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A responsabilidade civil dos advogados pela violação de normas deontológicas Vítor Manuel Azevedo Furtado Sousa Faculdade de Direito da Universidade do Porto Dissertação de Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-Privatísticas Trabalho realizado sob a orientação do Professor Doutor Manuel A. Carneiro da Frada Porto, Julho de 2014

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A responsabilidade civil dos advogados

pela violação de normas deontológicas

Vítor Manuel Azevedo Furtado Sousa

Faculdade de Direito da Universidade do Porto Dissertação de Mestrado em Direito – Ciências Jurídico-Privatísticas

Trabalho realizado sob a orientação do Professor Doutor Manuel A. Carneiro da Frada

Porto, Julho de 2014

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Sumário

Sumário .............................................................................................................................. 1  

Resumo ............................................................................................................................... 2  

Lista de abreviaturas ........................................................................................................ 3  

Introdução .......................................................................................................................... 4  

I. As normas deontológicas dos advogados ..................................................................... 6  

1.1 – A função do advogado e a necessidade de regulação da sua atividade ............... 6  

1.2 – O conceito de deontologia, as fontes e a natureza das normas deontológicas dos

advogados ..................................................................................................................... 8  

II. A atividade profissional dos advogados e a necessidade de uma tutela

indemnizatória e/ou compensatória ............................................................................... 18  

2.1 – As limitações da responsabilidade disciplinar na tutela dos clientes lesados ... 18  

2.2 – A responsabilidade civil dos advogados no EOA e o seguro de responsabilidade

civil de grupo da OA .................................................................................................. 22  

III. A responsabilidade civil dos advogados pela violação de normas deontológicas 29  

3.1 – A violação de normas deontológicas dos advogados como fundamento de uma

pretensão indemnizatória ou compensatória? ............................................................ 29  

3.2 – A natureza da responsabilidade civil na relação advogado-cliente e a integração

das normas deontológicas dos advogados no contrato ............................................... 34  

3.2.1. A jurisprudência ..................................................................................... 49  

3.3 – O dano perda de chance pela violação de normas deontológicas ..................... 50  

Conclusão ......................................................................................................................... 55  

Bibliografia ...................................................................................................................... 58  

2

A responsabilidade civil dos advogados pela violação de normas

deontológicas

Resumo A presente dissertação tem por objeto a responsabilidade civil dos advogados pela

violação de normas deontológicas, centrando-se especialmente na relação estabelecida entre

advogado e cliente.

Assim, após a análise do valor e do papel destas normas, pretendemos demonstrar que

a violação das normas deontológicas dos advogados poderá, per si, originar danos para os

clientes e consequentemente fundamentar uma pretensão indemnizatória.

Desta forma, analisaremos em que termos poderá ser (ou não) realizada a tutela cível

dos danos originados pela violação destas normas, considerando a natureza da

responsabilidade civil dos advogados e o papel das normas deontológicas no âmbito do

contrato celebrado entre advogado e cliente.

The civil liability of lawyers for breach of ethical standards

Abstract This dissertation focuses on the civil liability of lawyers for breach of ethical

standards, with a particular emphasis to the relationship between lawyer and client.

Thus, after analyzing the value and role of these rules, we will be able to discuss, if the

breach of ethical standards of lawyers can cause damages to clients and consequently support

a legal claim, bearing in mind the nature of civil liability and the role of these ethical

standards under a legal services contract concluded between a lawyer and client.

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Lista de abreviaturas

CC Código Civil

CDAE Código de Deontologia dos Advogados Europeus

Cfr. Confrontar

CRP Constituição da República Portuguesa

EOA Estatuto da Ordem dos Advogados

LOSJ Lei da Organização do Sistema Judiciário

N.º Número

NCPC Novo Código de Processo Civil

OA Ordem dos Advogados Portugueses

Ob. cit. Obra citada

P. Página

PP. Páginas

SS. Seguintes

V.g. Verbi gratia

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Introdução

Em 1938, no seu tratado de Direito Civil em comentário ao Código Civil português,

CUNHA GONÇALVES atentava que “é singular, porém, que, havendo nos países

estrangeiros larga doutrina e jurisprudência acêrca da responsabilidade dos médicos por êrros

de diagnóstico, não se encontre doutrina, nem jurisprudência acêrca dos advogados que, por

inépcia e ignorância das leis, ora instauram acções absolutamente infundadas, em vez de

esclarecerem o cliente sobre a inviabilidade da sua pretensão, ora deixam perder aquelas que

são bem fundadas e cuja defesa lhes foi confiada”1.

Ora, volvidos setenta e seis anos, apesar de existir bastante jurisprudência relativa à

responsabilidade civil dos advogados, no que diz respeito à doutrina e com exceção da

monografia de L.P. MOITINHO DE ALMEIDA de 1985, as obras existentes, não obstante o

seu mérito, limitam-se a abordar o tema de forma breve e a título acessório.

Por outro lado, num período em que se assiste a uma proliferação do número de

advogados bem como a um aumento de queixas contra estes profissionais e de reclamações da

apólice de seguro de grupo da Ordem dos Advogados (doravante OA), para além da sua

relevância teórica, o tema assume cada vez maior relevância prática2.

Neste sentido, tendo em atenção as obras portuguesas e algumas das questões mais

relevantes sobre o tema, a presente dissertação terá como objeto a responsabilidade civil dos

advogados pela violação de normas deontológicas, abordando especialmente a relação

estabelecida entre advogado e cliente. Com efeito, será pertinente atentar na concretização de

hipóteses que poderão fundamentar uma pretensão indemnizatória ou compensatória pela

violação das normas deontológicas dos advogados, indicando, tanto quanto possível,

jurisprudência portuguesa relevante sobre o tema.

Desta forma, no Capítulo I da presente dissertação, efetuaremos uma aproximação do

tema atentando concretamente às normas deontológicas dos advogados. Por conseguinte, após

evidenciarmos a função do advogado e a necessidade de regulação da sua atividade através

das normas deontológicas, realizaremos uma breve resenha dos conceitos de deontologia e

das fontes destas normas com o intuito de determinar qual a sua natureza, isto é, se se tratam

1 GONÇALVES, Luís da Cunha, “Tratado de direito civil: em comentário ao código civil português”, Volume XII, Coimbra, Coimbra Editora, 1938, p. 762. 2 SILVA, Germano Marques da, A responsabilidade profissional do advogado (perspectiva penal), Universidade Católica Editora [ed. lit.], coord. edit. JÚLIO GOMES, “Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa”, 1ª ed., Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2002, p. 625.

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de normas jurídicas, extrajurídicas ou ainda se serão normas jurídicas e ao mesmo tempo

deontológicas.

Consequentemente, atentas as possíveis violações deontológicas no âmbito da relação

entre advogado e cliente, no Capítulo II pretenderemos evidenciar as limitações da

responsabilidade disciplinar na tutela cível dos clientes lesados. Logo, será relevante, de

seguida, considerar as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados (doravante EOA) que

aludem à responsabilidade civil dos advogados, tendo particularmente em atenção, pela sua

importância prática, o regime do seguro de responsabilidade civil profissional bem como o

seguro de grupo da OA.

Por fim, no Capítulo III deste trabalho, após determinarmos que o incumprimento de

normas deontológicas per si será suscetível de fundamentar uma eventual tutela cível do

cliente lesado, importará concretizar os termos em que tal se poderá verificar, indicando para

o efeito alguns exemplos e jurisprudência relevante. De facto, atentas as diferentes dimensões

da atividade profissional dos advogados, será, assim, pertinente determinar a natureza da

responsabilidade civil dos advogados no âmbito da relação advogado-cliente, analisando

conjuntamente o papel das normas deontológicas dos advogados nos contratos celebrados

com os clientes. Ademais, em função da sua relevância no âmbito do tema em apreço,

realizaremos algumas breves considerações sobre a perda de chance pela violação de normas

deontológicas.

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I. As normas deontológicas dos advogados

1.1 – A função do advogado e a necessidade de regulação da sua atividade

O advogado assume um papel determinante na garantia do Estado de Direito

Democrático3 e na administração da justiça4. Com efeito, encontramos, desde logo, indícios

da sua importante função social5 no artigo 208.º da CRP, que determina que “a lei assegura

aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio

forense como elemento essencial à administração da justiça”. A par da consagração

constitucional anteriormente referida, é possível encontrar outras disposições legais6 que

revelam a imprescindível função que estes profissionais desempenham. Neste sentido, terá

também especial relevância o disposto no artigo 12.º da (nova) LOSJ7 que determina, entre o

mais, que o patrocínio forense por advogado constitui um elemento essencial na 3 Neste sentido, vide COSTA, Orlando Guedes da, “Direito Profissional do Advogado: Noções elementares”, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, p. 8. 4 Segundo ORLANDO GUEDES DA COSTA, a conceção atual do Advogado como participante na administração da justiça decorre do preceito constitucional do artigo 208.º da CRP, vide COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 57. 5 Em análise aos grandes princípios deontológicos presentes no Código de Deontologia dos Advogados Europeus (CDAE), ANTÓNIO ARNAUT, salienta a função social do advogado, considerando-o não apenas como um “pleiteador de causas” e conselheiro do cliente mas como um elemento indispensável à boa administração da justiça e garante do Estado de Direito Democrático, vide ARNAUT, António, “Iniciação à advocacia”, 11ª ed., Lisboa [etc.], Coimbra Editora, 2011, p. 86. Do mesmo modo, atento o ponto 1.1. do CDAE, ORLANDO GUEDES DA COSTA afirma que “o Código de Deontologia dos Advogados da União Europeia dispõe que, numa sociedade baseada no respeito pela Justiça, o Advogado desempenha um papel proeminente, não se limitando a sua missão à precisa execução de um mandato, no âmbito da lei, mas devendo o Advogado servir o propósito de uma boa administração da justiça ao mesmo tempo que serve os interesses daqueles que lhe confiam a defesa e afirmação dos direitos e liberdades, não devendo apenas defender a causa do cliente mas também ser o conselheiro deste, sendo o respeito pela função do Advogado uma condição essencial para a garantia do estado de direito democrático; por isso, a sua função impõe-lhe uma multiplicidade de obrigações legais e morais, muitas vezes conflituantes, perante o cliente, os tribunais e outras autoridades junto das quais o Advogado assiste ou representa o cliente, a advocacia em geral ou qualquer colega em particular, e o público, para o qual a existência duma profissão livre e independente, auto-regulada por normas vinculativas que ela própria criou, é um elemento essencial para a defesa dos direitos humanos, face ao poder do Estado e outros instalados na sociedade.”, Cfr. COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 6. Por último, CARLO LEGA observa também que sociólogos e juristas estão de acordo em admitir que a advocacia cumpre uma função social de notável importância, Cfr., LEGA, Carlo, “Deontologia de la profesion de abogado”, 2ª ed., Madrid, Editorial Civitas, 1983, p. 45. 6 Como observa ORLANDO GUEDES DA COSTA, no mesmo sentido daquela disposição constitucional, veja-se o artigo 144.º da LOFTJ (Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto) – atualmente artigos 12.º e 13.º da LOSJ - e em especial o EOA – Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, Cfr. COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit. p. 8. 7 A anterior Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/2008 de 28 de Agosto) consagrava no seu artigo n.º 7 uma disposição relativa aos Advogados, estabelecendo no n.º 1 deste mesmo artigo que lhes compete “de forma exclusiva e com as excepções previstas na lei, exercer o patrocínio das partes”. Por contraposição com as anteriores Leis de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a nova Lei da Organização do Sistema Judiciário dedica, agora, o seu Capítulo III do Livro II - com especial destaque para os artigos 12.º e 13.º - a estes profissionais. Assim, para além da já referida concretização da consagração da profissão como elemento essencial à administração da justiça, enuncia-se agora no artigo 13.º da referida Lei um conjunto de imunidades necessárias a um desempenho eficaz do exercício livre e independente do mandato forense.

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administração da justiça e é admissível em qualquer processo, cabendo a este profissional,

para defesa de direitos, interesses ou garantias individuais que lhe sejam confiados, requerer a

intervenção dos órgãos jurisdicionais competentes e praticar os atos próprios previstos na lei8,

nomeadamente exercer o mandato forense e a consulta jurídica.

Ora, atento o papel do advogado na administração da justiça e no patrocínio das partes,

vislumbra-se a necessidade de normas que disciplinem esta mesma atividade profissional9.

Em alusão à defesa forense na civilização grega da Antiguidade Clássica, FERNANDO

SOUSA MAGALHÃES10 faz notar que aquela prática levou à necessidade da criação de

regras deontológicas, que começaram inicialmente por definir requisitos e regras aos oradores

(que estão na origem do advocatus). Por outro lado e em conformidade com a tarefa

desempenhada pelos advogados na administração da justiça e no patrocínio das partes,

ANTÓNIO ARNAUT refere o seguinte: “Todas as funções têm de ser disciplinadas, mas a

advocacia merece tratamento especial, porquanto lida com direitos e interesses vitais das

pessoas singulares e colectivas”11.

Desta forma, será necessário atender às normas que regem a atividade destes

profissionais. ORLANDO GUEDES DA COSTA evidencia, desde logo, que a profissão de

advogado apresenta um acesso e exercício regulamentado em função do interesse público12 e

com subordinação a um código deontológico13. A necessidade e exigência da regulamentação

da profissão é, também, salientada na jurisprudência do Tribunal Constitucional que no

âmbito do Acórdão n.º 497/8914, relatado por CARDOSO DA COSTA, atentou que “ (…) não

pode recusar-se que, pela sua mesma natureza, e pela sua directa inserção no «processo»

social e institucional da realização e da administração da justiça, a advocacia é uma profissão

8 Lei dos actos próprios dos advogados – Lei 49/2004 de 24 de Agosto. 9 Relativamente ao conceito de profissão, em especial da profissão de Advogado, vide ORLANDO GUEDES DA COSTA, ob. cit, p. 5. 10 Apud COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., pp. 16 ss. 11 ARNAUT, António ob. cit., p. 89 12 CAROLINA CUNHA, refere que a autorregulação das profissões liberais – nomeadamente no que diz respeito aos requisitos para o ingresso, proibições de publicidade, imposição de honorários mínimos, incompatibilidades, etc. –, que se justifica pela preservação de padrões de qualidade na prestação dos serviços dos profissionais liberais e pelo respeito por regras deontológicas próprias de cada profissão, contém muitas vezes em si prescrições potencialmente lesivas da concorrência e restritivas da liberdade de ingresso e de exercício de uma profissão, prevista no artigo 47.º da CRP. A referida autora alerta ainda para “uma ampliação exagerada das fronteiras da deontologia profissional, para a qual falham justificações convincentes”. Para maiores desenvolvimentos, Cfr. CUNHA, Carolina, Profissões liberais e restrições da concorrência, Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito - Centro de Estudos de Direito Público e Regulação [ed. lit.], org. VITAL MOREIRA, “Estudos de regulação pública / Centro de Estudos de Direito Público e Regulação”, Coimbra Editora, Vol. 1, 2004, pp. 445 ss. 13 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit, p. 5. 14 Acórdão disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19890497.html.

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cujo exercício não dispensa uma apurada regulamentação, no tocante, quer às condições e

requisitos exigidos para esse mesmo exercício, quer ao controlo da sua verificação, quer à

necessidade da obediência, por parte dos respectivos profissionais, a um estrito código

deontológico, quer ainda, finalmente, à tutela disciplinar da observância de tal código”. Por

conseguinte, para além dos normativos supracitados, assume especial importância, neste

âmbito, o EOA que estabelece um conjunto de disposições deontológicas que os advogados

devem observar no exercício da profissão15 16. Contudo, como adverte ANTÓNIO ARNAUT,

as disposições deontológicas dos advogados não se encontram unicamente naquele diploma,

dado que outros diplomas legais contêm também disposições de carácter deontológico, como

veremos infra. Atente-se, ainda, que, segundo NUNO ESTÊVÃO17, “a existência de códigos

deontológicos tem junto da sociedade um papel de destaque, uma vez que a capacidade de o

fazer cumprir e respeitar por parte dos associados representa uma garantia institucional

perante a própria sociedade”.

1.2 – O conceito de deontologia, as fontes e a natureza das normas deontológicas

dos advogados

Delineado o percurso de investigação a que nos propusemos, será essencial, antes de

mais, analisar o conceito de deontologia, as fontes e a natureza jurídica das normas

deontológicas dos advogados. Este percurso permitirá inferir se estas normas se tratam de

normas jurídicas, ou, se pelo contrário se tratam apenas de normas extrajurídicas,

estabelecidas unicamente no seio da classe e que determinam deveres de conduta cuja

violação e respetivo sancionamento se reporta exclusivamente à referida classe profissional. A

resposta a estas questões ajudará a construir as bases de fundamentação da eventual

necessidade de uma tutela indemnizatória ou compensatória dos danos provocados pela

violação de normas deontológicas, determinando, consequentemente, a possibilidade dessa

violação ser aferida em juízo para os referidos efeitos. 15 Quanto às questões deontológicas originadas pelas novas tecnologias ao serviço do Advogado, vide MOREIRA, Pedro Guilherme, As novas tecnologias ao serviço do Advogado, Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, “Prémio Dr. João Lopes Cardoso”, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 35 ss. 16 Analisando a questão da “dupla deontologia”, prevista no artigo 4.º da Directiva n.º 77/249/CEE relativa à prestação de serviços por advogados, em razão da aplicação cumulativa das regras profissionais e deontológicas nacionais aos advogados provenientes de um Estado membro diverso, cujos problemas o Código Deontológico do CDAE veio tentar atenuar, vide ROSÁRIO PAIXÃO, Vénia, regra deontológica ou privilégio de classe?, Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados [ed. lit.], “Prémio Dr. João Lopes Cardoso”, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 173 ss. Atente-se ainda ao disposto no ponto 2.4 do CDAE. 17 Apud SILVA, Rebeca Ribeiro, Regulação - A génese das Ordens Profissionais em Portugal, Ordem dos Advogados, “Boletim da Ordem dos Advogados”, n.º 93/94, Lisboa, Ordem dos Advogados, Agosto/Setembro 2012, p. 27.

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Encontramos na doutrina diversos exemplos de conceitos de deontologia18.

Destacaremos, no entanto, os conceitos apresentados por alguns autores portugueses que mais

se evidenciam na análise do presente tema.

Nas palavras de ANTÓNIO ARNAUT, “deontologia (…) significa estudo dos

deveres. (…) A Deontologia é, assim, o conjunto das regras ético-jurídicas pelas quais o

advogado deve pautar o seu comportamento profissional e cívico.”19.

Por sua vez, ORLANDO GUEDES DA COSTA afirma que “deontologia é,

etimologicamente, o conhecimento dos deveres e deontologia profissional é o conjunto de

normas jurídicas, cuja maioria tem conteúdo ético e que regulam o exercício de uma

profissão, algumas específicas e outras comuns a duas ou mais profissões”20.

Já FERNANDO SOUSA MAGALHÃES, em anotação ao artigo 83.º do EOA,

explicita que no título III do EOA, isto é, do artigo 83.º ao artigo 108.º do EOA, “ (…) regula-

se a Deontologia enquanto conjunto de regras de comportamento, assentes nos costumes e na

moral, que regulam o exercício da profissão”21, acrescentando que “nestas normas

deontológicas a moral e o direito associam-se intimamente, sendo da sua essência a existência

de um conteúdo de natureza ética”22.

18 A título exemplificativo, podemos indicar alguns conceitos de deontologia que constam na doutrina. ELCIAS FERREIRA DA COSTA ensina que a deontologia se trata de uma ciência que versa sobre como deve ser a conduta dos profissionais do Direito. Este autor identifica na deontologia um objeto formal e outro material. O objeto material será unicamente a conduta do homem que tem por profissão lidar com o Direito (quer este seja advogado, magistrado, etc.). Por outro lado, o seu objeto formal dirá respeito não apenas ao conhecimento do que o profissional do Direito, como tal, deve fazer ou que dele se pode exigir, mas também à indicação de princípios e noções capazes de informar a conduta moralmente boa, digna e perfeita deste profissional, cfr. COSTA, Elcias Ferreira da, “Deontologia Jurídica – Ética das profissões jurídicas”, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002, p. 3. Por sua vez, CAROLINA CUNHA, apresenta algumas definições de deontologia que passamos a citar: “ (…) «moral colectiva própria de um grupo profissional» (M.-A. FRISON-ROCHE, «Déontologie et discipline dans les professions libérales», AA. VV., Les professions liberáles, cit., pp. 103, ss., p. 103); «ciência cujo objecto é o estudo das regras morais e jurídicas que devem reger uma profissão» (J. HAMELIN/ A. DAMIEN, Les régles de la profession d’avocat, cit. p. 1)” vide CUNHA, Carolina, ob. cit., pp. 445 ss. Do mesmo modo, CARLO LEGA define deontologia como “conjunto de regras e princípios que regulam determinadas condutas do profissional, condutas de carácter não técnico, exercidas ou vinculadas, de qualquer modo, ao exercício da profissão e atinentes ao grupo profissional. É, na substância, uma espécie de urbanidade do profissional”, Apud COSTA, Elcias Ferreira da, ob. cit., p. 5. Por último, destacamos REMO DANOVI, que define deontologia como “o conjunto de regras de conduta que deve ser respeitado na atividade profissional” (tradução livre nossa), acrescentando que estas regras respeitantes à atividade jurídica relacionam-se diversas vezes com o direito a ética e a praxe forense, denotando assim o cariz ético das regras deontológicas, vide DANOVI, Remo, “Corsi di ordinamento forense e deontologia”, 6ª ed., Milão, Giufrrè Editore, 2000, p. 247. 19 ARNAUT, António, ob. cit., p. 79. 20 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 6. 21 MAGALHÃES, Fernando Sousa, “Estatuto da Ordem dos Advogados – Anotado e comentado”, 7ª ed., Coimbra, Almedina, 2012, p. 107. Em Itália, em análise à natureza das normas deontológicas, observa REMO DANOVI: “A deontologia é de facto o conjunto de regras de conduta relativas ao direito, à ética e à praxe forense, mas não deve ser confundido com tal conteúdo, possuindo uma autonomia própria reconhecida pelo ordenamento jurídico”, (tradução livre nossa) cfr. DANOVI, Remo, ob. cit., p. 248. 22 MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 107.

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Assim sendo, os referidos autores evidenciam de forma unânime o conteúdo ético

destas normas. Constatamos, desta forma, que as normas deontológicas dos advogados

regulam o exercício da profissão, estabelecendo normas que regem não só o comportamento

profissional daqueles mas também o seu comportamento cívico. Salientamos ainda a

acentuação da vertente ética das referidas normas. Disso é exemplo o disposto no n.º 2 do

artigo 83.º do EOA que estabelece como obrigações profissionais a honestidade, probidade,

retidão, lealdade, cortesia e sinceridade23. A integridade e idoneidade moral do advogado são

de tal ordem importantes que a alínea a), do n.º 1 do artigo 181.º do EOA determina que não

podem ser inscritos “os que não possuam idoneidade moral para o exercício da profissão”24.

Do mesmo modo, a imposição de deveres para com a comunidade, nos termos do artigo 85.º

do EOA, “releva da função ético-social da advocacia e constitui uma marca da nobreza da

profissão”25. Por outro lado, como referimos, o âmbito das normas deontológicas não se

circunscreve unicamente à atividade profissional dos advogados, pois, na verdade, estas

regem também o seu comportamento cívico26, o que também evidencia a acentuada vertente

ética daquelas.

Efetuada a aproximação ao conceito em análise, salientando-se a acentuação da

eticidade das normas deontológicas dos advogados, importará agora conhecer as suas fontes e

consequentemente a natureza destas normas, esclarecendo-se, assim, se estamos perante

normas jurídicas ou extrajurídicas, ou seja, in casu, normas deontológicas que estabeleçam

apenas regras de conduta destes profissionais sem qualquer juridicidade. 23 FERNANDO SOUSA MAGALHÃES esclarece que “a deontologia dos Advogados desdobra-se em deveres gerais de conduta e em deveres profissionais específicos. Aqueles impõem regras de conduta nos domínios da honra, dignidade e integridade, exigindo constantemente aos Advogados o aperfeiçoamento da sua consciência ética, cívica, social e profissional. Estes impõem condutas tendo em conta determinados destinatários de tais deveres”, MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 108. 24 O n.º 3 do artigo 181.º do EOA determina que “para os efeitos da alínea a) do n.º 1, presumem-se não idóneos para o exercício da profissão, designadamente, os condenados por qualquer crime gravemente desonroso”. 25 ARNAUT, António, ob. cit., p. 93. 26 Atente-se ao disposto no artigo 83.º do EOA que impõe ao advogado “um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce”. A respeito desta norma deontológica constante do EOA, ANTÓNIO ARNAUT esclarece que “este dever geral de probidade ou integridade não se refere apenas à actividade profissional, mas também à vida privada. (…) O artigo 83.º do actual Estatuto consagra a mesma ideia ao impor «um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidade da função que exerce». O comportamento público não é apenas o que respeita ao exercício da função forense, mas qualquer comportamento da esfera pessoal que venha a ser conhecido ou tornado público. A exigência de conduta privada irrepreensível radica, assim, na própria natureza da advocacia. Se o advogado exerce uma função de interesse público, não pode ser respeitado e impor-se quando a sua vida pessoal merece censura ética”, vide ARNAUT, António, ob. cit., p. 81. Do mesmo modo, FERNANDO SOUSA MAGALHÃES explicita que a jurisprudência disciplinar da Ordem dos Advogados “vem aceitando a princípio da censurabilidade do comportamento indecoroso dos Advogados na sua vida privada, designadamente no plano da acção disciplinar, desde que tal comportamento seja cumulativamente escandaloso, desprimoroso aos olhos do público, desonroso para o autor e lesivo da classe. Vide Acórdão do C. Superior de 15/11/62 in ROA 23, 182.”, cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 108.

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Como já tivemos oportunidade de referir, existem diversas disposições legais que

estabelecem normas de carácter deontológico que os advogados devem cumprir e cuja

incidência não se circunscreve unicamente à sua atividade profissional, mas também ao seu

comportamento público (artigo 83.º do EOA)27. Assim, impõe-se conhecer com detalhe quais

as fontes destas normas de modo a podermos também inferir qual a sua natureza.

Das diversas disposições legais que regulam a advocacia, destaca-se naturalmente o

EOA aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro de 2005 com as alterações constantes

do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro e da Lei n.º 12/2010, de 25 de Junho, com

especial enfoque nas normas constantes dos artigos 83.º a 108.º daquele Estatuto. Por outro

lado, como exemplos de disposições de carácter deontológico constantes de outros diplomas

que não o EOA, ANTÓNIO ARNAUT28 chama a atenção para o Código de Processo Civil,

nomeadamente para o n.º 2 do artigo 154.º (atual 150.º/2 do NCPC29) que determina a licitude

do uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa – acrescentamos a título

exemplificativo o disposto no artigo 9.º do NCPC que estabelece um dever de recíproca

correção a todos os intervenientes no processo, determinando, ainda, que as relações entre

advogados e magistrados se pautam por um especial dever de urbanidade –; bem como para o

artigo 326.º do Código de Processo Penal relativo à conduta dos advogados e defensores; para

o n.º 2 do artigo 43.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho relativa ao acesso ao direito e que

impõe ao defensor nomeado a impossibilidade de, no mesmo processo, aceitar mandato do

mesmo arguido; para o Decreto-Lei n.º 229/2004, de 10 de Dezembro, relativo às Sociedades

de Advogados; para a Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, que estabelece os atos próprios dos

advogados; para a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março relativa ao regime de prevenção e

repressão de branqueamento de vantagens de proveniência ilícita30; referindo por último e

com especial destaque o Código Deontológico do Conselho Consultivo dos Advogados

Europeus (CCBE), também denominado Código de Deontologia dos Advogados Europeus

(CDAE)31 32.

27 Cfr. nota de rodapé 26. 28ARNAUT, António, ob. cit., pp. 82 ss. 29 Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. 30 A Lei n.º 11/2004, de 27 de Março foi expressamente revogada pela Lei n.º 25/2008, de 05 de Junho (Lei do combate ao branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo). Atente-se com especialmente atenção aos artigos 4.º/f), 11.º/2, 35.º, 38.º, 46.º/b), 54.º/b) e 58.º da referida Lei. 31 ANTÓNIO ARNAUT esclarece que as normas constantes do CDAE “são fonte complementar e interpretativa do nosso Estatuto”, ARNAUT, António, ob. cit., p. 85. 32 GERMANO MARQUES DA SILVA afirma que “os deveres profissionais do advogado resultam da lei geral e em especial das normas profissionais. Contrário às normas profissionais é o agir conscientemente contra a verdade e contra o Direito.”, cfr. SILVA, Germano Marques da, A responsabilidade profissional do advogado

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Contudo, a lei não constitui a única fonte de deontologia, pois, conforme dispõe o n.º 1

do artigo 83.º do EOA, o advogado deverá cumprir pontual e escrupulosamente os deveres

consignados no EOA mas também “todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições

profissionais lhe impõem”33. No entanto, impõem-se algumas cautelas quanto à possibilidade

do reconhecimento dos usos e costumes enquanto normas de carácter vinculativo. Na verdade,

para que os usos sejam atendíveis, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do CC, a lei terá de o

determinar e os mesmos não poderão ser contrários aos princípios da boa fé34. Apesar de

admitir que o artigo 83.º, n.º 1 do EOA reconhece os usos e costumes como fonte de deveres

deontológicos, FERNANDO SOUSA MAGALHÃES adverte que “ (…) da análise conjugada

dos artigos 3º nº 1 do C. Civil e 83º nº 1 do EOA, conclui-se que os usos profissionais só

serão juridicamente atendíveis desde que a lei o determine e sejam reconhecidos pela Ordem

dos Advogados, como resultava da alínea c) do revogado artigo 79º do D. Lei 84/84 de 16 de

Março, norma que impunha aos Advogados o dever perante a Ordem de acatamento dos usos

e costumes profissionais. Com a eliminação deste dever específico no atual artigo 86º do

EOA, reconheceu o legislador que os usos e costumes profissionais, que não foram

normatizados, mais não são, presentemente, do que simples praxes em desuso e sem qualquer

valor jurídico para efeitos disciplinares.”35.

Todavia, discordamos da posição daquele autor pois, na verdade, apesar da referida

alteração legislativa, a lei continua a determinar o cumprimento dos usos, costumes e

tradições profissionais. É nosso entendimento que é agora o próprio artigo 83.º, n.º 1 do EOA

– salientamos aqui que o EOA foi aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro – que

estabelece esta determinação legal de atendibilidade dos usos, costumes e tradições

profissionais36. Por outro lado, ANTÓNIO ARNAUT admite a existência de normas de

(perspectiva penal), Universidade Católica Editora [ed. lit.], coord. edit. JÚLIO GOMES, “Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa”, 1ª ed., Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2002, p. 628. 33ANTÓNIO ARNAUT é bastante explícito neste âmbito ao afirmar que de uma longa e pacífica praxe forense, resultam normas de comportamento que se impõe aos advogados como verdadeiras normas estatutárias, embora não codificadas, vide ARNAUT, António, ob. cit., p. 83. 34 ARNAUT, António, ob. cit., p. 85; COSTA, Orlando Guedes, ob. cit., p. 12; MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 108 e LIMA, Pires de; VARELA, Antunes, "Código Civil Anotado", 4.ª ed. rev. act, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 53 ss. 35 MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., pp. 108 ss. 36 ANTÓNIO ARNAUT é explícito neste sentido ao afirmar que “mesmo os usos, costumes, praxes e tradições vinculam legalmente o advogado, nos termos do art. 83.º - 1 e do art. 3.º do Código Civil. A infracção destas normas dá origem a processo disciplinar, da exclusiva competência da Ordem (art. 109.º).” – ARNAUT, António, ob. cit., p. 85. Igualmente, ORLANDO GUEDES DA COSTA, observa que “ (…) não deixam de ter natureza jurídica as regras decorrentes de usos, costumes e tradições referidos no artigo 83.º - n.º 1 ou dos usos profissionais, a que se deve atender na fixação de honorários, nos termos do artigo 100.º - n.º 3, todos do EOA, ou dos usos, que determinam a medida da retribuição, na falta de ajuste prévio ou de tarifas profissionais,

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comportamento que apesar de não positivadas se impõem aos advogados como verdadeiras

normas estatutárias e apresenta ainda alguns exemplos das mesmas para os quais se remete37.

Por último, referimos apenas que para além das fontes anteriormente elencadas,

existem autores que admitem ainda outras, nomeadamente ELCIAS FERREIRA DA

COSTA38 que reconhece como fontes da deontologia jurídica a Lei Natural, a Lei Divina

positiva, para os católicos o Magistério da Igreja e por último os atos normativos (legais ou

regulamentares) especificamente reguladores da atividade funcional dos profissionais do

Direito.

Analisado o conceito de deontologia e das normas deontológicas, evidenciando o

âmbito da sua regulação e a acentuada eticidade destas, bem como percorridas as fontes destas

normas, importará, consequentemente, determinar a sua natureza indagando a sua

juridicidade.

A questão da natureza jurídica das normas que regulam a atividade profissional dos

advogados não é despicienda, pois, na verdade, a resposta a esta questão poderá determinar a

(im)possibilidade de tutela de direitos e interesses lesados pelo incumprimento destas

disposições deontológicas – veremos em que termos mais à frente39.

Perscrutada a doutrina portuguesa relativamente à natureza das normas deontológicas

dos advogados, parece aquela ser unânime ao admitir a natureza jurídica destas normas.

ANTÓNIO ARNAUT afirma que “as normas deontológicas estão tipificadas (cfr. os arts. 83.º

a 107.º do EOA, designadamente) e têm, por isso, eficácia normativa”40 41, admitindo, ainda,

conforme impõe o artigo 1158.º - n.º 2 do Código Civil, natureza jurídica que é indubitável, em face do disposto no artigo 3.º - n.º 1 do Código Civil (…)” cfr. COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 12. 37 De facto, o autor admite que decorrem da praxe forense “ (…) o dever de tentar conciliar as partes, (…), o dever de os advogados mais novos se deslocarem ao escritório dos mais antigos para negociações sobre assuntos pendentes, o dever dos mais velhos ajudarem profissionalmente os neófitos, e a obrigação de tomar a defesa de um colega quando ele seja injustamente criticado ou seja objecto de medidas ilegais ou arbitrárias. É também usual que o advogado, que tem o direito de falar sentado, se levante quando o juiz entra na sala de audiências. O juiz, se for educado, deve corresponder com uma vénia. Diga-se, finalmente, por nos parecer útil para o conhecimento da evolução histórica, que a principal norma consuetudinária até ao Estatuto actual, era a proibição de falar com testemunhas sobre a matéria em causa. (…) Foi, assim, consagrada estatutariamente, uma velha e salutar praxe forense da advocacia portuguesa”, cfr., ARNAUT, António, ob. cit., pp. 83ss. Por outro lado, assinalando como praxe profissional – em conformidade com a posição de ANTÓNIO ARNAUT - o substabelecimento sem reserva em novo colega nos casos em que é o cliente a prescindir do patrocínio, vide ROSÁRIO PAIXÃO, ob. cit., p. 190. 38 COSTA, Elcias Ferreira da, ob. cit., pp. 51 ss. 39 Cfr. Capítulo 3. 40 ARNAUT, António, ob. cit., pp. 84 ss. 41 No entanto, no que diz respeito ao ilícito disciplinar, adverte ORLANDO GUEDES DA COSTA: “Também na noção de infracção disciplinar temos a acção ou omissão, a tipicidade e ilicitude e a culpa, os três momentos do iter criminis, embora no ilícito disciplinar, que é eticamente fundado como o ilícito criminal, não haja tipificação integral que não pode deixar de verificar-se no ilícito criminal, antes bastando uma norma geral que abranja não só os deveres profissionais dos Advogados, mas também as acções ou omissões da sua vida privada

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que nos termos do n.º 1 do artigo 83.º do EOA e do artigo 3.º do CC também os usos,

costumes, praxes e tradições vinculam legalmente o advogado. Por sua vez, ORLANDO

GUEDES DA COSTA observa que as normas que integram o Direito profissional do

advogado, isto é, as normas que regulam o acesso e o exercício da profissão, bem como, as

que integram o estatuto deontológico strictu sensu, têm natureza jurídica42.

Neste sentido, impõe-se referir, que a competência para a elaboração destas normas

pertence à Assembleia da República43, que no uso da sua competência política e legislativa

prevista na alínea c) do artigo 161.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) decretou

o EOA44. Ora, torna-se, assim, evidente o valor jurídico das disposições deontológicas

presentes no EOA em virtude de o mesmo ter sido estabelecido por uma Lei da Assembleia da

República. Este facto permite, desde logo, superar as críticas apontadas pelos autores que

negam a juridicidade das normas deontológicas em virtude de estas serem provenientes, não

do Estado, mas do próprio ordenamento profissional45. Opomo-nos, assim, à posição

defendida por FERNANDO SOUSA MAGALHÃES que admite que a natureza jurisdicional

das normas deontológicas vigentes para a Advocacia, resulta da norma presente no artigo

110.º do EOA46 47 que garante a coercibilidade genérica dos deveres deontológicos impostos

pela lei e pelos regulamentos aplicáveis. Discordamos desta posição na medida em que para

além de as mesmas terem sido decretadas por Lei, impondo-se como normas jurídicas em

toda a sua plenitude, a violação de normas deontológicas dos advogados poderá ser aferida

em juízo, nomeadamente, em sede de responsabilidade civil pela sua violação, pois, o

incumprimento de uma norma deontológica poderá violar direitos e/ou interesses dos

particulares, pelo que, a tutela desses mesmos interesses e/ou direitos não se bastará nestes

casos com a sanção disciplinar48, tal como demonstraremos infra49. Portanto, apesar de a

que sejam de natureza a repercutir-se na sua profissão. Mas há uma tendência cada vez maior para a tipificação (…)”, Vide, COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 393. 42 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 11. 43 Ou ao Governo através de autorização legislativa tal como aconteceu com o primeiro Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, Cfr. ARNAUT, António, ob. cit. p. 85. 44 A determinação do EOA através de Lei da Assembleia da República será um importante indício dos interesses e fundamentos em causa, o que permite afirmar, desde já, que estes não se resumem unicamente ao seio da classe. 45 Vide LEGA, Carlo, ob. cit., pp. 56 ss. 46 MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 164. 47 “Artigo 110.º do EOA - Infracção disciplinar – Comete infracção disciplinar o advogado ou advogado estagiário que, por acção ou omissão, violar dolosa ou culposamente algum dos deveres consagrados no presente Estatuto, nos respectivos regulamentos e nas demais disposições legais aplicáveis”. 48 Tal como explica FERNANDO SOUSA MAGALHÃES: "Para além de exclusiva, a competência disciplinar da Ordem sobre os Advogados é ainda independente e autónoma, razão pela qual se estabelece no artigo 111.º n.º 1 desta EOA que a responsabilidade disciplinar é independente das responsabilidades civil e criminal.", Cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 163.

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violação dos deveres consagrados no EOA, nos respetivos regulamentos e demais disposições

legais aplicáveis poder implicar uma sanção disciplinar nos termos dos artigos 109.º e

seguintes do EOA, a violação destas normas jurídicas poderá ser aferida também em juízo,

nomeadamente para efeitos de condenação em sede de responsabilidade civil.

Estas considerações traduzem-se num apoio à qualificação das normas deontológicas

do EOA como, simultaneamente, deontológicas e jurídicas. A plena juridicidade conferida às

normas deontológicas advém da Lei da Assembleia da República – Lei n.º 15/2005, de 26 de

Janeiro que aprovou o EOA – e está também patente no facto de a aferição da violação

daquelas normas poder ser efetuada em juízo. Neste sentido, atente-se também a ORLANDO

GUEDES DA COSTA ao observar que a juridicidade das normas de Direito Profissional do

Advogado decorre do disposto no artigo 6.º n.º 3 do EOA que estabelece a possibilidade de

recurso contencioso para os tribunais administrativos dos atos praticados pelos órgãos da

Ordem dos Advogados, sendo assim o Estado, através dos Tribunais, que impõe coativamente

as normas deontológicas50 51. Logo, parece-nos que a coercibilidade das normas deontológicas

dos advogados não resulta unicamente da sua responsabilidade disciplinar52 53 mas também da

49 Cfr. Capítulo 2. 50 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 12. 51 Será pertinente atender neste âmbito ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 31-05-2013, cujo sumário passamos a transcrever: “Sumário: I. Uma mesma conduta pode ser objecto de despacho de «arquivamento» e de despacho de «não pronúncia», no âmbito criminal, e objecto de condenação no âmbito disciplinar; II. Se é verdade que os tribunais devem respeitar a esfera do «poder disciplinar», sob pena de invadirem poderes e competências que não lhes pertencem, não é menos verdade que devem, e sob pena de falharem na sua missão, defender as «normas e os princípios gerais» que se impõem aos detentores do poder disciplinar, e que poderão, eventualmente, ser descurados na esfera do exercício desse poder in house, usando expressão importada de outro sector da justiça administrativa; III. Nem sempre é fácil divisar fronteiras entre as áreas da «justiça administrativa», a respeitar, e a da intervenção que o «poder judicial» está constitucionalmente obrigado a cumprir. Isto é, nem sempre é fácil fazer a articulação entre o procedimento disciplinar em que o arguido foi sancionado e o processo judicial em que ele impugna essa decisão sancionadora; IV. Será em face de cada caso concreto que o tribunal deverá ponderar se a «repetição de prova» já realizada no procedimento disciplinar, ou a «produção de nova prova» não requerida nesse procedimento, deve ou não ser levada a cabo em nome do cumprimento da missão de busca da verdade material, que é pressuposto ontológico da «tutela jurisdicional efectiva» garantida pela CRP; V. Mas naturalmente que esta «instrução judicial» apenas se poderá impor em casos de necessidade de desfazer dúvidas emergentes de depoimentos feitos perante o instrutor do procedimento disciplinar, importantes para a descoberta da verdade, em casos da actual existência de meios de prova de que o arguido não pôde dispor para sua defesa ao tempo desse procedimento, e não em caso de falta ou incorrecção de diligências instrutórias então realizadas, porque aqui, e por regra, desse défice instrutório decorrerá a invalidade do acto disciplinar”. 52 Em análise da natureza das normas deontológicas em Itália, atente-se ao aduzido por REMO DANOVI ao afirmar que “no âmbito deste ordenamento jurídico profissional, existem regras especiais (respeitantes à atividade profissional ou à inscrição, por exemplo), e depois há as normas deontológicas, que devem ser consideradas como normas jurídicas no âmbito do ordenamento profissional. (...) Uma outra prova da natureza jurídica do ordenamento profissional e das normas deontológicas advém do facto de que a violação de tais regras não envolve sanções morais, mas sim sanções jurídicas, previstas expressamente naquele ordenamento pela conclusão dos processos judiciais (pelo menos na segunda fase), com o controlo final das seções unidas do

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possibilidade da sindicância da sua violação em juízo, como veremos com mais detalhe

infra54. Na verdade, este entendimento é consentâneo com a nossa perspetiva sobre a defesa

do interesse público e dos interesses particulares que as normas deontológicas dos advogados

realizam.

De mais a mais, importará ainda atender aos interesses prosseguidos pelas normas

deontológicas, impondo-se algumas considerações relativamente às consequências

disciplinares que a sua violação origina. Segundo ANTÓNIO ARNAUT, “a responsabilidade

disciplinar destina-se a assegurar o cumprimento dos deveres a que estão vinculados os

membros de um qualquer corpo social, público ou privado, e a garantir a prossecução dos

seus objectivos. (…) Por isso, ao invés do que sucede no processo penal, em que os interesses

protegidos respeitam à própria comunidade, o fundamento do processo disciplinar reside,

primacialmente, na necessidade de garantir a coesão, dignidade e eficiência de certo grupo.”55 56.

Admitindo o anteriormente aduzido, impõe-se uma ressalva no que diz respeito à

atividade profissional dos advogados. Com efeito, a par da defesa dos interesses e objetivos

de determinado grupo, in casu da Ordem dos Advogados Portugueses, no que diz respeito à

atividade profissional dos advogados, está patente na imposição legislativa de normas

jurídico-deontológicas a prossecução do interesse público da boa administração da justiça e da

tutela dos interesses dos particulares. Assim, as normas deontológicas não se destinam

unicamente “a garantir o bom nome dos advogados e a respeitabilidade da (…) Instituição”57,

finalidade esta que é realizada através da responsabilidade disciplinar mas que não se

confunde com o fundamento primacial destas normas, ou seja, a tutela da boa administração

da justiça, e concretamente dos indivíduos que pretendem ver os seus direitos e interesses

representados. De facto, assumirá particular relevância neste sentido o Acórdão do Tribunal

Supremo Tribunal Federal (inclusive por violação da lei). As regras deontológicas são, portanto, normas jurídicas e sua violação importa uma sanção legal”, (tradução livre nossa) vide DANOVI, Remo, ob. cit., pp. 250 ss. 53 A competência disciplinar para aferir das violações deontológicas dos advogados nem sempre residiu no seio da própria classe. Na verdade, antes da criação da Ordem dos Advogados, o poder disciplinar sobre os advogados pertencia aos tribunais, em conformidade com o artigo 98.º do Código de Processo Penal de 1876. Contudo, hoje em dia, nos termos do artigo 109.º do EOA, essa competência cabe exclusivamente à OA. Cfr. ARNAUT, António, ob. cit., p. 163. 54 Infra Capítulo 2 e 3. 55ARNAUT, António, ob. cit., p. 161. 56 Em determinados casos a mesma infração pode constituir simultaneamente um infração disciplinar e criminal. No entanto, os dois processos são independentes, pelo que a condenação num deles não determina a condenação no outro, Cfr., ARNAUT, António, ob. cit., p. 161. 57ARNAUT, António, ob. cit., p. 162.

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da Relação do Porto de 29-05-2013, relatado por AUGUSTO LOURENÇO58, que determinou

que “a conduta típica, contrária aos deveres deontológicos, lesa o bem jurídico da realização

da justiça e atinge também a confiança da comunidade no exercício íntegro daquelas funções,

acabando por lesar a confiança e interesse privados dado que os advogados concorrem,

enquanto operadores especializados, para uma correcta e perfeita efectivação do interesse do

Estado concernente à administração da Justiça”.

Daí que é possível, uma vez mais, concluir indubitavelmente que as normas

deontológicas dos advogados não se destinam unicamente a garantir “a respeitabilidade da

(…) Instituição” avultando assim, a par deste objetivo, o seu escopo de tutela da boa

administração da justiça e dos interesses individuais dos cidadãos que recorrem aos serviços

destes profissionais forenses.

Portanto, é possível afirmar, assim, que as normas deontológicas não têm o propósito

único de garantir “a coesão, dignidade e eficiência de certo grupo”, uma vez que é necessário

atender também ao fundamento da intervenção legislativa nesta matéria, o que é posto em

evidência quando se afirma que o advogado tem uma função social e um importante papel na

administração do direito e da justiça. Através desta última consideração é possível vislumbrar

o fundamento ou a necessidade de garantir o cumprimento das normas deontológicas, pois, na

verdade, estas assumem um importante papel no acesso ao direito por parte dos cidadãos e na

própria administração da justiça e do direito. Sendo inequívoco que o advogado assume uma

imprescindível função social e que é um elemento indispensável à administração da justiça, as

normas que regulam o exercício da sua atividade profissional não poderão circunscrever-se

apenas aos objetivos e idoneidade da classe (isto é, de um interesse privado coletivo), pelo

que, inevitavelmente, emerge a tutela do interesse público na boa administração da justiça e

dos interesses dos particulares que veem os seus direitos e interesses patrocinados pelos

advogados.

58 Pela sua pertinência, não resistimos a transcrever sumário do referido Acórdão: “I – O crime de prevaricação de Advogado, p. e p. pelo art° 370° n° 1 do Código Penal, está enquadrado no âmbito dos crimes contra o Estado, o que lhe concede uma vertente pública em detrimento da perspectiva individualista. II - A conduta típica, contrária aos deveres deontológicos, lesa o bem jurídico da realização da justiça e atinge também a confiança da comunidade no exercício íntegro daquelas funções, acabando por lesar a confiança e interesse privados dado que os advogados concorrem, enquanto operadores especializados, para uma correcta e perfeita efectivação do interesse do Estado concernente à administração da Justiça. III – A norma consagra, pois, um tipo de crime de natureza complexa ao proteger, de forma simultânea e no mesmo plano de valor, tanto o interesse individual do cliente como a confiança no regular funcionamento da advocacia. IV – O tipo legal exige que da conduta do Advogado tenha resultado um prejuízo para a causa. V - Quanto ao elemento subjectivo, a lei exige que o agente actue intencionalmente”.

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As normas deontológicas dos advogados assumem, desta forma, plena juridicidade,

são jurídicas e não extrajurídicas, pelo que é possível concluir que se assumem como normas

deontológicas e ao mesmo tempo jurídicas, nas quais é possível vislumbrar um escopo de

tutela do interesse público59 na boa administração da justiça a par da tutela de interesses dos

particulares.

Com efeito, evidenciam-se assim os graves prejuízos e danos que a violação das

mesmas poderá originar.

Pelo exposto, poder-se-á justificar a necessidade de tutela dos danos que a violação

das normas deontológicas poderá originar, não só no que diz respeito à própria profissão –

cujo propósito é conseguido plenamente pela responsabilidade disciplinar dos advogados –

mas também no que diz respeito aos cidadãos que pretendem aceder ao sistema judiciário e

que veem com a violação destas normas os seus interesses e ou direitos violados60.

II. A atividade profissional dos advogados e a necessidade de uma tutela

indemnizatória e/ou compensatória

2.1 – As limitações da responsabilidade disciplinar na tutela dos clientes lesados

Como deixamos antever, a tutela dos direitos e interesses dos particulares em virtude

da violação de normas deontológicas dos advogados não será plenamente eficaz através da

responsabilidade disciplinar61. Na verdade, os cidadãos que recorrem aos serviços dos

advogados e que veem no decurso do seu patrocínio os seus direitos e interesses violados em

razão do não cumprimento daquelas normas não serão completamente ressarcidos ou

compensados através da responsabilidade disciplinar. O intento da responsabilidade

disciplinar dos advogados decorre, desde logo, do Decreto n.º 11715, de 12 de Junho, que

59 OLIVEIRA ASCENSÃO observa que também se equipara interesse público e interesse geral, Cfr. ASCENSÃO, Oliveira, “Direito Civil Teoria Geral”, Coimbra, Coimbra Editora, Vol. III, 2002, p. 108. 60 Atente-se ao aduzido por REMO DANOVI: “De facto, o processo disciplinar não se destina a proteger as legítimas expectativas dos credores (outros meios judiciais podem ser usados a este respeito), mas a intervenção dos órgãos disciplinares é fundamental para salvaguardar a dignidade de toda classe profissional e a imagem externa da mesma, que é comprometida pelo comportamento verificado”, (tradução livre nossa) vide DANOVI, Remo, ob. cit., p. 317. O referido autor evidencia assim o objetivo precípuo da responsabilidade disciplinar, contudo, não deixa de referir que a mesma não se destina a proteger as legítimas expectativas dos credores, afirmando a possibilidade de se recorrer a outros meios judiciais para tal. 61 No entanto, como adverte CUNHA GONÇALVES, “ (…) advogados e solicitadores incorrem em responsabilidade civil, para com os seus clientes, por aquêles mesmos factos que determinam a sua responsabilidade disciplinar e, às vezes, também a responsabilidade penal”, Cfr. GONÇALVES, Luís da Cunha, “Tratado de direito civil: em comentário ao código civil português”, Volume XII, Coimbra, Coimbra Editora, 1938, p. 762.

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criou a OA62, ao estabelecer no n.º 2 do seu artigo 1.º que constituía fim desta “ (…) exercer o

poder disciplinar sobre os Advogados de forma a assegurar-se o prestígio da classe e a

garantir-se a observância das boas normas de conduta profissional; contribuir para o progresso

do direito e o aperfeiçoamento das instituições judiciárias; e auxiliar a administração da

justiça”63 64.

De facto, do próprio intento da responsabilidade disciplinar não resulta a tutela dos

clientes lesados pelos advogados. Porém, revelará especial importância neste âmbito atentar à

sanção acessória prevista no n.º 3 do artigo 125.º do EOA, que determina a possibilidade de

restituição total ou parcial de honorários. No entanto, esta sanção acessória poderá não tutelar

cabalmente os interesses e ou os direitos dos cidadãos que recorrem aos serviços destes

profissionais uma vez que em função do incumprimento deontológico poderá justificar-se

uma compensação a título de danos não patrimoniais65 e por outro lado poderão também

resultar danos patrimoniais que não correspondam unicamente aos honorários pagos como,

v.g., no caso de o advogado cessar o patrocínio das questões que lhe estão cometidas

impossibilitando o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado (cfr. n.º 2 e

alínea e) do n.º 1 do artigo 95.º do EOA) ou ainda no caso de o advogado violar o dever de

sigilo profissional estabelecido no artigo 87.º do EOA66.

Assim, pelo simples facto de os danos patrimoniais poderem ser distintos dos

respeitantes aos honorários restituídos, ou de existirem danos não patrimoniais a tutelar,

resulta inequívoco que a simples sanção acessória de restituição total ou parcial de honorários

prevista no n.º 3 do artigo 125.º do EOA não oferece uma tutela cabal dos direitos e interesses

em causa. Ora, sendo certo que a responsabilidade disciplinar não tutela de forma cabal os

direitos ou interesses violados em função do incumprimento de uma norma deontológica,

62 Com especial enfoque na génese da OA, vide SILVA, Rebeca Ribeiro, ob. cit., pp. 24 ss. 63 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 41. 64 Atual artigo 3.º do EOA que estabelece as atribuições da OA. 65 Em anotação ao artigo 496.º do CC, ABÍLITO NETO refere que “há lugar a indemnização por danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil contratual, designadamente por negligência de advogado no cumprimento das suas obrigações como mandatário judicial (RP, 4-2-1992: CJ, 1992, 1.º - 232) ”´. No mesmo sentido, observa ainda o referido autor que na área da responsabilidade civil contratual também se verifica a obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, designadamente, no caso em que um “ (…) advogado, que, negligentemente, no exercício do mandado judicial, deixa de contestar uma acção, é obrigado a indemnizar o mandante pelos danos não patrimoniais que causar (RP, 4-2-1992: BMJ, 414.º - 637) ”, Cfr. NETO, ABÍLIO, “Código Civil Anotado”, 11ª Edição ref. e act., Lisboa, EDIFORUM, 1997, p. 416. Neste sentido, afirmam ainda MANUEL A. CARNEIRO DA FRADA e MARIA JOÃO PESTANA DE VASCONCELOS que “a maioria da doutrina, bem como a jurisprudência, é favorável à ressarcibilidade de danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade civil obrigacional”, cfr. FRADA, Manuel A. Carneiro da, “Danos económicos puros: ilustração de uma problemática / Manuel A. Carneiro da Frada, Maria João Pestana de Vasconcelos”, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 153. 66 Veremos com mais detalhe estas hipóteses infra.

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cumpre agora aferir em que medida o instituto da responsabilidade civil poderá responder às

questões colocadas67.

Já em 1938 CUNHA GONÇALVES esclarecia que o Estatuto Judiciário – Decreto-

Lei n.º 13 809, de 22 de Junho de 1927 – que extensamente especificava os deveres

deontológicos dos advogados, não fazia nenhuma alusão à responsabilidade civil destes nem à

dos solicitadores68. Todavia, observava o referido autor que “não devemos daí concluir,

porém, que o legislador julgou suficientemente acautelados os direitos e intêresses dos

litigantes pela assaz morosa e benévola acção disciplinar da Ordem dos advogados ou da

Câmara dos solicitadores”69 70, pois, como atenta aquele, a ação disciplinar destina-se, apenas,

67 ADALBERTO ALVES, em análise à história da advocacia em Portugal, refere desde logo, alguns normativos que regulavam a atividade dos advogados ao longo da história, dos quais destacaremos dois exemplos que especificamente pretendiam tutelar os cidadãos patrocinados pelos advogados. Atente-se assim ao Decálogo de Santo Ivo onde se previa que “os atrasos e a negligência do advogado causam prejuízo ao cliente do qual aquele deve indemnizar este, quando isso ocorra;” bem como ao Capítulo LIV do Sumário Extraído das Leis do Reino de Portugal onde se previa que “ (…) se o advogado por culpa sua causar dano à parte, deve satisfazer-lho (…) ” Cfr. ALVES, Adalberto, “História breve da advocacia em Portugal”, Porto, CTT Correios, 2003, pp. 204 e 215. Do mesmo modo, observa CUNHA GONÇALVES “ (…) a Ord. Felip., liv. I, tít. 48.º § 1.º, preceituava que, se os advogados forem negligentes, «de sorte-que recebam as partes, em seus feitos, alguma perda, lhes será esta satisfeita por seus bens» ”, GONÇALVES, Luís da Cunha, ob. cit., p. 763. 68 GONÇALVES, Luís da Cunha, ob. cit., p. 762. 69 Ibidem. 70 Não obstante as críticas apontadas à ação disciplinar da OA, atente-se às considerações aduzidas no âmbito do Acórdão n.º 497/89 do Tribunal Constitucional que passamos a transcrever: “ (…) poucas profissões haverá como ela em que se torne aconselhável — dir-se-á mesmo mais: em que se torna imperioso — que o Estado, uma vez definido o quadro legal genérico do acesso à actividade e do respectivo exercício, abra mão, depois, duma administração directa dos interesses ligados e subjacentes a essa reclamação, e a ponha a cargo da «corporação» dos correspondentes profissionais. Várias circunstâncias (como o elevado grau de formação científica e técnica exigido para o exercício da profissão, ou um tradicionalmente radicado «espírito de corporação») possibilitam e facilitam essa solução; mas impõem-na, em último e decisivo termo, a «autonomia técnica» de que a actividade em causa se reveste e a absoluta independência em que a mesma tem de desenvolver-se, tanto em face do Estado-juiz como do Estado-administrador — uma independência que constitui condição essencial da possibilidade de os advogados desempenharem com êxito, num Estado-de-direito democrático, a sua insubstituível «função social» (de intervenção e colaboração na realização e administração da justiça) e é pedra de toque da «dignidade e prestígio» da profissão”, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19890497.html. Estas considerações assumem particular relevância atualmente uma vez que a Lei n.º 2/2013 de 10 de Janeiro - Lei das Associações Públicas Profissionais -, no n.º 2 do seu artigo 45.º, determina que “as associações públicas profissionais estão sujeitas a tutela de legalidade idêntica à exercida pelo Governo sobre a administração autónoma territorial”. Esta tutela administrativa “ (…) é de natureza essencialmente inspetiva, salvo no âmbito da tutela de legalidade sob os regulamentos que versem sobre os estágios profissionais, as provas profissionais de acesso à profissão e as especialidades profissionais só produzem efeitos após homologação da respetiva tutela”, Cfr. ORDEM DOS ADVOGADOS [ed. lit.], “Boletim da Ordem dos Advogados”, n.º 98/99, Lisboa, Ordem dos Advogados, Janeiro/Fevereiro de 2013, p. 25. A referida alteração legislativa foi alvo de bastante contestação por parte da OA. Em comentário à reforma orgânica da OA em função da nova Lei das Associações Públicas Profissionais, o antigo Bastonário da OA, ANTÓNIO MARINHO e PINTO, esclarecia que a referida tutela administrativa do governo sobre a OA “ (…) permitirá ao Ministério da Justiça efetuar inspeções à nossa Ordem, bem como homologar, sob pena de invalidade, os regulamentos mais importantes. Além disso, equipara as ordens profissionais às autarquias locais, estabelecendo a possibilidade de o ministro da tutela suscitar o processo de dissolução de órgãos ou o de perda de mandato dos dirigentes eleitos. Cria ainda a obrigação de as associações públicas informarem e cooperarem com o governo, através do respectivo ministro da tutela”, logo, em face desta alteração legislativa, atenta o antigo Bastonário da OA que “ (…) este novo regime se traduz numa perda

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a manter o prestígio das respetivas corporações, pelo que, de nenhum modo exclui as demais

sanções estabelecidas pela lei civil e pela lei penal contra todos os que, infringindo os deveres

profissionais, lesam os direitos dos seus clientes71. No mesmo sentido, atente-se ainda a

MOITINHO DE ALMEIDA ao afirmar que “a profissão de advogado, não obstante a ética

que a envolve, não pode fugir à regra das demais profissões, tendo, como contrapartida dos

benefícios pecuniários recebidos, o risco do dever de indemnizar àqueles que, tendo recorrido

aos serviços do profissional, foram prejudicados por culpa, facto ilícito, ou ambas, do

mesmo”72 concluindo que “é a aplicação do preceito «quem procura um proveito cria um

risco». Daí a responsabilidade civil dos advogados”73.

Assim sendo, como já tivemos oportunidade de afirmar anteriormente, a tutela cabal

dos cidadãos que recorrem aos serviços destes profissionais forenses nunca se bastará com o

sancionamento disciplinar dos mesmos, impondo-se a condenação em sede de

responsabilidade civil pela violação de normas deontológicas nos casos em que se justifique o

ressarcimento dos danos sofridos74.

Cumpre ainda salientar, tal como adverte ANTÓNIO ARNAUT, que ao contrário do

que acontece em Espanha75 e em França76, em Portugal não se encontra expressamente

prevista a responsabilidade civil dos advogados, decorrendo esta da lei geral77.

Acompanhamos neste sentido a posição daquele autor ao afirmar que “embora esta

responsabilidade decorra da lei geral, parece útil e pedagógico que o novo Estatuto dos

advogados portugueses estabeleça um limite máximo de indemnização, até porque surgem,

frequentemente, queixas e acções contra advogados, apenas porque o cliente perdeu a significativa da independência da OA perante o governo e gera a impossibilidade de a Ordem cumprir a primeira das suas obrigações legais, que é a de defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Consabido que é que, em muitos casos, são os próprios governos que atentam contra o Estado de Direito e contra os direitos e garantias dos cidadãos, como é que a OA poderá defender esses direitos contra o governo que a tutela?”, vide MARINHO E PINTO, António A reforma orgânica da Ordem dos Advogados, Ordem dos Advogados, “Boletim da Ordem dos Advogados”, n.º 98/99, Lisboa, Ordem dos Advogados, Janeiro/Fevereiro de 2013, p. 4. 71 GONÇALVES, Luís da Cunha, ob. cit., p. 762. 72 ALMEIDA, L. P. Moitinho de, “Responsabilidade civil dos advogados”, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 8. 73 Ibidem. 74 Atente-se assim às já referidas considerações aduzidas por REMO DANOVI, cfr. notas de rodapé 52 e 60. 75 O “Estatuto General da la Abogacía Española”, aprovado pelo Real Decreto n.º 658/2001, de 22 de junho, dispõe, no n.º 2 do artigo 78.º, que “no exercício da sua atividade profissional os advogados estão sujeitos a responsabilidade civil por dolo ou negligência, quando causem danos aos interesses da defesa que lhes tenha sido confiada, responsabilidade que será exigível de acordo com a legislação ordinária perante os «Tribunales de Justicia», podendo ser legalmente determinada a imposição de um seguro obrigatório” (tradução livre nossa). 76 O autor observa que “em França também está legalmente prevista, desde 1971, a responsabilidade dos advogados «por negligência e faltas cometidas no exercício das suas funções», cfr. ARNAUT, António, ob. cit., p. 172. 77 Idem.

22

causa”78. O referido autor exemplifica ainda com o caso de um advogado que foi demandado

por alegadamente ter pressionado o cliente a aceitar uma transacção e posteriormente não a ter

impugnado, conforme suas instruções expressas. Neste caso, explicita o autor, a ação foi

improcedente na primeira instância tendo ainda sido confirmada a sentença em Recurso para o

Tribunal da Relação de Coimbra, “ (…) com o fundamento em que o advogado não praticou

qualquer falta, por não se lhe impor «prática de actos que, em sua consciência, entenda dever

recusar», considerando, assim, inaplicável o art 1161.º do Código Civil.”79. Por último,

enfatizamos a afirmação daquele Tribunal ao observar que “ (…) seria o descalabro

injustificado da advocacia e da Ordem dos Advogados, se estes tivessem que andar a

indemnizar todos os clientes que, posteriormente às tomadas de posição, pretendessem outras,

duvidassem do acerto do seu patrono ou acabassem por discordar dele”80.

2.2 – A responsabilidade civil dos advogados no EOA e o seguro de

responsabilidade civil de grupo da OA

Atualmente, apesar de, tal como referimos, não encontrarmos no EOA disposição

semelhante à encontrada em Espanha ou em França é possível identificar duas disposições

daquele Estatuto que fazem alusão à responsabilidade civil dos advogados81 82 83. Atente-se,

78 Ibidem. 79 Ibidem. 80 ARNAUT, António, ob. cit., p. 173. 81 O artigo 11.º da Lei n.º 49/2004 de 24 de agosto que define o sentido e o alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipifica o crime de procuradoria ilícita apresenta uma disposição com a epígrafe “responsabilidade civil”. Nos termos do referido artigo, os atos praticados em violação do disposto no artigo 1.º da supramencionada lei – que determina os atos próprios dos advogados e dos solicitadores estabelecendo que apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados e os solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores os podem praticar – presumem-se culposos, para efeitos de responsabilidade civil. Em anotação ao preâmbulo daquela lei, FERNANDO SOUSA MAGALHÃES atenta que o diploma, entre outros objetivos, visa “ (…) reforçar a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da lesão de interesses públicos inerentes ao regime de proibição da procuradoria ilícita pela instituição do princípio da presunção de culpa, e definir a Ordem dos Advogados e a Câmara dos Solicitadores como entidades com legitimidade para a propositura das respectivas acções judiciais” vide MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 265. O referido autor esclarece ainda, em anotação ao supracitado artigo 11.º, que “a introdução da presunção de culpa no domínio da responsabilidade civil é outra das soluções inovadoras da Lei 49/2004 e constitui uma outra arma importante no combate à procuradoria ilícita, já que um dos mais difíceis obstáculos anteriores nesse combate era, face às regras do ónus da prova, a demonstração pelo lesado da prática dos factos ilícitos e da culpa dos seus autores, auxiliares ou colaboradores” cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 274. Ora, face à análise da Lei n.º 49/2004 de 24 de agosto e às considerações aduzidas por FERNANDO SOUSA MAGALHÃES, será pertinente evidenciar que a ratio legis da norma estatuída no artigo 11.º da referida Lei, que determina uma inversão do ónus da prova, se deverá aplicar apenas às ações judiciais em que se discutam os danos ocasionados em razão da violação da norma que determina que apenas os advogados podem praticar os atos elencados. Com efeito, não parece daqui se deva entender que a inversão do ónus da prova, determinado nos termos do referido artigo, se deverá aplicar às ações de responsabilidade civil pela violação de normas deontológicas, ou seja pelo incumprimento da prestação devida pelo advogado, mas sim, e apenas, àquelas ações em que os danos se verificaram em razão de o seu autor não estar para eles legalmente habilitado.

23

desta forma, ao disposto no artigo 111.º do EOA que determina nos termos do seu n.º 1 que “a

responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou criminal” bem como

ao artigo 99.º do EOA84 85 sob a epígrafe “Responsabilidade civil profissional”.

Este último artigo diz unicamente respeito ao seguro de responsabilidade civil

profissional e determina, entre o mais, que o advogado português não suspenso, mesmo que

82 A Deliberação n.º 2511/2007 do Conselho Geral da OA aprovou a tradução na língua portuguesa do Código de Deontologia dos Advogados Europeus, originalmente adotado em sessão plenária do Conseil des Barreaux européens de 28 de Outubro de 1988 e subsequentemente alterado em 1998 e 2006. O ponto 3.9 do Código de Deontologia dos Advogados Europeus estabelece uma disposição relativa ao seguro de responsabilidade profissional. Nos termos do referido ponto: “3.9 - Seguro de responsabilidade profissional 3.9 - 1 - O advogado manterá um seguro de responsabilidade civil profissional num montante razoável e adequado à natureza e âmbito dos riscos a que está sujeito na sua actividade profissional. 3.9 - 2 - No caso de não ser possível ao advogado celebrar um seguro em conformidade com as regras precedentes, deve o advogado informar os seus clientes dessa situação e das suas possíveis consequências”. 83 A Lei n.º 2/2013 de 10 de Janeiro estabeleceu o novo regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. A referida Lei apresenta duas disposições referentes ao seguro de responsabilidade profissional. Com efeito, atente-se assim aos artigos 31.º e 38.º da Lei supracitada que passamos a transcrever: “Artigo 31.º - Seguro de responsabilidade profissional - Sem prejuízo do disposto no artigo 38.º, os estatutos das associações públicas profissionais podem fazer depender o exercício da profissão da subscrição de um seguro obrigatório de responsabilidade civil profissional ou da prestação de garantia ou instrumento equivalente, os quais devem ser adequados à natureza e à dimensão do risco, e apenas na medida em que o serviço profissional apresente risco direto e específico para a saúde ou segurança do destinatário do serviço ou terceiro ou para a segurança financeira do destinatário do serviço; Artigo 38.º - Seguro de responsabilidade profissional – 1 — Não pode ser imposta a um prestador de serviços profissionais estabelecido noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu a subscrição de um seguro de responsabilidade profissional pela atividade desenvolvida em território nacional caso o mesmo tenha essa atividade, total ou parcialmente, coberta por seguro, garantia ou instrumento equivalente subscrito ou prestado no Estado membro onde se encontre estabelecido. 2 — Caso o seguro, a garantia ou o instrumento equivalente subscrito noutro Estado membro cubra parcialmente os riscos decorrentes da atividade, o prestador de serviços deve complementá -lo de forma a abranger os elementos ou riscos não cobertos. 3 — Para efeitos do disposto nos números anteriores, o profissional deve entregar à associação pública profissional a respetiva certidão emitida por instituição de crédito ou empresa de seguros estabelecida em qualquer outro Estado membro, a qual é título bastante para a demonstração do cumprimento do requisito de cobertura da atividade por seguro ou garantia equivalente subscrito ou prestado no Estado membro onde se encontre estabelecido”. 84 Nos termos do artigo 99.º do EOA com a epígrafe “Responsabilidade civil profissional”: “1 - O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua actividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo conselho geral e que tem como limite mínimo (euro) 250000, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados. 2 - Quando a responsabilidade civil profissional do advogado se fundar na mera culpa, o montante da indemnização tem como limite máximo o correspondente ao fixado para o seguro referido no número anterior, devendo o advogado inscrever no seu papel timbrado a expressão 'responsabilidade limitada'. 3 - O disposto no número anterior não se aplica sempre que o advogado não cumpra o estabelecido no n.º 1 ou declare não pretender qualquer limite para a sua responsabilidade civil profissional, caso em que beneficia sempre do seguro de responsabilidade profissional mínima de grupo de (euro) 50000, de que são titulares todos os advogados portugueses não suspensos.” 85 CAROLINA CUNHA alerta para o problema decorrente dos casos em que ocorra uma obrigatoriedade de realização do seguro profissional e das contribuições previdenciais junto da ordem ou de empresa por ela designada - impedindo os seus membros de livremente procurarem no mercado as alternativas que lhes sejam mais convenientes, sob o ponto de vista do preço e das restantes condições oferecidas. Cfr, CUNHA, Carolina, ob. cit., p. 479.

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não pretenda a limitação da sua responsabilidade civil profissional, beneficia sempre do

seguro de responsabilidade profissional mínima de grupo de 50.000 euros patrocinado pela

OA. Não obstante esse montante mínimo que a OA tem de segurar, no presente ano, a

apólice86 do seguro de responsabilidade profissional contratada por esta Ordem profissional,

através do seu Conselho Geral, cobre riscos e danos dos advogados – em prática individual ou

societária87 – no exercício da profissão até 150.000 euros. Com efeito, denota-se, desde logo,

a importância que assume o seguro de responsabilidade profissional para a própria OA, que

mediante a referida subscrição do seguro de grupo com um montante superior ao mínimo

legalmente determinado exerce uma tutela indireta dos interesses dos particulares.

Este seguro de grupo não está dependente de qualquer tipo de contacto ou adesão88,

garantindo ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer

reclamação de responsabilidade civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada

contra este, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros89,

por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele

deva legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de

funções nos órgãos da OA90.

A redação do artigo 2.º das condições especiais da apólice do seguro de grupo da OA,

que estabelece o objeto do seguro, poderá suscitar dúvidas quanto à cobertura dos danos não

patrimoniais causados a terceiros no desempenho da sua atividade profissional, em virtude de

na mesma não constar qualquer previsão expressa de cobertura daqueles danos, ao contrário

do que diz respeito aos danos patrimoniais. Todavia, o referido seguro de grupo cobre de 86 Apólice de seguro disponível em http://www.oa.pt/upl/%7B654ddd7e-c7bf-4850-8aba-a8b9d1c46622%7D.pdf (consultada em 21.06.2014). 87 Nos termos das condições particulares do seguro de responsabilidade civil, é garantida a responsabilidade decorrente de reclamações apresentadas contra Sociedades e Escritórios de Advogados (independentemente de forma jurídica adotada) sempre que resultem de erro profissional praticado por advogado segurado, quando este se encontre inserido no escritório por qualquer das formas permitidas por lei. 88 Cfr. ORDEM DOS ADVOGADOS [ed. lit.], “Boletim da Ordem dos Advogados”, n.º 110, Lisboa, Ordem dos Advogados, Janeiro de 2014, p. 12. 89 O ponto 11 do artigo 1.º das condições especiais da apólice do seguro de grupo da OA define “terceiros” como: “qualquer pessoa singular ou coletiva distinta de: a) O tomador de seguro e o segurado; b) Seus cônjuges, ascendentes e descentes e bem assim as pessoas que vivam habitualmente no domicílio do segurado; c) Os sócios, quadros diretivos, empregados forenses, advogados estagiários e quaisquer pessoas que, de facto ou de direito, dependam do tomador do seguro ou do segurado, enquanto atuem no âmbito da dita dependência”. 90 Cfr. Artigo 2.º das condições especiais da apólice do seguro de grupo da OA. Nos termos do disposto no artigo 2.º/1 das condições especiais da apólice do seguro de grupo da OA: “Mediante pagamento do prémio, e sujeito aos termos e condições da apólice, a presente tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados”.

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igual forma os danos não patrimoniais causados a terceiros no desempenho da sua atividade

profissional. A hipótese inversa atentaria gravemente e de forma injustificada contra a tutela

erigida pelo seguro de grupo. A resposta a esta questão é também corroborada ao se atentar ao

disposto na alínea g) do artigo 3.º das condições especiais da apólice, que estabelece que estão

excluídas da cobertura da seguro de grupo da OA as reclamações “derivadas da infração de

direitos de autor, patente ou marca registada, ou qualquer direito de propriedade intelectual,

bem como injúrias, calúnias, atentado à honra, intimidade ou imagem pessoal, danos morais,

desde que tais atos sejam praticados fora do âmbito do exercício da atividade profissional do

segurado", o que permite concluir, a contrario sensu, que os danos não patrimoniais causados

a terceiros no desempenho da atividade profissional dos advogados encontram-se cobertos

pelo seguro de grupo da OA91.

No que diz respeito às reclamações com base em dolo, estabelece-se na alínea s) do

artigo 3.º das condições especiais da apólice do seguro de grupo da OA que “sem prejuízo de

regime diverso previsto em legislação especial, satisfeita a indemnização, o segurador tem

direito de regresso, relativamente à quantia despendida, contra o segurado que tenha causado

dolosamente o dano ou tenha de outra forma lesado dolosamente o segurador após o sinistro”.

A cobertura base da apólice abrange o capital de 150.000 euros por sinistro (sem

limite por anuidade) por advogado segurado, sem prejuízo da cumulação com os valores de

gastos de defesa, fianças civis e penais, sendo ilimitado o agregado anual da apólice. Dispõe

ainda de uma franquia de 5000 euros por sinistro – não oponível a terceiros – para poder ser

acionada, que, no entanto, poderá ser eliminada com a subscrição de uma apólice de reforço.

A sua retroatividade é ilimitada e no que diz respeito a danos a registos e documentos tem

como limite o capital máximo de 150.000 euros por sinistro e anuidade. O âmbito territorial

de aplicação da apólice abrange todo o mundo com exceção dos Estados Unidos da América e

do Canadá, bem como territórios sob sua jurisdição e tem um âmbito de aplicação temporal

base “claims made”, ou seja, a data do sinistro é a data da primeira reclamação92. Assim, o

âmbito de aplicação temporal da apólice implica que o segurador assuma a cobertura da

responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra este

91 Contactada a Companhia de Seguros titular do seguro de grupo da OA a respeito das eventuais dúvidas suscitadas pela redação do artigo 2.º/1 das condições especiais da apólice do seguro referido, fomos informados que será efetuada uma atualização da apólice do referido seguro no sentido de incluir na redação do artigo supracitado a alusão expressa à cobertura dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos órgãos da OA. 92 Informação disponível em https://www.oa.pt/conteudos/artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=5&idsc=60752 (consultada em 21.06.2014).

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ou contra o tomador do seguro, ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que

participados após o início da vigência da apólice referida, sempre e quando as reclamações

tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela apólice,

e sem qualquer limitação temporal da retroatividade93.

O artigo 8.º das condições especiais da apólice de seguro de grupo da OA determina as

condições aplicáveis às reclamações e estabelece nos seus números 10 e 14 duas hipóteses

que revelam especial importância nos danos a suportar pelos profissionais segurados. Assim,

nos termos do n.º 10 do referido artigo 8.º, na hipótese de um segurado ser condenado por

responsabilidade civil no exercício da sua profissão no âmbito de um procedimento judicial

de qualquer índole, a decisão da conveniência de recorrer da decisão para uma instância

superior caberá ao segurador. Se o profissional segurado decidir por si próprio recorrer, atuará

por sua exclusiva conta e ficará obrigado a reembolsar os gastos de defesa em que o segurador

possa vir a incorrer. Por sua vez, a responsabilidade do segurador, nesta hipótese, não

excederá o montante pelo qual a reclamação teria sido resolvida na data em que a sentença foi

proferida, acrescido dos honorários, custas e gastos de defesa jurídica incorridos com o seu

consentimento, deduzida a franquia, e sempre sujeita ao limite de indemnização disponível

sob a apólice. Do mesmo modo, nos termos do n.º 14 do referido artigo 8.º, nas hipóteses de

desacordo entre segurado e segurador sobre a condução da resolução de uma demanda em que

o segurado opte por impugnar ou continuar o respetivo procedimento legal, a

responsabilidade do segurador não excederá o montante pelo qual a reclamação teria sido

resolvida na data em que o desacordo se produziu, acrescido dos honorários, custas e gastos

de defesa jurídica incorridos com o seu consentimento, deduzida a franquia, e sempre sujeita

ao limite de indemnização disponível sob a apólice.

Por outro lado, apesar de o regime-regra ser o de responsabilidade pessoal e ilimitada,

caso o advogado pretenda limitar a sua responsabilidade nos casos em que esta se funde em

mera culpa – pois nas hipóteses de dolo não poderá ocorrer a limitação da sua

responsabilidade – terá de, nos termos do artigo 99.º do EOA, celebrar e manter um seguro de

responsabilidade civil profissional por um capital com o limite mínimo de 250.000 euros e

inscrever no seu papel timbrado a expressão “responsabilidade limitada”94. A limitação da

93 Ponto 7 das condições particulares da apólice de seguro disponibilizada em http://www.oa.pt/upl/%7B654ddd7e-c7bf-4850-8aba-a8b9d1c46622%7D.pdf (consultada em 21.06.2014). 94 Segundo o Parecer do Conselho Distrital do Porto de 2007.01.06 relatado por CARLOS MATEUS, a noção de “papel timbrado” diz respeito a “qualquer documento onde se preste informação e publicidade da actividade profissional, assim se incluindo o suporte escrito no exercício da acção do Advogado, tal como papel de carta,

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responsabilidade civil profissional poderá ser efetuada mediante a subscrição de uma apólice

de reforço do seguro de grupo da OA95 – pois o referido seguro abrange apenas o capital de

150.000 euros por sinistro – que eliminará a franquia de 5.000 euros da apólice do seguro de

grupo. Contudo, segundo ELSA MARIANO, à luz dos dados relativos às ocorrências do ano

de 2012, “ (…) os reforços não são muitos populares entre a classe. Das 265 ocorrências

apenas em 45 existiam apólices de reforço ativas. Destas, 50% correspondem a processos em

que a indemnização pedida é inferior à franquia de cinco mil euros”96 97.

Atente-se que o artigo 99.º do EOA insere-se no Capítulo II do Título III (Deontologia

Profissional) que diz respeito à relação com os clientes, pelo que é a essa relação, cliente-

advogado, que se referem as normas relativas ao seguro de responsabilidade civil. Assim,

importará realçar, tal como explicita CARLOS MATEUS, que no que diz respeito aos “ (…)

danos produzidos nos bens e nas pessoas de terceiros, inexiste limitação, funcionando o

seguro como uma transferência parcial ou total da cobertura do risco e da actividade

profissional do Advogado, seus colaboradores e empregados”98.

No que concerne às sociedades de advogados atente-se ao disposto no artigo 37.º do

Decreto-Lei 229/2004 de 10 de dezembro 99 que determina que caso optem pelo regime de

carimbo, cartões de visita, cabeçalho das peças judiciais e também nos documentos extrajudiciais usados nas repartições públicas”, Cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 147. 95 No ano de 2014, o prémio do seguro de reforço do montante de 100.000 euros, ou seja, o que perfaz o capital segurado de 250.000 euros e permite ao advogado limitar a sua responsabilidade civil, é de 87 euros, Cfr. informação disponibilizada em https://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31629&idsc=129832&zdc=1 (consultada em 21.06.2014). 96 Cfr. MARIANO, Elsa, Responsabilidade Civil Profissional - O seguro de grupo da OA, Ordem dos Advogados, “Boletim da Ordem dos Advogados”, n.º 100, Lisboa, Ordem dos Advogados, Março de 2013, pp. 42 ss. 97 Segundo JOÃO MOURÃO, “ (…) existe um enorme número de ocorrências que não chegam a ser reportadas por falta de reforço e pelo facto de o valor de indemnização ser inferior à franquia”, vide MARIANO, Elsa, ob. cit., p. 43. Com efeito, “ (…) verifica-se um exponencial aumento de processos de sinistro em que a indemnização é inferior à franquia de cinco mil euros, o que para os advogados sem apólice de reforço significa que não valerá sequer a pena accionar a apólice de grupo, pois têm a seu cargo um montante até cinco mil euros por quaisquer reclamações que lhes possam ser dirigidas”, cfr. TEIXEIRA, Andreia Pinto, O seguro de responsabilidade civil profissional e a limitação da responsabilidade dos advogados, Ordem dos Advogados, “Boletim da Ordem dos Advogados”, n.º 114, Lisboa, Ordem dos Advogados, Maio de 2014, p. 45. 98 MATEUS, Carlos, “A limitação da responsabilidade civil profissional de advogado em prática isolada”, [Em linha], Verbo Jurídico, Abril de 2007 p. 7, disponível http://www.verbojuridico.com/doutrina/civil/civil_limitacaoresponsabilidadeadvogado.pdf, consultado a 21.06.2014. 99 Segundo o artigo 37.º do Decreto-Lei 229/2004 de 10 de dezembro com a epígrafe “Seguro obrigatório de responsabilidade civil”: “1 - As sociedades de advogados que optem pelo regime de responsabilidade limitada devem obrigatoriamente contratar um seguro de responsabilidade civil para cobrir os riscos inerentes ao exercício da actividade profissional dos seus sócios, associados, advogados estagiários, agentes ou mandatários. 2 - O capital mínimo obrigatoriamente seguro não pode ser inferior ao valor correspondente a 50% do valor de facturação da sociedade no ano anterior, com um mínimo de (euro) 50000 e um máximo de (euro) 5000000.

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responsabilidade limitada devem obrigatoriamente contratar um seguro de responsabilidade

civil cujo capital mínimo “não pode ser inferior ao valor correspondente a 50% do valor de

facturação da sociedade no ano anterior, com um mínimo de (euro) 50000 e um máximo de

(euro) 5000000”. Na hipótese contrária, nos termos do n.º 4 do referido normativo, os sócios

serão ilimitadamente responsáveis “pelas dívidas sociais geradas durante o período do

incumprimento do dever de celebração do seguro”. No entanto, refira-se ainda que, nos

termos do ponto 12.1.1 das condições particulares da apólice de seguro de grupo da OA, nos

casos em que a atividade profissional dos segurados seja desenvolvida ao abrigo de uma

Sociedade de Advogados, a cobertura providenciada pela supracitada apólice, sem prejuízo

dos respetivos limites de indemnização, funcionará apenas na falta ou insuficiência de apólice

de responsabilidade civil profissional que garanta a Sociedade de Advogados, entendendo-se

esta última como celebrada em primeiro.

O seguro de responsabilidade profissional100 assume cada vez mais importância na

tutela dos interesses e direitos dos particulares, funcionando até, por vezes, como um

elemento determinante nos critérios de escolha dos advogados pelos próprios clientes. A

apólice de grupo foi instituída apenas em 2004101, contudo, é notória a importância que a

mesma assume na tutela dos interesses dos particulares que recorrem aos serviços dos

advogados.

De facto “o esclarecimento das massas populacionais acentua a consciencialização de

cada pessoa sobre os direitos de que é titular”102, pelo que, no que diz respeito ao tema em

3 - No ano de constituição da sociedade de advogados, o valor do seguro de responsabilidade civil corresponde ao limite mínimo referido no número anterior. 4 - O não cumprimento do disposto no presente artigo implica a responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas sociais geradas durante o período do incumprimento do dever de celebração do seguro”. 100 Será pertinente neste âmbito o Parecer n.º 12/PP/2009-G do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, relatado por MARCELINO PIRES, relativo aos danos que deveriam ser cobertos pelo contrato de seguro de responsabilidade profissional celebrado entre uma advogada e a respetiva seguradora. Em causa estava a condenação judicial da advogada no pagamento das custas relativas ao procedimento cautelar, à ação e respetivos recursos por si intentados em patrocínio dos seus clientes devido a uma errónea interpretação da lei. Chamado a deliberar, pronunciou-se o referido órgão no sentido de que uma vez que os clientes da advogada em causa não sofreram qualquer dano com a respetiva condenação, pois a advogada foi diretamente condenada a pagar as custas do processo em virtude de um erro próprio, não resultou qualquer dano quer para as partes quer para terceiros, inexistindo consequentemente responsabilidade civil. Desta forma, declarou aquele órgão que “a decisão judicial que obriga uma advogada a pagar as custas de um processo e a restituir as taxas já liquidadas pelas partes não constitui a advogada em responsabilidade civil, pois não se verifica o pressuposto do dano”, razão pela qual a seguradora não seria responsável pelo pagamento, devendo a advogada suportar as referidas despesas. Parecer disponível em http://www.biblioteca.porto.ucp.pt/docbweb/download.asp?file=multimedia/associa/pdf/roa_7_71.pdf, consultado a 21.06.2014. 101 Cfr. MARIANO, Elsa, ob. cit., p. 42. 102 PEDRO, Rute Teixeira, “Da tutela do doente lesado – breves reflexões”, Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano V – 2008, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 419.

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apreço, face ao aumento de queixas103 e ações contra advogados104 e à insuficiência da

responsabilidade disciplinar na tutela dos direitos e/ou interesses dos particulares, feita esta

breve análise sobre o seguro de grupo da OA, impõe-se uma clarificação das situações que

podem justificar uma pretensão indemnizatória bem como das particularidades do regime da

responsabilidade civil dos advogados.

III. A responsabilidade civil dos advogados pela violação de normas

deontológicas

3.1 – A violação de normas deontológicas dos advogados como fundamento de

uma pretensão indemnizatória ou compensatória?

Acompanhamos aqueles autores que afirmam que o regime de responsabilidade

profissional (também designada responsabilidade dos profissionais liberais) não constitui um

instituto autónomo ou uma secção autónoma de um instituto de direito civil105. Todavia, esta

posição não preclude o tratamento de determinadas particularidades decorrentes do regime

geral que a responsabilidade civil dos advogados apresenta106. Assim, tal como atenta

103 De acordo com NUNO GUEDES em notícia publicada em 17.02.2014 pela TSF - Rádio Notícias, as queixas feitas contra advogados junto da OA são cada vez mais. Segundo os dados avançados, os três maiores conselhos distritais - Lisboa, Porto e Coimbra - tinham pendentes naquela data aproximadamente cinco mil processos. A mesma notícia refere ainda que os fundamentos das queixas são variados, encontrando-se entre eles os seguintes: “falta de julgamento; queixas porque entendem que há excesso de linguagem nas peças que os advogados fazem; clientes particulares que perdem os processos e depois culpam os advogados; quando os advogados apresentam nota de honorário; e depois há casos residuais relacionados com dinheiro”. Por outro lado, segundo avança notícia referida, ANTÓNIO FERREIRA DE CIMA, Presidente do Conselho de Deontologia da OA do Porto, afirma que ”a própria austeridade e a situação de vida económica do país e das pessoas também levou ao aumento do número de queixas porque as pessoas agarram-se a tudo e mais alguma coisa”, cfr. GUEDES, Nuno, Há quase 5 mil processos contra advogados, disponível em http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=3690217&page=-1. 104 Segundo ELSA MARIANO, desde 2004 o aumento do número de reclamações da apólice do seguro de grupo da OA é superior a 300%, Cfr. MARIANO, Elsa, ob. cit., pp. 42 ss. Por outro lado, tal como refere REBECA RIBEIRO SILVA, “participar de um advogado à OA é um ato gratuito e cada vez mais facilitado pela utilização dos meios eletrónicos. O art. 176.º do Estatuto da OA determina que não existam quaisquer custas ou impostos nos processos que corram na Ordem”, Cfr. SILVA, Rebeca Ribeiro, Paranoia litigante – O litígio transformado em obsessão, Ordem dos Advogados, “Boletim da Ordem dos Advogados”, n.º 105/106, Lisboa, Ordem dos Advogados, Agosto/Setembro 2013, p. 27. Aliás, nos termos da alínea g) do artigo 23.º da Lei n.º 2/2013 de 10 de Janeiro - Lei das Associações Públicas Profissionais – as associações públicas profissionais devem disponibilizar ao público em geral, através do sítio eletrónico da associação, o procedimento de apresentação de queixa ou reclamações pelos destinatários relativamente aos serviços prestados pelo profissional no âmbito da sua atividade. 105 Vide neste sentido FREITAS, José Lebre de, “Estudos sobre direito civil e processo civil”, 2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, Vol. II, 2009, pp. 689 ss; FRADA, Manuel A. Carneiro da, “Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil”, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 329 ss. 106 A respeito da responsabilidade dos profissionais liberais, JOSÉ LEBRE DE FREITAS observa que “ (…) a única maneira de encarar o tema consistirá em procurar no quadro das questões gerais da responsabilidade civil, algumas cujo tratamento, doutrinal ou jurisprudencial, possa oferecer interesse (mais que não seja ao nível da

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CARNEIRO DA FRADA, as objeções apontadas à responsabilidade profissional enquanto

conceito jurídico-sistemático “ (…) não impedem entretanto que o exercício de uma profissão

constitua um elemento relevante na especificação de um conjunto de deveres a observar sob

pena de responsabilidade”107, acrescentando ainda o referido autor que “esse exercício

representa um factor de modelação e afinamento de exigências de comportamento

materialmente fundado”108. Ora, tal como já referimos supra, o regime de responsabilidade

civil dos advogados decorre da lei geral109, pelo que, atentas as enunciadas particularidades do

regime geral, as normas deontológicas poderão desempenhar a designada função de

“modelação e afinamento de exigências de comportamento” através da “especificação dos

deveres a observar sob pena de responsabilidade”.

Desta forma, nos casos em que em virtude do incumprimento de uma norma

deontológica o cliente seja lesado, patrimonial ou moralmente - impondo-se o ressarcimento

do dano -, questionamo-nos qual o papel que as normas deontológicas deverão desempenhar

neste âmbito. Isto é, será o incumprimento de normas deontológicas suscetível de

fundamentar uma eventual tutela cível?

Assim, no que respeita à questão aqui suscitada, iremos, seguidamente, atender às

considerações tecidas por vários autores portugueses que julgamos serem bastante

esclarecedoras. Consideramos desde logo que CUNHA GONÇALVES é bastante explícito ao

afirmar que a “ (…) acção disciplinar destina-se, apenas, a manter o prestígio das respectivas

corporações, e de nenhum modo exclue as demais sanções que as leis civil e penal

estabelecem contra todos os que, infringindo os deveres profissionais, lesam os direitos dos

seus clientes”110. Aliás, segundo MOITINHO DE ALMEIDA, “a omissão dos deveres

profissionais do advogado também os faz incorrer em responsabilidade civil”111. Por sua vez,

JOSÉ LEBRE DE FREITAS atenta que um dos pontos da teoria geral da responsabilidade

civil que merece reflexão diz respeito à aplicação da distinção entre responsabilidade

contratual e delitual uma vez que “ (…) se, é certo que a actuação do profissional liberal se

concretização de conceitos e regimes) no campo da prestação de serviços e, designadamente, no do exercício de certas profissões, como as de advogado, médico, engenheiro e arquitecto”, Cfr. FREITAS, José Lebre de, ob. cit., p. 689. 107 FRADA, Manuel A. Carneiro, ob. cit., p. 335. 108 Idem. 109 Explicitando que a recondução da responsabilidade às estruturas dogmáticas comuns evita a objeção dirigida contra a sua suficiência e autonomia, bem como evita ainda a dificuldade decorrente de essa categoria parecer ser supérflua ou deslocada para enquadrar certas situações que também reclamam uma tutela ressarcitória por parte da ordem jurídica, vide FRADA, Manuel A. Carneiro da, ob. cit., p. 338. 110 GONÇALVES, Luís da Cunha, ob. cit., p. 762. 111 ALMEIDA, L. P. Moitinho de, ob. cit., p. 8.

31

faz, na maioria dos casos com base num contrato de prestação de serviços, tal não exclui que a

responsabilidade possa emergir da violação de deveres deontológicos, à margem da violação

do dever específico naturalmente assumido”112. Por outro lado, ANTÓNIO ARNAUT

defende que a responsabilidade civil dos advogados será de natureza extracontratual113,

explicitando que “ (…) sendo a advocacia uma actividade de eminente interesse público, a

responsabilidade civil decorrente do seu exercício só pode resultar da infracção de deveres

deontológicos estabelecidos, justamente, em nome daquele interesse”114.

De facto, a Doutrina portuguesa equaciona os eventuais danos decorrentes da violação

destas normas atento o seu papel de especificação dos deveres a observar no exercício da

profissão. Logo, nas hipóteses em que o inadimplemento destas normas origine danos,

justificar-se-á uma pretensão indemnizatória ou compensatória em razão da sua violação, pois

só assim se poderão tutelar plenamente os interesses e direitos dos particulares que são

patrocinados pelos advogados.

A problemática da violação dos deveres deontológicos dos advogados é versada por

JOSÉ LEBRE DE FREITAS que evidencia a existência de diversas decisões nesta matéria

por parte dos tribunais de outros países europeus, nomeadamente nos casos em que o

advogado não chama a atenção do cliente para o decurso do prazo de prescrição do seu

direito, ou ainda nos casos em que cessado o patrocínio por revogação ou renúncia ao

mandato o advogado não presta a informação necessária sobre o estado do processo e dos atos

que no mesmo deverão ser praticados115.

Como referimos, encontramos diversos autores que admitem que a violação de normas

deontológicas representa um facto ilícito, pelo que, segundo os mesmos, caso se verifiquem

os restantes requisitos da responsabilidade civil, incorrerá o advogado em responsabilidade

civil em função daquela mesma violação.

112 FREITAS, Lebre de, ob. cit, p. 690. 113 Iremos pronunciar-nos sobre esta qualificação da natureza da responsabilidade civil pela violação de normas deontológicas na relação entre advogado e cliente - que não acompanhamos - no ponto 3.2. do presente trabalho. 114 ARNAUT, António, ob. cit., p. 170. O referido autor acrescenta que “ (…) é, por isso que a responsabilidade civil do advogado acompanha sempre a sua responsabilidade disciplinar, pois esta é o pressuposto e o fundamento daquela.”, cfr. Idem. No mesmo sentido, CUNHA GONÇALVES faz notar que os advogados incorrem em responsabilidade civil pelos mesmos factos que determinam a sua responsabilidade disciplinar e, por vezes, também a sua responsabilidade penal, cfr. GONÇAVES, Luís da Cunha, ob. cit., p. 762. Uma vez evidenciado o interesse público da profissão, bem como a respetiva correlação entre este e a responsabilidade civil dos advogados por violação dos deveres deontológicos que lhes incumbem, acompanha-se neste aspeto a posição dos referidos autores ao afirmarem que a responsabilidade civil do advogado acompanha sempre a sua responsabilidade disciplinar, pois esta é o “pressuposto e fundamento daquela”. No entanto, atente-se que o inverso poderá já não se verificar, ou seja, poderá haver lugar a responsabilidade disciplinar sem que se justifique uma tutela ressarcitória através da responsabilidade civil. 115 FREITAS, LEBRE DE, ob. cit, p. 694.

32

Por conseguinte, importará elencar alguns exemplos de violações deontológicas que

poderão justificar uma tutela ressarcitória através do instituto da responsabilidade civil. Em

alusão ao antigo artigo 83.º do EOA subordinado à epígrafe “deveres do advogado para com

cliente”116 (correspondente grosso modo ao atual artigo 95.º do EOA), MOITINHO DE

ALMEIDA afirma expressamente que a violação de qualquer um dos preceitos presentes no

referido artigo resultaria na prática de um facto ilícito, pelo que, se acompanhado de culpa, de

um prejuízo para o cliente e de um nexo de causalidade entre a culpa e o prejuízo, incorreria o

advogado em responsabilidade civil para com o cliente117 118. Neste sentido, uma hipótese que

assume bastante relevância neste âmbito diz respeito à violação do segredo profissional do

advogado, obrigação consignada no artigo 87.º do EOA e que a jurisprudência da Ordem dos

Advogados considera pacificamente o timbre da advocacia119. Com efeito, JORGE

ADRIANO CARLOS observa que a violação de um dever deontológico, como por exemplo o

dever de segredo profissional estabelecido no artigo 87.º do EOA, representa a prática de um

facto ilícito, suscetível de ser integrado na norma estabelecida no artigo 483.º do CC, pelo

que, verificados os demais pressupostos, poderá o advogado incorrer em responsabilidade

civil120 121.

116 Sem prejuízo das demais normas deontológicas que regem a atividade profissional dos advogados, nomeadamente as que resultam dos artigos 83.º a 108.º do EOA, atualmente as normas deontológicas que regem a relação dos advogados com os clientes encontram-se consagradas nos artigos 92.º a 102.º do EOA. 117 ALMEIDA, L. P. Moitinho de, ob. cit., pp. 15 ss. 118 L.P. MOITINHO DE ALMEIDA qualifica como extracontratual a violação das normas decorrentes do referido artigo 83.º do EOA que estabelecia os deveres do advogado para com o cliente, cfr. ALMEIDA, L. P. Moitinho de, ob. cit., p. 16. 119 MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 119. 120 CARLOS, Jorge Adriano, “A responsabilidade do advogado por violação do segredo profissional”, [Em linha], pp. 1050 ss., disponível em http://www.oa.pt/upl/%7B1e549a92-3605-48df-8809-373380ddba96%7D.pdf, consultado a 21.06.2014. 121 O referido autor, esclarece ainda que no caso de violação do segredo profissional, que constitui um dever de ordem pública, não será admissível estabelecer contratualmente uma cláusula de exceção da responsabilidade de reparar os prejuízos causados no exercício da profissão através da desvinculação da responsabilidade civil por violação, eventual, de um dever deontológico, in casu, do segredo profissional. Ora, para o referido autor, esta solução resulta do disposto no n.º 2 do artigo 800.º do CC, pelo que se as partes estabelecerem tal cláusula, esta deve considerar-se como nula nos termos do artigo 809.º do CC, Cfr. CARLOS, Jorge Adriano, ob. cit., pp. 1051 ss. Por outro lado, o autor equaciona a hipótese de ocorrer a prestação do consentimento para a revelação de factos ou documentos protegidos pelo segredo profissional por parte do cliente, questionando se o referido consentimento excluirá a ilicitude civil e consequentemente a obrigação de indemnizar. Segundo o mesmo, a resposta a esta questão encontra-se no n.º 2 do artigo 340.º do CC que determina que “o consentimento do lesado não exclui, porém, a ilicitude do acto, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes”. Todavia, explicita o autor, deve ser efetuada a distinção entre ilicitude civil e obrigação de indemnizar. Desta forma, “se o advogado provar a culpa do lesado, (…) ainda que não se afaste a sua responsabilidade na prática de um facto ilícito, deve considerar-se a medida da culpa do cliente para efeitos de indemnização, sob pena de ofensa da moral pública”, cfr. Idem. Assim, remete o autor para a aplicação do disposto no artigo 570.º do CC, que estabelece no seu n.º 1 que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas

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Por outro lado, MOITINHO DE ALMEIDA acrescenta que existem mais disposições

legais destinadas a proteger os interesses dos clientes dos advogados cuja respetiva violação

implicará, do mesmo modo, que o advogado incorra em responsabilidade civil122 123. Ora, nos

termos do n.º 2 do artigo 93.º do EOA, disposição que se insere no capítulo II do Título III

relativo às relações com os clientes, o advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão

se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar

prontamente, a menos que atue conjuntamente com outro advogado com competência e

disponibilidade para o efeito. Destarte, esta disposição terá também bastante relevância e

poderá fundamentar a responsabilização civil do advogado se este “ (…) praticar um erro

palmar, por incompetência, pois é de seu dever recusar uma causa para a qual não tenha

capacidade”124.

Neste sentido, será relevante referir ainda os sinistros mais usuais entre a classe.

Segundo ELSA MARIANO “ (…) as perdas de prazos processuais, que eventualmente podem

acarretar danos aos lesados”, em conjunto com a prescrição “ (…) representam dois terços do

número total de participações a nível nacional”125. Com efeito, os três tipos principais de erros

recorrentes entre a classe são: a perda de prazo de interposição de recurso; a perda do prazo

consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. Cfr. CARLOS, Jorge Adriano, ob. cit., pp. 1051 ss. 122 ALMEIDA, L. P. Moitinho de, ob. cit., p. 16. 123 Com efeito, atenta o autor que “se o advogado não cumpre pontual e escrupulosamente os deveres consignados no E.O.A. e todos aqueles que a lei, usos, costumes e tradições lhe impõem, viola o artigo 76.º-3 do referido Estatuto” (atual artigo 83.º do EOA), o que fará com que o advogado incorra em responsabilidade civil, Cfr. Idem. Consequentemente, exemplifica o referido autor a existência de responsabilidade civil pelo incumprimento de tais obrigações com os seguintes exemplos: a) no caso de o advogado deixar decorrer o prazo de apresentação de um articulado indispensável quando já dispunha dos necessários elementos para o apresentar; b) no caso de o advogado deixar passar o de um preparo quando munido de provisão para tanto; c) no caso de o advogado não apresentar atempadamente o rol de testemunhas destinado à prova dos factos que ao seu cliente incumbe provar, quando tal rol lhe tenha sido oportunamente fornecido; d) no caso de o advogado deixar caducar um registo provisório dispondo de todos os elementos para o tornar definitivo; e) no caso de o advogado por negligência deixar o cliente perder um privilégio; f) no caso de o advogado que, munido, a tempo, dos necessários elementos, deixar passar um prazo de prescrição ou de caducidade; g) no caso de o advogado encarregado de uma constituição de assistente, não o faz no prazo legal, Cfr. Ibidem. Outros exemplos poderão ainda ser recolhidos na obra de CUNHA GONÇALVES, cfr. GONÇALVES, Luís da Cunha, ob. cit., pp. 762 ss. 124 ARNAUT, António ob. cit., p. 171. Portanto, acrescenta o autor, “se não tem preparação, ou não dispõe de tempo para o fazer, não deve aceitar o mandato”, cfr. Ibidem. Contudo, ANTÓNIO ARNAUT adverte ainda para duas hipóteses extremamente relevantes que não implicarão a responsabilidade civil do advogado e que se impõe referir. Assim, “ (…) não haverá responsabilidade se existirem doutrinas contraditórias e o advogado optar por uma delas, ou não comparecer a um julgamento por motivo imprevisto e relevante” bem como “ (…) não haverá lugar a indemnização se o dano ocorrer independentemente da falta, como, por exemplo, o advogado não ter indicado testemunhas e o feito improceder por mera questão de direito” cfr. ARNAUT, António ob. cit., p. 171 ss. 125 MARIANO, Elsa, ob. cit., p. 42.

34

para a contestação do trabalhador e o Fundo de Garantia Salarial; e a perda de prazos que

correm em férias judiciais126.

Assim, hodiernamente, a presente temática assume cada vez maior relevância uma vez

que se assiste a uma proliferação do número de advogados e a um aumento de reclamações da

apólice de grupo da OA127, avultando desta forma a necessidade de um estudo e concretização

do tema para os quais tentamos, humildemente, contribuir.

Chegados a este ponto, vejamos, então, em que termos poderá justificar-se a

responsabilidade civil em razão da violação das normas deontológicas estabelecidas no EOA

e as decorrentes particularidades que apresenta o regime da responsabilidade civil dos

advogados, nomeadamente atendendo ao papel das normas deontológicas na conformação do

contrato de mandato forense (ou judicial), e à natureza da responsabilidade civil na relação

entre advogado e o seu cliente, versando ao mesmo tempo sobre algumas decisões

jurisprudenciais pertinentes.

3.2 – A natureza da responsabilidade civil na relação advogado-cliente e a

integração das normas deontológicas dos advogados no contrato

Enunciado o papel que as normas deontológicas poderão assumir ao nível de uma

eventual tutela ressarcitória pelos danos originados em sua função da sua violação na relação

entre advogado e cliente, importará, antes de mais, analisar as diferentes dimensões da

atividade profissional dos advogados e a função que aquelas normas desempenham nestas

mesmas dimensões.

O EOA define por remissão a advocacia como a prática de atos próprios da mesma128.

Assim, será necessário recorrer à Lei n.º 49/2004 de 24 de agosto que define o sentido e o

alcance dos atos próprios dos advogados e dos solicitadores e tipifica o crime de procuradoria

ilícita. Nos termos do artigo 1.º da referida lei, são atos próprios dos advogados e solicitadores

o exercício do mandato forense e a consulta jurídica (artigo 1.º/5). Por outro lado, nos termos

do artigo 1.º/6, são ainda atos próprios dos advogados e solicitadores: a) A elaboração de

contratos e a prática dos actos preparatórios tendentes à constituição, alteração ou extinção de

negócios jurídicos, designadamente os praticados junto de conservatórias e cartórios notariais;

b) A negociação tendente à cobrança de créditos; c) O exercício do mandato no âmbito de

126 Para mais considerações sobre cada um dos tipos de erros referidos vide MARIANO, Elsa, ob. cit., pp. 42 ss. 127 Segundo ELSA MARIANO, “desde 2004 (data em que foi instituída a apólice de grupo), o aumento do número de reclamações desta apólice é superior a 300%)”, cfr. MARIANO, Elsa, ob. cit., p. 42. 128 SILVA, Germano Marques da, ob. cit., p. 627.

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reclamação ou impugnação de actos administrativos ou tributários. Ademais, o n.º 7 do artigo

1.º da referida lei estabelece ainda que se consideram atos próprios dos advogados e dos

solicitadores “ (…) os actos que, nos termos dos números anteriores, forem exercidos no

interesse de terceiros e no âmbito de actividade profissional, sem prejuízo das competências

próprias atribuídas às demais profissões ou actividades cujo acesso ou exercício é regulado

por lei”, excetuando o n.º 8 do artigo 1.º da referida lei da prática no interesse de terceiros “

(…) os actos praticados pelos representantes legais, empregados, funcionários ou agentes de

pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, nessa qualidade, salvo se, no caso da

cobrança de dívidas, esta constituir o objecto ou actividade principal destas pessoas”. Por

último, estabelece o artigo 9.º da lei em causa que constituem também atos próprios dos

advogados todos aqueles que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se

acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

Ora, atentos os atos próprios da advocacia, será pertinente reconduzi-los a categorias

específicas. Neste sentido, GERMANO MARQUES DA SILVA, de forma bastante sintética,

reconduz a atividade profissional do advogado essencialmente a três espécies: patrocínio

forense, mandato não forense e consulta jurídica129. Não obstante as diferentes dimensões da

atividade profissional do advogado referidas, parece-nos que qualquer uma daquelas três

formas de prestação da atividade profissional do advogado se insere no âmbito de um

contrato, ou seja, no caso do patrocínio forense, no âmbito do contrato de mandato forense130

(artigo 62.º do EOA), no caso do mandato não forense, no âmbito do contrato de mandato e,

por último, no caso da consulta jurídica131 no âmbito de um contrato de prestação de serviços,

que segundo L.P. MOITINHO DE ALMEIDA, assumirá também modalidade de contrato de

mandato “ (…) definido no artigo 1157.º do Código Civil, uma vez que, no caso referido, o

advogado se obriga a prestar ao cliente e por conta do mesmo o acto jurídico que

denominamos consulta”132 133. Neste mesmo sentido, ORLANDO GUEDES DA COSTA,

129 SILVA, Germano Marques da, ob. cit., p. 629. 130 Atente-se ao artigo 62.º do EOA e ao artigo 2.º da Lei n.º 49/2004 de 24 de agosto. Em anotação ao artigo 62.º do EOA, FERNANDO SOUSA MAGALHÃES explicita que “o contrato de mandato é apenas um dos tipos de contrato em que assenta a prestação de serviços por Advogado, podendo ainda a actividade ter por base o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços, que tendo a natureza de prestação continuada com remuneração fixa pode assumir a tipologia de contrato de avença, ou resultar ainda de acto administrativo ou jurisdicional por força de nomeação oficiosa”, cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 81. 131 Atente-se ao artigo 63.º do EOA e ao artigo 3.º da Lei n.º 49/2004 de 24 de agosto. A propósito da consulta jurídica, refere L.P. MOITINHO DE ALMEIA que “na consulta, deve o advogado ser bastante cuidadoso, não deixando de fazer ver ao cliente a realidade da sua situação e os meios que tem ao seu alcance para a fazer valer. Se tal não fizer, incorre em responsabilidade civil. O conselho insuficiente deve ser equiparado à ausência de conselho (…)”, cfr. ALMEIDA, L.P. Moitinho, ob. cit., p. 18. 132 ALMEIDA, L.P. Moitinho, ob. cit., p. 10.

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refere que a noção de advocacia deve abranger que na sua origem “ (…) está um acto jurídico

unilateral, através da procuração, com que o Advogado fica investido em poderes

representativos do seu constituinte ou bilateral (contrato), que tanto pode ser um contrato de

prestação de serviços como um contrato de trabalho, conforme haja autonomia ou

subordinação, sem prejuízo, mesmo neste último caso, da autonomia técnica, como um

contrato de mandato, que é uma modalidade do contrato de prestação de serviços, o exercício

da advocacia assenta sempre numa base contratual, mesmo quando emerge de uma

procuração outorgada por quem obriga o mandante, base contratual que se inicia com a

outorga da procuração e que finda com a sua revogação ou com a renúncia a ela e que nasce

também de nomeação oficiosa de quem tem competência para esta e não é a lei civil que

regula juridicamente a actividade do Advogado”134.

Uma das questões que assume maior relevância no âmbito do tema em apreço trata-se

da natureza da responsabilidade civil na relação advogado-cliente. A resposta a esta questão é

de extrema importância uma vez que determina o regime legal aplicável, que, como se sabe, é

distinto apesar da “ (…) tendência para a uniformização de ambas as formas de

responsabilidade, pelo menos quanto a alguns aspectos dos seus regimes jurídicos, desde a

obrigação de indemnizar, hoje com um regime comum, passando pelos pressupostos da

responsabilidade, que são comuns a ambas (…) ” 135 . As diferenças entre o regime da

133 GERMANO MARQUES DA SILVA realça que “ (…) há actos que podem ser praticados ocasionalmente por advogados, mas que não são actos de advocacia, nomeadamente quando v.g., o advogado pratica actos de simples mediação. Entre «negócio» e «assistência legal» há ainda uma grande diferença e é aconselhável mantê-la. É sobretudo o objecto da prestação (de assistência jurídica ou simplesmente material) que serve para distinguir as hipóteses da prestação de assistência e consulta legais (actos próprios da profissão) das diversas formas de prestação de serviços que não são próprios da profissão e consequentemente não são nem exclusivos da advocacia nem são tutelados pelas normas que disciplinam essa actividade” cfr. SILVA, Germano Marques da, ob. cit., p. 636. Contudo, parece-nos que mesmo nas hipóteses de prestação de mandato não forense, o advogado continuará vinculado ao cumprimento das normas deontológicas que regem a sua profissão, de como é exemplo o segredo profissional (artigo 87.º do EOA) e a norma que determina que o advogado não pode celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objeto das questões confiadas (artigo 95.º/1/d) do EOA). Aliás, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º do EOA, são nulas as estipulações contratuais bem como quaisquer orientações ou instruções da entidade contratadora que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão. Logo, atentas inclusivamente as normas referidas a título de exemplo, em função do seu papel na administração da justiça e da sua formação profissional e deontológica, o advogado nunca poderá escusar-se ao cumprimento das normas que regem a sua profissão, pelo que, parece-nos que mesmo nos casos de prestação de serviços no âmbito de um mandato não forense – ainda que esses atos não sejam exclusivos da advocacia – poderá existir uma tutela em função dessas mesmas normas. 134 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., pp. 95 ss. 135 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., pp. 399 ss. O referido autor explicita ainda que sendo os pressupostos da responsabilidade comuns, “(…) ou seja, o facto, a ilicitude, embora esta, na contratual, se traduza no incumprimento de uma obrigação em sentido técnico e, na extracontratual, na omissão de um dever geral, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, até ao critério do bonus paterfamilias na apreciação da culpa, mas só na extracontratual é possível, embora nem sempre, a reconstituição natural”, cfr. COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 401. Em sentido inverso, MANUEL A. CARNEIRO DA FRADA, atenta que “ (…) consoante as situações e os princípios de imputação, assim os pressupostos da responsabilidade. Não é portanto viável a

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responsabilidade obrigacional e o regime da responsabilidade delitual são realçadas por

ORLANDO GUEDES DA COSTA. Com efeito, segundo o autor: “ (…) são muitas as

diferenças entre as duas espécies de responsabilidade: quanto ao ónus da prova da culpa, que,

na extracontratual, incumbe ao lesado e, na contratual, ao devedor, ainda que nem sempre

exista tal diferença; quanto à solidariedade, que é regra na extracontratual e excepção na

contratual; quanto à responsabilidade por facto de outrem, que, na contratual, pode ser

convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que

a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres

impostos por normas de ordem pública; quanto à extensão do dano a indemnizar, que, na

extracontratual, pode ser inferior ao dano causado; quanto à prescrição, cujo prazo ordinário,

na contratual, é de vinte anos, e, na extracontratual, é de três; quanto à competência do

tribunal, que, na contratual, é o lugar ondem por lei ou convenção escrita, a obrigação devia

ser cumprida e, na extracontratual, é o lugar onde o facto ocorreu, o que se aplica também em

direito internacional privado” 136 137.

Contudo, a resposta à questão da natureza da responsabilidade civil profissional do

advogado não é pacífica138. Centraremos a nossa atenção, neste âmbito, especialmente na

apresentação de um elenco de pressupostos muito discriminado, capaz de aplicar-se a todas as modalidades da responsabilidade civil. A enumeração corrente, por exemplo, de facto, ilicitude, culpa, nexo causal e dano só colhe para a responsabilidade civil por factos ilícitos-culposos. Mas também não é o caso de nos sentirmos confinados a enumerações tão sintéticas quanto aquela que identifica como requisitos genéricos desta tão-só o dano e a imputação (deixando a este último termo um sentido integrador de realidades muito distintas). Supomos que, compreendendo a natural tensão entre a simplificação e a diferenciação que qualquer apresentação dos pressupostos da responsabilidade permite experimentar, se podem identificar como seus requisitos genéricos uma situação de responsabilidade, uma forma de imputação, um dano e um nexo de causalidade entre aquelas e este. A determinação da modalidade da responsabilidade está essencialmente dependente da configuração dos dois primeiros” cfr. FRADA, Manuel A. Carneiro Da, “Direito Civil Responsabilidade Civil – O método do caso”, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 63 ss. A respeito dos pressupostos da responsabilidade civil do advogado vide ARNAUT, António, ob. cit., pp. 171 ss. 136 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 400. 137 Atento o prazo de vinte anos do regime de prescrição da responsabilidade obrigacional, ORLANDO GUEDES DA COSTA chama a atenção para a violência do regime estabelecido que implica que para sua salvaguarda o advogado tenha de conservar durante vinte anos o dossier em que teve intervenção, evidenciando ainda que na Bélgica, o artigo 2276 bis, inserido no Código Civil pela Lei 8/8/1985, facilitou a vida aos Advogados, ao estabelecer que: “Os Advogados ficam exonerados da sua responsabilidade profissional e da conservação de documentos, decorridos cinco anos sobre o termo da sua missão”, cfr. COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 409. O referido autor salienta também que nos termos do artigo 2225 do Código Civil francês “ a acção de responsabilidade dirigida contra as pessoas que representaram ou assistiram as partes em justiça, incluída a perda ou destruição das peças que lhe foram confiadas prescreve em 5 anos a contar do fim da sua missão”, cfr. COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 409. 138 GERMANO MARQUES DA SILVA, no seu estudo sobre a responsabilidade profissional do advogado (perspetiva penal), refere contudo que no que diz respeito às questões sobre a responsabilidade dos advogados há questões absolutamente consolidadas. Com efeito, refere o autor, “ (…) a prestação do advogado é uma prestação de meio e não de resultado; o incumprimento não pode inferir-se da falta de obtenção do resultado útil pretendido pelo mandante, mas deve ser avaliado na medida da violação dos deveres profissionais e em particular do dever de diligência; a diligência, em aplicação do princípio fixado pelo art. 487º, nº 2, deve ser

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responsabilidade civil decorrente da relação entre advogado e o seu cliente139. ANTÓNIO

ARNAUT atenta, desde logo, a controvérsia sobre o tema afirmando que: “É discutível se a

responsabilidade civil profissional do advogado é de natureza contratual, extracontratual ou

mista”140. Com efeito, tal como explicita o referido autor, os que perfilham a tese da

responsabilidade obrigacional fundamentam tal opção em função da base contratual em que

assenta a prestação da atividade profissional do advogado, isto é, atendendo ao “ (…) contrato

de mandato ou de contrato «sui generis», atípico ou inominado”141. Já os que defendem a tese

do concurso de ambas as responsabilidades (isto é, da responsabilidade obrigacional e

delitual), “ (…) que é a maioria dos autores, fundamentam-se em que o mesmo acto ou

omissão do advogado pode constituir responsabilidade contratual ou extracontratual, havendo

que fixar, em cada caso concreto, qual o regime jurídico a adoptar”142 143. Por último, os

autores que defendem a tese da responsabilidade delitual, nos quais se inclui ANTÓNIO

ARNAUT, “ (…) baseiam-se no carácter público da actividade forense e na violação dos

deveres que, legalmente, lhe são exigíveis”144.

Vejamos então, em detalhe, as críticas apontadas pelo autor à tese da responsabilidade

obrigacional, bem como os motivos justificativos da sua opção neste âmbito pela tese da

responsabilidade delitual. ANTÓNIO ARNAUT rejeita, desde logo, que a responsabilidade

profissional do advogado possa radicar no contrato de mandato. Segundo o autor, o artigo

1161.º do Código Civil é inaplicável ao mandatário forense. A inaplicabilidade do referido

artigo ao mandatário forense é corroborada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra

considerada em relação com a natureza da actividade exercida como prestação daquela diligência média que um profissional de preparação profissional e atenção média deve colocar no trabalho a favor do cliente. Os princípios referidos são comuns às actividades exercidas como obrigação de meio e não de resultado a que se ajunta a suficiência de um qualquer grau de culpa, ainda que leve, para afirmar a responsabilidade”, cfr. SILVA, Germano Marques da, ob. cit., p. 626. 139 Atente-se à noção de cliente aduzida por ABEAL LAUREANO que refere que entende como tal “todo aquele que, no âmbito de uma relação jurídica, recorre ao advogado para que este lhe preste serviços da sua especialidade, em regime “absoluto” de profissão liberal”, acrescentando que os serviços em causa são basicamente os de consultadoria jurídica e de mandato judicial, cfr. LAUREANO, Abel, “O cliente e a independência do advogado”, reimpressão, Lisboa, Quid Juris? – Sociedade Editora Ld.ª, 2000, p. 37. 140 ARNAUT, António, ob. cit., p. 169. 141 Idem. 142 ARNAUT, António, ob. cit., pp. 169 ss. 143 Entre os defensores da tese da responsabilidade mista encontra-se L.P. MOITINHO DE ALMEIDA. Segundo o autor, “ (…) o mesmo acto ou omissão do advogado pode dar lugar quer a responsabilidade contratual quer a responsabilidade extracontratual”, cfr. ALMEIDA, L. P. Moitinho de, ob. cit., p. 13. Distingue o autor que “se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advém do exercício do contrato de mandato (ou inominado) que firmou com o constituinte, tacitamente ou mediante procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana” cfr. ALMEIDA, L. P. Moitinho de, ob. cit., p. 11. 144 ARNAUT, António, ob. cit., p. 169.

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de 2 de novembro de 1992, que, como vimos anteriormente, determina que não se pode impor

ao advogado a prática de atos que, em sua consciência, entenda dever recusar145 146. Ora,

quanto à inaplicabilidade in totum147 do artigo 1161.º do Código Civil ao mandatário forense,

nenhuma objeção se impõe. Aliás, em função da independência do advogado (cfr. artigo 84.º

do EOA), este não está vinculado às orientações do seu cliente, podendo optar pelo meio mais

adequado, segundo o seu juízo técnico, para a realização da prestação148. A própria lei é

explícita neste sentido ao estatuir que no exercício da sua atividade, os advogados devem agir

com total independência e autonomia técnica e de forma isenta e responsável, encontrando-se

apenas vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão

(artigo 12.º n.º 3 da LOSJ)149.

Contudo, as considerações aduzidas anteriormente não implicam necessariamente que

a responsabilidade civil do advogado não possa assentar no contrato de mandato forense.

Como salientamos anteriormente, reconduzimos as diferentes dimensões da prestação da

145 ARNAUT, António, ob. cit., p. 172. 146 ANTÓNIO ARNAUT aduz ainda que “ (…) o Código Civil de 1867 continha uma regra específica quanto aos procuradores e advogados, responsabilizando-os por «perdas e danos» no caso de abandono do mandato sem tomarem as providências ali prescritas (art. 1362.º).”, cfr. ARNAUT, António, ob. cit., p. 170. Atualmente, a norma contida no artigo 1362.º do Código Civil de 1867 encontra um afloramento no disposto no artigo 95.º/1/e) e 95.º/2 do EOA que exerce assim a tutela dos clientes no que diz respeito à cessação do patrocínio, ainda que exista motivo justificativo para tal. Ora, neste sentido e a título exemplificativo, uma vez mais poderemos aqui indicar como hipótese para uma eventual responsabilização civil dos advogados a violação das normas deontológicas estabelecidas no artigo 95.º/1/e) e 95.º/2 do EOA. 147 De acordo com FERNANDO SOUSA MAGALHÃES, “o contrato de mandato exercido por Advogado assenta basicamente no mesmo complexo de direitos e obrigações decorrentes do contrato de mandato regulado pelos artigos 1157.º e segs. do C. Civil. Sucede que, pela deontologia específica dos Advogados, existem obrigações impostas aos mandatários forenses que não resultam da lei geral, como por exemplo no plano da aceitação do mandato (vide artigo 94.º do EOA) ou da renúncia ao mandato e abandono da causa (artigo 95.º n.º 1 e 2 e))”, cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p.81. Quanto às especificidades do contrato de mandato judicial em relação ao contrato típico de mandato, que se fundam na independência do Advogado, no interesse público da profissão ou em ambos, vide COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., pp. 299 ss. Por outro lado, atente-se ainda ao comentário ao n.º 1 do artigo 96.º do EOA feito por FERNANDO SOUSA MAGALHÃES ao explicitar que “pelo facto de se mencionar na parte final do n.º 1 deste artigo que o Advogado deve apresentar nota de honorários e despesas, logo que tal lhe seja solicitado, não se quer significar que não pode o Advogado apresentar tal nota por sua iniciativa e logo que cessa a sua prestação profissional. A norma em causa reporta-se apenas ao dever de apresentação de contas, a solicitação do cliente, sendo certo que decorre do regime do artigo 1161.º d) do C. Civil que o mandatário é obrigado a prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir”, cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 143. 148 Com efeito, tal como adverte FERNANDO SOUSA MAGALHÃES “nas relações com os clientes devem os Advogados agir com plena independência, já que lhes cabe exclusivamente a escolha dos meios que entenda mais convenientes à defesa dos interesses que lhe são confiados. Assim, não podem os Advogados aceitar a posição de meros executores das instruções dos clientes, sendo doutrina pacífica a de que não devem ser aceites procurações forenses me que sejam estabelecidas regras de orientação para a sua aceitação” cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 140. 149 FERNANDO SOUSA MAGALHÃES em comentário ao artigo 68.º do EOA afirma que “ (…) em reforço da independência, com especial relevância na defesa dos Advogados em regime de contrato de trabalho, determina o artigo 6.º n.º 2 da L.O.F.T.J. que “no exercício da actividade, os Advogados gozam de discricionariedade técnica e encontram-se apenas vinculados a critérios de legalidade e às normas deontológicas da profissão”” cfr. MAGALHÃES, Fernando Sousa, ob. cit., p. 86.

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atividade do advogado a um contrato, seja ele o contrato de mandato forense ou o contrato de

mandato pois, “ (…) o exercício da advocacia assenta sempre numa base contratual (…) “150.

Logo, é a defesa desta mesma base contratual na qual assenta a fundamentação da tese

da responsabilidade obrigacional dos advogados151, ao invés daqueles que se baseiam “ (…)

no carácter público da actividade forense e na violação dos deveres que, legalmente, lhe são

exigíveis”. De facto, para ANTÓNIO ARNAUT, “ (…) a fonte das obrigações contraídas pelo

advogado para com o cliente, não é o instrumento notarial ou particular que o habilita a

representá-lo, mas a violação dos deveres deontológicos previstos, designadamente no art.

95.º do E.O.A.”152. O referido autor defende assim que a responsabilidade do advogado de

indemnizar os danos que, culposamente, cause ao seu constituinte decorre da violação dos

seus deveres deontológicos153. Por outro lado, finaliza o autor afirmando que sendo a

advocacia um atividade de eminente interesse público, a responsabilidade decorrente do seu

exercício só pode resultar da infração de deveres deontológicos estabelecidos em função

daquele mesmo interesse154.

A importância e o papel das normas deontológicas é bastante evidente na

fundamentação da tese do autor e da própria responsabilidade civil neste âmbito. Na verdade,

apesar de em conformidade com a recondução da atividade do advogado a uma base

contratual optarmos pela tese da responsabilidade obrigacional, pelas razões que

explicitaremos de seguida, as considerações aduzidas por ANTÓNIO ARNAUT a respeito

das normas deontológicas não perdem o seu acerto.

No entanto, o interesse público da profissão justifica a imposição de normas

inderrogáveis no contrato de mandato forense. Deste modo, as normas deontológicas não

podem ser afastadas pela vontade das partes em razão do interesse público da profissão e do

papel do advogado como participante na administração da justiça155, assumindo, assim, um

150 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 96. 151 “Os que defendem a primeira tese argumentam que ela resulta do contrato de mandato, ou de contrato «sui generis», atípico ou inominado” cfr. ARNAUT, António, ob. cit., p. 169. 152 ARNAUT, António, ob. cit., p. 170. 153 Idem. Aliás, reitera o autor: “Tanto isto é exacto que o cliente, ao passar a procuração, ou incumbir o advogado de qualquer assunto, sabe, em regra, que ao fazê-lo, o advogado está sujeito aos deveres ético-profissionais decorrentes da sua função, não lhe impondo um dever concreto de agir deste ou daquele modo, como sucede com o vulgar procurador. O advogado deve apenas actuar segundo a sua consciência, a praxe forense e a «leges artis»”, cfr. Ibidem. 154 Ibidem. 155 Para ORLANDO GUEDES DA COSTA “o interesse público da profissão e a independência do Advogado são a razão de ser das especificidades do mandato judicial em relação ao mandato como contrato típico ou nominado (…) ”, cfr. COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 51.

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cariz injuntivo156. Neste sentido, ORLANDO GUEDES DA COSTA afirma desde logo que

“o contrato inominado ou atípico de patrocínio ou de mandato judicial é regulado por um

conjunto de obrigações para com o cliente impostas ex lege ao Advogado quer pelo interesse

público da profissão quer pelo dever de independência do advogado (...) "157. Sendo disso

exemplo o regime do segredo profissional158. Do mesmo modo, nos termos do artigo 76.º do

EOA, qualquer forma de provimento ou contrato, seja de natureza pública ou privada,

designadamente o contrato individual de trabalho, ao abrigo do qual o Advogado venha a

exercer a sua atividade, deve respeitar os princípios do n.º 1 do artigo 76.º (isto é, a plena

autonomia técnica159) e as demais regras deontológicas que constam do EOA. Aliás, as

estipulações contratuais bem como quaisquer orientações ou instruções da entidade

contratadora que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo,

violem os princípios da profissão são nulas nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 76.º do

EOA. Assim, as normas deontológicas assumem-se como deveres de Ordem Pública160, pelo

que a sua imperatividade decorre também do disposto no artigo 280.º do CC, em consonância,

aliás, com o disposto no n.º 4 do artigo 76.º do EOA.

Por conseguinte, segundo ABEL LAUREANO, devido à independência do advogado

haverá uma verdadeira diferença de natureza relativamente aos contratos civis, pois, em

função da independência na sua atuação, o advogado origina soluções autónomas e até

opostas às consagradas nas normas jurídico-civis161. Aliás, o autor salienta que o elemento

formal evidencia ainda mais tais discrepâncias pois a disciplina típica da atividade do

156 MENEZES CORDEIRO atenta que o conteúdo dos contratos analisa-se essencialmente em elementos normativos, originários da lei, e elementos voluntários, decorrentes da estipulação contratual. Desta forma, o autor classifica os elementos normativos em injuntivos e dispositivos consoante possam ou não ser afastados pela estipulação contratual, Apud, VASCONCELOS, Pedro Pais de, “CONTRATOS ATÍPICOS”, Coimbra, Almedina, 1995, p. 318. Por sua vez, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS ensina que “a disciplina concreta do contrato resulta da conjugação dos contributos de sectores variados da Ordem Jurídica”. Segundo o autor, “a estipulação, a Lei, a Moral, a Justiça, a Equidade, a Boa fé, contribuem para a disciplina concreto do contrato, para a resolução das questões suscitadas, em medidade e com intensidade relativa que não é sempre a mesma em todos os casos”, cfr. VASCONCELOS, Pedro Pais de, ob. cit., p. 320. 157 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 401. 158 Será pertinente a lição de JORGE ADRIANO CARLOS a este respeito, explicitando o autor que “ (…) a desvinculação do segredo profissional do advogado não depende do mero consentimento do cliente mas da verificação de dois pressupostos indispensáveis: o carácter de absoluta necessidade da revelação do segredo em determinadas situações e a autorização prévia pelo órgão competente. Com esta solução, o segredo profissional adquire natureza de ordem pública, de um dever estabelecido no interesse geral da sociedade e da advocacia, afastando-se, de todo, a sua classificação como uma obrigação de natureza contratual à disposição do cliente”, CARLOS, Jorge Adriano, ob. cit., p. 1048. Atente-se ao já referido na nota de rodapé 121. 159 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 59. 160 Vide notas de rodapé 121, 158 e 167. 161 LAUREANO, Abel, ob. cit., p. 61.

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advogado consta de um diploma que não o Código Civil162. Desta forma, acrescenta o referido

autor que formalmente estaremos perante contratos especiais, regidos por um quadro

normativo no qual existem regras excecionais por contraponto ao sistema jurídico-civil163.

Neste sentido, após a análise às posições jurídicas dentro do binómio advogado-cliente164 165,

o autor afirma mesmo que “dum ponto de vista “privatístico” seria impossível enquadrar,

justificar ou compreender o regime – basta atentar nas afloradas diferenças. A sua explicação

só se descortina, considerando a figura do advogado perpassada por um halo de servidor do

interesse público (…) ”166.

Pelo exposto, torna-se evidente que o contrato de mandato judicial apresenta diversas

especificidades, nomeadamente pelo facto de influírem diversos deveres estranhos à

disciplina do direito civil167 que impõem um tratamento adequado por parte da doutrina e da

jurisprudência, especialmente no que diz respeito ao enquadramento das normas

deontológicas na conformação do contrato celebrado com o advogado (seja ele o mandato

162 Idem. 163 Ibidem. 164 No âmbito da relação advogado-cliente, ABEL LAUREANO efetua uma comparação de posições jurídicas elegendo três tópicos. Em primeiro lugar, destaca o dever de o advogado aceitar as nomeações oficiosas, ao invés do cliente que pode escolher com toda a liberdade o advogado que pretende. Em segundo lugar, evidencia que “recai sobre o advogado uma multiplicidade de deveres especiais: deveres para com a comunidade, para com a Ordem dos Advogados, para com o cliente, para com os colegas, para com os julgadores, para com o público em globo (especial dever de urbanidade) ”, contrapondo que não se vislumbram especiais deveres a que o cliente esteja adstrito, em intenção ao seu advogado. Ressalvamos aqui o dever de verdade que recai sobre o cliente na sua relação com o advogado, acompanhando a fundamentação aduzida por ABEL LAUREANO, vide LAUREANO, Abel, ob. cit., pp. 118 ss. Por último, o autor salienta que está vedado ao advogado o abandono do patrocínio sem motivo justificado ao contrário do que acontece com o cliente, cfr. LAUREANO, Abel, ob. cit., pp. 129 ss. 165 O supracitado autor refere que a aceitação imediata de determinadas propostas contratuais por parte do advogado, nos casos em que este não dispõe de todas as informações relevantes sobre o caso, encontra-se sempre condicionada pela conformidade à lei dos fins e meios propostos pelo cliente, como também pela independência técnica daquele, Cfr. LAUREANO, Abel, ob. cit., pp. 116 ss. Aliás, o autor evidencia que o advogado deve ter especiais cautelas neste âmbito, afigurando-se pertinente o exemplo avançado pelo mesmo, atenta a hipótese de o advogado após a aceitação – temerária - do contrato de mandato concluir que os meios a empregar serão diversos dos que contratualmente aceitou. Nesta hipótese, afirma o autor, resulta a obrigação de se afastar deles, mesmo que tal implique a nulidade do contrato celebrado, sem prejuízo da eventual responsabilidade, nos termos gerais, em que poderá incorrer o advogado. Cfr. LAUREANO, Abel, ob. cit., p. 117. 166 LAUREANO, Abel, ob. cit., p. 130. 167 Será pertinente reproduzir um breve trecho de ABEL LAUREANO a este respeito, no qual o autor afirma que: “O reconhecimento, pela lei, de que o advogado lida com as mais gravosas questões emergentes da vida de relação dos homens, leva a que o recorte jurídico da sua figura seja autónomo. (…) Efectivamente, quando é que a Sociedade outorga a um cidadão ex lege, independência de actuação numa relação contratual? Só com ponderosíssimas razões (…). Pois bem: a máxima responsabilidade do advogado reside no seu especial dever de obediência à lei. As normas essenciais que regem a sua actividade são de interesse e ordem pública, inderrogáveis por estipulação contrária. Vale dizer que o advogado é independente para assegurar a supremacia do império da lei, sobre o da vontade que àquele tente opor-se. Em suma, o advogado não se serve a si próprio, nem serve o cliente, nem serve afinal pessoa alguma. Como impressivamente o qualifica o Estatuto (art. 76.º, n.º 1), é um “servidor da justiça e do direito; o que enforma a nobreza da sua missão”, LAUREANO, Abel, ob. cit., pp. 135 ss.

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judicial, o mandato (civil) ou o contrato de prestação de serviços) bem como na efetivação da

responsabilidade civil pela sua violação.

Destarte, os deveres deontológicos deverão integrar a relação contratual uma vez que

conformam o próprio dever de prestar. Esta conformação é imposta à liberdade contratual dos

particulares pelas normas legais do EOA. Será pertinente neste âmbito atender às

considerações de ENZO ROPPO relativamente à conformação da liberdade contratual pelas

normas imperativas. Segundo o autor, “normas legais, decisões jurisdicionais e procedimentos

de autoridades administrativas são, portanto, os agentes típicos das limitações impostas à

liberdade contratual dos particulares. Conjuntamente com a vontades das partes, que exprime

o respectivo poder de autonomia, eles constituem as fontes do regulamento contratual, para

cuja concreta determinação podem, segundo as circunstâncias, em diferentes medidas

concorrer”168. Contudo, o autor evidencia que a legitimidade constitucional de qualquer

prescrição normativa que limite a autonomia privada está subordinada a dois requisitos: um

substancial, que determina que as limitações à liberdade contratual devem ser feitas em

função da prossecução de “fins sociais” e um outro, formal, que implica que as referidas

limitações sejam feitas através de lei (princípio de reserva de lei) uma vez que compete ao

Parlamento o juízo da determinação dos supracitados “fins sociais”169. Com efeito, o requisito

substancial referente aos fins sociais parece verificado uma vez que as normas deontológicas

prosseguem uma evidente e indispensável regulação da atividade profissional do advogado

como um elemento indispensável na administração da justiça. Do mesmo modo, o requisito

formal parece também verificado uma vez que, tal como referimos anteriormente, as

limitações impostas à liberdade contratual pelas normas deontológicas foram feitas através de

lei, isto é, através do EOA que foi aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro. Assim,

atentas as considerações aduzidas por ENZO ROPPO, parecem cumpridos os requisitos de

legitimidade constitucional para a limitação da liberdade contratual em função da

imperatividade das normas deontológicas dos advogados.

Desta forma, não se vislumbra razão pela qual, no âmbito de uma relação contratual

estabelecida entre advogado e cliente, os deveres deontológicos que conformam a prestação

não integrem esse mesmo contrato170. L.P. MOITINHO DE ALMEIDA refere a este respeito

168 ROPPO, Enzo, “O CONTRATO”, Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 140. 169 ROPPO, Enzo, ob. cit., p. 141. 170 Parece-nos que este entendimento será mais consentâneo com o papel desempenhado pelas normas deontológicas. A propósito do erro de ofício do advogado refere L.P. MOITINHO DE ALMEIA que o mesmo “ (…) constitui o advogado em responsabilidade civil para com o cliente, quer em responsabilidade contratual, porque importa culpa e cumprimento defeituoso das obrigações que lhe resultaram do mandato (ou do contrato

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que “o advogado pratica acto ilícito quando viola os artigos 76.º e 83.º do Estatuto Judiciário,

o que o faz incorrer em responsabilidade civil extracontratual para com o cliente, muito

embora os mesmos actos ou omissões possam igualmente dar lugar à responsabilidade

contratual, por incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações que ao advogado

advêm por virtude do contrato de mandato”171. Ora, a conformação da prestação principal

pelas normas deontológicas é assim notória pois, tal como evidencia o autor, a sua violação

poderá originar um “incumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações que ao

advogado advêm por virtude do contrato de mandato”. A propósito da responsabilidade civil

do advogado, em análise às normas deontológicas dos advogados espanhóis, ADELA SERRA

RODRÍGUEZ defende esta mesma integração das normas deontológicas no contrato de

prestação de serviços do advogado. Atenta a autora que “todas estas normas corporativas

reguladoras do exercício da profissão de advogado que conjuntamente com as normas

deontológicas configuram um complexo normativo setorial, hão-de entender-se integradas nas

prestações de serviços profissionais do advogado, em virtude do disposto no artigo 1258

CC”172. Com efeito, o artigo 1258.º do Código Civil Espanhol dispõe o seguinte: “Os

contratos são celebrados pelo mero consentimento e desde então obrigam, não só ao

cumprimento do que for expressamente acordado, mas também a todas as consequências que,

por sua natureza, sejam conformes à boa fé, aos usos e à lei” 173.

Entre nós, nos termos do artigo 405.º do CC, as partes têm a faculdade de fixar

livremente o conteúdo dos contratos dentro dos limites da lei. De facto, como já tivemos

oportunidade de explicitar, consideramos que o EOA delimita a liberdade contratual no

âmbito da relação estabelecida entre advogado e cliente.

Por outro lado, importa ainda acrescentar que para a autora os deveres impostos pelas

normas deontológicas constituem uma série de deveres acessórios que se integram no dever

estrito da prestação principal, o que implica uma ampliação desta e assegura uma maior tutela

inominado), quer em responsabilidade extracontratual, porquanto consubstancia culpa e viola a alínea d) do artigo 83.º-1 do E.O.A., que impõe ao advogado nas suas relações com o cliente, o dever de «estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade»”, cfr. ALMEIDA, L.P. Moitinho, ob. cit., p. 14. O referido artigo 83.º/1 do EOA encontra-se hoje previsto no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 95.º do EOA. Ora, na lição do autor, avultava assim a importância da violação das normas deontológicas no âmbito da fundamentação da tutela civil do lesado. Com efeito, não obstante o mérito das considerações, parece-nos que a recondução das normas deontológicas ao âmbito do contrato (de mandato ou de mandato forense), de acordo com a fundamentação produzida, corresponderá melhor à própria função que aquelas normas desempenham. 171 ALMEIDA, L.P. Moitinho de, ob. cit., p. 45. 172 Tradução livre nossa, cfr. SERRA RODRÍGUEZ, Adela, “La responsabilidade civil del Abogado”, 2.ª edição, Elcano (Navarra), Aranzadi Editorial, 2000, p. 360. 173 Tradução livre nossa.

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do cliente174 175 176. Com efeito, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no

seu Acórdão de 29-04-2010, relatado por SEBASTIÃO PÓVOAS, já se pronunciou a este

respeito afirmando que “o incumprimento do contrato – ainda que pelo desrespeito pelos

deveres acessórios que a deontologia impõe – gera, em princípio, responsabilidade

contratual”177.

174 Idem. 175 A este respeito, não resistimos a reproduzir a lição de SINDE MONTEIRO ao explicitar que: “Numerosas figuras contratuais não primariamente destinadas à obtenção de informação, implicam também o seu fornecimento, na qualidade de deveres de prestação acessórios ou mesmo principais. O médico deve informar o doente sobre a periculosidade de um tratamento, de um medicamento, de uma operação; o mandatário judicial sobre a falta de expectativas de êxito de uma acção; (…) cfr. SINDE MONTEIRO, Jorge Ferreira, “Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações”, Coimbra, Almedina, 1989, pp. 393 ss. As normas deontológicas poderão assumir assim a referida qualidade de deveres de prestação acessórios. Aliás, no seguimento do exemplo avançado pelo autor relativo ao mandatário judicial, terá especial relevância a norma da alínea a) do artigo 95.º do EOA que determina o dever do advogado, na sua relação com o cliente, de dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a possibilidade e a forma de obter apoio judiciário. 176 Atente-se ainda ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2010, relatado por SEBASTIÃO PÓVOAS, no qual se refere: “1) O mandato forense é um contrato de mandato atípico, sujeito às regras dos artigos 1157.º do Código Civil e do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo que se destina a garantir o patrocínio judiciário que é de interesse e ordem públicos. (…) 4) Não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma “species” – embora matriz – da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense (incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual perante o cliente. (…) 2- Obrigações de meios e de resultado.2.1 No mandato comum as obrigações do mandatário vêm elencadas no artigo 1161.º do Código Civil, sendo fundamentalmente os deveres de praticar os actos jurídicos acordados; de informar o mandante sempre que para tal seja solicitado; de prestar contas e de restituir o que lhe foi entregue em execução ou no exercício e não despendeu no cumprimento do contrato. Mas o mandatário forense tem um elenco de deveres mais alargado sendo alguns resultantes do exercício de uma actividade de interesse público (deveres para com a Ordem dos Advogados, para com a sociedade, para com os Colegas e Magistrados e para com o Estado, na sua vertente de administração da Justiça) e, enumerados nos artigos 83.º e 84.º do diploma que dissemos aplicar (artigos 92.º a 102.º do actual Estatuto), os deveres “para com o cliente.” E dentre estes faremos ressaltar - por serem os que mais relevam “in casu” – os das alíneas c), d) e j) do n.º 1 do artigo 83.º. Ou sejam, e respectivamente: “c) Dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas”; d) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade; j) Não abandonar o patrocínio do constituinte ou o acompanhamento das questões que lhe estão cometidas sem motivo justificado.” (cf., no essencial, as alíneas a), b) e e) do artigo 95.º do E.O.A de 2005). Do incumprimento destes deveres pode, e para além da responsabilidade disciplinar, resultar responsabilidade civil e, até, em situações limitadíssimas, e com acentuado elemento subjectivo, a responsabilidade criminal. (…) Por isso, e como regra, a responsabilidade do advogado para com o cliente é contratual desde que o ilícito se traduza no incumprimento do, especifica ou genericamente clausulado (aqui incluindo os deveres colaterais deontológicos), no mandato forense, só sendo extra contratual se o ilícito consistir em conduta violadora de outros deveres – ou normas legais – não precisamente contratuais”. 177 O caso sub judice no referido Acórdão constitui um importante exemplo das considerações que aqui realizamos. Com efeito, refere o Acórdão em análise: “ (…) A 1.ª Secção do Conselho de Deontologia do Porto da Ordem dos Advogados puniu o recorrente com a pena disciplinar de censura, “por violação dos deveres consagrados nos artigos 76.º, n.ºs 1 e 3 e 83.º n.º 1, alíneas c) e j) do EOA, na redacção da Lei n.º 80/2001, de 20 de Julho, que correspondem aos artigos 83.º, n.º 1 e 95.º, n.º 1, alíneas a) e e) e n.º 2 do EOA, na redacção da Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro.” Tratou-se, portanto, de lhe imputar o não ter dado “a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca” assim como não ter prestado informação sobre o andamento da questão e ter

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Assim, tal como evidenciamos, atendendo à base contratual em que assenta o exercício

da advocacia e em função da integração das normas deontológicas no contrato celebrado entre

advogado e cliente como deveres acessórios, a violação das referidas normas deverá situar-se

no plano contratual, pelo que a natureza da responsabilidade civil do profissional neste âmbito

será obrigacional. Distinguimos assim, embora admitindo o mesmo resultado ao nível da

tutela cível - isto é, a ocorrência de responsabilidade obrigacional - a responsabilidade

decorrente do inadimplemento da prestação principal (como poderá ser exemplo o caso da

obrigação de contestar uma ação judicial - não obstante as considerações feitas a propósito da

independência do profissional –, intentar uma petição inicial antes de ocorrer a prescrição do

direito do cliente, representar o cliente em juízo, etc.) da responsabilidade decorrente do

inadimplemento de deveres acessórios que conformam a própria prestação principal, ou seja,

das normas deontológicas dos advogados. De facto, serão exemplo destes deveres, as normas

constantes dos artigos 92.º a 102.º do EOA, assumindo especial relevância os deveres do

advogado na sua relação com o cliente constantes do artigo 95.º do EOA, nomeadamente: a)

Dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente

invoca, assim como prestar, sempre que lhe for solicitado, informação sobre o andamento das

questões que lhe forem confiadas, sobre os critérios que utiliza na fixação dos seus

honorários, indicando, sempre que possível, o seu montante total aproximado, e ainda sobre a

possibilidade e a forma de obter apoio judiciário; b) Estudar com cuidado e tratar com zelo a

questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência,

saber e atividade; c) Aconselhar toda a composição que ache justa e equitativa; d) Não

cessado, o patrocínio sem motivo justificado ou, ainda que este existisse, tê-lo feito por forma que impossibilitou o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado. Sendo a jurisdição disciplinar competência exclusiva da Ordem dos Advogados não pode aqui, ser questionado o enquadramento jurídico feito ou a bondade da sanção aplicada. Mas pode o Tribunal, ao apreciar a conduta do advogado, em acção destinada a efectivar a sua responsabilidade, proceder a diversa subsunção dos deveres violados. “In casu”, parece correcta a qualificação já que o advogado que deixa deserto o recurso da sentença final e não comunica antecipadamente ao cliente que o vai fazer e que tal implica o inevitável trânsito em julgado daquela peça, tem uma atitude equiparada ao abandono de patrocínio. E o ser, ou não, justificada a opção de não alegar (por ter liberdade de actuação técnica) já o que não pode é impor essa vontade ao cliente, antes devendo informá-lo em tempo de lhe possibilitar a constituição de novo mandatário que, eventualmente, aceite o patrocínio nos termos que o mandante pretende. Não o fazendo (e note-se que aqui o recorrente só comunicou aos recorridos a deserção do recurso após esta se ter consumado) incumpriu um dever contratual. Fê-lo culposamente, já que não ilidiu a presunção do n.º 1 do artigo 799.º da lei substantiva, incorrendo em responsabilidade se presentes os outros pressupostos: dano e nexo causal, já que, como vimos se perfilam o ilícito contratual e a culpa”. Assim, atento o excerto do Acórdão ora reproduzido, evidencia-se a possibilidade de aferição em juízo da violação das normas deontológicas - cujo carácter de deveres contratuais é notório no entendimento daquele Tribunal - para efeitos de uma tutela cível.

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celebrar, em proveito próprio, contratos sobre o objeto das questões confiadas; e) Não cessar,

sem motivo justificado, o patrocínio das questões que lhe estão cometidas178.

Uma outra questão que suscita algumas dúvidas na doutrina e à qual achamos

pertinente fazer uma breve referência trata-se de saber qual será a natureza da

responsabilidade civil no âmbito das nomeações oficiosas. Para L.P. MOITINHO DE

ALMEIDA, “tratando-se de violações, pelo advogado, de obrigações emergentes de

nomeação oficiosa, a responsabilidade é sempre extracontratual, já que, não havendo qualquer

contrato entre o advogado e o constituinte, não pode existir responsabilidade contratual.”179.

No entanto, alguns autores apresentam posição diversa. A este respeito atenta ORLANDO

GUEDES COSTA ao afirmar que mesmo a responsabilidade do advogado nomeado

oficiosamente não poderá também deixar de ser obrigacional “ (…) apesar de a prestação de

serviços pelo nomeado não se basear propriamente num contrato entre ele e o patrocinado

oficiosamente, pois não deixa de haver, na sua intervenção, uma base contratual, como se

evidencia pela possibilidade de livre escolha ou, pelo menos, de livre indicação do nomeado

pelo patrocinado, com aceitação daquele, ao menos quanto ao defensor oficioso em processo

penal, não se operando com a nomeação uma substancial alteração do estatuto do patrono ou

178 Refira-se a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-01-2013, relatado por RUI MOREIRA, que revela uma importante destrinça para efeitos de efeitos de responsabilidade civil pelo incumprimento das obrigações contratuais do advogado. De acordo com o sumário do supracitado Acórdão: “I - Não se compreendendo na obrigação de um mandatário forense a obtenção de um determinado resultado na causa em que representa o mandante, impõe-se-lhe já o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respectivo estatuto, bem como todos aqueles que a lei lhe impõe, designadamente, para com os clientes (art. 92° do EOA), II - Impõe-se-lhe, designadamente, um dever de zelo e diligência, prescrito no art. 95°, n° 1, al b) do EOA, o qual há-de corresponder à obrigação de conhecimento das normas de exercício da profissão, quer as do sistema jurídico, quer as da própria categoria profissional, bem como à obrigação de possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer a sua actividade com eficiência e correcção. III - A responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado. IV - Se, na execução do mandato forense, o advogado estiver confrontado com uma diversidade de hipóteses de actuação não claramente ilegais ou desadequadas, mas antes teoricamente admissíveis, e optar por prosseguir uma delas, não incorre em incumprimento das suas obrigações contratuais se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente, ainda que venha a resultar em insucesso e se identifique a posteriori que uma outra solução é que teria tido êxito”. No mesmo sentido atente-se ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-05-2012, relatado por LÚIS LAMEIRAS. Com efeito, tal como refere GERMANO MARQUES DA SILVA “quando o advogado escolhe as condutas que são mais adequadas para atingir os fins legítimos prosseguidos pelo seu cliente e as executa, diz-se que actuou diligentemente. Diligente vem de diligere, que significa amar, zelar, ser cuidadoso: a diligência traduz-se no esforço ou zelo para cumprir o dever. O advogado que actua diligentemente, que cumpre o seu dever profissional, não pode ser responsabilizado disciplinar, civil ou criminalmente pelos actos que pratica, porque quem cumpre o dever não comete injúria (art. 31º do CP)”, cfr. SILVA, Germano Marques da, ob. cit., p. 629. 179 ALMEIDA, L.P. Moitinho de, ob. cit., p. 13.

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do defensor em relação ao Advogado constituído, de forma a poder afirmar-se que a

responsabilidade daqueles deixaria de ser contratual para ser extracontratual”180 181 182.

Por quanto nos cumpre analisar e aderindo às considerações de ORLANDO GUEDES

DA COSTA, parece-nos que efetivamente, até por um imperativo de justiça, seria

manifestamente injusto para o lesado, atentas as diferenças do regime de responsabilidade,

que o nomeado oficiosamente apenas respondesse pela via delitual em razão dos seus

inadimplementos. Assim, afigura-se extremamente relevante a alusão de ORLANDO

GUEDES DA COSTA à “base contratual” que preside à relação estabelecida entre o

patrocinado oficiosamente e o seu advogado oficiosamente nomeado, no sentido de se realçar

o conjunto de obrigações a que advogado está adstrito. De facto, ao ser nomeado e não

existindo motivo de escusa, o advogado encontra-se vinculado ao cumprimento da sua

prestação no âmbito do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º Lei n.º 34/2004,

de 29 de Julho) e de igual forma vinculado ao cumprimento dos seus deveres deontológicos.

Logo, a verdade é que o patrono ou defensor nomeado oficiosamente continuará de igual

modo vinculado a um conjunto de obrigações (nas quais se incluem as normas deontológicas)

cujo incumprimento se deverá situar no âmbito da responsabilidade obrigacional. Portanto, a

180 COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 401. Não resistimos a citar as considerações do autor a este respeito, explicitando o mesmo que “o contrato inominado ou atípico de patrocínio ou de mandato judicial é regulado por um conjunto de obrigações para com o cliente impostas ex lege ao Advogado quer pelo interesse público da profissão quer pelo dever de independência do advogado e na prestação de serviços por nomeação oficiosa não pode deixar de se exigir o mesmo conjunto de obrigações do patrono ou do defensor para com o patrocinado oficiosamente, pois a prestação de serviços pelo advogado está enformada pelas mesmas regras num e no outro caso”, cfr. Idem. Aliás, continua o autor, “não deve distinguir-se, para efeitos de responsabilidade civil profissional, entre a prestação de serviços por nomeação oficiosa no caso de o patrocinado não encontrar quem voluntariamente queira patrociná-lo e o mandato judicial, e por isso é também ilegítimo distinguir-se, para o mesmo efeito, a prestação de serviços por mandato judicial. Se é igualmente proibido ao advogado aceitar mandato ou nomeação oficiosa em questão em que já tenha sido intervindo noutra qualidade, como a de perito ou testemunha, não razão, em caso de violação desta obrigação, para que ele responda contratualmente perante quem lhe passou procuração forense e extracontratualmente perante o patrocinado oficiosamente”, cfr. Ibidem. Portanto, em função da posição descrita, conclui a sua análise afirmando que se começa a não distinguir, na doutrina entre o advogado constituído e o nomeado oficiosamente para mediante essa distinção determinar a natureza da responsabilidade em que poderá incorrer o advogado, cfr. COSTA, Orlando Guedes da, ob. cit., p. 402. 181 Neste sentido, ABEL LAUREANO refere que como principal destrinça entre a representação por mandato judicial e a derivada de patrocínio oficioso revelará a fonte de onde provêm, pois enquanto que o primeiro resulta de um contrato, o segundo nasce ex lege. No entanto, o referido autor aponta como principais diferenças de regime o facto de o advogado oficioso ser obrigado a aceitar o patrocínio e de a fixação de honorários ser feita através de tabelas prescritas por lei, cfr. LAUREANO, Abel, ob. cit., p. 60. 182 Ao invés, JOSÉ LEBRE DE FREITAS afirma que “são contratuais os deveres para com o cliente – e é contratual a responsabilidade resultante da sua violação – que impendem sobre o advogado mandatado pela parte para o exercício do patrocínio ou para uma actividade extrajudicial, desde a consulta à elaboração dum contrato (…) Mas são extracontratuais os deveres do advogado oficioso (…) e delitual é a responsabilidade decorrente da sua violação", cfr. FREITAS, José Lebre de, ob. cit, pp. 694 ss.

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responsabilidade do advogado nomeado oficiosamente não poderá também deixar de ser

obrigacional.

3.2.1. A jurisprudência

Não obstante a alusão à jurisprudência referida supra, será pertinente, a propósito do

tema, atentar ainda a algumas decisões jurisprudenciais relevantes que enquadram a presente

temática no âmbito da responsabilidade obrigacional e que realçam o papel das normas

deontológicas no âmbito do contrato celebrado entre advogado e cliente bem como a

suscetibilidade de a sua violação originar responsabilidade civil daquele profissional. Atente-

se assim ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-1987, relatado por ALCIDES

DE ALMEIDA, que determinou que “é de natureza contratual, e não extracontratual, a

responsabilidade do advogado que mandatado para propor uma acção de responsabilidade

civil emergente de acidente de viação, deixou decorrer o prazo prescricional sem que o

fizesse”.

Já o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2010, relatado por

SEBASTIÃO PÓVOAS, refere que “não sendo um contrato de trabalho (e apenas uma

“species” – embora matriz – da prestação de serviços) o incumprimento do mandato forense

(incluindo deveres colaterais deontológicos) gera, em regra, responsabilidade contratual

perante o cliente”.

Nesta senda, veja-se ainda a decisão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de

22-01-2013, relatado por RUI MOREIRA que determina que “a responsabilidade do

advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem

natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do

contrato com ele firmado”.

Por último, com especial relevância, atente-se ao Acórdão do Tribunal da Relação de

Lisboa de 22-05-2012, relatado por LÚIS LAMEIRAS, no qual se refere que "ao advogado

vincula o cumprimento pontual e escrupuloso dos deveres consignados no respectivo estatuto,

bem como todos aqueles que a lei, usos, costumes e tradições lhe imponham, designadamente,

para com os clientes (artigo 76º, nº 3, do EOA). Em particular, na relação com o seu cliente,

onera-o o vínculo do estudo cuidado e do tratamento com zelo da questão de que seja

incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e actividade

(artigo 83º, nº 1, alínea d), do EOA). Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a

diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas

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também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado. A preterição desses seus

deveres pode fazer incorrer em responsabilidade civil (artigo 92º, nº 1, final, do EOA); sendo,

segundo cremos, corrente a jurisprudência no sentido de que a responsabilidade do advogado

pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza

contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com

ele firmado"183 184.

Portanto, por quanto aduzimos e realçamos, com os referidos apoios jurisprudenciais,

parece-nos que, no que diz respeito às relações entre advogados e os seus clientes, a

responsabilidade civil decorrente das violações das normas deontológicas dos advogados -

normas estas que se inserem no contrato (seja ele de mandato judicial ou prestação de

serviços na modalidade de mandato) - deverá situar-se no âmbito da responsabilidade

obrigacional.

3.3 – O dano perda de chance pela violação de normas deontológicas

O tema que nos propomos agora a analisar seria suscetível, por si mesmo, de justificar

uma dissertação autónoma. Assim, com a presente abordagem do mesmo, pretendemos

apenas, em forma de síntese, realçar a sua pertinência neste âmbito, tecendo ainda algumas

breves considerações sobre a perda de chance185 186 pela violação de normas deontológicas.

183 Neste sentido, remete ainda o último aresto referido para os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2010, proc.º nº 171/2002.S1, da Relação de Guimarães de 23 de Fevereiro de 2010, proc.º nº 8/04.7TBEPS.G1, da Relação de Lisboa de 9 de Novembro de 2004, proc.º nº 6127/2004-7, de 15 de Maio de 2008, proc.º nº 3578/2008-6, e de 24 de Junho de 2010, proc.º nº 9195/03.0TVLSB.L1-6, e da Relação do Porto de 1 de Junho de 2006, proc.º nº 0631913, e de 14 de Julho de 2010, proc.º nº 2555/07.3TBVNG.P1. 184 A par destes Acórdãos é ainda possível elencar outros com relevância para o tema, atente-se assim aos seguintes Acórdãos: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-09-2009, relatado por GONÇALVES FERREIRA, que da mesma forma determina que “é de natureza contratual a responsabilidade civil de advogado, derivada do incumprimento do mandato judicial.”. Será também pertinente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16-02-2012, relatado por JOSÉ LÚCIO, que decidiu que “no que se refere aos danos causados ao cliente, a responsabilidade do advogado é contratual, na medida em que decorre de violação de dever jurídico referente ao contrato de mandato celebrado entre as partes”. Finalizando, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-11-2004, relatado por MARIA DO ROSÁRIO OLIVEIRA, no qual se refere que: “O problema da responsabilidade civil do advogado, por incumprimento do contrato de mandato, levanta diversas questões, devendo ser analisada à luz das disposições do CC. (v.g. arts. 798º e ss.), mas também das normas reguladoras da sua profissão (Estatuto da Ordem dos Advogados – D.L. n.º 84/84, de 16 de Março e respectivas alterações)” evidenciando-se a importância das normas deontológicas para a determinação da responsabilidade civil destes profissionais. 185 A respeito da figura da perda da chance atente-se especialmente à obra de RUTE TEIXEIRA PEDRO sobre da responsabilidade civil do médico, vide PEDRO, Rute Teixeira, “A responsabilidade civil do médico: reflexões sobre a noção da perda de chance e a tutela do doente lesado”, Coimbra, Coimbra Editora, 2008. Ademais, sobre a noção de chance vide PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., pp. 179 ss. A respeito do tema serão ainda relevantes, entre outras, as obras de CORDEIRO DA COSTA, Patrícia Leal, “Dano perda de chance e a sua perspectiva no direito português”, [Em linha], disponível em http://www.verbojuridico.com/doutrina/2011/patriciacosta_danoperdachance.pdf e FRADA, Manuel A. Carneiro Da, “Direito Civil Responsabilidade Civil – O método do caso”, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 100 ss.

51

No âmbito da responsabilidade civil dos advogados, surgem frequentemente questões

que se prendem com a ressarcibilidade da perda de chance ou de oportunidade. Atendemos

neste âmbito aos casos em que, em função de um ato ou omissão negligente do advogado, a

possibilidade de sucesso no litígio ficou irremediavelmente perdida. Veja-se, por exemplo, as

hipóteses em que o advogado: não propõe uma ação ocorrendo a prescrição do direito do seu

cliente; não interpõe recurso de uma decisão desfavorável, que, portanto, transita em

julgado187; não contesta a ação dirigida contra o seu cliente, ou, ainda, pratica qualquer desses

atos depois de expirados os prazos para tal 188. Ora, nestes casos, existe uma aleatoriedade que

dificulta a formulação de um juízo de condicionalidade e uma (efetiva) impossibilidade do

cliente afirmar que, sem dúvida alguma, caso não tivesse ocorrido o ato ou omissão culposa

do advogado a parte representada teria vencimento na ação, pois, a decisão final decorreria

sempre de um juízo que dependeria da prova produzida, das orientações doutrinais e

jurisprudenciais vigentes no momento da decisão, do entendimento professado pelo julgador,

etc189. Para superar os argumentos em que se alicerça a rejeição da figura com base nas

dificuldades decorrentes da impossibilidade de formulação de um juízo de certeza de que os

186 A admissibilidade da teoria da perda de chance na jurisprudência portuguesa não é pacífica, atente-se a título exemplificativo ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-05-2012, relatado por JOÃO CAMILO, que considerou que “a doutrina da perda de chance ou de oportunidade, em geral, não tem apoio na nossa lei civil” e em sentido inverso ao Acórdão daquele mesmo Tribunal de 19-06-2012, relatado por ISABEL FONSECA, em que se afirma que “por isso, embora outras soluções fossem possíveis (cof. autor e obra citada), há que ter em conta o dano conhecido por “perda de chance” ou “perda de oportunidade” que cabe claramente, dentro dos princípios orientadores do nosso ordenamento jurídico-civil”. 187 Nas hipóteses de falta de interposição de recurso é possível distinguir duas situações igualmente suscetíveis de gerar responsabilidade civil do advogado. De facto, a não interposição de recurso poderá gerar responsabilidade naqueles casos em que o advogado, mandatado para interpor recurso de decisão desfavorável, por sua opção e em função da sua independência técnica, decide não o fazer por entender que não existe fundamento para a interposição do mesmo. Como já tivemos oportunidade de explicitar, esta opção é legítima, no entanto, na hipótese de o advogado não dar conhecimento em tempo útil dessa mesma opção ao cliente, de forma a possibilitar o recurso à opinião e eventual assistência de um outro profissional, violará o disposto no artigo 95.º do EOA e originará irremediavelmente a perda da chance do cliente ver a sua pretensão reapreciada por uma instância superior. Por outro lado, atente-se ainda à hipótese de o advogado por incúria ou esquecimento não efetuar a interposição do recurso dentro do prazo legal, o que, consequentemente, impossibilitará a reapreciação da decisão desfavorável. Terá pertinência a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-02-2013, relatado por JOSÉ AMARAL, cujo sumário passamos a transcrever de seguida: “ I - O advogado que, mandatado para o efeito, com procuração, em processo de expropriação, não interpõe recurso da decisão arbitral, através do qual a sua cliente expropriada pretendia impugná-la e obter indemnização superior, responde civilmente, com fundamento na chamada perda de chance. II - Apesar de não invocado expressamente, tal dano insere-se no âmbito da causa de pedir e do pedido, pelo que a sentença não padece de nulidade com esse fundamento”. 188 Cfr. PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., pp. 190 ss. e CORDEIRO DA COSTA, Patrícia Leal, ob. cit., pp. 30 ss. 189 PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., pp. 190 ss. Explicita a este respeito RUTE TEIXEIRA PEDRO que “o êxito judicial é, por isso, função de múltiplos elementos que são estranhos ao cumprimento ou incumprimento do advogado: alguns deles relacionados com o cliente, quando este não informa devidamente ou oculta dados ao seu advogado, outros relacionados com o “impercrutabile «fato giudiziario» - em que se inclui a possibilidade de erro judiciário”, cfr. PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., p. 192.

52

danos verificados (perda de chance processual190) foram consequência direta do ato ou

omissão do causídico191, ou seja, a impossibilidade de determinar o nexo causal, em termos de

causalidade adequada, alguns autores advertem para a possibilidade de “ (…) considerar a

perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação

ao dano final (…) ”192 193 194.

Assim, parece-nos que a contratação de um causídico para representação em juízo no

âmbito de um processo judicial pretenderá acautelar, em hipótese, a não apresentação da

contestação ou do recurso, a prescrição do direito, etc195. Com efeito, somos da opinião de

que as partes erigem essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato196, isto é, o

190 PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., p. 190. 191 Atente-se ao Acórdão o Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2010, relatado por SEBASTIÃO PÓVOAS, que rejeitou a ocorrência do denominado dano de perda de chance ou de oportunidade afirmando que “se um recurso não foi alegado, e em consequência ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa”. 192 FRADA, Manuel A. Carneiro da, ob. cit., p. 104. 193 RUTE PEDRO TEIXEIRA explicita que “erigida a chance à categoria de entidade autónoma, o dano que resulta da sua frustração será também dotado de autonomia, sendo substancialmente diverso do dano decorrente da perda do resultado por ela propiciado”, cfr. PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., p. 221. Segundo a referida autora, a perda de chance trata-se também de um dano certo uma vez que “ (…) tem por objecto a perda da possibilidade de conseguir um resultado determinado, a qual (possibilidade) existia no momento da lesão e pode ser provada (tem que o ser) com o grau de verosimilhança exigido. A certeza respeita, portanto, não à verificação desse resultado possível, mas à sua inviabilização definitiva. Então, o dano é certo, apesar do objecto do juízo de certeza ser, em si mesmo, um quid incerto”, cfr. PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., pp. 226 ss. Em especial sobre a caracterização do dano perda de chance vide PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., pp. 221 ss. 194 A respeito das objeções, dificuldades e inconvenientes consequenciais bem como dos aspetos positivos da admissibilidade da teoria da perda de chance como instrumento de protecção do doente lesado vide PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., pp. 377 ss. 195 Não obstante as considerações realizadas na nota de rodapé 187. 196 Esta concretização da figura e da chance em si é especialmente importante atenta a explicitação de MANUEL A. CARNEIRO DA FRADA que refere que “se no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que erigiram essa “chance” a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar: a primeira alternativa do art. 483 n.º 1 não dá espaço e, fora desse contexto, tudo depende da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda da “chance””, cfr. FRADA, Manuel A. Carneiro da, ob. cit., p. 104. Com efeito, de acordo com a lição do autor a respeito de uma hipótese de perda de chance de ação (no caso não decorrente de uma ação ou omissão de um advogado mas cujas considerações serão aplicáveis mutatis mutandis), afirma o autor que “ (…) é necessário considerar que a mera possibilidade de intentar uma acção com êxito consubstancia um bem jurídico tutelável. O recurso a esta via apresenta-se mais fácil no plano contratual (…). Neste âmbito, com efeito, o legislador não determinou vinculativamente (ex ante) as situações de responsabilidade civil. A frustração de uma oportunidade pode desencadear responsabilidade, na medida em que se possa dizer que a referida “chance” era um bem jurídico situado dentro do perímetro de protecção do contrato”, cfr. FRADA, Manuel A. Carneiro da, “Danos económicos puros: ilustração de uma problemática / Manuel A. Carneiro da Frada, Maria João Pestana de Vasconcelos”, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, p. 172. Em conformidade com as considerações que tecemos a propósito da natureza da responsabilidade civil dos advogados no âmbito da relação estabelecida entre advogado e cliente e atenta a justificação da salvaguarda da chance no plano do contrato celebrado entre aquele profissional forense e o cliente, a admissibilidade da figura parece-nos útil e defensável. No entanto, tal como explicita MANUEL A. CARNEIRO DA FRADA, “têm de evitar-se desproporções entre a responsabilidade por não cumprimento e as vantagens que a (pontual) execução do contrato visava assegurar ao credor”, cfr. FRADA, Manuel A. Carneiro Da, “Direito Civil Responsabilidade Civil – O método do caso”, Coimbra, Almedina, 2010, p. 105.

53

constituinte, ao contratar o causídico, pretende precisamente acautelar os danos

imediatamente produzidos pela sua inércia processual, ao passo que o causídico aceita praticar

os atos necessários ao aproveitamento da chance de contraditar, alegar etc197, pelo que, este

inadimplemento do causídico poderá gerar responsabilidade civil do mesmo pela perda de

chance.

Continuando o excurso a que nos propusemos, questionamo-nos, neste âmbito, se a

violação de normas deontológicas poderá gerar responsabilidade civil do advogado pela perda

de chance. Isto é, poderá uma violação deontológica propriamente considerada originar uma

perda de chance ou de oportunidade? Para respondermos à questão colocada será pertinente

ter em atenção o seguinte exemplo que já tivemos oportunidade de avançar198 e que foi objeto

de decisão no âmbito do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-04-2010, relatado

por SEBASTIÃO PÓVOAS. Considere-se, assim, a hipótese de o mandatário que contratado

para interpor recurso de uma decisão desfavorável não apresenta as respetivas alegações de

recurso por, na sua perspetiva, o mesmo não ser viável, originando a deserção do recurso e

sem disso informar o seu constituinte em tempo útil, o que implica a imposição da sua

vontade ao cliente e o impossibilita de solicitar a assistência por um outro profissional. Ora,

nesta hipótese, em abstrato, apesar de a opção de não alegar poder ser legítima em função da

independência técnica do profissional, seria possível asseverar a violação do disposto nos

197 Será pertinente considerar neste sentido ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2010, relatado por MOREIRA ALVES, de cujo sumário consta o que passamos a transcrever: “ (…) V - O advogado deve actuar da forma mais conveniente para a defesa dos interesses do cliente, aconselhando-o, defendendo-o com prontidão, consciência e diligência, assumindo responsabilidade pessoal pelo desempenho da missão que lhe foi confiada – cf. EOA e Código Deontológico. VI - Provado que o meio exigível, diligente e adequado, de acordo com as regras estatutárias e deontológicas da profissão de advogado, não foi cumprido pela ré (devedora dessa diligência exigível), competia-lhe demonstrar que a omissão de apresentação de contestação não decorreu de culpa sua. VII - Se o próprio advogado, por negligência sua, não contesta uma acção, é claro que retirou ao seu cliente a possibilidade de se defender naquela acção, de ver apreciados os seus argumentos, as suas razões e as provas que os suportariam. VIII - A defesa, garantida por lei a todas as partes, enquanto conteúdo integrante do princípio do contraditório, constitui um bem jurídico tutelado pela lei processual e, no caso, também um bem jurídico protegido pelo contrato”. O aresto referido concretiza ainda que em função da falta de apresentação da contestação pelo advogado, o mesmo “privou o cliente de um direito processual essencial, consagrado na lei do processo, e essa omissão determina a imediata confissão dos factos alegados pelo A., o que, independente da sorte da acção, caso tivesse o seu percurso normal, constitui, por si só, um dano ou prejuízo autónomo. A defesa, garantida por lei a todas as partes, enquanto conteúdo integrante do princípio do contraditório, tal como acima definido, constitui um bem jurídico tutelado pela lei processual e, no caso, porque estamos no plano contratual, também um bem jurídico protegido pelo contrato”. Por outro lado, será ainda pertinente atentar à lição de RUTE TEIXEIRA PEDRO, aplicável mutatis mutandis aos advogados, que passamos a transcrever: “Assim, quando o médico se vincula a realizar um acto em que, pelo jogo de múltiplos factores, os respectivos efeitos são aleatórios (assume uma obrigação, dita, de meios), ele obriga-se, não só a aproveitar as possibilidades (chances) existentes de que esses efeitos se venham a revelar favoráveis ao doente (o que não pode garantir), mas também e necessariamente (como pressuposto daquele aproveitamento), a não destruir essas possibilidades (chances)”, cfr. PEDRO, Rute Teixeira, ob. cit., pp. 457 ss. 198 Vide nota de rodapé 187.

54

artigos 83.º n.º 1 e 95.º n.º 1, alíneas a) e), e n.º 2 do EOA199, o que impossibilitaria assim que

a decisão fosse reapreciada (em função de um hipotético recurso interposto por diferente

causídico). De facto, por quanto realçamos e consideramos, parece-nos que esta seria uma

hipótese de aplicação da teoria da perda de chance pela violação de normas deontológicas

uma vez que, in casu, as referidas violações deontológicas determinaram a perda da chance

processual200.

Em conclusão, parece-nos que a aplicação da figura será - para além de admissível à

luz do nosso ordenamento jurídico201 - especialmente relevante no âmbito da responsabilidade

civil dos advogados e poderá possibilitar a tutela de danos (isto é, a perda de chance per si)

provocados pelos advogados em função da violação das normas deontológicas aplicáveis na

sua relação com os clientes.

199 Assim decidiu - refere o Acórdão supramencionado - o Conselho de Deontologia da OA do Porto em processo disciplinar sobre os factos versados naquele aresto, que, concretizando, imputou ao mandatário o facto de não ter dado “ (…) a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que o cliente invoca” assim como não ter prestado informação sobre o andamento da questão e ter cessado, o patrocínio sem motivo justificado ou, ainda que este existisse, tê-lo feito por forma que impossibilitou o cliente de obter, em tempo útil, a assistência de outro advogado”.

No entanto, parece-nos que andou mal aquele Tribunal ao rejeitar a admissibilidade da teoria da perda de chance em função de não se estar perante um dano presente ou futuro, dano esse que só revelaria se se tivesse provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida, isto é, por não ter ficado demonstrada a causalidade, já que o resultado do recurso é sempre aleatório. A rejeição da aplicabilidade da figura nestas hipóteses motivará decisões injustas e conduzirá à improcedência de pedidos de indemnização contra profissionais que violaram os seus deveres deontológicos para com os clientes e, em consequência, provocaram danos tuteláveis à luz do nosso ordenamento jurídico. Neste sentido, será especialmente relevante atentar ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2010, relatado por MOREIRA ALVES, considerou que “ (…) sendo a falta da responsabilidade da 1ª Ré (porque, como se deixou dito, tem de imputar-se-lhe a título de culpa), não pode conceber-se que a referida impossibilidade de determinar o nexo causal, em termos de causalidade adequada, conduza a irresponsabilização da profissional que violou ilicitamente e com culpa, os seus deveres para com o cliente. Uma tal concepção levaria a muitas violações sem sanção suficiente, intoleravelmente, como diz Carneiro da Frada na obra acima citada. A ser assim, dificilmente se poderia responsabilizar o advogado perante o seu cliente por incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato, o que igualmente ocorreria no âmbito dos serviços médicos e muitos outros, o que repugna à consciência jurídica da comunidade. Por isso, embora outras soluções fossem possíveis (cof. autor e obra citada), bem andou o acórdão recorrido ao ter em conta o dano conhecido por “perda de chance” que, na nossa modesta opinião, cabe claramente, dentro dos princípios orientadores do nosso ordenamento jurídico-civil”. No mesmo sentido, observe-se também o Acórdão daquele mesmo Tribunal de 19-06-2012, relatado por ISABEL FONSECA. 200 Será pertinente atentar à lição de PAULO CORREIA que afirma que “ (…) ante a constatação da violação do profissional do foro dos deveres de competência e de zelo na relação com o seu cliente, importa aferir se em concreto tal violação comprometeu ou não a possibilidade de êxito na acção. Caso a resposta se apresente positiva, esse dano deve ser ressarcido, não directamente em função da pretensão desse cliente na acção, não o que poderia ter recebido (quando figure do lado activo) ou o que ficou obrigado a satisfazer (quando do lado passivo) por força da decisão em que não obteve ganho de causa, mas, tão só, quanto aos danos correspondentes a, por falta de aptidão ou de incúria do mandatário, ter visto desperdiçada a oportunidade desse recebimento ou de não ficar obrigado a satisfazer tal obrigação, respectivamente”, cfr. CORREIA, Paulo, “Da responsabilidade civil do advogado pelo incumprimento dos deveres de competência e de zelo”, Revista do Ministério Público, Lisboa, A. 30, n.º 119, Jul-Set 2009, p. 175. 201 Em sentido favorável à aplicação da teoria da perda de chance atente-se ainda aos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2011, relatado por TÁVORA VICTOR, de 14-03-2013, relatado por MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA e ainda ao de 05-02-2013, relatado por HELDER ROQUE.

55

Conclusão Atento o percurso de investigação delineado, procuramos evidenciar inicialmente a

necessidade de regulação da atividade profissional dos advogados em função do seu papel na

administração da justiça e no patrocínio das partes. Constatamos assim que a advocacia é

regulada por um conjunto de disposições deontológicas mediante as quais os advogados

devem pautar o seu comportamento profissional e cívico. Ora, após a análise do conceito de

deontologia e das fontes da mesma, verificamos que a Doutrina é unânime no que diz respeito

à natureza e conteúdo ético destas normas. De facto, asseveramos que as normas

deontológicas dos advogados têm plena juridicidade, não sendo, portanto, extrajurídicas, pelo

que é possível concluir que se assumem como normas, simultaneamente, deontológicas e

jurídicas.

Assim, de acordo com a importância da advocacia na administração da justiça e no

patrocínio dos direitos e interesses dos clientes, pretendemos demonstrar as limitações da

responsabilidade disciplinar na tutela cabal dos cidadãos que recorrem aos serviços destes

profissionais forenses. Com efeito, concluímos que a referida tutela dos clientes nunca se

bastará com o sancionamento disciplinar dos mesmos, impondo-se a condenação em sede de

responsabilidade civil pela violação de normas deontológicas nos casos em que se justifique o

ressarcimento dos danos sofridos. Neste sentido, analisadas as normas do EOA que aludem à

responsabilidade civil dos advogados, pudemos constatar que aquele Estatuto determina a

independência da responsabilidade disciplinar da responsabilidade civil e criminal e

estabelece o regime do seguro de responsabilidade civil profissional bem como os requisitos

necessários para a limitação da responsabilidade civil dos advogados.

Por conseguinte, evidenciada a necessidade de uma tutela cível dos clientes lesados

em virtude do inadimplemento de normas deontológicas dos advogados, verificamos os

termos e determinadas especificidades do regime de responsabilidade civil dos advogados

pela violação das normas deontológicas.

Em síntese, determinamos que a própria Doutrina admite que o inadimplemento de

normas deontológicas dos advogados é suscetível de fundamentar uma eventual tutela cível

dos danos causados aos clientes, pois só assim se poderão tutelar plenamente os interesses e

direitos destes. Por outro lado, reconduzimos as diferentes dimensões da atividade

profissional do advogado ao âmbito contratual, isto é, no caso do patrocínio forense, ao

âmbito do contrato de mandato forense (artigo 62.º do EOA), no caso do mandato não

forense, ao âmbito do contrato de mandato e, por último, no caso da consulta jurídica ao

56

âmbito de um contrato de prestação de serviços, que segundo L.P. MOITINHO DE

ALMEIDA, assumirá também a modalidade de contrato de mandato (uma vez que nestas

hipóteses o advogado obriga-se a prestar ao cliente e por conta do mesmo o ato jurídico que

denominamos por consulta).

Desta forma, reconduzida a atividade profissional do advogado ao plano contratual,

verificamos que a prestação principal do advogado, seja ela o patrocínio forense, a prática de

atos jurídicos por conta de outrem ou a consulta jurídica, é conformada pelas normas

deontológicas que assumem um cariz injuntivo uma vez que não podem ser livremente

afastadas pela vontade das partes. Portanto, é nosso entender que as normas deontológicas dos

advogados integram o contrato celebrado entre advogado e cliente como deveres acessórios,

como aliás resulta dos apoios doutrinais e jurisprudenciais referidos. Ora, atendendo à base

contratual em que assenta o exercício da advocacia e em função da integração das normas

deontológicas no contrato celebrado entre advogado e cliente como deveres acessórios, a

violação das referidas normas deverá situar-se no plano contratual, pelo que a natureza da

responsabilidade civil do profissional neste âmbito será obrigacional. Do mesmo modo, no

que diz respeito à natureza da responsabilidade civil no âmbito das nomeações oficiosas é

nosso entender que o patrono ou defensor nomeado oficiosamente continuará de igual forma

vinculado a um conjunto de obrigações (nas quais se incluem as normas deontológicas), cujo

incumprimento, se deverá situar no âmbito da responsabilidade obrigacional.

Por último, atenta a relevância da perda de chance no âmbito da responsabilidade civil

dos advogados, realizamos um breve excurso a fim de analisar a perda de chance pela

violação de normas deontológicas. De facto, concluímos que a aplicação da figura será - para

além de admissível à luz do nosso ordenamento jurídico - especialmente relevante no âmbito

da responsabilidade civil dos advogados e poderá possibilitar a tutela de danos (isto é, a perda

de chance per si) provocados pelos advogados em função do inadimplemento das normas

deontológicas aplicáveis na sua relação com os clientes.

Concluindo, o tema da responsabilidade civil dos advogados apresenta determinadas

particularidades que justificam que a Doutrina e Jurisprudência se debrucem coniventemente

sobre as mesmas em virtude da sua importância prática. Impõe-se assim a estabilização de

determinadas questões atendendo à segurança do sistema jurídico de forma a impossibilitar

que situações semelhantes gerem decisões diametralmente opostas em função unicamente do

entendimento do julgador, tanto no que diz respeito à natureza da responsabilidade civil no

âmbito da relação entre advogado e cliente, como no tratamento adequado da

57

responsabilidade civil pela violação de normas deontológicas (integrando-as em nossa opinião

no âmbito do contrato) e ainda na possibilidade de aceitação da teoria da perda de chance no

nosso ordenamento jurídico, no sentido de se evitar a irresponsabilidade civil do profissional

que causou danos ao cliente em virtude do inadimplemento dos seus deveres deontológicos

para com o mesmo.

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