A ressonância e a Repercussão da Flecha no Filme Ran, de ... · Para sustentar a análise da...

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MARINA KAZUMI OKUMURA A RESSONÂNCIA E A REPERCUSSÃO DA FLECHA NO FILME RAN, DE AKIRA KUROSAWA CURITIBA 2007

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MARINA KAZUMI OKUMURA

A RESSONÂNCIA E A REPERCUSSÃO DA FLECHA NO FILME RAN,

DE AKIRA KUROSAWA

CURITIBA

2007

MARINA KAZUMI OKUMURA

A RESSONÂNCIA E A REPERCUSSÃO DA FLECHA NO FILME RAN,

DE AKIRA KUROSAWA

Monografia apresentada à disciplina Orientação Monográfica em Inglês II, como requisito parcial à conclusão do curso de Letras, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dra. Luci Collin Lavalle

CURITIBA

2007

ii

Meus agradecimentos à Prof. Luci Collin, pelo carinho e dedicação na orientação, conselhos e revisões;

à Prof. Liana Leão, pela Orientação Monográfica I e seu amor pela literatura e por Shakespeare;

a meus filhos, pelo apoio.

iii

Aos meus avós e meus pais, pela herança japonesa que recebi.

iv

SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ...........................................................................................v

RESUMO .......................................................................................................................vi

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................1

2 SHAKESPEARE NO CINEMA.............................................................................2

3 O FILME RAN.........................................................................................................4

3.1 ENREDO.................................................................................................................4

3.2 GÊNERO.................................................................................................................5

4 O MOSAICO DE CITAÇÕES .............................................................................6

4.1 O TEXTO VERBAL...............................................................................................7

4.2 TEXTOS LITERÁRIOS .......................................................................................10

4.3 O TEATRO NOH .................................................................................................12

4.4 PINTURA .............................................................................................................13

4.5 CINEMA..........................................................................................................................15

5 RESSONÂNCIA E REPERCUSSÃO DA FLECHA ....................................................16

6 RAN, O ESPELHO DO HOMEM MODERNO ...........................................................30

7 CONCLUSÃO ..................................................................................................................35

REFERÊNCIAS ..........................................................................................................37

ANEXOS ......................................................................................................................41

v

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – CONTOS DE GENJI........................................................................ ..11

FIGURA 2 - HIDETORA .........................................................................................14

FIGURA 3 - CAÇADA.............................................................................................17

FIGURA 4 - IDEOGRAMA "RAN" ........................................................................17

FIGURA 5 - ANÚNCIO ..........................................................................................18

FIGURA 6 - HIDETORA NA JANELA ..................................................................19

FIGURA 7 - INSIGHT..............................................................................................20

FIGURA 8 - GUERREIROS.....................................................................................22

FIGURA 9 - CENA ILUSTRADA DE CONTOS DE GENJI ................................22

FIGURA 10 - BIOMBO: A BATALHA DE ICHINOTANI....................................23

FIGURA 11 - TERCEIRO CASTELO EM CHAMAS ...........................................24

FIGURA 12 - HIDETORA E O FOGO ....................................................................25

FIGURA 13 - MÁSCARA AKUJÔ .........................................................................29

FIGURA 14 - MÁSCARA SHIWAJÔ .....................................................................29

FIGURA 15 - CENA FINAL DO FILME ................................................................31

vi

RESUMO

Esta pesquisa tem como objeto de análise a repercussão da imagem da flecha, da peça Rei Lear, de Shakespeare, no filme Ran, de Akira Kurosawa, tendo como base os conceitos de “repercussão e ressonância” das imagens poéticas, de Gastón Bachelard. Além disso, há uma discussão dos intertextos que se entrelaçam no filme e de suas reverberações no homem moderno.

Palavras-chave: Shakespeare no cinema, Ran, de Kurosawa, intertextualidade, homem moderno.

1

1 INTRODUÇÃO

O filme Ran (1985), do diretor japonês Akira Kurosawa (1910-1998), é

comumente associado à peça de Shakespeare, Rei Lear, como sua adaptação no

cinema ou, conforme JORGENS (1986:1-4) se refere em seu artigo, como uma

“versão samurai do Rei Lear”. A afirmativa não é incorreta, pois quem assiste ao

filme, reconhece a grande proximidade com a obra do Bardo. Mas Ran é muito mais

do que uma adaptação literária, uma vez que nele encontramos sintetizado uma

complexa trama de diversas fontes: cultural, estética e histórica, na qual Shakespeare é

uma entre diversas referências.

No processo de criação/recriação, um artista não somente rediz ou imita outra

obra, mas transforma as referências que têm de forma própria, criando uma nova obra,

como confirma MALRAUX (1948:309):

o mais inocente escultor da alta Idade Média, bem como o pintor contemporâneo obsedado pela história, quando inventam um sistema de formas, não o tiram nem da submissão à natureza, nem unicamente do próprio sentimento, mas o devem a um conflito com uma outra forma de arte. Em Chartres como no Egito, em Florença como na Babilônia, a arte só nasce da vida através de uma arte anterior.

Para sustentar a análise da imagem da flecha, partimos da idéia de

intertextualidade; assim, vale esclarecer que o objetivo desta pesquisa não é o de

confrontar o filme Ran, de Kurosawa à peça Rei Lear, de Shakespeare, tendo em vista

que são obras distintas, que inclusive usam linguagens diferentes, mas de explorar que

em Ran há um “mosaico de citações” (KRISTEVA, 1974:64)1 que encontramos em

Ran, dialogando com diferentes artes, e privilegiar como objeto de análise, a imagem

da flecha, verbalizada por Lear, no início da peça, no Ato I, Cena I e sua repercussão

no filme, cuja reiterada presença observamos desde o capítulo 1 até o capítulo 7, que

corresponde à metade do filme.

1 Cf. KRISTEVA: “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e

transformação de um outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, instala-se a de intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla.”

2

2 SHAKESPEARE NO CINEMA

Apesar da fala profética de SHAKESPEARE, por Cassius, na peça Julio César,

no Ato III, Cena I: “Quantas épocas por vir / Será esta nossa elevada cena de novo

encenada/ em estados ainda não nascidos e sotaques ainda desconhecidos”2, o público

original de Shakespeare nem imaginaria que sua obra atravessaria o tempo e quatro

séculos depois, no século XX, seria popularizada através da indústria cinematográfica.

A produção cinematográfica das peças de Shakespeare tem início desde o

surgimento do cinema, no final do século XIX e começo do XX e é um fenômeno em

crescimento, especialmente nas últimas décadas, tendo um campo de estudo

academicamente consolidado, com várias publicações na área e realização de

congressos e festivais em vários países.

No fim do século XIX e início do século XX, as peças teatrais de Shakespeare

foram filmadas, rudimentarmente, para dar um signo de prestígio à nascente forma de

arte, em preto e branco, mudo e ainda com projeções feitas manualmente. Alguns dos

filmes dessa época foram resgatados em formato DVD, pela British Film Institute,

contendo: King John (Britain, 1899), The Tempest (Britain, 1908), A Midsummer

Night's Dream (USA, 1909), King Lear (Italy, 1910), Twelfth Night (USA, 1910), The

Merchant of Venice (Italy, 1910), Richard III (Britain, 1911).3 Nos anos iniciais da

industrialização, o cinema era uma forma de entretenimento para a classe trabalhadora,

pois só freqüentavam o teatro aqueles que tinham condições financeiras melhores.

A partir do desenvolvimento técnico da sétima arte, suas peças têm inspirado

produções para televisão e cinema. Entre os filmes memoráveis, estão os realizados

por grandes diretores e atores como o britânico Laurence Olivier, o norte-americano

Orson Welles, o italiano Franco Zeffirelli, o japonês Akira Kurosawa, o russo Grigori

2 “How many ages hence/ Shall this our lofty scene/ In states unborn and accents yet

unknown!” tradução retirada da resenha Variações de Shakespeare, de Daniel Piza, disponível em: <http://www.danielpiza.com.br/interna.asp?texto=1997 > acesso em: 6 Mai 2007.

3 Informações adicionais sobre o DVD Silent Shakespeare (2004) está disponível no site <http://www.bfi.org.uk/booksvideo/video/details/shakespeare/>. Acesso em 13 Jun. 2007

3

Kozintsev e outros nomes como Peter Brook, Roman Polanski, Michael Almereyda,

Kenneth Branagh. 4

Entre os estudiosos de Shakespeare e cinema, JORGENS (1991) classifica as

peças teatrais em três modos de adaptação: Teatral, Realista e Fílmico. De uma

maneira resumida, o modo Teatral (ou transparente) é aquele que transcreve uma

representação teatral para um filme, como é o caso do Rei Lear, produzido para

televisão em 1984, com Laurence Olivier; o modo Realista mostra através da câmera,

o “realismo fotográfico” das paisagens, figurino e cenários, tendo como exemplo o

estilo documental do Lear (1970), de Peter Brook; e o Fílmico (ou film poet), usa o

poder do filme para contar uma história, “superando as formas do mundo exterior -

como espaço, tempo, casualidade – e acomodando os eventos às formas do mundo

interior – como atenção, memória, imaginação e emoção”, seria o modo mais fiel ao

efeito dos versos dramáticos de Shakespeare, sendo Ran, classificado nesta categoria.

Paralelamente, JORGENS (1991:12-13) aponta ainda três tipos de

caracterização, de acordo com o tratamento dado à distância entre o filme e o texto

original: Apresentação, Interpretação e Adaptação. Na Apresentação, a relação com o

original é com o mínimo de alteração e distorção possível, “é a realização da peça, não

uma série de notas de rodapé ou um ensaio crítico” e cita como exemplo, a cena final

em Hamlet (1969), de Tony Richardson, a disputa entre Cassius e Brutus, em Julius

Ceasar (1953), de Joseph Mankiewvicz, entre outros. O modo Interpretação requer

formatar e representar a peça de acordo com um ponto de vista e na Adaptação, os

textos de Shakespeare servem como referência para os cineastas. Kurosawa5 é

considerado por MCDONALD (2001)6 em sua análise sobre adaptações fílmicas,

como de “estilo audacioso e experimental”.

4 A lista de filmes referente a “Shakespeare no cinema” ou “filmes de Shakespeare” é

extensa. No site da Enciclopédia Britânica podemos encontrar um registro atualizado da filmografia: http://search.eb.com/shakespeare/browse?browseId=248014#248074.toc acesso em 14 Jun 2007.

5 A partir daqui, Akira Kurosawa será referido apenas como Kurosawa. 6 In DINIZ (2005:74).

4

3 O FILME RAN

3.1 ENREDO

A tragédia Rei Lear, de Shakespeare acontece em época medieval remota e

Kurosawa a transpôs para o Japão feudal do século XVI, conhecida como Sengoku

Jidai (Era do País em Guerra), marcada pela ausência de um governo central e

disputas de poder entre clãs rivais, traições e assassinatos. Essa mesma época é

retratada em três outros filmes além de Ran: Trono Manchado de Sangue, Os Sete

Samurais e Floresta Escondida.

Hidetora, patriarca do clã Ichimonji, aos 70 anos, decide dividir o reino entre os

três filhos: Tarô, Jirô e Saburô. Tarô, o mais velho, seguindo a tradição do patriarcado

japonês, torna-se o líder do clã e recebe o Primeiro Castelo, centro do poder. Jirô e

Saburô recebem, respectivamente, o Segundo e o Terceiro Castelo. Hidetora retém

para si o título de “Grande Senhor” para permanecer com os privilégios, sem se

responsabilizar com os deveres do cargo. Nos planos de Hidetora, Jiro e Saburo

dariam apoio a Taro e os três, unidos, manteriam as conquistas da família, utilizando

como exemplo, a parábola da flecha, de Motonari Mori, senhor feudal japonês que

viveu entre 1497 – 1571. Saburô contraria a idéia do seu pai, critica seu plano,

lembrando-o da maneira como conquistou seus domínios, chamando-o de “velho tolo”

ao esperar que seus filhos mantenham a lealdade a ele. Hidetora bane Saburô,

entendendo essa reação como traição e também Tango, servo fiel que tenta persuadi-lo

do erro que está cometendo.

Porém, Hidetora segue adiante em sua decisão e o que ele vivencia é a

destruição de sua família, a derrocada do poder e a violência descontrolada que atinge

a todos, bons e maus. Ao presenciar o massacre que provocou, Hidetora enlouquece e

vaga pelas ruínas como um fantasma, acompanhado de Tango e Kiyoami, o Bobo.

Manipulando os dois irmãos, está Kaede, esposa de Tarô e depois de sua morte,

amante de Jirô. Kaede é a vingança personificada, cuja família foi derrotada e

destruída por Hidetora, legitimando a posse de seus territórios, casando-a com seu

5

filho mais velho. Da mesma maneira, Jirô é casado com Sue, cuja família foi destruída

por Hidetora, seu castelo queimado e seu irmão, Tsurumaki, cegado. Diferente de

Kaede, Sue dedica-se ao budismo e perdoa seu sogro das atrocidades cometidas,

atitude que Hidetora não consegue entender. Saburô e Hidetora reconciliam-se em

vida, mas ambos morrem quando faziam planos para desfrutar de uma convivência

pacífica.

Assim como Shakespeare, Kurosawa elabora enquanto temática do filme, a

disputa pelo poder, a vingança, as paixões, a relação familiar, todos, temas atemporais

porque espelham a natureza humana.

3.2 GÊNERO

Quanto ao gênero, Ran é um filme jidaigeki, um gênero eminentemente

japonês, caracterizado com um termo temporal, pois jidai significa “tempo”, “era” ou

“período”, sem ser eco a “filme histórico”. O período histórico é utilizado com um

propósito dramático e normalmente é focalizado na Era Tokugawa ou na Era Edo,

aproximadamente do início dos anos 1600 a meados de 1800. O gênero jidaigeki é

comparado ao gênero western americano, ambos ambientados em importante período

histórico nacional do Japão e Estados Unidos, onde samurai e cowboy representam um

papel essencial na narrativa.

Entre os onze filmes jidaigeki realizados por Kurosawa, quatro são de roteiros

originais: Os Sete Samurais, A Floresta Escondida, Guarda-Costas e Sombra do

Samurai; um é adaptação de uma peça de kabuki: Os Homens que Pisaram na Cauda

do Tigre; três são adaptações de obras literárias japonesas modernas: Rashomon,

Sanjuro e Barba Ruiva; e três são adaptações de obras ocidentais: Trono de Sangue,

Ralé e Ran.

Kurosawa inovou o gênero jidaigeki, “transportando os elementos populares do

gênero para uma composição dramaticamente diferente para colocar em primeiro

plano suas convenções genéricas” (YOSHIMOTO, 2000:235). Através desse tipo de

subversão, o diretor “mantêm uma relação metacrítica com esse gênero

popular”(IDEM). Uma das suas inovações é a posta em cena realística de um duelo de

6

espadas ao invés da dança kabuki estilizada utilizada nos filmes convencionais. Assim

como os diretores de cinema da década de 30, Yamanaka Sadao e Itami Mansaku, por

quem Kurosawa nutria grande admiração, em seus filmes jidaigeki, os samurais não

são apresentados como figuras heróicas, mas tomam uma visão satírica do Bushidô

(código de honra e conduta do samurai), focalizando os marginais sociais e preferindo

humor à ironia como um recurso narrativo. Apesar de não representar com fidelidade

os fatos históricos, Kurosawa criou um elevado senso de realismo, sendo rigoroso nos

detalhes ignorados pelos filmes jidaigeki convencional, como: cenários e adereços,

figurino e estilo de atuação, retratando a época com minuciosa precisão.

4 O MOSAICO DE CITAÇÕES

Como mencionamos anteriormente, Ran dialoga com uma série de intertextos

ou “mosaico de citações” que formam a imagem do filme. Eles são compostos por

texto verbal ou dramático (a peça Rei Lear, de Shakespeare), textos literários

tradicionais japoneses (O Conto de Heike e O Conto de Genji), textos extra-literários

(pintura, teatro e cinema).

Segundo KUROSAWA (1983), “os filmes são criados de muitos elementos:

literários, teatrais, pictórico e musical. Mas há algo no filme que é puramente cinema

(...) que pode ser chamado de beleza cinematográfica.”7. Para ilustrar “o que é

cinema?”, contou uma anedota sobre uma redação escrita pelo neto do escritor Shiga

Naoya, com o título “Meu Cachorro”: “Meu cachorro parece um urso; também se

parece a texugo, também se parece a uma raposa...e seguiu enumerando as

características, comparando cada uma delas com outro animal, numa longa lista do

reino animal. No entanto, a redação finalizou com, “Mas já que ele é um cachorro, ele

se parece mais a um cachorro”. Fazendo um paralelo com a anedota, Kurosawa

explicou: “O cinema se parece com muitas outras artes. Se o cinema tem muitas

7 A partir daqui as citações em inglês serão traduzidas por nós e o texto original aparecerá

nas notas de rodapé. “Films are made up of many elements: literary, theatrical, painterly, and musical. But there is something in film that is purely cinematic.(…) There is something that might be called cinematic beauty.” Disponível em: <http://akirakurosawa.info/akira-kurosawa-quotes/kurosawa-quotes-cinema/> acesso em: 14 Jun 2007.

7

características literárias, também tem qualidades teatrais, o lado filosófico, atributos de

pintura e escultura e elementos musicais. Mas cinema é, em última análise, cinema”.8

Ou, conforme suas próprias palavras, citadas por RICHIE: “a força do cinema deriva

do efeito multiplicador de som e imagem visual trazidas simultaneamente.”9

4.1 TEXTO VERBAL

“Shakespeare, talvez ele próprio um dos mais inventivos e prolíficos entre os adaptadores literários e teatrais, tornou-se uma complexa rede de práticas discursivas, culturais e históricas, nem todas necessariamente literárias.”(FISHLIN & FORTIER)10

Rei Lear, de Shakespeare, transcende as barreiras do tempo e do espaço, por ser

um drama poético repleto de imagens e também por tratar da quintessência da natureza

do homem, do que significa ser um ser humano, do relacionamento entre os seres

humanos, de questões sobre a justiça, dever social e a compaixão pelo sofrimento

individual.

Na criação dessa peça, considerada por muitos a “obra prima” de Shakespeare,

HELIODORA (In SHAKESPEARE, 1998:5) aponta um mosaico de citações. Segundo

a autora, o enredo não é invenção de Shakespeare: “Já no século XII, Geoffrey of

Montmouth contava a história de Lear como sendo parte da história da Inglaterra. Mas

antes disso, Lyr ou Ler já era uma figura presente na lenda”. Autores como Holinshed,

Monmouth, Spencer e John O´Higgins produziram textos sobre a história do rei, todos

usados por Shakespeare. Estes textos tinham em comum o final feliz para a história,

8 ‘What is cinema? The answer to this question is no easy matter. Long ago the Japanese

novelist Shiga Naoya presented an essay written by his grandchild as one of the most remarkable prose pieces of his time. He had it published in a literary magazine. It was entitled “My Dog,” and ran as follows: “My dog resembles a bear; he also resembles a badger; he also resembles a fox…” It proceed to enumerate the dog’s special characteristics, comparing each one to yet another animal, developing into a full list of the animal kingdom. However, the essay closed with, “But since he’s a dog, he most resembles a dog.” I remember bursting out laughing when I read this essay, but it makes a serious point. Cinema resembles so many other arts. If cinema has very literary characteristics, it also has theatrical qualities, a philosophical side, attributes of painting and sculpture and musicial elements. But cinema is, in the final analysis, cinema.’

9 RICHIE Akira Kurosawa: Obiturary. 10 In: RESENDE (1996:183)

8

com Lear voltando ao trono e Cordélia como sua herdeira. Mas foi Shakespeare que

percebeu a “potencialidade trágica da história ao ler Gorboduc, de Norton Sackville,

tragédia senequiana inglesa, na qual tudo acontece porque um rei divide seu reino

ainda em vida entre dois filhos.” (HELIODORA In SHAKESPEARE, 1998:5).

De maneira semelhante, como relata PEARY (1986), a parábola das flechas de

Motonari Mori é lendária no Japão e Kurosawa decidiu focar Ran na conhecida

história ao perceber a potencialidade trágica: “Quando eu li que três flechas juntas

eram invencíveis, eu comecei a duvidar e foi quando comecei a pensar: a casa era

próspera e os filhos eram corajosos. O que seria se esse homem fascinante tivesse

filhos maus?”11

É precisamente esse processo de criação, ou criação poética, que Gastón

Bachelard, filósofo e poeta francês, estuda em sua obra A Poética do Espaço. O

método de investigação utilizado é a fenomenologia, da qual mantém a idéia de

estudar as imagens poéticas por si mesmas, no momento em que emergem na

consciência, bem como a repercussão dessa imagem no sujeito-ouvinte-leitor. Para

isso, BACHELARD (1993:7) faz uso dos conceitos de “repercussão e ressonância”:

Na ressonância ouvimos o poema; na repercussão o falamos, ele é nosso. A repercussão opera uma inversão do ser. Parece que o ser do poeta é o nosso ser. A multiplicidade das ressonâncias sai então da unidade de ser da repercussão. (...) A exuberância e a profundidade de um poema são sempre fenômenos do par ressonância-repercussão.

A conseqüência desse intenso envolvimento do leitor com o poema é a

ocorrência de multiplicidade de ressonâncias. A repercussão provoca “um verdadeiro

despertar da criação poética na alma do leitor.” Esse criador, ou poeta, tem como

ofício a “tarefa subalterna de associar imagens”. E propõe “considerar a imaginação

como uma potência maior da natureza humana” e de que “a imaginação é a faculdade

de produzir imagens”. (BACHELARD, 1993:7,11,18)

Kurosawa, em uma entrevista concedida a jovens aspirantes a cineasta, em

1975, revelou a fonte de sua imaginação como roteirista dizendo que “o poder da

11 “When I read that three arrows together are invincible, I started doubting, and that's when I

started thinking: the house was prosperous and the sons were courageous. What if this fascinating man had bad sons?”

9

memória dá origem ao poder da imaginação”. Desde jovem tinha o hábito de anotar

suas impressões de leitura e quando escrevia um roteiro, eram essas anotações que

relia (KUROSAWA, 1983). Ele aconselhou os jovens a lerem e a estudarem o que

consideram ser os grandes romances e dramas do mundo e perguntar: De onde vem as emoções que você sente quando os lê? Que grau de paixão os autores tiverem que ter? Que tipo de meticulosidade teve que dominar para retratar os personagens e os acontecimentos como ele fez? Deve ler cuidadosamente até o ponto que você possa compreender todas essas coisas. (...) Ler a literatura clássica mundial como uma forma de treinamento e reler as obras dos seus autores favoritos “repetidas vezes,” então ler e escrever torna-se habitual.12 (PRINCE, 1999:125)

BACHELARD (1993:10) explica o fenômeno descrito por Kurosawa da

seguinte maneira: todo leitor que relê uma obra que ama sabe que as páginas amadas lhe dizem respeito. (...) Em certas leituras que vão ao fundo da simpatia, na própria expressão somos “parte beneficiada”. (...) Nessa admiração que ultrapassa a passividade das atitudes contemplativas, parece que a alegria de ler é o reflexo da alegria de escrever, como se o leitor fosse o fantasma do escritor..

Sobre Shakespeare”, disse Kurosawa, “eu não sou um especialista, apenas um

leitor. Se você me citar alguma linha, eu não saberia.”(In PEARY, 1986). No entanto,

percebemos nele um leitor apaixonado, em quem o fenômeno da “repercussão-

ressonância” operou de maneira produtiva. Antes de Ran, o filme Trono de Sangue13

(1961) foi canonizado como “obra prima” por Peter Brook e “o melhor dos filmes de

Shakespeare”, por Grigori Kozintsev (JORGENS, 1979:153) e Stephen Spielberg

falou sobre Kurosawa: “Ele é o Shakespeare pictórico do nosso tempo”14. De

Shakespeare, o diretor japonês realizou ainda Os Maus Dormem Bem15 (1960),

inspirado em Hamlet.

12 “Where does the emotion come from that you feel as you read them? What degree of

passion did the authors have to have, what level of meticulousness did he have to command, in order to portray the characters and events as he did? You must read thoroughly to the point where you can grasp all these things. (…) Read the world´s classic literature as a form of training and reread the works of favorite authors “again and again” reading and writing must become habitual”.

13 Também conhecido como Trono Manchado de Sangue. O subtítulo oficial em inglês é Throne of Blood, mas a tradução mais literal do título em japonês é Spider Web Castle ou Castelo de Teia de Aranha.

14 New York Post, 7/9/1998 15 Tradução do título em inglês, The Bad Sleep Well, porém é conhecido também como The

Worse You Are, The Better You Sleep que corresponde melhor ao título em japonês, Warui Yatsu Hodo Yoku Nemuru. Em português seria Quanto Pior Você é, Melhor Dorme.

10

4.2 TEXTOS LITERÁRIOS

Eu li Shakespeare e escritores russos como Dostoyevsky e Gorky muitas vezes, mas jamais permitiria que me levassem a fazer um filme até que eu os tivesse assimilado por completo. Somente então, posso fazê-los surgir naturalmente como se fizessem parte de minha própria escrita.“ (PRINCE, 1999:126)16

Além de Shakespeare, Kurosawa era fascinado por literatura russa. WALSH

(1998), conta o que o diretor disse sobre Dostoyevski: “Não conheço ninguém tão

compassivo... pessoas comuns tiram seus olhos da tragédia; ele olha direto para ela.”17

Essa visão que Kurosawa passa para o cinema, tem origem num episódio da infância

que conta em sua autobiografia, no capítulo “Um evento horrível” (KUROSAWA,

1983)18: em setembro de 1923, Kurosawa e seu irmão, Heigo, caminhavam pela cidade

de Tóquio, observando a morte e destruição causada pelo Terremoto Kato e seu irmão

o forçava a ver as centenas de corpos que encontravam pelo caminho. No dia seguinte,

comentou com o irmão que não teve nenhum pesadelo, apesar da cena que presenciara.

Seu irmão respondeu, “Se você fecha seus olhos para uma cena aterrorizadora, vai

terminar ficando com medo. Se você olha para tudo diretamente, não há nada a temer.”

Realizou também adaptações da obra de Dostoyevsky, em O Idiota (1951),

Gorky, em Ralé (1957), o filme Viver (Ikiru - 1952) tem influências de Tolstoy (A

Morte de Ivan Ilych) e Vladimir Arseniev, em Dersu Uzala (1975).

Além de autores russos, adaptou o romance King´s Ransom, do norte americano

Evan Hunter, em Céu e Inferno (1963) e vários de autores japoneses como: Tsuneo

Tomita, em Sanshiro Sugata (1943); Ryunosuke Akutagawa, em Rashomon (1950),

Shinobu Hashimoto, em Dodeskaden (1970); Kyoko Mura, em Rapsódia em Agosto

(1991); Hyakken Uchida, em Madadayo (1993).

16 I´ve read Shakespeare and Russian writers like Dostoyevsky and Gorky many times, but I

would never let them lead me into making a filme untill I have thoroughly assimilated them. Only then, can I let it come out naturally as if it´s part of my own writing”

17"I know of no one so compassionate.... Ordinary people turn their eyes away from tragedy; he looks straight into it."

18 Disponível em: <http://tags.library.upenn.edu/tag/childhood+kurosawa> acesso em: 16 Jun 2007.

11

Da literatura tradicional japonesa a inspiração veio de Contos de Genji e

Contos de Heike. Genji Monogatari (Contos de Genji) é considerado o primeiro

romance literário de todos os tempos (por volta do ano 1000). Escrito por Murasaki

Shikibu, uma dama da corte do período Heian (794 d.C a 1192 d.C), tem 54 capítulos e

conta a história de um príncipe em busca do amor e sabedoria, descrevendo a vida da

sociedade aristocrática nos séculos X e XI.

FIGURA 1 – CONTOS DE GENJI

A ascensão dos guerreiros aristocratas regionais à classe dominante gerou um

período de cerca de 150 anos a partir do final do século XII, em que se popularizam os

contos de guerra, Heike Monogatari, ou Contos de Heike, escrito por volta de 1223,

retrata a ascensão e queda do clã Taira (Heike), com ênfase em suas guerras com o clã

Minamoto (Genji).19 É desse período a concepção das artes unidas pela aristocracia

civil e pela cultura militar, que constituem a base de tradição estética japonesa como o

Sumi-ê, pintura monocromática com tinta preta; o cha-no-yu, cerimônia do chá; o

19 informações do Museu de Arte Fuji de Tóquio. Disponível em:

<www.pr.gov.br/mon/exposicoes/japao/release_japao.doc> acesso em 13 Jun 2007

12

ikebana, arte floral japonesa; o karesansui, jardim de pedra e areia e outras artes da

época utilizadas por Kurosawa como: a perspectiva da pintura da Escola Tosa, a

referência literária de Contos de Genji, o épico dos Contos de Heike e a estética do

teatro Noh.

4.3 O TEATRO NOH

Recorrente na obra de Kurosawa, os elementos do teatro Noh aparecem também

no filme Trono Manchado de Sangue, criando o que PRINCE (In: “Real Fusion of

film and theatre) chama de “real fusão do cinema e teatro”. O Noh por sua vez, funde a

poesia, o teatro e a música e envolve diversos elementos: música vocal, música

instrumental, bailado, teatro, máscaras, literatura, arquitetura e figurino suntuoso. O

teatro Noh é uma combinação da dança ritualística shintoísta, a dança da corte dos

guerreiros, a pantomina sagrada budista e a poesia lírica da corte. “Surgiu 100 anos

antes de Shakespeare e sua continuidade não foi interrompida até hoje”. (POUND,

1917:104). Kurosawa amava o Noh e dele dizia: “O Noh é uma forma de arte

totalmente exclusiva já que não existe em nenhum outro lugar no mundo”20

No filme Ran, Kurosawa tomou emprestado do Noh: a estrutura de três partes

da narrativa jo, ha, kyu (introdução, contraste, capitulação); o cenário: paisagem

natural e despovoado; a maquilagem imitando a máscara nos personagem Hidetora e

Kaede; a música que utiliza flauta e tambores para reforçar a expressão dramática das

imagens visuais, simbolizando a dor, sofrimento, pranto, nas cenas em que o diretor

suprime o som incidental; os gestos ritualísticos na interpretação dos atores e o

figurino esplêndido. Este último conquistou o Oscar de figurino em 1985, sendo a

designer Emi Wada responsável pelos 1.400 figurinos confeccionados a mão, por

mestres artesãos, em Kyoto. Cada traje levou cerca de 3 a 4 meses para ser

confeccionado, totalizando três anos para terminar.

O universo fantástico do teatro Noh, que explora o tempo mitológico, serve ao

propósito de Kurosawa para fazer-nos sentir como Claudius, tio de Hamlet (Ato II,

20 "The Noh is a truly unique art form that exists nowhere else in the world.” Disponível em:

<http://akirakurosawa.info/akira-kurosawa-quotes/kurosawa-quotes-screenplay/> acesso: 7 Jun 2007

13

Cena III), confrontados com a verdade através do teatro, como veremos adiante, na

Análise da Flecha.

4.4 PINTURA

Com relação à pintura tradicional japonesa, Kurosawa se inspira na perspectiva

da vista de cima para baixo da Escola Tosa, que tem como característica o uso de

nuvens douradas para enquadrar as cenas, permitindo ao leitor uma visão clara do que

acontece dentro dos edifícios e das batalhas. A Escola Tosa é baseada no Yamato-e,

estilo nativo de pintura japonesa, tradicionalmente usada para ilustrar os Contos de

Genji.

O crítico de cinema SATO (1999), conta que: “Kurosawa Akira começou sua

carreira como pintor e ele tinha um especial talento – até obsessão em criar drama

através de imagens, na qual cada quadra do filme é tratado literalmente como uma

pintura. (...) estas pinturas não são simples story boards para o filme, mas nos dão uma

compreensão fascinante da natureza da imaginação de Kurosawa”.21

Donald RICHIE (1996) lembra que, em 1978, foi visitar o diretor em seu

escritório na Toho justamente quando ele estava envolvido com o projeto do filme

Kaguemusha (A Sombra do Samurai): O trabalho consistia em desenhar e pintar. Estava sem dinheiro para filmar – tendo se tornado famoso por estourar orçamentos, prazos, recomendações, ordens de produtores e empresas produtoras – tudo para criar o filme perfeito, sem concessões. Para fixar na memória o próximo filme que queria rodar, ele o estava fazendo à mão. Uma imagem após outra de samurais, batalhas, cavalos. Suas grandes mãos de artesão estavam pintando uma cena atrás da outra, com movimentos rápidos e seguros. Ele sempre sabia exatamente o que queria fazer. O filme inteiro estava em sua cabeça e emergia através de seus dedos. Como não tinha dinheiro, faria o filme no papel. Que outro diretor – perguntava-me – faria isso, teria tal cuidado e estaria tão imune ao desespero? O filme Kaguemusha foi realizado em dois anos graças ao apoio de seus

admiradores, George Lucas e Francis Ford Coppola que produziram o filme. No caso

21 “Kurosawa Akira started out his career as a painter and he possessed a special talent –even

obsession- for creating drama through images in which each frame of the film is treated literally like a picture. (…)these paintings are not simply story boards for the movies, but give us fascinating insights into the nature of Kurosawa´s imagination.”

14

de Ran, teve que esperar mais: 10 anos, pelos mesmos motivos - o recurso financeiro

veio de Serge Silberman, produtor francês que anteriormente tinha realizado O

Discreto Charme da Burguesia e Aquele Obscuro Objeto de Desejo, ambos dirigidos

por Louis Buñuel.

Nesse tempo de espera, Kurosawa produziu uma série de litografia de seu story

board do filme Ran, e algumas reproduções foram publicadas posteriormente como

um livro, juntamente com o roteiro do filme. Algumas dessas gravuras ilustram esta

monografia e, ao observarmos a fidelidade com que foram retratadas no filme, em

termos de figurino e maquilagem, concordamos com KOBAK de que nos dá a

impressão de que “emergiram direto do papel para o filme”. Sobre seu estilo de

pintura, SATO (1999) descreve que: Seus trabalhos eram caracterizados por composições de violento movimento que transbordam sobre a borda da tela, cores intensas e vibrante tridimensionalidade, qualidades que são completamente distantes da corrente principal da pintura japonesa e da pintura tradicional acadêmica. Elas exibem qualidades muito próximas à herança da gravura ukiyo-e e arte folclórica, como se vê na pintura tradicional das pipas.22

FIGURA 2 – HIDETORA

22 His works are characterized by compositions of violent movement that spill over the edges

of the canvas, intense colors, and vibrant three-dimensionality, qualities that are quite far afield from

15

4.5 CINEMA

Além da literatura, Kurosawa tinha uma grande admiração pelo cinema mudo,

assistiu a muitos deles quando seu irmão Heigo foi Beshi, ou narrador de filmes

mudos: “Eu gosto de filmes mudos (...) Frequentemente eles são muito mais bonitos

do que filmes sonoros. Talvez tenham que ser. Em uma certa medida, eu quero

restaurar algo dessa beleza.” (RICHIE, 1996:112)

Kurosawa, em sua autobiografia listou cerca de 100 filmes que o

impressionaram durante sua infância e juventude: obras dos diretores Griffith, Chaplin,

Stroheim, Victor Sjöström, Lupu Pick, Daisuke Ito. (PRINCE, 1999:20). Outros

cineastas favoritos eram: Kajiro Yamamoto, de quem foi assistente, Eisenstein, Frank

Capra e John Ford. Sobre o último diretor, Chris Marker registrou em seu

documentário A.K.(1985) a história do encontro entre os dois: “Ford disse

simplesmente ´você realmente gosta de chuva´, ao que Kurosawa respondeu ´você está

realmente prestando atenção em meus filmes´.”

A chuva é uma temática constante na obra de Kurosawa, como na seqüência de

abertura de Rashomon, na batalha final de Os Sete Samurais e o nevoeiro em Trono de

Sangue. YOSHIMOTO (2000:429) observa que “o que está sensivelmente ausente em

Ran é a imagem característica de Kurosawa, a chuva. (...) É o sol incandescente que

leva Hidetora à loucura e os Ichimonji à sua auto-destruição”23. A escolha do elemento

fogo será analisada no capítulo da Imagem da Flecha, nesta pesquisa.

Kurosawa foi um cineasta completo, que participava de todas as etapas de

realização de um filme: além de desenhar as cenas e personagens, dirigia, escrevia o

roteiro com mais duas pessoas, mas sempre reservando para si a tradução da prosa

para a imagem visual; e ele mesmo editava seus filmes, considerado por muitos um

mestre no assunto. Ran é seu 27º filme, do total de 30, portanto uma obra de sua

maturidade tanto artística quanto de idade: tinha 75 anos quando filmou. Entre os

prêmios que recebeu, destacam-se: Oscar de Melhor Figurino, em 1985; 2 prêmios no

the mainstream Japanese painting an the painting of more academic traditions. They display qualities much closer to the heritage of ukiyoe-e prints and folk art such as seen in traditional kite painting.

23 “What is conspicuously absent in Ran is Kurosawa´s signature image, the rain. (…) It is the blazing sun that leads Hidotora to madness and the Ichomjis to its self-destruction.”

16

BAFTA (British Academy of Film and Television Arts), nas categorias de Melhor

Filme Estrangeiro e Melhor Maquiagem; Prêmio Bodil (Associação de Críticos de

Cinema de Copenhaguen) de Melhor Filme Europeu; Prêmio OCIC (Organisation

Catholique Internationale du Cinema et de l´Audiovisuel), no Festival Internacional de

San Sebastian.

5 A RESSONÂNCIA E A REPERCUSSÃO DA FLECHA

Para a análise da imagem da flecha e sua repercussão no filme Ran, tomamos

como ponto de partida o que BACHELARD (1993:11-12) diz sobre a imagem poética:

“Um grande verso pode ter uma grande influência na alma de uma língua (...) o verso

tem um movimento, a imagem se escoa na linha do verso, arrasta a imaginação como

se esta criasse uma fibra nervosa.”

Como vimos anteriormente, de acordo com o relato do próprio Kurosawa em

entrevista a Gerald PEARY (1986), Ran nasceu de sua reflexão sobre a parábola da

flecha de Motonari Mori e podemos supor, considerando o processo de criação do

diretor, que a imagem da flecha repercutiu em sua memória nas impressões de leitura

de Rei Lear, de Shakespeare. Assim, seguindo Bachelard, consideramos a frase de

Lear, no Ato I, Cena I, e sua repercussão-imagens em Ran.:

Lear se dirige a Kent, que tentava dissuadi-lo do banimento de Cordélia: Lear: Foge da flecha de um arco teso. [grifo nosso] 24

A imagem da flecha percorre o filme e registramos quatro momentos bastante

marcantes em que esta imagem adquire grande força expressiva. A primeira

repercussão-imagem é na cena de abertura: uma caçada, onde Hidetora, o daimyo25 do

24 Todas as citações da peça Rei Lear, apresentadas nesta pesquisa, correspondem à tradução

de Barbara Heliodora (SHAKESPEARE, 1998) 25 Literalmente, Grande Nome – senhores feudais poderosos do período entre os séculos XII

e XIX da história do Japão.

17

clã Ichimonji, aparece, montando um cavalo, empunhando um arco teso, exatamente

como na pintura do próprio diretor (figura 3). Na iminência do disparo, a imagem é

cortada e passa para o título do filme, em caligrafia kanji de cor vermelha (figura 4),

escrito Ran, que significa “contenção”, “desordem” ou “caos”, como foi traduzido o

título do filme em inglês.

FIGURA 3 - CAÇADA

FIGURA 4 – IDEOGRAMA “RAN”

18

A segunda repercussão-imagem da flecha ocorre no capítulo 2, quando Hidetora

reúne os filhos, servos e os dois senhores feudais convidados, Fujimaki e Ayabe, para

comunicar a sua decisão de transferir a autoridade e o governo de seus domínios para o

filho mais velho, Tarô. Na ocasião, utiliza a parábola das três flechas, de Motonari

Mori, dando a cada um dos três filhos uma simples flecha e pedindo-lhes que a

quebrassem. Depois disso, coloca as três flechas unidas num feixe, passando-o para

Tarô e Jirô que não puderam rompê-lo, demonstrando dessa maneira que uma flecha é

fácil de quebrar, mas três juntas são muito mais resistentes, fazendo referência à união

dos três filhos para manter o clã sob a direção do primogênito. Esse argumento foi

contestado pelo terceiro filho, Saburô, que quebra as três flechas com o joelho,

argumentando contra a decisão do pai, chamando-o de “velho e tolo”. A pintura de

Kurosawa retrata os personagens dispostos como no teatro Noh, em uma paisagem

natural, ampla e vazia, com o personagem principal centralizado e circundado pelos

demais, à sua esquerda e à direita, todos ricamente vestidos, como na figura 5. O filme

reproduz fielmente a cena, onde a formalidade dos gestos estilizados dos atores

contrasta com a intensidade dramática na seqüência das reações provocadas pelo

anúncio repentino e insensato de Hidetora.

FIGURA 5 - ANUNCIO

19

A terceira imagem-repercussão na qual podemos identificar o fenômeno

sugerido por Bachelard está no capítulo 3 do filme, ocasião em que Hidetora de uma

das janelas do castelo, atira uma flecha e mata um dos servos do filho Tarô, que estava

investindo contra o bobo, Kyoami, envolvido na confusão que se formou no pátio

entre os soldados de Hidetora e de Tarô, na disputa pela insígnia do clã. O filho Tarô

entregou a insígnia aos soldados de Hidetora, mas sua mulher, Lady Kaede, o

persuadiu a obtê-la de volta, como símbolo de poder e autoridade do chefe do clã,

iniciando assim os desentendimentos que levam Hidetora a sair do primeiro castelo,

com toda sua corte: 30 soldados, mulheres e servos. A pintura que corresponde à cena

da flecha, aparece abaixo, na figura 6:

FIGURA 6 – HIDETORA NA JANELA

20

E a repercussão final da imagem da flecha se dá no capítulo 7, na cena de

batalha e do incêndio do terceiro castelo. Depois de deixar o primeiro castelo, Hidetora

se dirige ao segundo castelo, de seu filho Jirô, mas não é bem-vindo, uma vez que seu

filho Tarô já informara o irmão do incidente entre os soldados, recomendando que não

o recebesse lá. Jirô diz ao pai que poderia recebê-lo se estivesse só, ao que Hidetora

responde que somente os pássaros e as bestas vivem só. Indignado, sai do segundo

castelo e vaga pela planície, até que seus generais lhe sugerem ir ao terceiro castelo, já

que Saburô e seus soldados estavam exilados. Mas era uma emboscada. Hidetora

acorda no meio da noite ouvindo um barulho e movimentação incomum. Quando

alcança a janela, vê com horror que está sendo atacado pelos exércitos de Tarô (cor

amarela) e Jirô (de cor vermelha). Não só vê com os olhos, mas também com os

ouvidos, como sugere o Rei Lear a Gloucester cego, no Ato IV, cena VI, pois junto à

janela o que ouve é o som de muitas flechas que cortam o ar, de um lado para outro.

- Lear: “O quê? Está louco? O homem pode ver como anda esse mundo sem os olhos. Olhe com as orelhas...”26

Ao descer as escadas, Hidetora encontra um de seus soldados muito ferido, para

confirmar-lhe o ataque e saber que foi traído pelos seus dois generais. Em outra sala

assiste ao suicídio simultâneo de duas de suas mulheres e o aniquilamento de seus

soldados, numa luta desigual. Tenta reagir, mas está cercado, tenta o seppuku, suicídio

honroso, mas não encontra nenhuma espada para realizar o ato.

FIGURA 7: INSIGHT

26 Esta frase de Lear reverbera na peça e no filme em várias imagens que poderiam ser analisadas como fenômenos de repercussão de Bachelard, mas, para o momento, foge ao assunto tratado.

21

Neste ponto, há uma manipulação sonora do diretor, que concorre para que a

imagem da flecha adquira uma força ainda maior: ao suspender o som incidental da

batalha, o que se ouve é a fúnebre música do compositor Toru Takemitsu, com

sonoridade semelhante à das flechas. Aqui vale citar Stu Kobak, cuja descrição da

cena é extremamente precisa: “O som parece uma superposição de flechas cortando o

ar, fazendo estremecer o Grande Senhor.”27 Ao mesmo tempo, a câmera se

movimenta, sem primeiros planos, apenas em planos gerais e de conjunto, formando

composições de quadros, mostrando uma seqüência de morte e destruição, cenas cruéis

e sangrentas de massacre dos soldados fiéis a Hidetora e a matança entre os exércitos

de seus filhos.

Kurosawa explicou ao crítico de cinema, Michael SRAGOW (2000), em 1986,

que a música de Takemitsu surge para representar os sentimentos dos deuses: “O que

eu estava tentando colocar em Ran, e isto está lá desde o roteiro, era de que deuses ou

Deus ou quem quer que esteja observando os eventos humanos está sentindo tristeza

de como os seres humanos destroem uns aos outros e impotente para atuar sobre o

comportamento do ser humano.”28 Uma música que começa melancolicamente, como

um lamento e vai num crescendo, dando a impressão de soluços.

Podemos presumir que se fosse um filme de ação de guerra, primeiramente o

soldado teria avisado Hidetora sobre a emboscada, o ataque dos exércitos de seus

filhos e a traição dos generais, mas como se trata de uma obra que, conforme estamos

argumentando, amplia a imagem da flecha sugerida por Shakespeare, a construção se

dá de forma gradual: primeiro, Hidetora vê com os ouvidos – ouve as flechas no ar,

depois vê com os olhos, da janela, o ataque conjugado dos dois exércitos, para

somente então, descer as escadas e encontrar o soldado verbalizar os acontecimentos e

concluir: “isto é o inferno!”. A imagem de inferno sugerida pelo soldado é retratada no

filme em quadros estáticos, como numa seqüência de pintura: corpos mutilados,

guerreiros ensangüentados e enlouquecidos, amontoados de mortos.

27 “The sound is like wave upon wave of arrows slicing through the air, quivering into the

great Lord”. In: The Epic Image of Kurosawa.

22

(Cena do filme) (pintura de Kurosawa) ,

FIGURA 8 – GUERREIROS

Kurosawa se utiliza de composição estática, em uma perspectiva vista de cima,

como nas pinturas da Escola Tosa29, estilo nativo de pintura japonesa, onde a presença

de nuvens douradas cria um distanciamento, fazendo com que o espectador se sinta

paradoxalmente como deuses, observando a batalha de cima e, ao mesmo tempo,

impotentes por não poderem interferir na ação dos homens.

FIGURA 9 – CENA ILUSTRADA DE CONTOS DE GENJI

(Acervo do Museu de Arte Fuji, de Tóquio)

28 “What I was trying to get at in 'Ran,'" he said, "and this was there from the script stage, was

that the gods or God or whoever it is observing human events is feeling sadness about how human beings destroy each other, and powerlessness to affect human beings' behavior.”

29 Estilo de pintura tradicional japonesa usado para ilustrar os Contos de Genji

23

FIGURA 10 – BIOMBO: BATALHA DE ICHINOTANI

(batalha entre os Genji e os Heike, clãs guerreiros - Acervo do Museu de Arte Fuji, de Tóquio

O crítico de cinema, JACOBSON (2005) relata que o próprio Kurosawa

comentou que “diferente de Kaguemusha30, onde o ponto de vista do impostor fez com

que a história se tornasse bem terrena, Ran se desenvolve mais de um ponto de vista

celestial, onde até mesmo Hidetora não é tanto o foco, mas uma figura sendo arrastada

ao longo da corrente de sua própria tragédia.”31

Enquanto nós, como espectadores, estamos envolvidos nesse ponto de vista

mencionado por Jacobson, de repente, somos inseridos abruptamente na cena de

batalha, quando se ouve um único tiro de mosquete que mata o Lord Tarô. A sensação

é como se caíssemos das nuvens bem no meio dos combates. A partir desse tiro de

mosquete, Kurosawa introduz no filme toda a intensidade dos sons incidentais da

guerra: tiros, sons da cavalaria, infantaria, gritos.

É em meio a esse clima de caos e confusão, na posição de vencido, que

Hidetora se dá conta do erro de discernimento em relação aos seus filhos e dos

inúmeros crimes que cometeu. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que ganha o

entendimento, perde a razão e sai do castelo, sozinho, sem destino.

30 Filme de Kurosawa, A Sombra do Samurai, realizado em 1980. 31 “Unlike Kaguemusha where the point of view of the imposter made the story very

earthbound, Ran was more from a heavenly point of view, where even Hidetora is not so much a focal point as a figure being swept along by the tide of his own tragedy. “

24

Os guerreiros de ambos os lados, atônitos, deixam passar o Grande Senhor

visivelmente perturbado.

FIGURA 11 – TERCEIRO CASTELO EM CHAMAS

Um paralelo pode ser estabelecido com a cena em que o Rei Lear, traído pelas

filhas, desprotegido, sai errante, em companhia apenas do Bobo e de Kent: Um Cavalheiro responde à pergunta “Aonde está o Rei”, de Kent: lutando com os inquietos elementos pede ao vento que o mar afogue a terra, ou que subam as águas para os montes, que tudo cesse ou mude: se desgrenha,...” (Rei Lear, Ato III, Cena I)

Dirige-se aos céus, porque não tem mais a quem se dirigir:

Soprai ventos; rasgai a face em fúria! Vós cataratas e tufões, jorrai E afogai campanário e catavento! Fogos de enxofre, que sois tão velozes Quanto as idéias, e que sois arautos Dos raios que bifurcam os carvalhos, Queimai minha cabeça branca. E vós, Trovão que tudo treme, golpeai A espessura rotunda deste mundo! Quebrai a forma e ora espalhai os germes Da natureza que faz o homem ingrato! (Rei Lear, Ato III, Cena II)

25

Sua paixão, seu sofrimento é da ordem dos deuses e só a própria natureza

oferece interlocutor à altura. A natureza em fúria também é a expressão do estado

interior do rei que, na medida em que compreende, enlouquece: Esperais que eu chore? Não, não hei de chorar: Tenho causas pra isso, (ouve-se a tempestade ao longe) mas o peito há de romper-se em cem mil estilhaços Antes que eu chore. Bobo, eu enlouqueço!”(Rei Lear, Ato II, Cena IV)

Várias são as possibilidades interpretativas desta cena - Grigori Kotzintsev,

cineasta russo que realizou Karol Lear, em 1969, utilizou a tempestade de água como

elemento da natureza no momento da compreensão da realidade por Lear. Kurosawa

faz outra escolha: o fogo, trazido pelas flechas voadoras que atingem o terceiro

castelo.

FIGURA 12 – O FOGO E AS FLECHAS

Em uma análise mais detalhada do trecho do solilóquio de Lear em que se

dirige à natureza, percebemos os dois elementos: “água” e “fogo” nos versos, além do

elemento “ar”, presente no “vento”, utilizado por ambos os diretores. A presença do

“fogo” está nas imagens como: “Fogos de enxofre que sois tão velozes / Quanto as

idéias”; nos “raios que bifurcam os carvalhos” e em “Queimais minha cabeça branca”.

BACHELARD (1999:25) nos diz que “O fogo sugere o desejo de mudar, de

26

apressar o tempo, de levar a vida a seu termo” e nos ajuda a compreender

que ‘se tudo o que muda lentamente se explica pela vida, tudo o que muda

rápido se explica pelo fogo”32.

Se Lear é um rei que se define como “Sou pecador/contra quem inda

mais outros pecaram”33, este não é o caso de Hidetora, que menciona

claramente aos seus filhos e súditos, no capítulo 2 do filme, que nasceu em

um castelo modesto e os seus domínios foram conquistados graças às

sucessivas batalhas ao longo de mais de cinqüenta anos, tendo começado

quando ainda era um rapaz de 17 anos. Por isso, seu despertar para discernir

a real natureza da situação não poderia ser diferente: como um fogo

consumidor interno e externo, que reconhece sua responsabilidade na morte

de seus súditos leais e sua culpa nas atrocidades cometidas durante suas

conquistas, incluindo as famílias de suas duas noras: Sue, a esposa de Jirô,

cuja família ele destruiu, queimando seu castelo e cegando seu irmão,

Tsurumaru; e Kaede, esposa de Tarô, de cuja família usurpou o castelo,

matando toda sua família, gerando o sentimento de vingança que sua nora

realiza, destruindo o clã Ichimonji. Kaede é inspirada em Goneril, mas

Kurosawa fez dela um personagem muito mais complexo e dramático,

revelado aos poucos, na medida em que conhecemos o seu passado e a

história de sua família.

A percepção do Rei Lear se converte em uma nova atitude, na

trajetória de transformação de um rei acostumado a pompas para um ser

humano mais compassivo: primeiro, quando Kent avista uma choupana, Lear

externa preocupação pelo bem estar do Bobo:

Meus sentidos vão-se. Vem, menino. Como estás? Tens frio?

Eu tenho frio. Onde há palha, homem? É estranha a arte da necessidade Que faz precioso o vil. Que é da choupana? Meu Bobo safado, parte do meu peito Sente pena de ti. (Rei Lear, final da Cena II, do Ato III)

32: “Si tout ce qui change lentement s´explique par la vie, tout ce qui change vite s´explique

par le feu”. 33 Rei Lear, Ato III, Cena II, diálogo entre Lear e Kent.

27

Em seguida, antes de entrar na choupana, (deixando o bobo entrar

primeiro), temos um dos seus mais belos solilóquios:

... (para o Bobo) Vai, menino. Vocês que não têm casa...

...Desgraçados sem roupa, onde estiverem, Enfrentando o açoite da tormenta, Como poderiam assim, com flancos magros, Os seus trapos rasgados defendê-los De tempo assim? Ai eu cuidei bem pouco De tudo isso. Cuida-te, Pompa;... (Rei Lear, Ato III, Cena III)

A título de ilustração, vale lembrar outra interpretação tocante desta mesma

cena, na qual o diretor Kotzintsev privilegia uma leitura social deste solilóquio.

Diferente do texto de Shakespeare, em que a fala acontece antes de o rei entrar na

choupana, no filme, Edgar, que está dentro da choupana, vê Lear se aproximar e vai se

esconder no meio da palha. No mesmo instante em que Edgar está se escondendo e

Lear está entrando, a câmera revela que há um amontoado de gente maltrapilha na

choupana e é nesse instante que o rei faz essa fala, dirigindo-se a esse povo miserável,

dando uma dimensão nova ao solilóquio. Dimensão esta entendida por RASMUS

(1996:151), de que “o cinema é primeiramente um meio visual (...) o público

elizabetano ia ao teatro para “ouvir” uma peça; o público contemporâneo vai para

“ver” um filme.”34

A cena da choupana é o momento central da percepção de ambos: para Lear é

um reconhecimento do papel social do governante e da descoberta da essência humana

no indivíduo; para Hidetora, um reencontro com Tsurumaru, herdeiro de um clã rival

vencido, que mora escondido em uma edificação muito precária, cego e sozinho,

disfarçado de mulher. O fiel servo Tango (equivalente a Kent, de Lear) leva o Grande

Senhor desvairado e exausto, para o único abrigo com teto que encontrou. Lá, depois

de revelada a identidade, Tsurumaru menciona a flauta, um presente que ganhou de

sua irmã, Sue, e a única companhia de sua vida solitária. Faz questão de tocar a flauta

para Hidetora. A música que soa/ecoa, um solo em tons agudos, repercute em Hidetora

34 “the cinema is primarily a visual medium (…) Elizabethans went to “hear” a play;

contemporary audience goes to “see” a movie”.

28

de maneira acentuada, como se ele ouvisse (ou visse pelos ouvidos), todo o

sofrimento, ampliando a tensão emocional e a crise mental. Aqui, o elemento sonoro é

utilizado como um solilóquio, para precipitar o sofrimento, tanto de Tsurumaru,

quanto de Hidetora. PARKER (1991: 75-90) enfatizou a cena que segue no filme: "a

parede literalmente vem abaixo, sob o peso da culpa de Hidetora.”35 A parede, símbolo

de proteção e limite de Hidetora, cai quando ele percebe com clareza, a profundidade e

a dimensão da destruição causada por ele e a aceitação imediata de que é uma grande

loucura.

A natureza da loucura de Lear e Hidetora é, portanto, diferente. Em Lear, no

Ato IV, Cena VI, é uma loucura paradoxal, que suscita o seguinte comentário de

Edgar, ao ouvi-lo falar: Edgar (à parte) Verdade e irrelevância se misturam; Razão na loucura. (Ato IV, Cena VI) Gloucester também comenta, no final da Cena VI, Ato IV: O Rei ´stá louco: é vil que eu continue De pé a rebuscar os sentimentos De minhas dores! Antes ´star insano: Pensamentos e dores separavam-se, E o sofrimento, solto o imaginar, Não mais se sentiria. A loucura de Lear minora o sofrimento, porque como os versos acima nos

dizem, “Pensamento e dores separavam-se”. No caso de Hidetora, Kiyoami, o Bobo,

define a loucura de seu amo da seguinte maneira: A mente falha vê as falhas do coração.36 GRILLI (2003), define Hidetora como “louco espectral” - o que o atormenta é a

consciência de sua crueldade como tirano que foi, e ele vaga como um fantasma pelas

ruínas do castelo que ele mesmo destruiu.

35 "the wall literally collapses under the weight of Hidetora's guilt" 36 “The failed mind sees the heart´s failings.”

29

Como conseqüência, a nova atitude do Daimyo não é compassiva como a de

Rei Lear. Kurosawa mostra a mudança de Hidetotra através da maquilagem que nos

remete às máscaras do tradicional teatro Noh.. Antes do discernimento/loucura, sua

expressão facial é a violenta e cruel máscara do demônio Akujô: sobrancelhas e olhos

arqueados para cima, pintura vermelha em volta dos olhos para realçar a expressão do

mal, cenho franzido em semblante severo e carrancudo.

FIGURA 13 – MÁSCARA AKUJÔ37

Depois da cena da choupana, seu rosto transforma-se na máscara de Shiwajô,

um espírito errante que vaga pelo mundo para redimir os seus pecados: seus olhos são

suavizados, o rosto é vincado e sofrido, seus gestos são atormentados.

FIGURA 14 – MÁSCARA SHIWAJÔ

37 As máscaras (Figuras 13 e 14) estão disponíveis em: http://nohmask21.com/ acesso em 14

Jun,2007

30

6 RAN, O ESPELHO DO HOMEM MODERNO

Essa trajetória de sofrimento de ambos é a própria trajetória de transformação

de um rei adulado e um senhor feudal tirano que se tornam pessoas mais humanizadas,

mais humildes, capazes de se humilharem e pedirem perdão a Cordélia / Saburô, e se

reconciliarem com eles. Essa é a parte confortante para o espectador, mas como

Shakespeare e Kurosawa viram uma tragédia nessa história, Cordélia e Saburô são

mortos e Lear e Hidetora também morrem.

Na última cena de Rei Lear, a reconciliação vem através do restabelecimento da

paz e da ordem social com Edgar e Albany, que assumem o governo do reino.

Também em Ran, a ordem social se restabelece com Fujimaki e Ayabe que se aliaram

no poder, depois do aniquilamento do clã Ichimonji. Mas Kurosawa faz um acréscimo,

aumentando o tom dramático na última cena do filme, colocando Tsurumaru, sozinho,

nas ruínas do muro do castelo que fora de seu pai, esperando pela irmã Sue, sem saber

que ela fora morta.

Cego, tateia o caminho e quando chega à beira do abismo, quase cai, recua, e o que lhe escapa das mãos é a figura do Buda que sua irmã lhe dera, para não deixá-lo sozinho. Kurosawa faz uso de jump cuts38, técnica em que ele era um mestre, para criar um distanciamento cada vez maior do quadro, nesta cena. Esse movimento cria um efeito de ligeira desorientação, sugerindo um mundo instável, inquietante e de rápidas mudanças. O que permanece em nossa retina é a frágil, minúscula e indefesa figura de Tsurumaru, diante do vasto precipício, tendo ao fundo um por do sol melancólico. Kurosawa comentou a cena dizendo: “o homem é perfeitamente só... Tsurumaru representa a humanidade moderna”(WATANABE, 1985).

38 Jump cut- radical transição entre uma cena e outra feita através de corte, na edição do

filme; a técnica quebra a continuidade no tempo e causa um efeito perturbador no espectador. Definição do dicionário eletrônico <www.answers.com > acesso em: 5 Mai 2007.

31

FIGURA 15 – CENA FINAL DO FILME (três progressivos “cut-ins” e “cut-outs” de Tsurumaru na cena final).

O mesmo homem moderno também é representado na literatura moderna por J.

Alfred Prufrock, personagem do poema de T.S. Eliot, Canção de Amor de J. Alfred

Profrock, um solilóquio em que questiona os valores, fala da solidão e de indecisões,

sente-se perdido. Segue um trecho do poema, traduzido por Ivan Junqueira39: Sigamos então, tu e eu, Enquanto o poente no céu se estende Como um paciente anestesiado sobre a mesa; (...) Tempo haverá, tempo haverá Para moldar um rosto com que enfrentar Os rostos que encontrares; Tempo para matar e criar, E tempo para todos os trabalhos e os dias em que mãos Sobre teu prato erguem, mas depois deixam cair uma questão; Tempo para ti e tempo para mim, E tempo ainda para uma centena de indecisões, E uma centena de visões e revisões, Antes do chá com torradas. (...) Pois já conheci a todos, a todos conheci - Sei dos crepúsculos, das manhãs, das tardes, Medi minha vida em colherinhas de café; Percebo vozes que fenecem com uma agonia de outono Sob a música de um quarto longínquo. Como então me atreveria?

À maneira de Prufrock, Hidetora, já louco, observa as ruínas do castelo onde se

encontra, acompanhado de Kiyoami:

Hidetora: Estou perdido...

Kiyoami: Assim é a condição humana.

32

O poema de Eliot traz a carga de angústia e a inquietude que o homem carrega

nos tempos modernos, ao lidar com o mundo caótico ao redor dele; BRADBURY

(1998:19) aponta alguns dos acontecimentos históricos como “trama do nosso caos”: a destruição da civilização e da razão na Primeira Guerra Mundial, do mundo transformado e reinterpretado por Marx, Freud e Darwin, do capitalismo e da contínua aceleração industrial, da vulnerabilidade existencial à falta de sentido ou ao absurdo, ... da destruição das noções tradicionais sobre a integridade do caráter individual... E podemos ainda adicionar: a transformação das comunidades rurais em

metrópoles urbanas, a Segunda Guerra Mundial e os regimes totalitários, o surgimento

da cultura de massa, entendendo a cultura como produto comercial. O acréscimo de

Kurosawa nesta cena final, que remete ao homem moderno em tom pessimista e triste

inspirou autores como o professor Antonio João Teixeira, da Universidade Estadual de

Ponta Grossa no artigo Ran, o Rei Lear Japonês40 a classificar o filme como niilista:

“o final niilista, que não vê saída para o caos, afirma características ligadas à cultura

japonesa.”

Transcrevo o comentário da cena final pelo professor: Parece-me que essa cena, em sua corajosa negação da possibilidade de restauração da ordem, ironicamente comenta a peça que lhe serviu como uma de suas fontes; o que torna Ran um filme questionador, porque ele não está preocupado com a centralidade do texto dramático. O filme deve muito a Rei Lear, sem dúvida, mas apesar dos acenos que faz em direção à cultura ocidental e do jogo de influências, empréstimos e homenagens, ele emerge como Ran, arte cinematográfica japonesa antes de tudo, não apenas o Rei Lear de Kurosawa.

Niilismo vem do latim “nihil”, ou “nada” e o mais conhecido sentido de

niilismo é de Nietzsche, para quem a essência consiste na morte de Deus, que

representa todos os valores, normas, ideais e princípios que davam orientação e

sentido. O Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa define nietzschianismo

da seguinte maneira: “negação, declínio ou recusa, em curso na história humana e

39 Disponível em: <http://www.casadobruxo.com.br/poesia/t/tse01.htm> acesso em: 10 Jun

2007. 40 Disponível em: <http://www.uepg.br/propesp/publicatio/hum/2004_2/01.pdf> acesso em:

10 Jun 2007.

33

especialmente na modernidade ocidental, de crenças e convicções - com seus

respectivos valores morais, estéticos ou políticos - que ofereçam um sentido

consistente e positivo para a experiência imediata da vida.”

O niilismo é impregnado de pessimismo, mas nem todo pessimismo é niilista.

Podemos dizer que Kurosawa usa um tom niilista, ao ambientar o filme na era da

guerra civil japonesa, época de conflito, traição, confusão e investidas militares, ao

mostrar como o mal atua na esfera individual e arrasta a todos, bons e maus,

provocando a derrocada das relações familiares e a catástrofe social.

Mas como PRINCE explicou, em seu artigo Shakespeare Transposed:

“Kurosawa dá-nos batalhas filtradas através de sua percepção, como um artista do

século XX, bem familiarizado com a chacina em larga escala de seu próprio tempo. O

senso apocalíptico nos seus filmes não é do século XVI, mas de agora.”41 Em outras

palavras, quando Kurosawa retrata o passado, ele se refere aos tempos modernos,

onde vivenciamos o caos de morte e destruição. O que ele faz é oferecer-nos um

espelho, como fez Hamlet, na cena III, ato II: “... oferecer como se fosse um espelho à

natureza, mostrar à virtudes seus próprios traços, ao ridículo sua própria imagem, e à

própria idade e ao corpo dos tempos, sua forma e aparência.“42

Nosso mundo hoje é o mesmo que Saburô define no capítulo 2 do filme: “um

mundo estéril de lealdade e sentimentos”, confirmado por RYOSUKE (2007), da

Universidade de Osaka, Japão, que disse: (...) deveríamos nos questionar se o niilismo que domina o mundo moderno não é de fato um “duplo” niilismo. A tragédia da “Morte de Deus” foi esquecida. Nós vivemos de uma maneira mais ou menos agradável, tendo os produtos de tecnologia ao nosso redor, temos algum divertimento, mas no fundo há uma sensação de mal estar, de angústia que não encontra paz e que está sempre crescendo.43

41 “Kurosawa gives us battles filtered through his perceptions as a 20th-century artist well

acquainted with the large-scale slaughters of his own time. The sense of apocalypse in the films is not of the 16th century but of now.”

42 SHAKESPEARE (2004), tradução de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça. 43 ”(…) we should ask ourselves if nihilism which dominates the modern world is not in fact

a ”doubled” nihilism. The tragedy of the Death of God itself has also been forgotten. We live in a more or less pleasant way, having the products of technology around of us, we have some fun, but nevertheless in the background there’s a sensation of uneasiness, of anguish which doesn’t find peace and which is always growing.”

34

Assim, concluímos que o filme de Kurosawa não é niilista, mas espelha um

mundo niilista. Deus está presente, mas impotente ao ver que os homens traem e se

matam uns aos outros, como observamos nas falas de Kiyoami e Tango, na cena de

morte de Hidetora: Kiyoami – Não há deuses, não há Buda? Se existem, ouçam-me. Você são mesquinhos e cruéis! Estão tão entediados aí em cima que nos matam como insetos, para brincar? É divertido ver homens sofrendo? Tango – Não blasfeme! Não vê que os deuses estão chorando? Eles nos observam e estão vendo que nos matamos continuamente ao longo dos tempos e não podem nos salvar de nós mesmos. Não chore! É assim que o mundo é feito: os homens preferem pesar à alegria, sofrimento à paz, alegram-se com sangue e dor!

Na entrevista concedida a PEARY (1986), o próprio Kurosawa, que a princípio

não gostava de explicar seus filmes, comentou:

O que eu quis dizer na última cena é que a humanidade deve enfrentar a vida sem apoiar-se em Deus ou em Buda. Nós devemos tentar ao máximo edificar um futuro feliz, caso contrário, teremos uma sucessão de guerras. Uma razão que não pude filmar este filme por tanto tempo foi porque os produtores reclamavam que o final era trágico. Nós estamos sempre fechando nossos olhos.44 DELEUZE (1986:187-192) argumenta que “o cinema de Kurosawa é acima de

tudo um cinema de discussão, de questionamentos, sem dúvida, um cinema de ação,

mas um cinema de ação questionadora.”45

O posicionamento que Deleuze nos dá de Kurosawa, nos remete a POUND

(1920:109), para quem "o artista é a antena da raça." O artista capaz de captar as

vibrações do que acontece ao nosso redor e também de retransmitir essas vibrações,

por exemplo, através do cinema, que tem sido uma das mais potentes antenas do tempo

em que vivemos. A tela grande, ou o espelho onde Kurosawa reflete em imagem de

44 "What I wanted to say in the last scene was that humanity must face life without relying on

God or Buddha. We must try to the maximum to build for a happy future, otherwise there will be a succession of wars. A reason I couldn't shoot this film for so long was that producers complained that the ending was tragic. We are always closing our eyes."

45 “Kurosawa's cinema is above all a cinema of the question, of questioning, an action cinema certainly, but a cinema of action in question.”

35

cinema o que Shakespeare captou em densa linguagem poética: a natureza humana em

sua ampla variedade, complexidade e profundidade. As palavras poéticas de

Shakespeare que ecoam no espelho de Kurosawa, que reflete o século XVI elizabetano

na era feudal da mesma época no Japão, que por sua vez espelha a humanidade

moderna.

7 CONCLUSÃO

De volta ao postulado de Bachelard, de que o elemento poético é a base de um

processo de criação e re-criação de imagens, que serão sempre novas, pudemos

encontrar em Ran, um entrelaçamento de intertextos, como se fossem vozes ecoando,

desde as lendas inglesas e japonesas, passando pelo texto dramático Rei Lear, de

Shakespeare, pelos textos literários tradicionais japoneses, a pintura tradicional

japonesa, o teatro Noh que sintetiza a poesia, a dança, a música e o teatro, o cinema e a

referência aos tempos modernos.

Esse eco de vozes ilustra o que ELIOT (1922) defende em seu artigo Tradition

and the Individual Talent: “Nenhum poeta, nenhum artista de nenhuma arte, tem seu

total significado sozinho. Sua importância, seu reconhecimento é o reconhecimento de

sua relação com os poetas e artistas mortos.”46 Para ele, “o sentido histórico envolve

uma percepção, não somente do que passou no passado, mas de sua presença”47 que

faz do escritor “mais agudamente consciente de seu lugar no tempo, de sua

contemporaneidade.”48

Eliot diz que o poeta não pode alcançar o que ele chama de “significant

emotion” “a não ser que viva no que é não somente o presente, mas o presente

46 “No poet, no artist of any art, has his complete meaning alone. His significance, his

appreciation is the appreciation of his relations to the dead poets and artists.” 47 “the historical sense involves a perception, not only of the pastness of the past, but of its

presence.” 48 “... it makes a writer most acutely conscious of his place in time, of his contemporaneity.”

36

momento do passado, a não ser que esteja consciente, não do que está morto, mas do

que está vivo agora”.49

Nesse sentido, ambos, Kurosawa e Shakespeare valorizam as referências do

passado e produziram arte, não somente importante para a época em que viveram, mas

continuam provocando “significant emotion” aos que tomam contato com suas obras.

Ainda, segundo BACHELARD (1993): Quanto mais um poema ressoa e repercute com seus leitores, maior ele é. Os maiores poemas ajudam a definir-nos e determinar como nós vemos o mundo. Todas as grandes artes fazem isso, desde uma famosa pintura como “O Grito” de Edvard Munch, “Guernica”, de Picasso ou filmes famosos, não somente poesia.”

Observamos que o fenômeno da repercussão-ressonância que operou em Akira

Kurosawa, continua, a partir de sua obra, operando sobre outros grandes cineastas que

realizaram filmes memoráveis, dos quais citamos alguns: Rashomon (1950) serviu de

base para o filme Quatro Confissões (1964), de Martin Ritt; Floresta Escondida

(1958) inspirou George Lucas que realizou Star Wars (1977); Sete Samurais (1954)

inspirou Sete Homens e Um Destino (1960), marco do western, dirigido por John

Sturges; Yojimbo (Guarda Costas, 1961) foi a base para Por Um Punhado de Dólares

(1964), um clássico do western spaghetti, de Sergio Leone e para o policial O Ultimo

Matador (1996), de Walter Hill.

O alcance da obra de Kurosawa não se limita ao cinema e às artes visuais,

também é objeto de estudo em pesquisas mais recentes sobre a relação entre literatura

e cinema, em várias universidades no mundo inteiro, para o qual espero que esta

pesquisa possa, ainda que modestamente, contribuir.

49 “… unless he lives in what is not merely the present, but the present moment of the past, unless he is

conscious, not of what is dead, but what is already living.”

37

REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gastón A Poética do Espaço Martins Fontes, São Paulo: 1993.

______. A Psicanálise do Fogo Martins Fontes, São Paulo: 1999, p. 25.

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40

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WATANABE, kiyoshi . In "Interview with Akira Kurosawa on Ran". Positif 296 October 1985. YOHIMOTO, Mitsuhiro Kurosawa Film Studies and Japanese Cinema Duke University Press:2000.

41

ANEXOS

1 FILMOGRAFIA

Ano Nomes dos Filmes Prêmios

1943 Sanshiro Sugata/�udô Saga

1944 The Most Beautiful

1945 Sanshiro Sugata Part II/

1945 Those Who Tread on the Tiger’s Tail (Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre)

1946 Those Who Make Tomorrow (Asu o Tsukuru Hitobito)

1946 No Regrets for Our Youth (Waga Seishun Ni Kuinashi)

1947 One Wonderful Sunday (Subarashiki Nichiyobi)

1948 Drunken Angel (O Anjo Embriagado)

1949 The Quiet Duel (Duelo Silencioso)

1949 Stray Dog (Cão Danado)

1950 Scandal ( Escândalo)

1950 Rashomon - Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza, em 1951 - Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1952.

1951 The Idiot (Hakuchi / O Idiota)

1952 Ikiru (Living/To Live / Viver)

1954 Seven Samurai Sete Samurais

Leão de Prata no Festival de Cinema de Veneza, em 1954.

1955 I Live in Fear/To Live in Fear (Anatomia do Medo)

1957 Throne of Blood / Spider Web Castle (Trono Manchado de Sangue)

1957 The Lower Depths (Ralé)

1958 The Hidden Fortress (A Floresta Escondida)

- Urso de Prata, no Festival de Berlim - Prêmio FIPRESCI (The International Federation of Film Critics), no Festival de Berlim

42

1960 The Bad Sleep Well (Homens Maus Dormem Bem)

1961 Yojimbo (Guarda-Costas)

1962 Sanjuro

1963 High and Low (Céu e Inferno)

1965 Red Beard (Barba Ruiva) Prêmio OCIC, no Festival de Veneza (Organisation Catholique Internationale du Cinéma et de l'Audiovisuel)

1970 Dodeskaden

1974 Dersu Uzala - Grand Prix do Festival de Cinema de Moscou - Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1976.

1980 Kagemusha ( A Sombra do Samurai)

- Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes, em 1980. - BAFTA de Melhor Diretor (British Academy of Film and Television Arts) - Cesar, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, - Leão de Ouro, em homenagem à sua carreira, no Festival de Veneza, em 1982.

1985 Ran (Chaos) (maiores detalhes sobre premiações deste filme, no Anexo 2)

- Prêmio Especial de Realização no Festival de Cinema de Cannes, em 1985 - BAFTA (British Academy of Film and Television Arts) de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Maquiagem, além de receber outras 4 indicações, nas seguintes categorias: Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Figurino e Melhor Desenho de Produção. - Prêmio Bodil (Associação de Críticos de Cinema de Copenhaguen).de Melhor Filme Europeu - Oscar de Melhor Figurino, além de ter sido indicado em outras 3 categorias: Melhor Diretor, Melhor Direção de Arte e Melhor Fotografia. - Recebeu uma indicação ao Globo de Ouro, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. - Recebeu 2 indicações ao Cesar, nas categorias de Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Pôster. - Ganhou o Prêmio OCIC, no Festival Internacional de San Sebastian.

1990 Dreams (Sonhos) No mesmo ano, Akira Kurosawa recebeu o Oscar honorário pelo conjunto de sua obra.

1991 Rhapsody in August (Rapsódia em Agosto)

1993 Madadayo ( Not Yet/ Ainda Não)

Disponível em: <http://www.sensesofcinema.com/contents/directors/02/kurosawa.html#film>. Acesso em: 15 Jun 2007 <http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/personalidades/diretores/akira-kurosawa/corpo.asp > Acesso em: 15 Jun 2007

43

2 PREMIAÇÕES

Academy Awards, USA

Year Result Award Category/Recipient(s)

Won Oscar Best Costume Design Emi Wada

Best Art Direction-Set Decoration Yoshirô Muraki Shinobu Muraki

Best Cinematography Takao Saitô Masaharu Ueda Asakazu Nakai

1986 Nominated Oscar

Best Director Akira Kurosawa

Amanda Awards, Norway

Year Result Award Category/Recipient(s)

1986 Won Amanda Best Foreign Feature Film (Årets utenlandske spillefilm) Akira Kurosawa

National Society of Film Critics Awards, USA

Year Result Award Category/Recipient(s)

Best Cinematography Takao Saitô

1986 Won NSFC Award

Best Film

New York Film Critics Circle Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

1985 Won NYFCC Award

Best Foreign Language Film

44

San Sebastián International Film Festival

Year Result Award Category/Recipient(s)

1985 Won OCIC Award

Akira Kurosawa

Awards of the Japanese Academy

Year Result Award Category/Recipient(s)

Best Art Direction Yoshirô Muraki Shinobu Muraki Award of

the Japanese Academy Best Music Score

Tôru Takemitsu Also for Himatsuri (1985) and Shokutaku no nai ie (1985).

Won

Special Award

Masato Hara

Best Cinematography Masaharu Ueda Takao Saitô

Best Lighting Takeji Sano

Best Sound Fumio Yanoguchi Shôtarô Yoshida

1986

Nominated

Award of the

Japanese Academy

Best Supporting Actor: Hitoshi Ueki

45

BAFTA Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

Best Foreign Language Film Serge Silberman Masato Hara Akira Kurosawa France/Japan.

Won BAFTA Film AwardBest Make Up Artist Shohichiro Meda Tameyuki Aimi Chihako Naito Noriko Takemizawa

Best Cinematography Takao Saitô Masaharu Ueda

Best Costume Design Emi Wada

Best Production Design Yoshirô Muraki Shinobu Muraki

1987

Nominated BAFTA Film Award

Best Screenplay - Adapted Akira Kurosawa Hideo Oguni Masato Ide

46

Blue Ribbon Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

1986 Won Blue Ribbon AwardBest Film Akira Kurosawa

Bodil Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

1986 Won Bodil Best European Film (Bedste europæiske film) Akira Kurosawa (director)

Boston Society of Film Critics Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

Best Cinematography Takao Saitô Masaharu Ueda 1986 Won BSFC Award

Best Film

César Awards, France

Year Result Award Category/Recipient(s)

Best Foreign Film (Meilleur film étranger) Akira Kurosawa

1986 Nominated César

Best Poster (Meilleure affiche) Benjamin Baltimore

47

David di Donatello Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

1986 Won David

Best Director - Foreign Film (Migliore Regista Straniero) Akira Kurosawa

Golden Globes, USA

Year Result Award Category/Recipient(s)

1986 Nominated Golden Globe Best Foreign Film Japan.

Independent Spirit Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

1986 Nominated Special Distinction

Award

Joseph Plateau Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

1986 Won Joseph Plateau Award Best Artistic Contribution

London Critics Circle Film Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

Director of the Year Akira Kurosawa

1987 Won ALFS Award

Foreign Language Film of the Year

48

Los Angeles Film Critics Association Awards

Year Result Award Category/Recipient(s)

Best Foreign Film Tied with Historia oficial, La (1985).

1985 Won LAFCA Award Best Music Tôru Takemitsu

Mainichi Film Concours

Year Result Award Category/Recipient(s)

Best Director Akira Kurosawa

Best Film Akira Kurosawa 1986 Won Mainichi Film Concours

Best Supporting Actor Hisashi Igawa Also for Tampopo (1985).

National Board of Review, USA

Year Result Award Category/Recipient(s)

Best Director Akira Kurosawa

1985 Won NBR Award

Best Foreign Language Film Japan.

Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt0089881/awards Acesso em: 15 Jun 2007.

49

3 ELENCO Diretor: Akira Kurosawa. Roteiristas: Akira Kurosawa, Hideo Oguni, Masato Ide. Produtores: Katsumi Furukawa, Serge Silberman, Masato Hara, Hisao Kurosawa. Música Original: Tôru Takemitsu. Edição: Akira Kurosawa. Cenário: Jiro Hirai, Miysuyuki Kimura, Yasuyoshi Ototake, Tsuneo Shimura, Osumi Tousho Departamento de Maquiagem: Tameyuki Aimi, Yoshiko Matsumoto, Chihako Naito, Noriko Sato, Noriko Takamizawa, Shoshichiro Ueda. Principais Atores Personagens

Tatsuya Nakadai Lord Hidetora Ichimonji

Akira Terao Taro Takatora Ichimonji

Jinpachi Nezu Jiro Masatora Ichimonji

Daisuke Ryu Saburo Naotora Ichimonji

Mieko Harada Lady Kaede

Yoshiko Miyazaki Lady Sue

Hisashi Igawa Shuri Kurogane

Peter Kyoami

Masayuki Yui Tango Hirayama

Kazuo Kato Kageyu Ikoma

Norio Matsui Shumenosuke Ogura

Toshiya Ito Mondo Naganuma

Kenji Kodama Samon Shirane

Mansai Nomura Tsurumaru (as Takeshi Nomura)

Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt0089881/fullcredits#writers Acesso em Jun 15 2007

50

4 Posters

Disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/f/f2/kuroran.jpg

Acesso em: 19 Jun 2007.

51

Disponível em: http://jclarkmedia.com/film/filmreviewran.html

Acesso em: 19 Jun 2007.

52

Disponível em: http://www.allposters.com/-sp/Ran-Posters_i938271_.htm

Acesso em: 19 Jun 2007.

53

Disponível em: http://akirakurosawa.info/akira-kurosawa-posters/kagemusha-and-ran-posters/ Acesso em: 19 Jun 2007.

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5 KUROSAWA FILMANDO RAN

Akira Kurosawa ao centro, Tatsuya Nakadai (Hidetora) à esquerda e Jinpachi Nezu (Jirô) à direita. Disponível em: http://www.sensesofcinema.com/contents/directors/02/kurosawa.html Acesso em: 18 Jun 2007. Estas imagens são do documentário A.K., de Chris Marker, sobre a filmagem de Ran. Copyright © 1985 StudioCanal Image (Paris)/Herald Ace Inc. - Nippon Herland Films Inc. (Tokyo). All rights reserved. DVD © 2005 The Criterion Collection. All rights reserved.0