio,

quer queles que no o fazem, ou seja, s implicitamente o contemplam. um

fundamento que apresenta um carcter universal e anterior existncia dos bancos

modernos, pois estes so fruto de toda uma evoluo de atividades comerciais.

Portanto, para quem almeja enxergar um fundamento do sigilo bancrio que

seja transversal aos sistemas jurdicos, este o melhor que se pode apurar. Assim, no

h que contentar-se com o pensamento de que o sigilo bancrio deve ser respeitado

s porque o legislador ou os contraentes assim o quiseram. H que procurar razes

mais profundas.

Ainda um pouco ligada ao fundamento do sigilo bancrio, est a discusso

existente volta do direito reserva da intimidade da vida privada e familiar. Esta

uma questo interessante e merecedora de toda a nossa ateno pelo que vamos

trat-la de forma autnoma, no ponto seguinte do desenvolvimento deste trabalho,

com o fito de dar maior visibilidade mesma.

4. Direito reserva da Intimidade da vida privada e familiar e

Sigilo Bancrio

Para muitas vozes72, pensar um fundamento para o sigilo bancrio impele-nos

para um outro direito do cliente. Trata-se do direito reserva da intimidade73 da vida

privada e familiar, mais concretamente constitui uma das vertentes em que se

71

Ibidem 72

Vide v.g., FERREIRA, Antnio Pedro A., Direito Bancrio, Lisboa, Qud Juris, 2005, pp. 439 e 440; CORDEIRO, Antnio Menezes, Ob. Cit., pp. 19 e ss; MALAFAIA, Joaquim, ob. Cit.,pp. 417 e 418; SOUSA, Capelo de, Ob. Cit., p. 178. 73

Numa perspectiva econmica e sociolgica, o nascimento do direito intimidade est directamente associada a uma melhoria das condies de vida da populao que, deixando de (ter) se preocupar com as necessidades mais bsicas (ao nvel da sobrevivncia), permitiu deslocar as atenes e preocupaes de alguns segmentos mais favorecidos da populao para a defesa de outros direitos, anteriormente impensveis, como o direito a uma certa discrio da vida privada.Cfr. GOMES, Noel, Segredo Bancrio e Direito Fiscal, Almedina, 2006, pp. 73 - 74

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

30

desdobra o direito reserva da intimidade da vida privada e familiar, enquanto direito

fundamental integrante dos direitos, liberdades e garantias dos cidados74.

Assim, o sigilo bancrio visto como um meio jurdico privilegiado que

consubstancia o direito no divulgao de informaes concernentes vida privada

e familiar75 e considera-se ainda que a inviolabilidade destas traduz-se num princpio

moral que objeto de proteo e proclamao pelo prprio direito, como um dos

atributos relativos personalidade. Tal princpio extensivo tanto s pessoas fsicas,

como s coletivas. Mais concretamente, o sigilo bancrio encarado como sendo,

predominantemente, um protetor da esfera privada de ordem econmica76.

J com ANTNIO MENEZES CORDEIRO 77 notamos um certo comedimento na

reconduo do sigilo bancrio proteo do direito reserva da intimidade da vida

privada e familiar, pois, afirma que o segredo aproxima do direito intimidade

sobre a vida familiar e, mais latamente, dos direitos fundamentais relativos

personalidade.

O uso da palavra aproxima na passagem citada revelador de um certo

cuidado, por parte deste autor, em no equiparar de todo o sigilo ao direito reserva

da intimidade da vida privada e familiar.

A consolidao do fundamento do sigilo bancrio no direito intimidade da

vida privada e familiar contemplaria duas perspetivas: a do cliente que seria o direito

ao livre desenvolvimento, enquanto expresso do direito fundamental78, por um lado,

e, por outro, a perspetiva do banco que se concretizaria no direito ao livre exerccio da

sua profisso ou ofcio, o que est tambm salvaguardado no contedo do direito

fundamental79.

Deste modo, tomar o direito reserva da intimidade da vida privada e familiar

como causa do sigilo bancrio requer algumas questes sobre os seus respetivos

limites, porquanto as restries deste so mais amplas do que as daquelas, o que est

relacionado com o facto do sigilo bancrio confrontar-se com uma confluncia de

interesses que no respeitam estritamente aos clientes. Portanto, os limites que se 74

FERREIRA, Antnio Pedro A., Direito p.439. 75

Ibidem 76

LUS, Alberto, Direito p. 88 77

Ob. Cit. p. 20 78

Maior desenvolvimento com SOUSA, Capelo, ob. Cit. p 177 79

BARBEITAS, Andr Terrgno, ob. Cit. p. 17

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

31

podem impor ao direito reserva da intimidade da vida privada e familiar tm uma

amplitude muito menor80.

Uma questo nada fcil de se resolver a de determinar qual o contedo do

direito reserva da intimidade da vida privada e familiar, verificando-se mesmo a

existncia de uma constelao de teorias volta deste tema, no faltando

divergncias e crticas81.

JOS LUS SALDANHA SANCHES82 chama a ateno para a distino entre a intimidade

e a privacidade, visto que estes dois conceitos no nos reportam para o mesmo

campo semntico. Diz mesmo que a fonte de confuses e abordagens falaciosas deste

tema incluindo a conceo que considera que o sigilo bancrio apoia-se diretamente

na constituio tem a ver com esta falta de distino.

Assim, para este autor o direito reserva da intimidade da vida privada e

familiar contempla uma esfera pessoal83, contendo no seu eixo o conceito de

intimidade e vida familiar, esfera essa que entendida num sentido mais vasto de

modos de ser e de atuar, ao abrigo de qualquer intromisso alheia.

Baseando-se na teoria das esferas84 defende que o sentido forte de intimidade

ocupa o crculo mais estreito e mais estreitamente protegido relativamente a

qualquer intromisso. Diz que a intimidade da vida privada e familiar constitui o

ncleo essencial de um direito mais amplo privacidade. Este no abrange apenas a

intimidade, mas todas as atuaes que, embora no pertenam a esse ncleo, podem

ocorrer sem qualquer publicidade por opo do indivduo. Conclui que o segredo

bancrio no pode constituir a expresso do imperativo constitucional da intimidade.

At porque o acesso a essa esfera est vedada aos prprios bancos.

80

Ibidem 81

Vide MIRANDA, Jorge e MEDEIRO, Rui, Constituio Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, art. 26, pp. 280 e ss; BARBEITAS, Andr Terrgno, ob. Cit. pp. 55 e ss. 82

Segredo Bancrio e Tributao Do Lucro Real, Cincia e Tcnica Fiscal, 377, janeiro-maro, 1995, p. 25 e ss. 83

H quem faa distino entre o segredo bancrio e os outros segredos nos seguintes termos: Diferentemente de outros segredos, como o segredo religioso ou o prprio segredo profissional em geral, em que o valor predominante a intimidade da vida privada, a representao da pessoa como ser independente que domina o que ela prpria coloca na comunicao com os outros, no segredo bancrio manifestam-se dimenses associadas esfera patrimonial e econmica.Cfr. PALMA, Maria Fernandes, Perspectivas Constitucionais Em Matria de Segredo Bancrio, in AA.VV., 2 Congresso De Investigao Criminal, Almedina, 2010, p.189 84 Esta teoria, que tambm denominada teoria dos trs graus, aponta-nos para a distino entre

esfera ntima, esfera privada e esfera social. Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, Ob. Cit. p. 290

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

32

Entretanto, salienta-se que o direito reserva da intimidade da vida privada e

familiar no pode ter por referncia outro fundamento que no seja o da dignidade da

pessoa humana85. Assim sendo, parece-nos plausvel concluir que o direito reserva

da intimidade da vida privada e familiar tem em vista contribuir para a defesa e

afirmao da dignidade da pessoa humana, repelindo tudo quanto seja imprprio

para a conservao desta dignidade, isto , procura manter afastado todo e qualquer

comportamento atentatrio dignidade humana. Mas, na nossa modesta opinio,

entendemos que mister ressalvar que esta defesa parece-nos concentrar-se to-

somente no campo psicolgico, ou seja, incide sobre os danos no patrimoniais.

Segundo questiona ANDR TERRGNO BARBEITAS86: Como equiparar, sem maiores

questionamentos, as corriqueiras trocas de ativos financeiros, que o indivduo inserido

no mercado do consumidor pratica, visando s aquisies de mercadorias e servios,

com a noo de dignidade humana?. Para este autor, resta saber se sempre que um

consumidor adquirir qualquer bem de consumo, usando a transferncia de ativos

financeiros estar a projetar a sua personalidade de modo a que se justifique a tutela

do sigilo bancrio, como expresso da proteo do direito reserva da intimidade da

vida privada e familiar. Estes questionamentos tornam-se ainda mais relevantes pelo

facto do sigilo bancrio dizer respeito indistintamente, tanto a pessoas singulares,

como s pessoas coletivas.

Julgamos ser pertinentes e legtimos esses questionamentos, pois, cremos no

serem reconduzveis esfera da reserva da intimidade da vida privada e familiar todas

e quaisquer informaes bancrias87, sobretudo se levarmos em considerao que o

que est deveras em causa a proteo da dignidade da pessoa humana. Assim, no

nosso entender, no ser toda e qualquer categoria de informao que pe em causa

essa dignidade, pelo que s em parte se pode admitir que o direito a reserva da

intimidade da vida privada e familiar seja causa do sigilo bancrio88.

85

BARBEITAS, Andr Terrigno, ob. Cit. p. 58 86

Ibidem, pp. 63 a 65 87

Da que se fala em campo da vida privada e familiar que goza de reserva de intimidade e o domnio mais ou menos aberto publicidade Cfr. CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituio Da Repblica Portuguesa Anotada, Vol. I, 4 Edio Revista, Coimbra Editora, 2014, anotao ao artigo 26 p. 468 88

Sobre a metamorfose do direito intimidade da vida privada, ler GOMES, Noel, ob. Cit.p. 73 e ss

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

33

Em concluso, de salientar que no assim to lquida a plausibilidade do

sigilo bancrio encontrar o seu fundamento no direito reserva da intimidade da vida

privada e familiar. Muito pelo contrrio mesmo assaz discutvel.

Exposto o que de essencial discutido enquanto fundamento do sigilo

bancrio, o que comprova o relativismo reinante em torno desta temtica, vamos no

ponto seguinte desnudar o tratamento que ao sigilo destinado pelo legislador

portugus no que tange sua tutela legal.

5. Tutela jurdica conferida ao sigilo bancrio pelo

ordenamento jurdico portugus

Como j ficou explicitado 89 , o sigilo bancrio contemplado com uma

consagrao formal no ordenamento jurdico portugus. , mesmo, objeto de uma

forte tutela jurdica e com um carcter multidisciplinar, o que se calhar deve ser

repensado por forma a facilitar o confronto com os desafios que tm surgido na

moderna sociedade portuguesa dos nossos dias, em que vo surgindo crimes

econmicos, a par de outros, cada vez mais complexos e transversais a todas as

classes sociais.

O culto do sigilo bancrio que notrio nesse ordenamento jurdico, o que se

retira da reforada tutela existente, deve ser afrouxado ou pelo menos atenuado, sob

pena desse instituto jurdico transformar-se em autntica arma em mos de

criminosos, sem escrpulos, permitindo-lhes subtrair milhes de euros e com isso

aumentar as distores na distribuio da riqueza, o que pe em xeque uma das

grandes e nobres preocupaes de um Estado, que se diz ser Estado Social de direito,

que zelar pela correo das desigualdade na distribuio da riqueza.

Seguindo esta linha de raciocnio, SALDANHA SANCHES diz que A invocao do

sigilo bancrio como um direito do contribuinte que este pode opor ao Estado

constitui um claro anacronismo perante a situao econmica e os aspectos

fundamentais do ordenamento jurdico do Estado Social de Direito90.

89

No ponto 2 do II grupo, deste trabalho. 90

SANCHES, Jos Lus Saldanha, Estudos de direito , p. 100

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

34

Feita esta introduo, vamos enunciar as tutelas jurdicas oferecidas ao sigilo

bancrio em Portugal. Mas bom ressalvar, antes de mais, que o propsito aqui

procurado to-somente evidenciar a pluralidade de tutelas existentes no

ordenamento jurdico portugus, pelo que no vamos enveredar-nos por uma anlise

detalhada das diversas tutelas contempladas pelo legislador portugus.

Simplesmente, vamos enunciar as diversas tutelas existentes para comprovar que o

sigilo bancrio foi objeto de culto91 pelo legislador.

5.1. Tutela Constitucional

A constituio portuguesa de 1976 reconhece o valor da privacidade, da que a

consagrou como um direito genrico da reserva. no artigo 26 que se reconhece que

todos tm o direito reserva da intimidade da vida privada e familiar, mas cabe lei

constituir garantias efetivas no sentido de contradizer a utilizao abusiva de

informaes relativas s pessoas e s famlias ou contrria dignidade humana92. Por

consequncia disto, diz-se que o segredo bancrio, na atualidade, surge como um

direito reserva da intimidade da vida privada e familiar dos clientes93, tutelado como

um direito fundamental naquele artigo. Tem tambm como suporte o direito ao

desenvolvimento da personalidade94. Entretanto, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA

negam o carcter constitucional do segredo bancrio no haver qualquer princpio

ou regra constitucional a dar guarida normativa a um segredo do ter (o que obriga

alguns autores a recorrerem forada e esforadamente a direitos fundamentais

implcitos)95.

Considera-se, ainda, que o carcter constitucional do segredo bancrio

espelha-se no direito constitucional da instituio financeira ao bom nome e

91

Face a uma onda de consenso quase genrica, por parte da maioria dos pases mais desenvolvidos, sobre a necessidade de utilizar as informaes bancrias para objetivos fiscais, assiste-se o oposto em Portugal que refora as prerrogativas das entidades financeiras quanto a uma no cooperao com a Administrao fiscal. Cfr. SANCHES, Jos Lus Saldanha, Estudos de Direito, p. 87 92

Neste sentido, v.g., LUS, Alberto, ob. Cit. p. 90, ATHAYDE, Augusto, ob. Cit. p. 395, entre outros 93

Que como j ficou sublinhado, acima, discutvel. 94

Vide SOUSA, Capelo de, ob. Cit. Pp. 192 - 193 95

Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, ob. Cit. p.469

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

35

reputao artigos 12 e 26, 1 da CRP , bem assim no artigo 101 da CRP que tem

em vista a conquista da confiana do pblico no sistema financeiro96.

Remetemos o leitor para o ponto 4 deste trabalho97, onde j abordamos a

discusso que a doutrina sustenta volta da reconduo do sigilo bancrio ao direito

reserva da intimidade da vida privada e familiar.

5.2. Tutela Civil

O artigo 80 do CC impe a todos o dever de manter reserva em relao

intimidade da vida privada e familiar. Estamos, assim, perante uma proteo civil do

sigilo bancrio que resulta da interpretao deste artigo. Subsidiariamente, pode

evocar-se o artigo 70 do CC, para o mesmo efeito, enquanto tutela geral da

personalidade98 99.

O segredo bancrio goza de responsabilidade civil, enquanto garante, por

parte de entidades, quer privadas, quer pblicas, mesmo face aos riscos, com base

nos artigos 70, 2, 483, 500 e 501 do CC. Esta tutela passa tambm por

providncias cautelares preventivas e eventuais procedimentos cautelares, bem como

sanes compulsrias100.

5.3. Tutela Penal

A consagrao da tutela penal sobre a violao do segredo constitui mais uma

preocupao do legislador portugus em reforar as tutelas101 que o ordenamento

jurdico portugus destina ao sigilo bancrio, que considerado como sendo uma

dimenso do segredo profissional.

Estamos, cremos ns, perante um culto do sigilo bancrio por parte do

ordenamento jurdico portugus, se levarmos em considerao que existem outros

96

Cfr. SOUSA, Capelo de, ob. Cit. pp. 192 - 193 97

P. 23 e ss 98

Ibidem 99

Tambm, aqui remetemos o leitor para a discusso feita no ponto 4 deste trabalho 100

Ibidem, p. 195 101

No mesmo sentido, PAL, Jorge Patrcio, ob. cit. p. 75

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

36

ordenamentos jurdicos que se bastam apenas com a responsabilidade civil. Por outro

lado, o carcter subsidirio do direito penal abona a favor desta concluso.

A tutela penal do sigilo bancrio est inserida no CP, no captulo dos crimes

contra a reserva da vida privada. Toma corpo no artigo 195, sob a epgrafe violao

do segredo, contemplando uma pena abstrata que pode atingir um ano ou pena de

multa at 240 dias; e ainda no artigo 196, sob a epgrafe Aproveitamento indevido

do segredo, tambm com as mesmas penas. J o artigo 197 manda agravar as penas

quando forem verificadas as circunstncias constantes das alneas a) e b) deste

artigo102 103.

Com esta abreviada abordagem sobre a tutela do sigilo bancrio, damos por

concluda a caracterizao deste instituto jurdico e encerramos este grupo do

desenvolvimento do nosso estudo. Foi nossa inteno focalizar apenas as questes

essenciais, pelo que deixamos de fora algumas questes que poderamos abordar,

mas que optamos por no as incluir neste estudo para no dilatar muito o nosso

trabalho.

Contudo, estamos em crer que discorremos sobre os aspetos mais importantes

e pertinentes que uma boa caracterizao e compreenso do sigilo bancrio no

poderiam deixar ignorados.

Assim, passemos para o grupo seguinte do nosso plano de estudo, onde vamos

debruar-nos sobre o instituto jurdico branqueamento de capitais que , nos dias

que correm, um crime frequente e que constitui uma ameaa grave para o bem-estar

social e para a segurana transnacional, o que no nosso entender no passa de uma

das externalidades negativas provenientes do acrrimo resguardo de que o sigilo

bancrio104 tem beneficiado ao longo dos tempos, isto , do abuso do sigilo bancrio.

Quanto maior for a probabilidade de os criminosos poderem usufruir dos fundos

ilcitos, provenientes de crimes, maior a propenso para a comisso desses delitos.

102

Ibidem, p. 194 103

A tutela do sigilo bancrio no se esgota nestas que indicamos: existem, ainda no ordenamento jurdico portugus, proteo do sigilo bancrio ao nvel da administrao, face informtica, proteo disciplinar, bem como proteo internacional que, por questo de gesto da limitao de carateres que devemos respeitar, no vamos desenvolver. 104

o segredo bancrio beneficia no direito portugus de uma forte tutela, evidenciada pelo facto de a sua violao - - configurar uma mirade de ilcitos e, consequentemente, de responsabilidades, que vo desde civil, passando pela disciplinar, contra-ordenacional, at mais grave e severa que naturalmente a criminal. Cfr. GOMES, Noel, ob. cit., p.357

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

37

O sigilo bancrio no pode ser transformado num protetor desses criminosos e dos

seus interesses, em detrimento de outros valores e interesses sociais mais

importantes que, tambm, so consagrados ao nvel constitucional.

Apesar desta forte proteo que o legislador portugus oferece ao segredo

bancrio, transparece - claramente - a sua conscincia de que esse instituto defronta

outros interesses que considera relevantes, da que concebe excees que esto

agrupadas em trs nveis105. Assim, o sigilo bancrio sofre exceo decorrente do

dever de revelao de informaes bancrias, relativas ao cliente, ao banco de

Portugal, Comisso do Mercado de Valores Mobilirios, ao Fundo de Garantia de

Depsitos e ao Sistema de Indemnizao de Investidores, no mbito das suas

atribuies (Cfr. artigo 79, n 2, a) a c) do RGICSF). Na d) deste mesmo artigo,

deparamos tambm com uma outra exceo, visto que impe a revelao de

informaes bancrias nos termos previstos na lei penal e processual penal, o que visa

atender os interesses pblicos da investigao e punio criminal. A e) do artigo citado

admite ainda outras excees desde que existam disposies legais que o ditam

expressamente106.

Dessas excees todas, aquela que nos interessa, e que se enquadra dentro do

objetivo que nos moveu para a feitura deste trabalho, a exceo que decorre do

regime do crime de branqueamento de capitais, pelo que passamos ao de leve sobre

as outras que acabamos de enumerar.

105

Sem contar que o prprio cliente pode consentir a revelao dos seus dados bancrios. 106

Ibidem pp. 41 e ss.

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

38

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

39

III

1. Da caracterizao do crime de branqueamento de

capitais

O sigilo bancrio no comporta um valor absoluto em nenhum dos pases

onde observado (nem mesmo onde sancionado)107. Acrescentaramos, at, que nem

deveria ser, mormente com a complexificao da realidade social que se tem

verificado e a globalizao da economia, bem como a evoluo tecnolgica, em

matria de prestao de servios financeiros. Pois, , hoje, um dado adquirido da

vida econmica de qualquer pas - - que a mobilidade de capitais representa um

contributo do qual se no pode prescindir sob pena, entre outras coisas, de

estagnao econmica108.

Assim, o crime de branqueamento de capitais constitui, nada mais, nada

menos, do que um dos fatores legitimadores da derrogao do culto do sigilo bancrio

e tem despoletado a necessidade de uma nova ordem mundial, no que tange

conjugao de esforos para fazer face ao mesmo, pois, so novos valores e interesses

que surgem, os quais devem ser ponderados e tratados luz das ferramentas que o

direito pe ao servio dos juristas e da sociedade em geral e sem qualquer

saudosismo. Trata-se, segundo as palavras de dois autores espanhis, de um

fenmeno que no novo, mas que se destaca pela importncia e gravidade de uma

atividade criminosa que se classifica como um dos grandes problemas do nosso tempo

e que tem causado alarme e preocupao tanto por parte dos governos, como

tambm por parte da opinio pblica. As vias e os procedimentos para fazer face

situao tm sido um tema permanente de debate, em todos os mbitos109.

107

Cfr. LUS, Alberto, ob. cit. P. 83, vide tambm, MENDES, Paulo de Sousa, A Orientao da Investigao para a Descoberta dos Beneficirio econmicos e o Sigilo Bancrio, in AA.VV., 2 Congresso de Investigao Criminal, Almedina, 2010, p. 203 108

COSTA, Jos de faria, O Branqueamento de capitais, Algumas reflexes luz do Direito Penal, e da poltica criminal, in Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXVIII, Coimbra, 1992, p.64 109

Vide PASTOR, Daniel lvarez e PALACIOS, Fernando Eguidazu, Manual De Prevencin Del Blanqueo De Capitales, Madrid, Marcial Pons, 2007, pp. 15 e 16

A restrio ao sigilo bancrio decorrente do regime de branqueamento de capitais: Ponderao de interesses

40

considerado como sendo um crime anmalo, mas que est na moda110. encarado

como sendo a me de todos os delitos na geografia planetria da delinquncia

econmica111.

Assim sendo, e para combater os males a ele subjacentes, nada melhor do que

conhecer e compreender a sua real dimenso, bem assim os seus devidos contornos,

pois, corresponde a uma forma de criminalidade que suscetvel de provocar um

abalo profundo nas estruturas da sociedade112.

Ao longo deste captulo, pretendemos descrever, analisar e questionar

diversos itens relacionados com o branqueamento de capitais e, na medida do

possvel, tirar ilaes crticas que julgarmos pertinentes a volta dessa descrio.

1.1. Conceito

A elaborao do conceito de branqueamento de capitais no tarefa fcil. A

prpria expresso branqueamento de capitais motivo de discordncia, porquanto

frequente a utilizao de outras expresses como reciclagem de capitais, bem assim

lavagem de capitais por parte de estudiosos desta fenomenologia113 e em diversos

ordenamentos jurdicos, 114 referindo-se mesma realidade subjacente.

O branqueamento de capitais refere-se aos meios atravs dos quais se ocultam

a existncia, a origem ilegal ou a utilizao ilegal de rendimentos, com vista a que

estes fundos aparentem uma provenincia lcita115.

110

SILVA, Germano Marques da, O Crime de Branqueamento de Capitais e a Fraude Fiscal como Crime Pressuposto, in AA.VV., Branqueamento de Capitais e Injusto Penal: Anlise Dogmtica e Doutrina Comparada Lusa-Brasileira, Lisboa, Editorial Juru, 2010, p. 239 111

GONZLEZ, Joaquim, Corrupcin cit. por FONSECA, Jorge Carlos, O Crime de lavagem de capitais: Uma perspectiva crtica dogmtica e de poltica criminal, em especial a partir da experincia legislativa cabo-verdiana, in AA.VV., 2 Congresso de Investigao Criminal, Almedina, 2010, p. 264 112

Cfr. FERREIRA, Eduardo Paz, ob. Cit. p. 313 113

Ibidem, p. 304 114

Cfr. SANTOS, Priscila Pamela dos, Apontamentos acerca da origem e Evoluo Histrica, terminologia e evoluo Legislativa do injusto penal da lavagem de capitais, in AA.VV., Branqueamento de Capitais e Injusto Penal: Anlise Dogmtica e Doutrina Comparada Lusa-Brasileira, Lisboa, Editorial Juru, 2010, pp. 110 - 112 115

Este conceito de branqu